DEZ OIT O
QUILÔMET ROS DE
MULHER NUA
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o que ele disse da esquerda. Claro que a esquerda tem o direito de ser
esquerda. O que lhe negamos é o direito de ser tão inepta, tão
incompetente, tão irrealista, tão alienada do Brasil e, repito, tão
antibrasileira. Examine-se um esquerdista. Ele não chove uma chuva
própria. Pensa “idéias feitas”, diz “frases feitas”, sente “sentimentos
feitos”. Seu ódio aos Estados Unidos não é realmente um ódio, um
sentimento, uma paixão. Não. É uma Palavra de Ordem. Se aqui faz
calor, e nos Estados Unidos, frio, foi o imperialismo norte-americano
que roubou a nossa neve e a faz chover como papel picado.
E já que o Otto chovia a própria chuva, eu quis chover a minha.
Voltamos ao Chacrinha. Perguntei-lhe: – “E o padre Ávila?”. Que
fazia o padre Ávila ou que faziam os outros sociólogos? Os oitenta
milhões do Chacrinha eram um dado sociológico gravíssimo. Não é
por acaso que um brasileiro, altamente subdesenvolvido, passa a
ganhar oitenta milhões. Minto, minto. O Chacrinha vai ganhar cem.
Não mais oitenta. Cem milhões. Quem o afirma é, não o Otto público,
inautêntico, das salas, mas o luminoso Otto do terreno baldio. A partir
da Primeira Missa até a semana passada, o brasileiro não ganharia
tanto, nem juntando cada vintém de várias encarnações. Hoje, em
trinta dias, o Chacrinha vai ganhar cem milhões.
Eis o que eu queria dizer: – isso significa que começou todo
um processo. Certas coisas não acontecem de graça. Há, nos milhões
do Chacrinha, um toque de mistério. Ou por outra: – é um mistério
não tão misterioso. Se a nossa sociologia limpasse a poeira das
próprias lentes, veria o óbvio ululante. Na verdade, o salário do
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Chacrinha é, para nós, o que Pushkin foi para a Rússia. Sim, o salário
do Chacrinha profetiza um Brasil que vem por aí com uma saúde de
centauro. Foi isso o que eu disse ao Otto, foi isso o que o Otto me
disse.
O amigo me deixou na porta de O Globo. Assim me despedi:
– “Até logo, Idade Média”. Ainda fiquei, por um momento, em cima
do meio-fio vendo sumir na primeira esquina o seu medieval Fusca.
[27/1/1968]