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O Doutor Grilo
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Espalhou-se pela corte que estava no palácio um adivinhão que ia descobrir num ápice os ladrões do
tesouro. Dois dos criados do rei foram então ter com o estudante e disseram-lhe:
- Dar-vos-emos muito dinheiro se não disserdes ao rei que fomos nós que lhe roubámos o tesouro.
Foi o que estudante quis ouvir; mandou logo chamar o rei e disse-lhe:
- Saiba Vossa Majestade que dois dos seus criados é que roubaram o tesouro.
O rei, conhecedor da verdade, mandou prender os criados, e eles restituíam-lhe o tesouro. Disse então
o rei ao estudante que o queria premiar muito bem, e que se deixasse estar no palácio mais alguns dias.
Durante esses dias sucedeu que a princesa, filha do rei, estando a jantar, se lhe atravessou um osso nas
goelas. Os médicos do palácio não se atreviam a tirar-lho e o rei foi ter com o estudante dizendo-lhe que o
premiava muito bem se desse remédio à princesa.
O estudante mandou então deitar a princesa de bruços no chão, e começou a atirar bolas de manteiga
para cima dela; a princesa ria-se e tornava-se a rir, até que se lhe soltou o osso das goelas. O rei recompensou
o estudante com três grandes bolsas de dinheiro e disse-lhe:
- Já que tanto sabes, ficas nomeado médico do hospital e da minha real casa.
Nesse tempo andava na cidade uma grande epidemia, e o médico foi fazer a sua visita aos doentes. Depois de
os ter examinado a todos disse-lhes:
- Aquele que estiver mais doente há-de ser aberto amanhã para ser examinado.
Os doentes, quando tal ouviram, levantaram-se todos das camas, uns encostados a paus, outros a muletas;
foram saindo todos do hospital, e já nem pareciam doentes. Espalhou-se pela cidade que o novo médico sabia
tanto que só com a sua visita dava saúde aos enfermos. Então o médico, ao ouvir isto, resolveu-se a ir estudar
para medicina, na Universidade.
Algum tempo depois passou a chamar-se Doutor Grilo.
Fiz das Pernas Coração. Contos tradicionais portugueses, José António Gomes, Editorial Caminho, 2000
II