VASCULITE CRIOGLOBULINÊMICA
As crioglobulinas são imunoglobulinas monoclonais ou policlonais precipitáveis
pelo frio. A crioglobulinemia pode estar associada a uma vasculite sistêmica,
caracterizada por púrpura palpável, artralgias, fraqueza, neuropatia e glomerulonefrite.
Embora possa ser observada em associação com uma variedade de distúrbios
subjacentes, inclusive mieloma múltiplo, distúrbios linfoproliferativos, doenças do
tecido conectivo, infecções e doença hepática, em muitos exemplos ela parece ser
idiopática. Por causa da ausência aparente de doença subjacente e da presença de
crioprecipitado contendo imunoglobulinas oligoclonais/policlonais, esta entidade foi
designada como crioglobulinemia mista essencial. Desde a descoberta da hepatite C, foi
estabelecido que a grande maioria dos pacientes considerados como portadores de
crioglobulinemia mista essencial apresenta vasculite crioglobulinêmica relacionada à
infecção pelo vírus da hepatite C.
A incidência da vasculite crioglobulinêmica ainda não foi estabelecida, estima-
se que 5% dos pacientes portadores de hepatite C crônica irão desenvolver vasculite
crioglobulinêmica.
As biópsias de pele na vasculite crioglobulinêmica revelam um infiltrado
inflamatório circundando e acometendo as paredes dos vasos sanguíneos, com necrose
fibrinoide, hiperplasia das células endoteliais e hemorragia. É comum haver depósito de
imunoglobulina e complemento. Podem ser observadas anormalidades da pele não
acometida, incluindo alterações da membrana basal e depósitos nas paredes vasculares.
A glomerulonefrite membranoproliferativa é responsável por 80% de todas as lesões
renais na vasculite crioglobulinêmica.
As evidências atuais sugerem que, na maioria dos casos, a vasculite
crioglobulinêmica ocorre quando uma resposta imune aberrante à infecção pelo vírus da
hepatite C leva à formação de imunocomplexos, que consistem em antígenos da hepatite
C, IgG policlonal específica da hepatite C e fator reumatoide IgM monoclonal. O
depósito desses imunocomplexos nas paredes dos vasos sanguíneos desencadeia uma
cascata inflamatória, que resulta em vasculite crioglobulinêmica.
Manifestações clínicas e laboratoriais
As manifestações clínicas mais comuns da vasculite crioglobulinêmica
consistem em vasculite cutânea, artrite, neuropatia periférica e glomerulonefrite. A
doença renal desenvolve-se em 10 a 30% dos pacientes. Glomerulonefrite rapidamente
progressiva potencialmente fatal ou vasculite do SNC, trato gastrintestinal ou coração
ocorrem com baixa frequência. A presença de crioprecipitados circulantes é o achado
fundamental na vasculite crioglobulinêmica. O fator reumatoide quase sempre é
encontrado e pode ser uma pista útil para a doença, quando não se detectam
crioglobulinas. Ocorre hipocomplementemia em 90% dos pacientes. Uma VHS elevada
e anemia ocorrem frequentemente. Evidências de infecção por hepatite C devem ser
pesquisadas em todos os pacientes, e testes para anticorpos e RNA da hepatite C devem
ser obtidos.
Tratamento vasculite crioglobulinêmica
A mortalidade aguda causada diretamente por vasculite crioglobulinêmica é
incomum, mas a presença de glomerulonefrite é um sinal de prognóstico ruim para o
desfecho geral em tais pacientes. Cerca de 15% dos casos progridem para doença renal
em estágio terminal, com 40% experimentando doença cardiovascular, infecção ou
insuficiência hepática fatais mais tarde. Pacientes com hepatite C associada, o
tratamento antiviral pode ser benéfico e deve ser considerado como terapia de primeira
linha para a vasculite crioglobulinêmica associada à hepatite C. A melhora clínica com
terapia antiviral depende da resposta virológica. Os pacientes que eliminam a hepatite C
do sangue têm melhora objetiva de sua vasculite, em conjunto com reduções
significativas dos níveis de crioglobulinas, IgM e fator reumatoide circulantes. Contudo,
números substanciais de pacientes com hepatite C não mantêm resposta virológica a tal
terapia, e a vasculite recidiva com o retorno da viremia.
Embora uma melhora transitória possa ser observada com glicocorticoides,
resposta completa só é vista em 7% dos pacientes. A plasmaférese e os agentes
citotóxicos têm sido utilizados em relatos de casos. Essas observações não têm sido
confirmadas, e tais terapias implicam em riscos significativos. Ensaios clínicos
randomizados com rituximabe (anti-CD20) na vasculite crioglobulinêmica associada à
hepatite C forneceram evidências de benefício, de modo que esse agente deve ser
considerado em pacientes com vasculite ativa, em combinação com terapia antiviral ou
isoladamente em pacientes que sofreram recidiva, que demonstram intolerância ou que
apresentam contraindicações para agentes antivirais.
REFERÊNCIA
KASPER, Dennis L. et al. Manual de Medicina de Harrison. McGraw Hill Brasil, 2017.
BARROS, Myrthes Toledo; BARROS, Rui Toledo. Vasculites: classificação, patogênese e
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