MAURÍCIO SANGALETTI
O PECADO: DO DESCRÉDITO AO
APROFUNDAMENTO
BELO HORIZONTE
2017
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MOSER, A. O PECADO: do descrédito ao aprofundamento. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 25.
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Devemos ainda salientar o pluralismo teológico. Nesse, por exemplo, uma concepção
rigorista de Deus leva a uma compreensão igualmente rigorista do pecado.
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MOSER, A. O PECADO: do descrédito ao aprofundamento. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 32.
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Idem, p. 33.
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Idem, p. 34
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explicar o problema do mal, isto é, um duplo princípio criacional onde espera-se uma
vitória final do bem sobre o mal. Os pessimistas salientam que somente o mal existe.
Também o Antigo Testamento versa sobre o mal. Este é marcado em sua totalidade pela
questão do mal. O livro de Jó é um exemplo. Mais ainda: este livro coloca a questão sobre
o porquê do sofrimento dos bons e não dos maus. No Novo Testamento, Jesus representa
o auge do paradoxo da felicidade dos maus e do sofrimento dos justos. Podemos mesmo
asseverar que o homem Jesus é vencido pelo mal: morre na cruz. De fato, somente o
ressuscitado vence o mal. A teologia clássica vai dividir o mal em três perspectivas: físico,
moral e cósmico. O mal cresce, segundo a mesma, a medida que multiplicam os pecados
pessoais. Todos os males procedem do moral. Porém, como isso ocorre a teologia clássica
não consegue explicar. Muitas racionalizações sobre o mal são desenvolvidas com o
objetivo de inocentar a Deus. Afirma-se que o mal na sua radicalidade preexiste, como
possibilidade, às condições humanas, embora não preexista à criação. O mal é constitutivo
do ser humano no mundo e na história. Cabe somente ao homem fazê-lo progredir ou não.
Quando o homem se distância dos planos divinos, fazendo-o a nível de consciência, ele
passa dos planos divinos para os seus próprios planos, quer dizer, recusa o convite de
entrar no mistério da criação na perspectiva de Deus; despreza o fazer parte da instauração
do plano de Deus. Nessas condições, o homem fica preso a multiplicidade e não consegue
enxergar a unidade. O catecismo observa que Deus não criou de modo perfeito, senão que
a criação caminha para um estado último de perfeição, para a qual Deus a destinou.
Mesmo com o mal moral, do qual Deus não é o causador, o bem é tirado do mal.
vitória é fruto da ingerência de Deus. Para Paulo, Adão era figura do que havia de vir,
esboço aproximativo do que é o homem. Infiel a sua vocação Adão se corrompeu,
deformou a imagem de Deus nele. Era necessário um verdadeiro Adão: imagem de Deus
que refletisse cabalmente. Cristo é a imagem do Deus invisível (Col 1,15). O destino do
ser humano, portanto, é ser imagem de Cristo. Este é o único modo do homem ser imagem
de Deus. Fora de Cristo não há vida cabal para o homem. Ser imagem é a vocação cristica
do ser humano. Em síntese, a doutrina paulina segue a ordem: Cristo a verdadeira imagem
de Deus; ser humano imagem de Cristo; somente por isso homem imagem de Deus. São
Paulo se preocupa sobretudo com o estado habitual do homem: personagem dotado de
um estranho poder que nos conduz ao pecado. O pecado morra no coração humano e é
acordado pela lei. Todos os homens em Adão estão imersos no pecado. Paulo acentua o
pecado para enfatizar ao mesmo tempo a vitória de Cristo. É, porém, Santo Agostinha
que cunha a expressão pecado original, além de desenvolver uma doutrina sistemática,
diante do confronto com o pelagianismo, que nega a necessidade da graça para a salvação.
Atualmente nenhum teólogo sério, seja católico ou protestante, vai refutar o que reitera
as escrituras referente ao pecado original, a saber: a presença universal do pecado na
história do homem e a salvação em Cristo. Todavia, devido ao caráter histórico-crítico da
modernidade ninguém mais sustenta: 1) que o primeiro homem e mulher chamavam-se
Adão e Eva; 2) que o monogenismo e o criacionismo fixista fazem parte do patrimônio
da fé.
Jesus Cristo é a luz da Luz que brilha nas trevas. Nele toda a realidade humana se
vê convocada a uma redefinição. O pecado é entendido sobre uma nova luz. Conhecemos
Jesus pelos seus interpretes. Os evangelhos são exemplos. Cada evangelho vai apresentar
uma perspectiva do pecado: Mateus faz uma leitura eclesial; Marcos evidencia Jesus
perdoando pecados e sendo o salvador dos pecadores; Lucas é o que mais ênfase dá a
“boa nova” para os pecadores; para João e Paulo o pecado é uma força satânica que cega
e escraviza.5 Jesus olha o ser humano em sua totalidade: suas luzes e sombras, virtudes e
vícios. A boa notícia é em primeiro lugar para os pecadores, pois para os judeus a
conversão é decorrência lógica do fascínio de uma adesão. O ideal universal concede
prevalência sobre o “sede perfeitos como o Pai é perfeito”, o querer “misericórdia e não
sacrifícios”. Logo, o que define a identidade do pecador não são códigos religiosas, mas
5
MOSER, A. O PECADO: do descrédito ao aprofundamento. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 147.
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o relacionamento com o Deus salvador. Ninguém é justo, todos somos pecadores e nossa
justificação depende da gratuidade divina; porém, é necessário que nos reconheçamos
pecadores. Para Jesus, o pecado não consiste somente na violação da lei. Na verdade, há
um deslocamento dos atos para a atitude, da exterioridade para a interioridade e a
intencionalidade. Daí que o que conta acima de tudo é o coração. Pecar é se fechar no seu
mundo, construir a sua própria vida longe da economia do dom e da gratuidade. Em
síntese, para Jesus o pecado não reside tanto no fazer ou deixar de fazer legalista, mas na
falta de resposta, no estar desligado, dormindo.6
6
MOSER, A. O PECADO: do descrédito ao aprofundamento. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 158.
7
Idem, p. 118-119.
8
Idem, p. 202.
9
Idem, p. 206-207.
6
para o futuro. Nesse sentido, o reconhecimento de haver pecado, de não viver de acordo
com o seu ethos mais profundo, é condição da abertura para os outro e para Deus. Há
nesse novo entender do pecado uma superação do legalismo, já que o comprimento do
ideal cristã não se encontra simplesmente no cumprimento de normas. Este “reside numa
pessoa, comunidade, historicamente situadas, que se sentem interpeladas, e que
respondem positivamente ou negativamente”.10 Essa compreensão nos ajuda a superar
uma mentalidade de conformidade de uma situação estabelecida onde o pecado seria a
oposição ao legislado; dado que muitas vezes é mudando direitos injustos estabelecidos
que deixamos uma realidade de pecado que nos oprimia e causava danos a sociedade. 11
Nesse sentido, partindo de uma análise sócio-estrutural, podemos afirmar que não existe
pecado sem pecador e que não basta simplesmente vencer a pobreza material para que o
pecado sócio-estrutural desapareça.12 O pecado não atinge somente a estrutura, mas
também o homem individual. Já apontamos isso ao discorrermos anteriormente sobre as
contribuições de Marx à teologia do pecado. Com base em tudo o que citamos,
evidenciamos, para finalizar, a necessidade de uma conversão tanto a nível social quanto
individual, para que a realidade de pecado não proliferar, pois o pecado não se resume
somente a conversão do homem, mas de todas as realidades circundantes ao homem.
Nossa crítica ao que foi exposto diz respeito a necessidade de uma continua
atualização da teologia do pecado para que ela possa ser significativa também para o
nosso tempo. Sabemos que na história as interpretações mudam. Ora, para que algo
permaneça é necessário, não que ela se altere na sua essência, mas que continue falando
mesmo diante de uma nova realidade. O cristianismo logo no início de sua história
precisou adaptar os conceitos provindos de uma cultura semita para conceitos provindos
do mundo grego, pois do contrário a mensagem trazida nada ou pouco significaria aos
gentios. Entendemos que a teologia do pecado original precisa dialogar a partir dessa
nova realidade em que vivemos. Aliás, essa nossa crítica se estende a toda a Igreja, muitas
vezes presa a tempos remotos e incapaz de se comunicar a partir de sua realidade concreta.
Nessas circunstâncias, ela se fecha e antes de ser promotora de vida, nada faz diante dos
que jazem ao seu redor.
10
MOSER, A. O PECADO: do descrédito ao aprofundamento. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 212.
11
Idem, p. 214.
12
Idem, p. 260.