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LUMINÁRIA 2010

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LUMINÁRIA 2010

LUMINÁRIA N.11 / 2010


FACULDADE ESTADUAL DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE UNIÃO DA VITÓRIA
IEPS - INSTITUTO DE ENSINO, PESQUISA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

EXPEDIENTE
LUMINÁRIA EDIÇÃO ESPECIAL / 2010
ISSN 1519-745X

Realização
FAFI Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras - UVA
IEPS Instituto de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços

Apoio
Fundação Araucária

DIREÇÃO DA FAFIUV
Professor Valderlei Garcias Sanchez

VICE-DIREÇÃO DA FAFIUV
Professora Leni T. Gaspari

DIREÇÃO DO IEPS
Professor Joaquim Ribas

COORDENAÇÃO GERAL DA REVISTA


Professor André da Silva Bueno

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO


Fernando Gohl, André Bueno e Sérgio Werle

CONSELHO EDITORIAL

Dr. José Fagundes Dr. André da Silva Bueno


Dr. Armindo Longhi Dr. Paulo Venturelli
Dr. Eloy Tonon Dr. Elena Godoi
Dr. Antônio Leão Castilho Dr. Rodrigo Vasconcelos Machado
Dr. Valéria de Fátima C. V. Boni

Os Artigos presentes nesta Revista foram produzidos por Docentes desta IES e/ou convidados
especiais, sendo os textos dos mesmos de inteira responsabilidade dos seus autores.

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ÍNDICE ABORDAGEM INTERCULTURAL


NO ENSINO DE LÍNGUAS
PRAGMÁTICA LINGÜÍSTICA: ESTRANGEIRAS: UM ESTUDO
TEORIAS E PERSPECTIVAS EMPÍRICO UTILIZANDO
Elena Godoi EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS E
Mariana. P. M. Arruda
PROVÉRBIOS
7 Alessandra Bernardes
Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
EDUCAÇÃO E INDÚSTRIA 31
CULTURAL: A LITERATURA NA
ESCOLA A IMAGEM DA MULHER
Paulo Venturelli RETRATADA NO QUADRO
14 DISCURSIVO
Amélia Ana Bichewicz
DA “CULTURA DEL MIEDO” À Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
“ARGENTINIDAD AL PALO”: A 36
OBRA A RESISTÊNCIA DE
ERNESTO SABATO E O UM NOVO OLHAR SOBRE
PANORAMA DA LITERATURA ENSINO-APRENDIZAGEM DE
ARGENTINA NA SEGUNDA VOCABULÁRIO DE LÍNGUA
METADE DO SÉCULO XX E INGLESA NO ENSINO
INÍCIO DO XXI FUNDAMENTAL
Cintia Krüger Leite Mühlmann
Inês Skrepetz
Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
21
43
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO
FOUCAULT EM MACHADO DE
CONHECIMENTO: A
ASSIS OU MACHADO DE ASSIS
EDUCAÇÃO A PARTIR DA
EM FOUCAULT: A LOUCURA E
PREPARAÇÃO PARA O ENSINO
O PODER EM “O ALIENISTA”
SUPERIOR Pricila de Fátima Burgath
Atilio A. Matozzo Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
27 47

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O USO DE ESTRATÉGIAS DE
APRENDIZAGEM NAS AULAS
DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Tania Maria Jurach Banowski
Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni
53

TEATRO: UM SENTIDO NA
ALTERIDADE
Paulo Sandrini – Dnt. Letras / UFPR
59

POÉTICAS DA RESISTÊNCIA:
SOBRE A POESIA ÉTNICO-
POPULAR DE SOLANO
TRINDADE
Emerson Pereti – Ms. Letras / UFPR
63

O CURSO DE HISTÓRIA DA
FAFI: UMA TRAJETÓRIA COM
MUITOS SUCESSOS
Profª. Ms. Leni Trentim Gaspari
70

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código, que ainda tem tantos adeptos, a
PRAGMÁTICA LINGÜÍSTICA: “mensagem” é algo que se transmite tal qual. Entre
o “emissor” e o “receptor”/“destinatário” se
TEORIAS E PERSPECTIVAS estabelece uma relação simétrica e inversa: o
“emissor” simplesmente codifica certa mensagem e
o “destinatário” a decodifica, utilizando o mesmo
Prof. Dr. Elena Godoi (UFPR) código. Nos modelos atuais, a mensagem deixa de
ser o centro do discurso, a comunicação se
identifica com aquela parte intencional da
Prof. Dr. Mariana. P. M. Arruda (UFPR) mensagem que foi transmitida e, assim, a relação
entre os interlocutores passa ao primeiro plano. A
Os anos 50 do século passado marcam um “giro”, própria mensagem que se encontra entre a intenção
uma “guinada” na lingüística: começam a nascer e do falante e a interpretação dessa intenção pelo
se desenvolver as disciplinas que buscam não só ouvinte (o processo de comunicação) deixa de ser
estudar a estrutura e o funcionamento da linguagem algo estático e imutável, se transformando em algo
como também o papel da linguagem na dinâmico e instável. O modelo de comunicação
comunicação humana. Surgem a pragmática e a baseado no código e na transmissão de
análise do discurso, e, paralelamente, aparecem as mensagens, amplamente aceito pelas teorias
disciplinas “mistas”, tais como a psicolingüística, a tradicionais, é considerado pela lingüística atual
sociolingüística, a lingüística antropológica, a como um modelo insuficiente para explicar a
lingüística computacional voltada à construção de comunicação verbal humana considerada agora
uma inteligência artificial. como um processo muito complexo que envolve os
mais variados fatores.
Esse “giro” se deve à revisão do próprio conceito da
linguagem pelos lingüistas que se debruçaram Habermas afirma que o discurso, os enunciados
sobre esta nova problemática. Agora a linguagem é proferidos ou escritos pelos falantes, estão inseridos
vista não só como um instrumento para representar em uma tripla realidade, a) a externa (aquilo que é
o mundo e informar sobre ele: é também um percebido); b) a interna (aquilo que o falante quer
instrumento para agir no mundo, influenciando expressar) y c) a normativa (aquilo que se
outras pessoas e estabelecendo vários tipos de reconhece social e culturalmente). A validade do
relações com elas. A idéia parte da noção de enunciado, sua adequação, depende de essas três
“acontecimento comunicativo”, “acontecimento realidades (HABERMAS, 1994, p.327).
verbal” e “atividade verbal”. A noção de Precisamente por isso, a propriedade da linguagem
“participação” enfatiza o caráter social da de descrever coisas do mundo, de “informar” é
linguagem. Nessa visão da linguagem a função secundária, enquanto sua função social que é de
comunicativa é fundamental. A comunicação verbal, estabelecer e manter relações com outras pessoas
que é apenas um dos tipos de comunicação e expressar as nossas atitudes e nossa
humana, só é explicada em uma pequena medida personalidade, passa a ocupar o primeiro lugar.
pela função do código, por isso o modelo de
comunicação que se baseia unicamente na idéia de Na comunicação verbal intervém um emaranhado
código foi superado pela lingüística há um bom de fatores que agem simultaneamente: a
tempo. organização social, a cognição humana, os
sistemas de signos verbais e não verbais, os
Sperber e Wilson (1986) lembram como na aurora sistemas culturais, etc. A perspectiva pragmática, ao
da humanidade, antes de existir a linguagem já enfocar o uso da linguagem, lança luz sobre a
existia a comunicação: se tratava de comunicação relação entre os fatores extralingüísticos e os
não verbal, à qual se somaria a comunicação puramente lingüísticos, estudando as pressões que
verbal, que funciona basicamente do mesmo modo, os fatores do contexto de situação comunicativa
mas com a utilização de signos verbais. O uso do exercem sobre o código. Os estudos pragmáticos,
código verbal acrescentou um alto grau de ao enfatizar a produção e a interpretação dos
sofisticação à comunicação humana, mas se enunciados, buscam estabelecer as condições que
queremos compreender como as pessoas se regulam o uso da linguagem em condições naturais:
comunicam verbalmente, temos que observar as escolhas que os falantes fazem ao falar, as
também como se elas se comunicam quando no restrições que eles encontram ao usar a linguagem
falam. Conforme Sperber e Wilson, a comunicação, em interação social e os efeitos que seu uso da
seja ela verbal ou não, se define como um processo linguagem produz em interlocutores (Mey, 1993). A
de reconhecimento inferencial da intenção pragmática, de acordo com Mey, analisa a atividade
comunicativa (SPERBER, WILSON, 1986, p.9), isto discursiva em uma sociedade (comunidade, grupo)
é, o ouvinte procura deduzir qual foi a intenção do concreta, com seus valores e normas, suas regras e
seu interlocutor para este ter dito o que disse. No
conhecidíssimo modelo informacional, o modelo de

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leis, com as condições sócio-econômicas, políticas desdobramentos e têm sido testados ao longo dos
e culturais. anos.

A distinção entre o modelo de código e o modelo O modelo inferencial de Sperber e Wilson (1986)
inferencial da comunicação é essencial para
entender como funciona a comunicação no No modelo inferencial de comunicação, a
contexto. O contexto é definido por Mey não apenas mensagem se entende de um modo muito diferente
aquele contexto físico, imediatamente perceptível, de como o entende o modelo de código que
como, por exemplo, uma entrevista para obter o dominava antes, e, por tanto, também são
emprego, uma consulta médica, uma conversa com concebidos de forma diferente tanto o código como
amigos, etc., mas também as condições de várias o comunicador. Como dissemos acima, inferir as
naturezas (social, psicológica, cognitiva) que regem intenções comunicativas do falante (escritor) é uma
as situações do uso da linguagem (MEY, 1993, das tarefas importantíssimas para que o ouvinte
p.186). Dascal (2006) distingue dois tipos de (leitor) chegue à interpretação do enunciado
contexto: o metalingüístico e o extralingüístico. O (discurso) e para que a comunicação aconteça. O
metalingüístico inclui, além do texto ou discurso no modelo inferencial parte da idéias de Grice (1975)
qual a elocução está inserida, informações de que, na comunicação, as pessoas dizem e
lingüísticas, tais como a língua e o dialeto do implicam. Em geral, em princípio, o interlocutor
falante, o gênero discursivo, o registro que o falante colabora com o locutor e procura entender o que ele
emprega nessa elocução, as normas comunicativas comunicou - porque ambos têm algum propósito
pertinentes à situação específica, entre outros. Já o comum, mais ou menos definido, que tratam de
contexto extralingüístico inclui informação sobre o alcançá-lo. Grice chamou esse “acordo prévio” de
universo de referência, o conhecimento de fundo Princípio de Cooperação (PC).
(background) e de crenças compartilhadas entre
falante e destinatário, as circunstâncias específicas O modelo inferencial reconhece três intenções:
da situação da enunciação, os hábitos e
idiossincrasias do falante e do ouvinte, etc. Já para
Verschueren (1999), na geração do significado o - a intenção de produzir certa resposta no ouvinte;
contexto se negocia, se aceita, se repele, se re-
planeja, se retrocede e se volta a negociar. - a intenção de que o ouvinte reconheça a intenção
do falante e
As teorias pragmáticas nos dão os argumentos para
explicar como funciona a linguagem em diferentes - a intenção de que o ouvinte reconheça a intenção
situações para que aconteça a comunicação entre do falante pelo menos como parte da razão que tem
os seres humanos, por isso é necessário um o ouvinte para que responda ao falante.
conhecimento específico dos modelos mais
importantes que explicam a comunicação em sua Só quando e se são cumpridas as três intenções se
complexidade. Superando o modelo do código, as produz a comunicação.
teorias pragmáticas demonstram que a
comunicação depende das estratégias, por meio Os indícios contextualizadores que o falante
das quais o destinatário (ouvinte ou leitor), pode (escritor) usa para expressar sua intenção de uma
inferir as intenções comunicativas do falante forma adequada e eficaz - léxico, os chamados
(escritor). Isso acontece graças, por um lado, a um atenuadores e outros recursos verbais e/o
código compartilhado e, por outro, a certos discursivos - são encarregados de facilitar ao
princípios racionais moldados sócio-culturalmente, ouvinte (leitor) as pistas para que ele possa realizar
que o falante tem que compartilhar também para se as inferências, ou seja, facilitam a tarefa de
tornar um comunicador eficaz. A sociolingüística processar os significados implícitos.
interacional e a etnografia da comunicação, ao
considerarem as relações entre a língua e os
Assim, a pragmática entende que a comunicação
indivíduos (a sociedade, a comunidade, o grupo)
não se produz mediante um “empacotamento”, por
que a usam estão dotadas de instrumentos válidos
parte do emissor, de pensamentos e idéias para
para dar conta dos fenômenos lingüísticos com
formar palavras e frases, usando o mecanismo de
relação a seus usuários e constituem um
codificação, e o conseqüente “desempacotamento”,
componente da visão pragmática junto com a teoria
por parte do receptor, que decodifica a mensagem,
da relevância e a teoria da polidez. Os diferentes
para chegar a seu significado. Na perspectiva
enfoques pragmáticos se mesclam, se influenciam
pragmática, além de decodificar a mensagem
mutuamente e se completam. A seguir,
verbal, o receptor - ouvinte, leitor, na terminologia
apresentaremos dois dos modelos mais influentes
pragmática, por não ser mais uma figura passiva,
da pragmática atual que, concebidos na década de
como é vista no modelo de código – precisa realizar
80, sofreram várias críticas, tiveram inúmeros
oura tarefa adicional: a de efetuar uma série de

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inferências para checar qual era a intenção real do que o ouvinte chegue à intenção informativa de
falante ao comunicar seu enunciado. Dessa forma indireta por via de um processo dedutivo.
maneira, o leitor/ouvinte terá que inferir um Dependendo da proximidade (ou não) entre o
significado apenas parcialmente codificado pela conteúdo proposicional (semântico, lingüístico) da
linguagem: um significado implicado. Para chegar a forma lingüística e o conteúdo comunicado, os
essas inferências, o ouvinte precisa usar alguns enunciados serão mais explícitos ou mais implícitos,
conhecimentos compartilhados, no só os mais diretos ou mais metafóricos.
conhecimentos do código, mas também certos
princípios comunicativos comuns. O conhecimento A Teoria da Relevância é fundamentada no sistema
compartilhado é aquele que o falante e o ouvinte dedutivo que se aplica às representações
dão por sabido (suposto) em algum momento de conceituais. Como a comunicação verbal não se
seu intercâmbio verbal. Para que a comunicação produz apenas com base na codificação e
tenha sucesso completo, todo o conhecimento decodificação de mensagens, Sperber e Wilson
relevante deve ser compartilhado. Mas mesmo recorrem aos conceitos de implicatura e explicatura
assim nunca haverá garantias de que não haja mal para dar conta de seu conceito de interpretação.
entendidos, mesmo porque, na prática, não haverá Para esses autores, a explicatura se refere ao
dois indivíduos com o mesmo conhecimento. conteúdo que o enunciado manifesta de forma
ostensiva, explícita. Por sua vez, a implicatura se
O processo de comunicação inclui necessariamente refere ao conteúdo que é comunicado por meio da
também um contexto compartilhado pelos dois para dedução. As implicaturas têm sua origem nas
que a recuperação da informação que o falante quer pressuposições contextuais, das quais o ouvinte
transmitir seja possível. Quando a informação nova precisa para enriquecer e poder processar o
é contextualizada e comparada com a informação conteúdo proposicional explícito dos enunciados:
anterior são produzidos os “efeitos contextuais”. quando a mensagem é decodificada, começa o
Portanto, a comunicação consiste não só na processo inferencial. Para interpretar o enunciado, o
identificação do conteúdo de uma proposição ouvinte assume que o falante põe sentido no que
(sentença), mas também e principalmente nos diz, assume que o falante procura comunicar “algo a
efeitos contextuais que são produzidos, pois a mais” e esse “algo a mais” comunicado não está no
informação que não produz efeitos contextuais é significado semântico explícito do enunciado. Para a
irrelevante. TR, a intenção do falante é o estado psicológico
(conhecimento lingüístico, desejos, crenças,
Para Sperber e Wilson, o conceito de intenção se atitudes, valores, saberes, etc.) que contém a
desdobra em dois tipos: representação mental do conteúdo do enunciado.
Em outras palavras, as representações mentais do
- a intenção informativa, que se define como a significado são estruturas abstratas que devem ser
qualidade de fazer manifesta para a audiência (o enriquecidas pelos processos inferenciais dos
ouvinte/leitor) uma série de suposições (SPERBER, interlocutores - processos lingüísticos (semânticos)
WILSON, 1986, p.61), e e processos cognitivos (pragmáticos) no contexto.

- a intenção comunicativa, que seria a qualidade de Vejamos o seguinte exemplo:


ficar claro tanto para o falante, como para o ouvinte
que o falante tem a intenção informativa (id., ibid.). A – O que você acha da seleção do Dunga?

A noção chave de ostensão se entende como a B – Ah, eu não gosto de futebol.


qualidade de um significado de se tornar manifesto.
A ostensão, no sentido de algo que se expõe, serve De acordo com a Teoria da Relevância, para
para centrar a atenção do ouvinte na informação interpretar o enunciado de B, o interlocutor A deve
relevante. fazer uso da suposição (processos mentais que
constituem o pensamento) que o conduzam a uma
Assim, para entender o processo de comunicação, conclusão plausível sobre o tema. À primeira vista,
os conceitos de ostensão e de inferência, são a resposta mais plausível de B seria: Eu não acho
igualmente necessários, pois os dois formam um nada! Porém, os efeitos contextuais levam A a fazer
continuo. Isso significa que existem casos em que o as seguintes inferências, baseadas na ostensão de
falante (comunicador) comunica sua intenção de B:
informar o ouvinte (audiência) diretamente,
explicitamente, seja por meio dos recursos - como a minha pergunta foi sobre futebol, B não
lingüísticos, verbais ou os não verbais (mímica, respondeu diretamente o que eu lhe perguntei;
gestos, etc.). Existem também outros casos, quando
o agente da comunicação (falante) daria a entender
sua intenção “nas entrelinhas”, dando pistas para

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- minha pergunta exigia uma posição sobre os jogos 1. O poder relativo do ouvinte sobre o falante.
da seleção brasileira, as escalações e a tática
usada pelo técnico Dunga; 2. A distância social ou grau de familiaridade
existente entre os interlocutores.
- se B respondeu diferente é porque quer comunicar
mais do que disse; 3. O grau de imposição de um ato comunicativo.

- a resposta de B significa que ele não sabe da Esses três fatores afetam quaisquer trocas verbais.
seleção do técnico Dunga porque não se interessa As imagens são “calibradas” de acordo com o poder
por futebol. relativo dos interlocutores, de acordo com a
proximidade ou distância interpessoal, e também de
É claro que para se chegar a estas implicaturas, o acordo com a força da imposição dos atos
conhecimento sobre as coisas do mundo de A deve comunicativos, que sempre são potencialmente
ser tal que lhe permita fazer inferências relevantes. ameaçadores.
A poderia seguir fazendo inferências e chegar,
ainda, às impliacturas tais como: B é um indivíduo Conforme Garín Martínez (2007), existem pelo
apático a questões de seu interesse, além de estar menos duas noções de polidez. A primeira, a
conformado e acomodado com os destinos do país. “polidez 1”, é um termo que no senso comum
E mais, A poderia inferir sobre a escolaridade de B, significa a etiqueta ou os bons modos, é o conceito
seu nível sócio-cultural, sua classe social, etc. tradicional que se aplica tanto a comportamento
verbal como ao não verbal. Entretanto, existe outra
A teoria da polidez verbal de Brown e Levinson noção de polidez, a “polidez 2”, que é um construto
(1987) teórico. A “polidez 2” parte da idéia de que todo
encontro social supõe um risco de mal entendido,
A polidez é um conjunto de estratégias que usamos de conflito, de ofensa. Assim, o conceito da “polidez
quando falamos para que a comunicação flua sem 2” se refere a aquele comportamento que
gerar conflitos. Como atividade social, é um desencadeia o funcionamento de uma espécie de
mecanismo que assegura o equilíbrio entre o falante um dispositivo compensatório para que a
e o ouvinte (o escritor e o leitor). As teorias da comunicação ocorra da maneira mais fluída
polidez verbal buscam dar respostas às perguntas possível, evitando os mal entendidos e a perda da
sobre o por que de os falantes usarem a linguagem imagem pública, que é vulnerável, tanto por parte do
da maneira como usam: falante como do ouvinte. A polidez verbal é
entendida, então, como o comportamento lingüístico
- por que e como comunicamos mais do que apropriado, que leva em conta as variáveis sócio-
culturais da interação e faz com que a intenção do
dizemos (como fazemos para comunicar
falante seja comunicada de forma eficaz. Desse
significados não literais)?
modo, a polidez seria o quadro da dimensão
interpessoal dos discursos.
- como fazemos para interpretar a linguagem
indireta de maneira adequada?
Assim, Brown e Levinson (1987) fundamentam sua
Teoria da Polidez no conceito de imagem pública
O modelo de Brown e Levinson (1987) permite (face) desenvolvido por Goffman, que parte do
explicar a relação entre o uso da linguagem e o conceito de território que significa que pessoas não
contexto social, e chegar a uma interpretação dos querem ser invadidas (trabalho de imagem ou face
padrões de realização das mensagens entendidas negativa) e, pelo contrário, querem seu território
como atos de fala intencionados. Além disso, a respeitado (trabalho de imagem positiva). A imagem
teoria nos proporciona uma interessante visão sobre pública é para Brown e Levinson uma noção
a natureza social da linguagem humana. abstrata e universal que inclui dois tipos de desejos
das pessoas: o de não serem incomodadas e/ou
Se o modelo proposto pela Teoria da Relevância malvistas pela sociedade (face negativa) e o de
enfoca os fenômenos cognitivos do processamento serem apreciadas, aprovadas, queridas pelos outros
da informação por parte do ouvinte, a Teoria da (face positiva). É justamente devido ao “jogo de
Polidez que segue as idéias de Goffman (1967) é imagens” que a interação é considerada como um
um modelo social, fundamentado na interação fator potencialmente ameaçador da imagem (perder
social, nas imagens públicas dos interlocutores e na a imagem) e que o esforço dos participantes de um
negociação ininterrupta dessas imagens durante a evento comunicativo é preservar a face (“salvar a
interação comunicativa. cara/a imagem”) dos atos potencialmente
ameaçadores (FTA, do inglês Face Threatening Act)
A polidez, de acordo com Brown e Levinson (1987) e manter a imagem social. Nesta perspectiva, o ato
depende de três fatores: de emitir uma opinião crítica, por exemplo, constitui

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um ato potencialmente ameaçador para o amor 5. Sem a realização do ato ameaçador.
próprio do criticado. Para evitar ou remediar tal
ameaça e buscar um relativo equilíbrio em uma Dado que os atos ameaçadores (FTA’s) se realizam
situação comunicativa, é necessário o trabalho de continuamente quando realizamos as trocas
reparação da imagem, que consiste em dois tipos verbais, os atos de reparação são produzidos
de estratégias: positivas e negativas. O exposto não também constantemente. Assim, às vezes
significa absolutamente que em toda e qualquer acontecem reparações por meio do uso de outros
situação comunicativa haverá equilíbrio e harmonia: atos de fala, que preparam o terreno (enunciados
pelo contrário, dependendo das intenções que o preliminares), às vezes elas ocorrem através do uso
falante tem em um dado contexto e interagindo com dos vários tipos de procedimentos suavizadores ou
um determinado interlocutor, ele pode insistir em mitigadores, tais como os atos de fala indiretos, as
efetuar os FTA’s e, para tal, usará estratégias construções impessoais ou as estruturas passivas;
específicas. os procedimentos retóricos, tais como as perguntas
retóricas, os eufemismos ou a ironia; os mais
As estratégias de polidez diferentes tipos de modalização verbal ou adverbial,
etc.
As estratégias de polidez são os mecanismos
destinados a manter as imagens dos participantes As atenuações
da interação, respeitando a distância e a hierarquia
social e adequando a força de imposição a falar ou Partindo do fato de que na interação verbal
escrever. O trabalho de reparação da imagem que normalmente se busca – com sucesso ou não - um
os falantes realizam quando falam (ou escrevem) é equilíbrio entre as imagens positiva e negativa,
o que leva a Brown e Levinson (1987) a distinguir podemos precisar de alguns dos recursos
entre três grandes classes de estratégias de atenuadores.
polidez:
Entre os atos potencialmente ameaçadores (FTA’s),
- polidez positiva; são especialmente interessantes aqueles, por meio
dos quais o falante avalia negativamente algum
- polidez negativa, e aspecto relativo à imagem positiva do outro, como,
por exemplo, as expressões críticas,
- estratégias indiretas. desaprovadoras, as queixas, os desacordos. Neste
contexto, quando a imagem do outro aparece mais
Em condições normais, todos os falantes vulnerável, os falantes podem usar - sempre
competentes (veja abaixo sobre o conceito de dependendo de suas intenções - uma série de
estratégias destinadas a atenuar a ameaça.
competência comunicativa) executam o “jogo de
Algumas dessas estratégias são diretas e outras,
imagens” de um modo automático em todas as
culturas (compreendidas aqui as culturas nacionais, indiretas. Entre os procedimentos de atenuação da
religiosas, raciais, institucionais, etc.). Na hora de força ilocutória, ou seja, da força que o ato de fala
decidirmos sobre quais estratégias devemos usar apresenta para agir sobre o ouvinte, dos
ao falar ou escrever, ou na hora de interpretarmos enunciados, é o fenômeno de polidez mitigadora,
aquilo que ouvimos ou lemos, nós apoiamos nas que pode ser realizada de diversas maneiras.
pressuposições que temos. Isso significa que as
pressuposições acertadas afetarão positivamente o Para Brown e Levinson (1987:145), a polidez
planejamento e a interpretação do discurso para mitigadora constitui uma estratégia de polidez tanto
que este produza o efeito desejado. positiva como negativa, dependendo do contexto do
uso e das intenções do falante. Para não intimidar o
Os tipos de estratégias, de acordo com Brown e leitor/ouvinte, prefixamos a sentença potencialmente
ameaçadora com as expressões como ‘Eu acho
Levinson (1987) são os seguintes:
que...’, ‘Parece que...’, ‘Na minha opinião...’ Esta
seria uma estratégia negativa de acordo com Brown
1. Abertas e diretas, sem reparação. e Levinson. Podemos usar outra expressão para
suavizar as opiniões que emitimos para que nossas
2. Abertas e indiretas, com reparação e com polidez afirmações sejam mais ambíguas e nossos ouvintes
positiva. ou leitores não se incomodem. Nesse caso dizemos
coisas como ‘É uma espécie de…’, ‘é algo do tipo
3. Abertas e indiretas, com reparação e com polidez de...’ Assim comunicamos algo mais impreciso,
negativa. mitigando a nossa opinião.

4. Encoberta. Na descrição do modelo da polidez, esses


fenômenos atenuadores, aparecem duas vezes:

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como uma estratégia positiva, de aproximação, com qual o falante assume compartilhar o ponto de vista,
os mitigadores da opinião deixando ela um tanto as opiniões e a atitude do ouvinte, demonstrando,
ambígua; como uma estratégia negativa, orientada ou até exagerando seu interesse pelo interlocutor
às máximas do Princípio de Cooperação de Grice para evitar o desacordo: Vai lavar a louça, coração!
(1975) fazendo evidente que o falante não se
responsabiliza totalmente por aquilo que diz (‘Me 3. Dar razões e explicações ao interlocutor quando
parece que...’), ou como evidência de que os se pede algo ou quando se dá uma opinião sobre
desejos de imagem do interlocutor não estão sendo algo. Esta estratégia permite propor as condições
respeitados, porque seria talvez melhor não ter dito para se chegar a um acerto.
nada (‘francamente...’).
Resumindo: as estratégias de polidez verbal na
Em resumo, estas atenuações cumprem uma interação constituem, conforme Brown e Levinson
função chave na hora de mitigar os atos (1987, p.231), um bom indicador das relações
ameaçadores à imagem pública, como expressar sociais entre os participantes do evento
uma opinião discordante ou crítica. comunicativo e da maneira como se desenvolvem
essas relaciones. A polidez permite compreender
As mitigações incluem também as formas verbais melhor o conhecimento que os interlocutores têm do
de subjuntivo e de condicional e certos advérbios e funcionamento dos recursos lingüísticos dos quais
outros recursos lingüísticos que podem entrar nas eles dispõem na sua interação, por isso “ser polido”,
estratégias de polidez negativa, ou atenuadora: as conhecer as normas do comportamento verbal em
estruturas passivas e outras estruturas que uma dada comunidade constitui una demonstração
permitem ocultar o agente: as estruturas impessoais da competência comunicativa.
ou as nominalizações. Confira as diferenças entre
os enunciados: Você ainda não arrumou o seu Perspectivas
quarto! e O seu quarto ainda não está arrumado; Eu
quero que você pare de fumar e Seria bom se você
Para finalizar, diremos que os estudos lingüísticos
parasse de fumar. Esta estratégia serve para contribuem com o campo de estudos da
construir um ato de fala potencialmente ameaçador comunicação, principalmente, com as investigações
de tal modo que este não fira a imagem pública do na área da pragmática lingüística ao delimitar
interlocutor, usando os recursos lingüísticos conceitos, funções, categorias e estruturas
distanciadores que ocultam o agente da ação ou lingüísticas, que fazem parte da composição do
fazem com que o agente fique difuso, como, por comportamento verbal humano. Paralelamente com
exemplo, a voz passiva. Como a referência direta ao
as correntes estruturalistas da lingüística, que
falante/ouvinte é apagada, a ação expressada deixa
acompanharam com sucesso o pensamento
de ser ameaçadora, pois o ouvinte/leitor tem à filosófico positivista do século XX, foram surgindo e
disposição outra interpretação possível devido à ressurgindo outros pontos de vista sobre a
ambigüedade da formulação lingüística usada pelo
linguagem, aqueles que a vêem como inerente ao
falante/escritor.
“homo loquens” em todas as suas manifestações.
Nesse sentido, podemos pensar a pragmática como
Além das estratégias de polidez positiva e negativa, uma ‘lingüística mais abrangente’, que se preocupa
Brown e Levinson (1987) consideram as estratégias não só com a estrutura da linguagem e seu
indiretas, entre as quais se encontram os funcionamento, mas sobre tudo com a linguagem do
eufemismos, a ironia, a metáfora e as perguntas e no ser humano, sendo este ser humano
retóricas que permitem mitigar a crítica contida inseparável de e impensável sem os seus
numa afirmação. pensamentos, emoções, crenças, valores,
organizações sociais de vários tipos, história, etc.,
Entre as estratégias positivas postuladas por Brown fenômenos que se poderiam ser estudados como
e Levinson (1987) como as orientadas à reparação contextos (internos e externos) das manifestações
da imagem positiva do ouvinte (seu desejo de ser verbais humanas (internas e/ou exteriorizadas) e da
apreciado) ou à preocupação do próprio falante com sua própria existência.
pela sua boa imagem, citaremos três do total de
catorze: A pragmática da linguagem estuda a realidade de
seres humanos, que usam a linguagem para
1. Incluir a ambos (falante e ouvinte) na mesma expressar desejos e intenções e que, pela
atividade, enfatizar que ambos cooperam, usando, linguagem, se emocionam, riem, choram, felicitam,
por exemplo, o pronome inclusivo de primeira ofendem, elogiam, amam, odeiam, se desculpam,
pessoa do plural (‘nós’, ‘nosso’). oram, mentem, duvidam, fingem, dissimulam,
acreditam, enganam, se enganam... Nessa
2. Reclamar um terreno compartilhado (claim perspectiva, a pragmática da linguagem não estuda
common ground). É um procedimento por meio do apenas o uso da linguagem, ou o significado em

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uso, mas como a linguagem age na vida das Nos últimos anos o enfoque comunicativo é o que
pessoas e o viver das pessoas por meio da predomina no ensino/aprendizagem de línguas
linguagem. estrangeiras. Pesquisadores da área, adeptos de
um ensino integrado de língua e cultura, não
Toda a tradição lingüística formada durante o século deixaram de dirigir suas críticas a este método já
XX quis nos convencer que o “uso real” da que este enfoque privilegia uma concepção
linguagem se dá unicamente na fala. Aos poucos, instrumental da língua, centrada exclusivamente na
essa visão começa a mudar. Afinal, na sociedade aquisição de competências lingüísticas em
contemporânea, amplamente letrada (não detrimento da dimensão cultural. Com base nestas
pretendemos discutir aqui as mazelas da educação criticas, uma nova concepção do enfoque
no país), o significado é produzido e negociado comunicativo centrado no papel dos indivíduos,
pelos interlocutores nas mais variadas situações e como atores sociais dotados de múltiplas
em variados contextos: identidades e, que carregam consigo uma bagagem
de conhecimentos de mundo, atitudes e habilidades,
- na modalidade oral ou escrita; entram no jogo da comunicação.

A competência comunicativa envolve o


- no ambiente público ou privado;
conhecimento não só das estruturas lingüísticas,
mas também do que é dito, quem está dizendo,
- espontaneamente ou construído com maior ou para quem, por que e onde acontece a situação, ou
menor cuidado. seja, leva em conta o contexto e é, portanto, uma
competência essencialmente pragmática. Assim,
Pode parecer paradoxal à primeira vista, mas todas essa competência inclui os conhecimentos sociais e
essas situações, contextos e usos criam as nossas culturais dos falantes que permitiriam usar e
identidades individuais e sociais. E são justamente interpretar as formas lingüísticas apropriadamente e
os significados compartilhados pelos membros dos permite utilizar a linguagem como instrumento de
grupos, das comunidades e das sociedades que comunicação, tanto oral como escrita, com a
criam a(s) cultura(s). finalidade de conseguir uma interação bem
sucedida. A competência comunicativa diz respeito
A pragmática, ou pelo menos algumas das tantas tanto ao conhecimento, como às expectativas sobre
teorias que ela produziu, pode providenciar algumas quem pode e quem não pode falar em certas
ferramentas interessantes para a análise dos textos situações; quando falar e quando permanecer
de quaisquer gêneros, inclusive os literários, calado; como se pode falar com pessoas de
embora estes últimos tenham, sem dúvida, algumas diferentes status e papéis sociais; que
características específicas que necessitariam outros comportamentos não-verbais são apropriados em
tratamentos desenvolvidos pela crítica literária. vários contextos; quais são normas sociais para
Sobre o leitor recai uma grande responsabilidade tomar o turno em uma conversa; como pedir uma
pela interpretação: na perspectiva da Teoria da informação; como solicitar, como oferecer e como
Relevância, ele deverá acessar um grande número negar uma ajuda ou uma cooperação; como dar
de pressuposições para obter uma ampla gama de ordens, etc. Em resumo: essa competência tem a
implicaturas. ver com tudo que envolve a comunicação em
situações sociais particulares.
Na linguagem persuasiva, como a de publicidade e
como também na linguagem usada pelos As várias interfaces entre a pragmática e outras
promotores e advogados nos julgamentos, um papel áreas de atividades e conhecimentos humanos
muito forte é desempenhado pelas pressuposições estão sendo consideradas nos últimos anos, pois o
e as inferências e implicaturas decorrentes. Os uso da linguagem consiste em contínuas escolhas
publicitários dificilmente afirmarão diretamente lingüísticas, conscientes ou inconscientes, por
(embora isso possa acontecer) sobre as qualidades razões internas ou externas à linguagem. A
de seus produtos e as vantagens que estes teriam comunicação é guiada por uma rede de poderes,
sobre os produtos das empresas-rivais: geralmente valores, crenças, níveis de envolvimento social,
não há evidências para tanto. É por isso que a cultural, ambiental, político, educacional que se vale
publicidade recorre às afirmações indiretas via da linguagem para atingir suas intenções e seus
pressuposição. Na publicidade, é muito comum interesses. A multiplicidade e a complexidade dos
encontrarmos as estratégias indiretas de polidez. fatores que são envolvidos na comunicação humana
Com o uso dessas estratégias, e também com as exigem que as ciências que estudam esses
estratégias da polidez negativa, o falante- fenômenos saiam das suas “clausuras” para que
anunciante atinge seus objetivos de forma implícita possam dialogar e desenvolver conhecimentos
e, ao mesmo tempo, salvaguarda a imagem de seu inter- e transdisciplinares.
interlocutor.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EDUCAÇÃO E INDÚSTRIA
BROWN, P. & LEVINSON, S. Politeness: Some
Universals in Language Use. Cambridge-New CULTURAL: A LITERATURA
York, 1987
DASCAL, M. Interpretação e compreensão. São NA ESCOLA
Leopoldo: Ed.UNISINOS, 2006
GARÍN MARTÍNEZ, I. El efecto de la instrucción
en el desarrollo de las estrategias de cortesía Prof. Dr. Paulo Venturelli (UFPR)
verbal en cartas de opinión a un periódico en el
marco de la investigación en acción de una Nestes tempos, em que se prega insistentemente
secuencia didáctica (alumnos de último curso de que as ideologias acabaram e que o mercado
Escuela Oficial de Idiomas). Tesis Doctoral, resolve tudo – como se pensar assim não fosse
Universitat Autònoma de Barcelona, 2007 uma ideologia, como se a recente “crise econômica”
GOFFMAN, E. Interaction Ritual: Essays on não demonstrasse por si só que o mercado é
Face-to-Face Behavior. New York: Pantheon, 1967 incapaz de resolver as imensas e profundas
1
GRICE, P. Logic and Conversation. In COLE, P. & contradições do capitalismo , sendo que os
MORGAN, R. (eds.): Syntax and Semantics 3: governantes precisaram se valer de atitudes
Speech Acts. New York: Academic Press, 1975, socialistas, injetando dinheiro público nas mãos de
pp. 41-58. banqueiros e empresários quando, nos tempos das
HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa: “vacas gordas”, estes mesmos banqueiros e
complementos y estudios previos. Madrid: empresários, com seus lucros extraordinários,
Cátedra (1994). jamais se preocuparam em repassar estes lucros
MEY, J. Pragmatics, an Introduction. Oxford: para os trabalhadores -, enfim, nestes tempos em
Blackwell, 1993 que as desigualdades, o trabalho semi-escravo, as
SAUSSURE, F. de. Course de Linguistique questões sociais, a educação precária, a saúde, a
Générale. Paris: Payot, (1916) 1969 alimentação etc. batem a nossa porta a todo
SPERBER, D. & WILSON, D. Relevance, momento, fustigando nossas consciências de
Communication and Cognition. Oxford: Blackwell, humanistas, somos obrigados a refletir sobre um
1986 tema que tem passado despercebido entre a
VERSCHUEREN, J. Understanding Pragmatics. maioria dos educadores – a indústria cultural e suas
Oxford: Oxford University Press, 1999 relações nauseabundas e nem sempre claras com a
educação.

Ou seja, em que medida estamos efetivamente


educando ou apenas criando consumidores? Em
que medida estamos auxiliando na modelação da
consciência, da autonomia do pensamento, da
capacidade dos alunos se reconhecerem como
membros participantes de um coletivo e não
enterrados apenas num circuito individualista,
quando somente questões pessoais como emprego,
carreira, sucesso na vida, acúmulo de bens
materiais importam? Lembremo-nos: educar vem do
latim: ex-ducere, que significa pôr o indivíduo em
contato com paradigmas e padrões de
comportamento, por meio dos quais ele possa se
conduzir pela vida. Melhor ainda: educar é auxiliar
as novas gerações a adquirir distintos instrumentos
de interpretação do mundo e estes são sempre
culturais e ideológicos. Se aprendermos que cada
um cuidando do próprio script de vida, em que se é
normalmente só ator e não diretor, teremos uma
sociedade: esta que está aí e tem mostrado não
encontrar saídas para as profundas mazelas que
nos acometem de todos os lados. Se aprendermos

1
Sobre esta questão, recomendamos a leitura de
Capitalismo parasitário, de Zygmunt Bauman, Zahar,
2010.

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que somos animais gregários, isto é, de grupos, que precede a essência. Noutras palavras: nada existe
vivemos em comunidade e o destino de um está de essencial/potencial no ser humano que não seja
intrinsicamente ligado ao destino do outro, que antes vivido pela experiência concreta do cotidiano
interagimos como um todo, que o barco só navega histórico. Ou como aponta Bakhtin: a consciência
3
se todos remarem na mesma direção, teremos outra não explica nada, ela é que precisa ser explicada.
sociedade: mais justa, mais solidária, menos Trocando em miúdos: não é porque temos
egoísta, menos exploradora, em que o trabalho é consciência que falamos, pensamos, produzimos. É
efetivamente um meio de alcançarmos níveis mais porque falamos, produzimos linguagem que
confortáveis de vida e não a prostituição pensamos, que elaboramos os traços mais íntimos
mercadológica tão comum em que, quem enriquece de nossa consciência, num eterno círculo que será
é aquele que explora nossa mão-de-obra e não nós apenas interrompido pela morte. E a consciência é
que produzimos a riqueza que acaba canalizada sempre um produto de nossa história, um ponto de
para a mão daqueles poucos, quando à maioria chegada, não um ponto de partida. Em razão disto,
cabe apenas sobreviver com o chamado salário de com estes pressupostos no horizonte é que avulta
subsistência. Não é necessário nos alongarmos cada vez mais a importância da educação e
neste item: basta olhar para nossas vidas, medi-las especialmente a educação libertadora e
em todas as suas estruturas para sabermos humanística.
cruamente quem somos e como estamos apenas
sobrevivendo. A escolas, as igrejas, a família são instituições
conservadoras.4 Elas domesticam o sujeito ao uso
Lembremos: o ser humano ao nascer não dispõe de da canga, tornam os indivíduos conformistas,
qualquer padrão para nada, como dispõem as forçam cada um a se adaptar a um sistema já
outras espécies. O ser humano nasce destituído de pronto, como se este fosse o único modelo de vida
tudo. E tudo o que ele é e será vem intermediado possível. Sendo didáticos: vivemos num mundo
pela língua. É ao adquirir uma língua que o ser vai capitalista, burguês, consumista e desde cedo a
angariando seu status de humano. O que faz criança é submetida a este modelo de ser/viver. E
Bakhtin afirmar: nascemos duas vezes – uma, do para isto, a escola é o doce braço “desarmado”
ventre materno, outra, do ventre da linguagem.2 E a desta colonização mental, deste assujeitamento do
língua é social, a língua é uma visão sobre o indivíduo que passa por inúmeras e constantes
mundo. Toda vez que pensamos, falamos e lavagens cerebrais para que perca toda esperança
escrevemos, fazemos tais atividades de um ponto de organizar um outro mundo, questionando o que
de vista. Assim, a língua é sempre ideológica, está pronto e é encarado como a verdade. Ninguém
tornando o ser humano alguém formatado mais preza as preocupações sociais, utópicas e
ideologicamente, alguém de consciência social, históricas, pelo contrário, estamos aprendendo, em
alguém que ao usar a língua vive uma interação especial pelos discursos reiterados nas mais
pulsante, concreta, inconclusa, ininterrupta, histórica diversas mídias, que tais preocupações estão fora
com o outro e é nesta relação com o outro que de moda, são sonhos dos anos 60, não se
aprendemos a ser quem somos, em razão do quê, realizaram, não vale a pena perder tempo com eles.
não podemos mais falar em subjetividade, mas em E por que esta forma de pensar domina a
inter-subjetividade. Nenhum homem é uma ilha. sociedade? Simplesmente porque os liberais estão
Disto já sabemos há séculos. Resta-nos tomar dando as cartas e nos impingem por todos os meios
conhecimento concreto de que não somos ilhas, esta forma alienante de nos ver e ver o mundo. Por
porque falamos, e é a língua que nos constitui. Por isto, vivemos no caos, na violência, na falta de
isto, tudo o que o ser humano é e se torna, é e se sentido para a vida. Por isto não nos reconhecemos
torna dentro de um processo sócio-histórico, o que mais humanos em relação a outros humanos. Por
bane de vez o malfadado conceito de que o ser isto perdemos o senso de solidariedade coletiva e
humano tem ou não tem inteligência natural, tem ou estamos todos embrenhados em nossos mundinhos
não tem talento – conceito este, aliás, muito individualistas, cuidando de nossas próprias feridas,
manipulado pelos grupos hegemônicos para tentar quando não é ali que encontraremos a cura.
explicar as diferenças sociais, escondendo-se por Introjetam-nos uma sociedade embasada em
atrás da biologia e explorando esta balela de talento vitrines e shopping-centers, somos anestesiados
natural até o ponto em que isto lhes gera lucro. pelos babélicos e coloridos apelos do consumo, e o
Nada é natural no ser humano. Somos o que somos ser no mundo, o estar no mundo, o ser e estar com
5
porque somos seres de linguagem e esta nos o outro e para o outro são aniquilados desde cedo
modula em todos os quadrantes, de nossa
sexualidade, à nossa vida intelectual, imaginária, 3
fantasiosa. Nada nos é dado gratuita e BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem.
São Paulo: Hucitec, 1979, p.21.
naturalmente. Como já dizia Sartre: a existência 4
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil. São
Paulo: Brasiliense, 1986, p. 29.
2 5
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Sobre a questão do individualismo na sociedade
Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 67. capitalista, cf. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a

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e em seu lugar se implanta a patologia do trabalhar com a língua, em que avultam a literatura
individualismo, cujo fruto mais óbvio é o desespero, e a leitura, são fatores determinantes, se quisermos
a falta de motivação para tudo, a passividade em de verdade mudar o sucedâneo de crueldades em
que os desejos/necessidades criados pelo mercado que se transformou o cenário do mundo atual. Disto
norteiam nosso cotidiano, empurrando-nos mais e trataremos depois.
mais para o abismo do nada. E tal situação é em
especial dramática entre os jovens, nossos alunos: Gostaríamos de lançar outra pergunta: que papel
por que e para que estudar? que futuro nos desempenha a arte em nossa vida e em nossas
aguarda? que farei de minha vida? que preparo salas de aula, em especial a literatura? Os céticos
tenho para o amanhã? acostumados a nivelar tudo por baixo logo vão
pensar: mas no mundo de hoje, facilitado pela
Seguindo o raciocínio de Edmir Perrotti: “a tecnologia, ainda existe alguma coisa que mereça
sociedade de consumo não se apresenta como ser definida como arte, que foge da mera produção
solução satisfatória. Ao contrário, ela é (de um mercadológica? No mundo que adora a produção
lado), uma anomalia histórica, causadora de em série há espaço para a arte? Não só há, como
conflitos. (De outro, é) dissimuladora desses ela é um dos últimos baluartes do homem contra a
mesmos conflitos, ao apresentar o mundo das homogeneização do pensamento, contra a
mercadorias como solução para as insatisfações pasteurização da vida, contra a bovinização do
6
pessoais por ela produzidas.” Ainda segundo homem colocado num funil que escorre em direção
Perrotti: “aquilo que se apresenta como fórmula a determinadas lanchonetes de grife internacional,
apaziguadora da vida dos homens (na sociedade de como se ali se vendesse a felicidade.
consumo), na verdade coloca esses homens
sozinhos diante de seu desespero, sem saídas que E quando falamos em arte, nos estamos referindo
possam ser vislumbradas – a consequência é a ao que Adorno chama de “princípio da causa”, em
redução da pessoa à impotência.”7 Ou ainda: “se o seu célebre ensaio “A indústria cultural”.9 A arte aí é
acesso à mercadoria não é capaz de solucionar os um produto feito por uma causa, dentro de um
conflitos, mas, ao contrário, gera-os e dissimula-os, projeto estético do autor e é autogratificante. Esse
outras medidas instituídas pela sociedade afluente autor tem algo a dizer, por isso sua obra demanda
são igualmente incapazes de responder tempo de maturação para ser realizada. Tal produto
satisfatoriamente aos problemas causados pelos vem problematizar algum aspecto do mundo, em
desencontros promovidos pelo modelo social especial a linguagem, daí seu inconformismo que
adotado, ainda que tentem parecer como mais leva à desterritorialização: ou seja, tira o eixo de
humanas”, concluindo o pesquisador que a certezas de nossas vidas.
sociedade de consumo é um mundo “onde a
mercadoria é o elo de ligação entre os homens, a Dentro desta perspectiva, arte que mereça este
relação entre as coisas substituindo as relações nome contraria a expectativa do público. Não nos
sociais.”8 Sendo assim, por que nos espantamos inunda com produtos massificados e digeríveis,
quando um garoto mata outro para roubar-lhe um apresentando uma proposta revolucionária dos
par de tênis? valores instituídos. Não vai ao encontro de um
desejo ou de uma necessidade pré-existente. Como
Em decorrência destas questões, pelas quais diz Diogo Mainardi: “a verdadeira literatura não
passamos rapidamente, é de urgência dramática provoca identificação, mas estranheza. Não pode
que reavaliemos nossa postura em sala de aula. De confirmar o que o leitor já sabe. Não pode dignificar
novo: estamos educando com efetividade ou 10
o seu cotidiano. Deve contestá-lo.” Por isto, é
apenas repassando conteúdos cujo resultado é a sempre exceção marcante e balança os valores
alienação do aluno diante de si mesmo, de seu cristalizados na mente dos homens.
corpo, diante do outro, do corpo do outro? Educar
não visa criar mão de obra para o mercado. Educar Na insatisfação com o já estabelecido, a arte é uma
deve ter como mola propulsora modelar pessoas
linguagem que resiste a ser simples comunicação e
inquietas, capazes de subverter todos os valores
expressão, exigindo de quem a vê/lê uma entrada
cristalizados em sociedade, para que seja verdade o em seus labirintos para reelaborá-la em nome de
que Niemeyer escreveu: “a virtude da esperança se um significado que não está dado. Assim, nas
justifica, porque um amanhã melhor segue a própria palavras de Irene Machado: “o objeto artístico não
mão da História.” E, sem dúvida, trabalhar a língua,
se encontra nem no psiquismo de seu autor, nem na

fragilidade dos laços humanos.Rio de Janeiro: Zahar,


9
2004. ADORNO, Theodor W. Indústria cultural. In: COHN,
6
PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. Gabriel. Theodor W. Adorno. Sociologia. São Paulo: Ática,
São Paulo: Ícone, 1986, p. 95. 1986.
7 10
Idem, p. 99. MAINARDI, Diogo. Veja, 13.10. 1993. Nota de arquivo.
8
Idem, p. 151. Sem referência bibliográfica.

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obra que realiza. Existe uma rede de interações de enternecimento sobre nós mesmos, sobre a
13
entre criador e receptor que tampouco pode ser banalidade do que pensamos e sentimos”.
ignorada. Por isso, a tarefa que se impôs à poética
sociológica foi a compreensão desta forma Seguindo modismos, os produtos do efeito
11
particular de comunicação social.” provocam a tendência à resignação e submissão ao
mercado, atingindo o gosto médio da massa
A obra de arte é por excelência dialógica: remete a encarneirada. São produtos de mero divertimento,
outra que remete a outra e quem dela desfruta consumo rápido e toldam a reflexão.
precisa entrar nesta intrincada rede sem centro para
lograr alcançar seus mananciais e assim captar o Nestes tempos de cultura light e fast food, há
que o autor está expondo, interagir com suas necessidade de radicalismo e este prospera na
provocações. consciência de que sabemos que existimos, sem
qualquer temor e com a coragem, sempre, de que
Dentro da tradição humanística, a arte tem ligações não nos intimidamos frente às revelações dos perfis
com a formação, no sentido mais amplo do termo. do mundo. E é aqui que a arte tem como nos dar
E formação como a entende Jorge Larrossa: “a amparo.
formação não é outra coisa senão o resultado de
um determinado tipo de relação com um Falando mais especificamente da literatura que é o
determinado tipo de palavra: uma relação nosso campo, vale lembrar o que diz Silviano
constituinte, configuradora, aquela em que a palavra Santiago: “o texto poético é subjetivo. Faz aflorar
tem o poder de formar e transformar a sensibilidade uma espécie de sensibilidade, que pode ser
e o caráter do leitor” e neste sentido, “as perversa, de aversão ao mundo, de autocrítica, mas
humanidades, as letras” constituem “o núcleo do são emoções fortes, porque humanas”. Ao ler,
12
ensino” . A arte educa no instante em que exige “somos vários eus e tendemos a mascarar alguns
FRUIÇÃO: quando a absorvemos, aprendemos conforme se lê, paixões e sentimentos que estão na
linguagens que nos levam também a produzir nosso gente são reacendidos. Isto é muito prazeroso”.14
próprio discurso. Aversão ao mundo, que leva à busca de outros
ângulos para se entender este mesmo mundo.
Nada disto se faz presente nos produtos elaborados Autocrítica que nos obriga a uma outra posição
para um efeito, que podem ser englobados sob o diante do que vemos e somos. Prazer, que é o
nome de indústria cultural. O efeito que se procura é corolário de quem passa pelas grandes obras e não
o lucro imediato. Nada aqui é autogratificante, se contenta com as sopas de isopor dadas em
porque a necessidade que norteia a indústria receitas prontas pelos volumes de auto-ajuda.
cultural é confirmar o gosto já moldado do público, Afinal, literatura é este “trapacear com a língua,
indo ao encontro da expectativa e do desejo das trapacear a língua. Essa trapaça salutar, essa
multidões ensurdecidas pelos barulhos esquiva, este logro magnífico que permite ouvir a
retumbantes. Esta indústria trabalha com o que o língua fora do poder, no esplendor de uma
público quer, e exemplos disto são o best-seller, as revolução permanente da linguagem”, como pensa
novelas, o chamado neo-sertanejo. Tudo produzido Barthes15.
para envelhecer logo, porque é tecido a partir de
marcas da moda, que logo será substituída por Aqui cabe a pergunta: quando adotamos um livro
outra. Tais produtos seguem o caminho do para nossos alunos, estamos preocupados com
conformismo, do clichê, do estereótipo, caindo aquela produção estética que merece ser
naquilo que Milan Kundera assim define: tudo isto classificada como arte? Ou estamos apenas
vem da “atitude daquele que quer agradar a adotando livrinhos facilitados, de linguagem
qualquer preço e ao maior número possível. Para transparente, que nenhum desafio propõem ao
agradar, é preciso confirmar aquilo que todo mundo leitor? Em suma, estamos trabalhando com a arte
quer ouvir, estar a serviço das idéias recebidas. É a literária ou apenas com produtos da indústria
tradução da tolice de idéias recebidas na linguagem cultural, em especial com esta famigerada literatura
da beleza e da emoção. Isto nos arranca lágrimas “infanto-juvenil” que, em sua esmagadora maioria,
não passa de produtos rarefeitos, de deglutição
rápida, fabricados com fórmulas prontas para

13
KUNDERA, Milan. A arte do romance. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1988, p. 144.
11 14
MACHADO, Irene. O romance e a voz: a prosaica de SANTIAGO, Silviano. IN: VARELLA, Flávia; IWASSO,
Mikhail Bakhtin. Rio de Janeiro: Imago, São Paulo: Simone. Em vez de remédio, um bom livro. O Estado de
FAPESP, 1995. p. 134. S. Paulo. Viver. 9 out. 2005, p. A 28.
12 15
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978, p.
e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 46. 12.

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agradar crianças e jovens e sem nenhuma outra utilitarismo. Vivemos com pressa e adoramos a
proposta que não seja a de serem consumidos na tecnologia que nos facilita tudo, porque tudo fica
hora, sem deixar nenhuma marca de experiência pronto logo e o imediatismo é um valor que coroa
nova no leitor-mirim? nossos poucos esforços no cotidiano. A promessa
do Iluminismo de esclarecimento e emancipação do
É necessário aqui trazermos para reflexão outro homem e, em especial, sua autonomia do
posicionamento de Adorno: “A idéia de que o mundo pensamento, parece estar esfumaçada pela
quer ser enganado tornou-se mais verdadeira do parafernália tecnológica que toma conta de nossas
que, sem dúvida, jamais pretendeu ser. Não casas e muitas vezes também de nossas salas de
somente os homens caem no logro, como se diz, aula, empanando a consciência, enganando-nos
desde que isso lhes dê uma satisfação por mais com sua eficácia de curto prazo. Pesquisar, pensar,
fugaz que seja, como também desejam essa ir além do conhecido, arriscar um passo fora das
impostura que eles próprios entrevêem; esforçam- fronteiras do caminho já trilhado por todos parecem
se por fecharem os olhos e aprovam, numa espécie atitudes que não nos desafiam mais. Queremos o
de autodesprezo, aquilo que lhes ocorre e do qual corpo daquela atriz ou daquele desportista.
sabem por que é fabricado. Sem o confessar, Queremos a eterna juventude vendida pela indústria
pressentem que suas vidas se lhes tornam dos cosméticos e com isso tornamo-nos eternos
insuportáveis tão logo não mais se agarrem a adolescentes, infantilizados numa vida rasa e sem
16 qualquer proposta senão chafurdar nos atraentes
satisfações que, na realidade, não o são” .
produtos que a todo momento toldam nossa visão
Para frisar bem: os livros com que trabalhamos na para tudo que não seja a satisfação imediata de
escola são uma maneira de lograrmos os alunos, desejos e ânsias geralmente criados pela
publicidade. Assim, estamos regredindo, estamos
fingindo que eles estão efetivamente aprendendo a
adentrando mais e mais num mundo bárbaro, em
prática da leitura? Ou são obras que quebram todos
os parâmetros, levam à reflexão, oferecem outra que o outro é apenas um espectador de nossas
experiência de vida, ampliam seus horizontes, maravilhosas conquistas materiais e físicas e não
mais um interlocutor, um companheiro de causas
abrem espaço para a discordância (como tão bem
pelas quais lutar pelo que até ontem valia a vida.
fez Monteiro Lobato), inserem na visão do aluno
uma visão inconformada com a realidade, provocam Esta barbárie também não estaria adentrando o
nele fagulhas de rebeldia, de contestação do poder mundo educacional?
estabelecido, das normas vigentes na sociedade,
dos paradigmas instituídos como normais/universais Queremos crer que sim. Vemos que a educação
quando são apenas frutos de uma visão está privilegiando a razão instrumental, ou seja:
masculina/branca/cristã/americana/européia da vida educamos para o vestibular, educamos para o
e do ser humano? O livro que lemos com eles é um mercado de trabalho, educamos para um dia nosso
livro perturbador, que propõe outro ordenamento da aluno fazer sucesso em qualquer campo
linguagem, do mundo, das relações, das profissional. Não temos mais como meta a razão
afetividades, como Alice no país das maravilhas? E libertária, a humanidade, a criatividade, a intuição, a
os livros que nós, professores, lemos? Como podem sensibilidade, o domínio da língua que levaria nosso
ser classificados? Verdadeira, consistente, aluno a superar os limites impostos pelo sistema de
arrebatadora literatura capaz de nos tirar do eixo classes, ultrapassar as cercanias da exploração e
confortável em que dormitamos no dia-a-dia, com a conquistar seus espaços de homem livre,
consciência de que nada mais é possível fazer pela emancipado, crítico, capaz de se pôr no mundo de
educação porque “os alunos não querem saber de forma diversa daquela que nós temos como
nada”? Ou estamos degustando os livros da moda, acertada.
os livros que caem em nossas mãos com a força da
propaganda, são consumidos e nenhum rastro Temos uma educação administrada, o que significa
deixam em nossa vida, nossa visão, nosso corpo, que ela está sob os mais diferentes tipos de
nossa sensibilidade? Um verdadeiro livro (uma obra controle: controle dos alunos, dos professores, do
de arte) deve nos deixar muito diferentes daquilo currículo, dos níveis de ensino, do regime
17
que éramos quando o começamos a ler. Isto está de disciplinar. Educar, para nós, significa enquadrar o
fato acontecendo? aluno dentro de uma caixa pré-existente e, se ele
não cabe aí, é podado de todas as maneiras para
Vivemos uma época de barbárie e ultrajes à razão. se encaixar de qualquer jeito. Não queremos a
A vida não tem mais valor. A única medida que pesa rebeldia. E a função da literatura/leitura na escola é
para a sociedade é o dinheiro. A cultura humanística essencialmente a rebeldia, o desconforto com tudo
perde mais e mais espaço para os tecnicismos da
17
vida moderna que são conduzidos por um brutal PALANCA, Nelson. Educação moderna, indústria
cultura & barbárie. IN: VAIDERGORN, José; BERTONI,
Luci M. Indústria cultural e educação. Araraquara: JM
16
ADORNO, op. cit. p. 101. Editores, 2003. p.137.

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o que está cimentado e dado como neste estágio, o livro para crianças e jovens é o
20
certo/normal/esperado. Ler é se reconhecer um veículo mais presente a favor deste desastre .
produtor de sentidos, e quem produz sentidos,
produz discurso, e quem produz discurso, produz Em vista disto, a produção literária será utilizada
visão de mundo, e quem produz visão de mundo, como recurso para o ensino de gramática e da
produz sua própria liberdade. Queremos alunos língua em geral. Assim, principalmente a partir dos
livres? Estamos trabalhando para isto? A literatura anos 70 do século passado, expande-se a produção
com que abastecemos o aluno tem este propósito, desta literatura, recheada de lugares-comuns
guarda nas entrelinhas minas de explosão para a estéticos e ideológicos21, reforçando aquela função
mente do aluno reverter seus valores e encontrar de adaptar crianças e jovens a um modelo de vida
um mirante sobre o mundo diverso de tudo o que que raramente eles têm como contestar. O mercado
costumava modelá-lo em seu cotidiano encharcado do livro infantil se fundamenta exatamente no apoio
pelos valores dos meios de comunicação? que a ele dá a escola, já que usa este livro como
22
auxiliar didático do professor . Quer dizer, a
Um valor fundamental para entender os limites da literatura tem seu papel amplamente deturpado e
educação atual é o conceito de semiformação, daquele prazer autogratificante, ela se torna uma
criado por Adorno em contraposição à formação. matéria a mais do currículo e, como tal, apresenta-
Diz ele: “o entendido e experimentado se como peça morta, apartada da vida do aluno,
medianamente – semi-entendido e semi- sem conseguir realizar nestes as transformações
experimentado – não constitui o grau elementar da que o contato com a arte sempre alcança. Caímos
formação, e sim seu inimigo mortal. Elementos que no que Adorno chama na ditadura da mesmice
penetram na consciência sem fundir-se em sua produzida pela tecnologia fetichizada e mantida pelo
continuidade, transformam-se em substâncias poder absoluto do capital. É a indústria cultural. Por
tóxicas e, tendencialmente, em superstições, até meio da manipulação ideológica, as pessoas (os
mesmo quando as criticam, da mesma maneira alunos) são levadas a consumir aquilo que julgam
como aquele mestre toneleiro que, em seu desejo necessitar e, ao fazerem isso, percebem que a
de algo mais elevado, se dedicou à ‘crítica da razão satisfação prometida não se realiza e são levadas a
pura’ e acabou na astrologia.”18 consumir mais ainda, na desesperada busca de
cobrir os buracos existenciais em que caíram em
Neste contexto, a educação como mediadora entre nome da miragem da sociedade consumidora a
23
o mundo privado da família e o mundo aberto do prometer felicidades . E vemos, neste processo,
adulto, contribui para o processo que subverte a como a semiformação se alastra, junto com a
formação dos indivíduos transformando-a em degeneração da cultura. Vivemos sob uma ideologia
semiformação. É esta semiformação que nos ajuda comercial, pseudodemocrática, proporcionando a
a entender como um país tão culto como a ilusão de que o aumento do nível de vida,
Alemanha desembocou na barbárie do nazismo de alavancado pelo progresso técnico, permite a todos
Hitler.19 E nós, com a educação nos trilhos em que o acesso à cultura. E claro que isto não é cultura.
está, vamos desembocar onde? São elementos mal assimilados que nenhuma
ligação têm com a experiência formativa. A
confusão e a cegueira produzidas pela
E aqui entramos de corpo inteiro no campo que
semiformação limitam a mente e obscurecem o
mais nos interessa de perto, por ser o campo em
que atuamos: a literatura e, mais particularmente, a conteúdo vivificante e transformador da cultura. O
literatura infanto-juvenil. Este gênero, com indivíduo semicultivado é destituído de experiência,
do contato com o diálogo entre as linguagens,
longínquas raízes nos contos de fadas, foi reduzido
vivendo do efêmero e para o efêmero24.
a um objeto pedagógico cujo objetivo é muito claro:
domesticar crianças e jovens aos padrões sociais.
Como a formação cultural e a humanística no Se isto não bastasse, a escola é tomada pela lógica
sentido mais amplo entrou em falência, a escola do mercado e assume o aspecto de uma
exerce a função de mediadora antes do processo de organização empresarial, apresentando a educação
formação e, agora, do processo de semiformação. E como uma mercadoria a ser comercializada25. O
que está entranhado neste cenário é a ideologia

20
BARCELLOS, Carine. Teoria crítica e educação: um
estudo sobre o papel da literatura infantil como mediadora
18
ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. IN: no processo de semiformação. IN: VAIDERGORN, J.;
Educação & sociedade: revista quadrimestral de ciência BERTONI, L.M. Op. Cit. p. 193.
21
da educação. Ano XVII, n. 56, Campinas: Editora. CADEMARTORI, L. op. cit., p. 18.
22
Papirus, dez./1996, p. 402-403. Cf. BARCELLOS, Carine. Op. Cit., p.198.
19 23
PALANCA, Nelson. Educação moderna, indústria BARCELLOS, Carine. Op. Cit., p. 199.
24
cultural & barbárie. IN: VAIDERGORN, José; BERTONI, Idem, p. 202.
25
Luci Mara (orgs.). Op. Cit. p 143.. BARCELLOS, C. Op. cit., p. 207.

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neoliberal que insiste na preparação dos indivíduos a cultura através dos tempos, sempre contribuiu
para o mercado de trabalho e para a esfera do para domar não apenas os instintos bárbaros dos
consumo. O valor estético da literatura como indivíduos, mas sobretudo os revolucionários.”
reflexão sobre as experiências humanas se dilui, o Assim, “a cultura industrializada” vai além destes
livro perde a consistência que poderia ter e o grande objetivos: “ela exercita o indivíduo no preenchimento
papel da escola que é essencialmente criar leitores, das condições sob as quais ele está autorizado a
fica relegado, esquecido, deturpado. Não por acaso levar a vida inexorável que leva.” Por isto, “ao serem
nossos garotos saem da escola semi-analfabetos, continuamente reproduzidas, as situações trágicas,
detestando ler, sem nenhum preparo para o nível que atingem” os cidadãos em seu cotidiano,
intelectual que a literatura exige, com o resultado “acabam mostrando a todos que, não obstante a
que conhecemos: legiões de jovens perdidos por barbárie e os sofrimentos, é possível continuar a
este país, sem amanhã, sem noção de si mesmos, viver.” Aí está a questão central da indústria cultural:
embrutecidos também na linguagem, quando esta conformar, tornar natural o sofrimento, alienar de tal
deveria ser o grande canal de libertação, entregues maneira as mentes que aceitam como coisas da
à violência como uma forma de dar sentido ao não- vida a constante aspereza, para dizer menos, com
sentido da vida, contaminados por toda sorte de que se defrontam no dia-a-dia. Ou, continuando
superstições e preconceitos, atrelados a gangues com Pucci: “basta se dar conta de sua própria
que tentam lhes restituir o perfil social de indivíduo nulidade, subscrever a derrota – e já estamos
com indivíduo que foi dinamitado por todo este integrados.” Quem lê os grandes autores, dispensa
processo escolar que os dilacerou. Arte e o falsário que vem embutido na literatura de auto-
mercadoria. Com qual delas estamos trabalhando? ajuda, e percebe como, no capitalismo, cada um
É possível reverter o quadro? Acreditamos que sim, tem de “se amoldar àquilo que o sistema,”
desde que se crie no leitor-mirim um laço existencial triturando-o, força a ser. “Todos podem ser como a
com o texto, que este entre em seu horizonte como sociedade, todo-poderosa, desde que se entreguem
27
algo palpitante de vida e capaz de recriar e ampliar a ela de corpo e alma e renunciem a si mesmos.”
os estreitos limites de seu cotidiano em que ele, o Em suma, ensinar a ler e mergulhar no melhor que
leitor-mirim, foi sufocado pelo papel de mero a humanidade tem produzido no campo das letras
consumidor. O sentido da vida está em ser produtor. ilumina o homem no sentido de ele recusar-se a
Produtor de significados, produtor de sentidos, esta integração, à nulidade, à entrega de si às
produtor de uma poética do existir voltada para a engrenagens que o trituram e não permitem a este
transformação do indivíduo e não para o seu mesmo homem construir seu caminho de
atrelamento bovino numa estrutura de escravidão a autodeterminação, liberdade, criação e
que as corporações comerciais querem nos reduzir. solidariedade de saber-se junto ao outro, nos trilhos
de Bakhtin: “se eu mesmo sou um ser acabado e se
E gostaríamos de trazer à reflexão as palavras de o acontecimento é algo acabado, não posso nem
Paulo Freire: “Reconheço a realidade. Reconheço viver nem agir: para viver, devo estar inacabado,
os obstáculos, mas me recuso a acomodar-me em aberto para mim mesmo – pelo menos no que
silêncio e simplesmente tornar-me o eco macio, constitui o essencial da minha vida -, devo ser para
26 mim mesmo um valor ainda por-vir, devo não
envergonhado ou cínico, do discurso dominante.”
coincidir com a minha própria atualidade.” Ou seja:
Além de todas as dificuldades que enfrentamos no somos seres do devir: sempre nos construindo,
cotidiano escolar, precisamos nos armar de muita sempre dando um passo a mais, sempre colocando
coragem, dose cavalar de boa vontade, manto um tijolo em nossa parede. E a grande argamassa
para este trabalho vem da literatura e das artes em
maciço e claro de ideologia, conhecimentos amplos
que nos permitam orientar o aluno em seus geral. A indústria cultural nega-se a isto. Entrega
primeiros passos pelos labirintos da aprendizagem tudo pronto. É só engolir. Não por acaso vivemos
feito robôs nesta sociedade administrada, um
da leitura, ousadia para tentar procedimentos
pedagógicos que fujam do padrão e uma conceito adorniano: “uma sociedade na qual, sob a
sensibilidade extrema para distinguir o joio do trigo: égide da indústria cultural, a consciência dos
a produção que mereça de verdade o estatuto de indivíduos foi tão distorcida, que o pensar crítico
quase desapareceu.”28
arte e os produtos meramente comerciais que nos
congestionam com o sucesso fácil, com apelos de
consumo, com promessas de plenitude que jamais O antídoto para esta tragédia? Uma educação
brotarão de rol de falcatruas que tem como objetivo realmente comprometida com humanismo, tendo a
apenas acumular dinheiro na mão de espertalhões literatura como centro. A escola não é lugar de criar
travestidos de artistas. Lembrando sempre o que mão-de-obra barata para o mercado, como já
escreveu Bruno Pucci: “para Adorno e Horkheimer, frisamos. É nela que se forja o Humano. E Humano

27
PUCCI, Bruno. Indústria cultural e educação. IN:
26
FREIRE, Paulo. Á sombra desta mangueira. São Paulo: VAIDERGORN, J.; BERTONI, L. M. Op. cit., p.22-23.
28
Olho d’Água, 1995. p. 43. PUCCI, B. op. cit., p. 147.

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é quem pauta seu viver na criatividade, na intuição,
na sensibilidade, na crítica às nuances que cercam DA “CULTURA DEL MIEDO”
o seu campo vivencial e sabe que no vir-a-ser da
vida, “nossa individualidade não teria existência se o
29
À “ARGENTINIDAD AL
outro não a criasse.”
PALO”: A OBRA A
BIBLIOGRAFIA
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FREIRE, Paulo. Á sombra desta mangueira. São Segundo Ana Maria Toscano (2003), pode-se dizer
Paulo: Editora Olho d’Água, 1995. que a Argentina dos anos 70 se iniciou antes, com a
KUNDERA, Milan. A arte do romance. Rio de crise política das décadas de 50 e 60, tendo mais
Janeiro: Nova Fronteira, 1988. tarde resultado no golpe militar (1976) que derruba
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, o segundo governo peronista (1973-76) e culmina
piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, com a Guerra das Malvinas em 1982. Toscano
1999. ainda acrescenta, refletindo o pensamento do crítico
LOUREIRO, Robson; FONTE, Sandra Soares della. Claudio Maíz (2003), que o segmento temporal de
Indústria cultural e educação em “tempos pós- 70 é, talvez, a década mais extensa da história
modernos”. Campinas: Papirus, 2003. argentina “e a mais homogeneamente sujeita a um
MACHADO, Irene. O romance e a voz: a prosaica único intérprete: o intérprete peronista”. Esta
dialógica de Mikhail Bakhtin. Rio de Janeiro: Imago, realidade política impôs uma espécie de
São Paulo: FAPESP, 1995. congelamento que se apoderou de várias maneiras
PERROTTI, Edmir. O texto sedutor na literatura da vida literária do país, impulsionando muitos
infantil. São Paulo: Ícone, 1986. intelectuais e artistas para o exílio, como o poeta
SOUZA, Solange Jobim e.(org.). Subjetividade em Juan Gelman (1930), Luiza Valenzuela (1938),
questão: a infância como crítica da cultura. Rio de Antonio di Benedetto (1922-86), entre outras figuras
Janeiro: 7Letras, 2000. importantes. Estes foram tristes anos onde a
VAIDERGORN, José; BERTONI, Luci M. Indústria mesma escrita que servia para os intelectuais e
cultural e educação: ensaios, pesquisa, formação. artistas “sobreviverem simbolicamente” a esta
Araraquara: JM Editora, 2003. realidade, tornava-se delatora de suas posições;
VARELLA, Flávia; IWASSO, Simone. Em vez de muitos escritores foram exilados, e os que não
remédio, um bom livro. O Estado de S. Paulo. conseguiram escapar eram condenados a torturas e
Viver. 9 out. 2005, p. A 28. à morte. O drama dos escritores é enfatizado neste
depoimento:

A título de exemplo, Gelman foge para Roma e,


29
SOUZA, Solange Jobim e. A estética e a psicologia. IN: mais tarde, radica-se no México onde ainda vive
SOUZA, Solange Jobim e. Subjetividade em questão: a atualmente; em 2000 é lhe atribuído o Prêmio Juan
infância como crítica da cultura. Rio de Janeiro: 7Letras, Rulfo, o mais importante da língua espanhola depois
2000. p.19.

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do prêmio Cervantes. A sua poesia ajudou-o a de um “Poder” que expõe os filhos de sua pátria, de
suportar as feridas da vida. Mataram-lhe o filho e a uma forma despreparada, ao mais cruel massacre,
nora e, quanto à sua neta nascida em cativeiro, em que o número de suicídios dos soldados, após a
depois de longos anos de busca consegue guerra, que participaram do conflito, se compara ao
encontrá-la já com 24 anos de idade. (TOSCANO, número de soldados mortos no campo de batalha.
2003, p.2).
Nesta perspectiva, profundamente dolorosa para a
Muitos outros artistas e intelectuais foram presos, Argentina, o país passa por uma transição com
mortos em cativeiros, baleados nas ruas de Buenos crises financeiras e grandes mudanças no
Aires, como foi o caso de Haroldo Conti (1925), que panorama econômico-político. E dentro deste
ainda se encontra desaparecido, e Rodolfo Walsh conflituoso contexto, a representação artística e
(1927-1977). Mais tarde, em uma entrevista à intelectual busca se reconstruir, por meio da
Ricardo Piglia, José Pablo Feinmann declara: memória, tentando redefinir a identidade da cultura
“angustia-me que nos tenham feito perder tanto argentina e da própria nação. A temática mais
tempo. Angustia-me que grande parte da minha abordada torna-se a questão do imigrante, como
geração tenha tido de fugir e que outros tenham uma forma de análise retrospectiva, uma espécie de
morrido ou desaparecido. É um preço demasiado evocação catártica do passado para entender as
alto para uma geração”. (1982, p.02). raízes do presente, como é pensado no romance
Santo oficio de la memoria (1985), de Mempo
Década de 80: período de transição Giardirelli. Neste contexto, também, percebemos a
evolução da literatura escrita por mulheres, em
A ditadura na Argentina é considerada uma das particular o romance. Entre outras, destacaram-se
mais macabras ditaduras da América Latina. Por Marta Traba e Luiza Valenzuela que pensam, a
partir da problemática da Ditadura, a atitude das
isso, terminado este momento de massacre e
opressão, “cultura del miedo”, muitos escritores mulheres em relação ao Estado, entre outros temas.
exilados retornam ao país e junto com outros que
ficaram, como no caso de Sabato, buscam retratar Geração de 90: “Argentinidad al palo”
esta angústia. A manifestação literária feminina
também é frutífera, pois escritoras como Marta Conforme Toscano (2003, p.4): “a década dos
Traba (1930-83), escreve a obra Conversación al noventa assinala o reencontro dos sobreviventes
Sur (1981), na qual seus personagens apresentam das diferentes gerações, numa coligação intelectual
os efeitos físicos e psicológicos da tortura, o vínculo de revisão de valores e textos, perante um
maternal com o filho, expressando afinidades enigmático começo do século XXI”. Neste momento,
íntimas entre as mulheres. busca-se redefinir a “argentinidade”, ou seja, uma
redefinição que não se limita ao engessamento de
No ano de 1982, Ernesto Sabato foi convocado pelo uma identidade, mas que a pensa no seu sentido
presidente Raul Alfonsín, e eleito unanimemente por plural e diverso. A “argentinidade”, na reflexão do
uma comissão, para presidir a CONADEP cientista social argentino Luis Fanlo é muito mais
(Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de complexa do que uma simples identidade estática,
Pessoas na Argentina), a qual apresentou em 1984 pois:
o saldo da repressão militar na Argentina: 30 mil
mortos, 340 campos de concentração, e um La argentinidad, entonces, no es como
incontável número de desaparecidos. Este informe una vestimenta que porta el cuerpo
está registrado em sua obra Nunca Más (1984), sino el cuerpo mismo de los argentinos
conhecida também como Informe Sabato. que puede revestirse, como
vestimenta, todo un sin fin de
O envolvimento de Sabato com o CONADEP, lhe “identidades”. De modo que la
rendeu muitas ameaças de morte e por muito tempo argentinidad no es una “identidad” sino
teve que permanecer em casa ou sair escoltado. una forma cuyo contenido adopta
Nas palavras de Toscano (2003, p.3): “estes anos identidades. (FANLO, 2009).
foram os anos da “cultura del miedo”, os mais
macabros da Argentina e ainda continuam em Nesta reflexão de Fanlo, em que a argentinidade se
aberto para muitos e dilacerando muitos outros”. refere a todo um “sem fim de identidades”, podemos
pensar melhor sobre o olhar crítico de Toscano
O período da Ditadura Militar Argentina, que (2003), quando ela considera que, mais
culminou com a Guerra das Malvinas (1982), além precisamente a partir dos anos 90, a Argentina e
de ser uma temática abordada por muitos poetas e sua produção literária passam por uma reavaliação
romancistas, também foi muito bem retratada no e revisão de valores e textos, em busca de uma
cinema, com o filme argentino Iluminados pelo fogo redefinição das várias faces que constituem o povo
(1996), em que mostra a arrogância e a insensatez e sua literatura. Para Cristián Montes (apud

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TOSCANO, 2003, p.7)), neste momento, o escritor la argentinidad al palo...
argentino “visualiza um modelo contra-utópico”, isto la argentinidad al palo...
é, “supõe igualmente colocar em dúvida todo um
processo cultural gestado nos próprios valores da (...)
modernidade”. Nesta perspectiva, este “reencontro
de sobreviventes”, permite a recuperação de outras Del éxtasis a la agonía
zonas de tradição literária, em que Jorge Luis oscila nuestro historial.
Borges está ausente: “a literatura sofreu nestes Podemos ser lo mejor, o también lo
anos o dilema de escrever sob o mandato da peor,
sombra de Borges, na qual há pudor, recato, onde con la misma facilidad.
não se exibem os sentimentos”. (TOSCANO, 2003,
p.5). Desta forma, este reaver literário trouxe à (Estribillo)
superfície destes últimos anos, romances tão ¡Al palo! ¡Al palo! ¡Al palo!
significativos como La asesina de Lady Di (2001) de
Alejandro López e, entre outros, Tomás Eloy Percebemos, a partir desta composição musical,
Martínez com seu romance El vuelo de la reina sobre a argentinidade, um exemplo de auto-
(2002), “que aborda os temas da Argentina atual, consciência e auto-crítica, em que a Argentina
depois da guerra suja e do machismo como uma passa neste momento, como uma atitude de se
continuidade do militarismo”. (idem). “reconhecer”; tanto no sentido humano existencial,
quanto no estético. Os autores, principalmente,
Percebemos, então, por meio da crítica que a parecem estar provando todas as encarnações
Argentina como um todo, no seu aspecto político, possíveis, assim como fez Gombrowicz (1953), ao
econômico, cultural, etc., passa por um processo de escrever seus diários, onde o escritor “al tiempo que
“reinvenção”, desamordaçando intelectuais e ataca continuamente a todos y a todo, es como si
artistas que, neste momento, começam a solo combatiendo a los demás le fuera posible
questionar, além do contexto argentino, o próprio conseguir una forma definida”. (ZABOKLICKA, apud
estado e o rumo literário. Pensando sobre os GOMBROWICZ, 1998, p. 11). Neste sentido, estes
contornos complexos, variáveis e caóticos que ataques não se limitam a meros desafetos, por isso
delineiam o sujeito argentino e como este é esta observação de Zaboklicka, em relação ao
representado e explorado esteticamente, sem poeta polonês que conheceu e vivenciou
cristalizar emblemáticos estereótipos, como nos profundamente o contexto argentino de sua época,
coloca Sabato, algum tempo antes, em sua obra A se torna atual para também pensarmos melhor
Cultura na encruzilhada nacional: “se necesitarán sobre a postura dos intelectuais e artistas destes
muchas novelas y muchos escritores para dar un últimos anos, perante este “sem fim de identidades”,
cuadro completo y profundo de esta realidad que constitui o povo argentino e suas crises. Pois,
enmarañada y contradictoria”. (1982, p. 31). na medida que atacam e combatem,
apaixonadamente, os estereótipos nacionais, que
Esta observação de Sabato nos possibilita contribuem para a supressão da individualidade,
compreender um pouco mais profundamente esta melhor se repensam, se redefinem e se reinventam.
busca da Literatura em querer abordar, num sentido
diverso, as várias vozes e faces argentinas, como Neste processo de auto-conhecimento e auto-
uma forma de se redefinir e se reinventar dentro de crítica, entre ataques e combates, é que se gera a
uma cultura híbrida, uma “mistura de alta última obra de Sabato no século XX, escrita em
combustão”, como é definida esta “argentinidade” forma de memórias, dentro do gênero
neste fragmento da música La Argentinidad al palo autobiográfico, Antes del fin (1999), que narra a
do conjunto musical argentino Bersuit Vergarabat: retrospectiva existencial de um escritor com quase
um século de vida. Nesta obra, Sabato não se limita
Gigantes como el Obelisco, apenas em explicitar momentos de sua vida, mas,
campeones de fútbol, entre recordações e esquecimentos, já inicia a
boxeo y hockey. engendrar as alternativas, opções e caminhos para
Locatti, Barreda, que o ser humano possa resistir cotidianamente
Monzón y Cordera diante da desumanização e da perda de valores que
también, matan por amor. constituem a vida:
Tanos, gallegos, judíos,
criollos, polacos, indios, negros, Yo reafirmo a diario mi confianza en
cabecitas... pero con pedigree francés ustedes. Son muchos los que en medio
somos de un lugar de la tempestad continúan luchando,
santo y profano a la vez, ofreciendo su tiempo y hasta su propia
mixtura de alta combustión vida por el otro. En las calles, en las
cárceles, en las villas miseria, en los

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hospitales. Mostrándonos que, en estos refletir sobre a crise argentina após diversas
tiempos de triunfalismos falsos, la ditaduras e a guerra das Malvinas:
verdadera resistencia es la que
combate por valores que se consideran Los viejos amores que no están,
perdidos. (SABATO, 1999, p. 167). la ilusión de los que perdieron,
todas las promesas que se van,
Ao nos depararmos com este fragmento, y los que en cualquier guerra cayeron.
percebemos a agudeza de um espírito Todo está guardado en la memoria,
continuamente inconformado, e esta atitude de estar sueño de la vida y de la historia.
em permanente tensão com a realidade, buscando El engaño y la complicidad
alternativas e possibilidades de “estancar” muitos de los genocidas que están sueltos,
jorros insensatos que percorrem na vida humana, se el indulto y el punto final
tornará mais explícita em sua obra A Resistência. a las bestias de aquel infierno.
(2000). Todo está guardado en la memoria,
sueño de la vida y de la historia.
Século XXI: novo século com velhos problemas La memoria despierta para herir
a los pueblos dormidos
Na reflexão de Toscano (2003, p.8), a Argentina que no la dejan vivir
entra no século XXI com um certo pesadelo, se libre como el viento.
tornando muito difícil encontrar explicações para Los desaparecidos que se buscan
con el color de sus nacimientos,
esta situação incômoda. Ao se tratar da crise que
assolou o país, percebe-se que é resultado de um el hambre y la abundancia que se
“longo processo de decadência” que se tentou juntan,
el mal trato con su mal recuerdo.
reverter da pior forma na década de 90: “a
economia, a pobreza, a miséria, o desemprego e a Todo está clavado en la memoria,
emigração alcançaram níveis tais que tornam espina de la vida y de la historia.
impossível uma recuperação rápida, a médio prazo”. Dos mil comerían por un año
con lo que cuesta un minuto militar
Neste sentido, no âmbito cultural, é possível
Cuántos dejarían de ser esclavos
perceber as marcas desta crise em romances como
Puras mentiras (2001), do escritor Juan Forn, ou no por el precio de una bomba al mar.
último de Rodolfo Fogwill, intitulado Urbana (2003), Todo está clavado en la memoria,
espina de la vida y de la historia.
que retrata a erupção da barbárie social. Até mesmo
La memoria pincha hasta sangrar,
o escritor-ensaísta Juan José Sebrelli, na sua obra
Crítica de las ideas políticas argentinas (2003), a los pueblos que la amarran
“aspira a explicar o colapso em que vive hoje a y no la dejan andar
Argentina”. libre como el viento.

Ao analisarmos o contexto histórico-social e cultural A obra A Resistência de Sabato


deste novo século, evidenciamos a importância de
termos percorrido, mesmo que brevemente, a A partir desta reflexão poética sobre a memória,
trajetória intelectual e artística de Ernesto Sabato voltada ao contexto argentino, constatamos a
dentro do extenso e complexo século XX bem como relevância de se conhecer o passado como uma
a própria trajetória cultural da Argentina, maneira do ser humano edificar o seu conhecimento
principalmente se considerarmos este contínuo existencial, tornando-o capaz de recriar a si mesmo
conflito do escritor com a sua própria realidade e a sua própria realidade. Pensando nesta
existencial, e os diversos contextos nos quais suas possibilidade de transformação, que constitui a vida
obras foram sendo engendradas. Conforme Said humana, é que Sabato engendra a sua obra A
(2006), na sua obra Cultura e Resistência, a Resistência (2000). Neste sentido, não pretendemos
memória é uma forma de resistência, é uma analisá-la minuciosamente, mas destacarmos que
maneira do ser humano buscar o passado para esta obra escrita no início do século XXI, condensa
compreender o presente e criar perspectivas para o uma “confluência de textos” e temas, os quais
futuro. Assim, a memória, entre seus recordares e Sabato vem tratando há muito tempo em suas obras
esquecimentos, mantém viva a cultura e seu anteriores. Por isso, a pertinência de nosso
dinamismo, impedido que uma nação se torne frágil percurso, além dos diversos contextos culturais
e vulnerável; ela permite o conhecimento, a reflexão argentinos, por entre as obras de Sabato, pois, ao
e possibilita o discernimento para que os realizarmos esta trajetória, confirmamos a sua
verdadeiros valores humanos sejam resgatados, própria observação realizada na obra Uno y el
evitando que as atrocidades se repitam. Portanto, a universo (1945, p.20): “las obras sucesivas de um
memória se torna uma arma da história e da vida, escritor son como las ciudades que se construyen
como nos coloca o músico argentino Léon Gieco, ao sobre las ruinas de las anteriores”.

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Conseqüentemente, não estamos limitando a obra A leve e solto”, o qual acaba sendo incapaz de
Resistência a um mero resumo das obras anteriores sustentar a própria existência. Assim, Bauman
de Sabato. Mas, a partir de leituras aprofundadas, aponta as principais características da modernidade
constatando que muitos dos assuntos que ele líquida: desapego, provisoriedade e acelerado
aborda nesta, já foram engendrados em outras processo de individualização; um tempo de
produções, tanto ensaísticas quanto literárias. Neste liberdade e insegurança. As instituições sociais
aspecto, como a nossa intenção, no momento, não perdem a solidez e se liquificam. Neste contexto, o
é esmiuçar detalhadamente todas as correlações relacionamento humano (eu-outro) é mercantilizado
existentes, nos deteremos a citar alguns exemplos e os frágeis laços, até mesmo afetivos, podem ser
como: a sua crítica em relação à tecnologia e o desfeitos perante qualquer desagrado de ambas as
cientificismo exacerbado, questões que ele já vem partes.
explorando desde Uno y el Universo e explicita com
mais intensidade em Hombres y Engranajes. Outro Mas essa sensação de leveza e descompromisso,
exemplo claro, é o oscilar humano entre o Bem e o associada à liberdade individual, também carrega as
Mal, em que ele trata na terceira carta da obra A suas patologias que, segundo Bauman, são as
Resistência, e que é muito presente nos seus três mesmas manifestações sintomáticas de depressão,
romances: O túnel, Sobre heróis e tumbas e Abadon solidão, entre outras, pois, as relações humanas
o exterminador, concretizando a observação da estão sendo desnutridas de qualquer interação
estudiosa Silvia Sauter (2005, p.8): “su creación afetiva. Portanto, esta crise que assola não somente
habla por si misma; sin embargo, la incidencia entre a realidade argentina, mas quase toda a
la vida y obra es característica del artista visionário, humanidade, é que instigou Sabato a pensar,
quien como Sabato, la discierne en su ensayística y também, em estratégias e alternativas para que as
la vuelca en su ficción”. E esta reversão também pessoas possam resistir, diante desta “liquidez
pode ser observada da ficção para os ensaios, contemporânea”:
como acontece nesta carta em foco, onde Sabato
reflete que: “os seres humanos oscilam...entre a Os homens encontram nas próprias
santidade e o pecado, entre a carne e o espírito,
crises a força para a sua superação.
entre o Bem e o Mal”. (A Resistência, 2000, p. 62).
Assim o demonstraram tantos homens
Estas mesmas palavras estão nos lábios do seu e mulheres que, contando apenas com
atormentado personagem Fernando Vidal, no sua tenacidade e sua valentia, lutaram
capítulo Informe sobre Cegos, de Sobre heróis e e venceram as sangrentas tiranias de
tumbas (1961). Estes são apenas alguns exemplos nosso continente. Nessa tarefa, o
desta “confluência de textos” encontrada na obra A primordial é negar-nos a sufocar a vida
Resistência, sendo muitos dos temas já explorados que podemos dar à luz. Defender,
anteriormente, mas que nesta obra recebem um
como heroicamente fazem os povos
refinamento, sendo abordados com mais agudeza
ocupados, a tradição que nos revela
dentro deste contexto em crise do século XXI. quanto de sagrado há no homem. Não
deixarmos desperdiçar a graça dos
Dentro desta análise, percebemos Sabato como um pequenos momentos de liberdade de
intelectual e artista, investigador e conhecedor da que podemos desfrutar: uma mesa
condição humana, que se utiliza de sua experiência compartilhada com pessoas que
ensaística para glosar sobre os diversos temas e amamos, umas criaturas que
assuntos que se referem à condição do ser inserido ampararemos, uma caminhada entre
no mundo e seus conflitos históricos, existenciais, as árvores, a gratidão de um abraço.
espirituais e culturais. Bem como, incorpora este (...) não são atos racionais, mas isso
estilo dentro do gênero epistolar, o qual permite não importa: nós nos salvaremos pelos
uma maior intimidade com o leitor, tornando a obra afetos. (SABATO, A Resistência, 2008,
A Resistência “uma mensagem na garrafa em busca p. 91).
de interlocutores que ainda não se desumanizaram”.
(Molina, apud SABATO, 2008). Segundo Bauman (2001), este momento,
justamente, além de impossibilitar as interações
Nesta perspectiva, nossa intenção, aqui, não visa humanas e afetivas, também dificulta o exercício da
um maior aprofundamento do gênero escolhido por reflexão, tanto das ações individuais quanto
Sabato para compor esta obra, mas de pensar, coletivas, não há tempo a ser “perdido”. Nesta era,
quais os motivos que o levaram a escrevê-la no os seres humanos se transformaram em “coisas”,
início do século XXI, num momento em que vive-se demonstrando que a humanidade passa por um
esta “modernidade líquida”, analisada por Zygmunt processo de reificação, a partir da desumanização
Bauman (2001), em que tudo parece fluir e se dos indivíduos, como Sabato coloca em sua quinta
dissolver, e os tecidos, que formam a humanidade, carta: “O pior é a velocidade vertiginosa. Nessa
parecem estar “esgarçados”, tornando o ser “livre, vertigem, nada frutifica nem floresce. E o medo é

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próprio dela: o homem adquire um comportamento BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernidade.
de autômato, deixa de ser responsável, deixa de ser Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
livre e de reconhecer os outros”. (SABATO, A _____. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro:
Resistência, 2008, p. 85). Zahar, 2001.
CRISTALDO, J. Mensageiros das Fúrias.
Neste sentido, Sabato aponta o caminho da Florianópolis: UFSC, 1981.
serenidade como uma das saídas desta vertiginosa DELLEPIANE, A. El concepto de postmodernidad
contemporaneidade, pois sem conhecimento y la obra de Ernesto Sabato. Buenos Aires:
profundo não há reflexão, e sem interação humana, Corregidor, 2005.
afetiva e responsável, não há liberdade. Numa FANLO, L. ¿Qué es la argentinidad? In
modernidade em que tudo parece fluir e se http://luisgarciafanlo.blogspot.com/2009/11/que-es-
dissolver, um convite para resisti-la, humanamente, la-argentinidad-1.html Acessado em 03/01/2010
parece ser propício para “diminuir” esta carga GOMBROWICZ, W. Diário 1. Madri: Alianza, 1988.
insustentável, que é a leveza do ser. GONZÁLES, H Historia crítica de la literatura
argentina. Buenos Aires: Emecé, 2000..
SABATO, E. Uno y El universo. Buenos Aires: Seix
Portanto, nosso objetivo, desde o princípio deste
artigo, não se refere a analisar minuciosamente a Barral, 1945.
obra A Resistência (2000). Mas, acompanhar um _____. El Túnel. Buenos Aires: Seix Barral, 1948.
_____. Hombres y engranajes. Buenos Aires: Seix
pouco o percurso intelectual e artístico de Ernesto
Sabato, um escritor incômodo e inconformado que Barral, 1951.
vivencia intensamente o seu tempo e as suas _____. Heterodoxia. Campinas: Papirus, 1993.
paixões, entre encantos e desencantos, para melhor _____. El escritor y sus fantasmas. Buenos Aires:
Seix Barral, 1963.
encarná-los em suas obras ensaísticas e literárias.
_____. Sobre héroes y tumbas. Buenos Aires:
Pois, esta trajetória pensada juntamente com as
várias faces, dos diversos contextos, da Argentina, Seix Barral, 1961.
nos possibilita uma maior profundidade para _____. Abadón el exterminador. Buenos Aires:
Seix Barral, 1974.
entendermos os motivos que levaram Sabato a
_____. La cultura en la encrucijada nacional.
escrever esta breve, intensa e complexa obra no
início do “novo milênio”. Buenos Aires: Sudamericana, 1982.
_____. Apologías y rechazos. Buenos Aires: Seix
Barral, 1979.
Numa entrevista direta, realizada com a atual _____. Nunca mais! Porto Alegre: L&PM, 1984.
esposa de Sabato, Elvira Gonzáles Fraga, _____. Antes del fin. Buenos Aires: Seix Barral,
concedida na Fundação Ernesto Sabato, em 1999.
Buenos Aires, ela declara que: _____. A Resistência. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
Uno de los principales objetivos de _____. Informe sobre ciegos. Buenos Aires:
Sabato, al escribir La Resistencia, en Emecé, 2008.
2000, es que seamos capaces de SAID, E. Cultura e resistência. Rio de Janeiro:
iniciar un nuevo milenio en búsqueda Ediouro, 2006.
de alternativas para superar nuestras SARLO, B. Una modernidad periferica. Buenos
crisis y cambiar la nuestra realidad, sin Aires: Nueva visíon, 1998.
que, para esto, tengamos que pasar SAUTER, S. Sabato: símbolo de un siglo. Buenos
30
por una otra guerra. Aires: Corregidor, 2005.
TOSCANO, A. Os últimos anos da literatura
Esta colocação realizada por Fraga nos permite argentina. Lisboa: Jornal das Letras, 2003.
observar a dimensão do comprometimento de YUDICELLO, L. La utopía negra de Ernesto
Sabato com questões relacionadas aos problemas Sabato. Buenos Aires: Corregidor, 2005.
da realidade da Argentina, bem como da própria
humanidade sem arrefecer a sua crença na
capacidade humana de mudar a si e ao seu mundo.

Referências

BARONE, O. Borges e Sabato, diálogos. São


Paulo: Globo, 2005.

30
Entrevista concedida diretamente à autora deste Artigo,
Buenos Aires, fevereiro de 2009

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populares nas universidades públicas – sem
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO falarmos que o ensino médio público não passa,
para o governo, de um amontoado de números,
CONHECIMENTO: A muitas vezes irreais. Mas sabemos que não é
somente isso, a falta de dedicação dos alunos
EDUCAÇÃO A PARTIR DA também pode entrar como um fator que prejudica a
evolução sócio-educacional. A desmotivação
PREPARAÇÃO PARA O educacional começa na própria escola, com
professores mal formados e condições precárias de
ENSINO SUPERIOR materiais e obras para discussão em sala de aula.

Nas últimas décadas têm surgido inúmeros


Prof. Ms. Atilio A. Matozzo movimentos sociais que buscam a democratização
(GenTE/FAFIUV) do ensino superior, embora que ainda de maneira
tímida, isso aguçou a vontade e a determinação das
camadas sociais mais pobres a cursarem o ensino
superior, pensando num futuro mais promissor.
1 INTRODUÇÃO Assim, muitos, por não conseguirem aprovação em
instituições públicas – por falta de conhecimento
A construção da cidadania no Brasil é um processo e/ou tempo para se dedicar aos estudos–, enchem
historicamente relacionado à capacidade de luta e as salas de aula das instituições particulares, as
de organização social. Diante da exclusão de quais propõem uma série de vantagens e
parcelas significativas da população brasileira de descontos, mesmo assim, muitos estudantes
direitos fundamentais (o que acontece desde a acabam desistindo por ser uma educação cara
colonização e atinge impreterivelmente alguns demais, ou porque o emprego é mais importante
grupos sociais, como os negros, índios e a parcela que a educação – já que muitos têm prioridades
mais pobre da população), como educação de maiores, como a família, o emprego, deixando a
qualidade, saúde, moradia e demais elementos que educação em última instância.
compõem uma sociedade justa, igualitária e
humana. O acesso a qualquer nível de ensino passa,
primeiramente, por uma grande concorrência,
Assim, em nosso país, instaura-se um processo muitas vezes desigual, pois nem todos os
histórico de busca, ainda inconclusa, de cidadania, estudantes brasileiros têm condições reais de
a luta pela concretização do direito à educação disputar vagas em instituições públicas de ensino
formal às classes populares e grupos sociais que superior, vagas essas ocupadas por estudantes
tiveram, e continuam tendo, negada esta oriundos de escolas privadas – e com reais
possibilidade não é uma novidade no Brasil. condições de custeio de uma universidade
Somente nesse século, vários movimentos sociais particular–. Na maioria das vezes os estudantes de
que se organizaram para conquistar, de fato, o escolas públicas contam apenas com os recursos
direito à escolarização, surgiram com o da educação pública básica. Não queremos afirmar
compromisso de renovar e estabelecer um contato que a educação pública é ruim, ou que não
direto com as camadas mais abastadas da consegue desenvolver uma boa formação, muito
sociedade. O problema é que a maioria destes pelo contrário, a educação pública brasileira tem as
movimentos são de ordem política, o que dificulta a mesmas condições de desenvolver um ensino de
possibilidade de uma resultado positivo. O ideal, qualidade, porém, a dedicação dos alunos e de
para que funcione em nosso país, é um movimento muitos professores não aparece, o que gera uma
apolítico, centrado nos ideais do povo. Mas para série de resultados negativos e esforços não
que isto funcione, é necessário a mobilização dos recompensados.
sujeitos que vivenciam o mundo, almejando
transformá-lo. Como um jogo mercadológico, de oferta e procura,
são criados inúmeros cursos de preparação para o
No Brasil, a população carente é praticamente vestibular, o que, de uma forma ou de outra,
excluída do ensino superior. Porém, muito já colabora para o aprimoramento
mudou, mas ainda não temos as salas de educacional/intelectual do aluno interessado em
universidades públicas cheias de alunos oriundos cursar uma faculdade. Uma problemática abarca a
das escolas públicas, por quê? Fatores como a criação desses cursos, a falta de condição
condição sócio-econômica dessa população, a falta financeira da maioria dos estudantes brasileiros,
de apoio do ensino básico nas escolas públicas são dessa forma, a maior parte dos cursistas são alunos
frequentemente apontados como causas da pouca com boas (e na maioria das vezes, ótimas)
participação de estudantes oriundos de setores condições financeiras, os quais serão preparados

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para buscarem uma vaga em instituições públicas 1 O SUJEITO E SUA VIVÊNCIA DE MUNDO: OU
(Estaduais e Federais). O QUE FAZER COM O CONHECIMENTO

A questão da formação do cidadão é um dos A democracia no Brasil é um processo


maiores desafios da educação. É um desafio ainda historicamente relacionado à capacidade de luta e
maior aos grupos populares que investem na de organização das diversas camadas sociais que
educação como prática política de emancipação compõem diversos grupos. Diante da diversidade de
humana e transformação das relações sociais. problemas e das questões que se apresentam como
Infelizmente, muitos destes investimentos não desafios para a construção de uma sociedade justa
geram resultados por falta de dedicação e empenho e democrática, e diante da negação de direitos e
dos recebedores deste investimento. Em nossa oportunidades para parcelas significativas da
sociedade, teoricamente, todas as pessoas gozam população brasileira (o que acontece desde a
das mesmas liberdades e oportunidades e dos colonização), organizaram-se e continuam
mesmos direitos, temos, desse modo, a velha, e organizando-se vários movimentos sociais.
não seguida, regra de que todos são iguais perante
a lei. Isso quer dizer que todos os brasileiros são Nesse processo histórico de construção social,
cidadãos. Ora, numa sociedade de tamanhas segundo Demo (1995), numa investida
desigualdades, marcada pela injustiça, pela organizacional ainda inconclusa, a luta para que as
ausência de compromisso das instituições públicas, classes populares e os grupos sociais
bem como de seus beneficiados, com a maioria da marginalizados tenham de fato o direito à educação
população, pela negação de direitos, pela formal não é uma novidade em nosso país, já que a
discriminação histórica, pode-se, facilmente, democratização do ensino abrangeu a todos
observar que a proclamada igualdade não é (GERALDI, 2002). Ao longo da nossa história,
concreta. Mas não pela falta de oportunidade, mas sobretudo a partir do século XX, vários movimentos
pela falta de esforço e desenvolvimento sócio- sociais se organizaram para lutar pelo direito à
cultural de da própria sociedade. Assim, temos, escolarização, desde movimentos agregados ao
infelizmente, uma cidadania mascarada e de falsa governo, até movimentos organizados por ONG’s,
equidade que esconde a ausência de cidadania, porém, o que percebemos que mesmo assim, em
que se explicita, justamente, nos brasileiros pobres, pleno século XXI, a escola é lugar de confronto de
que são os que mais usam a sua condição social classes, bem como de luta por poderes
como desculpa pela falta de desenvolvimento (ALTHUSSER, 1966).
humano, social e educacional.
Em torno desses movimentos surgem os cursos
Muitos projetos voltados à educação social dão, pré-vestibulares, organizados para preparar
hoje, a oportunidade aos cidadãos carentes de estudantes oriundos de classes populares e grupos
elevarem seu nível profissional e desenvolverem um sociais marginalizados para os vestibulares, assim
papel justo na atual sociedade. Surge, portando, como concursos públicos. Esses cursos são
novos ideais que pregoam o verdadeiro direito de iniciativas educacionais de entidades diversas, de
igualdade a todos os cidadãos. A criação de trabalhadores em educação e de grupos
Cursinhos Pré-Vestibular, populares, na década de comunitários, destinados a uma parcela da
90, para alunos de baixa renda de escolas públicas população que é colocada em situação de
é a proscrição da concorrência justa, ou a tentativa desvantagem pela situação de pobreza que lhe é
dela, para uma vaga no ensino superior público. imposta. A pobreza tira, na maioria dos casos, a
Trata-se, na maioria das vezes, de iniciativas vontade de lutar por novos ideais, deixando ainda
educacionais que visam à transformação social dos mais marginalizado a população carente
sujeitos agentes da sociedade, bem como de (NASCIMENTO, 1998), é o que tem acontecido com
trabalhadores e pessoas que, embora tenham os alunos oriundos de escolas públicas.
terminado seus estudos há muito tempo, ainda
querem cursar uma faculdade em busca da
Um dado importante é que na maioria dos cursos
melhoria de vida e um lugar no mercado de
pré-vestibulares populares há preocupações que
trabalho. Essas iniciativas têm crescido muito nas
vão além da preparação para o vestibular. Trata-se
últimas décadas, principalmente por intermédio das de preocupações políticas, que se explicitam nos
instituições de ensino superior que contam com discursos dos seus participantes, nas propostas e
cursos de licenciatura, como é o caso da Faculdade
nas práticas dos cursos, que vão desde atividades
Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da
desenvolvidas em sala de aula visando à
Vitória, Paraná (FAFIUV).
construção de uma nova consciência em seus
educandos, abrangendo, segundo Esteves (1997), a
consciência racial, de gênero, de classe, assim
como os problemas sociais, passando por
seminários, fóruns de discussões, assembleias,

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negociação de isenções e bolsas com durante a graduação. Além disso, a dinâmica
universidades, ações judiciais, formulação de interna nas universidades públicas, concebidas para
propostas para a permanência de estudantes das estudantes de classes privilegiadas, dificulta muito a
classes populares no ensino superior e permanência dos estudantes de classes populares:
democratizar a educação e o acesso ao são horários, currículos, materiais e professores que
conhecimento. Ainda segundo Esteves (1997), excluem.
destaca-se, nesse contexto, os cursos pré-
vestibulares populares que trabalham os temas do Não podemos culpar apenas o sistema, pois há
racismo, do preconceito e da discriminação racial, muito tempo o ensino superior, o qual deveria servir
os chamados cursos pré-vestibulares para negros e como uma fonte de construção de ideias e projetos,
carentes, que constituem uma rede de cursos vem disputando a relevância com o emprego de
populares, principalmente nos estados do Rio de seus alunos, já que muitos ingressam em uma
Janeiro, São Paulo e Paraná. instituição de ensino superior já com um emprego
garantido, o que serve como fonte de renda e
Podemos dizer que as preocupações e práticas sustento para a família do aluno. Para ele é lógico
além do ensino para o vestibular indicam a que o seu emprego é muito mais importante que o
compreensão de que as desigualdades sociais e ensino. Assim, passamos a ter trabalhadores que
raciais na educação em geral e no ensino superior estudam, e não estudantes de qualidade que
em particular, são mais que falta de preparo para o poderão ser trabalhadores de qualidade. A inversão
vestibular. O processo de formação da sociedade de importância e valores também é um dos
brasileira mostra que essas desigualdades são, empecilhos para o ingresso, atualmente, também,
sobretudo, determinadas por uma espécie de lógica para a saída, do ensino superior.
de exclusão presente das relações sociais, as quais,
segundo Althusser (1977), são formulados pelos Desse modo, algumas possibilidades podem ser
aparelhos ideológicos e repressores de estado. pensadas além do ensino para o vestibular. Uma
Essa lógica de exclusão, além das relações de delas é o desenvolvimento de atividades de
classes possui um componente fundamental para elevação de auto-estima, construção de identidade
sua elucidação: o racismo, o preconceito e a e formação política, como retomada do que nos
discriminação. anos 70 era chamado de Conscientização, Reflexão
Crítica ou Socialização de Saber (SADER,1988). Os
Entretanto, o trabalho dos cursos pré-vestibulares cursos pré-vestibulares populares podem operar
populares indica, também, a insistência dos setores como fontes de informação e aprendizado de
subalternizados da sociedade em acreditar que há conhecimentos históricos, culturais e políticos. Outra
razões para prosseguir lutando por cidadania, por possibilidade é a articulação de entidades,
igualdade racial e social, pelo respeito à diferença e comunidades, educadores e educandos na defesa
à diversidade, por uma outra sociedade e pela vida. da educação pública de qualidade, com alunos e
professores de qualidade, na discussão dos
Esse tipo de luta popular aparece ainda durante o problemas enfrentados, na construção de
período de ditadura militar. Algumas experiências se propostas, na pressão sobre partidos políticos e
constituíram nos anos 70 e 80. Mas é na década de governos, tendo em vista a democratização da
90 que o trabalho popular de preparação para o educação em todos os seus aspectos: ampliação de
vestibular, numa perspectiva transformadora, oportunidades, financiamento, currículo e processos
emancipatória e instigativa ganhou força e se pedagógicos. É importante que, num processo
popularizou. Utilizando-se do ensino dos conteúdos deste tipo, sejam considerados os elementos
exigidos nos Vestibulares, os Cursos Pré- econômicos, políticos, históricos, raciais e culturais
Vestibulares Populares conseguem mobilizar um que determinam o atual modelo de desenvolvimento
grande número de estudantes atraídos pela e, mais especificamente, as políticas educacionais.
possibilidade de ingresso no ensino superior,
especialmente nas universidades públicas cujos Os efeitos da atuação dos Cursos Pré-Vestibulares
vestibulares são verdadeiras barreiras ao ingresso Populares podem ser verificados tanto no aumento
de estudantes de classes populares. Não da participação de estudantes pertencentes a
defendemos, aqui, a ideia que a universidade deva grupos marginalizados e economicamente
diminuir a problematização de seu vestibular, que desfavorecidos, quanto no debate que tem
acaba sendo, provavelmente, a única forma de provocado na sociedade, nas instituições públicas e
seleção entre o bom aluno e o ruim, já que muitos nas entidades da sociedade civil, como uma
estudantes não aproveitam a oportunidade que têm, tentativa de fazer com que a sociedade compreenda
pois o ensino gratuito ainda apresenta qualidade, a assimetria entre os diversos grupos sociais e
mesmo estando em grande declínio pela fala de assuma o desafio de visualizar relações não
qualificação de seu corpo de professores, que, na excludentes, porém severas, que consideram a
grande maioria das vezes, foram péssimos alunos capacidade como uma forma de ação de afirmação

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da identidade étnico-cultural, de combate à o seu papel de transformadora do produto humano.
discriminação e de luta contra os mecanismos de Há muito o que fazer para restituir à vida a
exclusão social, a partir de ações desenvolvidas deserdados e excluídos dos seus direitos mais
pela própria sociedade civil organizada, que busque fundamentais, o primeiro passo é a aceitação de
a formação real de profissionais qualificados. que a educação e cultura são os únicos meios para
a evolução social. Assim, a sociedade começaria a
Muitos são os desafios sociais que hoje estão agir como construtora e mantenedora da educação
colocados aos que acreditam que em primeiro lugar e da cultura, deixando uma herança útil à
vêm às pessoas e estas não podem ser sociedade.
sacrificadas, desde que não queiram ser, não
recaindo em um assujeitamento constante. Sem 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
dúvida, há efeitos excludentes da globalização e
das políticas neoliberais na educação, porém, a Apesar de estarmos nas linhas finais deste texto,
sociedade é que abre caminho a estes campos, é, não vemos, ainda, um desfecho para a questão aqui
antes de tudo, culpa da sociedade e de seus levantada. Qual seria o melhor posicionamento para
sujeitos que se deixam levar, sem responsabilidade, que a sociedade comece a valorizar o ensino
ética e, por muitas vezes, sem moral, essas, com superior como um núcleo de pesquisa, cultura e
certeza, são as principais forças contra as quais debate de conhecimentos, como uma extensão do
deve se organizar a sociedade, só assim teremos, ensino médio, ou da sala de estar de sua casa. A
realmente, uma luta digna por direitos, cumprindo, é clientela mudou, os professores mudaram, mas a
claro, nossos deveres enquanto agentes de instituição mudou? Sim, mudou e muito,
transformação social. principalmente no tratamento dado aos seus
cursistas, que, como apontamos anteriormente, são
Caso continuemos a discutir a educação como um tratados como tabalhadores-estudantes, e não
processo de exclusão e não de inclusão, teremos a como formadores de opinião e acadêmicos –
transformação da educação em um bem de aqueles que vivenciam a academia–.
consumo, como uma roupa ou um sapato, que
somente servirá por um tempo, depois esquece-se e Talvez, quando o amadurecimento chegar a atingir
nunca mais se usa. os estudantes do ensino superior, já não seja tão
necessário como se faz hoje, já que, infelizmente, a
A escola pública deve passar a atuar na qualificação tendência é a preconização de uma decadência
básica de mão de obra para atender as intelectual, que tenta, desesperadamente, lutar
necessidades do “mercado”. Há uma desobrigação contra uma série de princípios educacionais que
dos governos com a escola pública e democrática, não servem como vivenciamento de mundo, como
em favor da ideia de uma escola produtiva, eficiente corroborador de princípios e processos sociais.
e de qualidade total, adequada ao processo de Então, que tratamento dar à educação superior
globalização, e o que é pior, gerenciada pelo capital hoje? Com certeza o antigo tratamento, visando à
privado e conduzida por pessoas desinteressadas a formação de um sujeito capaz de exercer e ensinar
pessoas desinteressadas – a falsa construção do sua profissão de forma eficaz e consciente.
conhecimento, o que, infelizmente, tem acontecido
na grande maioria das instituições de ensino BIBLIOGRAFIA
superior espalhadas por todo o Brasil. ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de
estado. São Paulo: Graal, 1977.
Conforme afirma Florestan Fernandes (1989, p. 45): _______. O objeto do Capital. São Paulo: Graal,
“Devemos todos (educadores, educandos, negros, 1966.
mulheres, homens) nos organizar em movimentos DEMO, P. Cidadania tutelada e cidadania
sociais que visem destruir as barreiras raciais e assistida. São Paulo: Ed. Autores Associados,
sociais que são obstáculos à sua participação na 1995.
economia, na sociedade, na cultura, no Estado”. ESTEVES, J. C. R. Pré-Vestibular para negros e
carentes: Projeto de Educação Alternativo ou
Acreditamos que a história é o lugar de criação e Excludente? Monografia de Pós-Graduação Latu-
surgimento do novo, novas formas, novos valores, Sensu em Raça, Etnias e Educação no Brasil.
principalmente no que tange à educação. Assim, é Niterói-RJ: UFF, 1997.
possível a transformação da sociedade pela ação FERNANDES, F. O significado do protesto negro.
autônoma dos homens. Continua viva a São Paulo: Cortez, 1989.
possibilidade de uma nova sociedade culturalmente FERREIRA, N. T. Cidadania: Uma Questão para a
sustentável. Sendo possível construir projetos em Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
que a cultura e o conhecimento sejam os princípios GERALDI, J. W. Portos de Passagem. São Paulo:
organizadores e justos de uma sociedade não Martins Fontes, 2002.
excludente, mas produtiva e desenvolvida, fazendo

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NASCIMENTO, A. Reflexões sobre o pré-
vestibular para negros e carentes. Rio de Janeiro: ABORDAGEM
Mimeo, 1998.
SADER, E. Quando novos personagens entraram INTERCULTURAL NO
em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da
grande São Paulo 1970-1980. Rio de Janeiro: Paz e ENSINO DE LÍNGUAS
Terra, 1988.
ESTRANGEIRAS: UM
ESTUDO EMPÍRICO
UTILIZANDO EXPRESSÕES
IDIOMÁTICAS E
PROVÉRBIOS
Alessandra Bernardes31

Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni32

INTRODUÇÃO

A Abordagem Intercultural se configura como uma


nova forma de entender o processo de aprendizado
de uma Língua Estrangeira, visto que concebe a
questão cultural como aspecto central desse
processo. Jordão (2006, p.30) declara que:

Sempre que se ensina língua se está


ensinando cultura, uma vez que cultura
é concebida não apenas como os
costumes socialmente instituídos,
transmitidos e partilhados, mas
principalmente como conjuntos de
procedimentos interpretativos
construídos socialmente, estruturas de
pensamento que possibilitam e
legitimam determinadas interpretações
(e excluem possibilidades de
elaboração de outras).

Sendo assim, a nossa cultura, entendida aqui como


nosso modo de apreensão da realidade, está
intrinsecamente ligada com a nossa língua e,
portanto, ao tentarmos aprender uma nova língua,
nos deparamos com um novo modelo de categorizar
a experiência humana. Esse novo modelo, apesar
de perfazer toda a língua em questão, é facilmente

31
Pós-graduada em Línguas Estrangeiras Modernas na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV).
32
Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR); Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela UFPR;
Professora do Colegiado de Letras da FAFIUV. Bolsista
da FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA.

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LUMINÁRIA 2010
percebido em expressões idiomáticas e provérbios, para a solução dos problemas – se é
pois para compreender tais construções é que todos os envolvidos consideram as
necessária a percepção de que essas figuras de questões levantadas pelo pesquisador
linguagem carregam uma metáfora, ou seja, uma como “problemas” ou como desvios
“transposição de traços entre dois domínios das normas, demandando correção.
conceituais distintos.” (CARVALHO; SOUZA, 2003, (WIELEWICKI, 2001, p.32).
p.31).
Tal relatividade característica da pesquisa
Durante o processo de escolha do material que etnográfica abre espaço para que novas pesquisas
seria utilizado durante a pesquisa, foram sobre um tema já estudado possam ser postas em
privilegiados os provérbios e as expressões prática. Esse contínuo refletir, à propósito, deveria
idiomáticas comuns aos falantes da Língua Inglesa ser um aspecto constante na vida profissional de
e que ofereceriam interessantes comparações com todo o educador, visto que não existem soluções
a Língua Portuguesa. Para contemplar os milagrosas para questões que envolvem o contato
resultados em diferentes níveis de ensino, a entre pessoas e “a reflexão oferece uma
pesquisa referente às expressões idiomáticas foi oportunidade de articular as razões que apóiam
realizada com alunos de ensino regular do nível uma prática, bem como suas consequências”
médio e a que tratava dos provérbios com alunos de (BANNELL, 2002, p.2) Por tudo isso, a pesquisa a
uma escola de línguas do nível intermediário e ser aqui relatada tem caráter etnográfico e, portanto,
avançado. está aberta a futuras contribuições.

1 A NATUREZA DA PESQUISA 2 HIPÓTESES

De ordem qualitativa, o presente estudo adota como a) Para chegar ao significado idiomático, os
base epistemológica a pesquisa etnográfica, que se alunos recorrerão a bases conceituais de
propõe a descrever e a interpretar ou explicar o que sua língua nativa;
as pessoas fazem em um determinado ambiente b) Os alunos iniciantes recorrerão somente a
(sala de aula, por exemplo), os resultados de suas sua língua nativa para a compreensão da
interações, e o seu entendimento do que estão linguagem figurada, enquanto os alunos de
fazendo (WATSON GEGEO 1988 apud nível intermediário e avançado também
WIELEWICKI, 2001, p.27). A pesquisa etnográfica usarão estratégias relacionadas à Língua
tem suas raízes na antropologia, cujo objetivo, Inglesa;
segundo Geertz (1989, p.10), “é o alargamento do c) Expressões idiomáticas e provérbios
universo do discurso humano”. Objetivo esse que se idênticos ou similares à Língua Portuguesa
coaduna perfeitamente com a abordagem serão interpretados de forma mais correta
intercultural, que também pretende ampliar o do que aqueles que trazem metáforas que
conhecimento sobre diferentes formas de não aparecem em sua língua nativa.
conceitualizar a experiência humana. Ainda
segundo Geertz (1989, p.15), “há três 3 O PROCEDIMENTO
características da descrição etnográfica: o que ela
interpreta é o fluxo do discurso social e a A pesquisa ocorre em dois momentos-chave:
interpretação envolvida consiste em tentar salvar o
“dito” num tal discurso da sua possibilidade de
extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis”. É a) Vinte alunos da 2ª série do Ensino Médio,
claro que esse “dito” passa pela interpretação do após serem apresentados ao conceito de expressão
pesquisador, pois “embora aparentemente a idiomática e receberem exemplos em sua própria
etnografia se proponha a dar voz aos sujeitos da língua – tais como “bater as botas”, “enfiar os pé
pesquisa [...], eles continuam assujeitados e falando pelas mãos”, “ver passarinho verde” –, recebem
através do outro – o pesquisador, se considerarmos uma folha contendo seis expressões idiomáticas em
o ponto de vista dos sujeitos -, detentor do poder de Língua Inglesa e uma representação imagética de
representá-los” (WIELEWICKI, 2001, p.29). Ainda seu significado literal. Sua tarefa era imaginar qual
assim, a pesquisa etnográfica tem o grande mérito seria seu significado figurado;
de admitir que o relato de um pesquisador é sempre b) Dezenove alunos de uma Escola de
parcial, já que nele transparece sua visão de Idiomas, de nível intermediário e avançado, após
mundo: definirem o que é um provérbio e pensarem em
exemplos em sua própria língua, recebem uma folha
contendo treze provérbios em Língua Inglesa. Sua
a situação que o pesquisador descreve tarefa era imaginar o sentido figurado de cada um e,
da sala de aula não é um retrato fiel,
se possível, fornecer um equivalente em
nem as conclusões e as sugestões
Língua Portuguesa.
apontadas constituem caminho seguro
4 A ESCOLHA DO MATERIAL

32 | F A F I U V – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
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n) every cloud has a silver lining equivale a
As expressões idiomáticas referiam-se a partes do “depois da tempestade vem a bonança”, mas a
corpo, já que esse era um tema que os alunos tradução é “toda nuvem tem um forro de prata”;
haviam estudado recentemente, sendo três delas o) you can’t have your cake and eat it too
com metáforas similares a expressões em expressa o mesmo conceito presente em “não se
português: pode assoviar e chupar cana ao mesmo tempo”,
apesar de literlmente termos “você não pode ter o
a) pay through the nose equivale a “pagar os seu bolo e comê-lo também”.
olhos da cara”, apesar de usar o termo
“nariz”(nose); Quatro provérbios, enfim, utilizavam metáforas não
b) get off someone’s back quer dizer “largar o presentes em nossa língua:
pé de alguém”, apesar de usar o termo “costas”
(back); p) Birds of a feather flock together: literalmente
c) stick out one’s neck é o mesmo que “arriscar seria “pássaros com uma pena tendem a se
o pescoço”, apesar de usar o verbo “esticar/ agrupar”, idiomaticamente quer dizer que pessoas
projetar” (stick out). com a mesma personalidade tendem a se unir;
q) It’s better to let sleeping dogs lie:
E três com metáforas totalmente diferentes: literalmente “é melhor deixar os cachorros que estão
dormindo deitados” e idiomaticamente quer dizer
d) tongue-in-cheek significa “de brincadeira”; para não trazer à tona problemas passados;
e) shake a leg equivale a “depressa”; r) It never rains but it pours: a tradução literal é
f) all thumbs quer dizer “desastrado”. “nunca chove, mas deságua” e o sentido figurado é
que coisas boas ou ruins sempre vêm
Já os provérbios não tinham uma temática em acompanhadas;
comum, sendo que dois deles eran idênticos a s) It takes two to tango: “precisa-se de dois
para dançar tango”, ou seja, ambos os envolvidos
provérbios da Língua Portuguesa:
em uma situação ruim são culpados por ela.
g) there’s no use crying over spilt milk equivale
a “não adianta chorar sobre o leite derramado”; Em ambos os momentos da pesquisa, os alunos
poderiam indagar sobre a tradução literal, visto que
h) a rolling stone gathers no moss equivale a
o teste não tinha o intuito de verificar a proficiência e
“pedra que rola não cria limo”.
sim a compreensão de um sistema conceitual
diferente do materno. Também era permitido deixar
Três provérbios eram similares: questões em branco caso não conseguissem
deduzir o significado, assim como escrever mais de
i) a bird in the hand is worth two in the bush uma suposição caso estivessem em dúvida. No
equivale a “um pássaro na mão é melhor que dois caso das expressões idiomáticas, foi permitida a
voando”, apesar de usar a palavra “arbusto”(bush); interação entre os alunos, mas cada um escrevia a
j) the grass is greener on the other side of the resposta que julgava mais acertada em sua folha e
fence equivale a “a grama do vizinho é sempre mais no caso dos provérbios não foi permitida a
verde”, embora utilize a expressão “do outro lado da interação, visto que os alunos já estavam mais
cerca (on the other side of the fence); familiarizados com o conceito de linguagem
k) too many chiefs, not enough Indians figurada.
equivale a “muito cacique para pouco índio”, apesar
da estrutura sintática ser levemente diferente 5 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
(“chefes demais, índios não o suficiente).
Considerar-se-á todas as impressões relevantes
Quatro deles possuíam provérbios com o mesmo acerca de cada expressão idiomática e de cada
significado em Língua Portuguesa, mas utilizavam provérbio, a fim de guardar a fidedignidade e
imagens ou estruturas sintáticas totalmente veracidade da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa
diferentes: eram de ambos os sexos, mas na análise dos dados
e resultados todos serão referidos como aluno(s).
l) don’t make a mountain of a molehill é o Comentários das pesquisadoras serão tecidos, visto
mesmo que “não faça tempestade em copo d’água”, que o assujeitamento dos entrevistados, como já
apesar da tradução literal ser “não faça uma visto no item 4.1, é inevitável. Com relação ao
montanha de um morrinho”; primeiro momento da pesquisa, ou seja, às
m) the squeaking wheel gets the oil quer dizer expressões idiomáticas:
“quem não chora não mama”, embora literalmente
seria “a roda que range recebe o óleo”; a) Tongue-in-cheek: nenhum aluno deduziu
corretamente, mas quatro se aproximaram do real

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sentido ao dizer que o significado seria “tirar sarro você” e dois apontaram “desgrudar/ parar de ser um
de alguém/ pirraça”. Dez alunos mencionaram o carrapato”,possivelmente influenciados pelo
significado “dor”, já que se costuma colocar a língua desenho.
no dente quando este está doendo e a língua acaba f) Stick out one’s neck: Novamente percebe-se
por ficar em contato com a bochecha – “língua-na- a influência das formas de interpretar o mundo da
bochecha”. “Linguarudo” e “fofoqueiro” apareceram cultura materna, visto que dezessete alunos
nas respostas de dois alunos, já que em nossa acreditaram que o significado seria “olhar onde não
cultura associamos “língua” a quem fala demais. deve/ querer ver a vida dos outros/ pessoa curiosa/”,
b) Pay through the nose: dezesseis alunos, ou pois a tradução literal da expressão é “esticar o
seja, a grande maioria, apontou o significado “pagar pescoço”. Uma aluna ainda apontou “pescoço
com dinheiro sujo/roubado”, visto que em nossa grande” como o sentido idiomático. Enfim, nenhum
cultura “dinheiro sujo” (que os alunos consideraram aluno mencionou o real sentido, apesar de termos
ser o resultado da passagem através do nariz) em nossa língua a expressão “arriscar o pescoço”.
significa “fruto de roubo”. Dois alunos deduziram Nesse caso, haviam duas expressões concorrentes
que a expressão referia-se a pagar o que não deve, (“esticar o pescoço” e “arriscar o pescoço”) e os
talvez por terem feito associação com a expressão alunos se decidiram por uma delas.
idiomática de nossa língua “pagar o pato”. Um aluno
mencionou “dinheiro suado’, outra expressão típica Com relação ao terceiro momento da pesquisa, ou
da nossa cultura. Enfim, nenhum deles conseguiu seja, os provérbios:
deduzir o significado correto.
c) Shake a leg: “dançar” foi a resposta mais g) There’s no use crying over spilt milk: visto
comum, dada por dez alunos, provavelmente pelo que era um provérbio com equivalente literal e
verbo “mexer” (shake) estar presente na expressão
idiomático em língua portuguesa, todos os alunos
“mexer o esqueleto”, que tem o sentido de dançar.
apontaram o significado correto. Treze apontaram o
Quatro alunos escreveram “caminhar com as equivalente “não adianta chorar pelo/depois do leite
próprias pernas/agir por si próprio/ se virar sozinho”, derramado”, um apontou um ditado similar – “depois
que mencionam uma imagem da nossa cultura. Três
de feito não ponha defeito” – e outro mencionou um
alunos mencionaram “caminhar sem destino” e um
provérbio com a mesma interpretação – “depois de
“andar devagar”. Quatro alunos, por sua vez, quebrar um copo a única coisa que tem a fazer é
aproximaram-se do significado correto ao juntar os cacos”.
escreverem “sair do lugar/ saia daí/ andar rápido/ h) Don’t make a mountain out of a molehill:
correr”. Quinze alunos indicaram o sentido certo, sendo que
d) All thunbs: nove alunos aproximaram-se do doze forneceram o provérbio equivalente em língua
real significado ao citar “mão furada”, possivelmente portuguesa: “não faça tempestade em copo d’água”.
influenciados tanto pelo desenho quanto pela
Um aluno não conseguiu interpretar e três
palavra thumb (“dedão”) lembrar “mão”. Quatro
interpretaram de maneira errônea, comprovando
alunos mencionaram “pessoa baixa”, resposta que que provérbios que utilizam metáforas diferentes
deixa entrever grande criatividade dos alunos, já nem sempre são de fácil compreensão, mesmo por
que o thumb é o menor dos dedos. Outra dedução
alunos de nível intermediário e avançado.
criativa dos alunos foi “aleijado”, já que ter todos os
i) A bird in the hand is worth two in the bush:
dedos na forma do “dedão” não é normal. Um aluno todos os alunos interpretaram corretamente, apesar
citou “mão frágil” e outro “azar”, possivelmente em de ser um provérbio com equivalente literal
virtude do desenho. A resposta que mais demonstra aproximado (já que em inglês temos “arbusto” e em
relação com a influência das bases conceituais da
português ‘voando”). Somente um aluno não
língua materna é “tudo bem/ certo/ muito bem/ tudo forneceu o provérbio equivalente, mas o significado
legal”, dada por quatro alunos, já que em nossa idiomático foi correto.
cultura mostrar a alguém o “dedão” tem justamente
j) Birds of a feather flock together: sendo um
o significado apontado pelos alunos. provérbio sem equivalente em língua portuguesa,
e) Get off someone’s back: Como essa era somente seis alunos o parafrasearam de maneira
uma metáfora com equivalente em português, correta ou próxima à correta: “tudo que é parecido
apesar de usar uma parte do corpo diferente, sete
se atrai”, “pessoas similares se dão bem”, “quando
alunos citaram o significado correto: “largar do pé/
as duas pessoas se parecem, se combinam”,
parar de encher o saco / deixar em paz/ parar de “pessoas parecidas sempre acabam se
incomodar”. Cinco mencionaram “uma pessoa conhecendo”, “o que é parecido fica junto,
independente”, demonstrando clara influência da separando-se poucas vezes”, “quando as pessoas
língua materna, já que a tradução literal é “sair das
tem algo em comum elas se juntam com um único
costas de alguém” e, em nossa cultura, essa é uma propósito”. Desses seis alunos, um citou um ditado
ação própria de quem conseguiu sua independência que julgava ser equivalente – “família unida
financeira. Quatro alunos deduziram que a
permanece unida” –, dois alunos mencionaram
expressão seria utilizada para definir uma “pessoa expressões idiomáticas – “são todos farinha do
chata/ muito grude/ chicletão/ que não sai de trás de

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mesmo saco” e “a cara metade/ a metade da laranja Pela presença do numeral “dois” (two), os ditados
que faltava” – e um, incoerentemente, citou um “quando um não quer, dois não brigam” e “duas
ditado cuja interpretação é justamente oposta ao cabeças pensam melhor que uma” apareceram
provérbio em questão – “os opostos se atraem”. duas vezes cada. Os demais alunos acreditaram
Três alunos deixaram essa questão em branco e que o sentido seria algo sobre o benefício da união
dez deduziram de maneira equivocada. entre as pessoas, sendo que o ditado “a união faz a
k) You can’t have your cake and eat it too: força” foi citado uma vez, assim como o provérbio
Cinco alunos não conseguiram explicar o sentido “uma andorinha só não faz verão”.
desse provérbio, fato que se assemelha ao caso do q) A rolling stone gathers no moss: Treze
segundo provérbio listado. Somente quatro alunos alunos interpretaram corretamente, mas somente
apontaram o significado certo, sendo que dois dois citaram o provérbio equivalente em língua
apontaram o mesmo provérbio equivalente – “não materna. Tal fato sugere que esse não é um
se pode assoviar e chupar cana ao mesmo tempo/ provérbio muito comum nos dias de hoje e eis
não posso assobiar e chupar cana”. Os alunos porque os outros alunos não deduziram seu real
restantes apontaram significados que em sua significado.
maioria diziam respeito à idéia de não se poder ter r) Every cloud has a silver lining: Sete alunos
tudo o que deseja e que devemos compartilhar o deixaram essa questão em branco, visto que é um
que temos. provérbio que utiliza uma metáfora diferente da
l) The grass is greener on the other side of the usada em nossa cultura. Somente um aluno
fence: Somente dois alunos não conseguiram forneceu o provérbio equivalente em Língua
interpretar esse provérbio de maneira correta, Portuguesa: “depois da tempestade vem a
apesar de terem escrito o equivalente. Esse bonança”. Quatro, no entanto, o parafrasearam de
provérbio é muito similar a um em português, os maneira correta: “todo momento difícil tem um ponto
alunos só precisavam deduzir que “do outro lado bom”/ “tudo tem algo de bom”/ “tudo tem o seu lado
cerca” (the other side of the fence) referia-se ao bom”/ “todas as coisas ruins possuem algo de bom”.
vizinho. Um aluno até citou um provérbio Desses quatro alunos, um escreveu como
equivalente com uma metáfora diferente, mas com o equivalente o provérbio “Deus escreve certo por
mesmo sentido: “A outra fila sempre anda mais linhas tortas”, que possui um sentido bem similar.
rápido”. Aqueles que deduziram erroneamente, ou
m) Too many chiefs, not enough Indians: dez apresentaram a idéia de que todas as pessoas tem
alunos indicaram o significado corretamente, mas seu lado bom ou de que as aparências enganam,
somente um forneceu o provérbio equivalente – entretanto esse provérbio referia-se a situações e
“muito cacique para pouco índio” –, provavelmente não a pessoas.
por esse não ser um provérbio muito utilizado s) The squeaking wheel gets the oil: Cinco
atualmente. Também em virtude desse fato, quatro alunos acertaram o significado, sendo que dois
alunos deixaram a questão em branco e cinco não deles forneceram o provérbio equivalente – “quem
acertaram o real sentido. não chora, não mama” – e um forneceu um similar –
n) It’s better to let sleeping dogs lie: nenhum “quem tem sede, pede água”. Quatro alunos não
aluno mencionou o sentido exato, que seria “não fizeram deduções a respeito dessa questão e os
trazer à tona situações problemáticas do passado”, que não acertaram imaginaram que o significado
mas onze alunos se aproximaram ao dizer que o seria sobre o benefício de ser persistente, ou sobre
significado seria “é melhor deixar as coisas como os desfavorecidos, ou ainda sobre a resolução de
estão/ não perturbar quem está quieto”. problemas.
Influenciados por esse significado, um aluno
forneceu como equivalente o provérbio “não CONSIDERAÇÕES FINAIS
cutuque a onça com vara curta” e três mencionaram
“Quanto mais mexe, mais fede”.
As hipóteses foram confirmadas, pois os alunos
o) It never rains but it pours: Seis alunos recorreram a bases conceituais de sua língua
deixaram em branco essa questão, visto se tratar de materna para tentar entender as expressões
um provérbio sem equivalente em língua idiomáticas e os provérbios em inglês que utilizavam
portuguesa. Pelo mesmo motivo, três deduziram
metáforas diferentes ou que não tinham equivalente.
incorretamente. Nove alunos se aproximaram do
Para citar um exemplo de cada momento da
real sentido, mas focalizaram na metáfora da pesquisa, dentre os muitos relatados no item 4.5,
“chuva” (rain) como algo ruim, enquanto que esse lembremos da expressão idiomática all thumbs –
provérbio diz respeito a coisas boas ou más em que não tem equivalente em Língua Portuguesa, e
excesso.
que alguns alunos associaram com o significado
p) It takes two to tango: Por ser esse também metafórico do “dedão” em nossa cultura – e do
um provérbio sem equivalente em nossa língua, provérbio it never rains but it pours – em que
somente um aluno deduziu o significado correto ao
apareceram interpretações da “chuva” como algo
dizer que “para que aconteça algo (como uma briga ruim, o que lembra a metáfora presente no
por ex.) as outras pessoas tem culpa, não só uma”.

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provérbio “depois da tempestade (simbolizando
problemas), vem a bonança”. A IMAGEM DA MULHER
Percebeu-se também que tal apelo à Língua RETRATADA NO QUADRO
Portuguesa foi maior entre os alunos iniciantes,
visto que os alunos de nível intermediário e DISCURSIVO
avançado conseguiram deduzir até mesmo
provérbios que não tinham equivalente em Língua
Portuguesa, como foi o caso de birds of a feather Amélia Ana Bichewicz33
flock together e de it takes two to tango. Esse fato
comprova que os alunos mais familiarizados com
uma Língua Estrangeira usam estratégias Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni34
diferenciadas dos alunos iniciantes. Entretanto,
mesmo com essa vantagem, os alunos mais
proficientes, assim como os de nível básico, tiveram INTRODUÇÃO
maior dificuldade com as unidades frasais que
traziam linguagem figurada diferente ou não Pensando na relação entre sujeito, ideologia e
existente em nosso idioma. Podemos citar como formação discursiva e tendo como referencial
exemplo o caso da expressão idiomática tongue-in- teórico a AD, objetivamos mostrar como os
cheek e do provérbio it’s better to let sleeping dogs processos ideológicos influem e atuam nas FDs,
lie. visando compreender como um objeto simbólico
produz sentidos, enfatizando assim, a relação entre
Por todos esse aspectos, conclui-se que o diálogo sujeito, discurso, ideologia e formação discursiva.
intercultural se configura como ferramenta
essencial, já que não se pode aprender algo Partindo de alguns pontos dos estudos Bakhtinianos
totalmente desconhecido sem ancorar o novo no com relação ao estudo do texto e do discurso, e
conhecimento pré-construído (PETRIE; OSHLAG, adentrando posteriormente a AD, daremos
1993 apud CARVALHO; SOUZA, 2003, p.31). Ao primeiramente um breve parecer do referencial
entrarem em contato com formas diferentes de teórico que serviu de base para a elaboração deste
perceber a realidade, é inevitável que os alunos trabalho, mostrando assim, de que forma a
recorram a sua cultura materna, sendo que o fundamentação teórica irá auxiliar no trabalho do
professor de Língua Estrangeira deve tirar proveito analista de discurso.
desse fato ao promover uma conscientização de
que há diversas formas de categorizar a experiência
humana. Conscientização essa que auxilia tanto a Através da análise de uma propaganda da década
aquisição lingüística quanto cultural da língua-alvo. de 80, retirada da revista “Cláudia”, uma mídia
voltada ao público feminino, que está sempre
realçando a imagem da mulher moderna,
REFERÊNCIAS batalhadora e vencedora, pretendemos mostrar os
vários discursos que a perpassam, bem como a
BANNELL, R. I. Razão, reflexão e comunicação forma como as FDs podem nos auxiliar na
intercultural: buscando a qualidade de vida na sala interpretação dos signos e na atribuição de sentidos
de aula. In: QUALIDADE DE VIDA NA SALA DE a propaganda como um todo.
AULA:UMA DÉCADA DE PRÁTICA
EXPLORATÓRIA, 2002. Anais... Rio de Janeiro: O presente trabalho constitui-se de um início de
PUC, 2002. pesquisa no vasto campo da AD, visamos, portanto,
CARVALHO M. B.; SOUZA, A. C. As metáforas e nas posteriores páginas, mostrar ao nosso leitor
sua relevância no processo de ensino- uma parte da nossa pesquisa, instigando-o assim a
aprendizagem de língua estrangeira. Fragmentos, busca de mais leituras e conhecimentos
Florianópolis, n.24, p.29-44, jan – jun 2003. relacionados a está ciência/disciplina.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: LTC, 1989.
JORDÃO, C. M. O ensino de línguas estrangeiras.
In: KARWOSKI, A. M.; BONI, V. de F. C. V. (org).
Tendências Contemporâneas no ensino de
33
línguas. União da Vitória: Kaygangue, 2006. Graduada em Letras. Pós-graduanda em Língua
WIELEWICKI, V. H. G. A pesquisa etnográfica como Portuguesa e Literaturas na Faculdade de Filosofia,
construção discursiva. Acta Scientiarum, Maringá, Ciências e Letras (FAFIUV).
34
v.23, n.1. p.27-32, 2001. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR); Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela UFPR;
Professora do Colegiado de Letras da FAFIUV. Bolsista
da FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA.

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LUMINÁRIA 2010
1. A RETOMADA DE CONCEITOS Foi Bakhtin que através de seus estudos sobre
BAKHTINIANOS NA ANÁLISE DO DISCURSO linguagem e do desenvolvimento de sua teoria
sobre o dialogismo, iniciou os apontes teóricos com
Os pressupostos teóricos que serviram de base relação ao estudo do texto e do discurso como
para a fundamentação e elaboração deste trabalho, processo de interação entre sujeitos. Instituindo
partem primordialmente das ideias e dos estudos também o conceito de alteridade que é o que define
desenvolvidos por Bakhtin e outros filósofos, no o ser humano, no caso o outro, que confere ao
então conhecido Círculo de Bakhtin. A comum discurso o seu caráter heterogêneo, e que nos
paixão pela linguagem que estes filósofos possuíam constitui enquanto sujeitos sociais determinados
fez que eles desenvolvessem inúmeros estudos, histórica e ideologicamente. “Bakhtin, considera o
alguns deles retomados e refletidos até os dias dialogismo o princípio constitutivo da linguagem e a
atuais. condição do sentido do discurso. Insiste no fato de
que o discurso não é individual porque se constrói
Formado por inúmeros pensadores e estudiosos da entre pelo menos dois interlocutores que, por sua
linguagem, esse grupo de intelectuais com vez, são seres sociais; não é individual porque se
constrói como um “dialogo entre discursos”, ou seja,
formações diversas, se destaca por formulações
inovadoras e diferentes das demais nos estudos porque mantém relações com outros discursos”
relacionados a linguagem. Dentre estes estudiosos (BARROS, 1997, p. 33)
destacam-se: Mikhail M. Bakhtin, Valentin N.
Voloshinov e Pavel N. Medvedev, nomes que se Em seu livro Marxismo e filosofia da linguagem, o
tornaram conhecidos e que são mencionados qual trata das relações entre linguagem e
hodiernamente em inúmeras áreas de estudos. sociedade, Bakhtin (2004, p.31), escreve sobre a
ideologia, o filósofo nos coloca que: “Tudo o que é
ideológico possui um significado e remete a algo
Partindo da ideia de que estamos sempre buscando
sentidos no texto do outro, cabe aqui lembrar a situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o
distinção feita por Bakhtin na relação das ciências que é ideológico é um signo. Sem signos não existe
com seus objetos de estudo, onde para ele as ideologia.”
ciências humanas constituem um saber dialógico,
visto que o sujeito quando está diante de um texto, Levando em consideração que a nossa relação com
não está diante de um objeto mudo, como ocorre o mundo se dá através de signos, não poderíamos
nas ciências naturais, que constituem um saber deixar de mencionar aqui a semiótica que é a
monológico. Nas ciências humanas o sujeito está ciência dos signos. Contrária a lingüística que
diante de um objeto dialógico, já que o texto foi trabalha somente com a linguagem verbal humana,
produzido por um outro sujeito, que deixou as suas a Semiótica visa a análise de toda e qualquer
marcas nele. linguagem. Como nos define Santaella (1983, p.13)
“A Semiótica é a ciência que tem por objeto de
investigação todas as linguagens possíveis, ou seja,
Bakhtin destaca-se por uma crítica marcante ao
que tem por objetivo o exame dos modos de
estruturalismo que trabalhava com uma análise da
língua isolada de seu contexto e de seus usuários. constituição de todo e qualquer fenômeno como
Para Bakhtin a língua deveria ser vista como fenômeno de produção de significação e sentido”.
fenômeno social, ou seja, inserida num contexto,
servindo de elo de comunicação e interação entre O objeto de estudo da semiótica é o texto, que pode
sujeitos, os quais por sua vez sendo seres ser tanto lingüístico quanto visual, segundo Pessoa
constituídos ideologicamente, teriam a possibilidade de Barros (2000), em seu livro Teoria Semiótica do
de atuar sobre esta língua na construção de texto, define-se o texto pela sua estruturação como
sentidos. Valorizando assim, a fala e a sua natureza objeto de significação, fazendo dele um todo de
social e não individual. Visto que a fala está ligada sentido, e também como objeto de comunicação, no
as condições de comunicação, que, por sua vez qual durante a análise entra o contexto sócio-
estão ligadas as estruturas sociais. histórico que o envolve.

Segundo Bakhtin (2003) a língua efetua-se em E foi pensando nas várias maneiras de significar-se
forma de enunciados, unidades da comunicação pela linguagem, que se originou por volta da década
verbal, e cada esfera da sociedade dá origem a de 60 a Análise do Discurso, ciência que busca não
diferentes tipos de enunciados, estes estilos o que o texto quer dizer, mas sim como ele significa.
diversos é que posteriormente serão denominados Neste campo de estudos não se separam forma e
gêneros do discurso, os quais fazem-se presentes conteúdo, busca se explicar a língua além da sua
no nosso cotidiano quando nos comunicamos por estrutura, como acontecimento.
meio de enunciados.

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2. O DISCURSO E AS FORMAÇÕES AD vai além, pois trabalha com o discurso que é um
IDEOLÓGICAS: INTERPRETAÇÃO E objeto sócio-histórico “[...] refletindo sobre a maneira
ATRIBUIÇÃO DE SENTIDOS. como a linguagem está materializada na ideologia e
como a ideologia se manifesta na língua”
Alguns dos pontos da teoria Bakhtiniana serão (ORLANDI, 2003, p.16)
retomados posteriormente por Foucault e Pêcheux
sob um novo viés dentro da AD. Seguiremos a AD Para o circulo de Bakhtin há uma estreita relação
de linha Francesa, visto que esta privilegia o contato entre o ideológico e o semiótico, já que vivemos
com a História, levando sempre em consideração o “num mundo de linguagens, signos e significações”
contexto como parte constitutiva do sentido. e que os signos não apenas refletem, mas refratam
“Calcada no materialismo histórico, a AD concebe o o mundo. Essa significância e busca de sentidos na
discurso como uma manifestação, uma linguagem é retomada na AD e reafirmada nas
materialização da ideologia decorrente do modo de palavras da Orlandi (2003, p. 26) “[...] a Análise de
organização dos modos de produção social”. Discurso visa a compreensão de como um objeto
(MUSSALIM, 2001, p.110) simbólico produz sentidos, como ele está investido
de significância para e por sujeitos.”
A AD vai trabalhar com o discurso como um
processo de normalização de verdades, onde o Mas para se chegar a algum sentido, é preciso
sujeito deixa de ser visto apenas como objeto e o interpretar, a interpretação será a ferramenta que irá
contexto sócio-histórico da enunciação é sempre correlacionar todos os outros fatores, além de ser o
levado em conta. Adentrando ao simbólico e a ponto de partida para qualquer análise, pois para
construção de sentidos a AD nos põe em estado de analisar é preciso primeiramente compreender e
reflexão, pois trabalha com o discurso como interpretar. Ainda nas palavras da Orlandi (2003,
mediador da relação entre língua e ideologia, onde p.26): “A Análise do Discurso não estaciona na
as interpretações são determinadas ideológica e interpretação, trabalha seus limites, seus
historicamente. O discurso foco principal da AD é mecanismos, como parte dos processos de
definido por Orlandi (2003) como “efeito de sentido significação. Também não procura um sentido
entre interlocutores”. Prática de linguagem através verdadeiro através de uma “chave” de
da qual o homem se constitui como sujeito, e onde interpretação.”
sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo.
A AD não visa encontrar um sentido verdadeiro,
“A questão do sentido torna-se a absoluto para o texto, mas sim mostrar os vários
questão da própria materialidade do sentidos presentes no mesmo, as várias formações
texto, de seu funcionamento, de sua discursivas que circundam um texto, ou seja,
historicidade, dos mecanismos dos mostrar ao leitor a opacidade presente em um único
processos de significação. A Análise do e mesmo texto.
Discurso é a disciplina que vem ocupar
o lugar dessa necessidade teórica, Portanto, a AD será o lugar onde serão trabalhados
trabalhando a opacidade do texto e os pontos interpretativos de um enunciado, pois
vendo nessa opacidade a presença do segundo Pêcheux (2002 p.53): “Todo enunciado,
político, do simbólico, do ideológico, o toda seqüência de enunciados é, pois,
próprio fato do funcionamento da linguisticamente descritível como uma série de
linguagem: a inscrição da língua na pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a
história para que ela signifique.” interpretação. É nesse caso que pretende trabalhar
(ORLANDI, 2001, p. 21) a análise do discurso.”

Segundo Orlandi (2001/2006) A AD provem da Durante muitos anos os sentidos estabelecidos pela
relação entre três regiões cientificas, o marxismo, a leitura permaneciam presos somente ao texto, como
psicanálise e a lingüística, que mostram se todo sentido estivesse presente nele. Somente
respectivamente a não-transparência da história, do com os avanços nos estudos lingüísticos é que leitor
sujeito e da língua. E é neste campo denso e e autor passam a ser vistos como sujeitos
obscuro que a AD vai vigorar, objetivando explicar construtores de sentido. Os sentidos passam a ser
os entremeios destes três modos de “opacidade” vistos então, como resultado da memória social e
que regem o discurso. histórica, ou seja, a correlação de um determinado
texto com outros já existentes nos possibilita
Um analista de discurso sempre busca relacionar a estabelecer sentidos, buscando em outros textos os
linguagem à sua exterioridade, visando implícitos presentes no primeiro.
compreender como o texto funciona, trabalhando,
portanto de forma diferente da linguistica que
analisa a língua fechada e isolada nela mesma, a

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2.1 Formação discursiva 3. ANALISANDO E COMPREENDENDO UMA
PROPAGANDA
Depois de esboçar de forma sucinta alguns dos
pontos que acredito serem importantes para uma A mulher sempre foi lembrada por ocupar uma
parcial compreensão do que é a AD, adentramos a posição inferior a do homem na sociedade, pois em
um ponto fundamental que não pode ser deixado de grande parte da história antiga e moderna o lugar de
lado em AD que é a Formação Discursiva (FD), autoridade era sempre representado pela figura do
abordada geralmente nas análises. homem. A concepção da época era a de que a
mulher era formada para o casamento. Uma FD que
Segundo Orlandi (2003, p.43): “As formações foi passada de geração para geração.
discursivas, por sua vez, representam no discurso
as formações ideológicas. Desse modo, os sentidos Se voltarmos um pouco no tempo, podemos
sempre são determinados ideologicamente. Não há relembrar a figura da mulher da década de 50,
sentido que não o seja.” Está noção de FD submissa, presa somente aos afazeres do lar, a
considerada básica para AD auxilia o analista na cuidar do marido e dos filhos. Mas com o passar
compreensão dos processos ideológicos e na dos anos essa figura se dissolve, dando luz a uma
construção de sentidos. nova mulher, uma mulher revolucionária, que
conquistou o seu espaço na sociedade, participando
Vivemos cercados por diversas FDs, e um analista de todas atividades destinadas antigamente aos
deve ter certo cuidado quando aborda este aspecto, homens.
pois um texto também é constituído de FDs, “[...] em
um texto não encontramos apenas uma formação E tudo isso ocorre não só por uma questão de
discursiva, pois ele pode ser atravessado por várias sobrevivência, mas sim de libertação da própria
formações discursivas que nele se organizam em mulher, que não quer mais ser a dona- de- casa,
função de uma dominante.” (ORLANDI, 2003, p.70). mãe e esposa submissa ao marido, ela quer o seu
Cabe ao analista, em seu papel de pesquisador, espaço na sociedade. Mostrando assim, o seu
mostrar todas essas FDs e de que forma elas potencial, a sua capacidade de fazer com êxito
influenciam na significação do texto. várias coisas ao mesmo tempo, sem deixar de ser
vaidosa e de se cuidar.
Outra definição que resume bem a noção de FD é a
coloca por Brandão (2004, p.42) em seu livro A propaganda selecionada como nosso material de
“Introdução a Análise do Discurso”, onde ele diz análise neste artigo (ver ANEXO), foi uma
que: “[...] o lugar específico da constituição dos propaganda retirada da revista “Cláudia”, do mês de
sentidos é a formação discursiva, noção que, dezembro de 1980, a qual é intitulada “Os dez
juntamente com a de condição de produção e mandamentos da sua beleza”. Começando a
formação ideológica, vai constituir uma tríade básica análise pelo próprio título da propaganda, podemos
nas formulações teóricas da análise do discurso.” perceber que a propaganda não nos coloca
Segundo ele para um bom entendimento da AD é somente os dez mandamentos da beleza, mas
necessário conhecer bem os elementos desta enfatiza através da utilização do pronome
tríade. possessivo “sua”, que não são quaisquer
mandamentos, mas sim os mandamentos da “sua”
Como sabemos nosso discurso não é neutro ele é beleza, visando assim, chamar a atenção do leitor
constituído de outros discursos, e é por meio do que para o conteúdo da propaganda.
eu quero passar com o meu discurso através da
formação ideológica, que teremos a FD, e a A escolha da presente propaganda deve-se a
constituição do sentido se dá através dela, ou seja, inúmeros fatores, dentre os quais, o mais importante
analisando as FDs que permeiam o enunciado em é o fato das duas FDs antagônicas presentes nela e
questão é que se chegará a um possível sentido que saltam aos nossos olhos, já num primeiro
para o texto. contato com a propaganda, de um lado a FD cristã,
visto que encontramos objetos simbólicos na
“Pela análise da historicidade do texto, propaganda que nos remetem a ela, dentre os quais
isto é, de seu modo de produzir a tábua de pedra e os dez mandamentos (a história
sentidos, podemos falar que um texto bíblica de Moisés, Deus e os 10 mandamentos), que
pode ser – e na maioria das vezes pregam com vigor os dogmatismos da igreja
efetivamente o é – atravessado por Católica, o cumprimento e o seguimento das leis de
várias formações discursivas. É a isto Deus.
que chamo heterogeneidade do
discurso. Discursivamente, portanto, Já num segundo momento temos presente na
um texto não é homogêneo.” mesma propaganda a FD da nova mulher da
(ORLANDI, 2006, p.23) década de 80, revolucionária, mas acima de tudo

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atraente, sedutora, sensual, objeto do desejo e do Através da análise desta propaganda, pode-se dizer
pecado, preocupada com a máxima perfeição da que sujeito e discurso não são neutros, e que as
sua beleza exterior, representada na propaganda FDs irão representar as formações ideológicas
pela figura de uma mulher despida, ao lado da como já mencionou Orlandi (2003). Portanto, com
tábua com os dez mandamentos. relação a referida propaganda cabe ressaltar aqui
novamente as várias FDs que a perpassam, de um
Encontramos então, em uma mesma propaganda lado a FD cristã (religiosidade versus pecado e
lado a lado duas FDs contrárias, a mulher que já tentação).
chama a atenção pelo fato de estar nua, o que vai
contra todas as leis cristãs, encontra-se ajoelhada e Por outro lado, temos a FD da mulher submissa,
com as duas mãos postas sobre a tábua de pedra, recatada, em oposição a nova mulher
como que idolatrando, bendizendo os dez revolucionária, sensual e tentadora, que também
mandamentos contidos na rígida pedra, ou seja, de pode ser vista sob um outro viés, será que com
um lado temos símbolos que nos remetem a FD tantas conquistas, não houveram perdas, como por
cristã e de outro a mulher despida como símbolo do exemplo, a perda de tempo para ela, e talvez seja
pecado e da tentação. essa a necessidade de produtos de beleza com
efeitos rápidos. E também a FD da mídia, que
Os dez mandamentos da beleza contidos na tábua objetiva desde sempre o consumismo, e para atingir
de pedra presente na propaganda estão dispostos o seu consumidor, utiliza-se da persuasão e de
da seguinte forma: “suas unhas serão fortes e discursos já existentes.
saudáveis, ganharás um novo rosto, usarás uma
rica jóia no pescoço, terás um busto de estátua, Mas o ponto fundamental e principal de nossa breve
perderás a barriga em uma semana, um novo análise é mostrar de que forma a FD cristã, no caso
bumbum será seu em 7 dias, eliminarás a celulite, da referida propaganda, influenciou no
deixarás de fumar, terás um corpo magro e entendimento e na construção de sentidos na
saudável, libertarás teu sex-magnetism”. Os verbos, propaganda como um todo, de que forma
assim como nos dez mandamentos da igreja, encontramos a presença do discurso cristão e
encontram-se no tempo futuro, no caso da referida bíblico na propaganda. Pode-se dizer que a
propaganda em um futuro bem próximo, pois os religiosidade e a crença na igreja estão ficando de
produtos prometem “milagres” da noite para o dia. lado, e que a preocupação maior hoje é com a
beleza exterior e não com a interior.
Posterior a cada mandamento encontramos a
descrição de um produto ou aparelho, o qual CONSIDERAÇÕES FINAIS
segundo a propaganda serão os responsáveis pela
realização do milagre da beleza, em uma época Este estudo teve como objetivo primordial mostrar
onde visavam e visam-se sempre produtos que alguns dos pontos fundamentais que constituem a
ajam rápido e façam a mulher bela da noite para o Análise do Discurso, o sujeito heterogeneamente
dia. Cabe citar aqui que a questão do milagre que constituído, perpassado por inúmeras Formações
os produtos prometem realizar no seu consumidor, Discursivas, influenciado pelo contexto sócio-
nos remetem também a uma FD cristã, a dos histórico. Ou seja, a relação entre sujeito, língua e
milagres realizados por Jesus Cristo. ideologia, visando assim, compreender como o texto
significa, como ele produz sentidos.
“Os dez mandamentos da sua beleza” constam das
coisas mais esperadas pela maioria das mulheres Dando apenas algumas pinceladas dos inúmeros
que são a beleza absoluta, a perfeição total, e o caminhos que constituem a propaganda
melhor, com ação rápida e eficaz. Está foi uma apresentada e analisada, e na consciência de que
forma que a BIO CENTER encontrou para persuadir uma análise mais detalhada necessitaria de estudos
a mulher consumista, preocupada com a beleza, e mais aprofundados com relação à Análise do
levá-la a comprar seus produtos milagrosos, e o Discurso, finalizamos aqui a reflexão feita neste
melhor com descontos promocionais e entrega em artigo, mas não as pesquisas referentes ao tema e
domicílio. esperamos ter aguçado, no leitor do nosso trabalho,
curiosidade suficiente para que ele possa vir a
Ao final da propaganda encontra-se um cupom que buscar algum conhecimento nesta área. Pois, “A
contém o nome e o valor de todos os produtos linguagem não é transparente, os sentidos não são
“milagrosos” apresentados na propaganda, o qual conteúdos. É no corpo a corpo com a linguagem
para facilitar a vida do consumidor, deve ser que o sujeito (se) diz. E o faz ficando apenas nas
recortado e enviado juntamente com o cheque no evidências produzidas pela ideologia” (ORLANDI,
valor dos produtos escolhidos e pronto, a entrega 2003, p. 53-54).
será feita na sua casa.

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REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ª ed.


São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______ . Marxismo e filosofia da linguagem. 11ª.
ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
BARROS, D. L. P. de. Teoria Semiótica do texto.
4ª. ed. São Paulo: Ática, 2000.
______ . Contribuições de Bakhtin às teorias do
discurso. In: BRAIT, B.; (org.). Bakhtin, dialogismo
e construção do sentido. São Paulo: Editora da
Unicamp, 1997.
BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do
discurso. São Paulo: Editora da Unicamp, 2004.
FARACO, C. A. Linguagem & Diálogo: as idéias
lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar
Edições, 2003.
MUSSALIN, F. Análise do Discurso. In:
MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à
lingüística: domínio e fronteiras. v.2. São Paulo:
Cortez, 2001.
ORLANDI, E. P. Discurso e Texto: formação e
circulação dos sentidos. São Paulo: Pontes, 2001.
______ . Análise de Discurso: princípios e
procedimentos. 5ª. ed. São Paulo: Pontes, 2003.
______ . LAGAZZI – RODRIGUES, S. Introdução
às Ciências da Linguagem: Discurso e
Textualidade. São Paulo: Pontes, 2006.
PEUCHÊX, M. O discurso: estrutura ou
acontecimento. 3ª. ed. Trad. Eni P. Orlandi. São
Paulo: Pontes, 2002.
REVISTA CLAUDIA. Edição nº230. São Paulo,
dezembro de 1980. p. 253.
SANTAELLA, L. O que é semiótica. 1ª. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1983.

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ANEXO
Revista Cláudia. Edição nº 230 – dezembro de
1980. p. 253

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A mais recente visão teórica sobre o processo de
UM NOVO OLHAR SOBRE ensino-aprendizagem de língua, a abordagem
sociointeracionista, a qual entende que alguns
ENSINO-APRENDIZAGEM aspectos do aprendizado lingüístico podem ser
realmente explicados à luz das abordagens
DE VOCABULÁRIO DE anteriores (Behaviorista e Cognitivista).
Sociolinguistas e analistas do discurso educacional
LÍNGUA INGLESA NO enfatizam que aprender uma língua inclui muito
mais que memorização de regras e elaboração de
ENSINO FUNDAMENTAL hipóteses e sustentam que:

Uma vez que o conhecimento nunca é


Cintia Krüger Leite Mühlmann35 suficientemente consolidado para
formar um campo seguro e
sequenciado da aprendizagem, ele
Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni36 dificilmente pode ser racionalizado
como necessário para responder às
solicitações do dia-a-dia. Torna-se
inútil pressupor que só se consegue
INTRODUÇÃO motivar os alunos através do que tenha
praticidade imediata. Mais importante
do que isso é a criação, no aluno, do
A apreensão e ampliação do vocabulário de Língua
desejo pelo conhecimento como um fim
Inglesa torna-se parte importante do processo de
em si mesmo. Isso ocorre através da
ensino-aprendizagem. Nas atividades de ampliação
aprendizagem significativa que traga ao
do vocabulário em Língua Inglesa, o professor deve
aluno o prazer de acrescentar algo à
atuar como mediador, objetivando desenvolver nos
sua estrutura cognitiva. (AUSUBEL,
alunos a capacidade de decodificação e construção
1987, p. 402)
de sentidos. No processo de construção dos
significados de um texto, o aluno precisa atentar
para a sinteticidade da linguagem, para a É importante a elaboração de currículos em que se
contribuição significativa da imagem na construção passe das intenções educativas aos objetivos
do mesmo, para as informações pressupostas e educacionais, tendo uma prática pedagógica
subentendidas e para o elemento lúdico essencial e suficientemente eficaz para guiar de maneira
caracterizador desse texto. coerente e adequada essas intenções educativas,
com vistas à aprendizagem do aluno.
A utilização de estratégias de ensino em sala de
aula proporcionam ao estudante as experiências De acordo com McLaughlin (1987, p. 110, tradução
necessárias para a eficaz aprendizagem de Língua nossa): "O processo geral de aculturação como
Inglesa. O direcionamento da aprendizagem de envolvendo modificação de atitudes, conhecimentos
vocabulário utilizando o conhecimento prévio da e comportamentos ... Parte deste processo envolve
língua materna na construção dos significados na a aprendizagem de hábitos lingüísticos adequados
nova língua. Torna-se importante citar que, ao para funcionar dentro da língua-alvo do grupo”.2
professor, cabe utilizar estratégias comunicativas de
modo a levar o aluno a poder atuar em situações O ensino-aprendizagem de Língua Inglesa, foco
diversas de produção escrita; dispor de estratégias central desta pesquisa, tem ocupado um lugar de
de aprendizagem como ações específicas para destaque no ensino de línguas nas escolas públicas
ampliação e otimização do vocabulário em Língua do país.
Inglesa e aprender esse vocabulário de forma
lúdica, visando sua proficiência. Embora a maioria das propostas curriculares sugira
o uso da abordagem comunicativa no ensino de
1. ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA língua estrangeira, atitude resultante do enfoque
INGLESA NO ENSINO FUNDAMENTAL sociointeracional, a realidade indica um número
excessivo de atividades de tradução, memorização
de vocabulário e estruturas gramaticais
35
Especialista em Línguas Estrangeiras Modernas na descontextualizadas na escola.
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras
(FAFIUV).
36
Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná De acordo com Baker e Westrup (2000, p. 38),
(UFPR); Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela UFPR; quando o novo vocabulário é apresentado aos
Professora do Colegiado de Letras da FAFIUV. Bolsista alunos, o professor precisa mostrar o que cada
da FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA. palavras quer dizer, sua pronúncia correta e seu

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uso. O professor pode, por exemplo, mostrar o proveito de aulas de língua, ou seja, os alunos não
significado de uma nova palavra com gestos, aprendem apenas o que o professor ensina.
mostrando figuras ou objetos reais.
Neste contexto, pode-se afirmar que a aula, de fato,
É preciso considerar que o aluno, desenvolvendo-se se constitui em eventos co-produzidos, em que
em uma cultura letrada globalizada, está exposto todos os participantes são simultaneamente
aos diferentes usos da linguagem escrita e ao seu envolvidos na aprendizagem – em um processo de
formato, e tem, portanto, diferentes concepções a interação.
respeito desse objeto cultural.
Muitos autores concordam em atribuir à interação
O ensino não existe por si só, mas precisa ser um papel essencial no desenvolvimento do
mediado pela aprendizagem; ele tem a função de processo ensino-aprendizagem. O tipo de atividade
facilitador da aprendizagem numa concepção de sala de aula e o ambiente de aprendizagem são
histórico-cultural. muito mais importantes e determinantes nos
resultados do que as características isoladas de
Neste entendimento, o texto é compreendido como professores, salas de aula e escolas.
uma forma de linguagem configurada socio-
historicamente dentro de determinado ambiente Quando os estudantes lêem uma
social. Busca-se, assim, a constituição de um aluno história e depois discutem seu
leitor e produtor na sala de aula, desenvolvendo conteúdo, ou quando eles aprendem o
uma ação pedagógica que possibilite o contato e o vocabulário ou estruturas gramaticais
envolvimento com textos variados, quer seja na encontradas na história, eles podem
língua materna ou na língua estrangeira própria do praticar essas habilidades lendo o que
currículo escolar. A formação desse aluno leitor- eles já sabem, mas é muito improvável
3
produtor deve ser o projeto educativo ao se ensinar que eles aprenderão novos itens.
um código lingüístico estrangeiro. (MIKULECKY, 1990, p.27, tradução
nossa)
Somente na medida em que é prático ou cultural é
que o ensino escolar de uma língua, que não a Por isso mesmo, há contradições quando se afirma
materna, responde aos objetivos educacionais. que os resultados pedagógicos dependem apenas
do aprendiz, quando o fator que realmente os
Oliveira (2001, p. 56) focaliza a concepção de determina é a interação entre os indivíduos e os
Vygotsky, registrando que só o processo de ambientes educacionais e sociais nos quais foram
aprendizado - desencadeado num determinado colocados; incluem-se aqui também os fatores
ambiente sociocultural onde isso seja possível - é anteriores à escola, e que acabam por formar a
que pode despertar os processos de personalidade do aprendiz e determinar, em grande
desenvolvimentos internos do indivíduo que parte, sua motivação.
permitem a aquisição do conhecimento.
Ao desenvolver estratégias de aprendizagem em
Pode-se afirmar que a aprendizagem é uma língua inglesa, então, pode-se concebê-las sob uma
atividade constitutiva de sujeitos capazes de inteligir perspectiva sócio-histórica, a fim de instrumentalizar
o mundo e nele atuar como cidadãos; sujeitos que o aluno para que queira escrever e se sinta capaz
sejam capazes de ultrapassar os limites de um texto de escrever, posicionando-se como sujeito atuante
e de incorporá-lo reflexivamente ao seu universo de em uma sociedade letrada. Isso se dará através da
conhecimento. apropriação do vocabulário e sua otimização para
produção de diferentes ações de aprendizagem.
O professor deve trabalhar com os conteúdos de
forma gradativa, priorizando o conhecimento que o Para Baker e Westrup (2000, p. 37) as palavras
aluno tem e a organização textual que lhe seja mais comuns e úteis são aquelas que
familiar em língua materna. primeiramente se tornam nosso vocabulário ativo e
o professor pode acelerar o processo de
No ensino da língua inglesa, existem dados armazenamento dando dicas úteis para guarda-las
e praticando muito as palavras novas.
empíricos que demonstram que a maior parte dos
alunos não sabe identificar o que foi ensinado numa
sala de aula em nível de conteúdo programático, Nesse sentido, a inclusão da linguagem da mídia
apesar de sua explicitação nos materiais didáticos e em atividades de língua estrangeira, por sua
dos procedimentos do professor. Evidencia-se, aqui, multiplicidade potencial, possibilita inúmeras
que o planejamento lingüístico cuidadoso tem pouco atividades, em que o professor age como mediador,
poder sobre a maneira dos aprendizes tirarem

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objetivando desenvolver, nos alunos, a capacidade 2. ENSINO-APRENDIZAGEM DE VOCABULÁRIO
de decodificação e construção dos sentidos. EM LÍNGUA INGLESA

No ensino de língua inglesa, os processos Há dois aspectos fundamentais que devem ser
metodológicos devem ser considerados parte do considerados no ensino-aprendizagem significativo
conteúdo, uma vez que é apenas através do que se de Língua Inglesa. Primeiramente, faz-se
solicita que os alunos de fato realizem com a língua necessário conscientizar os alunos acerca da
que os mesmos estarão expostos a um modelo dos pluralidade cultural representada pelo idioma inglês.
seus possíveis usos. O papel do aluno é visto como Em segundo plano, está a língua inglesa como
central nesta perspectiva, que, por sua vez, moeda de troca internacional atual e, portanto, o
favorece prerrogativas de interação. que se impõe ao tentar caracterizar o ensino-
aprendizagem de língua inglesa é a relevância.
Krashen (1982, p. 20-21) diz que “aprendizes
compreendem um enunciado não através da forma, Conforme leituras em Cowie (1988), percebe-se que
mas concentrados no significado da mensagem, e o a noção de que o significado das palavras e das
processo interativo de tornar o enunciado sentenças são ‘negociáveis’ através da interação
compreensível se constitui na própria entre os falantes - isto é , criada ou interpretada por
aprendizagem”. um falante para um ajuste de suposições e
conhecimentos do outro – torna-se um acesso de
Conhecendo o papel essencial da interação na ensino de linguagem comunicativo no qual deve
aprendizagem efetiva, o professor pode ter, de considerada qualquer evolução dos aprendizes.
maneira mais objetiva, implicações mais práticas
para o ensino-aprendizagem de Língua Inglesa. As estratégias de ensino-aprendizagem de
Para Schimitt e Mccarthy (1997, p. 179), vocabulário têm por finalidade explicar novas
“claramente, quanto mais conscientes das palavras, ampliando o repertório do aluno e,
semelhanças e diferenças entre a sua língua conseqüentemente, ampliando sua capacidade de
materna e da língua-alvo os alunos estiverem, mais leitura e produção de textos. Mas todo este trabalho
fácil lhes será adotar uma aprendizagem eficaz e de leitura e escrita deve estar voltado para a
estratégias de produção.” aprendizagem significativa.

No processo de aprendizagem de uma língua Baker e Westrup (2000, p. 37) dizem que os alunos
estrangeira, o reconhecimento da língua como têm seu aprendizado de vocabulário novo dividido
prática social manifesta-se na utilização de em duas fases: primeiramente lendo ou ouvindo as
estratégias discursivas diversas que permitam ao palavras novas, é quando eles podem reconhecê-
aluno interagir nas diversas relações sociais a que é las, mas eles ainda não estão prontos para usá-las.
exposto cotidianamente. Aí então, quando eles começam a usar a palavra é
que ela se torna parte do vocabulário ativo deles.
A aprendizagem de outra língua contribui para que o
aprendiz tenha a oportunidade de vislumbrar uma Uma questão que pode facilitar a aprendizagem de
sociedade diferente da sua, com história, valores e vocabulário e que, segundo Boni (2006, p. 55), tem
tradições peculiares. Essa percepção do outro e do atraído a atenção, são as EAV - Estratégias de
diferente provoca uma tomada de consciência em Aprendizagem de Vocabulário - que são vistas
relação a sua própria condição de cidadão. como perspectivas diferenciadas de aprendizagem,
afastando-se do ensino orientado e levando o
Conforme Hewings e McKinney (2000), o aluno usa aprendiz ao interesse na aprendizagem de uma
o conhecimento adquirido para compreender o que nova língua. Neste contexto, os alunos fazem uso
ouve em seu cotidiano. Dessa forma, ao escutar de estratégias para aprender vocabulário com várias
diferentes sons, o aprendiz os traduz também a atividades lingüísticas, como apresentação oral,
partir de experiências vividas em sala de aula. Por produção de uma pronúncia compreensível,
isso são importantes as aulas dinâmicas, em que perguntas ou argumentação que exija uma
diversos e diferentes conteúdos servem como apoio manipulação ativa de informações.
ao processo ensino-aprendizagem, pois muitas são
as oportunidades para o aluno envolver-se com a Essas áreas se resumem na forma como os
língua estrangeira e mais ainda com a Língua aprendizes regulam sua aprendizagem da língua.
Inglesa, porém, são necessárias ferramentas para Portanto, para a aprendizagem de uma nova língua,
que o processo de aprendizagem se dê – eis aí o o professor pode utilizar-se de toda variedade de
trabalho do professor. atividades, como uso do vocabulário e pronúncia,
atividades gramaticais de comunicação oral e
compreensão de leitura.

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As atividades de aprendizagem precisam ser O professor é mediador do conhecimento, planeja
delineadas requerendo múltiplas manipulações da atividades significativas para estabelecer a
palavra, o que pode ser feito em forma de músicas, aprendizagem, a investigação, a pesquisa que
fábulas ou tirinhas diferentes tipos de texto. orienta a mudança de conceitos preexistentes em
conexão às práticas e à teoria científica
Em vez de serem usadas individualmente, as estabelecida. Sob esse ponto de vista, não somente
múltiplas EAV são usadas simultaneamente; são o professor, mas também o conteúdo, a forma de
normalmente utilizadas várias estratégias de ensiná-lo e os objetivos, como componentes do
aprendizagem. Dessa forma, os alunos, mesmo ensino, seriam mediadores da atividade de
aqueles com maior dificuldade, estruturam sua aprendizagem.
aprendizagem de vocabulário, revisam e praticam
as palavras-alvo e, conscientes das relações Ao utilizar textos literários para ampliação do
semânticas entre as palavras novas e as vocabulário em Língua Inglesa, os alunos já trazem,
previamente aprendidas, tornam-se também consigo, uma perspectiva de fruição, traduzindo-se
conscientes de sua aprendizagem e seguem os em trabalhos artísticos e lúdicos, com maior
passos para regulá-la. facilidade. Cada proposta de atividade para
ampliação do vocabulário em Língua Inglesa deve
Segundo GASS (1995, p. 9) é importante termos levar em conta que, ao mesmo tempo em que o
conhecimento de como a segunda língua é aluno deve apropriar-se da escrita como forma de
aprendida e das ferramentas para testarmos e interlocução, como atividade discursiva, o que
interpretarmos sua aquisição dentro de sala de aula. ocorre, basicamente, pela criação de situações
tanto quanto possíveis naturais e reais de produção
Para a efetivação do processo de ensino- de textos, deve também ser conduzido a várias
outras aprendizagens.
aprendizagem de língua inglesa, verifica-se a
importância de integração entre as disciplinas.
Neste aspecto, uma estratégia de ensino pode O aluno, aprendiz em Língua Inglesa, deve
também dispor de ilustrações, de música, de aprender a distinguir o texto oral do texto escrito, a
apresentações do tema estudado para ampliar o estruturá-los adequadamente e deve apropriar-se
vocabulário e para que o mesmo possa ser utilizado de recursos de coesão próprios do texto escrito.
por outros aprendizes – processo de interação. Nesse sentido, as estratégias aqui delineadas têm
como primeiro objetivo demonstrar as múltiplas
Na práxis pedagógica, segundo Vygotsky (1998), o possibilidades de trabalho com a escrita e utilização
de novo vocabulário.
educador é aquele que, tendo adquirido o nível de
cultura necessário para o desempenho de sua
atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem. O trabalho do professor será colocar os alunos em
Ele assume o papel de mediador entre a cultura contato com todo tipo de linguagem, para isso,
elaborada, acumulada e em processo de utilizando letras de músicas, fábulas e tiras em
acumulação pela humanidade, e o educando. O quadrinhos, e mostrando as opções de construção
professor exercerá o papel de mediador entre o textual que não podem acontecer desvinculadas da
coletivo da sociedade (os resultados da cultura) e o análise textual.
individual do aluno.
Neste contexto, registra-se que a vivência do aluno
Em termos de ação educativa, o educador será com a Língua Inglesa, através de atividades que
aquele que tem a responsabilidade de dar a direção efetivam a apropriação e ampliação do vocabulário,
ao ensino, e o educando, aquele que, participando torna-se fundamental para a apropriação de novas
do processo, aprende e se desenvolve, formando-se formas de lidar com a linguagem, visando a
tanto como sujeito ativo de sua história pessoal formação de leitores e produtores de textos. Através
quanto como da história humana. dessa vivência, as aulas de Língua Inglesa poderão
ser transformadas em momentos pedagógicos
A concretização das intenções educacionais interessantes, motivadores e lúdicos.
caracteriza-se por atividades organizadas e
seqüenciadas, as quais necessitam de orientações REFERÊNCIAS
curriculares para que sejam atingidos seus
objetivos. Para isso, é necessário também prever AUSUBEL, D. Psicologia educacional. In: Costa, D.
uma avaliação que possibilite averiguar se a ação N. M. da. Por que ensinar LE na escola de
pedagógica é condizente com as intenções primeiro grau. São Paulo: ECUC, 1987.
planejadas. BAKER, J.; WESTRUP, H. The English language
teacher’s handbook: how to teach large classes
with few resources. London: Continuum, 2000.

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LUMINÁRIA 2010
BONI, V. de F. C. V. Estratégias de aprendizagem
de vocabulário em língua inglesa. In: KARWOSKI, FOUCAULT EM MACHADO
A. M.; BONI, V. de F.C. V. (Orgs.). Tendências
contemporâneas no ensino de línguas. União da DE ASSIS OU MACHADO DE
Vitória: Kaygangue, 2006.
COWIE, A. P. Stable and creative aspects of ASSIS EM FOUCAULT: A
vocabulary use. In: CARTER, R. & MCCARTHY, M.
Vocabulary and Language Teaching. England:
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LOUCURA E O PODER EM
GASS S. M. Learning and Teaching: The Necessary
Intersection. In: ECKMAN, F. R. et al Second
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Learning English. United Kingdom: The Open Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni38
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MIKULECKY, B. S. A short Course in Teaching
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Company, 1990.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e A partir de Saussure a lingüística ganhou ênfase no
desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São campo das ciências e a língua tornou-se objeto de
Paulo: Scipione, 2001. estudos abrindo assim caminho para o surgimento
VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente. São de várias vertentes teóricas para explicar os seus
Paulo: Martins Fontes, 1998. fenômenos. Sabemos que os estudos lingüísticos
são de extrema importância para que o homem
compreenda e reflita sobre os prazeres e perigos
que a língua pode nos remeter. Uma vez que, por
meio da linguagem é possível conhecermos nossa
própria história, através dos discursos que são
materializados pelo homem atravessando gerações,
pois a linguagem enquanto discurso não servirá
apenas como um simples instrumento de
comunicação e interação, é um produto social,
sendo portanto um lugar privilegiado para as
manifestações e confrontos ideológicos.

O discurso por sua vez, é uma ação do sujeito sobre


o mundo, ao mesmo tempo que necessita aparecer
também precisa ser contextualizado como um
acontecimento construindo assim uma vontade de
verdade, pois quando o pronunciamos acabamos
agindo sobre o outro marcando uma posição.
Enfocar os estudos da Análise de Discurso
Francesa para a compreensão destes confrontos
encontrados na língua é uma tentativa de caminhar
para o entendimento desses discursos de verdades
e sua materialização histórica construída nos
sujeitos, e que acabam se normalizando
ultrapassando gerações.

37
Graduada em Letras. Pós-graduanda em Língua
Portuguesa e Literaturas na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FAFIUV).
38
Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR); Mestre em Letras pela UFPR;
Professora do Colegiado de Letras da FAFIUV. Bolsista
da FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA.

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LUMINÁRIA 2010
Dentro desta perspectiva, a presente reflexão do discurso está na base da produção da existência
acerca desses discursos de verdade, objetiva humana.
apresentar e analisar o discurso sobre a loucura
proposto por Machado de Assis, em seu livro “O A Análise de Discurso não trabalha
Alienista”, e a semelhança encontrada em “A com a língua enquanto um sistema
História da Loucura”, bem como em outros escritos abstrato, mas com a língua no mundo,
foucaultianos. Permitindo-nos dessa forma com as maneiras de significar, com o
indagarmos como os discursos relacionam-se homem falando, considerando a
mesmo tendo sido escritos em contextos e épocas produção de sentidos enquanto parte
diferentes. Sabe-se entretanto, que a literatura é a de suas vidas, seja enquanto sujeitos
recriação da realidade através das palavras, é o ser seja enquanto membros de uma
humano expressando-se mediante aquilo que reflete determinada forma de sociedade.
no seu interior e social, portanto aliar estes estudos (ORLANDI, 2002, p. 16)
teóricos lingüísticos com a literatura é uma maneira
de mostrar como o homem sofre a influência Compreende-se então que se levará em conta o
dessas formas de verdades , levando-as para as
homem na sua história, considerando-se os
obras literárias. Utilizando do irreal e imaginário processos e as condições de produção da
para retratar algo tão real, mostrando nitidamente linguagem, pela análise das relações estabelecidas
como os sujeitos são conduzidos a essas noções de
pela língua com seus sujeitos que a falam e as
verdade e como o poder impera sobre elas. situações em que se produzem os dizeres. No
entanto “para encontrar as regularidades da
1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA linguagem em sua produção, o analista de discurso
ANÁLISE DE DISCURSO relaciona a linguagem à sua exterioridade”
(ORLANDI, 2002, p. 16).
Existem várias maneiras de se estudar a linguagem,
estes estudos podem estar concentrados tanto na A Análise do Discurso de linha francesa surgiu na
parte lingüística (língua enquanto sistema de signos década de 60 na França, tendo como seus
ou regras formais) ou como na gramática normativa principais precursores Michel Pêcheux e Michel
(normas do bem dizer, de acordo com as regras Foucault. Segundo Gregolin (2004) embora
gramaticais). Para Orlandi (2002) a própria palavra Pêcheux e Foucault tivessem projetos
gramática e língua podem ter significados distintos, epistemológicos distintos eles encontram-se em
o que fez com que as gramáticas e as formas de vários pontos. Pêcheux se concretiza na busca de
estudar a língua fossem e sejam diversas em construir a análise do discurso estando envolvido
diferentes épocas, variando também suas nos seus estudos a língua, os sujeitos e a história,
tendências, estudos e autores. dialogando constantemente com Saussure, Marx e
Freud.
Pensando nas muitas maneiras de significar, que os
estudiosos começaram a se interessar pela O percurso de Pêcheux na elaboração na AD deu-
linguagem com certa particularidade, dando origem se através da proposta de uma reflexão sobre a
a Análise de Discurso, ela não vai ater seus linguagem que aceita o desconforto de não se
estudos nas questões da língua e gramática, ajeitar nas evidências do lugar já feito (ORLANDI,
embora lhe interessem, trabalhará com o discurso 2002). Pode-se compreender que seus princípios
“A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a teóricos estão nas lacunas que as outras disciplinas
idéia de curso, de percurso, de correr por, de deixam passar despercebida, trabalhando assim
movimento” (ORLANDI, 2002, p. 15). Portanto o com a (des) construção do seu objeto, o discurso,
discurso é a palavra em movimento, prática de exercendo assim a arte de refletir nos entremeios.
linguagem, por meio do discurso pode-se observar o
homem falando. Orlandi (2002, p. 08):

Na AD (Análise de Discurso) “procura-se A Análise do Discurso – quer se


compreender a língua fazendo sentido, enquanto considere como um dispositivo de
trabalho simbólico, parte do trabalho social, geral,
análise ou como a instauração de
constitutivo do homem e da sua história” Orlandi novos gestos de leitura – se apresenta
(2002, p. 15), concebe-se então a linguagem como com efeito como uma forma de
mediação necessária entre o homem e a realidade
conhecimento que se faz no entremeio
natural e social. Essa mediação é o discurso, que e que leva em conta o confronto, a
torna possível a permanência, continuidade, contradição entre sua teoria e sua
deslocamento e a transformação do homem e da prática de análise. E isto
realidade em que vive, ou seja, o trabalho simbólico
compreendendo-se o entremeio seja no
campo das disciplinas, no da

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LUMINÁRIA 2010
desconstrução, ou mais precisamente historicamente através de práticas discursivas e que
no contato do histórico com o se dá no entrecruzamento do discurso, sociedade e
lingüístico , que constitui a história está presente nos três momentos, onde são
materialidade específica do discurso. observados principalmente as mudanças nos
saberes e sua conseqüente articulação com os
Foucault relaciona-se com Nietzsche, Freud, Marx, poderes. Neste sentido o sujeito foucaultiano será o
indicando assim uma relação muito mais forte de resultado de uma produção que se da no interior de
Pêcheux com a Lingüística, preocupando-se um espaço delimitado pelos três eixos da ontologia :
também com uma busca metodológica, ao contrário - ser/saber; - ser/poder e ser/si (GREGOLIN 2004).
de Foucault que preocupa-se com as problemáticas
da História e da Filosofia, não tendo como objetivo 2. A TRAJETÓRIA DA ANÁLISE DO
imediato construir uma teoria do discurso. DISCURSO

As temáticas de Foucault sempre foram Segundo Teixeira (2005) a denominação análise do


amplas envolvendo as relações entre discurso possui hoje grande quantidade de
os saberes e os poderes buscando a enfoques, sendo que sobre o seu rótulo encontram-
compreensão e as transformações se duas perspectivas rivais: anglo-americana,
históricas destes saberes. “A obra de destacando Labov, Austin, Goffman, Grice,
Foucault se insere em uma tradição Garfinkel; e a francesa em que nomes mais
filosófica que vem de Kant, significativos são Michel Pêcheux e Michel Foucault.
Kierkegaard, Nietzsche, que aponta o O ponto de fratura dessas duas correntes é o modo
fim do humanismo, vem da idéia de como cada uma delas toma a questão do sujeito e
homem livre para escolher seu destino” sua relação com a linguagem.
(GREGOLIN, 2004, p. 55).
Pode-se chamar a primeira de pragmático-
Para Gregolin (2004) Foucault não promoveu comunicacional, pois coloca o sujeito na
apenas um diálogo conflituoso com a filosofia, a exterioridade da linguagem, onde este é capaz de
história etc, mas deslocou as disciplinas e os controlar a comunicação. No segundo enfoque não
saberes tematizando as condições epistemológicas se crê na transparência e nem na exterioridade do
que propiciaram o aparecimento de um campo no sujeito em relação à linguagem, trilhando este
qual o homem é o sujeito do saber, seu veio central caminho Pêcheux apelará para o materialismo
é a réplica ao “homem”, visto pela filosofia histórico e a psicanálise ao defender a idéia de que
humanista como sujeito livre e racional. o dizer escapa sempre ao enunciador. As idéias
pêcheutianas vão divergir em alguns aspectos nas
Ainda com base nos estudos de Gregolin (2004) de Foucault, pois ele não propõe uma análise
veremos que Foucault passa por três momentos : - lingüística do discurso e nem tomará o materialismo
arqueológico : nesta fase pensa no homem como histórico e a psicanálise ao convocar a sua
objeto e ao mesmo tempo sujeito, os livros escritos concepção de sujeito (TEIXEIRA, 2005).
nesta fase exprimem a vontade de voltar às fontes
do momento racional; - genealógico : sua atenção Retomando Gregolin (2004) tomamos o
estará voltada para as práticas do poder e suas conhecimento de que tanto Pêcheux quanto
relações que se estabelecem entre o saber e o Foucault foram alunos de Althusser e a análise do
poder; em um terceiro momento ele vai abordar os discurso proposta por Pêcheux tem uma profunda
procedimentos de subjetivação que constituem nos relação com as teses authusserianas, que estão
sujeitos a idéia de identidade. relacionadas com as lutas de classes e a teoria ,
norteando assim seus primeiros trabalhos, pois ele
O sujeito é, portanto, o lugar para onde Foucault foi um “militante , um homem do Partido, um filósofo
olhará na construção de sua obra. Ele é o seu que não separava teoria e política” (GREGOLIN,
objeto, seja enquanto objeto de saber, seja 2004, p. 113). Sua relação com Althusser será
enquanto objeto do poder, seja enquanto objeto de permeada pela defesa desse princípio de que a
construção identitária. (...) Portanto, o objetivo teoria tem que ser pensada como intervenção na
fundamental de Foucault é “produzir uma história luta de classes.
dos diferentes modos de subjetivação do ser
humano na nossa cultura” e se essa história é Foucault também teve seus estudos impulsionados
constituída pelo discurso, a relação entre por Althusser, a relação entre os dois foi além de
linguagem, história e sociedade está na base de mestre e aluno, mostraram uma grande amizade a
suas reflexões. (GREGOLIN, p. 58-59) partir das citações que eles se fizeram em seus
livros. Relação esta que pode ser acompanhada
É importante ressaltarmos que o sujeito visto como desde o primeiro até o último trabalho de Foucault.
uma fabricação, uma construção realizada Embora houvesse tanta fidelidade para com seu

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mestre ele nunca concordou com os althusserianos deslocamento metodológico em relação a história
em um ponto, “aquilo que ele chama de “culto das ciências, o método que propôs é conhecido
personalista a Marx” Gregolin (2004, p. 114), nunca como “arqueologia do saber”, ao contrário do que
concordou em buscar uma ciência no marxismo. Os muitos saibam essa denominação é um ponto de
discípulos de Althusser não aceitavam o lugar que chegada e não de partida, é um resultado também
ele atribui a Marx na sua história do saber, pois ele histórico, onde para definir a arqueologia sempre
nega aquilo que Althusser considera “o corte procurou se situar em relação a epistemologia.
epistemológico”, o fato de Marx haver inventado o Portanto, para se dar conta de um determinado
“continente história”. Foucault afirma ainda que o discurso é indispensável considerá-lo interna e
marxismo está no pensamento do século XIX externamente, desta forma a especificidade da
comparando-o ainda como um peixe dentro da história arqueológica pode ser delimitada a partir da
água, que em qualquer outro lugar ele deixa de problemática da racionalidade (MACHADO, 2006).
respirar. (GREGOLIN 2004).
3. O SABER E O PODER
Para Sargentini e Navarro ( 2004, p. 13):
Conforme os estudos de Sargentini e Navarro
Foucault é negado, porque se acredita (2004) é importante lembrar-mos que enquanto a
que ele sustenta um discurso marxista AD reunia esforços para compreender os discursos
paralelo. Segundo seus críticos, políticos , com objetivo de oferecer instrumento para
Foucault mata a história, uma vez que sua leitura, Foucault inaugura o que tornou-se alvo
não trabalha com as noções de de interesse de muitos pesquisadores, os discursos
ideologia, de divisão e de luta de do cotidiano.
classes; soma-se a isso o fato de que
ele, conforme Pêcheux, não teria Com base nos estudos de Gregolin (2004), sabe-se
considerado, em suas análises das que o objetivo principal de Foucault em primeiro
condições de possibilidade do discurso, momento não era de construir uma teoria do
a categoria marxista da contradição. discurso. Suas temáticas sempre estiveram
relacionadas com o saber e o poder, assim o autor
De acordo com Machado (2009) para buscou compreender a transformação histórica dos
compreendermos essa ruptura que o autor fez na saberes que possibilitaram o surgimento das
epistemologia, torna-se importante que vejamos ciências humanas,para compreendermos melhor as
mesmo de maneira sucinta o que vem a ser a idéias foucautianas torna-se importante retomarmos
epistemologia e a arqueologia. Os estudos mesmo que rapidamente uma de suas obras “A
epistemológicos são uma reflexão sobre a produção ordem do discurso”, o qual é na verdade o seu
de conhecimentos científicos que tem por objetivo discurso da aula inaugural no Collège de France em
avaliar a ciência do ponto de vista da cientificidade, 2 de dezembro de 1970. O mesmo incita-nos para a
elegendo a história como instrumento privilegiado constituição dos sujeitos nas relações entre o saber
de análise. No entanto a história das ciências só e o poder. Pode-se perceber que os discursos
pode realizar seu objetivo, estabelecendo-se e seguem um conjunto de regras uma ordem de leis
situando-se em uma perspectiva filosófica, nas criações das verdades naturalizando-se nas
distinguindo-se desta forma das outras disciplinas formas de pensar o mundo, são materiais e
propriamente históricas ou cientificas. “Para a possuem um caráter transitório, poderes e perigos,
epistemologia, a ciência, discurso normatizado e lutas, vitórias, etc.
normativo, é o lugar próprio do conhecimento e da
verdade e, como tal, é instauradora da Segundo Foucault (2001) em todas as sociedades o
racionalidade” (MACHADO, 2009, p.07). discurso é controlado, selecionado e organizado
como forma de esquivar-se de sua materialidade,
A arqueologia por sua vez, pretende ser uma crítica daí os procedimentos de exclusão e interdição
da própria idéia de racionalidade estabelecendo explicitados no texto confirmando-nos que nem tudo
inter-relações conceituais no nível do saber, nem pode ser dito, existem direitos privilegiados ou
privilegia a questão da verdade, nem estabelece exclusivos para certos sujeitos (as relações de
uma ordem temporal da racionalidade cientifica poder). Observamos que o autor vai trabalhar com
atual, realizando assim uma história dos saberes. as verdades, que elas não são apenas modificáveis,
Foucault jamais criticou implícita e explicitamente a mas deslocam-se, pois são sustentadas por um
epistemologia, mas mesmo respeitando a sua sistema de intuições que as impõe e reconduzem,
especificidade, sempre procurou mostrar como a que não se exercem sem pressão, e sem ao menos
história epistemológica se encontrava na uma parte de violência. Estas verdades deslocam-
impossibilidade de analisar convenientemente os se no tempo e o seu desejo de verdade é apenas
problemas relacionados às produções de verdade uma denominação diferente para o desejo de poder,
nas ciências. Com isso fez um importante

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que impulsionam as ações dos seres humanos em apenas “o aparecimento do louco no âmago da
direção ao conhecimento. questão da verdade e da razão, como ameaça,
irrisão, ilusão” (MACHADO 2009, p.53).
Destarte, essa vontade de verdade vai apoiar-se em
um suporte institucional, reduzida por um conjunto Portanto pensando nas questões de verdade e
de práticas. Conforme Gregolin apud Navarro razão, sem esquecermos que não se pode pensar
(2006) nos estudos foucaultianos o discurso é em ambas sem incluirmos o poder, é que nos
material e segue um conjunto de regras anônimas, delinearemos nestes dois autores para buscar a
históricas, sempre determinadas no tempo e no materialização que nos levam a pensar no louco e
espaço, as quais definirão as condições de principalmente no seu discurso, como ameaça,
exercício da função enunciativa. Os sujeitos ilusão , interdição e até mesmo exclusão.
encontrados nestes discursos não são concretos
nem psicológicos e sim históricos. Onde um mesmo Ao longo da narrativa Dr. Simão Bacamarte
indivíduo pode ocupar alternadamente em uma persegue o objetivo de conhecer as fronteiras entre
série de enunciados, diferentes posições e papéis. a razão e a loucura, Foucault pretende com a
Neste caso estaremos trabalhando com um sujeito reduzida análise da loucura no Renascimento, por
que não é totalmente assujeitado. meio de expressões pictóricas e lingüísticas atestar
através da elaboração simbólica da época , o início
4. LOUCURA E PODER EM “O ALIENISTA” de um processo de dominação da loucura pela
razão.
Na obra Machadiana, a figura de Bacamarte eleva
novo olhar para questões do poder, na época de um No Renascimento a loucura e a razão acontecem
Brasil colônia, de maneira irônica e satírica faz uma em um espaço conflituoso, assim como em Itaguaí,
crítica ao cientificismo naturalista que influenciava que passará por conflitos a partir do momento em
os poderosos. que Dr. Bacamarte começa a internar pessoas que
estão em seu estado de sanidade mental perfeitos
As crônicas da Vila Itaguaí, terão como foco são consideradas loucas, por reivindicarem direitos,
principal as teorias do Dr. Simão Bacamarte em fazer questionamentos e colocar em dúvida as
torno da loucura, “médico filho da nobreza da terra e verdades as quais estão sendo expostas. Foucault
o maior dos médicos do Brasil” (ASSIS, 2008, p. em “A Ordem do discurso” coloca em voga esta
15), o qual entregou-se de corpo e alma aos questão , que em todas as sociedades o discurso é
estudos da ciência e viu na patologia cerebral uma controlado, selecionado e organizado, não podemos
forma de cobrir-se de “louros” imarcescíveis a e nem temos o direito de dizer tudo o que
ciência lusitana e particularmente a brasileira. pensamos, existem certos poderes e perigos ao
proferirmos algo que foge a sua ordem. Dr.
O discurso proposto em “O Alienista” possui marcas Bacamarte remete-nos a Foucault (2001) e os
discursivas que assemelham-se aos escritos de procedimentos de exclusão, um deles é a oposição
razão e loucura, pois o discurso do louco não pode
Michel Foucault, mesmo se tratando de textos
circular como o dos outros sujeitos, sua palavra é
constituídos em épocas e contextos diferentes. Em
primeira instância encontramos essa discursividade considerada nula, não possui verdade.
em sua obra “A História da Loucura”.
As relações discursivas de verdade e poder,
configuram-se na narrativa de Machado de Assis na
Dr. Simão Bacamarte personagem fictício de
medida em que todos aqueles que mostram-se
Machado de Assis (O Alienista) constrói um edifício
para tratar de todos os loucos que até então viviam contrários as idéias do médico são internados, até
trancados, se muito furiosos, ou os mais calmos mesmo o presidente da câmara dos vereadores é
entregue a reclusão por seus companheiros,
perambulavam pelas ruas, “não curados, mas
provando assim a influência do médico sobre a
descurados, até que a morte os vinha desfrutar do
beneficio da vida (...)” (ASSIS,2008, p. 17). Claro, cidade, tanto que ele consegue controlar esses
isso tudo mediante a uma verba que a prefeitura discursos até o momento que se auto-condena
juntamente com a câmara dos vereadores como ele sendo o louco. No entanto, pode-se
perceber que o poder discursivo de Simão
arrecadariam com novos impostos e seriam
repassados para os custeios do médico, Bacamarte dura até o final da narrativa, onde as
principalmente para cobrir os gastos daquelas suas verdades acabam por imperar e materializar-
se sobre os discursos do resto da população.
famílias que não tinham condições de pagar.

Por sua vez, Foucault em seu livro retrata as


condições de tratamento do louco desde a época do
Renascimento, embora o que lhe interesse são

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LUMINÁRIA 2010
CONSIDERAÇÕES FINAIS ORLANDI, E.P. Análise de Discurso: Princípios e
procedimentos. Campinas- SP: Editora Pontes,
Na perspectiva foucaultiana o poder dos discursos 2002. 4º edição.
advém dos próprios sujeitos, possuindo um caráter PÊCHEUX, M. O Discurso: Estrutura ou
transitório e material, seguindo um conjunto de acontecimento; Tradução Eni Puccinelli Orlandi. – 3º
regras anônimas e históricas que são determinadas edição. São Paulo: Editora Pontes, 2002.
no tempo e no espaço, esses discursos ao serem TEIXEIRA, M. Análise do discurso e psicanálise:
proferidos materializam-se como verdades. elementos para uma abordagem do sentido no
Contudo, essas verdades podem modificar-se e discurso. 2º edição. Porto Alegre: EDIPUCRS,
deslocarem-se no tempo, impulsionando as ações 2005.
que levam os seres humanos em direção ao
conhecimento.

Pelo viés da Análise de Discurso não pretendemos


chegar a uma verdade no que diz respeito à
loucura, razão e poder, mas sim a uma nova
possibilidade de leitura da obra de Machado de
Assis, conduzindo o leitor para um olhar mais
profundo, capaz de perceber que por mais que os
discursos sejam produzidos no interior dos sujeitos,
não são totalmente neutros, sofrendo influências
exteriores e passando por mecanismos de controle
sobre o que pode ou não ser dito, pois ao serem
proferidos são carregados de uma vontade de
verdade, e essas verdades influenciadas pelo
contexto histórico acabam materializando-se como
verdadeiras e repetindo-se ao longo das décadas,
anos e dias como uma única forma de verdade.

Por fim, mostrar as relações discursivas que


existem em “O Alienista” e as obras de Foucault é
uma maneira de constatar que os discursos
deslocam-se, e como nos diz Foucault (2001),
mesmo que esse deslocamento não seja estável,
absoluto e nem constante eles são criadores , e
essas relações entre textos permitem a criação de
novos discursos, fazendo-nos perceber que
Machado de Assis enquadra-se no estilo discursivo
proposto por Foucault, regulado e ao mesmo tempo
polêmico e estratégico, ou seja, centrado no homem
e sua constituição histórica.

REFERÊNCIAS

ASSIS, M.O alienista. São Paulo: Martin Claret,


2008.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo:
Edições Loyola, 2001.
GREGOLIN, M. do R. Foucault e Pêcheux na
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duelos. São Carlos/SP: Claraluz, 2004.
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NAVARRO, P. (org). Estudos do Texto e do
Discurso. São Carlos/SP: Clara Luz, 2006.
MACHADO, R. Foucault, a ciência e o saber. Rio
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SARGENTINE, V. e NAVARRO, P . Foucault e os
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subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004.

52 | F A F I U V – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
LUMINÁRIA 2010
contexto de sala de aula, auxiliando no processo de
O USO DE ESTRATÉGIAS DE aprendizagem de língua.

APRENDIZAGEM NAS 1 ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM:


CONCEITUAÇÃO E HISTÓRICO
AULAS DE LÍNGUA
Estratégias de aprendizagem é um tema bastante
ESTRANGEIRA presente na bibliografia referente ao
ensino/aprendizagem de língua estrangeira,
especialmente quando o tópico abordado são as
Tania Maria Jurach Banowski39 características do “bom aprendiz” e o
desenvolvimento da autonomia. O termo estratégia
Valéria de Fátima Carvalho Vaz Boni40 é originalmente militar, referindo-se a planejamento
de operações de guerra.

De acordo com Halu (1997), os primeiros estudos


sobre as estratégias de aprendizagem são as
“However, strategy use clearly contributes to pesquisas de Aaron Carton, em 1966, seguidas por
language learning, and in many studies the tentativas de Rubin (1975 e 1981), Stern (1975),
contribution is substantial. If strategy use and Filmore (1979) e Nainan et al. (1978) de catalogar
language proficiency are related, how can we as estratégias utilizadas pelos “bons aprendizes de
improve learners´ strategy use? Strategy instruction língua”.
offers interesting possibilities”.
Segundo O’Malley e Chamot (1990, p.3) “A literatura
(OXFORD, 2001, p.170) sobre estratégias de aprendizagem na aquisição da
segunda língua surgiu de um interesse pela
INTRODUÇÃO identificação das características dos aprendizes
eficazes” (tradução nossa).41 Procurava-se então
A aprendizagem de uma Língua Estrangeira envolve treinar os aprendizes menos eficazes para que
o processamento, armazenagem e estruturação de utilizassem as mesmas estratégias dos “bons
novas informações na mente. Pode ser aprendizes”.
considerado, portanto, um processo complexo,
determinado por variáveis internas (como Ainda de acordo com Halu (1997, p.12) “Mais tarde,
motivação) e externas (como acesso ao material de pesquisadores concentraram seus esforços em
estudo). Em um contexto de sala de aula, ocorre providenciar categorias abrangentes nas quais
através de um processo diferente daquele envolvido distribuíssem estratégias específicas” (tradução
na aquisição de uma língua em contato com os nossa).42 E mais recentemente, na elaboração de
falantes nativos. Dessa forma, em sala de aula é livros de atividades práticas para o treinamento de
preciso desenvolver estratégias adequadas, alunos e professores em estratégias de
respeitando as características próprias deste aprendizagem de língua estrangeira.
contexto específico.
Estratégia de aprendizagem não é um termo fácil de
Este estudo revisa o conceito de estratégias de definir. Uma variedade de conceitos pode ser
aprendizagem apresentado por diversos autores, as englobada por esta expressão, e a preocupação dos
teorias e pesquisas desenvolvidas neste campo de teóricos tem recaído sobre a aplicação prática
estudo. Analisa as contribuições do uso de dessas estratégias no ensino acima de sua
estratégias de aprendizagem no ensino de língua definição teórica.
estrangeira, especialmente no desenvolvimento da
autonomia do aprendiz. Em seguida são Há também outros conceitos, como estratégias
apresentados exemplos de técnicas simples, de fácil comunicativas, estratégias afetivas/sociais e
utilização e, portanto, passíveis de serem usadas no estratégias de produção que, sem uma delimitação
clara, ora tomadas como parte das Estratégias de
39 Aprendizagem, ora tidas como independentes,
Pós-graduada, especialista em Línguas Estrangeiras
Modernas na FAFIUV.
40 41
Mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná The literature on learning strategies in second language
(UFPR); Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela acquisition emerged from a concern for indentifying the
Universidade Federal do Paraná; Professora do Colegiado characteristics of effective learners.
42
de Letras da FAFIUV. Bolsista do programa de apoio à Later, researchers aimed at providing comprehensive
verticalização do ensino superior do Paraná pela categories in which to distribute specific strategies.
FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA.

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LUMINÁRIA 2010
tornam a definição de Estratégias de aprendizagem consciência é provavelmente um termo chave na
ainda mais complexa. definição ou caracterização das estratégias de
aprendizagem” (tradução nossa).45
O’Malley e Chamot (1990, p.1) definem estratégias
de aprendizagem como “[...] pensamentos ou Como alternativa para substituir ou complementar a
comportamentos específicos que os indivíduos definição de estratégias de aprendizagem, alguns
utilizam para ajudá-los a compreender, aprender, ou autores listam suas principais características.
reter novas informações” (tradução nossa).43
2 O USO DE ESTRATÉGIAS DE
Para Oxford (2001, p.166): APRENDIZAGEM EM SALA DE AULA

Estratégias de aprendizagem são Estratégias de aprendizagem não é somente um


‘operações empregadas pelo aprendiz tema teórico. Existem estratégias de simples
para auxiliar a aquisição, aplicação e grande utilidade, adequadas, portanto,
armazenagem, recuperação e uso da ao contexto de sala de aula, em que geralmente há
informação, ações específicas tomadas um número grande de alunos, material limitado e
pelo aprendiz para tornar a tempo reduzido, tornando o aprendizado de Língua
aprendizagem mais fácil, mais rápida, Estrangeira um desafio.
mais divertida, mais auto-direcionada,
mais eficaz e mais transferível para Oxford (2001, p.171) afirma que “professores de
44
novas situações’. (tradução nossa) língua podem conduzir o ensino de estratégias em
46
suas próprias salas de aula” (tradução nossa).
Um ponto em comum encontrado nas definições é o Ainda, segundo a autora, pesquisas advertem que o
objetivo do uso das estratégias de aprendizagem, ensino de estratégias não deve ocorrer em sessões
de facilitação do processo de aprendizagem. Outros especiais para este fim, mas devem ser integradas
termos recorrentes nas definições são como parte da aula de língua estrangeira.
“comportamentos” e “pensamentos”, indicando que
as estratégias podem tanto ser atitudes, ações, O ensino de estratégias de aprendizagem não
como apenas manipulações mentais, não sendo representa um conteúdo adicional para a disciplina
diretamente observáveis na realização das de Língua Estrangeira, porém uma forma de auxiliar
atividades. os alunos a utilizarem todo seu potencial de
aprendizagem durante as atividade que já estão
A questão da consciência é um dos pontos programadas, que já fazem parte do currículo da
polêmicos na definição do conceito. Para alguns disciplina.
autores, a consciência é que diferencia as
estratégias de aprendizagem de outros processos De acordo com Oxford (2001) um problema
de aprendizagem. Cohen (1990) apud Halu (1997), referente ao ensino de estratégias é que muitos
por exemplo, afirma que as estratégias de professores sentem-se incapazes de ensinar
aprendizagem são conscientemente selecionadas estratégias porque não tiveram a oportunidade de
pelo aprendiz; a escolha é que confere às ver ou participar de tal ensino. Os cursos de
estratégias seu caráter especial. Segundo o autor, formação docente, por sua vez, contemplam esse
se a ação do aprendiz é totalmente inconsciente, tema apenas de forma teórica ou de maneira muito
então poderia simplesmente ser chamado vaga.
“processo” e não uma “estratégia”.
Scharle e Szabó (2000, p.8) apresentam qual o
Já outros teóricos acreditam que a consciência não papel do professor no ensino de estratégias:
é um traço distintivo, já que tanto as estratégias de “Portanto, nós devemos mostrar aos alunos a
aprendizagem quanto outros processos de variedade de estratégias disponíveis, ajudá-los a
aprendizagem podem ser conscientes ou descobrir aquelas que funcionam para eles, e ajudá-
inconscientes. De acordo com Halu (1997, p.24) “A los a descobrir como e quando usar estas
conclusão que pode ser esboçada é que estratégias” (tradução nossa).47

43
[..] the special thoughts or behaviors that individuals use
45
to help them comprehend, learn, or retain new information. The conclusion that can be drawn is that consciousness
44
Learning strategies are ‘operations employed by the is probably a key term in the definition or characterization
learner to aid the acquisition, storage, retrieval and use of of LSs.
46
information, specific actions taken by the learner to make Language teachers can conduct strategy instruction in
learning easier, faster, more enjoyable, more self-directed, their own classrooms.
47
more affective and more transferable to new situations’. So, we need to show students the variety of available
strategies, help them to find out what works for them, and

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Estratégias de aprendizagem são naturalmente através da apresentação de técnicas de leitura
utilizadas por todos os aprendizes quando, por como identificação das idéias principais, busca por
exemplo, escutam ou cantam músicas na língua informações específicas, dedução de vocabulário
estrangeira, fazem resumos para estudar para uma desconhecido pelo contexto, entre outras.
prova, tomam notas, decoram listas de palavras,
traduzem, etc. Porém, em alguns casos, a utilização Em seguida, serão explanadas algumas estratégias
ocorre de forma aleatória, sem a adequação da selecionadas, dentre as inúmeras disponíveis, que
estratégia à tarefa, por falta de conhecimento sobre se acredita serem de grande utilidade e aplicáveis
o que são estratégias de aprendizagem e falta de no ensino de língua estrangeira no contexto de sala
orientação quanto ao seu uso. A chave do sucesso de aula. Vale ressaltar que constam apenas
está na combinação e no uso adequado, algumas estratégias facilmente aplicáveis, e que
respeitando características individuais de existem cursos completos de treinamento em
personalidade. estratégias de aprendizagem, como Learning to
Learn English (ELLIS; SINCLAIR, 1990). O ideal
Oxford (2001) apresenta ainda outros fatores que seria o uso destes materiais, porém são extensos e
influenciam o uso e escolha das estratégias. São sua utilização demanda tempo, não sendo viável,
eles: motivação, ambiente de aprendizagem, estilo portanto, dentro das poucas aulas de língua
de aprendizagem, tipo de personalidade, gênero, estrangeira ministradas na escola.
cultura ou país de origem, idade e tipo de tarefa a
ser realizada. 2.1 EXEMPLOS DE ESTRATÉGIAS DE
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Esses fatores devem ser levados em consideração
no planejamento do ensino de estratégias. Segundo O início do ano letivo é a oportunidade ideal para o
Boni (2003, p. 54) “Nesse sentido, saliento que as início do trabalho com estratégias de aprendizagem.
pesquisas têm mostrado que, para ser eficiente, o Juntamente com sua apresentação do programa da
treinamento estratégico deve ser delineado para disciplina, o professor pode sugerir o uso de
uma situação em particular, tomando em estratégias metacognitivas, como o
consideração a idade, a motivação, a proficiência e estabelecimento de metas negociadas com a
os anseios dos aprendizes”. turma, para o ano letivo ou determinado período e a
sugestão de locais onde o aluno possa encontrar
As estratégias devem ser adequadas às material de estudo: bibliotecas, livrarias, sebos,
necessidades e ao nível de proficiência dos alunos sites da internet e outros. A organização pode ser
na língua, já que algumas requerem certo grau de um fator decisivo na aprendizagem de uma língua
conhecimento como, por exemplo, estratégias de estrangeira.
produção oral e escrita. Segundo Oxford (2001)
pesquisas mostram que o maior uso de estratégias Nas aulas iniciais, pode também ser utilizada uma
é encontrado em níveis mais altos de proficiência na estratégia metacognitiva apresentada por Lowes e
língua. Esses dois fatores, proficiência e uso de Target (1998) como forma de atribuir maior
estratégias, estão interligados, porque quanto maior responsabilidade aos aprendizes, que consiste na
o nível de conhecimento na língua, maior a elaboração de um contrato com os alunos, no qual
tendência ao uso de estratégias; e quanto maior o ficam estabelecidos os direitos e deveres do
uso de estratégias, melhor o desempenho na língua. professor e da turma, bem como as sanções e
A utilização de estratégias, porém, não está punições para aqueles que desrespeitarem o
necessariamente vinculada ao nível de acordo. Esse contrato deve ser o resultado de uma
conhecimento da língua, pois traz benefícios para o negociação com a turma, em que professor e alunos
processo de aprendizagem mesmo para os estejam de acordo, deve ser assinado por todos e,
iniciantes, sendo recomendado seu uso desde as se possível, cada aluno deve ter uma cópia para
primeiras aulas de língua estrangeira. futuras consultas. Quando necessário, o acordo
pode ser revisado, cláusulas podem ser
Os materiais destinados ao ensino de Língua acrescentadas ou eliminadas.
Inglesa de publicação recente incluem o
treinamento de estratégias de aprendizagem, Ainda no início do ano letivo, o professor pode
apresentando, no decorrer do livro, técnicas que sugerir aos alunos, segundo Lowes e Target (1998),
possam auxiliar o aluno na organização de seu que mantenham um registro de suas ações e a sua
tempo e material de estudo e na memorização de evolução na aprendizagem de língua estrangeira
vocabulário, por exemplo. Isso ocorre, dentro e fora de sala de aula. Há várias maneiras
especialmente, na compreensão de textos lidos, possíveis de realizar essa tarefa, como por
exemplo, através de um diário, ou mesmo uma
help them to discover how and when to use these tabela simplificada, dependendo da viabilidade, na
strategies. qual os aprendizes registrem seu tempo de estudo,

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as atividades realizadas e o que aprenderam: p. 195) “Vários aspectos do texto podem ser
48
vocabulário novo, regras gramaticais, pronúncias, representados visualmente” (tradução minha).
curiosidades sobre a língua, fatos culturais e outros Ainda segundo a autora, entre as tarefas mais
que considerarem interessantes, bem como suas fáceis e motivadoras estão aquelas que envolvem
dificuldades e sentimentos diante da língua figuras – fluxogramas, mapas, gráficos e outros. As
estrangeira (ansiedade, inibição, satisfação, etc). figuras facilitam a leitura acrescentando sentido e
esclarecendo itens do texto escrito.
A tradução, de uso polêmico, é um dos meios pelo
qual o aprendiz pode verificar sua compreensão de A utilização de gestos ou mímicas pode ser uma
um novo item, de forma simples e objetiva. Deve-se estratégia de compensação bastante útil, tanto para
tomar cuidado, porém, para que não seja utilizada o aluno em uma situação em que desconhece a
como método de ensino-aprendizagem, ou seja, palavra ou expressão que deseja utilizar na língua
como a única forma de aprender a língua. estrangeira, bem como para o professor, que pode
recorrer a mímicas e gestos na apresentação de
A utilização do dicionário, uma estratégia vocabulário.
aparentemente simples, também pode ser sugerida
e mesmo demonstrada pelo professor, pois alguns Uma técnica simples e que pode ser adaptada a
alunos apresentam dificuldades nesta tarefa, uma variedade de conteúdos e atividades realizadas
deixando de utilizar alguns recursos e aproveitar os em sala de aula é o trabalho em grupos. Segundo
benefícios que o dicionário pode trazer para sua Lowes e Target (1998), o trabalho em grupos
aprendizagem. Entre estes benefícios, Lowes e possibilita aos estudantes assumir um papel mais
Target (1998) destacam a verificação do significado ativo na aprendizagem, proporciona aos alunos a
da palavra, sua ortografia, pronúncia, classe oportunidade de compartilhar idéias e
gramatical, grau de formalidade, bem como se conhecimentos, argumentar, praticar a língua
pertence a um campo específico do conhecimento estrangeira, além de ser mais divertido e, portanto,
(medicina, direito), se é um falso cognato e como motivador.
esta palavra pode ser usada em uma sentença.
Dentre as estratégias cognitivas, uma alternativa
Como técnica de memorização de vocabulário, bastante utilizada são os mapas semânticos ou
Lowes e Target (1998) sugerem que os aprendizes conceptuais. Ellis e Sinclair (1990a) sugerem seu
podem confeccionar cadernos de vocabulário, uso para a ampliação do vocabulário. Os tópicos
semelhantes a dicionários simplificados, em que abordados podem ser diversos, dependendo do
registrem as palavras que considerarem difíceis de conteúdo que está sendo trabalhado no momento.
aprender. Esses cadernos de vocabulário podem Esta técnica consiste em escrever o tópico principal
ser elaborados contendo a tradução, sinônimos, no centro de uma folha de papel, de forma
imagens, ilustrações, sentenças com exemplos, destacada, e continuar escrevendo outras palavras
palavras sobre o mesmo assunto ou definições do relacionadas ao tópico nos demais espaços da
dicionário, dependendo de quais destes recursos folha, estabelecendo ligações entre as palavras.
melhor se adaptar a palavra registrada.
Cada aprendiz constrói um mapa semântico único,
Uma estratégia de memória muito simples, mas que não havendo, portanto, apenas uma forma correta.
apresenta bons resultados é etiquetar objetos com Não há um tamanho ou limite estipulado nessa
seus nomes na língua estrangeira para memorizar atividade. Após o término da tarefa, a troca dos
determinado vocabulário. Essa tarefa pode ser mapas semânticos entre os alunos pode ser mais
realizada tanto com objetos presentes na sala de uma forma de enriquecimento de vocabulário.
aula, como sugerido por Lowes e Target (1998),
quanto com o material escolar do aluno, seu corpo, Lowes e Target (1998, p.39) apresentam um
vestuário, ou outras dependências da escola. exemplo de mapa mental, sugerindo sua produção
como preparação para uma atividade oral de
Dentre os vários usos possíveis de imagens, descrição. Os principiantes podem consultar os
figuras e ilustrações, destacam-se os chamados colegas, o dicionário e o professor para as palavras
flashcards, amplamente utilizados por professores que desconhecem:
de língua estrangeira na apresentação de
vocabulário desconhecido. Esse recurso, porém,
não é adequado a qualquer palavra, já que muitos
termos possuem um significado abstrato, que não
pode ser claramente ilustrado. Além da
apresentação de vocabulário, imagens podem ser
utilizadas como base para a produção escrita e
associadas à leitura. De acordo com Nuttall (1996, 48
Various aspects of the text can be represented visually.

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• Analisar as informações não verbais do
texto, como: imagens, mapas, diagramas,
fluxogramas, gráficos e tabelas (se houver);
• Marcar as palavras cognatas, repetidas e já
conhecidas.

Outra tática de leitura que pode ser ensinada é a


predição – predizer o que virá a seguir, quais as
próximas palavras, o próximo acontecimento, a
próxima informação que será apresentada pelo
texto ou frase. Para o treinamento desta estratégia,
Pode ser utilizado para sintetizar um texto lido, Ellis e Sinclair (1990a, p.88-89) apresentam uma
prever as informações a partir de um título ou atividade na qual os aprendizes devem completar as
organizar as idéias sobre um assunto para uma seguintes sentenças:
futura produção textual. Tal prática permite ao
aprendiz perceber a estrutura do texto, hierarquizar
as informações, perceber sua relevância e
selecioná-las.

Outra estratégia cognitiva que pode ser incentivada


em sala de aula é o resumo, tanto de textos como
dos conteúdos estudados, servindo como revisão.
Resumir significa reescrever o discurso de forma
concisa, em uma versão condensada, apresentando
apenas as informações mais relevantes, excluindo
detalhes, exemplificações ou repetições. O resumo
pode também ser fornecido pelo professor, como
forma de incentivar esta prática e como exemplo do
modo de elaborá-los eficientemente.
O sucesso na predição depende do conhecimento
O treinamento de estratégias de leitura auxilia na do aluno sobre o tema abordado no texto, mas uma
formação de leitores proficientes e capazes de previsão não precisa ser bem sucedida para ser útil.
extrair as informações desejadas e necessárias dos
textos, mesmo que ainda não possuam a habilidade
necessária para realizarem uma leitura aprofundada As duas estratégias de leitura mais citadas pelos
ou compreender todas as informações presentes estudiosos são skimming e scanning. De acordo
nas obras. com Nuttall (1996) estas são técnicas importantes,
que não eliminam a necessidade de uma leitura
cuidadosa, mas possibilitam ao leitor selecionar
Dentre as estratégias de leitura encontra-se a textos, ou partes deles, que merecem maior
inferência que consiste em inferir o conteúdo de um atenção.
texto a partir do conhecimento prévio sobre o tema.
Algumas ações são adotadas no processo de
inferência, constituindo um roteiro que pode ser A estratégia denominada skimming consiste, como
utilizado em sala de aula, antes da leitura sintetizam Ellis e Sinclair (1990a, p.83) em “ler um
propriamente dita do texto. Os Parâmetros texto rapidamente apenas para entender as idéias
49
Curriculares Nacionais, Brasil (1998), em suas principais” (tradução minha). Trata-se de identificar
orientações didáticas, sugerem como atividades o assunto abordado pelo texto a fim de, por
pré-leitura: exemplo, decidir se um texto é relevante para a
realização de determinada tarefa e se merece uma
leitura mais aprofundada.
• Observar as características estéticas: o
layout do texto, tipo de papel, margens, tipo e
tamanho da letra, uso de negrito, sublinhado, itálico, Já a estratégia conhecida como scanning, de
maiúsculas, divisões do texto; paragrafação; acordo com Ellis e Sinclair (1990a, p.83) consiste
• Identificar o gênero textual a que o texto em “ter um ponto específico em mente e procurar
pertence (se é uma receita culinária, bula de por ele rapidamente em um texto” (tradução
remédio, carta, atigo científico...);
• Explorar cuidadosamente o título e
subtítulo;
• Observar quem escreveu o texto, onde, 49
Reading a text quickly just to understand the main
quando, com que propósito e para quem; ideas.

57 | F A F I U V – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
LUMINÁRIA 2010
50
minha) , ou seja, é uma busca por informações benefícios trazidos por tal uso, sendo o principal
específicas, detalhes de um texto (como um nome deles o desenvolvimento da autonomia.
ou data), da forma mais rápida possível.
Cabe ao educador, em seu trabalho pedagógico,
Ainda dentro do campo das estratégias de leitura, além de ensinar os conteúdos específicos da língua
pode-se incentivar os aprendizes a utilizarem a estrangeira, auxiliar os educandos a conhecer e
dedução do vocabulário pelo contexto, ou seja, a fazer uso das estratégias que julgarem mais
procurarem no próprio texto pistas que possam apropriadas, ou seja, ajudar os alunos a “aprender a
indicar o significado de um vocábulo desconhecido. aprender”, que constitui um objetivo educacional
Para o aperfeiçoamento dessa habilidade podem mais importante que o repasse de conhecimentos.
ser utilizadas atividades como apresentar aos Os benefícios da utilização dessas técnicas não se
alunos frases ou textos em que algumas palavras limitam à aquisição de uma Língua Estrangeira, mas
destacadas não tenham sentido (palavras possuem grande relevância no estudo de todas as
inventadas ou de outra língua). Os estudantes disciplinas escolares, na aprendizagem de um modo
devem adivinhar o significado das palavras a partir geral, bem como na vida extra-escolar.
das informações apresentadas pela frase/texto.
Esse tema constitui um amplo campo para futuras
Em alguns casos, o significado de um item pesquisas, em várias áreas, e especialmente no
desconhecido pode ser deduzido através da análise ensino de língua estrangeira. A questão principal a
da palavra: identificação da classe gramatical, ser respondida é “Como ensinar eficientemente
observação de prefixos e sufixos, palavra composta, estratégias?”, além de determinar os efeitos do uso
similariedade com outras palavras, posição da de estratégias e qual seu grau de eficácia na
palavra na sentença. melhoria da proficiência na língua. Algumas
respostas têm sido apresentadas, contudo de modo
Conforme Ellis e Sinclair (1990a, p.89) “Bons ainda bastante restrito. O desafio torna-se ainda
leitores tentam adivinhar os significados das mais complexo se levarmos em consideração que o
palavras que eles não conhecem – ou simplesmente treinamento de estratégias de aprendizagem deve
ignorá-las se elas não parecem importantes para a ser realizado no contexto de sala de aula.
compreensão do texto. Bons leitores dependem
mais deles mesmos que dos dicionários” (tradução Apesar das limitações das pesquisas já realizadas,
minha).51 Essas ações aumentam a velocidade da essas apresentam grandes contribuições na
leitura, evitando interrupções muito frequentes no formulação de teorias de ensino e na prática de sala
processo de compreensão do texto. de aula, visando auxiliar todos os alunos a
tornarem-se “bons aprendizes de língua”.
Os alunos podem ser estimulados a identificar as
estratégias que já utilizam, através de relatórios REFERÊNCIAS
verbais, por exemplo, e compartilhá-las com seus
colegas através da discussão de textos em grupo, BONI, V. de F. C. V. Aprendizagem/aquisição de
em que cada um apresenta o que entendeu e o que vocabulário em língua estrangeira. Luminária,
não entendeu, quais suas dificuldades, os União da Vitória, n. 6, p. 52-54, 2003.
problemas que encontrou durante a leitura e as BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
soluções que utilizou, ou seja, demonstra como fez Parâmetros Curriculares Nacionais: língua
– que táticas empregou – para compreender o texto. estrangeira. Brasília: MEC/SEF. 1998.
COSCARELLI, C. V. Estratégias de aprendizagem
CONSIDERAÇÕES FINAIS de língua estrangeira: uma breve introdução.
Educação e Tecnologia, Belo Horizonte, v. 4, n.4,
Estratégias de aprendizagem são ferramentas que p. 23-29, jan./jul. 1997. Disponível em:
os estudantes dispõem para facilitar e aperfeiçoar <http://bbs.metalink.com.br/~lcoscarelli/ESTRAT.pdf
seu aprendizado. Há uma necessidade de tornar os .> Acesso em: 04 maio 2008.
professores conscientes – talvez através dos cursos ELLIS, G.; SINCLAIR, B. Learning to Learn
de formação – da importância da utilização dessas English: a course in learner training. Cambridge:
técnicas como suporte para o ensino e dos Cambridge University Press, 1990a.
_______. Learning to Learn English: a course in
learner training. Teacher’s Book. Cambridge:
50
Having a specific point in mind and looking for it quickly Cambridge University Press, 1990b.
in a text. HALU, R. The definition of learning strategies in
51 target language studies. Dissertação de Mestrado.
Good readers try to guess the meanings of words they
Universidade Federal do Paraná, 1997.
don’t know – or simply ignore them if they don’t look
important for understanding the text. Good readers
depend more on themselves than on dictionaries.

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LUMINÁRIA 2010
LOWES, R.; TARGET, F. Helping students to
learn: a guide to learner autonomy. Londres: TEATRO: UM SENTIDO NA
Richmond Publishing, 1998.
NUNAN, D. Learner strategy training in the ALTERIDADE
classroom: an action research study. In:
RICHARDS, J. C.; RENANDYA, W. A.
Methodology in language teaching: An anthology Paulo Sandrini – Dnt. Letras / UFPR
of current practice. New York: Cambridge University
Press, 2002. p. 133 – 143.
NUTTALL, C. Teaching reading skills in a foreign
language. Hong Kong: Macmillan Heinemann, 1. INTRODUÇÃO
1996.
O’MALLEY, J. M.; CHAMOT, A. U. Learning
strategies in second language acquisition. United Este estudo tem o objetivo de refletir sobre a
States of America: Cambridge University Press, pergunta posta por Denis Guénoun já no título de
1990. seu livro O Teatro é necessário? Para isso,
OXFORD, R. L. Language learning strategies. In: buscamos, de início, referências no pensamento de
CARTER, R.; NUNAN, D. The Cambridge guide to Georg Simmel sobre a cultura na era da técnica,
teaching English to speakers of other languages. que para nós diz muito sobre a condição do homem
Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. atual e sua relação com a própria subjetividade,
166 – 172. ponte indispensável a se estabelecer entre o sujeito
_______. Language learning strategies in a nutshell: e o fazer artístico de qualquer natureza.
update and ESL suggestions. In: RICHARDS, J. C.;
RENANDYA, W. A. Methodology in language Partindo de algumas considerações de Simmel e
teaching: An anthology of current practice. New percorrendo certo percurso do livro de Guénoun,
York: Cambridge University Press, 2002. p. 124 – tentamos encontrar uma resposta minimamente
132. aceitável para a necessidade hoje da arte teatral,
SCHARLE, A.; SZABÓ, A. Learner autonomy: A que se dá, para nós, na questão da alteridade, o
guide to developing learner responsibility. que nos fez chegar também aos pensamentos de
Cambridge: Cambridge University Press, 2000. Mikhail Bakhtin, no fechamento deste nosso
trabalho.

Sobretudo no quinto capítulo do livro de Guénoun, é


que acreditamos ter achado algumas chaves para a
relação que faremos entre o desenvolvimento da
subjetividade, que marca sobretudo o discurso de
Simmel, e seu ponto de contato com a busca da
alteridade, aspecto esse presente na arte teatral
percebido por nós no texto do teórico francês.

2. UM SENTIDO NA ALTERIDADE

Pensar hoje, em meio a uma era fortemente


marcada pela técnica e pela extrema
especialização, acerca da necessidade das artes,
nos faz refletir primeiramente sobre tal necessidade
como geradora de um sentido, como significado
dentro de um tempo marcado pela profunda
objetividade e racionalismo e com grande prejuízo
aos exercícios de subjetividade que qualquer tipo de
arte deve engendrar. A subjetividade que se tornou
segundo SIMMEL (1988) suporte de uma cultura
massiva, fragmentada e superficializada; e isso se
deu, segundo o pensador alemão, pelo fato de a
cultura moderna ter feito uma escolha pelo
progresso técnico em detrimento da educação dos
indivíduos.

Já no começo do século passado, Simmel alertava


para essa cultura moderna em crise, vendo abalado

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seu sentido a partir do momento em que suas Guénoun. Pois é também esse princípio da alteridade
criações formam um contexto que não mais permite como sentido, fora outros sentidos ora mais ora
ou dificulta o desenvolvimento interior do indivíduo. menos explícitos, o que podemos encontrar no texto
Ou seja, sua subjetividade. E apesar de o processo de autor francês sobre a necessidade do teatro; mais
civilizador disponibilizar ao sujeito mais e mais especificamente em seu capítulo V, como já
obras, ao mesmo tempo tal sujeito se vê excluído da dissemos. Necessidade enquanto sentido. Sentido
sua devida compreensão. O indivíduo retira da que pode alimentar, hoje, talvez como poucas outras
cultura alguns benefícios que não o leva expressões humanas, o exercício da subjetividade
necessariamente a uma maior perfeição. O sujeito (que significa, por definição, o comprometimento com
que procura a própria perfeição consegue, no a apropriação intelectual dos objetos externos). É na
máximo, em meio à era da técnica, informação. Das experiência da intersubjetividade, daquilo que é e
artes tira somente o status; da ciência, o negativo vem do outro, que devemos entender, então, a
das facilidades cotidianas; da tecnologia, o bem constituição da subjetividade, configurando portanto
estar individual. O progresso pessoal desaba num uma ética de imprescindibilidade do outro para a
esquematismo e se vê desapossado de condições construção do si mesmo.
de extrair do conteúdo objetivo das coisas e ideias
os recursos para sustentar o refinamento da Para evidenciar melhor esse sentido que
subjetividade. encontramos no texto de Guénoun, é necessário
clarearmos alguns pontos e o percurso de seu
Segundo SIMMEL (Idem), a cultura é uma forma de pensamento que nos levam a essa geração de
perfeição individual que só pode se consumar por sentido de alteridade como elemento a criar uma
meio da incorporação ou utilização de uma figura necessidade para a arte teatral em meio à vida
suprapessoal que, de alguma maneira, está além do humana, sobretudo nos dias atuais.
sujeito. Isso quer dizer que a cultura é um processo
de mediação entre as criações objetivas da espécie 3. GUÉNOUN RUMO AO DIALOGISMO E À ALTERIDADE
e a vida interior do sujeito. E tal conceito de Georg
Simmel nos remete antes de mais nada ao esforço GUÉNOUN (2004) nos mostra, no capítulo V de seu
de formação pelo qual um indivíduo modifica a si
livro, que se no teatro sobrevivesse um ideal de
próprio no sentido de uma condição mais elevada e
representação baseado na identificação do sujeito
perfeita; contudo, essa transformação seria espectador com o personagem (o jogo dos atores,
realizada por meio de certos bens que pertencem a seus efeitos de figuração), esse deveria
sua exterioridade. A verdadeira significação do
desaparecer. Simplesmente porque estaria
conceito de cultura concretiza-se no ponto em que a
corroborando um modo de representação que o
subjetividade particular se apropria de valores cinema saqueou ao teatro e assim dominou as
exógenos à subjetividade. E isso podemos entender massas, que migraram das salas teatrais para as
como sendo um princípio de alteridade. E tal relação cinematográficas.
de alteridade, em nossa época atual e desde há
algum tempo, é dificultada, por exemplo, pelas
transações monetárias, os contratos legais e os A partir disso, Guénoun observa que se os
serviços burocráticos que, segundo Simmel, personagens e sua força imaginária abandonaram o
representam entraves entre indivíduos porque, via espaço da representação teatral, significa então que
de regra, somente um desses recebe o que procura, no palco hoje só resta o jogo dos atores. Os
apenas um satisfaz sua necessidade. E esses personagens, mesmo ainda em cena, não mais
fatores, podemos reconhecê-los como sendo sustentam a singularidade do teatro. Não são mais
mecanismos sociais predominantes. É não somente a razão de sua necessidade. O jogo do ator passa a
a era da técnica, é também a do mercado. Em que os ocupar o espaço deixado livre, habita todo o palco.
homens vivem cada vez mais separados e têm cada O ator não vive mais os papéis. É o jogo que
vez menos contato direto com as várias esferas da sustenta o papel, não mais o contrário.
vida e nisso vai se decompondo a cultura por motivo
do crescente cuidado técnico. É nesse contexto ainda Mas o que seriam as características desse jogo
que vemos surgir, segundo Simmel, as figuras do para o autor francês?
vendedor e do burocrata, que tendem a reduzir o
significado do outro em termos monetários e Em primeiro lugar, trata-se de uma existência física,
administrativos. Uma espécie de reificação do sujeito. que provém da apresentação do corpo, que não
Uma falta de interação e de exercício de alteridade. E seria mais representação de alguma coisa da qual
talvez seja aqui, no exercício da alteridade em meio a ele seria figuração; sim, a exibição do próprio corpo.
uma sociedade que brutaliza o subjetivo e o alter Mostração que pretende alcançar uma verdade;
que, reiteramos, podemos compreender um sentido não, a adequação a uma imagem. Elabora-se uma
específico para o campo artístico do teatro, a partir verdade física.
mesmo de certos pensamentos, por vezes bastante
implícitos, é necessário dizer, no texto de Denis

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O conceito de verdade então toma conta do que haja jogadores que ofereçam ao jogo dos
pensamento de Guénoun. Mas uma verdade outros a benevolência de seu olhar. E esse olhar se
proveniente da exposição extrema ao olhar, a articula aos jogos possíveis que cada um ativa para
verdade última oferecida à visão, por meio do corpo. si. É então o olhar ativo. É o jogador que olha o
Não é mais a verdade do texto. outro para trocar ficticiamente suas condutas com
as dele, esperando realmente cruzá-las.
O jogo não mais se torna vassalo sob identidades
fictícias. Tais identidades agora valem como efeitos Dá-se aqui, então, um caráter de resposta por parte
ou pontos de passagem do jogo. Os personagens de quem olha. Esse que olha não é mais um
não são mais fiadores da verdade. fantoche das identificações (projeções) e das
representações. Possui um olhar que pesa, que
Desdobrado em sua liberdade, ou submetido a suas avalia e pensa; alia-se ou mesmo pode recusar.
próprias limitações, o jogo “joga com as figuras em Tem natureza dialética. O jogador se prepara para
sua auto-representação”. Ele torna-se uma práxis assumir o lugar daquele que ele está vendo. É o
uma vez que, mesmo que produza surtos de desejo de uma existência exposta. De troca. Não é
identificação, mesmo que coloque em movimento incabível, portanto, dizer que tais exposições de
personificações imaginárias, não são estas Guénoun nos colocam na base mesma do
figurações que o instituem e o movem, mas a dialogismo. E aqui nos cabe lembrar Mikhail
autoexposição como existência em cena. Bakhtin, o teórico russo que em 1920 pensava as
matrizes da metáfora do diálogo sem uma
intervenção substancial e constitutiva da linguagem
Há a exigência de uma exibição íntegra, inteira e
honesta, aplicada pelos jogadores (no jogo diante (queremos dizer: não necessariamente com base no
de nós) a seus movimentos, voz, comportamento, discurso falado). Para isso, Bakhtin traça uma
espécie de metafísica da interação. A linguagem
membros, pele, olhar. O jogo se procura como ética
e técnica juntas. Os jogadores querem uma verdade tem em seu lugar, nesse período, para Bakhtin, o
colada à vida, uma verdade cenicamente viva que jogo das relações um/outrem que passa pela visão,
dê testemunho do que é propriamente vivo na vida, mais propriamente isso se acha no seu conceito de
exotopia, que é o olhar que abrange o outro de fora,
em qualquer vida.
que tem um excesso de visão sobre esse outro. É
onde me reconheço por meio do olhar do outro que
A verdade agora não é mais a do papel do ator, mas me completa, me dá acabamento. Expõe a mim e
a verdade do jogo. me faz enxergar o que axiologicamente não enxergo
sobre mim mesmo. Pelo processo do dialogismo,
Com isso tudo, a instância do espectador, junto às que é decorrente, pois, da exotopia em Bakhtin,
personagens, se eclipsou. Mas o que restaria, minha palavra está inexoravelmente contaminada
então, na plateia do teatro, segundo Guénoun? pelo olhar de fora, do outro que lhe dá sentido,
Restaria algum público, não “o público”. Algum como o contrário: meu olhar ou minha palavra dá
público quer dizer espectadores, gente. A sentido ao outro.
multiplicidade. Com isso a identificação coletiva não
se sustém. O pensamento sobre o dialogismo surge no Círculo
de Bakhitn melhor formatado por volta de 1928/1929
O espectador sumiu. Em seu lugar, alguns poucos para expressar a permanente interação e colisão
fanáticos e públicos migrantes. Aquilo que se entre estruturas significantes que se acham dentro
configura num problema para o teatro de um determinado campo histórico e social. O
contemporâneo, ao mesmo tempo dá chaves para inesgotável diálogo entre signos e, sobretudo, entre
se pensar na sua necessidade, no seu sentido, “sistemas de signos”, sejam esses literários, orais,
pensar no que torna necessário este jogo entre gestuais ou inconscientes, é tido como originário
outros. das pulsões e tensões provocadas pelo social. Sob
esta ótica, dialogia foi o termo mais usado para a
Se ao pensar o teatro apenas como uma arte de vida do mundo das trocas simbólicas, composto de
resistência à dominação das imagens ou como uma signos os mais simples com dois paus cruzados
crítica ao cinema e seus derivados Guénoun não formando uma cruz até enunciados complexos
consegue achar a resposta de seu sentido, de sua como os de Marx cujos valores não eram dados e
necessidade, contudo ao pensá-lo como jogo, estáticos, mas extremamente ambíguos e mutáveis
Guénoun nos dá a chave para pensarmos o teatro (RONCARI, 1994).
como exercício de alteridade, quando no final de
seu texto expõe que a necessidade do teatro que se Nessa perspectiva dialógica, é que podemos ver um
faz hoje é uma necessidade de jogadores, mas “espectador” de teatro, então (se aceitarmos levar
convoca companheiros de jogo para fazerem os esses princípios em conta), como um sujeito em
espectadores. Do lado da plateia, então, é preciso processo, inacabado, sujeito ao outro (ator) e

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sujeitando também o outro (lhe produzindo sentido mediação entre as criações objetivas da espécie e a
de modo responsivo, dialógico: que sempre vida interior do sujeito. A cultura é, pois, alteridade,
responde). Um espectador inserido num constante é dialogismo. Ninguém fala sozinho no mundo,
diálogo entre signos (gestuais, discursivos, visuais), como lembra Bakhtin. Nossa fala sempre é
num “sistema de signos” que se estabelece entre contaminada pela fala/olhar do outro. E quando
aqueles que “olham” e aqueles que “fazem” teatro. vemos que Guénoun justamente vê essas
possibilidades emergirem do teatro, esse teatro que
No diálogo, diz BAKHTIN (2003), o homem não é de reificação do sujeito, mas sim participativo,
participa por inteiro e com toda a vida: com os responsivo, que requer o olhar do outro, mas antes
olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o de tudo a troca, vemos também que suas ideias vão
corpo, os atos — aqui até o nosso próprio corpo é ao encontro do pensamento simmeliano em que o
discurso. Viver, portanto, é participar do diálogo, teatro, nesse caso, como elemento da cultura
interrogando, ouvindo, respondendo, replicando. A (nesse caso cultura artística, mas não alienada do
reificação das imagens (a coisificação, a mundo e da vida) concretiza-se, encontra uma de
objetificação) para a vida e para a palavra é, suas verdadeiras significações, no ponto em que a
segundo o teórico russo, inadequada. O diálogo é subjetividade particular do “espectador” se apropria
inconclusível: a dialética é seu produto abstrato. de valores exógenos à subjetividade por meio do
exercício ativo, não mais passivo.
Para Guénoun a apresentação no teatro (não mais
a representação, a figuração de algo) se trata de E aqui, podemos pensar, achamos um sentido, uma
uma existência física, que provém da apresentação necessidade para arte do teatro num tempo em que
do corpo, da exibição do próprio corpo que pretende o sujeito sofre todos os tipos de reificação possíveis,
alcançar uma verdade, que para Guénoun é advindos de uma sociedade tecnicista, racionalista,
proveniente da exposição extrema ao olhar. E tal objetivista e mercadológica. Nessas relações de
verdade podemos entender como sendo alteridade e dialogismo que acreditamos ter
proveniente de uma ação participativa entre encontrado no pensamento de Guénoun, vemos
“espectador” e ator. Aqui, Guénoun vai ao encontro que o teatro acha um novo sentido ao passar a
de Bakhtin, ao expor que o corpo é discurso. Gera trabalhar nesse campo de alteração, mesmo que
discurso. E se há busca de uma verdade, no momentânea, da individualidade, que se engendra
entanto essa verdade é feita num princípio no confronto entre dois universos aparentemente
dialógico, que leva em conta o outro, não o reifica incompatíveis (o eu e o outro). Contudo, ao se
como antes fazia o teatro das representações e perceber a heterogeneidade que vem do outro, o eu
projeções. toma consciência da sua própria diferença em
relação a sua concepção da homogeneidade. Há
Essa verdade buscada na ação teatral que se dá mudança e aperfeiçoamento da subjetividade.
entre um e outro é também a chave para pensarmos
o teatro como exercício de alteridade, posto que o O homem, tendo aqui uma visão dialógica e
teórico francês diz que o teatro que se faz hoje é interativa, não se constrói sozinho, não se sustenta
uma necessidade de jogadores, mas que, apenas com a sua própria individualidade; ele
reiteramos, convoca companheiros de jogo para necessita fazer experiências com o seu meio natural
fazerem os espectadores. Do lado da plateia é e cultural, com os outros, com a heterogeneidade
necessário haver jogadores que cedam ao jogo dos ambiental. Para crescer, para completar a sua
outros a benevolência de seu olhar. O olhar ativo. É totalidade individual, para preencher o vazio
o jogador que olha o outro para trocar ficticiamente intrínseco à condição humana, ele tem que se tornar
suas condutas com as dele, esperando realmente o outro, ele precisa experimentar situações diversas
cruzá-las. Há uma busca pela intersubjetividade. É a e emoções diferentes: vivenciar a virtualidade do
linguagem teatral que se mostra como um Ser inteiro e absoluto que não existe por definição.
acontecimento aberto da vida, da existência em que O ser só existe em processo.
se podem alimentar identidades, operar mudanças
na subjetividade a partir da cultura, como esperava Esse teatro percebido por Guénoun, que não seria
Georg Simmel. O eu (espectador) pode ser/estar o demais chamar de intersubjetivo, é um teatro que
outro (o ator), vivenciar outros papéis sociais, mantém vivas as chamas do diálogo e da alteridade,
assumir a máscara de outros personagens, entrar mantém viva a abertura, a não conclusibilidade do
no jogo de uma duplicidade antropológica. E não sujeito - lembrando outra vez BAKHTIN (2005),
seria também esse o jogo do teatro? quando de seu pensamento sobre um universo
marcado pela polifonia (coro de vozes sociais),
Como vimos com Simmel, a cultura é uma forma de possibilitada pela ação dialógica dos homens -,
perfeição individual e só se consuma por meio da mantém a possibilidade de transformação contínua
incorporação ou utilização de uma figura dos sujeitos, pois nasce também de um processo
suprapessoal, além do sujeito, é um processo de

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dialógico, que nunca se conclui, que não reifica o
outro. POÉTICAS DA RESISTÊNCIA:
Se refletirmos acerca do alerta de Georg Simmel, de SOBRE A POESIA ÉTNICO-
que os homens estão cada vez mais separados uns
dos outros, gerando um contexto que, por isso POPULAR DE SOLANO
mesmo, dificulta o desenvolvimento interior do
indivíduo, a arte deve mesmo repensar a si mesma, TRINDADE
pensar-se como processo interativo entre sujeitos,
porque lançar projeções e produzir falsas ilusões a
cultura de mercado, objetivista, racionalista e Emerson Pereti – Ms. Letras / UFPR
reificante já cuida bem de fazer. Nessa visão
demonstrada por Guénoun, vemos que teatro acha Desde as narrativas fundacionais pós-
seus próprios meios de sobrevivência para não independência que, em pleno escravagismo negro,
morrer como um bem cultural de massa. E para isso buscavam criar um Brasil idílico, unido no amor
busca tirar a subjetividade do isolamento, da relação mestiço entre europeus e indígenas pacíficos e
de superficialidade e do campo das meras subservientes. 52 Da elaboração do conceito do
projeções (nada dialógicas) típicos da cultura de homem cortês a uma releitura particularmente
massa, segundo SIMMEL (1988), para lançá-la ao positiva da mestiçagem a partir da qual se fomentou
campo fértil da intersubjetividade produtora de 53
o “mito de democracia racial”, a ideia da mistura
sentido. Mas não um sentido dado, pronto. Sim, um étnica e cultural como valor inquestionável da
sentido construído na relação entre homens, entre brasilidade foi sendo incorporada ao discurso oficial
um o outro. brasileiro e usada frequentemente para o
enaltecimento do país e de seu povo. Porém, o que
BIBLIOGRAFIA CITADA essa ideia pode ter de atraente, pode também ter de
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. perigosa; o problema sempre estará em quem faz
Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, uso dela. Para alguns críticos culturais, entre eles
2003. muitos intelectuais negros, conceitos como
___________. Problemas da poética de miscigenação ou democracia racial no Brasil foram,
Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 3. ed. São sobretudo, formações discursivas das elites; novas
Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. narrativas fundacionais construídas a partir de um
GUÉNOUN, D. O teatro é necessário?. Trad. ideal literário da nacionalidade que estas mesmas
Fátima Saad. São Paulo: Perspectiva, 2004. elites se propunham a conduzir. Tais conceitos não
RONCARI, L. Prefácio. In: BARROS, P., LUZ, D. e apenas serviriam para acobertar os problemas
FIORIN, J. L. (orgs). Dialogismo, polifonia, sociais do país, criados a partir da espoliação do
intertextualidade em torno de Bakhtin. Revista trabalho de que foram vítimas as classes
ensaios de cultura, n. 7, São Paulo: Edusp, 1994.
SIMMEL, G. La aventura. Barcelona: Península,
1988.
VANDENBERGHE, F. As sociologias de Georg
Simmel. Trad. Marcos Roberto Flamínio Peres.
Bauru: EDUSC, Belém: EDUFPA, 2005.
52
A alusão aqui se faz obviamente a romances como o
Guarani e Iracema de José de Alencar. Ao analisar as
ficções fundacionais da literatura latino-americana, a
ensaísta estadunidense Doris Sommer faz o seguinte
comentário: “Como solución retórica a las crisis en
estas novelas/naciones, el mestizaje, lema en muchos
proyectos de consolidación nacional, con frecuencia
es la figura empleada para la pacificación del sector
“primitivo” o “bárbaro”. Los términos funcionan como
sinécdoques, y también como metáforas utilizadas
para representar las relaciones políticas entre las
facciones de la élite criolla”. SOMMER, Doris.
Ficciones fundacionales. Las novelas nacionales
de América Latina. Tradução ao espanhol pela Fondo
de cultura econômica, 2004 p.39
53
Sobre a formação de conceitos como “mestiçagem
positiva” ou “democracia racial” no Brasil. Cf. LEITE,
Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro:
história de uma ideologia. 7ª ed. São Paulo: Unesp,
2007.

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subalternas, como também para a própria suscetibilidade de ser valorizada esteticamente e
54
manutenção do status quo. considero minha condição étnica como um dos
suportes de meu orgulho pessoal”. 57 Esse seria,
Entre os pensadores negros, principalmente a partir segundo o pensador, o ponto de partida para a
dos decênios de 40 e 50, desmistificar essa elaboração de uma hermenêutica da situação do
narrativa e insurgir-se contra as contradições da negro no Brasil.
política racial brasileira passou a significar, antes de
tudo, uma retomada de consciência; uma busca No campo discursivo, ao mesmo tempo em que
pela afirmação de sua condição étnica e cultural recuperavam a história da resistência negra – desde
como fenômeno histórico e existencial. Entre eles, a valorização das tradições orais africanas à
figuras como as dos sociólogos Abdias do utilização da escritura ocidental como resistência
Nascimento e Guerreiro Ramos projetaram-se como representada por um Luís Gama – como resposta à
representantes de um momento particular no aculturação empreendida pelo processo
pensamento brasileiro, em que o valor étnico- homogeneizante da modernidade brasileira, esses
cultural passa a ser utilizado como elemento de pensadores incorporavam agora um novo elemento:
contestação ao discurso hegemônico de fundação o ideário estético e político da Negritude. Tal
nacional, e de resistência ante a ideia da brasilidade movimento, que agregava intelectuais e artistas
aculturadora e assimilacionista. negros oriundos principalmente de colônias
francesas, se constituía como um projeto artístico e
Avesso à falsa ideia de “democracia racial”, literário de afirmação da cultura negra
particularmente à sua idealização romântica do inerentemente vinculado à luta anticolonialista. No
mestiço e da miscigenação no Brasil – o que Brasil, essas ideias se difundiram também com a
considerava uma forma sutil de reprodução do influência da filosofia existencialista, em particular
racismo – Abdias do Nascimento denunciava: daquela teorizada por Jean-Paul Sartre em seu
Orfeu negro. No texto de 1948, o filósofo francês,
Da classificação grosseira dos negros como analisando o Movimento da Negritude através de
selvagens e inferiores ao enaltecimento das virtudes sua poesia, o classificava como um dos mais
legítimos e revolucionários de seu tempo:
da mistura de sangue como uma tentativa de
erradicação da ‘mancha negra’; da operatividade do
sincretismo religioso à abolição legal da questão O negro não pode negar que seja negro ou reclamar
negra através da Lei de Segurança Nacional e da para si esta abstrata humanidade incolor; ele é
omissão censitária – manipulando todos esses preto. Está pois encurralado na autenticidade:
métodos e recursos – a história não oficial do Brasil insultado, avassalado, reergue-se, apanha a palavra
registra o longo e antigo genocídio que vem se “preto” que lhe atiraram qual uma pedra; reivindica -
55 se como negro, perante o branco, na altivez. A
perpetrando contra o afro-brasileiro.
unidade final, que aproximará todos os oprimidos no
mesmo combate, deve ser recebida nas colônias
Para Guerreiro Ramos, a luta humanista dos afro-
por isso que eu chamaria momento da separação
brasileiros para vencer a condição histórica da
segregação racial passaria inevitavelmente por um ou da negatividade: este racismo anti-racista é o
personalismo negro.56 Só a partir dessa único caminho capaz de levar à abolição das
conscientização é que o homem negro poderia se diferenças de raça.58
realizar no plano pessoal como homem universal,
tornando-se assim potencialmente livre da Esses novos posicionamentos punham em xeque a
unidimensionalização da sociedade. “Sou negro”, tese da brasilidade assimilacionista (senão também
escrevia ele, “identifico como meu o corpo em que a da própria brasilidade), desconstruindo seu
meu eu está inserido, atribuo à sua cor a discurso e contribuindo para uma nova perspectiva
cultural, capaz de pensar a formação do país não
mais por meio de um modelo condensador – que
54
FERNANDEZ, Florestan. O negro no mundo dos trás consigo o desejo enrustido da classe dominante
brancos. São Paulo: Difusão européia do livro, 1972 de preservar suas espoliações – mas como um
p. 29 campo de identidades a procura de espaço, no qual
55
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro as diferenças, de origem ou re-significadas, sejam
brasileiro, processo de um racismo mascarado. 1ª
edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1978, p.93
56
Práxis negra proposta por Guerreiro Ramos, cuja
57
dialética se alicerça sobre três prerrogativas GUERREIRO RAMOS, Alberto. Introdução crítica à
complementares: a) o niger sum, a assunção da sociologia brasileira. 2a. ed. Rio de Janeiro: Ed.
negritude pelo homem de pele escura (tese); b) a UFRJ. 1995, p. 199
58
suspensão da brancura (antítese); c) uma SARTRE, Jean-Paul. Orfeu Negro. In: Reflexões
compreensão humanística do valor da negrura e da sobre o racismo. 4ª edição. São Paulo: Difusão
luta negra (síntese). Européia do livro. 1965. p. 98

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62
aceitas como valores inalienáveis da sociedade civil personalismo negro de Guerreiro Ramos. A voz de
59
e política. resistência do negro que, ao contrapor-se à
homogeneização “embranquecedora” do
No campo da poesia, essa nova práxis pode ser pensamento e da linguagem ocidental, acabaria por
encontrada na linguagem auto-definida simples e criar um novo sentido à própria ideia de homem.
comprometida de Solano Trindade (1908-1974): Porque não aspira simplesmente a troca de lugares:
quer a abolição dos privilégios étnicos e afirmar sua
Sou negro solidariedade com os oprimidos de todas as cores.63
meus avós foram queimados
pelo sol da África A poesia como trabalho da vida
minh`alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs Solano Trindade nasceu em Recife, em 1908. Era
filho do sapateiro Manuel Abílio e da quituteira
Na minh`alma ficou Merença (Emerenciana). Sobre sua origem e vida
o samba escreveu:
o batuque
o bamboleio Quando eu nasci,
e o desejo de libertação60 Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Seus poemas retratam, em sua maior parte, a Para o angu das manhãs...
situação do negro, que, sobrevivendo ao Portanto eu venho da massa,
desraizamento de sua terra ancestral, ao estado Eu sou um trabalhador...
histórico de escravidão e ao racismo Ouvi o ritmo das máquinas,
institucionalizado, re-significa sua identidade no E o borbulhar das caldeiras...
contexto histórico-social brasileiro, e reivindica e Obedeci ao chamado das sirenes...
afirma sua igualdade em relação aos outros. Uma Morei num mucambo do ""Bode"",
afirmação autêntica de diferença, que assume assim E hoje moro num barraco na Saúde...
64
uma dimensão universal, porque está Não mudei nada...
intrinsecamente ligada às aspirações de todos
aqueles que lutam por libertar-se do processo Estudou no Liceu de Artes e Ofícios e nos anos 30
histórico do aculturamento modernizador e de sua começou a escrever seus primeiros poemas. Em
inerente força segregadora e expropriatória. 1934, já em ativa militância, participou do 1º e 2º
Congressos Afro-Brasileiros em Recife e Salvador,
Ouço um novo canto, e em 1936, participou da fundação da Frente Negra
Que sai da boca, Pernambucana e do Centro de Cultura Afro-
de todas as raças, Brasileiro. Após passagem por Belo Horizonte,
Com infinidade de ritmos... Pelotas, no Rio Grande do Sul, e um breve retorno a
Canto que faz dançar, Recife, estabeleceu residência no Rio de Janeiro,
Todos os corpos, onde ajudou a implantar, com Abdias do
De formas, Nascimento, o Teatro Experimental do Negro em
E coloridos diferentes... 1945. No início dos anos 50, juntamente a sua
Canto que faz vibrar, esposa, Margarida Trindade e o sociólogo Edson
Todas as almas, Carneiro, fundou também o Teatro Popular
De crenças, Brasileiro (TPB), cujo elenco era formado por
E idealismos desiguais... operários, domésticas, comerciários e estudantes,
É o canto da liberdade, que apresentavam espetáculos de batuques,
Que está penetrando, congadas, caboclinhos, capoeira, coco e outras
Em todos os ouvidos...61 manifestações populares. Mudou-se mais tarde para
a cidade de Embu, em São Paulo, lugar que se
Aquela atitude transcendente descrita por Sartre, e transformou num grande centro cultural, onde o
que viria a ser uma das fontes criativas para o Teatro Popular Brasileiro viveu a sua melhor fase.
Em vida, publicou três livros de poemas: "Poemas

59 62
BARBOSA, Muryatan Santana. Do mulato ao negro, Cf. BARBOSA, Muryatan Santana. Guerreiro Ramos:
as faces da brasilidade. In: Revista entre Livros, o personalismo negro. Disponível em:
edição especial no 08. p. 97 http://historiaecultura.googlepages.com/GuerreiroRam
60
TRINDADE, Solano. “Sou negro”. In: Cantares ao meu osPDFFINAL.pdf. Acesso em 05/11/08.
63
povo. Brasiliense: 1963. p. 32 SARTRE, Jean-Paul. Orfeu Negro. Op. Cit. p.126.
61 64
Idem. “O canto da Liberdade”. In: Solano Trindade - O TRINDADE, Solano. “Poema autobiográfico”. In:
poeta do povo. São Paulo: Cantos e Prantos Editora. Solano Trindade - O poeta do povo. Op. Cit. p. 52
1999 p. 92

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de uma Vida Simples" (1944), "Seis Tempos de negra, oriunda das lutas anticolonialistas dos anos
Poesia" (1958) e “Cantares ao Meu Povo” (1961), 60, da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e
este último reeditado pela Brasiliense em 1981. dos movimentos de afirmação da década de 70. E
para aqueles que hoje se empenham pela causa
Convertido ao protestantismo desde a década de das minorias e classes subalternas, seu trabalho
40, Solano abandonou a Igreja e aderiu ao pode seguramente reafirmar uma sentença que
Comunismo. Essa mudança de posição o poeta muitas das teorias pós-modernas fizeram parecer
justifica “plagiando o novo testamento”: quase anacrônica: um aviso de que a luta ética pela
liberdade pessoal ou de um grupo, dentro de um
Aquele que diz que ama a Deus sistema que tira suas próprias forças da exploração
histórica da mais-valia, da homogeneização
E não ama a seu irmão
consumista e da fetichização da diferença, está, ou
É mentiroso
Se não ama a sua irmã ao menos deve estar, ainda, diretamente ligada à
a quem beija luta coletiva de todos os oprimidos.
com quem copula
como pode amar a Deus Há de fato, nos versos do poeta pernambucano,
com quem não pode fazer uma necessidade constante de abarcar; de reunir;
nada destas cousas…65 de fazer parte de algo maior; de abrir-se em uma
violenta solidariedade, porque sabe que sua
negritude é, no fundo, uma passagem para o outro:
Escritos geralmente em uma linguagem direta e em
tom conversativo, os poemas de Solano mostram
um trabalhador artístico consciente de seu valor Eu canto aos Palmares
como intérprete da realidade, mas que se coloca em Odiando opressores
uma situação igual à de seu público. São frequentes De todos os povos
as passagens em que o poeta estabelece um De todas as raças
diálogo com o leitor, confrontando-o com sua De mão fechada
própria criação artística, suas vontades e dilemas, Contra todas as tiranias
buscando trazê-lo, em uma estreita relação de [...]
cumplicidade, a uma leitura conjunta de sua E agora ouvimos um grito de guerra,
condição existencial: ao longe divisamos
as tochas acesas, é a civilização sanguinária
- Eita negro! que se aproxima
quem foi que disse
Mas não mataram
que a gente não é gente?
quem foi esse demente, meu poema
se tem olhos não vê... Mais forte que todas as forças
É a liberdade...68
- Que foi que fizeste mano
Isso em uma época na qual grande parte da poesia
pra tanto falar assim?
- Plantei os canaviais do nordeste brasileira enveredava por outros caminhos
estéticos, entre eles experimentos concretistas,
neoconcretistas e herméticos. Ideários artísticos que
- E tu, mano, o que fizeste? se faziam muitas vezes mediante impulsos
Eu plantei algodão protopolíticos de modificar o mundo apenas pela
nos campos do sul transformação das formas, do espaço ou da
pros homens de sangue azul linguagem. Ante essa postura “dos donos da cultura
que pagavam o meu trabalho ocidental”, como os chamava, o poeta negro
66
com surra de cipó-pau... advertia:

É importante salientar, como lembra Fábio Há poetas que só fazem versos de amor
Nogueira,67 que esse engajamento artístico e essa Há poetas herméticos e concretistas
forma de tratar a negritude popular em Solano enquanto se fabricam bombas atômicas e de
Trindade já se configuravam em sua plenitude, hidrogênio
mesmo antes da grande percepção da cultura enquanto se preparam
exércitos para guerra
65
TRINDADE, Solano. “Plagiando o novo testamento”. enquanto a fome estiola os povos...
In: Cantares ao meu povo. Op. Cit. p. 75
66
Ibidem. “Conversa”. p. 30
67
Cf. NOGUEIRA, Fábio. Solano Trindade, o poeta da
resistência negra. Disponível em:
68
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1440/ Ibidem. “Canto dos Palmares”. p. 28

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Depois fundamentos da alta cultura. Contesta-se sim o uso
eles farão versos de pavor e de remorso que é feito dela, e a maneira como são construídos,
e não escaparão ao castigo hierarquizados, difundidos e consumidos os
porque a guerra e a fome trabalhos artísticos de determinada época.
também os atingirão
69
e os poetas cairão no esquecimento... A poesia de Solano dialoga com as próprias
tradições literárias canônicas, mas sua força
Talvez a poesia de Solano Trindade tenha sido expressiva parece vir, antes de tudo, justamente de
relegada à margem da historiografia literária seu contato com as tradições populares,
brasileira porque era demasiadamente “popular” ou principalmente de matriz africana. Serviam-lhe de
“ideológica”. Afinal, são “os donos da cultura” que enredo as danças, os ritmos, as crenças, as
delimitam o padrão estético de certa época, e, a seu necessidades elementares dos homens comuns, a
tempo, a proposta estética do poeta pernambucano intransigência do tempo, o espaço suburbano, os
se contrapunha a certas tendências, propriamente sonhos dos homens humildes e o amor de mulheres
ideológicas, da alta cultura letrada brasileira. nostálgicas. Para o poeta, aqueles instantes de vida
Independentemente das inumeráveis atribuições que se fotografam quando o espírito é tomado de
que se possa dar à arte, para Solano ela parecia excedente sensibilidade:
implicar responsabilidade e posicionamento. A
atitude comprometida daquele artífice que sempre Crianças cantando em redor do poeta
pergunta à palavra: “A quem você serve?”. Em seus Fazendo de trampolim a cabeça do poeta
versos, estética e política se encontram unidas Fazendo do braço do poeta
sempre em uma relação dialógica. Corda de pular

Amor Poesia jardim de subúrbio


Um dia farei um poema Em tarde dominical
Como tu queres Brancos negros mulatos amando-se...
Dicionário ao lado
Um livro de vocabulário Poesia circo de cavalinho
Um tratado de métrica Circo bem pobre
Um tratado de rimas Coberta remendada
Terei todo o cuidado com meus versos Com ternura de circo

Não falarei de negros Poesia comício político na roça


De revolução Coreto bandeira charanga
De nada
Que fale do povo Poesia porta-bandeira
Serei totalmente apolítico no versejar De escola de samba71
Falarei contritamente de Deus Seu verso emerge muitas vezes de maneira
Do presidente da República espontânea, como uma rima infantil ou cantiga
Como poderes absolutos do homem popular:
Neste dia amor Pau de sebo
Serei um grande F. Da P. 70 De minha meninice
Moleque sobe escorrega e desce
Em várias oportunidades, Solano se dizia um poeta Suspende-se em um estado de consciência:
da simplicidade: “prefiro levar ao povo uma A vida é um pau de sebo
mensagem, em linguagem simples, em vez de uma A gente pra chegar em cima
mensagem cifrada para um grupo de intelectuais”. Tem que sujar as mãos
Ao afirmar isso talvez estivesse contestando a Afirma-se como postura de resistência:
própria hierarquização da cultura. Quem, com qual Muitos não querem subir
autoridade, ou sob quais leis culturais decretou “os No pau de sebo da vida
valores estéticos”? Quem estabelece o que está Preferem ficar em baixo
fora ou dentro dos cânones? E, sobretudo, quem Que subir sujando as mãos
afastou a poesia da vida popular e a elevou a um Profere a sentença:
altar cerimonioso? Não se trata aqui de contestar, Um dia quando o pau apodrecer
como uma já batida retórica pós-modernista, os Os de cima cairão
Os de baixo sorrirão...
E nesse corte abrupto do verbo, retorna ao canto:
69
TRINDADE, Solano. “Advertência”. In: Solano Pau de sebo
Trindade - O poeta do povo. Op. Cit. p. 110
70
TRINDADE, Solano. “F. da P.”. In: Cantares ao meu
71
povo. Op. Cit. p. 36 Idem. “Poesia da tarde de sol”. p. 66

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De minha meninice _______
72
Moleque sobe escorrega e desce
Jorginho era criança igual às outras
Aqui, o poema se faz por meio de sua própria auto- Queria brindar
negação; do conflito interno entre a intencionalidade O brinquedo poderia ser um revólver
formal e a consciência renitente. É dessa Uma navalha
incongruência que surge o lirismo. Novamente no Um pandero
ritmo entrecortado pela disposição conversativa dos Quem sabe um cavalinho de pau
versos: Jorginho queria brincar
[...]
Televisionado
Eu ia fazer um poema para você
Só nao deu autografo
mas me falaram das crueldades
nas colônias inglesas Porque estava algemado
E o poema não saiu
ia falar do seu corpo Ele era o facínora
que brincava com bolinha de gude75
de suas mãos
amada
quando soube que a polícia espancou um Mas como encontrar uma escritura que resgate, que
companheiro combata e conscientize ao mesmo tempo? Como
e o poema não saiu fazer com que seu caráter didático não subverta a
[...]73 subjetividade? Como, por meio da poesia, levar ao
povo uma mensagem, em linguagem simples, sem
A musicalidade de muitos de seus poemas também parecer pedante ou panfletário? Que fale do homem
a partir do negro? Que abarque o todo pela
obedece à cadência sincopada dos ritmos africanos,
à expressividade performática das tradições orais. perspectiva da parte? Nesses poemas, isso parece
Num tantã seco e irregular se formam muitas vezes se dar justamente em seu momento paradoxal de
as imagens, e à medida que a cadência cresce e se renúncia: quando o poeta abandona a si mesmo e já
não é senão multidão; quando sua negritude se põe
torna fluida, elas vão se organizando e produzindo
do outro lado da superfície translúcida, para que nos
cenas. Como se, ao som de tambores noturnos,
fosse contada a história de vidas esquecidas, a reconheçamos nela como em um espelho.
história de muitos afro-descendentes, encobertas
em meio à miséria e à marginalidade: No começo da década de sessenta, em reposta à
famosa rítmica do trem de ferro de Manuel
Bandeira...
[...]
Maria da Luz
Está com dores Café com pão
Vai nascer
Primeiro filho Café com pão
De da Luz
[...] Café com pão76
O menino é batizado
com o nome de Claudionor ...tão reconhecida pela memória brasileira como o
Da Luz dá de mamar
“trenzinho caipira” de Villa Lobos; Solano Trindade
Claudionor vai crescendo
propôs uma nova: Uma voz pesada da consciência,
[...] repetitiva e incômoda, que não deixa esquecer a
Nenô tem quinze anos realidade...
Joga baralho
Bebe que só timbu
Anda com mulher à-toa Tem gente com fome
É frequente na polícia Tem gente com fome
Tem gente com fome
Maria da Luz E essa duofônica e crescente semicolcheia do trem
Morreu tuberculosa sujo da Leopoldina continua...
Mueque Nenô Tantas caras tristes
Morreu tubersuloso74 Querendo chegar

74
TRINDADE, Solano. “História das dores de Maria da
Luz”. In: Cantares ao meu povo. Op. Cit. pp. 37-38
72 75
Ibidem. “Pau de sebo”. p. 52 Idem. “Bolinhas de gude” p. 40
73 76
TRINDADE, Solano. “Esperaremos”. In: Solano BANDEIRA, Manuel. “Trem de ferro”. In: Estrela da
Trindade - O poeta do povo. Op. Cit. p. 71 Manhã. Rio de Janeiro: 1936.

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Em algum destino heterodoxa, quando parece estar sendo orientada,
Em algum lugar antes, por uma ideia a-histórica de multiculturalismo,
Até que chega a estação e o trem desacelera num e por um único racionalismo, o do mercado. Se a
apelo sincopado... lógica cultural pós-moderna trouxe ao debate
Se tem gente com fome questões importantes sobre etnicidade e
Dá de comer sexualidade, por outro lado, relegou temas políticos
Se tem gente com fome mais antigos, mas não menos importantes, como a
Dá de comer relação estreita entre opressão social, étnica ou
Mas o apelo é silenciado pelo “freio” repressivo do cultural e os meios materiais de produção
poder... capitalista. Ao tratar a etnicidade ou a sexualidade
Mas o freio de ar como valores imanentes, desprovidos de
Todo autoritário constituição histórica e social, esta perspectiva pós-
Manda o trem calar moderna ameaça apagar todo um conjunto de
77
Psiuuuuuuuuu histórias e memórias coletivas, como se construíram
historicamente as questões sociais, étnicas ou
Por conta desse poema, Solano foi preso e teve o sexuais, os dialogismos culturais e as formas de
livro "Poemas de uma Vida Simples" apreendido. A produção material a partir das quais se estabelecem
ditadura ainda lhe tiraria um de seus quatro filhos as estruturas de poder. Como contraponto à essa
(Francisco), morto em 64 em uma prisão militar. O lógica cultural, a poesia de Solano Trindade se
poema “Tem gente com fome” foi musicado em mantém fecunda e atual, um exemplo ainda vivo de
1975 pelo grupo “Secos e Molhados”; no entanto, como variantes contrastantes de subjetividade e
devido ainda a problemas com a censura, só veio a identificação étnico-racial podem conciliar-se a um
ser lançado em 1979, no álbum “Seu Tipo” de Ney projeto coletivo de sociedade mais justa e
Matogrosso. igualitária.

De um exemplo de resistência solidária Assim como denunciava o racismo, a desigualdade


e a tirania, esse homem queria cantar a esperança,
porque sua negritude, como nas palavras de Sartre:
Há, na poesia de Solano Trindade, uma vigorosa
nascida do mal e grávida de um bem futuro, era,
resistência, seja ela de cunho ideológico ou estético.
Um desejo de sobreviver, tanto pessoal como também ela, a um só tempo concepção e sacrifício:
culturalmente, à unidimensionalização do homem.
Um desejo de resgatar os ritmos e as tradições Meus avós foram escravos
populares depreciadas pela homogeneização e Olorum Ekê
solapadas pela imposição de uma cultura Olorum Ekê
dominante; aproximar do popular aquilo que havia Eu ainda escravo sou
sido separado pelas ordens estéticas estabelecidas, Olorum Ekê
dar-lhes espaço democrático e assim enriquecer a Olorum Ekê
cultura coletiva. Para isso era preciso sublevar-se; Os meus filhos não serão
desmentir os determinismos e contestar os valores Olorum Ekê
78
e as hierarquias; interferir nos espaços de poder e Olorum Ekê
criar instrumentos para que os silenciados pelo
processo de aculturação pudessem se identificar e Referências Bibliográficas
afirmar-se.
BARBOSA, Muryatan Santana. Do mulato ao
Em um tempo em que se discutem fronteiras, não- negro, as faces da brasilidade. In: Revista entre
o
lugares e hibridações, em que as chamadas Livros, edição especial n 08
políticas de identidade se impõem sobre questões __________. Guerreiro Ramos: o personalismo
de classe, estado, ou sujeito histórico, e em que negro. Disponível em:
grandes projetos coletivos são vistos cada vez com http://historiaecultura.googlepages.com/GuerreiroRa
mais ceticismo, a obra de Solano Trindade ainda mosPDFFINAL.pdf. Acesso em 05/11/08.
tem um valor singular. Porque representa uma BANDEIRA, Manuel. Estrela da manhã. Rio de
demanda histórica que está longe de encerrar seus Janeiro, 1936
dilemas. Hoje, o estado de suspensão do EAGLETON, Terry. A idéia de cultura; tradução
capitalismo avançado se dilata e adensa, defendido Sandra Castelo Branco; revisão técnica Cezar
muitas vezes por uma lógica relativista que busca Mortari. São Paulo: Editora UNESP, 2005
desconstruir quaisquer posicionamentos, julgando-
os irracionais e maniqueístas, presumidamente

77 78
TRINDADE, Solano. “Tem gente com fome”. In: TRINDADE, Solano. “Olorum Ekê”. In: Solano Trindade
Cantares ao meu povo. Op. Cit. p. 34 - O poeta do povo. Op. Cit. p. 74

69 | F A F I U V – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
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__________. As ilusões do pós-modernismo;
tradução Elisabeth Barbosa. Rio de Janeiro: Jorge O CURSO DE HISTÓRIA DA
Zahar Ed., 1998
FARIA, Álvaro Alves de. A poesia simples como a FAFI: UMA TRAJETÓRIA
vida. Prefácio a Cantares ao meu povo. Brasiliense:
1963. COM MUITOS SUCESSOS
FERNANDEZ, Florestan. O negro no mundo dos
brancos. São Paulo: Difusão européia do livro,
1972. Profª. Ms. Leni Trentim Gaspari 79
GUERREIRO RAMOS, Alberto. Introdução crítica
à sociologia brasileira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ. 1995.
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional
Entre as inúmeras realizações brasileiras na década
brasileiro: história de uma ideologia. 7ª ed. São
de 50 e 60, do século vinte, certamente pode-se
Paulo: Unesp, 2007.
destacar a fundação de Universidades e de
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro
Faculdades públicas. Tal inovação revestiu-se de
brasileiro, processo de um racismo mascarado.
importância tão significativa quanto a
1ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1978.
industrialização, ampliação da rede de transportes,
NOGUEIRA, Fábio. Solano Trindade, o poeta da
sistema de telecomunicação e outros destaques que
resistência negra. Disponível em:
se tornaram relevantes no país, na época em
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/14
questão.
40/. Acesso em 10/10/08.
SARTRE, Jean-Paul. Reflexões sobre o racismo.
4ª edição. São Paulo: Difusão Européia do livro. Para União da Vitória que se encontrava no auge do
1965. seu desenvolvimento econômico, social e político, a
SOMMER, Doris. Ficciones fundacionales. Las criação de uma Faculdade era ponto alto nas
novelas nacionales de América Latina. Bogotá: discussões das elites e pessoas com
Fondo de cultura econômica. 2004 representatividade no campo político estadual.
SOUZA, Florentina. Solano Trindade e a produção Tornava-se evidente a necessidade da criação de
literária afro-brasileira. Disponível em: um espaço destinado à ampliação dos saberes, que
http://www.afroasia.ufba.br/pdf/31_14_solano.pdf. atendesse não apenas União da Vitória e Porto
Acesso em 15/10/08. União, mas também aos inúmeros municípios que
TRINDADE, Solano. O poeta do povo. São Paulo: circundam as duas cidades. Criada em 1956,
Cantos e Prantos Editora. 1999. instalada em 1960, iniciam-se as primeiras
_________. Cantares ao meu povo. Brasiliense: atividades acadêmicas da Faculdade Estadual de
1963 Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória
FAFI, com seus dois primeiros Cursos: Pedagogia e
História.

Primeiros Professores do Curso de História

Conforme dados registrados no primeiro Livro de


Atas da Congregação da FAFI percebe-se as
dificuldades encontradas para a contratação dos
primeiros professores, pois, exigiam-se docentes
com diplomas registrados no Ensino Superior e da
área especifica. Na falta deste último quesito,
consta no Livro de Atas da Congregação (1959) que
os “[...] candidatos com outro curso superior, com
trabalhos relevantes produzidos, precisam ter êstes
(sic) julgados e serem considerados candidatos de
‘notório saber’, para poderem lecionar em
Faculdade diferente daquela da qual possuíam
diplomas”.

79
Professora do Curso de História da FAFI*UV.
Pesquisadora sobre História Local. Exercendo atualmente
o cargo de Vice-Diretora da FAFIUV. Membro da
Academia de Letras do Vale do Iguaçu (ALVI).

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Após o recebimento das orientações técnicas É oportuno destacar a inserção da mulher na vida
decisivas organizou-se o Corpo Docente da acadêmica neste período, desvinculando-se dos
Faculdade. Em 25 de novembro de 1959, em grilhões domésticos e inserindo-se no espaço
sessão plenária do Conselho Nacional de público. Algumas das jovens professoras na época,
Educação, pelo Parecer nº. 562, foi aprovada a como as Prof. Edy Santos da Costa e Noeli
autorização para o funcionamento dos Cursos de Terezinha Feijó estão entre as primeiras moças a
Pedagogia e História. Em 19 de janeiro de 1960 foi sair de União da Vitória na década de 50 para
publicado o Decreto nº. 47 666, assinado pelo cursar Universidade em Curitiba, retornam como
Presidente da República Sr. Juscelino Kubitscheck professoras fundadoras da FAFI juntamente com
de Oliveira e pelo Ministro de Educação Clóvis outras professoras ilustres e de alto nível intelectual.
Salgado, autorizando o funcionamento dos Cursos
de Pedagogia e História. No mês de fevereiro do A Primeira Formatura da FAFI
mesmo ano realizou-se o primeiro vestibular da
FAFI. A primeira formatura da FAFI ocorreu em dezembro
de 1963 e no Curso de História graduam-se Adolfo
A primeira turma do Curso de História foi constituída Mendes, Joaquim Osório Ribas, Lili Matzembacher,
com 16 alunos e Pedagogia com 35 alunos. Marli Maria Bazzo (os quais, mais tarde retornam, à
FAFI como professores) Johannes Michael
Schroeder, Pedro Scharam Escobar, Névito
Dalmagro e Serafim Caus.

Obtiveram o primeiro e o segundo lugar na


conclusão do Curso o Professor Joaquim Osório
Ribas, que foi escolhido orador da turma e a
Professora Marli Maria Bazzo. As fotos abaixo
registram o importante e histórico momento da
primeira formatura da FAFI.

FOTO 1: Primeira turma de acadêmicos da FAFI,


inicio década de 60.

ACERVO: Profº. Joaquim Osório Ribas

O primeiro Corpo Docente que passou a integrar os


Cursos da FAFI, portanto, fundadores, esteve
assim, constituído: João Hort, para a Cadeira de
Geografia; Aldrovando Cardon Castro, para a FOTO 2: Imposição de Grau pelo Diretor Prof.º João
Cadeira de Complementos de Matemática; Luiz Hort, 1963
Wolski, para a Cadeira de Sociologia; Edy Santos
da Costa, para a cadeira de História da Filosofia; ACERVO: Prof.º Joaquim Osório Ribas.
Maria Therézia Butzen, para a Cadeira de
Sociologia; Ivone Mascarenhas Skiba, para a
Cadeira de Psicologia Educacional; Ivette Mazalli,
para a Cadeira de Biologia Geral; Lybia Stahlchmidt,
para a Cadeira de Estatística Educacional; Walkíria
Araújo de Oliveira, para a Cadeira de História e
Filosofia da Educação; Aniz Domingos, para a
Cadeira de História Antiga e Medieval; Alvir
Riesemberg, para a Cadeira de História do Brasil;
Eny Camargo Maranhão, para a Cadeira de
Antropologia e Etnografia; Laudemiro Camargo
Bandeira, para a Cadeira de História da América;
Vicente Codagnone, para a Cadeira de História
Moderna e Contemporânea e Francisco Filipak para
a Cadeira de Introdução a Filosofia.

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encarado como “um insumo econômico
para o crescimento industrial” (Dreifuss,
1987, p. 438). Com a criação da
disciplina Educação Moral e Cívica em
1969, cujos objetivos eram a versão
adaptada ao ensino da Doutrina de
Segurança Nacional, a educação era
concebida como um instrumento de
controle ideológico.

Neste contexto destaca-se a Lei nº. 5.540/68 que


traz modificações no Ensino Superior e como
ressalta Ribeiro (2000) estas modificações tinham
FOTO 3: Primeira Formatura dos acadêmicos da por meta responder a uma necessidade de
FAFI, 1963. encontrar formas de expressão desse nível de
ensino com o mínimo de custo para não prejudicar o
ACERVO: Profº. Joaquim Osório Ribas. atendimento dos outros níveis que eram
consideradas como prioritários. Essas questões
certamente influenciaram o ensino, a pesquisa e o
O Ensino Superior nos anos 60 e 70 debate acadêmico nas instituições de Ensino
Superior nos anos 60 e 70.
Paes (1982) menciona que ao término dos anos 50
e início dos anos 60, nos centros urbanos, a rede O Curso de História na FAFI: algumas
pública de ensino de 1º e 2º graus absorvia grande características
parte da população estudante dessa faixa. Contudo,
as escolas particulares, em geral confessionais,
recebiam também muitos alunos de famílias com Como já destacou-se neste texto o Curso de
maior poder aquisitivo pelo consenso que o ensino História iniciou em 1960, a primeira formatura
particular era de melhor qualidade. ocorreu em 1963, no entanto o reconhecimento
definitivo do Curso só ocorreu no dia 6 de abril de
1967 quando foi finalmente aprovado o Parecer nº.
De acordo com a autora mencionada, o Regime 131/67. É oportuno destacar aqui a alegria que esse
Militar estabeleceu uma política de favorecimento do fato ocasionou a comunidade acadêmica conforme
ensino particular, atingindo também o ensino consta nos registros da Luminária nº. 2, no texto de
superior: “Na área universitária, a privatização João Hort:
também foi a regra: em 1964, 75% dos alunos
matriculados em cursos superiores frequentavam
universidades públicas e em 1984, apenas 25%”. O telegrama da auspiciosa notícia veio
(PAES, 1992, p. 53). nessa mesma noite de 6 de abril de
1967, enquanto as aulas transcorriam
normalmente. Porém ao tomar
A lei da reforma universitária de 1968 atinge o conhecimento da boa nova, os
Ensino Superior público impondo uma tendência acadêmicos imediatamente formaram
uniformizada ao ensino, deixando de lado um grande cortejo de carros, em
experiências diferentes e promissoras. No final dos conjunto com os alunos da Escola
anos 60 e inicio dos anos 70 ocorreram mudanças Técnica de Comércio David Carneiro
na legislação educacional do Brasil. No campo da que funcionava no mesmo edifício, e
História, foi criada a disciplina de Estudos Sociais juntos percorreram as ruas centrais da
no ensino de 1ª a 8ª série e suprimiu-se a História cidade enchendo concomitante o
como disciplina isolada em 1971. Com isso, criou-se espaço com permanente pipocar de
o Curso Superior de Estudos Sociais no Brasil, para foguetes. Foi a festa do
preparar professores que iriam atuar nessa nova reconhecimento da Faculdade (HORT,
disciplina. 1985, p. 22).

Além disso, na análise de Paes (1992, p. 54) Os Currículos de História na FAFI, nos anos 60 e
70, refletiam as condições da época dentro de uma
A educação foi ainda atingida em sua visão cronológica e tradicional a exemplo de outras
própria concepção. Na Constituição de Instituições de Ensino Superior da época. Conforme
1967, bem como no Plano Decenal do consta nos arquivos documentais da Secretaria
mesmo ano, o espírito era um só: a Geral da FAFI a Matriz Curricular da primeira turma
educação deveria instrumentalizar para de História era composta com as seguintes
o trabalho e o ensino superior era disciplinas por série:

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Antropologia Física, Antropologia História Moderna, Psicologia
Social, Geografia, História Medieval, Educacional, História do Brasil, História
1ª Série História do Brasil, Pré-História e 3ª Série da América e Didática Geral.
História Antiga e Introdução à Filosofia História da América, História
Contemporânea, Prática de Ensino,
4ª Série História do Brasil e Administração
História Moderna, História da América, Escolar.
História do Brasil, Crítica e Filosofia da
2ª Série História, Etnografia Geral, História de
Portugal. Observa-se uma Matriz Curricular que era voltada
ao conhecimento erudito com aprofundamento de
História da América, Etnografia do
conteúdos. É conveniente lembrar que a época
Brasil, Crítica e Filosofia da História,
exigia uma postura de aulas voltadas ao
3ª Série História do Brasil, História Eclesiástica,
conhecimento teórico e não aberta a debates,
História Contemporânea.
principalmente no que dizia respeito a “problemas
Psicologia Educacional, Geografia e
brasileiros” tendo em vista o Regime Militar vigente
História do Paraná, História
na década de 70.
4ª Série Econômica Geral e do Brasil, Pratica
de Ensino, Elementos de
Administração Escolar, Didática Geral. A disciplina Estudos dos Problemas Brasileiros foi
uma imposição da legislação no período do Regime
Militar e articulava-se aos projetos de discussão
Analisando as disciplinas que compõem a Matriz
sobre o desenvolvimento do país. Observa-se que a
Curricular dos anos 60 na FAFI percebe-se
História do Brasil, continua a ser o eixo central do
concentração da disciplina de História do Brasil em
Curso, sendo apresentado nas quatro séries. A
todas as séries, outras disciplinas foram
Introdução aos Estudos Históricos revela a
contempladas de acordo com as periodizações
preocupação de inserir no Curso as discussões
clássicas que nos foi legada por herança da
voltadas às concepções historiográficas e aos
civilização ocidental européia cristã. A presença da
aspectos teórico-metodológicos, mas não
Filosofia da História foi um elemento relevante no
concretizando ainda a pesquisa acadêmica e
curso para um estudo inicial sobre a teoria, ideia e
publicações de forma sistematizada.
conceito da História, considerando que a Matriz
Curricular ainda não privilegiava Introdução aos
Estudos Históricos ou Teoria da História. Essa postura não era apenas na FAFI era em geral
como ressaltou Fenelon (1983) ao referir-se ao
Ensino Superior
Chama a atenção a inserção da disciplina História
Eclesiástica. Para Ribeiro (2000), na década de 60,
havia um debate forte sobre a questão religiosa e a [...] nossos cursos quase nunca
influência das escolas confessionais na formação recorrem à prática de investigação.
dos jovens, assim, era necessária “uma filosofia Sabemos que através dela se poderia
integral de vida” porque a resolução de problemas aprender sobretudo a problematizar e a
só poderia vir por meio da “solução religiosa da questionar, não apenas a historiografia,
existência humana”. É possível que estas no sentido da produção intelectual, mas
concepções que permeavam os centros também a própria realidade concreta
educacionais na época tenham contribuído para a que nos rodeia, numa prática mais
inclusão da disciplina. sadia de ensinar a praticar a própria
ciência, de treinar no exercício de sua
própria disciplina, olhando em volta,
No que concerne a Matriz Curricular do Curso de
tentando mostrar uma História viva,
História da FAFI, nos anos 70 constatou-se o
que permitia aos alunos sua própria
seguinte elenco de disciplinas:
identificação social. Ao invés disto,
estamos simplesmente formando
História Econômica Geral e do Brasil, reprodutores de uma ciência já pronta e
História do Paraná, Introdução ao acabada, sem nenhum referencial
1ª Série Estudo da História, Antropologia teórico ou metodológico, senão aquele
Cultural, História Antiga e Estudo de das teorias já cristalizadas e estáticas.
Problemas Brasileiros. Com isto se perde o sentido do
dinamismo da História e se impede
Antropologia Cultural, História qualquer perspectiva de compreensão
Econômica Geral e do Brasil, História da possibilidade de mudança e da
2ª Série Medieval, História da Filosofia e situação do historiador também como
História do Paraná. agente de processo, capaz de agir

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sobre ele e de transformá-lo. A referida professora trabalhava com a disciplina
(FENELON , 1983, p. 28). Introdução aos Estudos Históricos e procurou, com
seu trabalho e grande conhecimento, abrir caminhos
Verifica-se, portanto, a lacuna da pesquisa também para a prática da pesquisa. Estava só nessa
nos grandes centros do país no inicio da década de empreitada já que as demais disciplinas estavam
80, conforme ressaltou Déa Fenelon, quando voltadas ao ensino livresco e conteudista e a prática
difundia a necessidade de realizar a pesquisa, a da pesquisa consistia em consultas bibliográficas e
produção, desde o curso de graduação “[...] não apresentação de um texto final.
simplesmente coletar dados ou arranjá-los
cronologicamente, mas o contato direto com as Uma iniciativa importante do Departamento de
fontes” (FENELON, 1983, p. 31). A preocupação da História em 1976 foi a criação do Centro de
historiadora pela pesquisa nos cursos de graduação Pesquisas e Estudos Históricos – CEPEH.
volta-se para a necessidade de formar professores
que fossem capazes de ensinar uma história viva, Centro de Pesquisas e Estudos Históricos –
porque para ela o verdadeiro ensino pressupõe CEPEH
“pesquisa e descoberta”.
A instalação do Centro de Pesquisas e Estudos
Algumas Práticas no Curso de História da FAFI – Históricos, em agosto de 1976, evidencia a
anos 60 e 70 preocupação dos docentes do curso na época com
objetivo de “[...] incentivar o gosto pela pesquisa e
Até meados dos anos 90 não havia, no Curso de estudos da História a fim de promover o
História, uma discussão metodológica sobre a desenvolvimento da cultura histórica” (LIVRO Ata do
prática da pesquisa de forma sistematizada por CEPEH, 1976, v. p. 1).
parte dos professores e acadêmicos e que
resultassem em publicações periódicas. Foram responsáveis pela criação e instalação do
CEPEH, na FAFI os professores: “[...] Mário
No entanto, consultando os registros nos livros de Riesemberg e Ivette Mazalli, Diretor e Vice-Diretora
Atas do Curso de História constata-se que muitas da referida Faculdade, professores Joaquim Osório
práticas ocorreram no curso chamando a atenção Ribas e Lili Matzmbacher, Chefe e Vice-Chefe do
para a valorização e a consulta as fontes. Na revista departamento de História, Profª. Maria Therézia
Luminária nº. 01, de 1972, verifica-se no artigo da Butzen, Profª. Leoni W. Gulicz, Profª. Delci Christ e
Profª. Maria Therezia Butzen essa questão: Profº José Leônidas Gaspari” (LIVRO de Atas do
CEPEH, 1976, v. p. 1). De acordo com os registros
A história tira partido das informações foi eleita como coordenadora a Profª. Lili
fornecidas pelos monumentos, vasos Matzembacher.
esculturas, pinturas, moedas, selos,
bronzes, vestígios arquitetônicos, tudo De acordo com o Regulamento do referido Centro
enfim pode concorrer para nos de Estudos, os professores fundadores tinham por
informar. Há possibilidades cada vez objetivos específicos:
maiores de um ensino equilibrado.
Muitas vezes professores e alunos “[...] 1- Congregar o elemento humano
alegam a pobreza de fontes escritas e que manifeste vivo interesse pela
a falta de arquivos e museus história. 2- identificar o passado
acessíveis apenas nos grandes diretamente através do estudo do
centros. Se observarmos atentamente, documento histórico. 3- Projetar,
veremos que a riqueza das fontes executar e publicar pesquisas
históricas a nosso dispor, é, geralmente históricas. 4- Preservar e divulgar o
maior do que supomos. Não há patrimônio histórico Regional (Médio
imperiosa necessidade de que os Iguaçu). 5- Estabelecer o intercambio
professores coloquem seus alunos com Entidades similares. 6- Arrolar as
diante de uma ‘PEDRA DA ROSETA’, fontes históricas. 7- Difundir as culturas
cremos que em todas as regiões que históricas na Comunidade. 8- Promover
comportem uma Faculdade, haverá um a comemoração das datas cívicas. 9-
arquivo da municipalidade ou das Propor ao órgão competente o
paróquias, haverá um marco, um tombamento do Patrimônio Histórico.
monumento erigido a um pioneiro. É 10- Coletar informações históricas de
por aí que se inicia o aluno nas membros da comunidade” (LIVRO de
pesquisas das fontes históricas Atas do CEPEH, 1976, v. p. 1).
(BUTZEN, 1972, p. 42-43).

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LUMINÁRIA 2010
No intuito de atingir os objetivos propostos, os Pelo registro das atas observa-se que nas reuniões
professores fundadores do CEPEH apresentam os eram discutidas questões referentes aos dois cursos
objetivos do Centro de Estudos às prefeituras tais como horários, eventos, projetos,
municipais de União da Vitória e Porto União com a planejamentos de ensino, organização de simpósios
finalidade de obter apoio às ações que pretendiam e exposições. Os registros no Livro de Atas do
desenvolver tais como: Departamento de Ciências Sociais apontam para
um trabalho integrado entre os docentes dos dois
[...] preservar a história da região do cursos, os quais lamentaram quando o
Médio Iguaçu, [...] pelo tombamento de departamento foi dissolvido em março de 1981,
Edifícios Históricos de Porto União da tendo em vista aprovação do novo Regimento da
Vitória. [...] e pelo estudo dos imóveis Faculdade pelo Conselho Federal de Educação,
edificados no período compreendido instituindo novamente o Departamento de História.
entre a fundação da cidade e o ano
1900, quando se verificou a maior Práticas Educativas Extra-Classe
influencia dos tropeiros. (LIVRO de
Atas do CEPEH, 1976, v. p. 2). Na FAFI constata-se pelo Livro de Atas, da década
de 60, que havia entre os docentes do Curso grande
Nos registros das Atas posteriores não se preocupação e disposição para promover práticas
encontram levantamento de dados destes extra-classe com os alunos do Curso de História,
propósitos, mas são destacadas outras atividades como a organização de atividades cívicas por
desenvolvidas pelo CEPEH no período de 1977 a ocasião da Semana da Pátria. Em 1964, este
1981, os quais se mencionam a seguir: realização evento foi organizado envolvendo um “Concurso de
Concursos de História Regional, com as temáticas: Vitrines”, com motivos históricos e uma sessão
1ª) “Ciclo do Tropeirismo Regional”; 2ª) “Porto União cívica, conforme registro em ata:
da Vitória no Contestado (1977) ”; 3ª) “Do inicio da
imigração alemã no Vale do Iguaçu até o advento Deliberou-se a seguir, levar a efeito
da 2ª Guerra Mundial (1979) e o 4ª) “Origens de uma sessão cívica no dia 8 (oito) de
Porto União da Vitória”. setembro como arremate das outras
atividades que serão desenvolvidas
Notadamente ressalta-se a preocupação com as durante a Semana da Pátria. Decidiu-
produções sobre história local. Acredita-se que não se que todas as escolas de grau médio,
foram publicadas e na Biblioteca encontram-se a Faculdade Estadual de Filosofia,
apenas cópia do trabalho “Origens de Porto União Ciências e Letras, o 5º. Batalhão de
da Vitória” da autoria de Hermógenes Lazier, que Engenharia e a Filarmônica União,
obteve o 1º lugar. seriam convidados a participar com
dois números dessa sessão, assim
O Centro de Estudos e Pesquisas representou um como convidar uma autoridade local
avanço nas questões referentes à história local, mas para proferir uma palestra alusiva à
lamentavelmente desapareceu sem que pudesse nossa emancipação política. O
cumprir outros propósitos que tinha como o Projeto Professor Aniz Domingos, propôs
de “Tombamento de Edifícios Históricos de Porto igualmente que fosse realizada uma
União e União da Vitória” e a organização de um exposição pelos alunos da nossa
museu sobre o tropeirismo e o arquivo de Faculdade com temas referentes à
fotografias antigas das cidades gêmeas. A última História Pátria (LIVRO DE ATAS DE
reunião registrada no livro de Atas do CEPEH HISTÓRIA, 1964, v. p. 3 e p. 4).
consta a data de abril de 1981 com atividades
normais. Nas atas do Departamento dessa data não Além disso, também se realizou uma “exposição
há registros dos motivos da extinção do Centro. cívica”, na qual foram apresentados objetos antigos
e outros documentos históricos como selos,
Departamento de Ciências Sociais: História e moedas, documentos escritos de natureza diversa,
Geografia brasões, insígnias e outros elementos. Tal
realização fez com que os docentes do
No ano de 1979, os cursos de História e Geografia Departamento recebessem por parte da Direção da
passaram a constituir-se num único Departamento Faculdade um ato de louvor e exaltação “[...] pelas
magníficas e educativas promoções efetuadas”
por determinação regimental interna da IES. A fusão
dos dois cursos originou, portanto, o Departamento (LIVRO de Atas de História, 1964, p. 5).
de Ciências Sociais, tendo como chefe o Professor
Joaquim Osório Ribas. Constatou-se também a realização de várias
Semanas de Estudos de História, organizadas aos
acadêmicos da FAFI sempre trazendo

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conferencistas de renome, na sua maioria da confirmação do achado, dará a equipe
Universidade Federal do Paraná. supracitada e a Faculdade a prioridade
da descoberta, uma vez que o local até
Com o objetivo de aproximar a FAFI e o Curso de então era completamente
História da comunidade surgiu a idéia de se criar um desconhecido (LIVRO de Atas de
programa denominado “Histórias da História” no História, 1971, v. p. 19).
qual seriam apresentados, pelos alunos aos
sábados na Radio União “Tal programa deverá ter Essas atividades certamente foram valiosas para
caráter instrutivo nas coisas da História, levando a provocar nos acadêmicos uma reflexão acerca do
massa popular um pouco daquilo que um pequeno patrimônio natural e cultural dos grupos sociais que
número de alunos aprendem em nossa Faculdade” habitaram a região.
(LIVRO de Atas de História, 1966, p. 8). Pelo que
consta nos registros de atas o programa efetivou-se De acordo com os registros das Atas do
com sucesso pela apresentação das pesquisas dos Departamento de História nos anos 60 e 70, é
acadêmicos com temas variados. possível afirmar que o corpo docente sempre esteve
muito atuante no que se refere à saída de
Evidencia-se que nos anos 60 e 70 era comum a professores para eventos, Seminários, Simpósios,
organização de eventos voltados à Semana da Congressos, saída com alunos em visitas e estudos
Pátria e Sessões Cívicas “[...] em conjunto com o 5º em locais históricos com objetivo de pesquisa e
BE de Porto União”. Era comum essa interação produção de trabalhos. Essas questões estiveram
tendo em vista que o Brasil vivia no Regime Militar. muito presentes nas reuniões do Departamento,
Outras práticas foram realizadas pelos docentes do sempre ressaltando que os melhores trabalhos
Curso de História junto aos acadêmicos como ida a fossem arquivados na Faculdade para
Congressos, visitas a cidade histórica de Ouro posteriormente serem colocados no museu que se
Preto. pretendia construir.

Também se realizou na Serra da Esperança: “[...] Esta idéia já era antiga, conforme se constata na
uma excursão de estudo e reconhecimento do local Ata de uma das reuniões do Departamento de
‘Casa de Pedra’, uma gruta pré-histórica habitada História, na qual a diretora do Departamento:
antigamente, por índios, há mais de três mil anos
atrás”. No local mencionado, se fez ouvir as “[...] propôs se fazer uma campanha,
palavras da Prof.ª Maria Therezia Butzen, a qual em meio aos alunos e ao povo, para se
explicou sobre a formação das cavernas, sobre o adquirir antiguidades e outros objetos e
antigo abrigo indígena, constatou-se os grupos que materiais para organização de um
ali viviam através dos estudos arqueológicos já museu em nossa Faculdade, um
realizados naquele espaço, a partir de peças de pequeno, mas bem organizado museu
cerâmicas ali encontradas. histórico e geográfico que servisse para
auxiliar nossos estudantes em suas
Conforme os registros essa promoção foi atrativa, pesquisas tomando como exemplo as
houve “[...] o interesse dos alunos em cavar a areia cidades européias que por menor que
do interior da gruta na ânsia de encontrar, como sejam não deixam de ter seu pequeno
encontraram, pedaços da antiga cerâmica fabricada museu, e União da Vitória tendo já sua
pelos índios” (LIVRO de Atas de História, 1967, p. Faculdade de Filosofia, não pode
12). Constatam-se ainda outros estudos realizados deixar de possuir o seu museu. (LIVRO
em saídas a campo, por professores e alunos do de Atas de História, 1966, p. 7-8).
Curso de História:
É relevante mencionar que em Porto União já havia
[...] foi realizada uma pesquisa sido criado o Museu Municipal pela intervenção do
arqueológica no lugar denominado Profº. Aniz Domingos junto à Câmara Municipal
Pedregulho, no município de Pinhão, à daquela cidade. Segundo Balardini (1973, p. 50) “O
margem direita do Rio Iguaçu. A equipe poder público atendeu esta solicitação e a 7 de
localizou ruínas de valor histórico agosto de 1963, dá poderes ao Profº. Aniz
expressivo, tendo feito todo o Domingos, para que se funde, se crie e se inicie o
levantamento do local, coleta de Museu Municipal de Porto União”. O museu foi
material e vasta reportagem fotográfica inaugurado em 20 de abril de 1968. A criação desse
que uma vez estudados e interpretados museu supriu parcialmente as necessidades do
devidamente darão um passo decisivo Curso de História na época, considerando que os
na História do Paraná, uma vez que alunos passaram a ter naquele espaço algumas
sabemos da existência de um reduto aulas práticas sobre Antropologia e História
jesuítico não localizado até agora. A Regional.

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No entanto, as reflexões sobre a criação de um RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História da
museu na FAFI continuou em várias reuniões do Educação Brasileira: a organização escolar.
Departamento quando os professores discutiam a Campinas: Autores Associados, 2000 (Coleção
necessidade de se guardar os melhores trabalhos Memória da Educação)
de pesquisas dos alunos e arrecadar objetos para o
futuro museu. Este sonho de se criar o museu da ARQUIVO DOCUMENTAL DA FAFI
FAFI, ainda permanece no corpo docente do Curso LIVRO de Registros, nº. 1 – Atas da Congregação,
de História com grandes perspectivas de realizá-lo União da Vitória, 1959.
em tempo breve com a restauração da “Casa LIVRO de Registros, nº. 1 e 2 – Atas do Curso de
Coronel Amazonas”, transformando-a num espaço História, União da Vitória, década 60 e 70.
de memória. LIVRO de Registros, nº. 1 – Atas do Centro de
Estudos e Pesquisas de História, União da Vitória,
Algumas Considerações 1976-1981.
LIVRO de Registros, nº. 1 – Atas do Departamento
Os pioneiros abriram caminhos para que muitas de Ciências Sociais, União da Vitória, 1979-1981.
MATRIZES Curriculares do Curso de História da
histórias fossem vividas nestes 50 anos de Curso.
Alguns professores foram se aposentando e outros FAFIUV, União da Vitória, década de 60 e 70.
foram chegando. Algumas práticas tiveram
continuidades nos últimos 30 anos, como as saídas
à campo, visitas a museus, exposições, freqüência
em congressos e organização das Semanas de
Estudos. Outras, foram sendo introduzidas como
disciplinas especificas à pesquisa, às discussões
teórico-metodologicas que perpassam por todas as
disciplinas, à produção de monografias pelos
acadêmicos, aos projetos de extensão voltados a
preservação das fontes documentais, do patrimônio
cultural e a história local, gerando importantes
publicações de acadêmicos e professores.

As preocupações pela qualidade do ensino no


Curso de História, que foram tão marcantes pelos
docentes que nos antecederam, continuam
fortalecidas pelos docentes que integram o curso
nos dias atuais. O Curso de História representa
motivo de muito orgulho neste ano em que a FAFI
comemora seu cinqüentenário, pois pela avaliação
do ENADE, 2009, classificou-se em 14º. lugar no
Brasil , 1º. lugar no Estado Paraná, e 2º na Região
Sul do Brasil, como resultado dos seus
investimentos no ensino, pesquisa e extensão,
inserindo-se, portanto, no século XXI como Curso
de Excelência.

REFERÊNCIAS

BALARDINI, Wilson Miguel. O Museu Municipal de


Porto União. Luminária, nº. 1, FAFIUV, 1972.
BUTZEN, Maria Therezia. Por um estudo
equilibrado da História. Luminária, nº. 1, FAFIUV,
1972.
FENELON, Déa Ribeiro. A formação do profissional
de História e a realidade do Ensino. Caderno
CEDES, nº. 8, São Paulo, Cortez Editora, 1983.
HORT, João. Retrospecto. Luminária, nº. 2,
FAFIUV, 1985.
PAES, Maria Helena Simões. A década de 60:
rebeldia contestação e repressão política. São
Paulo: Ática, 1992.

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LUMINÁRIA 2010
34-O Vale Mágico – Manoel Alves Neto – 1979
COLEÇÃO VALE DO IGUAÇU 35-Esquina do Tempo – Manoel Claro Alves Neto –
1980
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências 36-Valentin Filipak – Francisco Filipak – 1980 (inéd.)
e Letras de União da Vitória – PR 37-O Centenário no Brasil da Família Filipak –
Francisco Filipak – 1980
01-Nhá Marica, Minha Avó – Alvir Riesemberg – 38-Segredos – Irene Rucinski – 1980
1969 39-Como Fazer Poesia – Manoel Claro Alves Neto –
02-Poesias – Dídio Augusto – 1970 1980
03-Prismas – Nelson Antônio Sicuro (Org.) – 1970 40-Abelhas e Saúde – Ernesto Ulrich Breyer- 1980
04-Desenvolvimento – Casemiro Winiarczyk – 1970 41-Relíquias – Manoel Claro Alves Neto – 1981
05-O Corote – Ermindo Francisco Roveda – 1971 42-Poemas Escolhidos – Manoel Claro Alves Neto -
06-O Solo e a Agricultura – Eni Ribas Bueno – 1971 1981
07-Basic Steps in English – Francisco Boni – 1971 43-Tesouros do Coração – Arildo José de
08-Guide of American Literature – Fahena Porto Albuquerque – 1981
Horbatiuk – 1971 44-Prismas Acrósticos (vol. VII) – Nelson Antônio
09-English Literature: Analysis of Famous Texts – Sicuro (Org.) – 1981
Fahena Porto Horbatiuk – 1971 45-Manual de Orientação para Consumidores e
10-Subsídios para o planejamento Econômico e Funcionários que Manipulam Alimentos – Leonir
Social da Bacia do Iguaçu – Amaury Koschinski – Tissiani – 1982
1971 46-Gíria Policial: Pequeno Glossário – Renato M.
11-Natureza Enferma – Lauro Roehring – 1971 Filho – 1983
12-A Evolução Através dos Tempos – Lauro 47-A Evasão Escolar na Região do Médio Iguaçu –
Roehring – 1971 Neli de O. Melo Sicuro – 1984
13-A Vegetação Brasileira – Lauro Roehring – 1971 48-O Homem de Esperança Brasil – Ano 2000 –
14-Projeções Cartográfi cas – Lauro Roehring – Neli de Oliveira Melo Sicuro – 1985
1971 49-Monumentos e Marcos Históricos de Porto União
15-An Approach to American Literature – Francisco e União da Vitória – Lili Matzenbacher – 1985
Boni – 1972 50-Luminária (n.º 2) – Comemorativa dos 25 Anos
16-A instalação Humana no Vale do Iguaçu – Alvir da Fundação – João Hort – 1985
Riesemberg – 1973 51-Origem de Porto União da Vitória – Hermógenes
17-Prismas (vol. II) – Nelson Antônio Sicuro (Org.) – Lazier – 1985
1973 52-Líquida Pétala – Cláudio Dutra – 1985
18-Mosaico – Dante de Jesus Augusto – 1973 53-Velho, Velho, Eterno Tema... – Manoel Claro
19-Flores de Inverno – João Túlio Marcondes de Alves Neto – 1987
França – 1974 54-Toda Mulher – Sueli de Souza Pinto – 1987
20-Prismas (vol. III) – Nelson Antônio Sicuro (Org.) 55-A Rua, a Criança e Suas Brincadeiras –
– 1974 Cordovan Frederico de Melo Júnior – 1989
21-Libertação – Victório E. C. Franklin – 1975 56-Imigração Ucraniana no Paraná – Paulo
22-Helianto Outonal – Francisco Filipak – 1976 Horbatiuk – 1989
23-Bom Senso – Manoel Claro Alves Neto – 1976. 57-Geografi a do Município de União da Vitória –
(3. ed.-1990) João Hort – 1990
24-Antologia do Vale do Iguaçu – Francisco Filipak 58-Meus Balões Coloridos – Manoel Claro Alves
e Nelson Antônio Sicuro – 1976 Neto – 1990
25-Prismas (vol. IV) – Nelson Antônio Sicuro (Org.) 59-O Precioso Tempo da Velhice – Neli de O. Melo
– 1976 Sicuro e Edith Vogt Breyer – 1990
26-Faróis Dentro da Noite – Pedro A . Grisa – 1976 60-União da Vitória: Nossa Escola – Cordovan
27-Glossário do Vale do Iguaçu – Francisco Filipak Frederico de Melo Júnior – 1990
– 1976 61-Caderno de Atividades Experimentais – Biologia
28-Prismas (vol. V) – Nelson Antônio Sicuro (Org.) – Cícero L. Leme Filho e Ernesto H. Breyer – 1991
1977 62-Um Estudo da História de União da Vitória –
29-Bom Ânimo – Manoel Claro Alves Neto – 1978 Ulysses Antônio Sebben – 1992
(3. Ed. – 1993) 63-Eu Sou o Verso – Yvonnich Furlani – 1992
30-Prismas Crônicas – (vol. VI) – Nelson Antônio 64-Fundamentos da Linguagem Figurada –
Sicuro (Org.) – 1978 Francisco Filipak – 1992
31-Linha Divisória – Manoel Claro Alves Neto – 65-Novas Trovas – Manoel Claro Alves Neto – 1993
1979 66-Universidade e Compromisso Social – José
32-Pote de Barro: Crônicas – Emerson Rogério de Fagundes – 1993
Oliveira – 1979 67-In Memorian – Dídio Augusto – 1994
33-O Desafi o Cristão – Manoel Claro Alves Neto – 68-Vida de Adolescentes – Flávia Muller Brittes –
1979 1994 (inéd.)

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LUMINÁRIA 2010
69-Biologia – Manual Prático – Cícero L. Leme
Filho, Clóvis Gurski e Ernesto Dietrich H. Breyer –
1994
70-Gramática & Gramática – Nelson Antônio Sicuro
– 1994
71-Luminária (n.º 3) – 1994
72-Luminária (n.º 4) – 2001
73-Monografia de Porto União – Herminio Milis -
Org. José Fagundes e Joaquim Osório Ribas – 2002
74-Ecos do Contestado: A Rebeldia Sertaneja –
Eloy Tonon – 2002
75-Schopenhauer e o Assassinato do desejo –
Fabio Liborio Rocha – 2003
76-Luminária (n.º 5) – 2002
77-Luminária (n.º 6) – 2003
78-Fafi : 45 anos a serviço da educação – José
Fagundes – 2005
79-Luminária n.º 7 (n. especial) – 2004/2005
80-Imagens Femininas nas “Gêmeas do Iguaçu” nos
anos 40 e 50 – Leni Trentim Gaspari – 2005
81 - "Fragmentos de Memória, Trechos do Iguaçu:
olhares e perspectivas de História Local" / orgs: Ilton
Cesar Martins, Jefferson William Gohl e Leni
Trentim Gaspari /2008
82 - "Caminhos do conhecimento: trilhas e
encruzilhadas" autores: Márcia Marlene Stentzler,
Roseli B. Klein, Valéria A. Schena e Ivanildo
Sachinski / 2010
83 - "Pensando nas ruas" orgs: Armindo José
Longhi, Samom Noyama e Renata Tavares
84 - "Ensinando a história da cidade: construindo
ideias e entrelaçando práticas" autora: Leni Trentim
Gaspari /2010
85 - "Os Monges do Contestado: permanências,
predições e rituais no imaginário popular" autor:
Eloy Tonon / 2010
86 – Luminária n.º 8 – 2007
87 – Luminária n.º 9 – 2008
88 – Luminária n.º 10 – 2009
89 – Luminária n.º 11 – 2010
90 – Luminária Edição Especial de 50 anos – 2010

79 | F A F I U V – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R

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