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Para historiadora, intervenção

militar no Brasil “não pode


mais ser descartada”
por Radio France Internationale — publicado 28/09/2017 15h35

Pesquisadora francesa Maud Chirio afirma que a ideia de que a


democracia brasileira está consolidada é uma ilusão
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Fernando Frazão / Agência Brasil

Apoiadores da intervenção militar em ato no Rio de Janeiro, em março de 2014

Por Lúcia Müzell


Os comentários recentes da cúpula militar do Brasil sobre a situação
política levantaram dúvidas sobre até que ponto o país está livre de uma
ação das Forças Armadas para tomar o poder. No alto do cargo de
secretário de economia e finanças do Comando do Exército, o
general Antonio Hamilton Mourão discursou sobre “derrubar esse troço
todo” e “impor” o que considera uma solução à crise política, caso o
Judiciário não “retire da vida pública esses elementos envolvidos em
ilícitos”.
Mais surpreendente ainda foi a reação do seu superior no comando do
Exército, general Eduardo Villas Bôas, que descartou punir Mourão pelas
declarações e ainda disse que as Forças Armadas dispõem de “um
mandato” para intervir “na iminência de um caos” no Brasil. O Planalto,
visado pelas declarações, silenciou, por mais que a Constituição de 1988
proíba os militares de intervir na política.
Ao mesmo tempo, nas redes sociais, se multiplicam as mensagens de apoio
a Mourão e links para notícias falsas, com propaganda velada sobre o tema.
A sequência de acontecimentos preocupa a historiadora Maud Chirio,
pesquisadora francesa sobre a história contemporânea do Brasil e
especialista no regime militar. “Tal indisciplina ter passado sem
consequências nos leva a sair de um modelo de democracia civil estável”,
assinala.

A professora da Universidade de Paris Est Marne-la-Valée acha que uma


intervenção militar é, por enquanto, pouco provável – mas vê com
preocupação os últimos desdobramentos envolvendo a cúpula do Exército.
Radio France Internationale: Há dois anos, poucos acreditavam que o
impeachment da presidente Dilma Rousseff seria possível, mas aconteceu.
Há um ano, a hipótese de uma intervenção militar no Brasil parecia um
absurdo: hoje, nem tanto. Como você vê a evolução dessa alternativa?
Maud Chino: Essa possibilidade era impensável há poucos meses, mas
agora não pode ser descartada. Quando o alto comando militar conversa
sobre a possibilidade de uma intervenção na política, é um fato muito
importante. Existe uma regra absoluta nas Forças Armadas que é a não
intervenção, de um jeito ou de outro, na política. E isso foi abertamente
falado, sem consequências ou punições. Esse fato é extremamente grave,
independentemente da probabilidade de ocorrer. Por enquanto, acho que
não é o mais provável. Mas tal indisciplina ter passado sem consequências
nos leva a sair de um modelo de democracia civil estável.
RFI: Em uma democracia consolidada, as declarações do general Mourão
jamais passariam em branco?
MC: Jamais. Jamais. Muitos fatores explicam o general Mourão não ter sido
punido, assim como os outros generais que demonstraram solidariedade
ao que ele disse. Existe a fraqueza do governo atual, que tem dificuldades
em impor um poder civil aos militares e precisa manter o apoio dos altos
comandos das Forças Armadas. Tem a posição do general Villas Bôas, que
está no final da carreira e, por ter pouco futuro na ativa, também está
perdendo poder. Mas o fato de a punição não ter ocorrido mostra que foi
aberta uma nova brecha na democracia brasileira.
RFI: Um amigo e admirador de Mourão, o pré-candidato Jair Bolsonaro, que
atua na política e dentro das regras da política, homenageia abertamente
figurões da ditadura, sem complexos. Ele conta com estimados 20% de
apoio da população brasileira. Essa “intervenção” militar pode ocorrer pelas
urnas?
MC: Se o Bolsonaro for eleito, não seria intervenção; seria a ascensão
democrática de uma figura da extrema-direita. Há um crescimento
acelerado da extrema-direita no Brasil, em diversos setores: populares, das
classes médias e nas Forças Armadas, que são e sempre foram uma
instituição conservadora, em especial o oficialato. Uma parcela do oficialato
está indo mais para a extrema-direita do que se via alguns anos atrás. Isso
leva a ser possível homenagear torturadores a evocar a abertamente a
saudade da ditadura militar.
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Essa saudade nunca desapareceu totalmente, mas é novidade ela ser
evocada pública e oficialmente. São comportamentos que há três anos
eram impensáveis. Em 2012 e 2013, quando os generais se recusavam a
condenar os crimes cometidos durante a ditadura, era um escândalo. Não
estamos mais neste universo e esse fenômeno é muito preocupante.
Quando, ao mesmo tempo, as Forças Armadas se tornam mais e mais
conservadoras e intervencionistas, cria-se um perigo para a democracia. É
um perigo diferente de Bolsonaro ganhar as eleições.

RFI: As eleições presidenciais devem ocorrer em 2018, mas diante do


contexto atual, muito pode acontecer em um ano no Brasil. Que cenários
poderiam facilitar uma intervenção militar antes das eleições? A queda do
presidente Michel Temer?
MC: Historiadores analisam o passado e não fico muito confortável para
analisar o presente, e muito menos o futuro. Não falando mais como
historiadora, me chamou a atenção que o Mourão falou sobre
a necessidade de intervir se o poder Judiciário não assumir o seu papel. Eu
considero essa frase uma ameaça: se o poder Judiciário não condenar as
pessoas certas, será necessário intervir. O que ele quis dizer foi: se o Lula
não for condenado e puder se candidatar, será inaceitável.
Acho que há pouquíssimas chances de Lula ser absolvido, mas se isso
ocorrer, para parte dos setores conservadores, em especial militares, é
inimaginável ele poder se candidatar e ganhar as eleições.

Em 1964, a possibilidade de uma intervenção militar era pouco imaginável


alguns meses antes, e a instalação de um regime militar era totalmente
inimaginável. Nem os militares pensavam que isso aconteceria. Em 1964,
ninguém pensava que a intervenção duraria mais do que três meses.

A gente não consegue prever o que os militares vão fazer quando eles
chegam ao poder. E eles podem usar vários tipos de pretextos: muita
desordem nas ruas e violência urbana, uma explosão de conflitos entre
criminosos, outros escândalos envolvendo a equipe que está no poder.

RFI: A Constituição não bastaria para impedir uma intervenção?


MC: Eles já estão lendo a Constituição de 1988 para justificar: para eles, a
proteção da lei e da ordem já é uma justificativa suficiente para intervir em
certas circunstâncias, analisadas por eles mesmos.
RFI: Em um recente artigo publicado no jornal francês Libération, você
afirma que a ideia de que a democracia brasileira é consolidada é uma
ilusão. O que a leva a chegar a essa conclusão?
MC: Tem uma narrativa sobre a chegada da República no Brasil segundo a
qual, entre recuos e conquistas, chegou-se à consolidação definitiva do
sistema democrático na Nova República. A primeira República foi um
avanço, porém oligárquica, depois a Constituição de 1934 abriu o caminho,
com novos direitos obtidos pela Revolução de 1930, e, assim, cada passo
gerou mais conquistas.
Eu acho que a Nova República nasceu sob o argumento de que a
democracia liberal venceu, mas isso foi um mito fundador e definitivo, com
o famoso “ditadura: nunca mais”. Chegamos ao sufrágio universal, a uma
democracia estável e dizemos “nunca mais” a golpes militares e
autoritarismos. Só que isso é um mito.

Inegrantes do Movimento Pátria Amada, favorável a uma intervenção, no gramado


do Congresso Nacional, em novembro de 2015 (Foto: Wilson Dias / ABr)
Pensar que a Constituição de 1988 é perfeita, que cria um sistema sólido,
que as instituições brasileiras são profundamente democráticas, tudo isso é
fruto de uma narrativa que nos impede de ver a realidade. O Judiciário é
uma instituição extremamente conservadora. A classe política é de homens
com mais de 50 ou 60 anos, que se formou durante o regime militar e que
fazem parte de famílias que estão no poder há quase um século. Isso é a
democracia brasileira. Sendo assim, ela não pode estar totalmente estável,
definitiva e perfeita. Ela está progredindo, mas não está ganha.

Nada está ganho: nem a laicidade do Estado, nem o caráter civil da


democracia, nem a Constituição e o respeito dela, nem a confiança nas
instituições judiciárias.

RFI: Essa extrema-direita brasileira sempre existiu, mas apenas eclodiu


agora?
MC: Ela sempre existiu, não é o nascimento de um anti-comunismo
paranoico ou uma vontade de moralizar a política. Quando você estuda os
anos 1960, como eu, você tem uma impressão muito forte de viajar no
tempo. Não estamos diante de uma coisa nova: houve uma constância de
certas forças e culturas políticas que nunca morreram e que agora estão
ganhando espaço político, midiático e eleitoral, se aproveitando de um
contexto global. E estão ganhando espaço de uma maneira muito
acelerada, em todos os campos: educação, religião no espaço público,
diversidade, gênero, em muitos temas da sociedade e do sistema político.
É um momento que ocorre não só no Brasil. Estamos num momento do
conservadorismo, como outros que já aconteceram e passaram. Temos de
estar atentos à violência e à rapidez desse processo.

RFI: Temos a impressão de que não há muitas barreiras à ascensão dessa


extrema-direita no Brasil, a não ser nas redes sociais. É perigoso?
MC: Eu acho que as redes sociais podem ser um fator de forte mobilização
popular. Mas há momentos de fluxo e refluxo da mobilização. Os
progressistas do Brasil se desiludiram muito nos últimos anos. Eles
manifestaram em 2013, com greves e mobilizações de diversos setores, que
não deram em nada positivo.
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A impressão é de que tudo que você fez não teve o menor impacto e a
política continuou monopolizada pelos poderosos de sempre, os deputados
e os juízes, e eles é que fizeram a história neste momento. Isso não leva as
pessoas a voltarem para rua. Na Europa também é assim: em anos de
muitas manifestações, os anos seguintes são de pouca mobilização. Esse é
o movimento da história.
RFI: Quem ou o que pode proteger o Brasil de uma intervenção militar? Os
brasileiros?
MC: Eu acho que os milicos aceitariam a continuação de um governo muito
conservador, apesar de muito corrupto, e assim eles não precisariam
intervir. Acho que nenhum setor da esquerda vai voltar ao poder – talvez
nem ocorram eleições –-, que quem “precisar” ser condenado, será, e então
a intervenção não será necessária. Por enquanto, acho que o cenário é
esse.
Quanto a proteger o Brasil, ninguém protege um país de 200 milhões de
habitantes. Nem a ONU, nem ninguém. A comunidade internacional se
importa um pouco quando há violações graves dos direitos humanos pelo
governo, o que já é o caso do Brasil há 40 anos. Se houver um regime
autoritário que passe a prender, torturar e matar centenas de opositores, é
provável que a comunidade se preocupe. Mas antes disso, não.

É importante notar que os setores dominantes da direita brasileira estão


muito divididos, muito mais do que em 1964. Muita gente não quer
intervenção militar. Alguns militares têm a mesma visão econômica do que
a direita liberal, mas outros não: são mais nacionalistas e nacionalistas-
autoritários. Não saberíamos quem iria ganhar.

Eles poderiam, por exemplo, querer prender todo mundo para ficar com
todo o poder e mandar todo o PSDB para a cadeia. Neste caso, é muito
melhor organizar uma eleição indireta em 2018 para ficar no poder e
manter os milicos longe. Acho que essa é a posição majoritária na
burguesia conservadora. Mas se os generais resolverem colocar os tanques
na rua, é outra história: e, às vezes, os golpes militares são realizados
contra a burguesia.

Retirado do site: https://www.cartacapital.com.br/politica/para-historiadora-intervencao-


militar-no-brasil-201cnao-pode-mais-ser-descartada201d

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