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I

Adam Przeworski certos resultados políticos através do


Tradução de Roseli exercício do controle sobre a sociedade
Martins Coelho não apenas ex ante, mas também ex post.
Adam Przerworski ualquer um que tenha vivido
Nessa interferência ex post, o aparato
Tradução de Roseli pode alterar tanto as situações resultan-
os momentos que precedem a
Martins Coelho tes do funcionamento de instituições au-
queda de uma ditadura, quan-
toritárias, quanto aquelas que têm outras
do a democracia torna-se uma
origens. Em outros termos, num sistema
possibilidade real, há de lembrar a tensão
quase constante, a alternância de espe- autoritário, o aparato de poder exerce
Título do original em inglês:
ranças e medos, os acessos de entusiasmo não só controle processual, mas também
Democracy as a contingent
outcome of conflicts. e a dor das frustrações. Cada etapa apre- controle substantivo sobre as decisões.
senta-se frágil e ainda assim nada parece Um Ministro da Educação é nomeado,
inatingível. Mas pode-se apreender um encarrega um grupo de especialistas de
momento, um limiar, a partir do qual o preparar um texto de matemática para
processo é irreversível. De repente, a di- a escola primária, o texto é preparado,
tadura não existe mais e a democracia aprovado pelo Ministro, publicado e dis-
toma o seu lugar. tribuído. Aí, o texto cai nas mãos do
Uma vez que esta passagem é um comandante da zona militar local, que
"momento" num mundo de fatos estili- ordena que seja recolhido das escolas.
zados, devo antes estabelecer algum con- É bom lembrar que não se trata de um
texto, um tipo de cronologia lógica dos planfleto subversivo; trata-se do produto
processos de transição da ditadura para das instituições autoritárias, embora isso
a democracia. Sem entrar numa discussão não o torne imune às intervenções.
geral sobre regimes autoritários — que Nesse contexto, um determinado regi-
nos últimos anos tem recebido tratamen- me seria autoritário se abrigasse aparatos
to especial no trabalho de Juan Linz e de poder capazes de reverter os resul-
Guillermo O'Donnell — gostaria de en- tados do processo político institucionali-
fatizar uma característica dos sistemas zado. Esta definição pode ser excessiva-
autoritários (que chamarei também de mente ampla para fins operacionais, uma
"ditaduras", deixando de lado algumas vez que as instituições têm importância
distinções importantes). O traço essen- em si mesmas. Em particular, muitos re-
cial de tais regimes é que alguém tem a gimes que poderiam ser descritos como
capacidade efetiva de evitar conseqüên- "democracias tutelares" encaixam-se nes-
cias políticas contrárias a seus interesses. sa definição. São regimes em que as for-
Esse "alguém" pode ser uma pessoa (o ças armadas desvencilham-se do exercício
líder), uma organização (as forças arma- direto do governo e se retiram para
das, por exemplo), a polícia, o partido, os quartéis, mas o fazem em boa or-
a burocracia, ou mesmo algo menos facil- dem e prontas para qualquer eventuali-
Da liberalização mente identificável, como uma "paneli- dade. Apesar das eleições e dos repre-
à democratização nha" de grupos e indivíduos. Utilizarei sentantes eleitos, as forças armadas em
1 em seguida a noção de "aparato de poder tais regimes, continuam a pairar como
Guillermo O'Donnell e Phi-
lippe Schmitter estão organi- autoritário" e introduzirei distinções so- sombras ameaçadoras, prontas a cair so-
zando uma coletânea reunindo bre qualquer um que vá longe demais na
os trabalhos apresentados no mente quando forem ilustrativas do pre-
seminário "Democracy and De- sente problema. ameaça a seus valores ou seus interesses.
mocratization'', ocorrido em
novembro/1983 no Kellog Ins- O aparato de poder autoritário tem a Devido a razões bastante discutidas no
titute, University of Notre
Dame, USA. capacidade de impedir a ocorrência de trabalho de O'Donnell e Schmitter 1 , os

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regimes autoritários passam periodica- reiteradamente para a realização de seus
mente por experiências chamadas, em interesses, uma vez que nenhuma delas
termos genéricos de liberalização (ou está protegida pelo simples mérito de
odvilsh, "degelo", abertura ou descom- sua posição. Ninguém pode esperar para
pressão). A liberalização é uma situação modificar conseqüências ex post: todos
— ou quando envolve diversos estágios, devem submeter seus interesses à com-
um processo — de instituição de liberda- petição e à incerteza. Esta característica
des civis, entre as quais o direito à asso- da democracia não exclui a possibilidade
ciação independente e o direito de criar de alguns generais organizarem uma
organizações políticas através das quais os conspiração e destruirem as instituições
conflitos possam ser canalizados de modo democráticas. Infelizmente, é possível.
aberto, sem transformar, no entanto, o Numa democracia, entretanto, os gene-
aparato de poder e sem atingir sua capa- rais não têm capacidade organizada de
cidade de controlar as conseqüências ex solapar instituições políticas e os atores
post. Assim, a liberalização é um pro- que submetem seus interesses à compe-
cesso pelo qual o aparato de poder per- tição democrática não precisam prever
mite algum tipo de organização política as reações dos militares.
e interação de interesses, mantendo, po- uero enfatizar que a diferença
rém, intacta sua própria capacidade de entre ditadura e democracia se
intervir. É uma abertura controlada do efere não à incerteza absoluta,
espaço político geralmente condicionada mas à incerteza condicional.
à compatibilidade das conseqüências po- Sob um governante autoritário suficien-
líticas com os interesses e valores do temente caprichoso, ou um aparato de
aparato de poder autoritário. O resultado poder suficientemente dividido, o regime
final do processo de liberalização é, por autoritário pode manter todos desorien-
conseguinte, um sistema referido acima tados com suas idas e vindas: veja-se a
como "democracia tutelar": um regime política agrícola pós-1948 na Polônia.
com instituições competitivas, formal- Um regime democrático pode, ao contrá-
mente democráticas, mas no qual o apara- rio, produzir resultados altamente previ-
to de poder, neste momento reduzido às síveis mesmo quando os partidos alter-
forças armadas, detém a capacidade de nam-se no poder. As gradações de certe-
intervir numa situação indesejável. zas são apenas condicionais, no seguinte
De acordo com esta definição, libera- sentido: num sistema autoritário, é quase
lização não é o mesmo que democratiza- certo que os resultados políticos não in-
ção. Para definir esse último termo, de- cluem os resultados contrários aos inte-
vemos antes focalizar o aspecto essencial resses do aparato de poder, enquanto que
da democracia enquanto forma de orga- num sistema democrático não existe gru-
nização política. Este aspecto seria a in- po cujos interesses possam excluir aprio- A democracia como
certeza referencial: numa democracia, os risticamente conseqüências políticas com pacto de "incertezas
resultados do processo político são, em uma margem razoável de certeza. previsíveis"
certa medida, indeterminados no que diz Assim, o momento crucial em qual-
respeito às posições que os participantes quer transição do autoritarismo à demo-
ocupam no conjunto das relações sociais, cracia não é necessariamente a retirada
incluindo as relações de produção e as do exército para os quartéis ou a aber-
instituições políticas. tura do Parlamento eleito, mas a trans-
Sem dúvida, os resultados não têm o posição de um limiar para além do qual
mesmo grau de probabilidade e podem- ninguém pode reverter as conseqüências
se formular prognósticos aceitáveis; vol- do processo democrático formal. É o
tarei a este tópico mais adiante. O ponto momento no qual, conforme Adolfo
saliente é que numa democracia ninguém Suárez afirmou no discurso inaugural da
pode ter a certeza de que seus interesses Assembléia Constituinte, "o futuro não
sairão vencedores em última instância. está escrito, porque somente o povo po-
Não é sempre que os capitalistas obtêm de escrevê-lo". Democratização é o pro-
êxito nos conflitos conduzidos de manei- cesso de submeter todos os interesses à
ra democrática, e mesmo a posição atual competição da incerteza institucionaliza-
dentro do sistema político não garante da. É, portanto, exatamente esta trans-
vitórias futuras: assumir cargos pode ser ferência do poder por sobre os resulta-
uma vantagem, mas os detentores de dos que constitui o passo decisivo em
cargos também são derrotados. Numa de- direção à democracia. Num momento o
mocracia, todas as forças devem lutar aparato de poder autoritário controla os

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resultados; noutro, ninguém mais con- para derrotar o regime autoritário sem
segue fazê-lo. O poder é transferido de cair num novo autoritarismo. Do con-
um grupo de pessoas para um conjunto trário, a "aliança antiautoritária" entra
de regras. rapidamente numa segunda fase em que
É claro que este ato de devolução não os membros mais fracos são expurgados
precisa, obrigatoriamente, ocorrer numa e um novo sistema autoritário é estabe-
fração bem definida de tempo. Para a lecido.
Espanha, por exemplo, foi um longo Tratarei primeiro do problema da ins-
processo que incluiu tentativas e rumo- tauração do sistema democrático, e de-
res de golpes até a véspera da primeira pois das dificuldades da transferência do
alternância democrática do poder. Além poder. Na primeira parte deste texto
do mais, pode não estar claro, sob vários pretendo examinar as condições das pos-
aspectos, se alguém ainda tem a capaci- sibilidades de um compromisso demo-
dade efetiva de reverter o processo. Mes- crático em geral, e na segunda parte ana-
mo depois de o aparato de poder auto- lisar as condições sob as quais o aparato
ritário perder sua coesão, e a burocracia de poder do regime autoritário pode es-
estatal, as forças armadas e a polícia tar disposto a devolver seus poderes para
tornarem-se independentes umas das ou- um sistema democrático. Cabe chamar a
tras, ou mesmo depois que o comando atenção para o fato de que toda a análise
centralizado das forças armadas se torna está expressa, embora informalmente,
constitucionalista, algumas unidades den- em termos de possibilidades e não de
tro das forças armadas podem ser capa- determinações. A questão central é sa-
zes de subverter o processo. Mas em ber em que condições a democracia tor-
qualquer processo de democratização na-se possível.
bem-sucedido há um momento em que
o retorno não é mais possível.
Para terminar a montagem do cenário
e para organizar a análise, devo dizer
II
As instituições, que ignorei, até aqui, duas condições que s soluções para o problema
lugar central do não precisam ser coincidentes, em ter- da democratização residem nas
pacto de mos teóricos (isto é, não precisam ter as instituições. Uma vez que esta
mesmas determinantes) ou cronológicos. afirmação pode soar inócua, é
"incertezas Pode acontecer — vide as revoluções preciso enfatizar que ela exclui a possi-
previsíveis" francesa, soviética e iraniana — que um bilidade de a democracia ser o resultado
novo regime autoritário surja no lugar de um compromisso baseado exclusiva-
do antigo, que foi derrubado. Será uma mente em questões substantivas. A de-
transição para a democracia se duas con- mocracia é possível quando as forças
dições forem observadas: 1) o velho políticas relevantes conseguem encontrar
aparato de poder autoritário é desman- instituições que garantam, com razoável
telado; 2) as novas forças políticas ele- margem de segurança, que seus interes-
gem as instituições democráticas como ses não serão afetados de modo conside-
estruturas dentro das quais irão compe- rável no decorrer da competição demo-
tir para a realização de seus interesses. crática. Mesmo não sendo o resultado
Não se deve esquecer que forças asso- exclusivo de um compromisso substan-
ciadas com o objetivo de destruir um tivo, a democracia pode ser o resultado
determinado regime autoritário freqüen- de um compromisso institucional.
temente representam interesses diferen- Uma razão pela qual a democracia não
tes e têm distintos projetos políticos. Na pode ser o resultado de um compromisso
busca de seus interesses, as forças sociais substantivo decorre tautologicamente da
podem não só desmantelar o antigo re- definição de democracia: numa democra-
gime mas também criar para si próprias cia, os compromissos substantivos não
condições favoráveis dentro do sistema vinculam as partes como num contrato.
político recém-estabelecido. Isso signifi- Vamos supor que os líderes de vários
ca que cada grupo deve lutar em dois protopartidos dentro da Frente Anti-
fronts: para abolir o velho regime auto- Autoritária concordem que a taxa de im-
ritário e para criar condições que facili- postos não ultrapassará 53% no novo
tem a realização de seus interesses nos regime democrático. Mas as lideranças
futuros embates com seus atuais aliados. destes partidos podem eventualmente
O problema da democratização, portan- mudar de opinião sob condições mais
to, consiste em estabelecer um compro- favoráveis, ou serem substituídas se não
misso entre as forças que estão aliadas o fizerem, ou pode ser que um novo

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partido surja e angarie apoio eleitoral formado, ganha as eleições e coloca todos
com a proposta de um programa de re- na prisão. Outra suposição: dentre os
distribuição de renda. partidos da Aliança MultiPartidária
Outra é que uma vez que os acordos AntiAutoritarismo há um confessional e
substantivos não vinculam judicialmente, um anticonfessional que concordam que
alguns partidos sempre terão incentivos as escolas religiosas não devem ser sub-
para recuar em seus compromissos. Su- sidiadas pelos fundos públicos. O auto-
ponhamos que, em determinada negocia- ritarismo é abolido pelo esforço das
ção, cada partido atue estrategicamente forças aliadas; o Partido do Renascimen-
na defesa de seus interesses. O resultado to Religioso obtém esmagadora vitória
será um pacote que representará um eleitoral e apresenta projetos de lei para
compromisso no seguinte sentido: pelo subsidiar as escolas religiosas. Finalmen-
menos um dos partidos aceitará um re- te, tomemos a questão, que discuti em
sultado como o melhor para si mesmo, outro trabalho, do compromisso de clas-
consideradas eventuais represálias dos se. Os trabalhadores propõem a conten-
oponentes. Mas esse resultado não será ção salarial em troca da promessa de
tão favorável quanto poderia ter sido, futuros ganhos salariais, mas os capita-
se os outros partidos permanecessem listas não investem, a produção não
fiéis a uma determinada linha de condu- cresce e não há ganhos salariais. Em
ta. Uma vez concluída a negociação, o nenhum destes casos um acordo substan-
partido (ou os partidos) obrigado a pre- tivo seria suficiente para estabelecer um
ver as reações dos demais optará por compromisso. Enquanto os partidos em
agir como se os outros partidos, e não potencial temerem que um comprometi-
ele, estivessem comprometidos com o mento de sua parte não será recíproco,
acordo negociado, isto é, tentará mudar todos buscarão impor suas vontades. O
os termos do compromisso. 2 resultado não será a democracia e sim 2
Este não é um argumento
Finalmente, se não existirem mecanis- a continuação da velha ditadura ou a formal. É baseado em várias
mos para obrigar os partidos a cumprir implantação de um novo autoritarismo. suposições implícitas. Mas,
se a solução para negociação
um compromisso e se eles tiverem bons Estes exemplos, assim como toda a for um equilíbrio Stackel-
berg, será melhor que os par-
motivos para acreditar que os compro- linha de raciocínio, são artificiais por- ticipantes, ao fim das nego-
missos não serão observados, não assu- que nenhum compromisso jamais seria ciações, retornem às suas
estratégias anteriores.
mirão nenhum. Nas condições em que puramente substantivo: algumas institui-
as soluções de compromisso são altamen- ções existem mesmo que não sejam obje-
te incertas, cada partido fará melhor bus- to de negociação. O modelo do compro-
cando a plena realização de seus próprios misso "substantivo" é baseado na supo-
interesses, tentando afirmar-se sobre os sição de que nenhuma decisão foi ainda
outros por todos os meios. tomada em relação à estrutura institucio-
Se os partidos maximizarem a vanta- nal, ou que as instituições são de tal
gem a ser recebida, optarão por uma natureza que a probabilidade do cumpri-
não-cooperação, pelo menos enquanto a mento do compromisso substantivo é
probabilidade do resultado de compro- bem remota. O pacto de Moncloa é um
misso não for maior que a possibilidade exemplo de acordo substantivo, nota
de poderem destruir seus aliados-adver- bene, acordo que não se sustentou.
sários. Sob essas premissas, reconhecida- Minha tese central, portanto, é que a
mente esquemáticas, um grupo optaria democracia pode ser estabelecida somen-
por um determinado compromisso so- te se existirem instituições que tornem
mente se as eventuais perdas embutidas improváveis as conseqüências — decor-
nele pudessem ser transformadas, de um rentes do processo político competitivo
modo ou de outro, em vantagens. — altamente adversas aos interesses de
consideremos alguns exemplos, qualquer agente específico, dada a dis-
começando com um caso ex- tribuição de recursos econômicos, ideo-
tremo: a garantia de imunida- lógicos, organizacionais, etc. Esta tese
de aos membros do aparato de está baseada em três suposições: 1) as
poder autoritário depois dos atos de re- instituições têm influência sobre os re-
pressão por eles cometidos. Suponhamos sultados de conflitos; 2) os protagonis-
que o aparato de poder concorde em tas de nossa história acreditam nisso e
renunciar ao poder e até em dissolver- 3) as instituições aptas a fornecer sufi-
se, sob a condição de garantia à própria ciente segurança a forças políticas rele-
imunidade. E assim é feito. Vem a pri- vantes podem ser encontradas sob certas
meira eleição, um Partido Revanchista é circunstâncias.

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AMA A INCERTEZA E SERÁS DEMOCRÁTICO

problema de saber por que mo- tema, a distribuição de cadeiras no Parla-


tivo as instituições interferem mento é determinada unicamente pela
nos resultados, ou noutra for- distribuição dos votos. Portanto, qual-
mulação, qual a justificativa quer distribuição de cadeiras é tão possí-
das explicações que incluem as institui- vel quanto a distribuição de votos e esta,
ções entre as causas, é demasiado básico por sua vez, é determinada pelos recur-
para ser discutida aqui. Numa primeira sos econômicos, organizacionais, ideoló-
resposta, diria que instituições afetam gicos e outros trazidos pelos partidos
tanto os leques de estratégias de onde para as eleições.
certos grupos selecionam seus itinerários Para contrastar, consideremos um sis-
de ação, quanto o mapeamento de resul- tema no qual apenas os dois partidos
tados e estratégias selecionados. Mas esta que obtiveram a maioria dos votos têm
forma de explicação não é facilmente o direito de ter cadeiras e as distribuem
aplicável em circunstâncias concretas. A de maneira proporcional; uma fórmula
teoria abstrata de escolha pública tem do tipo maioria simples, com um único
acumulado várias análises sobre as con- eleito por distrito, aproximará este re-
seqüências de diferentes sistemas eleito- sultado. Neste sistema, a distribuição de
rais: maioria, pluralidade, pleito Con- votos será a mesma que a distribuição
dorcet, contagem de Borda, votação de cadeiras. Alguns resultados serão mui-
exaustiva, etc. E também sabemos algo to mais prováveis que outros indepen-
sobre tópicos mais próximos da prática dendo dos recursos dos participantes.
É esta capacidade das instituições que
política; em particular temos um bom
torna possíveis os compromissos institu-
entendimento sobre os efeitos dos dife-
cionais. Se as instituições — sempre da-
rentes arranjos eleitorais. Recentemente, dos os meios — determinam antecipada-
acumulamos evidências sobre os efeitos mente as distribuições dos resultados,
dos diferentes sistemas trabalho-capital, então um determinado arranjo institucio-
3
Veja-se sobre estes assuntos em particular sobre as leis que regulam nal pode tornar bastante improváveis
MULLER, Dennis C, Public
Choice, Cambridge, Cambridge
a barganha coletiva, a durabilidade de determinados resultados. Uma estrutura
University Press, 1979; ROE, políticas salariais, a freqüência das gre- institucional apropriada pode fornecer
Douglas, The Political Con-
sequences of Electoral Laws, ves e as estratégias sindicais. São apenas garantias virtuais de que um partido
New Haven, Yale University
Press; e OCDE, Collective
alguns exemplos. 3 recém-formado não levará de roldão às
Bargaining and Government A partir da distribuição de recursos eleições, de que nenhum partido obterá
Policies in the OECD Coun-
tries, Paris, 1979. financeiros, organizacionais e ideológicos, a maioria necessária para alterar as leis
as instituições determinam previamente básicas e de que os arranjos serão obe-
Representati- as probabilidades com que serão reali- de cidos.
zados interesses particulares, num deter- esmo tendo demonstrado even-
vidade de minado grau e numa forma específica.
interesses no tuais incompreensões dos efei-
Essa distribuição de probabilidades — tos, os políticos do mundo in-
pacto que nada mais é que poder político — é teiro entenderam a importância
democrático: determinada de maneira conjunta pelos das instituições. A Câmara Alta era a
substância e recursos que os partidos trazem para a garantia de que a direita necessitava
forma política e pelos arranjos institucionais como proteção contra a transferência da
específicos. Este ponto merece atenção, responsabilidade ministerial da Coroa
uma vez que algumas descrições de de- para o Parlamento: eleições indiretas, vo-
mocracia enfatizam sua característica for- tação pluripartidária, segundo escrutínio
mal e o viés que resulta da distribuição e representação proporcional eram as
desigual dos recursos. É claro que uma proteções que as classes dominantes
lei pretensamente universal, que proíba
buscavam contra a extensão do sufrágio.
todos de dormirem sob pontes na ver-
As negociações eram freqüentemente
dade proíbe apenas alguns. Mas o con-
complexas. Por exemplo, na Suécia, en-
trário também é verdadeiro: dados os
recursos, as instituições interferem nos tre 1902 e 1907 — período de rápida
resultados. A probabilidade de um time industrialização, organização de classes e
de basquete composto por jogadores de tumultos populares — o pacote a ser
mais de 2 metros de altura vencer outra negociado incluía os seguintes itens:
equipe cujos jogadores têm menos de 1) se o direito de voto seria estendido
1,90 metro, depende da altura da cesta. ou não e para quem; 2) se a reforma
Vamos supor, por exemplo, um siste- deveria incluir a Câmara Alta ou apenas
ma de representação proporcional em a Câmara Baixa; 3) se as cadeiras deve-
distritos bastante extensos. Num tal sis- riam ser distribuídas uma para cada dis-

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trito ou se a representação deveria ser riam os votos para os governos estaduais
proporcional; 4) se a fórmula de repre- e para o Congresso. Na última hora,
sentante único por distrito deveria ser como se tudo isso não fosse suficiente,
adotada no caso de o critério ser maio- dificultaram o voto para os semi-analfa-
ria simples ou eleições em dois turnos; betos de quem se poderia esperar uma
5) se o executivo deveria continuar votação contra o governo. Esta orques-
responsável perante a Coroa ou respon- tração cuidadosa foi conseqüência da
der, no fundamental, ao Parlamento amarga lição de 1972, quando o governo
(Rikstag). Cada um destes detalhes ins- não se preparou e, pior, permitiu o aces-
titucionais teria causado um impacto nas so da oposição à TV. 4 Desta vez, com 4
chances de determinados grupos; cada o acesso à TV vetado a praticamente to- Cf. Bolivar Lamounier em
trabalho apresentado no Woo-
um destes detalhes foi considerado pos- dos, exceto ao Presidente, e com as re- drow Wilson International
Center em setembro de 1979.
suidor de maior ou menor grau de im- gras manipuladas, o resultado foi mais
pacto. Os sociais-democratas teriam pre- favorável ao governo.
ferido estender o direito de voto o mais Acordos sobre o funcionamento das
possível e permanecer com o sistema de instituições são, por conseguinte, possí-
único representante e maioria simples. veis mesmo que as forças políticas en-
Tendiam a aceitar a representação pro- volvidas tenham interesses e visões con-
porcional mas não a escolha de um único flitantes, porque as instituições moldam
deputado por distrito em eleições de as oportunidades de realização de inte-
resses específicos e os grupos envolvidos
dois turnos, uma vez que este arranjo
reconhecem que as instituições têm esse
favoreceria os liberais que, como parti- efeito. Colocada frente à alternativa de
do de centro, colheriam os votos do se- um conflito aberto possivelmente violen-
gundo escrutínio. Os conservadores, uma to — cujo desenlace pode ser bastante
vez reconhecida que a extensão do di- benéfico mas, ao mesmo tempo, é muito
reito de voto era inevitável, buscaram arriscado — e uma solução democrática,
garantias. A garantia, nesse caso, era a que implica comprometimento mas pro-
representação proporcional que, segundo porciona segurança, as forças políticas
pensavam, poderia impedir os liberais envolvidas na transformação do regime
e/ou os sociais-democratas de alcança- podem optar pelo compromisso demo-
rem a maioria. Conforme colocado pelo crático. Este compromisso é substantivo,
seu porta-voz, o Bispo Gottfrid Billing, porque os grupos passam a encará-lo
era preferível ter "garantias mais sólidas como a estrutura mais promissora para
e uma extensão maior do sufrágio do a realização de seus interesses. É, entre-
que garantias frouxas e uma menor ex- tanto, indiretamente substantivo, apenas
tensão". na medida em que resultados concretos
A mais recente eleição brasileira são moldados pelas instituições. O que
(1982) proporcionou um exemplo espeta- está em questão em qualquer processo
cular no qual o governo autoritário usou de democratização são as garantias, e
todos os instrumentos legais para asse- estas só podem ser institucionais.
gurar vantagens antecipadas para o seu
partido, garantindo, deste modo, maioria
no colégio eleitoral presidencial. Primei-
ro, o governo permitiu a formação de
III
partidos adicionais na esperança que a ma solução institucional é sem-
oposição — até então relutantemente pre possível? Será que as ins- Limites e
reunida no quadro oficial dos partidos — tituições sempre compensam possibilidades
se fracionasse. Ao mesmo tempo, vários pela distribuição de recursos
obstáculos foram colocados para dificul- da solução
econômicos, organizacionais, ideológicos
tar a obtenção do registro de alguns e outros recursos politicamente relevan- institucional
partidos que poderiam ter apoio devido tes, de tal maneira que todas as forças
a suas raízes no período pré-1964: nú- políticas importantes sentir-se-ão prote-
mero mínimo de filiados, expressão na- gidas sob a democracia? Suponhamos que
cional e a proibição de usar siglas de o aparato de poder autoritário conserve
antigos partidos. Por fim, foi sancionada a capacidade de reverter o processo de
uma lei que obrigava os eleitores a vota- democratização até que, e a não ser que,
rem numa única legenda para todos os possam ser encontradas instituições ca-
níveis, na esperança que os vínculos lo- pazes de proteger seus interesses e os
cais com os prefeitos pró-governo e os de seus aliados na sociedade civil. Pode-
gastos públicos de última hora compra-

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AMA A INCERTEZA E SERÁS DEMOCRÁTICO

se encontrar uma solução institucional própria autonomia política — não have-


sob tais condições? rá ninguém a quem o bloco do poder
Note-se que o problema da democra- autoritário possa delegar a representação
tização, fracassada ou bem-sucedida, não de seus interesses sob condições demo-
precisa necessariamente manifestar-se on- cráticas. Na formulação de Marx, a ques-
de o aparato de poder autoritário foi tão é se a burguesia prefere assumir a
destruído como resultado da derrota mi- responsabilidade da defesa de seus pró-
litar, depois de uma guerra externa ou prios interesses sob condições competi-
de uma guerra civil. Ou mesmo quando tivas ou renunciar à própria autonomia
se desintegra sob a pressão das divisões política em troca de proteção para seus
internas em geral causadas por derrotas. interesses econômicos. É uma questão
A presente análise pretende limitar-se ao ainda válida, cujas respostas não têm sido
problema de uma devolução negociada asmesmas nas diferentes sociedades.
de poder, uma ruptura, mas ruptura pac- que significa dizer que uma
tada. O uso destes termos em espanhol direita democrática "existe"?
não é acidental; foi na Espanha na dé- Em termos históricos sabemos
cada de 70 e no início da atual, que a o seguinte: só nos países onde
possibilidade de tal ruptura negociada a esquerda perdeu a primeira eleição
teve sua mais recente comprovação; mas competitiva é que o processo de demo-
tenho em mente também casos que estão cratização não foi revertido. Uma vez
ainda indefinidos. Notadamente no Bra- que o universo de casos não está ainda
sil, e também num outro país cujo pro- definido e que ambos os termos "es-
cesso de democratização foi interrompi- querda" e "vencer", são ambíguos, esta
do pela reafirmação da ditadura. generalização não deve ser tomada num
Se o aparato de poder autoritário acei- sentido demasiado literal. Entretanto,
tar a democracia, os interesses e valores casos que sirvam para ilustrar o contrá-
que devem ser garantidos pelas institui- rio desta afirmação são difíceis de en-
ções democráticas encaixam-se em duas contrar. Parece, portanto, que a direita
categorias. Alguns deles estão ligados às deveria ser suficientemente forte, e a
forças da sociedade civil que apoiam o esquerda suficientemente fraca, para
regime autoritário — o bloco do poder. tranqüilizar aqueles que ainda detêm a
Outros interesses estão mais estreitamen- capacidade de interromper ou anular a
te ligados ao aparato de poder, isto é, institucionalização da democracia.
ao amálgama das forças armadas, polí- O problema é que normalmente se
cia, burocracia e quaisquer outros seto- espera que os oponentes ao regime auto-
res que participem do exercício do poder ritário — aqueles que mobilizam as mas-
ditatorial. sas quando a abertura é criada — obte-
A garantia efetiva de que os interes- nham uma vitória consagrada nas pri-
ses das forças associadas à ditadura esta- meiras eleições. No estágio inicial do
rão protegidos num regime democrático processo de democratização, várias for-
vai depender do desenvolvimento, por ças da sociedade civil organizam-se fora
essas mesmas forças, de uma significativa da tutela do regime. Neste estágio, en-
presença política sob condições democrá- tretanto, ainda não há instituições capa-
ticas. E isto só é possível se as forças zes de servir de fórum de expressão e
inseridas à direita no espectro político negociação para essas novas organizações
pela natureza de seus interesses econô- autônomas. Devido a esta defasagem
micos estiverem ligadas aos valores de- entre as organizações autônomas da so-
mocráticos. Onde existir uma direita ciedade civil e o caráter fechado das ins-
democrática — onde os partidos puderem tituições estatais, a campanha pela demo-
conseguir apoio apelando simultanea- cracia deve assumir um caráter de mo-
mente aos valores da propriedade priva- vimento de massas, aliás, necessário
da e da democracia — o bloco do poder como forma de pressão. E as ruas são
que serve de suporte ao regime autoritá- a arena principal de expressão política,
Mobilização e rio pode ter certeza de que, sob insti- quando ainda não existem outros canais.
contenção, as tuições adequadamente planejadas, seus Os trabalhadores são tipicamente a
interesses estarão bem protegidos mesmo primeira e a maior força a se organizar
pontas do dilema na competição democrática. de maneira autônoma, como ocorreu na
Onde, ao contrário, a direita for anti- Europa Ocidental na virada do século,
democrática — isto é, valorizar mais a na Espanha (Comisiones Obreras), no
proteção da propriedade privada que sua Brasil (Sindicato do ABC) e na Polônia

42 NOVOS ESTUDOS N.º 9


(Solidariedade). Isto não é acidental. Os que estariam apáticas noutro contexto.
locais de trabalho são, juntamente com O fato é que, em vários países, os par-
os mercados populares (o bazaar do tidos que organizaram as mobilizações
Oriente), os únicos espaços onde as pes- de massa contra o regime autoritário, de
soas podem encontrar-se espontaneamen- alguma forma chegaram às eleições dividi-
te, sem vigilância da polícia. Em segundo dos e, assim, impossibilitados de vencer.
lugar, os direitos políticos são impres- Entretanto, a existência de uma direi-
cindíveis se os trabalhadores quiserem ta democrática e mesmo a sua vitória
lutar por seus interesses econômicos. eleitoral não são suficientes como garan-
Assim, os trabalhadores organizam sindi- tias para o aparato de poder autoritário.
catos autônomos e estes apresentam rei- O problema aqui é duplo. O primeiro
vindicações políticas que os colocam na aspecto é a responsabilidade dos apara-
vanguarda da luta pela democracia. De- tos repressivos pelos atos que cometeram
ve-se notar, além disso, que enquanto durante a implantação do regime autori-
os opositores do regime autoritário mobi- tário. Se a repressão foi intensa e brutal,
lizam-se nas primeiras etapas da cam- e ainda está vívida na memória de toda
panha pela democracia, os aliados do uma geração, o problema da imunidade
regime são tipicamente incapazes de par- pessoal pode ser intransponível. Mesmo
ticipar da política. Regimes autoritários a vitória eleitoral dos partidos que re-
não mobilizam. Mesmo na Europa Orien- presentam os interesses do bloco do po-
tal, onde a filiação às organizações ofi- der autoritário não significará proteção
ciais é intensa, a atividade política autên- individual suficiente para os membros do
tica é muito rara. aparato de repressão. Esta questão está
Contudo, se nossa generalização empí- no centro das dificuldades na Argentina
rica for válida, em algum momento entre e é provável que ocorra o mesmo no
a decisão de realizar eleições e o dia da Chile. É importante observar que na Es-
votação, as forças associadas ao regime panha os aparatos repressivos simples-
autoritário devem constituir-se em par- mente permaneceram em seus lugares
tidos ou num único partido político, or- enquanto as instituições democráticas
ganizar-se e encontrar formas de apelo iam sendo introduzidas.
popular junto às massas de seguidores O segundo obstáculo é, talvez, espe-
antes despolitizadas. E a esquerda, deve cífico dos países não-capitalistas, onde a
de alguma forma desmobilizar. questão da sobrevivência econômica as-
a Espanha, a desmobilização sume proporções gigantescas para os
indicou que, na prática, a luta burocratas do aparato de poder autoritá-
foi retirada das ruas e fábricas rio. Sob o capitalismo, aqueles membros
e restringida quase inteiramen- da burocracia que não têm qualificações
te à competição eleitoral. Mais ainda, para viverem decentemente de empregos
algumas organizações de esquerda dese- nas empresas particulares podem acumu-
javam moderar suas reivindicações, in- lar propriedades enquanto no poder e
cluindo-se aí uma boa dose de contenção serem ricos para sempre. Em condições
salarial. Como disse Santiago Carrillo, não-capitalistas, o acesso à propriedade,
"devemos ter a coragem de explicar aos mesmo para os integrantes da nomen-
trabalhadores que é melhor ceder mais- klatura, é permitido apenas em virtude
valia à burguesia do que enfrentar um da posição dentro do aparato de poder.
destino ainda pior". O resultado, na Es- Por conseguinte, os riscos são muito
panha, foi o enfraquecimento do Partido mais altos: é necessário lutar não apenas
Comunista tanto em relação a avaliações pela sobrevivência política, mas também
anteriores de sua força, quanto em rela- pela sobrevivência econômica. Assim,
ção ao apoio nas fábricas e ruas. Fenô- onde a repressão gerou ressentimentos
meno similar parece ter ocorrido com o profundos e, além disso, alguns membros
Partido Comunista do Exterior na Gré- do aparato de poder preocupam-se basi-
cia e com o Partido dos Trabalhadores camente com seus interesses econômicos
no Brasil. particulares, o aparato de poder autori-
Sem dúvida, não ousaria afirmar que tário pode resistir à transição para a de-
as lideranças desses partidos deliberada- mocracia, mesmo se as forças da socie-
mente procuraram diminuir sua força dade civil que o apoiam quiserem testar
eleitoral. O mais provável é que a mobi- suas chances sob condições democráticas.
lização inicial não se traduzisse em apoio O vigor competitivo destas forças é
eleitoral das massas — predominante- novamente decisivo. Se a Direita econô-
mente rurais na maioria dos casos — mica conseguir organizar-se num partido

JULHO DE 1984 43
AMA A INCERTEZA E SERÁS DEMOCRÁTICO

e competir com êxito em condições de- e as condições sob as quais a democracia


mocráticas, então a coalizão democrá- é possível — pode ser analisada utilizan-
tica — composta de forças variadas no do-se termos similares, ainda que se es-
espectro político — colocará o aparato teja falando da Europa Ocidental do
de poder em completo isolamento, anu- início do século, da América Latina ou
lando sua capacidade de comando ou re- da Europa Oriental. Evidentemente, as
duzindo-a à força pura. De fato, são condições históricas específicas são im-
esses os momentos de febre golpista, nos portantes. Há diferenças sistemáticas en-
quais as conspirações contra a democra- tre os países capitalistas e os da Europa
tização se tornam mais freqüentes mas, do Leste; uma dessas foi utilizada antes
ao mesmo tempo, têm menos chances de como elemento da análise. Mais ainda,
sucesso. várias categorias que tendemos intuiti-
Surgirá um impasse quando a Direita vamente a utilizar na análise das socie-
democrática for incapaz de mobilizar o dades capitalistas — direito, sociedade
apoio das massas, ou quando não tiver civil, bloco do poder — revelam-se ina-
legitimidade para invocar o respaldo po- dequadas quando aplicadas à Europa
pular apelando simultaneamente a valo- Oriental.
res da propriedade privada e da democra- Entretanto, tendo estudado os proces-
cia. Nessas condições, o problema da de- sos de transição democrática nos contex-
mocratização não encontra solução: o apa- tos da América Latina e do sul da Euro-
rato de poder autoritário opõe-se ao pro- pa, encontrei em 1980 uma estrutura
cesso e a direita democrática, não tem pronta e acabada para analisar os recen-
poder sem o amparo daquele. Sem esse tes eventos na Polônia. No limite, este
apoio a direita democrática não é um modelo de "Polônia", extraído da expe-
interlocutor viável; com esse apoio não riência latino-americana, permite elucidar
pode optar pela democracia. as causas da derrota do movimento de-
Portanto, não é em qualquer circuns- mocrático polonês e também fornece ma-
tância que um compromisso institucional terial para análises posteriores, de tran-
se torna possível: é indispensável a exis- sições democráticas em outros lugares.
tência de forças políticas a quem o bloco O ímpeto no sentido de democratiza-
do poder possa delegar a defesa de seus ção veio dos trabalhadores poloneses.
interesses, e apenas se forem oferecidas Reagindo contra condições e decisões eco-
garantias adequadas para os interesses nômicas do governo autoritário, os tra-
particulares do aparato de poder. Tais balhadores buscaram a defesa de seus
forças podem simplesmente não existir. interesses coletivos através da organiza-
Podem estar ausentes devido a fatores ção de sindicatos autônomos e autogeri-
macroestruturais, tais como aqueles iden- dos. A sua concepção inicial de reformas
tificados por Barrington Moore. era estritamente economicista e absten-
Ou então, porque o regime autoritário cionista: a reivindicação básica era a
teve bases tão estreitas que, sob condi- autonomia sindical, e os sindicatos eram
ções democráticas, nenhuma força dentro vistos como instrumentos de pressão ex-
da sociedade civil pode ser acionada em terna sobre as instituições políticas. Na
defesa de seus interesses e idéias. É exa- fase inicial, o sindicato não pretendia re-
tamente a influência que as instituições formar as instituições políticas e tam-
têm sobre os resultados de conflitos po- pouco abrir espaços dentro delas. No en-
líticos que torna possíveis os compro- tanto, essa atitude não poderia ser man-
missos institucionais. Mas o seu impacto, tida por muito tempo; logo ficou eviden-
no limite, é circunscrito pelas condições te que sindicatos autônomos não sobrevi-
históricas, e em determinadas condições vem sem um mínimo de liberalização do
não é possível uma solução negociada. sistema político. Sem reformas políticas,
os membros do sindicato não podiam co-

IV municar-se nem apresentar e justificar


suas reivindicações de maneira regular.
Assim, o movimento sindical rapidamen-
A universalidade omo o leitor deve ter notado te tornou-se "politizado", isto é, colocou
por vários exemplos, este texto objetivos políticos como canais para a
da possibilidade contém uma tese oculta. Estou realização de seus interesses econômicos.
democrática convencido de que a lógica da Ao mesmo tempo, o movimento dos
transição para a democracia — as alter- trabalhadores deu ímpeto a inúmeros
nativas presentes nos diferentes estágios grupos, todos organizados independente-

44 NOVOS ESTUDOS N.º 9


mente do governo e decididos a promo- ameaça soviética. Por outro lado, os re-
ver uma intensa mobilização por seus formistas do partido opunham-se à pos-
próprios interesses. O resultado foi um sibilidade de repressão violenta ao movi-
movimento amplo, maciço e heterogê- mento, preferindo dividir o poder através
neo que, a exemplo de outros na Europa do consenso a monopolizá-lo pela força.
Ocidental do começo do século, tinha Sabe-se pouco sobre os detalhes da
aspectos políticos e tradeunionistas. negociação alternadamente interrompida
O aparato de poder, por sua vez, via e retomada durante o outono de 1981,
as concessões iniciais como compromis- mas há boas razões para se acreditar que
sos temporários exigidos pela correlação essas negociações romperam-se de vez ao
de forças conjuntural. Nem o sindicato ser discutida uma fórmula eleitoral. Até
nem o governo encaravam a existência onde sabemos, a liderança do Solidarie-
de organizações autônomas como incom- dade desejava um acordo em que: 1) o
patíveis com as instituições políticas mo- governo, e não o partido, fosse o res-
nopolisticamente controladas. Portanto, ponsável efetivo perante o Seym (Parla-
ambos os lados acreditavam, no início, mento); 2) o Partido Comunista, sozinho
que as organizações recém-formadas se- ou formando uma coligação, teria garan-
riam, de alguma forma, acomodadas sem tida a maioria de cadeiras no Parlamen-
qualquer reforma política básica. to, e desse modo poderia formar o go-
divisão dentro do aparato de verno; 3) seria permitida uma certa com-
poder ocorreu primeiro no seio petição pelas cadeiras no Parlamento. O
do Partido Operário Unificado problema era que essas reivindicações
Polonês (POUP). Uma fração não podiam ser atendidas simultanea-
significativa dentro do partido desejava mente. Não havia sistema eleitoral que
encontrar algum tipo de solução institu- comportasse uma competição efetiva e,
cional que permitisse uma atuação efe- ao mesmo tempo, garantisse maioria no
tiva dos sindicatos e de outras organiza- Parlamento ao Partido Comunista. E isso
ções. No final, ocorreram profundas di- porque o partido não dispunha de apoio
visões entre os grupos reformistas do popular de qualquer espécie: embora
partido, por um lado, e por outro lado, clandestinas e não muito confiáveis, pes-
o aparato permanente do Partido, a po- quisas realizadas por estrangeiros na Po-
lícia e determinados grupos da burocra- lônia davam aos comunistas entre três
cia. Alguns líderes desejavam que o par- e cinco por cento dos votos em eleições
tido deixasse de ser uma organização livres. Sob tais condições, nenhuma fór-
puramente administrativa para se trans- mula eleitoral poderia fazer milagres e
formar outra vez em organização políti- nenhum compromisso institucional seria
ca. Pretendiam que ela deixasse de ser possível. E a ala moderada do Solidarie-
uma força oportunista para se tornar, dade não poderia ir mais longe em suas
mais uma vez, uma força ideológica. concessões e principalmente não poderia
Outros, não facilmente identificáveis em abrir mão do princípio da competição sob
termos genéricos porque seu poder foi pena de perder o controle sobre os radi-
sempre clandestino, opunham-se a qual- cais no seio do movimento.
quer reforma, defendendo os privilégios Por outro lado, os reformistas do par-
e a necessidade de controle contra todas tido eram incapazes de oferecer outras
as ameaças. concessões exatamente porque seu poder
Em alguns aspectos, a estrutura do repousava, em última análise, no apoio
conflito era a mesma do dilema de um do aparato de poder, e este era contrário Polônia, o dilema
prisioneiro. Uma solução conjunta que a quaisquer concessões políticas. Os re-
oferecesse ao Partido Comunista garan- formistas podiam negociar enquanto es-
do prisioneiro
tias efetivas de vitória numa eleição tivessem do mesmo lado que o aparato
competitiva (o que significaria poder for- de poder e esta situação não poderia du-
mar um governo baseado na maioria das rar por muito tempo. Sem o apoio da
cadeiras), teria sido preferida pela ala polícia, da burocracia e do exército, o
moderada tradeunionista do Solidarieda- grupo reformista teria sido varrido pelo
de e também pelos grupos reformistas movimento popular.
do partido. A estratégia radical de to- Este trabalho não pretende examinar
madas de fábricas ("greve ativa") pare- todos os aspectos do colapso do proces-
cia demasiado arriscada aos moderados so democrático na Polônia. Muitos fato-
do Solidariedade, em parte devido à res — a emergência do exército como

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AMA A INCERTEZA E SERÁS DEMOCRÁTICO

ator autônomo, o papel da Igreja Cató- Ter a quem delegar a representação


lica e as pressões da União Soviética — de seus interesses e manter intactas as
requeriam análises mais complexas. O saídas alternativas são fatores cruciais
objetivo é ilustrar a tese geral: compro- para o aparato de poder autoritário. Na
missos institucionais podem ser impos- ausência dessas condições, uma transição
síveis mesmo se desejados e buscados negociada para a democracia não é pos-
pelas forças políticas relevantes. Na Po- sível, restando somente a possibilidade
lônia, um compromisso institucional foi de a ditadura ser derrotada pela força,
impossível porque as forças associadas ao
alvez o aspecto mais notável
regime (incluindo as que apoiaram a alian-
ça com os soviéticos) não conseguiram da transição democrática na
obter apoio sob condições democráticas. Espanha tenha sido a transfor-
Para o aparato do autoritarismo, ceder o mação do sistema político sem
poder significava uma ameaça aos mais afetar, de modo visível, as relações eco-
egocêntricos interesses pessoais. nômicas; não apenas a estrutura de pro-
priedade mas também a distribuição de

V
renda permaneceram intactas. Mesmo a
vitória do Partido Socialista provocou o
seguinte comentário de um editor: "an-
esta, portanto, a resposta à tes o centro era de direita, agora é de
pergunta original. A democra- esquerda". Tendo demonstrado que era
tização — entendida como capaz de existir, a esquerda agora deve
simples ato de devolução do demonstrar que está "preparada para go-
poder às instituições, o que permite e vernar" — na frase usada para justificar
conduz a um interrelacionamento incer- a entrada do Partido Trabalhista no
to das forças políticas — é possível se governo britânico em 1924. Se a análise
existirem instituições que proporcionem acima for válida, o conservadorismo so-
uma certa segurança de que os interes- cial e econômico pode ser o preço a ser
ses das forças políticas majoritárias não pago pela democracia: as instituições
serão afetados duramente na competição políticas que organizam o compromisso
democrática, dados os recursos à dispo- democrático devem estar formadas de
sição dessas forças. Os acordos substan- tal modo que consigam proteger os in-
tivos são possíveis apenas se forem ga- teresses das forças associadas ao regime
rantidos institucionalmente, uma vez que autoritário, minimizando assim a exten-
são as próprias instituições que moldam são das transformações eventuais.
as probabilidades antecipadas dos resul- Por conseguinte, transições negocia-
tados. Os líderes das forças políticas em das para a democracia esbarram num di-
conflito podem entrar em acordo com lema: a democracia política é viável ao
relação a instituições, e não concordarem custo de restringir as transformações so-
com resultados substantivos, na ausência ciais e econômicas. Como Marx já obser-
de garantias institucionais. vou, em tais condições as massas de
O encontro dessas soluções institucio- oprimidos buscarão usar seus direitos
nais vai depender da distribuição de re- políticos para conseguir transformações
cursos. O aparato de poder autoritário sociais e econômicas enquanto os deten-
pode estar propenso a ceder o poder se tores de privilégios econômicos e sociais
as forças associadas ao regime autoritá- estarão reiteradamente tentados a buscar
rio conseguirem mobilizar apoio popular a proteção da força. A conclusão de
suficiente para o desempenho de um pa- Marx — que a combinação de democra-
pel importante sob as instituições demo- cia política e propriedade privada é im-
cráticas. Entretanto, se a direita não for possível como forma duradoura de orga-
politicamente democrática e se, além dis- nização social — é forte demais. Mas
so, o aparato de poder temer as reações a democracia continua a ser rara e ins-
a seus atos de repressão, ou estiver tável: rara porque requer um compro-
preocupado com a sobrevivência econô- misso entre classes e instável exatamente
mica individual de seus membros, então por isso.
o processo de democratização poderá ser Adam Przeworski é professor de Ciência Política da Uni-
versidade de Chicago.
revertido. Nesse caso, um regime de ba-
ses estreitas e extremamente repressivo Novos Estudos Cebrap, São Paulo
poderá aprofundar a prática autoritária. n.º 9, p. 36- 46, jul. 84

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