Anda di halaman 1dari 8

Resumo: O presente trabalho ressalta os conteúdos líricos que permeiam a produção de estreia do poeta

pernambucano João Cabral de Melo Neto através da leitura crítica de sua obra Pedra do Sono. Essa leitura
será apresentada numa perspectiva comparatista com aqueles discursos críticos responsáveis pela criação
da imagem do poema João Cabral duro, seco, incapaz de falar de si. Buscamos com isso evidenciar um
aspecto, muitas vezes, negligenciado na vida desse poeta, a luta por um discurso, que muitas vezes leva
anos para se formar.
Palabras chave: João Cabral, Lírica, Poesia

Abstract: This work emphasizes the lyrical content that permeate the production debut of the poet from
Pernambuco Joao Cabral de Melo Neto through a critical reading of his work Pedra do Sono. This reading will
be presented in a comparative perspective with those responsible for speech critical of the poem image João
Cabral hard, dry, unable to speak for itself. We seek to demonstrate that an aspect often neglected in the life
of a poet, the struggle for a speech, which often takes years to form.
Keywords: João Cabral, Lyrical, poetry

Meus olhos têm telescópios


espiando a rua,
espiando minha alma
longe de mim mil metros.

Mulheres vão e vêm nadando


em rios invisíveis.
Automóveis como peixes cegos
compõem minhas visões mecânicas.

Há vinte anos não digo a palavra


que sempre espero de mim.
Ficarei indefinidamente contemplando
meu retrato eu morto.
(Poema, p. 43)

Definido como poeta engenheiro (SECCHIN, 1999). O mais cerebral dos artistas brasileiro (BOSI, 1987),
uma verdadeira máquina quando o propósito é construir poesia (NUNES, 2007). O mais lúcido, duro,
hermético, entre os poetas (MERQUIOR, 1981). A obra cabralina de suas primeiras incursões na poesia,
como mostra o poema que abre esse trabalho, não deve lembrar em nada essas qualificações, que se
incorporaram ao imaginário da obra de João Cabral de Melo Neto e definiram sua voz literária.

Seu modo de ver e de fazer poesia criou, numa sintaxe paradoxal, uma linguagem extremamente
inovadora que fugia, a todo custo, à discursividade, ao prosaísmo e à estilística frouxa, escolhendo sobre o
ponto de vista técnico a fabricação poética, reconhecível a qualquer de seus leitores. No entanto, nem toda
obra de João Cabral encerra ou se define nesses termos. Neste trabalho veremos os aspectos líricos
presentes em sua obra de estreia, tantas vezes renunciado, não por seu autor, mas pela crítica.

Reunindo poemas escritos entre 1940 e 1941 o livro, Pedra do sono, tem 29 poemas na edição Obras
Completas volume único, publicado pela editora Nova Aguilar em 1994, que aqui nos serve. A primeira
edição, com ilustração de Vicente do Rego Monteiro, também contava com esse número. Com epígrafe
extraída do poema, Salut de Stéphane Mallarmé [1]: “Solitude, récif, étoile...”, o livro desafina o tom dos
discursos de quem só via a poesia cabralina pelo viés do concreto.

Esse por certo não será o momento decisivo da trajetória desse grande poeta. Podemos, entretanto,
entender esse período, como conseqüência de sua procura a uma expressão poética própria, onde ele
pudesse organizar as experiências sensoriais que o inquietavam, ou ainda, como uma tentativa de uma
inspeção pessoal, que de alguma forma o ajudou a entender melhor seu temperamento poético. Essa leitura
foi endossada por um grande crítico como Benedito Nunes que escreveu um artigo intitulado “A crise interna”,
onde aborda os desdobramentos da poesia cabralina.
A certa altura é possível perceber esse desassossego de quem ainda não se convenceu por completo de
seu caminho e segue questionando-se: “Há vinte anos não digo a palavra/ que sempre espero de mim” ou
ainda, “Todas as transformações/ todos os imprevistos/ se davam sem o meu consentimento”. A busca por
um modo que expresse adequadamente seu temperamento poético, como revelam esses versos, ainda
esperam por acontecer.

Quase toda crítica como vimos, se ocupa, e não são poucos os trabalhos sobre esse autor, em celebrar a
vontade de lucidez desse poeta, seu proverbial questionamento ao orvalho da inspiração inconsciente, ou
sua vigília viril ao acaso. No entanto, outros críticos mais aparelhados não se comportam de forma tão
apressada e interpelam a poesia cabralina de todos os lados.

“Ora, essa imagem de marca veio sendo aos poucos bastante minada pela crítica menos desatenta,
disposta a esquadrinhar as realizações do poeta, e não só as suas proclamações. Examinado de perto, o
louvor à lucidez (conforme tentei deixar indicado na A astúcia da mimese) termina aparecendo como dialética
entre vigília e inspiração, entre a vontade controle consciente e o desejo de uma porosa, ávida receptividade
ao mundo. Por outro lado, alguns estudiosos familiarizados com a psicanálise (Benedito Nunes, Lauro
Escorel) não tiveram dificuldade em mostrar que a superfície cristalina da lírica de João Cabral recobre
pulsões e tensões que ultrapassam largamente o estereótipo do poeta cartesiano. Nem se pode dizer que o
uso apressado deste último por parte de certa crítica “comprometida” (e interessada em converter todo vate
de valor em funcionário da revolução), haja contribuído para reforçar essa linha interpretativa convencional.”
(MERQUIOR, 1981, p. 297-298)

Por tanto, uma leitura que se quer completa, mas ignore todos os processos pela qual passou a poesia
cabralina, jamais entenderá a forma e a força que revelam o olhar preciso que o poeta passaria a
desenvolver depois de sua primeira incursão poética.

Mais uma vez se impõe uma procura pelo nexo dialético que compõe a experiência poética cabralina. É
preciso, pois, para isso, repensá-la em toda a sua riqueza e dimensão, sem o qual parece impossível
compreendê-lo como um todo, inclusive passando com isso a perceber como os poetas respondem de modo
vário aos desafios que se impõem contra eles. O primeiro passo então a ser dado para isso parece ser a
dessacralização de velhos conceitos e juízos, entendendo-o como produto de seu tempo.

A esse propósito, convém lembrar as profundas diferenças que separaram a obra cabralina e a geração
em que ele foi arrolado. Indagando sobre os aspectos formais da grupo de 45, Afrânio Coutinho (1999, p.
294) afirma que: “Com a geração de 45, a poesia aprofunda a depuração formal, regressando a certas
disciplinas quebradas pela revolta de 22, restaurando a dignidade e a severidade da linguagem e dos temas”.
O verso em seu requinte discursivo é retomado, o soneto, as baladas e as canções tomam o lugar das
parodias e das piadas instaurado pela ruptura promovida por Oswald e Mário de Andrade.

Nesse momento João Cabral influenciado pelas escolas Modernistas, desafiava os obstáculos formais
preconizados pelas velhas escolas literárias. O autor de Pedra do Sono partia desafiador para experiências
estéticas e transgressivas das vanguardas, entrando com isso em desacordo com sua geração.

José Aderaldo Castello (1999) em A literatura Brasileira: Origens e Unidade indica via uma multiplicidade
de tonalidade e nuances temática e formais nessa geração, que explicaria o aparente contra censo de filiar
João Cabral numa geração ao qual ele só pode ser incluído por um questão cronológica. “Certamente, João
Cabral se volta para sua geração e se adverte a si mesmo sobre o que deve fazer e evitar” (CASTELLO,
1999, p. 427).

As linhas de força que sustêm sua poética, nesse instante, são calibradas com outras estruturas poéticas.
Elas se caracterizam diferentemente dos seus pares, pelo apelo ao confessionismo-emocional, presentes
num eu-lirico fabuloso, que tem suas origens no inconsciente, traduzidos por uma experiência direta cuja
transcrição é fragmentada e anárquica. Verdade que a superação dessas primeiras influências se dará muito
tempo depois, mas por enquanto pesa-lhe as expressões experimentais.

De modo geral, podemos reconhecer nos seus primeiros poemas uma intensidade plástica, própria do
Surrealismo presente nela, mas, também reconhecida em muitos de seus melhores poemas. Seu olhar sobre
as coisas revelam, através de disjunções poéticas, acontecimentos insólitos, frutos de uma operação
caprichosa da linguagem que parecem muitas vezes reproduzir a experiência como ela se deu.

Todas as transformações
Todos os imprevistos
Se davam sem o meu consentimento.
(Poema deserto, p. 43-44)

Os sonhos cobrem-se de pó.


Um último esforço de concentração
Morre no meu peito de homem enforcado.
(Os manequins, p. 44)

Mulheres vão e vêm nadando


Em rios invisíveis,
Automóveis como peixes cegos
Compõem minhas visões mecânicas.
(Poema, p. 43)

Numa antecipação do que se dirá mais tarde da poesia cabralina, Antonio Houaiss também já havia
registrado como marca fundamental da obra desse autor, sua perspectiva plástica (Revista Poesia Sempre,
p. 234). Se o poema é uma expressão da linguagem “carregada até o máximo grau possível” (2007, p. 40)
como queria Ezra Pound, ao estudarmos a primeira poesia cabralina, a atenção se desvincula do discursivo e
lança-se na observação de uma imagem projetada na imaginação do leitor pelos apelos visuais, pois como
ele mesmo afirmou muitos anos mais tarde, sua poesia pretende “dar a ver”:

O mar soprava sinos


Os sinos secavam as flores
As flores eram cabeças de santos.
(Noturno, p. 45)

Raízes de árvores
Enlaçam-me os sonhos
No ar sem aves
Vagando tristonhos.
(Poema da desintoxicação, p. 45)

Dessa maneira podemos dizer que o que predomina nela entre os três princípios significativos da poesia
estabelecidos por Ezra Pound, é o da produção do objeto na imaginação visual, ou seja, a fanopeia [2]. Os
outros dois, melopeia e logopeia, procurando não se encontram, ao menos, não na progressão do primeiro.

As imagens narradas aqui são articuladas, como se pode perceber, não por parâmetros lógicos, mas
através das exigências da imaginação criativa. Como decorrência dessa postura existencial vai surgir uma
poesia cuja linguagem se afasta da lógica rígida do discurso. O poeta recusa a frase clara, nítida e
significativa que define a poesia realista, por exemplo, e tende para linguagem hermética, para o mistério,
para o fluir encantatório. Essa poesia será insistentemente sugerida por ambiente onírico, traduzida em uma
atmosfera rarefeita, carregada de sombra, nuvens e espaços silenciosos.

Dentro da noite do meu lado


Grandes contemplações silenciosas;
Dentro da noite, dentro do sonho
Onde os espaços e o silêncio se confundem.
(Homem falando no escuro, p. 49)

Às primeiras palavras que ela gritou


Fomos precipitados na sombra.
Sombra era doce e tinha suas vantagens:
(O aventureiro, p. 55)
No espaço jornal
A sombra come o jornal
(Espaço jornal, p. 54)

Há um homem sonhando
Numa praia; um outro
(Janela, p. 50)

- A noite explodiu em mim? Não creio necessário.


(O regimento, p. 52)

Cavalos e peixes guerreiros


Fauna dentro da terra a nosso pés
Crianças mortas que nos seguem
Dos sonhos.
(A André Masson, p. 54)

Valendo-se de símiles ditados pela paisagem dos sonhos o poema afirma suas imagens nos dizendo algo
sobre o mundo e sobre si mesmo. De acordo com Emil Staiger (1993, p.53) “o poeta lírico diz quase sempre
´eu`.

Mas meus dez anos indiferentes


Rodaram mais uma vez
Nos mesmos intermináveis carrosséis.
(Infância, p. 46)

Essas paisagens “são as faces de um mundo onírico composto por palavras-chave, de fragmentos da
infância, de desejos reminiscentes, que ligam o visível ao invisível...” (NUNES, 2007, p. 24).

A aparente ambigüidade das imagens presentes no poema criado pelo esgarçamento do verbo “não é
diversa da ambigüidade da realidade, tal como a apreendemos no momento da percepção: imediata,
contraditória, plural, vária e dispare” (2003, p. 45) afirma Octávio Paz e completa, “a contradição serve
apenas para assinalar o caráter irreparavelmente absurdo da realidade ou da linguagem” (2003, p. 45).

Todavia as imagens fragmentadas, apenas assinala um momento de percepção que pede ao leitor que
suscite dentro de si o sentido. “O verso, a frase-ritmo, evoca, ressuscita, desperta, recria. Ou como dizia
Machado; não representa, mas apresenta” (PAZ, 2003, p. 46). Se atribuirmos a essa dilaceração “caótica”
um sentido é porque ela pertence à linguagem com função e objetivo evidentemente diverso do
convencional. Afirmando coisas inverificáveis ao senso comum através da poesia:

“o universo deixa de ser um vasto armazém de coisas heterogêneas. Astros, sapatos, lágrimas,
locomotivas, salgueiros, mulheres, dicionários, tudo é uma imensa família, tudo se comunica e se transforma
sem cessar, um mesmo sangue corre por todas as formas e o homem poder ser por fim, o seu desejo: ele
mesmo.” (PAZ, 2003, p.50)

O critico Antônio Carlos Secchin (1999) chama a atenção para outro funcionamento do mundo onírico
presente em seus versos, a da presença do sujeito poético como espectador desse mundo, distanciado o
suficiente para narrar filmicamente seus acontecimentos.

Ficarei indefinidamente contemplando


Meu retrato eu morto
(Poema, p 43)

Todos os olhos olharam:


O fantasma no alto da escada,
(Os olhos, p. 43)
Havia também alguém que perguntava:
Por que não um tiro de revólver
(Poema deserto, p. 44)

Longe de ser um observador neutro, o sujeito poético, acolhe significados muito diferentes, que interferem
na codificação e nas possíveis decodificações da mensagem transmitida, demonstrando com isso certa
intencionalidade.

Além de valorizar o noturno o sombrio o sonho, que reiteram os estados de sono, em que se encontra o eu
poético, a morte é outra condição identificada com a primeira poesia de João Cabral.

Eu me anulo me suicido
(Poema Deserto, p. 44)

Aqui sua poesia se dedica a uma matéria a qual não pode legislar. Refletindo exaustivamente sobre ela (a
morte) seu eu poético se dilacera, acende pressentimentos perturbadores.

Os sonhos cobrem-se de pó.


Um último esforço de concentração
Morre no meu peito de homem enforcado
(Os manequins, p. 44)

As ações do sujeito contidos nos poemas do livro de estréia de João Cabral segundo, Antônio Carlos
Secchin (1999), remetem com insistência a essas noções de aniquilamento, morte, letargia, (in)ação e essa
passividade frente ao universo criado é uma aproximação que pode ser feita com o Surrealismo. Nenhuma
qualidade superior afirma-se, tanto nas ações como no pensamento.

Em suas leituras, voltada a detalhes da composição das obras de João Cabral, Benedito Nunes (2007),
observa que no livro Pedra do sono, a valorização a indeterminação, a inconsistência são dominadas pela
fluidez das coisas articuladas numa semântica do vago em torno de palavras preferenciais, como nuvens,
sonho, vulto e fantasmas, determinando o estado de sono em que se encontra o eu poético. Daí a própria
monotonia dos títulos dos poemas: “Poema”, “Poema deserto”, “Noturno”, “O Poeta”, “A Porta” (NUNES,
2007).

Sobre esses aspectos ainda podemos incluir a evasão e a fuga do mundo concreto, parente espiritual do
Romantismo, e largamente incorporado ao estilo presente, onde o que é apresentado é o mundo interior do
poeta. “A criação lírica é interna”, afirma Emil Staiger, o ingresso ao mundo do sujeito é a essência da lírica.
O sujeito mergulha em si, contrastando com o poeta épico que se estende largamente na apresentação do
mundo exterior.

O consorcio dessa emotividade poética que passa a explorar os sentimentos internos, através dos estados
da alma, são exprimidos por meio de palavras fluidas, diáfanas, aparentemente sem nexo, permite-nos
estabelecer aqui mais uma vez, parentesco com a poesia lírica, que como já foi dita, se caracteriza pela
vestimenta verbal de um instante de emoção. “Associando, ritmos, rimas e repetições as mais diversas, o
poema (lírico) desnorteia a razão, rompendo as fronteiras entre o consciente e o inconsciente reunindo
através da imagem os pólos opostos do homem” (PEREYR, p. 20).

Outra característica marcante dessa poesia é quando ocorre aquele salto em que o poeta tem mais
consciência do instante do que de si mesmo, quando experimenta uma emoção, quando se estende e medita
sobre si, fluindo em volta e voltas para registrar um dado momento confessional, até perde-se esquecido em
seus sonhos.

Meus sentimentos cumpridos


Que sono os arrebatou?
(Canção, p. 47)

Mas meu quotidiano irreparável


Perdendo suas formas volantes:
- Por que as nuvens baixas
Pesando nos meus olhos?
Onde as amadas para minha espera?
(As amadas, p. 47)

Minha memória cheia de palavras


Meus pensamentos procurando fantasmas
Meus pesadelos atrasados de muitas noites.
(Noturno, p. 45)

Através desse confessionalismo expressados pelo subjetivismo, o poeta lírico lança mão de vários
recursos próprios da linguagem poética. Além dos já expostos podemos ressaltar o uso da metáfora.
Vejamos esse exemplo:

No telefone do poeta
Desceram vozes sem cabeça
Desceu um susto desceu o medo
Da morte de neve.

O telefone com asas e o poeta


Pensando que fosse o avião
Que levaria de sua noite furiosa
Aquela máquina em fuga.
(O poeta, p. 52)

“Telefone” expressa metaforicamente à inspiração, aquele entusiasmo momentâneo esperado pelo poeta e
que inconscientemente lhe surge ditado por “vozes sem cabeças”. O poeta observa, através do uso da
linguagem metafórica, que consiste em substitui um termo real por um que tenha uma relação de
semelhança, deixa que a sugestão ideal, oculta pela metáfora, provocada pelo termo real, “no telefone do
poeta” revele, pela associação analógica, o sentido do que se está dizendo. A atividade metafórica revela o
funcionamento da linguagem ou sua plasticidade que é o mecanismo produtor de efeitos de sentido. Por
tanto metáfora aqui não pode e nem deve ser entendida como comparação, como se dar muitas vezes, mas
um lugar de produção de estranheza.

A sugestão ideal provocada pelo apelo real torna a intuição tanto mais hermética e difícil se essa
significação for de natureza não lógica. Para compreensão que torne essa interpretação indiscutível, a
associação entre o termo real e o ideal tem de nascer, para Nelly Novaes Coelho, de uma analógica clara e
direta, como de cor, tato, comportamento, etc. (NOVAES COELHO, p. 91).

Esse como visto, não é o caso da poesia observada aqui. O poema não nos fornece diretamente um
saber, ao contrário, parece nos jogar contra parede e dinamitar nossas convicções habituais ao colocar-nos
diante do desconhecido. Os elementos de figuras de linguagem exigem mais do que uma reflexão superficial,
requerem, como sugere Octávio Paz, falando acerca da compreensão poética, uma:

“meditação entre uma experiência original, (vivida pelo leitor) e um conjunto de atos e experiências
posteriores, que só adquirem coerência e sentido com referência a essa primeira experiência que o poema
consagra. E isso é aplicável tanto ao poema épico como ao lírico e dramático”. (PAZ, 2003, p. 53)

Ou seja, para compreensão sem maiores interferências o poema deve traduzir por palavras, experiências
comuns entre o poeta e o leitor. A luta do poeta é em transcender os limites das palavras e expressar da
melhor forma suas experiências mais secretas, e com isso, atingir os sentidos alheios, revelando-lhe uma
sensação comum. Para isso ele cria visões inusuais. “A revelação é o significado último de todo poema e
quase nunca é dita de modo explicita, mas é o fundamento de todo dizer poético” (PAZ, 2003, p. 55).

As muitas referências, sobejamente desnudadas até aqui, ligam indelevelmente a primeira produção
poética de João Cabral à cena lírica, que ele se esforçara para conter durante as produções vindouras. Antes
que isso aconteça, desconfiamos, que as vivências e as experiências líricas, influenciadas pela maré
contrária à produção formal da época, foram importantes e necessárias para feição poética desse autor.
Na disputa com a natureza transitória dos fenômenos interiores João Cabral de Melo Neto seguindo os
apelos de seu temperamento de clareza e rigor, buscará novas formas para se reinventar. Assim, se fazendo
e refazendo, criando com sua poesia seus próprios limites, desconfiando a todo instante da eficácia de sua
linguagem, segue a trajetória mais bem sucedida e próspera da literatura brasileira.

Notas:

[1] Stéphane Mallarmé, poeta simbolista francês (1842-1898). Poeta capital da modernidade. O poema Um
Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso, com sua disposição espacial das linhas na página, em diferentes
fontes e corpos de letra, é considerada obra precursora da poesia concreta. Buscando incorporar o acaso à
construção da obra de arte, idealizou um livro inacabado, interativo e aleatório, que se aproxima do
funcionamento dos atuais jogos eletrônicos. Seu pensamento poético exerceu forte influência sobre os
primeiros poemas de João Cabral, que diria mais tarde preferir o trabalho crítico-teórico do poeta francês,
que suas poesias.

[2] No corpo do poema se entrelaçam três formas, categorizadas por Erza Pound no seu livro ABC da literatura,
que definem o visível, sonoro e sensível da poesia, são eles: fanopeia: projeta o objeto (fixo ou em
movimento) na imaginação visual. Melopéia: produz correlações emocionais por intermédio do som e do
ritmo da fala. E por último a logopeia: produz ambos os efeitos estimulando as associações (intelectuais ou
emocionais) que permaneceram na consciência do receptor em relação às palavras ou grupos de palavras
efetivamente empregados.

REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1987.

CASTELLO, José. João Cabral de Melo Neto: O homem sem alma e diário de tudo. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006.

CASTELLO, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: Origens e Unidade vol. II. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e Linguagem: A obra literária e a expressão linguística. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1993.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

HOUAISS, Antônio in HOHLFELDT, Antonio. O elemento dramático na poesia de João Cabral. Ensaio.
Poesia Sempre - ano 10 nº 17 (Dezembro 2002) Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional.

PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva, 2003.

POUND, Ezra. Abc da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2007.

PEREYR, Roberval. A unidade primordial da lírica moderna. Feira de Santana: UEFS / Universidade Estadual
de Feira de Santana, 2000.

MELO NETO, João Cabral de. João Cabral de Melo Neto Obra Completa. São Paulo: Nova Aguilar, 1994.

MERQUIOR, José Guilherme. As idéias e as formas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

NUNES, Benedito. João Cabral: a máquina do poema. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2007.
SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: A poesia do menos. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.

STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.

Anda mungkin juga menyukai