FACULDADE DE BELAS-ARTES
3. Desde a metade dos anos 80 do século passado, Koons instalou uma fábrica no
distrito de SoHo em Nova Iorque na qual emprega por volta de cem assistentes para a
confecção de suas obras. Do mesmo modo, a linha de produção de Henry Ford gabava-se
da quantidade de veículos que se conseguia montar em um curto período de tempo.
Segundo a teoria marxista, a força de trabalho, os meios de produção e as relações de
produção, constituem o modo de produção. A estrutura social correspondente ao modo de
produção de Koons é capitalista. O valor de suas obras é determinado pelo culto e segue
estritamente a ideologia do mercado livre.
6. O pluralismo faz com que haja uma espécie de equivalência entre as artes: faz
com que muitos tipos de arte se pareçam mais ou menos iguais, o que as coloca em um
mesmo nível de importância.
9. Embora seja difícil diagnosticar o pluralismo, dois indícios são fundamentais para
sua constatação: a carência do mercado por artes “atemporais”, ou seja, não-efêmeras, e a
quantidade de escolas artísticas. Ora, para que essas escolas todas pudessem ser absorvidas
pelo mercado, era necessário que as definições estritas do que é arte e do que não é fossem
completamente aniquiladas.
13. A arte moderna utilizou-se de formas históricas, quase sempre para desconstruí-
las. A arte contemporânea assume formas históricas, descontextualizadas, coisificadas.
Paródias que são profundamente a-históricas porque negam o contexto da história, negam
o seu continuum e tentam resolver através do pastiche conflitos profundos entre formas de
arte e modos de produção.
14. Jeff Koons enquadra-se nesta figura que assume uma história
descontextualizada, um pastiche pornográfico de Andy Warhol que celebra a aceitação do
mercado do que antes era uma vanguarda – a Pop Art – contestadora da sociedade de
consumo e seus ícones. Quando Warhol dizia que desejava pintar como uma máquina
havia nisso um profundo sentido e uma ironia, ao contrário do modo de produção de
Koons que sequer pergunta pela máquina, mas apenas a assume como o meio de fabricação
para seus produtos. O próprio caráter do que era a Factory de Andy Warhol – um lugar
para o encontro e a troca entre diversos artistas da época - e o que é a fábrica de Koons –
um modelo fordista de produção – revela a distância entre ambos.
15. Hal Foster: “Ver outros períodos como espelhos do nosso é converter a história
em narcisismo; ver outros estilos como abertos ao nosso é converter a história em um
sonho. Mas assim é o sonho do pluralista: parece o passeio de um sonâmbulo pelo museu.”
16. A ausência de conhecimento a respeito dos limites históricos e sociais não nos
liberta deles, pelo contrário, submete-nos ainda mais a eles, e a tentativa de virar as costas
para a história em detrimento de um Eu – como se esse Eu não fosse condicionado, em
partes, pela história – acaba se tornando uma retirada do indivíduo para dentro, da política
para a psicologia. Nesse caso, a força que havia na subjetividade em determinado momento
histórico (como no Surrealismo, por exemplo) agora, convertida em norma, cria uma
liberdade forçada e a serviço do status quo. Uma liberdade ingênua, por assim dizer.
17. Se o pluralismo abre mão da crítica, era de se esperar que os antigos valores do
artista original e da obra-prima fossem também descartados. Porém, isso não ocorre. Como
no pluralismo não há qualquer critério próprio ou crítico, os antigos valores retornam
como os valores necessários para o mercado.
24. Hal Foster: “Hoje o artista inocente é um diletante que, ligado à ironia
modernista, ostenta a alienação como se fosse liberdade.”
25. A arte atual é governada por uma conivência de formas privilegiadas mediadas
por formas públicas, muito mais do que por um conflito entre a academia e as vanguardas.
26. A arte atual é regida por uma espécie de mecanismo cíclico semelhante ao que
rege a moda e cujo ritmo é determinado pelo passado popular, ou seja, é uma arte de
regressos e referências e não de transgressões utópicas e anárquicas como nas vanguardas.
27. Se as vanguardas foram dotadas de força crítica e idealismo político, hoje a arte
regressiva é o que se apresenta no pluralismo. Na fala de muitos artistas as vanguardas são
confundidas com uma espécie de ideologia do progresso e seus desejos de transformação
como absurdos.
29. A cultura é agora uma indústria para a economia consumista como um todo e a
arte, raras vezes, opõe-se a isso, sendo convertida ela também em um bem de consumo.
Como os museus, galerias, casas de arte, revistas, etc., são beneficiários de tal consumismo,
é evidente que eles promovam o pluralismo.
30. Baudelaire dizia que os dois tipos modernos eram o dândi e o criminoso. Essas
posturas de transgressão radical ou de uma pseudo-aristocracia foram contrárias à postura
burguesa, porém não constituíram uma coletividade real. Conforme a burguesia descartou
os seus valores sociais e normas culturais como obrigações políticas, reclamou para si os
valores das vanguardas como seus. O dândi e o criminoso tornaram-se heróis burgueses.
31. Hal Foster: “Estamos em uma época do dândi, do retiro do presente político.
Mas com uma diferença: em um estado pluralista tal retiro não é nenhuma transgressão; a
postura do dândi é a de todo mundo.” E não seria esta a postura de Jeff Koons?
32. Todos procuram a marginalidade, mesmo que ela não possa ser preservada.
Certamente a marginalidade não é dada hoje como crítica, porque a periferia invadiu o
centro, e o centro a periferia. Um exemplo disso seria uma instituição anteriormente
marginal propor a um grupo marginal que faça uma mostra, e um museu a realizar para
perder a sua aura de anti-marginal. Os marginais aceitam para perderem a sua
marginalidade. Todos são absorvidos. O heterogêneo transformado em homogêneo. O
pluralismo.
33. A arte que é convertida em popular mediante um clichê explora a queda da arte
nos meios de massa. A arte que expõe os clichês especula com eles criticamente.
35. O pluralismo não leva a uma consciência aguçada da diferença, mas a uma
condição estagnada da ausência de distinção.
37. Ser contra o pluralismo não é um argumento em favor das velhas verdades da
arte, mas para que se inventem novas verdades, ou melhor dizendo, para que se reinventem
velhas verdades de modo mais radical. Caso contrário, o retorno dessas velhas verdades dá-
se de maneira degradada, disfarçada de conservadorismo e outras regressões.
38. É o pluralismo que legitima a regressão de Jeff Koons a uma Pop Art já extinta,
porém ainda reconhecível e plenamente aceita pelo mercado de arte. Obras que não
desafiam em aspecto algum o status quo. Muito pelo contrário, estão interconectadas com
todas as instâncias, inclusive com o modo de produção.
44. O sonâmbulo é aquele que dorme caminhando em um mundo que ele vê sem
estar vendo. E é nessa condição paradoxal que reside também a dificuldade de se
estabelecer um fundamento para a crítica.
45. O sonambulismo – uma exceção do sono – torna-se a regra para o espectador
contemporâneo e para o artista, de modo geral.
46. O sonâmbulo não tem memória. Para ele, o Hades é um eterno presente.
Bibliografia