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Os Géneros de texto e os tipos de discurso como formatos das


interaçoes de desenvolvimento

BRONCKART, Jean-Paul

Reference
BRONCKART, Jean-Paul. Os Géneros de texto e os tipos de discurso como formatos das
interaçoes de desenvolvimento. In: Analise do Discurso. Lisbonne : Hugin Editores, 2005. p.
37-79

Available at:
http://archive-ouverte.unige.ch/unige:37567

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Ed. Payot, Paris.


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Tradução de FERNANDA NúRANDA ~ENÉNDEZ


1. O projecto 'lo intreraccionismo socio~discursivo
Os nossos trabalhos relativos aos textos e / ou aos discursos
relevam de uma psicologia da linguagem, ela própria inscrita num
quadro ep~stemológico da corrente das ciências humanas/sociais. que
".. qualificamos como "interaccionismo social". Mas estas duas
"etiquetas" que atribuímos aos nossos trabalhos poderiam revelar-se
I
• I enganadoras, pelo que necessitam de alguns esclarecimentos . ;
\
A psicologia da linguagem é geralmente definida como a sub- ",
disciplina da psicologia que 'se centra sobte a análise do
funcionamento e da génese das práticas linguísticas. Nesta
perspectiva, e de acordo com oS princípios aparentemente eVidentes
de te corte dos objectos e dé distribuição das tarefas científicas, ela
co-existiria com outras sub-disCiplinas, definidas elas também pelo ,...
.'
seu Csub-)objecto: psicologia social, psicologia clínica, etc.
A nossa concepção é coinpletamente diferente, na medida em
que defendemos que a linguagem não é (apenas) um meio de eXpressão
de processos que seriam, eles, estritamente psicológicos (percepção,
cognição, seritimentos, emoções), mas que é, na realidade, um
instrumento fundador e organizador desses mesmos processos, em
todo o caso nas suas dime~sões especificamente humanas. O que é
o mesmo ,que dizer ql.J.e, ' no homem, as funções psicológicas
superiores (ou processos de pensamento acessíveis à consciência) e
as condutas activas que lhe estão associadas, são o ~esultado da
semiotização de 'um psiquismo primário herdado da evolução Ce
globalinente análogo ao dos mamíferos superiores). A nossa
dérriarche releva desde logo de uma abordagem global e

[39J
\1
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tendencialmente unificada do funcionamento psicológico que, como instrumentalizadas produziram mundos económico, social e
veremos infra, se dá como unidades de análise, (1, linguagem, as semiótico, que constituem desde então uma parte específica do 1
I.
condutas activas (ou "agir") e o pensamento consciente. ambiente dos humanos; c) é o encontro com estas propriedades
radicalmente novas do meio, depois com a sua apropriação e a sua
Tal como se apresenta nomeadamente na obra de VYGOTSKI
interiorização pelos organismos singulares, que transformaram
(1927/1999; 1934/1997), a posição interaccionista social poderia
progressivamente o psiquismo herdado da evolução e deram lugar à
aparecer como uma forma de reducionismo social, isto é, como uma
emergência do carácter indissociável dos processos de organização
posição que atribuiria aos mecanismos e factos sócio-culturais um
social das actividades, da regulação dessas actividades pela linguagem,
papel decisivo, quem sabe se exclusivo, no desenvolvimento das
e do desenvolvimento das capacidades cognitivas humanas. Em
capacidades humanas, e que negligenciaria ao mesmo tempo as
consequência, elas abrem o caminho a uma manobra de explicação
dimensões biológicas e/ou cognitivas, em direito universais, desse
do funcionamento psicológico humano que solicita necessariamente
mesmo desenvolvimento. Na realidade, o interaccionismo social é
a história das interacções humanas, tais como são organizadas nas
uma corrente que visa validar, no plano científico, uma concepção
actividades e nas produções verbais colectivas.
do estatuto do humano, cujos fundamentos se situam na obra
magistral de Espinosa (cf. L'Ethique, 1677/1954), e que foi reforçada É necessáriO sublinhar que o' interaccionismo se opõe
pelos contributos sucessivos de Darwin, Hegel e MarxlEngels. Se radicalmente a três princípios fundamentais da Tradição
Darwin (1859/1980) forneceu os primeiros elementos empíricos íllosófico-científica que continuam a orientar os procedimentos
atestando a continuidade da evolução das espécies vivas, Hegel (cf. maioritários das ciências humanas/sociais.
1807/1947), quanto a ele, põe em evidência os processos históricos o primeiro é o da estabilidade e dafinitude dos mecanismos da
pelos quais as actividades de trabalho e de linguagem produzidas organização do universo, formulado nomeadamente na física de
nas sociedades hu~anas conduziram, num processo solidário e Newton. De facto, a teoria deste último postula que todos os
dialéctico, ao mesmo tem:po a emergência do pensamento consciente processos atestáveis no universo são regidos pelas leis que apresentam
humano e a construção do mundo, de obras e de culturas modeladas um carácter ao mesmo tempo determinista e ?"eversível no tempo:
com significações sociais. No seu reinvestimento destes propostas, os ingredientes constitutivos da natureza seriam delimitados ou
Marx (1845/1951) e Engels (1925/1975) propuseram em seguida um acabados, e todas as suas transformações observáveis não seriam
esquema geral da antropóides segundo o qual: a)as capacidades bio- mais do que os resultados das suas propriedades estáveis e etemas
comportamentais específicas dos organismos humanos tornaram (<<nada se perde, nada se cria, tudo se transforma»). Ora bem, como
possível a elaboração de actividades colectivas assim como de demonstraram Prigogine (1996), Maturana e Varela (1998) e muitos
instrumento ao serviço da sua realização concreta (os objectos outros, este tipo de abordagem negligencia o carácter dinâmico e
manufacturados) e os instrumentos ao serviço da sua gestão de imprevisível da evolução do universo, posto em evidência
conjunto (os signos da linguagem); b) estas actividades colectivas nomeadamente pela termodinâmica e a astrofísica, e revela-se inapta

[40] [41]
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a conceptualizar os efeitos que exercem a evolução, a história, e «o positivismo tende poderosamente pela sua natureza a
sobretudo a «flecha do tempo», sobre as condições de consolidar a ordem pública pela sua sábia resignação ( ... ) Só existe
engendramento do conjunto das formas de organização (inertes ou evidentemente verdadeira resignação ( ... ) no seguimento de um
vivas) saídas da matéria única. profundo sentimento das leis invariáveis que regem todos os diversos
géneros de fenómenos naturais. É por isso com uma filosofia
o segundo princípio, solidário com o primeiro, é o da aceitação
positivista que se relaciona uma tal disposição seja qual for o sujeito
da legitimidade do recorte dos objectos e sub-objectos do
a que se aplica, e por consequência também 'aos maus políticos.»
conhecimento, e em consequência da aceitação do fraccionamento
(Comte, 185471929, Apêndice III)
das C'iênC'ias, em particular das ciências humanas/sociais. Esta atitude
decorre da adesão, de facto, à epistemologia positivista de A. Comte A História mostra que as ciências humanas/sociais foram sendo
(cf. 1830/1907). Este último procedeu, como se sabe, a uma e~aboradas sobre a base da posição reaccionária e estática de Comte,
classificação das diversas ciênC'ias fundada nos graus de generalidade mais do que sobre a posição dinâmica e histórica herdade de Darwin
e de complexidade dos objectos sobre os quais trabalham. Para cada ou de Marx; elas são, portanto, construídas em cirçunstâncias tais
uma das ciências assim classificadas, indicou de seguida aos que se proíbem de abordar, quer a problemática das relações de
estudiosos um trabalho de descrição dos fenómenos e de identificação interdependência entre os aspectos psicológicos, cognitivos, sociais,
das leis ou da ordem que os organizam, de forma a poder prever os culturais, linguísticos, etc., do funcionamento humano, quer a
novos fenómenos e, deste modo, a poder controlá-los. Finalmente, problemática dos processos evolutivos e históricos pelos quais as
proibiu a esses mesmos estudiosos toda a forma de transgressão diferentes dimensões foram engendradas e se vão co-construindo.
das fronteiras que separam as disciplinas científicas: cada objecto
Quanto ao terceiro princípio, saiu do velho fundo dafilosofia do
deve explicar-se pela sua economia ou a sua sistemática própria,
espírito, em P?I1icular das teses dualistas e subjectivistas de Descartes
sem tomar em consideração as aquisições das outras disciplinas.
(cf. 1637/1951). Ele coloca em primeiro lugar uma distinção radical
Convém aqui relembrar que a proposta de Comte se inscreve
(dualismo de substância) entre os fenómenos físicos (corpos e
explicitamente em oposição às teses saídas de Darwin, Hegel ou Marx,
objectos inertes) e os fenómenos psíquicos (alma, espírito,
uma vez que recusa, como propõem estes últimos, situar-se na
pensamento consciente), estes últimos só sendo atestáveis nos
"marcha da evolução e da história", para tentar restaurar uma ordem
humanos, que teriam assim beneficiado de um "gesto criador"
I
estável que, para além das suas dimensões científicas, seja sobretudo particular. Em seguida, defende que o psiquismo humano se encontra
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·1
uma ordem político-moral, como atesta o seguinte excerto do Curso na própria nafonte de todo o conhecimento e que, em consequência,
de política positiva:
I convém primeiro estudar as propriedades deste espírito, para analisar
em segwda as diferentes espécies de manifestações colectivas que
este "poder" tornou possíveis. Transposto para as ciências humanas/
sociais, este último princípio engendrou o conjunto dos

[421 . I
t.

procedimentos ascendentes (cf. nomeadamente o cognitivismo e as ao problema do estatuto e das condições de constituição do psiquismo
neuro ciências), que admitem que a análise das propriedades dos ou do pensamento da consciência humana. A abordagem de
organismos individuais constitui uma condição primeira para poder Voloshinov repousava sobre três princípios maiores.
abordar de seguida a análise dos fenómenos de ordem linguística,
a) Toda a produção ideológica é de natureza semiótica; claro que
sociológica, económica, etc. O interaccionismo, pelo contrário,
as ideias reenviam a referentes, mas estes são uma realidade que é
porque é herdeiro de Espinosa, admite a unidade da substância
independente, e de uma ordem diferente que a do mundo dos
material (monismo) e a continuidade dos processos como tendo feito
conhecimentos; as ideias constituem desde logo necessariamente
emergir o psiquismo humano, e preconiza então um proce<limento
signos das entidades referidas.
descendente, centrado nos efeitos específicos da história colectiva
humana sobre a transformação permanente e correlativa, dos factos b) estes "signo-ideias" não podem emanar da actividade de uma
sociais por um lado, dos factos psicológicos por outro. consciência individual: são produtos da interacção social e são
condicionados por esta última, e em razão deste estatuto, apresentam
A posição interaccionista foi defendida por numerosos autores
sempre um carácter dialógico; inscrevem-se num horizonte social e
do princípio do século XX (cf. Bronckart & Friedrich, 1999): por
dirigem-se a um auditório social:
Vygotski, como já mencionamos, mas também por Bühler (1927),
Dewey (1910/1985), Dilthey (1925/947), Mead (1934), Politzer (1928), «Os signos só emergem em definitivo do processo de interacção
Spranger (1928), Wallon (1938), etc. entre uma consciênc~a individual e uma outra.»(1977, p. 28)

Na nossa opinião, uma das apresentações mais precisas deste ««[ ... ] toda a palavra comporta duas faces. É determinada tanto

interaccionismo inicial é sem dúvida a da exposição no Marxismo e pelo facto que procede de alguém como pelo facto que é dirigida
Filosofia da Linguagem (1929/1977), obra que devemos atribuir sem para alguém. Constitui justamente o produto da interacção do locutor
reserva a Voloshinov1. Este tinha por objectivo lançar as bases de e do auditor.» (ibid.,p.123)
uma filosofia da linguagem articulada com o marxismo, e o seu c) Todo o discurso interior, todo o pensamento ou toda a
questionamento central incidia sobre a questão do estatuto e das consciência, apresenta desde logo um carácter social, semiótico e
condições do desenvolvimento da ideologia, na ocorrência o que dialógico:
Politzer (op. cit.) qualificou justamente como mundo de
«E a consciência individual é ela própria cheia de signos. A
conhecimentos: questionamento que reenvia portanto inevitavelmente
consciência não se torna consciência a não ser uma vez cheia de
conteúdo ideológico (semiótico) e, por consequência, apenas nos
I Os estudos de Ivanova (cf. 2000) mostram claramente que a edição de 1929 do processos de interacção social.» (Ibid.,p. 28)
Marxismo e Filosofia da Linguagem constitui uma versão abreviada da tese
Sobre esta base, o objectivo do autor era elucidar as condições
redigida por Voloshinov em 1925, e que este último deve definitivamente ser I
considerado como sendo o único autor da obra, mau grado as obscuras de constituição do pensamento humano, no quadro de um programa .i
tentativas ulteriores de atribuir a sua co-paternidade a Bakhtine.

[44] [45]
de investigação que se centraria primeiro sobre as condições e os soctats que elas geram (instituições, valores, normas); b) as
processos de interacção social [ou ainda sobre «as formas materiais actividades colectivas gerais (ou não linguísticas) enquanto quadros
precisas da expressão da psicologia do corpo social» (ibid., p.39), que organizam o essencial das relações entre os indivíduos e o seu
que incidiriam de seguida sobre formas de enunciação que ambiente; c) as actividades- de linguagem, que comentam as
materializem ou semiotizem estas interacções, e que finalmente actividades gerais explorando uma lingua natural e que se
abordaria a orgaruzação das unidades-signos no interior dessas formas materializam em diferentes espécies de textos; d) os mundos formais
(ibid.,p.137). Sendo formas de interacção e formas de enunciação (cf. Habermas, 1987), ou estruturas de conhecimentos colectivos que
constituintes dos produtos da história humana, e tendo-se tendem a abstrair-se de determinismos da actividade e da fextualidade
diversificado em função das da história particular dos grupos, para se organizarem segundo diferentes regimes lógicos.
Voloshinov defendia que elas deviam ser estudadas numa perspectiva
O segundo nível incide sobre os comportamentos de mediação
diferencial e comparativa.
formativa, quer dizer, os processos deliberados pelas quais os adultos
Este programa de trabalho, como as propostas dos outros integram os "recém chegados" ao conjunto dos pré-construídos
fundadores do interaccionismQ, foram de seguida "esquecidas" disponíveis no seu enquadramento sociocultural. Este campo de
durante cerca de meio século, sob o efeito da (re-)glaciação positivista análise concerne o conjunto de procedimentos de controlo e de
dos anos 30, que conduziu ao fraccionamento e à "impermeabilização" avaliação das condutas verbais e não verbais adquiridas desde o
actuais das ciências humanas/sociais. Mas a re-descoberta da obra nascimento (até ao fim da vida), como os procedimentos educativos
de Vigotski nos anos 70/80, e as tomadas de posição críticas de Bruner explícitos que se realizam nomeadamente nas instituições escolares.
em particular (cf. 1993) fizeram ressurgir esta corrente de ideias, que
o terceiro nível diz respeito aos efeitos que exercem as mediações
se tornou actualmente activa e potente, em particular nos campos
formativas sobre os indivíduos, e decompõe-se em duas
da sociologia, da linguística e das ciências da educação. O nosso
problemáticas. 'Uma diz respeito às condições de transformação do
projecto inscreve-se neste movimento contemporâneo e constitui
psiquismo sensorio-motor herdado, num pensamento consciente
uma tentativa de reorganizar a problemática psicológica num quadro
fundador da persona, e mostrámos que este processo resultava da
geral que qualificamos de interaccionismo socio-discursivo. Este interiorização das propriedades estruturais e funcionais dos signos
quadro de trabalho articula três níveis de análise, que poderemos
linguísticos, tal como os descreveu Saussure (cf. Bronckart, 2003a).
evocar aqui de maneira lap~dar, mas de que o leitor poderá encontrar A outra diz respeito às condições de desenvolvimento das pessoas e
apresentações mais completas em outras obras (cf. Bronckart, 1997, das suas capacidades activas, no quadro de transacções entre as
Chap.1; Bronckart & al., 1996).
representações individuais (ou tendo o seu lugar numa pessoa) e as
o primeiro incide sobre as dimensões da vida social que, para um representações colectivas veiculadas pelos pré'-construídos (cf.
indivíduo e em sincronia, constituem pré-construídos históricos: a) Bronckart, 2003a).
asformações sociais, com os processos que os constituem e osfactos

[461 Id. 71
Inserindo-se nas «ciências do texto», os nossos trabalhos de reflectir a essência das entidades que designam. Nesta perspectiva,
inscrevem-se neste esquema geral, e visam mostrar como estes esforça-se então por identificar, no fonetismo de palavras diferentes
I mecanismos de produção e de interpretação destas entidades verbais reenviando a uma mesma entidade, por um lado os sons que
i contribuem para a transformação permanente das pessoas que reflectiriam a essência 'do referente comum, por outro, os sons que
I interagem, ao mesmo tempo que ajudam à transformação dos factos dependeriam das propriedades particulares do material linguístico à
I
sociais. disposição de um determinado grupo. Tendo falhado esta tentativa,
iI o autor adopta então \lma posição conclusiva "dobrada" segundo
.1 Mas antes de explicitar e de argumentar as opções que tomámos
aquela: a) existe (ou existiu) uma língua ideal, de origem divina,
neste domínio, parece-nos indispensável evocar a "filosofia" (ou a
. cujos nomes ?'eflectem as propriedades das entidades do mundo; b)
I "epistemologia") da linguagem à qual estas opções se adossam.
os humanos, ao sabor das suas práticas verbais, deformaram esta
língua ideal ou obscureceram o seu fundamento natural; c) convém,
2. Do estatuto da linguagem (no seu relatório com o espírito em consequência, se querem compreender o mundo, ater-se à sua
humano) observação/análise directa, e desconfiar das características
"degeneradas" da linguagem efectiva2.
2.1.A doxa ...
Em Da Interpretação, Aristóteles opera uma deslocação da relação
Como sublinharam numerosos autores, as abordagens dominantes
de essencialidade dos nomes para as estruturas proposicionais,
no pensamento ocidental concebem a linguagem numa perspectiva
sustentando: a) que apenas as proposições têm a capacidade de exprimir
"logico-gramatical" (Rastier, 2001) ou "representacionalista"
significações relativas ao mundo; b) que estas significações são
(Vernant, 1997, pp.6-8). Recordemos brevemente as apostas e os
verdadeiras e elas reenviam a acontecimentos que existem realmente
postulados deste posicionamento, evocando três das etapas maiores
neste mundo; c) que a estrutura das proposições verdadeiras constitui
da sua elaboração.
um "fiel mensageiro" da estrutura dos acontecimentos externos, ou ainda
o Crátilo de Platão visava regular a querela entre as posições que a estrutura linguística das proposições verdadeiras é um rejlexo
"essencialistas" (os nomes são propriedades naturais dos objectos; da estrutura lógica dos acontecimentos do mundo aos quais reenviam.
fazem parte da sua essência) e "convencionalistas" (os nomes são Todavia, desde que é admitido que o mundo é um, uma tal posição
produções humanas fundadas apenas sobre um acordo social) e mais implicava que todas as línguas deviam dispor das mesmas estruturas
amplamente visava dotar a linguagem de um estatuto que garantiria sintácticas; posição difícil de defender tendo em conta os dados
a verdade e afiabilidade dos conhecimentos que exprime. Na primeira linguísticos comparativos já disponíveis na época, o que deu origem a
parte deste texto, Platão (por Sócrates interposto) afirma primeiro
que se os nomes são construções humanas, socialmente variáveis
2 Esta tese do carácter "degenerado" da linguagem efectiva em relação à linguagem
(aceitação da diversidade das línguas), têm no entanto a capacidade ideal tinha já sido formulada por Antísteno e por Tucídio; a mesma terá
descendência, como se sabe, até aos puristas nossos contemporâneos.

[48] [49]
uma nova querela, entre analogistas e anomalistas. E foi Júlio César dela própria, ou afastada das práticas sociais: nas propriedades naturais
quem, nas Analogias, resolveu pôr um termo a isso, afirmando que dos objectos do mundo em Platão, nas estruturas lógicas desse mesmo
'apenas a língua latina possuía esta propriedade de reflectir a lógica do mundo em Aristóteles, nas estruturas do pensamento humano em Port-
mundo, pelo que era ela, em consequência, a única língua apta a codificar Royal. Ao fazer isto, a linguagem foi considerada como relevando·de
os conhecimentos humanos ... um mecanismo secundário, . ~~ tradução de estruturas "outras" que a
determinariam. E a partir ~e Port-Royal emergiu ;:t tese correlativa do
Como se sabe, estas teses prevaleceram até ao século X:vrr, na
primado e da independência da noese em relação à semiose: o
ocorrência até à emergência das .diversas línguas modernas (passando
pensamento é primeiro e autónomo; o que a linguagem faz é apenas
do estatuto de língua "vulgar" ao de língua de cultunl) e à elaboração
traduzir este pensamento, e não tem nenhum papel determinante na
de uma filosofia do sujeito pensante [Descartes dissocia o logos
sua construção e na dos seus conhecimentos.
antigos em pensamento (puto) por um lado, linguagem por outro]
que exige o seu rearranjo. Este efectuou-se no quadro da Grammaire Na medida em que as entidades de que a linguagem seria o reflexo
Génnérale et Raisonnée de Arnaldo e Lancelote (1660/1973), que são em direito universais, foi necessariamente defendida a tese da
analisa as relações entre mundo, pensamento e linguagem, existência de uma linguagem única e ideal, ou, pelo menos, de uma
distinguindo quatro níveis: a) o mundo exterior e as suas estruturas; organização estrutural comum a todas as línguas naturais.
b) o pensamento humano, concebid? como produtivo de ideias O correlato destas duas teses é a dificuldade, mesmo a impossibilidade
susceptíveis de se organizarem em estruturas lógicas de julgamento de explicar porque razões coexistem tantas línguas naturais diferentes,
e de raciocínio; c) as estruturas sintácticas canónicas que seriam que, por outro lado, se modificam com o tempo. Se do século XVII ao
comuns a todas as línguas; d) as estruturas sintácticas que fogem a XIX foram regularmente invocadas aS "paixões" que deformariam as
esta forma canónica e que variam segundo as línguas naturais. E no .estruturas linguísticas universais, nas correntes dominantes
. quadro deste esquema, os autores defenderam duas teses maiores: contemporâneas, este problema é reenviado a diferenciações de ordem
as estruturas universais das línguas constituem um reflexo directo sociocultural, que seriam independentes dos mecanismos centrais do
da lógica do pensamento humano; as estruturas partiCulares das pensamento e das estruturas linguísticas universais, e que escapariam
línguas seriam o produto da elaboração, não desta razão universal, assim à problemática de uma ciência verdadeira.
mas de "paixões" ligadas à "mentalidade" dos povos.
Se é evidentemente parcial e lapidar, este percurso faz aparecer
2.2.... e a sua crítica radical
os três aspectos centrais da. doxa ocidental relativa ao estatuto da
linguagem. Se certos autores desenvolvem hoje abordagens da textualidade
que tentam não romper completamente com a tradição lógico-
Para assegurar a fiabilidade dos conhecimentos expressáveis na
gramatical Ccf. Adam, 1990), se outros lhe opõem uma tradição
linguagem, esta tentou sempre dotar-se de l.lma sede que esteja afastada
retóricalhermenêutica cujas bases epistemológicas parecem

[50] [51 J
heterogéneas (cf. Rastier, op. cit.), parece-nos que se dispõe (desde semiótico e social: o pensamento humano é dependente da
há muito tempo) de argumentos decisivos que devem conduzir a uma estruturação que lhe conferem as relações de signo, e por isso não
rej eição radical deste posicionamento. pode ·haver "pensamento puro" que preexista a essa acção
estruturante:
Como se sabe, Saussure colocou a tónica sobre as consequências
do carácter arbitrário dos signos linguísticos: os significantes dos «Psychologiquement, abstraction faite de son expression par
signos de uma língua subsumem necessariamente conjuntos de les mots, notre pensée n'est qu'une masse amorphe et
imagens mentais possíveis relativas a um dado universo de referência indistincte.[ ... ] Le rôle caractéristique de la·langue vis-à-vis de
(conjunto que define o seu significado); na medida em que cada la pensée n'est pas de créer un moyen phonique matériel pour
língua dispõe, para semiotizar este universo de referência, de um l'expression des idées, mais de servir d'intermédiaire entre la
I paradigma de significantes cujo número e a organização podem variar pensée et le son, dans des conditions telles que leur union
de maneira infinita, a estrutura dos significados apresenta ela própria aboutit nécessairement à des lirnitations réciproques d'unités.
necessariamente um carácter aleatório ou histórico-social. Esta análise La pensée, chaotique de sa nature,' est forcée de se préciser em
mostra, primeiro, que as relações de significações que são postas a se décomposant.» (Saussure, 1916, pp. 155-156)
funcionar por uma língua não têm nenhum fundamento na natureza
Abordando, nas suas Recherches logiques, a questão da verdade
(nas propriedades dos universos de referência a que diz respeito),
dos conhecimentos (que é, como vimos, o maior desafio da posição
mas só têm o seu fundamento no sistema das interacções sociais: o
dominante), Frege forneceu argumentos complementares
sistema da língua é dependente do sistema social, e é este que
defendendo que as representações não podem dar, em si, acesso à
constitui o interpretante último de todas as relações que aí são ri
verdade das coisas, porque elas são de ordem diferente da do mundo
atestáveis: ~I

«C'est seulement le systeme de signes devenu chose de la


das coisas (cf. supra Voloshinov), porque elas constituem sempre
conteúdos de pensamento mobilizados por uma intenção, por uma I
"

collectivité qui mérite le nom de, qui est un, systeme de signes força assertiva:
[ ... ] C'est pourquoi à aucun moment, contrairement à ft,
«La représentation n'est pas [... ] dite vraie en elle-même, mais
l'apparence, le phénomene sérniologique quel qu'il soit ne laisse ".j
eu égard à une intention, à l'idée qu'elle doit s'accorder à
hors de lui-même l'élement de la collectivité sociale et ses lois. I
quelque chose. [... ]la vérité consiste en l'accord d'un tableau i
TI est un de ses élements internes et non externes, tel est notre
avec son objet. [... ] Un accord ne peut être total que si les
point de vue» (Saussure, 2002, pp., 289-290)
choses en accord [... ] ne sont pas de natures différentes. [... ]
Ele mostra em seguida que na medida em que a língua existe Or [... ] il est essentiel que l'objet réel et la représentation soient
(também) na interioridade dos sujeitos falantes, o funcionamento différents.» (Frege, 1971, p.172)
psicológico destes últimos apresenta ele também um carácter

[521 [531
Não pode neste sentido existir «pensamento puro» que possa 3. Agir geral, agir pela linguagem, texto e discurso
reflectir a verdade do mundo; só há pensamento enquanto produto O elem.e nto central do posicionamento crítico que acaba de ser
de um acto assertivo relevante de práticas discursivas. A obra de evocado é o primado das práticas; então, pára compreender o que
Wittgenstein (cf. 1953/1961) prolongou esta abordagem mostrando de específico existe no funcionamento humano, é necessário analisar
que se a linguagem pode, com certeza, contribuir para a manifestação em primeiro lugar as características do agir colectivo. Porque é neste
das representações (função cognitiva), esta manifestação efectua-se quadro que se constroem por um lado o conjunto dos factos sociais,
no quadro dos processos activos e criativos, os jogos de linguagem, por outro as estruturas e os conteúdos do pensamento consciente
que são de uma "irredutível diversidade" porque variam com (e das pessoas. Sobre este segundo ponto, e para terminai, isto equivale
dependem das)formas de vida humanas, e que, consequentemente, a afirrn:ar de um modo geral que os conhecimentos são o produto da
a significação de uma unidade de linguagem é o produto das vida,' e não o inverso.
condições do seu uso.
Mas a descrição e a conceptualização do "fazer" humano coloca
Ressalte-se também que se encontra em Espinosa uma abordagem sérios problemas, como atestam a imprecisão relativa e a
da linguagem compatível com este posicionamento, mas que aqui concorrência efectiva de noções como agir, actividade, acção, prática,
apenas podemos referir brevemente. Segundo este autor, a atribuição etc. No que se segue, proporemos em consequência um quadro
de sentido a uma palavra só pode resultar de uma iniciativa individual, nocional geral relativo a este campo, que nos permitirá de seguida
na medida em que «as palavras só têm uma significação precisa no situar e discutir as noções de texto e de discurso.
uso» (1954, p. 788); uso colectivo que constitui para ele, como nota
O termo agir tem para nós um sentido genérico; designa todo o
Moreau, «o intérprete das palavras, a testemunha da história e o
comportamento activo de um organismo. Se todas as espécies
guarda da língua» (1994, p.33). Nesta perspectiva, Espinosa re-evoca
testemunham formas de ,a gir socializado e nomeadamente de um
nomeadamente o carácter "obscurantizante" da língua,
agir comunicativo (visando os congéneres), a espécie humana é
«Comme les mots sont une partie de l'imagination, [... ] il ne aparentemente ~ única a ter realizado um agir comunicacional verbal,
fautpas douter qu'ils ne puissent, autant que l'imagination, mobilizando signos organizados em textos, estes últimos permitindo
être cause de nombreuses et grandes erreurs, si nous ne mettons a construção de um espaço gnoseológico, quer dizer, mundos de
pas fortement en garde contre eux.» (1964, p.211) conhecimentos susceptíveis de se autonomizarem em relação às
circunstâncias de vida individuais e de se acrescentar ao decurso da
mas tira daí uma conclusão diametralmente oposta à de Platão:
história dos grupos. Para esta espécie, convém pois distinguir, por
uma vez que só existe sentido no uso, para contribuir para a formação
princípio um agir não verbal, que qualificamos de agir geral, e um
de ideias que sejam as mais verdadeiras possível, a única solução é
agir verbal, que qualificamos de agir pela linguagem (langagierY .
melhorar (tornar mais "éticas") as práticas interactivas e discursivas
dos humanos.
3 Adoptamos a expressão Agir pela linguagem Oangagier) de preferência a agir
semiótico, na medida em que aderimos à tese (defendida nomeadamente por

[54] [55]
o agir geral humano pode em primeiro lugar ser encaraqo sob o de acção (geral). Num modo de apreensão externa, a acção constitui
ângulo das actividades colectivas, isto é, das estruturas de cooperação um resultado das avaliações sociolinguísticas [sócio-Iangagieres1que
/ colaboração que organizam as interacções dos indivíduos com o incidem sobre a actividade colectiva; avaliações que segmentam
meio. Estas actividades são diversificadas; podem ser classificadas porções desta actividade, imputam a responsabilidade (os motivos,
em função dos seus motivos antropológicos gerais (actividades de as intenções e o poder-fazer) a indivíduos singulares, transformando
nutrição, defesa, reprodução, etc.), ou das suas propriedades assim estes últimos em agentes da porção de actividade a que diz
estruturais, que dependem de opções tomadas pelas formações respeito). Numa apreensão interna, estes mesmos i~divíduos, que
sociais, em função, nomeadamente dos recursos instrumentais de participam necessariamente no processo de avaliação sOCÍblinguística
que elas dispõem. E, evidentemente, estas actividades transformam- [sócio-Iangagiere), interiorizam e tratam (aceitanl, rejeitam, modelam,
se permanentemente ao longo da história destas formações.· O agir reorganizam) as avaliações que lhe dizem respeito, e dotam-se assim
pela linguagem (langagier) pode também ele ser encarado sob este de uma auto~representação do seu estatuto de agente ao mesmo
ângulo colectivo, enquanto actividades de linguagem cuja força maior, tempo que das propriedades da sua acção. Nesta mesma perspectiva,
como sublinha Habermas (op. cit.) é assegurar o entendimento pode-se definir a acção de linguagem como uma parte da actividade
indispensável à realização das actividades gerais: contribuem para a linguística cuja responsabilidade se encontra imputada (por via
sua planificação, para a sua regulação e a sua avaliação. As actividades externa ou interna) a um indivíduo singular, que se torna assim o
de linguagem são diversas porque as suas propriedades dependem agente ou autor.
também de opções tomadas pelas formações sociais (que podemos,
Os domínios de actividade e de acção são respectivamente de
neste caso, re-qualificar de formações sociolinguísticas [sócio-
ordem do sociológico e do psicológico, ó que implica nomeadamente
langagieres) ouformações discursivas), mas também, e sobretudo,
que se pode definir uma actividade ou uma acção de linguagem
porque elas dependem do tipo de actividade geral com o qual se
atendo-se a conceitos saídos destas duas disciplinas, ou ainda sem
articulam. Então, se é pertinente, como dizíamos, distinguir
prejuízo das propriedades linguísticas da sua realização efectiva.
actividades gerais de actividades de linguagem, é também necessário
admitir que as primeiras requerem geralmente as segundas, que Esta realização efectua-se quanto a ela sob forma de textos,
dependem delas, e que a distinção entre estas duas formas de construídos por um lado mobilizando os recursos (lexicais e
actividade e de identificação das suas modalidades de interacção sintácticos) de uma dada língua natural, por outro lado tendo em
continua sempre problemática. conta os modelos de organização textual disponíveis no quadro dessa
mesma língua. Desde logo, os textos podem ser definidos como os
O agir geral pode igualmente ser apreendido sob o ângulo da sua
correspondentes empíricos / linguísticos das actividades de linguagem
relação a um ou a vários indivíduos singulares, e neste caso falaremos
de um grupo, e um texto como o correspondente empírico / linguístico
de uma dada acção de linguagem. Sob este ângulo, e de forma
Hjielmslev, 1968)segundo a qual todas as (outras) produções semióticas
humanas são, genealogicamente derivadas da linguagem verbal.
paradoxal, se um texto mobiliza unidades linguísticas (além de,

[56)
[57]
eventualmente, outras unidades semióticas), não constitui em si activação da linguagem pelos indivíduos em situações concretas.
mesmo uma unidade linguística; as suas condições de abertura, de Trata-se pois de designar, por este termo, as práticas e / ou processos
fechamento (e certamente de planificação geral) não relevam do de linguagem, por oposição ao sistema da "língua". Na medida em I
linguístico, mas são inteiramente determinadas pela acção que o que este sistema constitui uma abstracção teórica segunda, e que a
gerou; é a razão pela qual qualificamos o texto como unidade !. realidade linguística é constituída por práticas localizadas,
comunicativa. Além disso, na medida em que as formações . defendemos (Bronckart & Stroumza, 2002) a conveniência de se ater
sociolinguísticas [sócio-Iangagieres] têm, no decurso da história, à expressão actividade de linguagem de preferência à utilização de
elaborado diversos modelos de organização textual susceptíveis de "actividade discursiva", por um lado porque o uso que a noção corrente
realizar empiricamente uma mesma acção de linguagem, não existe de "discurso" tem pode levar a pensar que é possível dar a este termo
(ou existe excepcionalmente) correspondência biunívoca entre uma "discurso" um sentido ao mesmo tempo mais preciso e mais profundo
acção de linguagem e uma determinada espécie de texto. (cf. 7, infra). Mas não sendo os donos do uso, nada mais podemos
fazer do que registar este emprego do termo discurso como
O que precede implica que há espaço para distinguir três IÚveis de
equivalente do de actividade de linguagem.
análise, comportando cada um o seu regime de variações. Em primeiro
lugar, o IÚvel do agir geral, que se decompõe em campos de práticas Os discursos (nesta acepção) são indiscutivelmente diversos, e é
infinitamente variadas, e pelo qual toda a tentativa de classificação por esta razão que Backtine introduziu a expressão de "géneros do
definitiva parece ilusória. Em seguida, o nível do agir pela linguagem, discurso". Mas notar-se-á em primeiro lugar que as declinações
que se pode decompor segundo o critério das modalidades das 'suas habituais destes "géneros" (discurso religioso, discurso literário,
interacções com o agir geral; Filliettaz (2002, p.260 e sgt) propôs discurso jornalístico, etc.) se atêm geralmente às produções verbais
uma classificação desta ordem que vamos reformular distinguindo autonomizadas do agir geral (3° tipo evocado antes) e negligenciam
um agir pela linguagem totalmente estruturado pelo agir geral, um as que são dependentes ou semi-dependentes deste mesmo agir; de
agir pela linguagem co-estruturado pelo agir geral e um agir pela forma que está por realizar um importante trabalho de identificação
linguagem independente de toda a estrutura de agir geral. Enfim, o e de classificação da totalidade das espécies de discursos efectivos.
nível dos próprios textos que se diversificam em "espécies" que E notar-se-á sobretudo que certos autores, entre os quais Adam em
qualificaremos correntemente de géneros e sobre os quais voltaremos particular (1999, pp. 81 e sg.) transformam deliberadamente a noção
mais tarde. ~acktiniana de "géneros do discurso" em "géneros de discurso", para
assim designar as diferentes espécies atestáveis de textos. Este «coup
Neste quadro, qual é o estatuto da noção de discurso, e
de force» parece-nos contestável por duas razões: - anula a distinção
correlativamente das de "géneros do discurso" e "géneros de discurso"?
de IÚvel ou de ordem que o programa metodológico de Voloshinov
o termo discurso, tal como aparece em Benveniste ou na "face (ou de Bakhtine) estabelece entre o agir pela linguagem (ou discurso)
escondida" da obra de Saussure (cf. Bouquet, 1999), designa a e o texto; conduz em consequência a distinguir de facto uma relação
p '_': • _. - - _ . - - . . . .. , __ _ _ _ !.o.,.-.............. _. •

I.

de correspondência biunívoca entre espécies de discursos-actividades á que estas. diferentes proposições, ao mesmo tempo que tentam
e espécies de textos, o que é contrariado pelos factos. É para evitar identificar as diversas formas de estruturação constitutiva de
estes dois escolhos que reservamos a noção de "género" apenas aos textualidade, colocam em evidência a dependência (em relação ao
textos ("géneros de textos") e que nos propomos utilizar, para os contexto) de uma larga porção (cf Roulet) ou do conjunto (cf. nós
outros níveis, as fórmulas "espécies de actividade geral" e "espécies mesmo) destas · formas e, portanto, da própria entidade "texto".
I
de discurso" (ou "espécies de actividades de linguagem"). Admite-se, em primeiro lugar, que as condições de abertura e de fecho
·1I dos textos não relevam das condições de realização do agir pela
1 linguagem que estes textos semiotizam, o que explica
I 4. Textualidade e genericidade momentaneamente a variabilidade extrema das suas dimensões.

I· Como demonstrou Lundquist (1999), os locutores de uma língua


estão aptos a distinguir um texto do que não o é, com maior ou
Notar-se-á, em seguida, como sublinha Lundquist (op. Cit., p. 721),
que a maior parte das formas de estruturação evocadas são-no em
menor eficácia do que são capazes de distinguir uma frase gramatical termos de processos cognitivos que incidem sobre parâmetros socio-
de uma não-frase; na consciência do locutor (que é uma das sedes interactivos e que, portanto, deles dependem, enquanto a codificação
do fenómeno linguístico), o texto existe, portanto, e é pois legítimo linguísti<:;a desses processos depende também dos paradigmas de
analisar as suas propriedades gerais. recursos disp<;míveis na língua natural utilizada. Assim, como sublinha
Roulet et al (op. cit., p. 1.:.28), o percurso de análise dos textos apenas
As poucas tentativas realizadas nesta direcção põem em evidência,
pode ser descendente (das actividades sociais às actividades de
em 10 lugar, a complexidade dos textos, o que diz respeito ao número .1
.~
linguagem, destas últimas aos textos e aos seus componentes
e à heterogeneidade das suas modalidades de estruturação. Rastier
linguísticos), e é apenas no quadro de um tal percurso que poderiam
(1989) distingue, por exemplo, quatro componentes (a temática, a
eventualmente ser identificadas regularidades que seriam
dialéctica, a dialógica e a táctica); para ele cada texto exibiria uma
independentes, quer operações que incidissem sobre o contexto, quer
combinação específica destas componentes, de que apenas o 10 e o
as particularidades dos paradigmas da língua natural utilizada, ou
2 0 seriam necessários (e definiriam assim semanticamente a
seja, as regularidades relevando do texto enquanto «objecto
textualidade). Por seu turno, na versão actual do modeio «genovês»,
linguístico abstracto».
Roulet, Filliettaz & Grobet (2001) distinguem cinco «módulos»,
enquanto espaços de tratamento de estruturação de informações de Os textos são pois produzidos pela actividade de diferentes
ordens diversas (módulos'lexical, sintáctico, hierárquico, referencial mecanismos estruturantes, heterogéneos e frequentemente
e interaccional), e descrevem uma dúzia de «formas de organização» facultativos, mecanismos que se decompõem em operações também
resultando da junção de informações saídas dos diversos módulos. diversas, facultativas e!ou em concorrência, operações que se realizam
Quanto a nós, propusemos um modelo mais hierárquico que os por seu lado explorando os recursos linguísticos geralmente em
anteriores, que apresentaremos mais à frente Ccf 6, irifra). Notar-se- concorrência. Toda a produção de texto implica então
"'')

necessariamente escolhas, relativas à selecção e à combinação dos voluntariamente esquecida da história) a indexações sociais
mecanismos estruturantes, das operações cognitivas e das suas sincrónicas. Explica também a impossibilidade de classificação
modalidades linguísticas de realização. Nesta perspectiva, os géneros estável. e definitiva dos géneros, sublinhada por numerosos autores;
de textos constituem produtos de configurações de escolhas por entre quer, com efeito, se teIl:te classificar os géneros em função das suas
as possíveis, que são momentaneamente cristalizadas ou estabilizadas flllalidades sociais, defrontando-se então com o aleatório e com as
pelo us0 4 • Estas escolhas relevam do trabalho que cumprem as mudanças que acabam de ser evocadas; quer se adopte critérios que
formações socio-linguísticas para que os textos sejam adaptados às tenham a ver com mecanismos estruturantes mobilizados pelos
actividades que eles comentam, adaptados a um dado medium investigadores. Sob este último aspecto, a impossibilidade de
comunicativo, eficazes face a um determinado dado social, etc. classificação não é mais do que a consequência da heterogeneidade
Em razão deste estatuto, os géneros mudam necessariamente com e do carácter geralmente facultativo dos sub-sistemas contribuindo
o tempo, ou com a história das formações socio-linguísticas. Por outro para a confecção da textualidade.
lado, tal como outras obras humanas, eles são susceptíveis de se Ainda que a sua identificação e a sua classificação sejam sempre
destacar das motivações que os engendraram, para se autonomizarem problemáticas, os géneros de textos existem de facto, ou antes co-
e se tornarem assim disponíveis para a expressão de outras finalidades existem no ambiente de linguagem, e acumulam-se historicamente
(constituindo, geralmente, a finalização actual de um género um misto num sub-espaço de "mundos de obras e de culturas" (ou "pré-
dependente quer das decisões originais de uma formação socio- construídos humanos"), para a designação do qual retomamos a noção
linguística, quer de ulteriores processos de "recuperação" ou de de intertexto. No entanto, este não corresponde ao uso standard (cf.
"disfarce"). Enfim, ainda como qualquer outra obra humana, os Charaudeau & Maingueneau, 2002, pp. 324-329) e podemos aceitar
géneros são objecto de avaliações no termo das 'quais eles se substituir a noção de arquitextualidade (Genette, 1979), que marca
encontram afectados (nas representações colectivas) de diversas já uma organização - por mais fluída que seja - dos textos
indexações: indexação referencial (que actividade geral é o texto preexistentes, e reservar assim a noção de intertextualidade para a
susceptível de comentar?); comunicaeional (para que interacção é designação dos diversos processos de interacção, implícita ou
este comentário pertinente?); cultural (qual é o "valor socialmente explícita, entre textos (citações, reenvios, pastiches, etc.). Mas para
acrescentado" ao domínio de um género?); etc. além de uma questão terminológica, parece importante distinguir
Esta situação explica que não se possa colocar uma relação directa aqui de forma clara duas ordens de fenómenos; por um lado, a
entre espécies de agir pela linguagem e géneros de textos, procedendo preexistência de géneros de textos no espaço estruturado do
de facto as tentativas neste sentido de uma adesão não crítica (ou arquitexto; por outro, os mecanismos de interacção entre todo o
texto (qualquer que seja o seu género) que reenviem a uma outra
problemática: a da capacidade auto-reflexiva ilimitada da linguagem
4 Do mesmo modo que os signos são apenas produtos de uma relação aleatória
entre entidades significadas e entidades significantes, momentaneamente humana, de que eles são uma das manifestações empíricas.
estabilizadas pelo uso, e assim sempre "deslocável".

[62J
,. .

5. As condições de produção dos textos O agente que tem de produzir um texto novo encontra-se numa
Os géneros, como configurações possíveis dos mecanismos situação de acção pela linguagem. Mas esta situação não é, no
estruturantes da textualidade, afectados por indexações sociais, entanto, operante anãO ser através das representações que este agente
constituem, como afirmava Bakhtine (1984, p. 285), os quadros construiu. Parece-nos que devem distinguir-se três conjuntos destas
obrigatórios de qualquer produção verbal. Assim, toda a análise das representações: a) as representações relativas ao quadro material
condições de produção de textos deve fazer intervir três elementos , ou físico da acção, a saber a identificação do emissor, de eventuais
ilustrados pelo esquema 1 co-emissores e o espaço-tempo da produção; b) as representações
relativas ao quadro sacio-subjectivo da acção verbal, a saber o tipo
de interacção social em jogo, o papel social que daí decorre para o
emissor (estatut? de enunciador) e enfim as relações de fim que
ACÇÃO DE LINGUAGEM ARQUITEXTO podem entrelaçar-se entre estes dois tipos de papeis no quadro
(REPRESENTAÇÕES DO NEBULOSA DE GÉNEROS
AGENTE-PESSOA) interactivo em jogo; c) as outras representações relativas à situação,
1. Diferenças objectivas assim como os conhecimentos disponíveis no agente dizendo respeito
2. Classificações explícitas à temática que será expressa no texto (macroestruturas semânticas
1. Parâmetros objectivos 3. Indexações
- Emissor, eventual co-emissor -conteúdo elaboradas a propósito de um dado domínio de referência e
- Espaço--tempo de produção - fOTInaS de interacção
disponíveis em memória).
- valor atribuído
2. Parâmetros sócio-subjectivos O agente dispõe também de um conhecimento pessoal (e parcial)
- Quadro social de interacção do arquitexto da sua comunidade verbal e dos modelos de géneros
- Papel do enunciador

II
- Papel dos destinatários que aí estão disponíveis, modelos que são apreensíveis não apenas em
- Relação de fu1alidade função das suas propriedades linguísticas objectivas, mas também em
função das etiquetagens e das classificações de que são objecto, e em
3. Outras representações da situação
função das indexações sociais de que são portadores (cf.4, supra).
e dos conhecimentos a serem .
mobilizados no texto TEXTO EMPíRICO Nesta base, o agente vai desde logo ter de efectuar um processo
(exemplar de género)
duplo. Por um lado, ele terá de "escolher" ou de adoptar o modelo
de género que lhe parecer o mais adaptado ou o mais pertinente
Esquema 1. Condições de produção dos textos tendo e~ vista as propriedades globais da situação de acção tal qual
a representação que dela tem. Por outro lado, ele vai necessariamente
adaptar o modelo escolhido, em função das propriedades particulares
dessa mesma situação. O resultado deste pr()cesso duplo será um
,novo teXto empírico, que será portador, portanto, dos traços do género

[641
escolhido, e dos do processo de adaptação às particularidades da texto. Como veremos mais longe (cf.7, infra), estes tipos traduzem
situação. o que nós qualificamos como mundos discursivos, quer dizer
i· formatos semióticos organizando as relações entre as coordenadas
do mundo vivido de um agente, as da sua situação de acção e as dos
I 6. Um esquema de arquitectura textual r
mundos colectivamente construídos. É no quadro destes tipos de
Na base de um trabalho de análise de centenas de textos empíricos _ \1 discurso que aparecem eventualmente estas formas de planificação
(cf. Bronckart & aI. 1985), propusemos um esquema geral da semióticas mais locais que constituem as sequências (ef, Adam 1990)

;':::::~'::s(:::= l=p:::~~~o mostraoesqu"",a I e que são igualmente geridas as regras da sintaxe frásica.
O segundo nível é constituído pelos mecanismos de textualização,
que contribuem para dar ao texto a sua coerência linear ou temática"
INFRAESTRUCTURA COERÊNCIA TEMÁTICA
(processosisotópicos)
COERÊNCIA PRAGMÁTICA
Compromisso Enunciativo
i além da heterogeneidade infra-estrutural, pelo jogo dos processos

P
I· isotópicos de 'conexão, de coesão nominal e de coesãO verbal. Os
mecanismos de conexão contribuem para a marcação das articulações
L CONEXÃO GESTÃO DE VOZES
A dâ progressão temática; são realizados por organizadores textuais
N
I
F
COESÃO NOMINAL
MODALlZAÇÕES
I que podem ser aplicados ao plano geral do texto, às transições entre
tipos de discurso, às transiçÕes entre fases de uma sequência, ou
I
COESÃO VERBAL ainda, às articulações mais localizadas entre frases sintácticas. Os
C
A mecanismos de coesão nominal têm por função, por um lado,
X introduzir os temas e/ou as personagens novas, por outro, assegurar
O a sua retoma ou o seu abandono no seguimento do texto,' e são
realizados pela organização das unidades e estruturas anafóricas.
Os mecanismos de coesão verbal asseguram a organização temporal
e / ou hierárquica dos processos (estados, acontecimentos ou acções)
o nível mais profundo, que qualificamos como infra-estrutura, é verbalizados no texto, e são essencialmente realizados pelos tempos
definido por uma lado pelas características da planificação geral do
dos verbos. No entanto, estas marcas estão em interacção com os
conteúdo temático (que é de ordem cognitiva, ou que não parece
tipos de lexemas verbais aos quais se aplicam, assim como com outras
testemunhar um re-~ormatação semiótica particular), por outro lado
unidades com valor temporal (nomeadamente advérbios e
pelos tipos de discurso mobilizados e pelas suas modalidades de
organizadores textuais), e a sua distribuição depende ainda, mais
articulação. Os tipos de discurso podem ser definidos como
"Claramente que para os dois mecanismos precedentes, dos tipos de
configurações particulares de unidades e de estruturas linguísticas,
~:I número limitado, que podem entrar na composição de todo o J discurso nos quais aparecem.

J
Finalmente, o nível mais superficial é o dos mecanismos da não podem , em consequência, ser arrumadas segundo um sistema
responsabilidade enunciativa e da modalização, que explicitam o hierárquico estável, enquanto que os "modos" seriam «atitudes de
tipo de compromisso enunciativo que se encontra àctivo no texto e locução» com carácter universal, traduzindo-se por formas
que confere a este a sua coerência interactiva. Estes mecanismos linguísticas mais estáveis e portanto identificáveis:
não estão directamente ligados à progressão temática, e testemunham «Os modos de enunciação podem ser qualificados corno "formas
portanto menos dependência face ao que precede e ao que segu~ no naturais", ao menos no sentido em que se fala de "línguas
eixo sintagmátlco; o seu estatuto será de ordem interactiva (ou naturais": posta de parte toda a intenção literária, o utente da
configuracional, para retornar um termo de Adam, 1990). A língua deve constantemente, mesmo que, e sobretudo se,
distribuição de vozes visa "tornar sensíveis" as instâncias que têm a inconscientemente, escolher entre as atitudes de locução tais
responsabilidade do que está expresso (dito, visto, pensado) num como o discurso e história (no sentido benvenistiano), citação
texto; estas vozes podem não ser traduzidas por marcas linguísticas literária e estilo indirecto, etc. Os géneros são categorias
específicas, mas podem também ser explicitadas, por formas propriamente literárias, os modos são categorias que relevam
pronominais, por sintagmas nominais, ou ainda por frases ou da linguística [... ]» (op.cit., p. 142)
segmentos de frases. A modalização serve para explicitar os
Para além da citada distinção benvenistiana, a colocada por Weinrich
julgamentos ou avaliações que emanam destas instâncias e se dirigem
(1973) entre «mundo comentado» e «mundo contado», assim corno a
a certos aspectos do conteúdo semiotizado no texto, ou a certos
colocada por Simonin-Grumbach (1975) entre «três planos
aspectos do próprio processo de semiotização; esta realiza-se por
enunciativos», têm claramente a ver com estes "modos de enunciação";
unidades ou conjuntos de unidades linguísticas de níveis muito
elas descrevem atitudes de locução gerais, que se traduzem, no quadro
diversos, que qualificamos como modalidades: tempo do verbo no
de uma dada língua natural, por configurações de unidades e processos
modo condicional, auxiliares de modalização, certos advérbios, certas
linguísticos relativamente estáveis. No seu notável trabalho de
frases impessoais, etc.
inspiração culioliana, Sirnonin-Grumbach tenta formalizar as operações
que sustêm os "planos enunciativos", e identificar as propriedades
7. Os tipos de discurso, seu estatuto paradoxal e seu papel linguísticas das formas que as realizam, formas que qualifica como
tipos de discurso. Foi esta a abordagem que nos inspirou e que
Na sua Introdução ao arquitexto, Genette pôs claramente em
tentámos prolongar, nomeadamente sob três aspectos.
evidência a necessidade de distinguir as tentativas de classificação
dos textos em géneros, daquelas fundadas sobre os seus "modos de Precisámos a diferença de estatuto entre textos (relevando de
enunciação" (a distinção colocada por Aristóteles entre "narrativo" , um género) e tipos de discurso: os primeiros são unidades
"dramático" e "misto" releva desta segunda abordagem). Para ele, os I
comunicativas globais, articuladas com um agir linguístico; os
géneros têm modalidades de estruturação diversas e heterogéneas e segundos são unidades linguísticas infraordenadas, "segmentos" que I
\
. I
[0::.01 t
[68]
não constituem por si só teXtos, mas que entram na sua composição relativamente estáveis, exercendo, maiores constrangimentos sobre
segundo modalidades variáveis. a, distribuição e as condições de uso das unidades; o que justifica
que se fale de "tipos" de serniotização, ou de tipos de discurso. Estes
Realizámos as operações que sustêm os tipos de discurso, fazendo
tipos constituem, noutros terrnos,jormatos de elaboraÇão de unidades
intervir duas decisõe~ binárias. Para a prirn~ira (disjunção-
de-uma língua (vertente significante), que traduzem alguns formatos
conjunção), ou as coordenadas que organizam o conteúdo temático
que organizam as trocas de linguagem humanas, ou trocas
verbalizado são explicitamente colocadas à distância das coordenadas
interindividuais de representações (vertente significado).
gerais da situação de produção do agente (ordem do NARRAR), ou
elas' não o são (ordem do EXPÓR). Para a segunda, ou às instâncias Corno releva'ainda Genette (op. cit.), os "modos" ou "atitudes" que
d8: agentividade verbalizadas são colocadas em relação com o agente constituem a vertente significante dos tipos discursivos foram elevadas
e a sua situação de acção de linguagem (implicação), ou elas não o pôr alguns ao estatuto de «arquigéneros», quer dizer, categorias que
são (autonomia). O cruzamento do resultado destas decisões produz supervisionam e organizam a distribuição dos géneros: a título de
então quatro "atitudes de locução" que qualificámos corno mundos exemplo, a atitude narrativa realizar-se-á em géneros corno o "romance",
discursivos: NARRAR implicado, NARRAR autónomo, EXPÓR a"reportagem", a "autobiografia", etc. Urna tal abordagem funda-se sobre
implicado, EXPÓR autónomo. um sentimento linguístico de 'que não contestamos arealidade (um "efeito

Procedemos a análises distribucionais e estatísticas (cf. Bronckart


'de :narração" pode ser produzido por formas textuais muito diversas), e
" p6de dar lugar a estudos ~mpíricos muito instrutivos ( cf. Kuyurncuyan, -
et al 1985) das configurações de unidades e processos da língua
2002). Mas apresenta ta:mbém um carácter eminentemente paradoxal:
francesa expressando este~ mundos discursivos, o que permitiu
por Um lado, só se pode inferir a existência das "atitudes" a partir da
identificar quatro tipos de discurso, que qualificámos corno "discurso
análise das configurações linguísticas específicas que as realizam (cf.
interactivo", "discurso teórico", "narrativa em situação" e "narração"
27r:~;tte,ibidem), configurações que são infraordenadas tendo em vista
(d. Bronckart 1997, Cap. 5).
o~ textos; por outro lado, re~ncontrarnos expressões destas mesmàs
Se permanece minoritária, a escolha feita a partir de Simonin- atitudes ao nível dos próprios textos, compreendendo aqueles que não
Grumbach de utilizar a expressão "tipo de discurso" preferencialmente têm as mesmas c~nfiguiações linguísticas típicas, sendo estas atitudes
a "modo de enunciação" parece-nos mais do que legítima. Para além gei:ais consideradas corno decorrendo das regras de urna pragmática
da sua acepção. corrente evocada em 3 (designando toda a elaboração ~niversal (ef. Kuyumcuyan) ou ainda das de uma qualquer
de urna língua), a noção de "díscurso" reenvia'mais profundamente ~':transcendência" de ordem antropológica (cf. GenetteB).
ao processo de verbalização do agir pela linguagem, ou da sua '
semiotização no quadro de urna língua natural. Ora este processo
, ~c.~[.:_]
considero [...] como uma outra evidência (vaga9 a presença de uma atitude
realiza-se manifestamente segundo modalidades diversas (descritíveis '. 'f. _.L31.., existencial,
de uma "estrutura antropológica" (Durand), de uma "disposição
• "r;o '''mental" (Jolles), de um "esquema imaginativo" (Mauron) [... ] cuja natureza a
em termos de operações), que são expressas por formas linguísticas
, . ;~w ,origem, a permanência e a relação com a história permanecem (entre outros)
, por estudar.» (Genette, ibid, p. 144-145).
il

.,r,.
t
" [701 1711
·1
Ora das duas uma: ou as "atitudes" são consubstanciais às (e • ITratando-se dos géneros de textos, vimos (cf. 5, supra) que por
,

indissociáveis das) formas linguísticas específicas que as realizam, ocasião de qualquer produção nova, o agente deve efectuar um duplo
ou elas constituem esquemas humanos universais exprimáveis sob processo de adopção e de adaptação.
(quase) toda a forma linguística; não se pode, como Genette, defender
Com o início da actividade desses mecanismos, este agente
ao mesmo tempo estas duas teses. Além disso, o estatuto e a própria
progride necessariamente no conheCimento dos géneros que são
realidade destas constantes pragmáticas ou "antropológicas" parecem
adaptados a uma situação de interacção, com o conjunto dos
pelo menos incertos6• Parece-nos então que este paradoxo só pode
constrangimentos linguísticos que lhe são próprios, e" aprende
ser ultrapassado adoptando uma perspectiva "genética" (no sentido
igualmente a gerir as indexações sociais de que cada género é
vygotskiano): a) os tipos de discurso são formas linguísticas primárias
portador; trtsere-se assim nas redes de significações cristalizadas nos
que se co-construiram com as atitudes enunciativas que traduzem;
modelos pre-existentes, e aprende a situar-se face a eles. Em troca,
b) o uso destes tipos e as reflexões avaliativas que sobre elas incidem,
na medida em que a adaptação pode traduzir-se pela criação de
produziram conhecimentos gerais (o que é narrar, ó que é comentar,
variantes, relévando de uma estilística pessoal ou social, estas
etc ... ); c) estes conhecimentos forneceram, secundariamente, quadros
'variantes são candidatas a uma restituição ao arquitexto, e são assim
interpretativos susceptíveis de ser "projectados" sobre qualquer
susceptíveis de arrastar uma modificação mais ou menos importante
espécie de produção textual: se uma carta é considerada como
das características anteriores dos géneros.
"narrativa", é porque se pode projectar sobre a totalidade do texto
que ela constitui um esquema interpretativo saído do nosso Se a práti~a dos géneros constitui assim um importante lugar de
conhecimento do tipo linguístico narrativo e dos seus efeitos. aprendizagem social, não é no entanto a este nível que actuam os
processos de mediação contribuindo para o desenvolvimento das
propriedades maiores (construção da identidade, inserção no tempo,
8. Géneros de textos e de tipos de discurso como formatos domínio dos raciocínios, etc.). Com efeito, como vimos, os géneros
das interacções de desenvolvimento combinam modos de estruturação particularmente heterogéneos, de
Uma das teses centrais do interaccionismo sócio-discursivo é que forma que não podem ser inteiramente definidos por um dado
'o pôr em prática (na produção e na recepção/interpretação) dos géneros I
cóTIjunto de operações cognitivas, que serão materializadas por um
de textos e dos tipos de discurso constitui a ocasião maior de difusão dado conjunto de unidades e de regras linguísticas. Estas operações
das mediàções formativas que foram evocadas supra em 1. 'e estas regras só são atestáveis a níveis infra-ordenados face à
unidade-texto, e em particular ao nível dos tipos de discurso.
6 A "antropologia" assim evocada não tem qualquer relação com a ciência que se
desenvolveu com este nome; no pior dos casos, reenvia a uma concepção Estes tipos, e os mundos discursivos que exprimem, contribuem,
estática e essencialista (ou a-evolucionista e a-histórica) do humano, com ~o-lo igualJ;nente, para a realização do interface das representações
carácter mais rrútico que científico; na melhor das hipóteses, ela traduz o
remorso do que poderia ter sido uma ciência humana / social que não se
i~dividuais (tendo o seu lugar num organismo agenté) e as
tivesse fraccionado.
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representações colectivas (tendo o seu lugar nas obras humanas) e Para ser completo, ainda se acrescenta que, mesmo que ainda
constituem, na realidade, formatos obrigatórios desta realização. hoje sejam estudados, os efeitos de mediação produzidos pela
Assim, dado que (re-)produz um tipo de discurso, o agente deve aprendizagem e a matriz progressiva dos mecanismos de
proceder à planificação interna dos respectivos segmentos e aprende textualização e de responsabilidade enunciativa nos parecem
deste modo a iniciar estes proceSsos indissoluvelmente mentais e de ' evidentes e importantes. A aprendizagem, em leitura e em produção,
linguagem que são os raciocínios: raciocínios práticos implicados éuma ocasião de tomar conhecimento das diversas formas de posição
nas interacções dialogais (cf. Roulet & al, 1985); raciocínios causais- e de comproITÚSsos enunciativos construídos por um grupo, de se
cronológicos implicados nas narrativas em situação e nas narrações situar em relação a eles reformul~ndo-os, e este processo contribui
(cf. Ricoeur, 1983); raciocínios de ordem lógica e/ou semi-lógica sem nenhuma dúvida para o desenvolvimento da identidade das
implicados nos discursos teóricos (cf. Grize, 1984). Esta mediação pessoas. E a aprendizagem e o domínio dos mecanismos da coesão
pelos tipos parece apresentar um carácter mais constrangedor que a verbal parece ter incidências psicológicas eminentemente complexas
mediação pelos géneros de textos, na medida em que a margem de que são as representações do tempo e da sua organização.
adaptação dos agentes é fortemente limitada pelas propriedades do
sistema da língua e/ ou pelas representações que o agente dela tem.
Mas ela constitui, no entanto, um processo de desenvolvimento
fundamental, na medida em que é por ela que se transmitem as
grandes formas de operatividade do pensamento humano.

A prática dos tipos exerce também ~m efeito sobre eles próprios,


enquanto construtos sociais necessariamente evolutivos. As condições
desta transformação histórica permanecem, no entanto, quase
completamente por estudar. Este estudo parece-nos poder ser
orientado por duas questões: uma, que diz respeito ao equilíbrio que
parece dever estabelecer-se em qualquer organização "que vive" entre
a entropia geral de um sistema Cos géneros como estruturas
\ heterogéneas em perpétua extensão) e os "nós de atracção" que
reduzem objectivamente esta entropia (os tipos de discurso); a outra,
que diz respeito à melhoria dos meios pelos quais os humanos
.\ reorganizam e re-explicitam as condições enunciativas sob as quais
negoceiam a "verdade" dos conhecimentos (cf. em 2, as posições de
Frege e Espinoza).

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