Artigo
A conexão entre esses três conjuntos de eventos é uma das características definidoras de
nossa época. Se o avanço da ciência e da tecnologia sobre as diversas estruturas da vida
é uma realidade, estão marcadas também por uma crescente politização. Dessa
combinação derivam controvérsias. E qual é a razão, então, para se formular tais
discursos polêmicos? Em outras palavras, por que existem controvérsias na área de
biossegurança? Dentre suas várias causas, algumas podem ser identificadas:
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O fato é que a vida foi politizada, seja ela humana ou não-humana. Diferentes indivíduos
e organizações passaram a atuar na cena política, tendo em vista a alegação de preservar
e conservar a vida em nosso planeta para as atuais e as futuras gerações. Seus
posicionamentos nos debates públicos se fundamentavam em algumas evidências que
poderiam indicar prejuízos à saúde e ao meio ambiente, ocasionados por eventos como
acidentes em usinas nucleares, transgênicos ou mal da vaca louca (encefalopatia
espongiforme bovina). Inúmeros atores como ONGs, partidos ou movimentos sociais
passaram a se aliar em um enfrentamento contra empresas, think tanks empresariais ou
mesmo governos. Entre os objetivos da ação estava a formulação de uma legislação que
permitisse regular a manipulação da vida em suas várias formas, com a meta de controlá-
la e aumentar sua segurança.
Que a ciência sempre foi marcada por controvérsias sua história deixa bem claro. O
caráter conjectural dos enunciados, aliás, é um de seus componentes estruturais
específicos. Como afirma Karl Popper, a trilha da ciência é restritiva. Participa do jogo
científico tão somente quem se disponha a expor suas ideias à eventualidade da
refutação. Os demais estão fora. As verdades eternas não lhe pertencem. Muitas vezes
cabe ao cientista contentar-se com o que é efêmero, não mais do que isso.
Ora, tal realidade transportada para fora das paredes do laboratório teve como
consequência inevitável aguçar a percepção do público quanto aos limites da ciência e da
tecnologia. Todas as intervenções científicas e tecnológicas que passaram a envolver
temáticas relacionadas à vida humana e ao meio ambiente, tornaram-se alvo de acirradas
polêmicas. Estabeleceram-se clivagens, com apoiadores e opositores se posicionando em
relação a inovações em áreas como as ciências da vida. (Guivant, 2002). Ambas as
posições, é preciso enfatizar, foram assumidas com o apoio de cientistas e técnicos,
característico, diga-se, das controvérsias na biossegurança. Dada a especificidade da
ciência, como vimos acima, é algo previsível, esperado.
Esse necessário entrelaçamento entre vida e saber perito torna-se, assim, uma razão
forte para o desencadear das controvérsias na biossegurança. Dada a crescente
dificuldade de contornar o entrelaçar dos fatores, o surgimento de tais discursos
polêmicos tende a ser uma constante no horizonte de eventos sociais e políticos de nossa
era.
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É ainda, entretanto, uma conjectura a ser mais detalhada. O que é certo, porém, é a
centralidade da política enquanto eixo estruturante de nossa sociedade. E é essa natureza
política definidora do meio social em que vivemos que está na base das dificuldades de
encerrar as controvérsias em questão, mesmo com seu ímpeto arrefecido pela
acomodação relativa dos atores. Lidamos com valores, em última análise, e o valor da
vida se apresenta como o bem supremo.
O saber técnico se torna um recurso explorado por todas as partes para justificar suas
visões, criar legitimidade e controlar os termos do debate. Durante o processo, os fatos
científicos, usados seletivamente, convergem com os valores políticos, fazendo com que a
expertise se torne uma arma a mais em um arsenal de armas políticas. (Nelkin, 1987).
Notas:
Referências
Dascal, Marcelo. “Epistemologia, controvérsia e pragmática”. Revista da SBHC, n. 12, p. 73-98, São Paulo, 1994.
Guivant, Júlia Silvia. “Heterogeneous and unconventional coalitions around global food risks: integrating Brazil into
the debates”. Journal of Environment Policy and Planing, v. 3, n. 4, p.231-245, 2002. (Volume especial: Food Risks
and the Envrionment).
Nelskin , “Dorothy. Science controversies: the dinamics of public disputes in the United States”. In: Sheila Jasanoff,
Gerald E. Markle, et al. (Ed.). Handbook of science and technology studies. Thousand Oaks/London/New Delhi: Sage,
1995.
“The controversies and the authorithy of science”. In: Engelhardt Jr., H. Tristram.; Caplan, Arthur. L. (Ed.) Scientific
controversies: case studies in the resolution and closure of disputes in science and technology. Cambridge University
Press, 1987.
Paese, Joel. “Controvérsias na tecnociência: o caso da lei de biossegurança no Brasil”. Florianópolis: Programa de
Pós-Graduação em Sociologia Política, 298p, 2007. (Tese de doutorado).
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