1
N o século X I X e nos princípios d o século X X , a devoção popular concentrava-se na
pessoa individual de Maria, a teologia estudava os seus privilégios, que os exegetas examinavam
à luz de alguns textos essenciais do A . T.: Gen 3 , 1 5 ; Is 7, 14; Prov 8, 22; Sir 24. L. AITING v o n
GESAU, «Alcune idee sulla mariologia attuale», in Igrandi temi dei Concilio, R o m a 1965,475; I. de
la POTTERIE, «La Figlia di Sion. Lo sfondo bíblico delia mariologia d o p o il Concilio Vaticano II»,
Marianum 49 (1987) 356-376.
2
G. PHIIIPS, L'Église et son mystère au deuxième Concile du Vatican. Histoire, texte et
commentaire de la Constitution «Lumen Gentium», Paris 1968, II, 231.
3
N . LEMMO, «'Maria figlia di Sion', a partire da LE 1, 26-38. Bilancio esegetico dal 1939
al 1982», Marianum 45 (1983) 175-258 (253). Extracto da tese de doutoramento e m Teologia,
na Faculdade Pontifícia de Teologia «Marianum».
4
C f . I . d e l a POTTEHIE, a . c . , n . 7 .
s
São paradigmáticos apenas dois textos de S. Germano de Constantinópola ( -f 733)
(PG 98, 306 D . 373A).
6
«Chaire kecharitomene», Bíblica 20 (1939) 131-141.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO D O POVO DE DEUS 239
7
Der Messias und das Gottesvolk. Studien zur protolukanischen Theologie, Uppsala 1945,
(148-151; 183-189).
8
«The Virgin Mary Daughter o f Si on», Theology 53 (1950) 403-410; o artigo foi
traduzido e m francês: «La Vierge Marie, Fille de Sion», La Vie Spirituelle 85 (1951) 127-139.
9
S. LYONNET, «Il racconto dell'Annunciazione e la maternità divina delia Madonna»,
La Scuola Cattolica 82 (1954) 411-446.
10
Structure et Théologie de Luc I-II, Paris 1957, 64-71; 148-163.
240 DIDASKALIA
O tema da Filha de Sião surge nos fins do séc. VIII A.C., com o
profeta Miqueias (1,13; 4,10ss) 12 . A Filha de Sião deve «vir até à
Babilónia» n u m grande movimento de libertação e de expansão. Todo
o contexto é de alegria e de vitória. A expressão utilizada deve ser
antiga. Os textos mais primitivos falam da «filha» de uma cidade, não
em referência a essa cidade, mas a uma cidade dela dependente,
embora fortificada ( N u m 21,25.32; 33,42). N o tempo de Miqueias a
Filha de Sião encontra-se nas imediações de Jerusalém e mantém
estreitas relações com Samaria. T u d o indica que se trata do quarteirão
novo de Jerusalém, ao Norte da Cidade de David, onde se albergavam
os refugiados vindos do Reino de Israel, após a queda da Samaria, em
721. Este Resto de Israel estabeleu-se na colina do Templo, protegida
pelo m u r o Norte. Era uma população que vibrava na esperança da
libertação cada vez que o poder assírio enfranquecia 1 3 .
C o m a Filha de Sião está conexa a imagem de u m parto, apresen-
tado jora como glorioso ora como doloroso. Miqueias evoca o
nascimento do rei, que iria dar à luz aquela que estava grávida
(Miq 5,2). Era o nascimento do chefe de Israel, análogo ao filho
anunciado pelo profeta Isaías (7,14). C o m o no Egipto e na Assiro-
11
Depois destes estudos pioneiros, muitos autores têm abraçado as mesmas teses,
identificando Maria c o m a Filha de Sião. Citemos alguns deles: J. P. Audet (1956), H. Cazelles
(1959; 1964; 1967; 1979); M . Thurian (1962), P. Benoit (1963), Ortensio da Spinetoli (1963),
Ph. Zobel e M . Caplaim (1968), L. Deiss (1968) H. R o u x (1968) E. G. Mori (1969). B. Rigaux
(1971), A. Feuillet (1974), A. M . Serra (1977, 1980), K. Stock (1980), I. de la Potterie (1988).
Por sua vez, R . B r o w n (1977) é crítico e m relação à referida exegese. As referências bibliográficas
encontram-se n o citado artigo de N . LEMMO.
12
Cf. H. CAZELLES, «La fonction éternelle de Sion et de Marie», in Maria in Sacra
Scriptura, VI, R o m a e 1967, 165-178.
13
Segundo A . PETITJEAN, Les Oracles du Protû-Zacharie, Louvain-Paris 1969, 128-160,
«Sião» identifica-se simplesmente c o m «Jerusalém» iSl 51, 20; Is 10, 12; J1 3, 5). N a literatura
profética, os dois termos «Sião» e «Jerusalém» indicam, num primeiro momento, não a cidade,
mas os seus habitantes. Só n u m segundo m o m e n t o denotam a sorte feliz ou dolorosa anunciada
à população aglomerada nas proximidades de Sião.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO D O POVO DE DE US 241
A Filha de Sião é afinal uma mãe que intercede por seus filhos,
como afirma constantemente a segunda parte do Livro de Isaías
(40-55) 14 . Nos oráculos do 3.° Isaías (56-66), o seu parto é simulta-
14
O título de «mãe» referido a Israel e raro no A. T.. Porém encontra-se c o m frequência
o conceito da maternidade do P o v o de Deus. Segundo o SI 87, de Sião será dito: «Todo o h o m e m
ali nasceu» (v.5). Os pagãos serão adoptados pela colina sagrada, que se torna pátria de todos os
homens. N o texto grego lc-se o seguinte: «Mãe Sião, dirá u m homem; e u m h o m e m nasceu
242 DIDASKALIA
nela, e ele, o Altíssimo, a fundou» (SI 86,5 LXX). O tema da maternidade de Sião encontra-se
ainda na tradição judaica (v.g., no Targurn do Cântico 8,5). S. Paulo fala de uma dúplice Jerusalém
e de uma dúplice maternidade (Gal 4,26). Para S. João, a «mulher» junto à Cruz personifica a
Filha de Sião, que congrega na unidade todos os seus filhos (Jo 11,52; 19,26). A maternidade
espiritual de Maria é a realização escatológica da maternidade de Sião. A tradição patrística e
medieval refere-se constantemente à maternidade da Igreja. Cf. I. de la POTTBRIE, a.c., 363s.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO DO POVO D E DE US 243
A partir do séc. II a.C. e até aos séc. IV-V da nossa era este texto,
juntamente com Zac 2,14-15, tornou-se u m lugar clássico, quer para o
judaísmo, que nele reflectia a própria esperança escatológica
messiânica, quer para o cristianismo, que descobria em Cristo a
realização perfeita deste anúncio profético 1 6 . A profecia é evocada
por Mt 21,5 e Jo 12,15. E m ambos os casos a citação não é literal. C o m
efeito, Mateus substitui as primeiras palavras com uma referência
tomada de Is 62,11: «Dizei à Filha de Sião». Por sua vez, João recorre
15
N o Antigo Testamento «alegra-te», em relação c o m a presença do Senhor, lê-se onze
vezes, nove das quais n u m contexto escatológico (Sof 3,14-16; Zac 2,14; Is 12,6; 44,23; 49,12;
54,l;Jer 31,7; J12,21-23; Zac 9,9).
16
Cf. A. M . SERKA, «Esulta, Figlia di Sion» Prmcipali riletturediZc 2,14-15 e 9,9 a-c
nel Giudaismo antico e nel Cristianesimo dei I—II secolo», Marianum 45 (1983) 9-54.
244 DIDASKALIA
17
Cf. S. VIRGULIN, «La figlia di Sion, vergine e sposa dei Signore», Parola Spirito e Vita
2 (1985) 31-34.
18
C f . I . d e l a POTTEEIE, a . c . , 3 6 1 - 3 .
19
J. RATZINGER, La figlia di Sion. La devozione a Maria nella Chiesa, Milano 1979, 14.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO D O POVO DE DE US 245
20
Assim S. LYONNET, a. c.; P. BENOIT, «L'annonciation», in Exégèse et Théologie III,
Paris 1968, 199 ss., R . LAURENTIN, a. C.; J. MCHUGH, The Mother of Jesus in the New Testament,
London, 1965, 40-43.
21
Cf. S. LYONNET, a. c.; K. STOCK, «La vocazione di Maria: Lc 1,26», Marianum 45,
(1983) 94-126.
22
Cf. S. LYONNET, a. c.; 132 s.; id., «Le récit de l'annonciation et la maternité divine de
a Sainte Vièrge», L'Ami du Clergé 66 (1956); R . LAURENTIN a. c.; 54.71.
246 DIDASKALIA
K . STOCK, a . c . , 109.
c f . I . d e l a POTTERIE, « k e c h a r i t ô m e n e e n L c 1 , 2 8 » , Bíblica 68 (1987) 357-382; 480-508.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO D O POVO DE DE US 247
25
R . LAURBNTIN, Structure et Théologie de Luc I-II, Paris 1964, 155-161.
248 DIDASKALIA
26
M. THUEIAN, Marie, Mère du Seigneur, figure de l'Eglise, Taizé 1962, 30.
27
E. G. MORI, Figlia di Sion e Serva di Yahwéh nella Bibbia e tiel Vaticano II, Bologna
1969, 107-158; Idem, «Aurora luminosa», in La madre di Dio, Brescia 1975, 280-285.
A FILHA DE SIÃO E O ANÚNCIO DO POVO DE DE US 249
28
A. M . SERRA, Contributi âeWantica letteratura per l'esegesi di Giovanni 2,1-12 e 25-27,
R o m a 1977, 229-257.
250 DIDASKALIA
«Eis que se reuniram os seus filhos; eis todos os teus filhos que
vieram de longe!» (Is 60,4 LXX).
M. ISIDRO ALVES