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pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura

Territorialidades da Cultura Popular na Cidade do Rio de Janeiro

Territorialidades de la cultura popular en la ciudad de Rio de Janeiro

Territorialities of popular culture in the city of Rio de Janeiro

Jorge Luiz Barbosa1

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Ano 4, número 7, semestral, setembro 2014

destaque o fazer da cultura como um


processo inacabado e incompleto do su-
Territorialidades da Cultura Popular na jeito consigo e com os outros em territo-
Cidade do Rio de Janeiro rialidades do devir.


Introdução Territórios do fazer e territorialidades
do devir da cultura
Considerarmos que a cultura é
muito mais do que um conceito normativo Partimos da concepção conceitual
empregado para definir distinções entre que a cultura é uma prática significante
práticas sociais, ou mesmo para deter- de apropriação e uso do território. Sob
minar juízos de produção/consumo de esta angular, o território se nos apresenta
bens estéticos. A cultura diz respeito às como uma relação eminentemente inter-
vivências concretas dos sujeitos no ato subjetiva, constantemente atualizada e
de conceber e conhecer o mundo, a partir reiventada em nossas atuações de com-
do reconhecimento de semelhanças e de partilhamento no mundo da vida: “o ter-
diferenças que são construídas em seus ritório é o fundamento do trabalho, o lu-
territórios de existência. gar da residência, das trocas materiais e
espirituais e do exercício da vida” (SAN-
Pode-se afirmar, então, que a cul- TOS, 2002, p. 10).
tura é produto do encontro de saberes
e fazeres na pluralidade da vida social. No território estão as cristalizações
Portanto, devemos considerar que a cul- de símbolos, de memórias e de valores
tura se constrói do movimento próprio que encarnam o sentido da cultura. E, por
das relações dos indivíduos entre si e meio da apropriação do território que se
com a experiência de realização da vida geram os usos e os estilos, combinando
com outros diferentes, promovendo a maneiras de fazer e invenções de sabe-
significação do seu ser-no-mundo indivi- res inscritos em posições culturais social-
dual e coletivo. mente construídas. O território emerge
como um acervo prático-simbólico, onde
Na mesma direção devemos tudo pode ser continuamente reconstruí-
sublinhar que as culturas urbanas re- do e reordenado das mais diferentes ma-
sultam igualmente de cenários da di- neiras possíveis.
ferença, sendo possível afirmar que a
produção e o consumo cultural são pró- Nesta perspectiva, não devemos
prias às trocas simbólicas em redes de considerar o território como um recorte
sociabilidade. Todavia, como podemos de chão fechado em si mesmo e com
afirmar a cultura como ato e potência fronteiras absolutamente rígidas ou im-
da diferença em espaços socialmente permeáveis. O território deve ser per-
ordenados em hierarquias de consumo cebido e vivido a partir de franjas po-
de bens simbólicos, geralmemte funda- rosas, por onde as relações de troca
dos em arbítrios de superioridade so- de ideias, de valores, de práticas e de
cial (e, não raras vezes, racial)? objetos se realizam em intensidades
diversas. Um universo de abrigos da
Para enfrentar o desafio da cultu- diferença de vidas socialmente cons-
ra como expressão da diferença se faz truídas. Ou seja, a construção de uma
urgente recusar de identidades essen- ordem de proximidades, de afetivida-
cialistas e acabadas, para colocar em des e de conflitos que fazem a cultura

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assumir uma geografia de ações e in- ção de coletivos e grupos sociais su-
tenções humanas. balternizados na cidade:

De natureza coletiva de sua A partilha do sensível faz ver quem


construção, a cultura é comunicação pode tomar parte no comum em
entre sujeitos, e destes com territórios função daquilo que faz, do tempo e
socialmente usados. Estamos falando do espaço em que essa atividade
de trocas que tornam os territórios per- se exerce (...). Define-se o fato de
meáveis à visitação do outro, do dife- ser o visível num espaço comum,
rente e do ignoto. São encontros que dotado de uma palavra comum etc.
conduzem à circularidade de produtos, (RANCIÈRE, 2005, p.16).
de práticas e de imaginários que enri-
quecem as sociabilidades. É justamen- Está em causa a visibilidade de
te para o território que as invenções da sujeitos sociais em espaços compar-
cultura ganham sua dimensão prática, tilhados: territorialidades do devir da
vivida, compartilhada; abrindo as pos- construção estética. As territorialidades
sibilidades de sua apropriação como do devir são produtos da mobilização
conceito e sua visibilidade como prática de táticas e de estratégias de afirma-
social (BARBOSA, 2006). ção de pertencimentos culturais que se
consolidam a partir do uso do território.
Ao afirmamos diferentes sujei- Podemos exemplificar com o samba e
tos na construção da cultura, estamos seus praticantes na notória luta de afir-
colocando em causa as certezas das mação sociopolítica da sua estética e,
identidades fixas em territórios está- mais recentemente, do funk e do hip
veis. Reclamamos criticamente outra hop na superação da criminalização so-
leitura da identidade (e do território) ao cial que ainda enfrentam, tendo como
concebê-la como produto de disputas suporte de abrigo as favelas, os subúr-
de imaginário no tempo-espaço. Des- bios e as periferias urbanas. É assim
se modo, defendemos que a identidade que os terreiros, as escolas de samba,
tem tanto uma forja histórica, como tem os clubes, as quadras, as praças e as
uma pegada espacial 2. Assim, ao bus- esquinas fazem parte do elenco diverso
carmos a identidade de um território, de territorialidades da cultura popular
ou de um lugar na cidade, certamente em luta por sua celebração estética e
a encontraremos como intersecção de de sua afirmação sociopolítica.
práticas e que superam a noção de lo-
calidade e de comunidade como expe- As territorialidades do devir da
riências fixas e essencialistas. cultura são ações a contrapelo das hie-
rarquias que se impõem no ato da pro-
O denominador comum da re- dução, distribuição e consumo cultural.
lação identidade / território é possi- Estamos diante de um conflito aberto,
bilidade permanente das trocas sim- embora silencioso na cidade. De um
bólicas e materiais que a produção/ lado, emergem as relações horizontais
fruição da cultura proporciona. É de produção e apropriação da cultura,
nesse movimento que os sujeitos se por meio das quais as fronteiras terri-
reconhecem e se afirmam como cria- toriais tornam-se porosas, portanto per-
dores do seu ser-no-mundo. Abor- meáveis à comunicação de experiên-
damos, então, a partilha do sensível cias e à incorporação do diferente em
(RANCIÈRE, 2005) como atributo do sua legítima presença. E, de outro, as
uso território, sobretudo como afirma- relações verticais, definidas pelo status

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social e pela distância territorial, cons- do os que emergem da pluralidade cria-


tituindo indivíduos e coletivos (grupos tiva das favelas.
e classes) exclusivistas de produção e
consumo cultural em padrões de não Embora reúna signos marcado-
compartilhamento de bens simbólicos res da cultura carioca, as favelas são
(BARTH, 2000, p. 128). ainda consideradas como territórios ca-
rentes, miseráveis e violentos. Tais ex-
Nesta perspectiva, as territoria- pressões são redutoras da vida social
lidades do devir da cultura emergem das favelas e, de modo mais incisivo,
como um campo de disputa de imagi- do não reconhecimento da pluralida-
nários sobre o significado da cidade, de cultural destes territórios populares
traduzindo um enfrentamento ao re- (BARBOSA; GONÇALVES, 2013).
gime simbólico de hierarquização de
sujeitos sociais. Desse modo, são co- Apesar dos estigmas da pobre-
locadas em destaque as relações de za e da violência que ainda marcam as
poder entre sujeitos sociais da cultura, favelas, é inegável a riqueza de suas
e não somente as funções da cultura e/ expressões estéticas e modos signifi-
ou as condições de acesso aos meios cativos de representar e afirmar a sua
de produzir / consumir a cultura em so- diferença cultural. Explica-se este lega-
ciedades de desiguais. do das favelas no seu modo de viver a
cultura como ação expressivamente re-
lacional, corpórea e intersubjetiva, pois
A Favela como territorialidade do devir exprimem percursos, memórias, valores
da cultura no desenvolvimento local e inscritos como residência da vida, como
urbano compatilhamento do território usado.

A negação de territorialidades Em uma primeira mirada sobre


do devir da cultura retira da cidade a as favelas não identificamos equipa-
criatividade necessária para inventar mentos de distinção do gosto e do con-
o futuro, uma vez que a homogeneiza- sumo cultural hegemônico. Museus,
ção das práticas culturais reduz a con- cinemas, bibliotecas, teatros não ga-
vivência e o aprendizado que presença nham destaque na paisagem. Porém,
do diferente proporciona. Todavia, as isto não significa que as favelas não
cidades contemporâneas nos colocam sejam lugares de vivências e invenções
diante do desafio de construir reconhe- estéticas. Suas ruas, praças, becos e
cimentos da diferença sociocultural, esquinas transbordam repertórios ima-
considerando-a como um valor primor- géticos que trazem universos outros do
dial para a afirmação de sua identidade fazer e do viver a cultura.
no mercado simbólico globalizado.
Então, falamos de territórios de
É o caso da cidade do Rio de Ja- realização práticas criativas. Territó-
neiro que é celebrada em suas notórias rios de cores grafitadas, de sonorida-
marcações culturais e turísticas, cuja des multiplicadas, de corporeidades
legenda de cidade maravilhosa parece bailadas e de memórias figuradas em
ser sua síntese incontestável (BARBO- cenas de identidades em movimento.
SA, 2010). Contudo, não há dúvida que Ou seja, experiências de construção
as práticas culturais populares têm um contínua de relações de intersubjetivi-
papel decisivo na construção dos em- dade capazes de inventar possibilida-
blemas imaginários da cidade, sobretu- des outras de sociabilidade.

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Foto: Davi Marcos (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)

O sentido da inventividade esté- de pertenças na complexidade da vida


tica popular que faz de praças, ruas, urbana. Há, portanto, um catálogo ví-
becos, muros e escadarias o espaço vido de múltiplas linguagens, estilos,
de representações visuais de dese- tradições e inovações nas favelas
jos, promessas e memórias têm nas como riqueza cultural da própria cida-
favelas o seu recurso e abrigo de so- de, embora sejam notoriamente des-
cialização. As sonoridades ganham providas de equipamentos públicos de
multiplicidades em bares, biroscas, qualidade.
restaurantes e clubes para se torna-
rem cenas de samba, forró, rock, hip O mercado de consumo urba-
hop, charme e funk. As lajes se tornam no entra com voracidade nas favelas,
coberturas para os sabores da feijoa- prometendo a felicidade com seus ob-
da na roda de pagode ou, então, ta- jetos de prestígio social. Descoberta
blados para encenação de peças tea- pelo mercado de consumo, a favela
trais e exibição de filmes. De um lado hoje é reconhecidamente um território
da calçada, os salões de beleza escul- de consumidores de classes C e D de
pem penteados afros para afirmação distintas empresas para expansão de
de pertencimentos. E, de outro, as lan vendas de mercadorias mais sofistica-
houses, barracas de camelôs e biros- das (bens eletrônicos, roupas e calça-
cas se tornam iconografias desafia- dos de marcas, cervejas artesanais e
doras de temporalidades diferenciais. cremes naturais) e não só as vincula-
Enquanto tudo isso acontece (...) ce- das ao consumo imediato 3.
lulares, ipads, iphones e tabletes sin-
tonizam as favelas com a velocidade A própria imagem da favela se
global. São encontros, percursos e tá- tornou um produto de consumo para
ticas que habitam um mesmo território o turismo internacional de aventuras

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e até mesmo para emprestar ambi- tomado como dispositivo de produção


ência de realidade às produções ci- estética de autorepresentação visu-
nematográficas e televisivas 4 . E, al e sonora por parte dos jovens. Os
como lócus privilegiado da invenção computadores são mobilizados como
da cultura popular, a favela é muitas instrumentos de comunicação entre
vezes tratada como celeiro de talen- os jovens (notadamente por meio de
tos (descartáveis) e fonte de culturas facebook, istagram, chats) 5 . Onde o
extraordinárias (versão atualizada do sentido único parece se instaurar, se
exótico). Estereotipias da lógica con- observa a transformação em dobra-
sumista do mercado que buscam in- duras de apropriações e, não rara-
cessantemente retirar dos territórios mente, em processos de mobilização
populares o intangível – ou seja, as de atos e linguagens afirmativas de
seus pertencimentos simbólicos – e pertencimentos ao território e de no-
transformá-los em commoditys espe- vas posições de sujeitos na cena cul-
taculares de consumo . tural urbana. Estamos diante de um
jogo de disposições complexas entre
Curiosamente, os objetos e o mercado de produção e consumo
as imagens de consumo são muitas de signos culturais, tendo em seus
vezes traídos em suas finalidades rebatimentos territoriais de recepção
mercantis objetivadas nas favelas, criativa uma possibilidade de afirma-
sobretudo quando retraduzidos e rein- ção das narrativas de si como disputa
ventados em seus usos. O celular é no imaginário urbano.

Foto: Francisco Cesar (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)

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Apesar da pluralidade de seus rara presença de equipamentos de arte


modos narrativos e de formas inova- e cultura públicos e/ou privados em fa-
doras de suas interpretações, os cria- velas, associada à baixa mobilidade de
dores de cultura das favelas enfrentam seus jovens e adultos na cidade, fazem
desafios permanentes para sua afirma- com que os grupos culturais inventem
ção na cena estética urbana, incluin- modos de apropriação de territórios em
do a profunda desigualdade da repar- sua dimensão pública.
tição de financiamento da produção e
comunicação das ações de indivíduos, É na partilha sensível do terri-
grupos e instituições dedicadas à arte tório em sua dimensão pública é que
à cultura. Até mesmo quando se trata se reafirmam tradições na construção
da democracia competitiva dos editais de cenas culturais amplamente inseri-
públicos do Estado e/ou da responsa- das no cotidiano dos moradores, assim
bilidade social de empresas, há limi- como das novas mediações técnicas e
tações significativas para participação simbólicas que afirmam pertenças ter-
dos coletivos e indivíduos que fazem a ritoriais 6. Há, portanto, uma aprofunda
cultura nas favelas, desde a falta de al- diferença entre o que definimos como
vará para funcionamento da atividade fruição estética compartilhada, presen-
ou mesmo de certidões que atestem a te nas favelas, e o consumo individual
existência das práticas artísticas. de bens culturais distintivos nos espa-
ços formais da cidade. Na verdade, as
Entretanto, é importante subli- práticas culturais aludidas se revelam
nhar a multiplicidade de linguagens como processos e formas de visibilida-
de criação estética presentes nas fa- de de significados, posições e territó-
velas. A música e a dança em seus rios que os grupos sociais ocupam e
diferentes estilos e tradições se com- compartilham suas existências numa
binam com a apropriação de novas cidades de desiguais.
tecnologias e novos instrumentos di-
gitais de produção simbólica (câme- As territorialidades da cultura nas
ras fotográficas, filmadoras, tabletes favelas não se configuram como uma
e celulares). Esse encontro constro- recusa radical ou resistência genuína ao
em territorialidades do devir da cultu- neoliberalismo que domina a produção
ra para ampliação de repertórios esté- e o consumo cultural na cidade. Estas
ticos para além das experimentações estão para além das simplificações ide-
já dadas em favelas, constituindo uma ológicas e/ou românticas de luta contra
nova modalidade de produção de re- o capitalismo, uma vez que significam
presentações, sonoridades, narrati- um modo de produção da cultura que se
vas e visualidades na cena cultural afirma pela existência de pertencimentos
das favelas e da própria da cidade. ao território, porém com investimentos
em relações mais amplas de comunica-
Os diferentes repertórios se en- ção com o conjunto da cidade. Revistas,
trelaçam em espaços de fruição nota- programas de televisão e rádio, milha-
damente coletivos e comuns. São os res de cd`s comercializados; romances
espaços de sociabilidade como praças, e poesias ganhando mercados edito-
ruas, quadras esportivas, bares, salões riais; produção audiovisual arrebatando
de festas de igrejas, escolas e lan hou- prêmios nacionais e internacionais; cli-
ses que desabrocham como o principal pes do passinho do menor com milhares
recurso para o compartilhamento de de visualizações no You Tube; bailes de
experiências artísticas nas favelas. A funk, de charme e forró atraindo diferen-

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tes galeras; e batalhas de hip hop mobi- as que visam garantir as condições
lizando seus rappers e bailarinos de rua materiais do fazer e a visibilidade de
- são expressões contundentes de uma suas realizações.
cultura de massas que nascem, mas
transbordam as favelas, em misturas É imperiosa a publicização dos
de alegrias, dramas, recusas, paixões recursos de financiamento do Estado,
e protestos que assumem perspectivas considerando a produção cultural e
outras de apropriação estética do/no es- artística como parte integrante e in-
paço urbano. Reside nesta cartografia tegradora da vida social nas favelas.
de ações um conjunto de oportunidades Os investimentos públicos no âmbito
reais para desenvolvimento econômico da cultura deverão estar orientados
e social nas escalas local e urbana. para o afeiçoamento ao território usa-
do pelos praticantes da cultura. Ou
A destacada criatividade permite seja, reconhecer as práticas culturais
projetar uma um promissor desenvol- e artísticas como ato de sujeitos e po-
vimento local em bases efetivamen- tência de sociabilidades inovadoras.
te comunitárias, com enlaces de uma
economia de compartilhamentos de Não se preconiza aqui, eviden-
produção, comunicação e fruição es- temente, uma economia de espetácu-
tética. Para tanto, se faz necessária los que certamente fará das favelas um
à formulação e à implementação de objeto de consumo de classes médias
políticas culturais de investimentos em esclarecidas e ardorosas de entreteni-
redes colaborativas - envolvendo indi- mento cultural. Mas uma virtualidade
víduos, grupos e coletivos que atuam de empoderamento da criação e da
nos territórios populares - justamente fruição estética em curso nas favelas.

Foto: Naldinho Lourenço (Imagem do Povo – Observatório de Favelas)

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Considerações finais ra também nos permite interrogar sobre a


nossa posição, sobre o nosso território de
A cultura é o habitar em uma obra existência, sobre a nossa experiência no/
inconclusa, sobretudo porque a criação do mundo; porque está imersa em nossas
cultural é um ato de trocas simbólicas, cor- práticas e condutas sociais.
póreas e materiais entre os seres huma-
nos. Assim, criamos vínculos e interpreta- As territorialidades do devir da cul-
mos nossa presença na sociedade. Nesta tura se revelam como a construção de um
perspectiva, a criação cultural deve ser campo para as disputas de imaginário so-
vivenciada como um processo que visa bre o sentido do mundo, compreendendo
não somente gerar obras, mas também in- o imaginário como a força de evocação de
ventar as possibilidades de sua recepção, imagens (visuais, sonoras, olfativas e gus-
por meio da mobilização de práticas esté- tativas) com a qual travamos nossas lutas
ticas e a difusão de repertórios artísticos. simbólicas para legitimar uma posição e
Trata-se, portanto, do empenho da cons- uma existência, justificar uma origem, de-
trução de sujeitos para ação/fruição esté- finir trajetos e, sobretudo, iluminar as pos-
tica e não de plateias consumidoras para sibilidades do devir.
objetos/espetáculos. Abre-se daí a senda
para estabelecer nexos entre a cultura e a Nas favelas, as práticas culturais
democratização da cidade, tendo no terri- institucionalizadas ou não, individuais ou
tório a sua necessária mediação. coletivas, autônomas ou vinculadas a gru-
pos, são modos plurais de manifestação
È preciso reconhecer, portanto, de sujeitos concretos, que visam significar
que as favelas são territórios de reinven- suas vidas e suas formas de lidar com o
ção permanente da cultura urbana. Isto cotidiano. São, na sua complexa compo-
significa valorizar a diferença como matriz sição, estéticas de atitude política que se
de nossa formação cultural, sobretudo ao revelam como referências fundamentais
promover encontros entre distantes e pró- para as disputas de imaginário sobre o
ximos como possibilidade do respeito à al- sentido da cultura e da própria cidade.
teridade e da tessitura de acontecimentos
artístico-culturais como mediações para
sociabilidades transformadoras.

As experiências culturais em fave-


las devem ser referências decisivas para
políticas publicas de democratização da
fruição estética urbana, sobretudo porque Bibliografia
enfatizam o protagonismo de jovens na in-
BARTH, F. A análise da cultura em socie-
tervenção cultural e artística no território,
dades complexas. Rio de Janeiro: Contra
assim como valorizam a dimensão pública Capa, 2000.
do estar-com-o-outro.
BARBOSA, J. L. Considerações sobre a rela-
A cultura é patrimônio materialmen- ção cultura, território e identidade. In: GUEL-
te inscrito. Mas é também conhecimento MAN, L. (org.). Interculturalidades. Niterói, RJ:
EDUFF, 2006.
de nós mesmos. Um sentido de pertencer
a algo que nos pertence: o território. Uma BARBOSA, J. L. Paisagens da natureza,
morada virtual (no sentido de vida) que lugares da sociedade: a construção imagi-
nos faz ser/estar como a expressão dife- nária do Rio de Janeiro como cidade mara-
renciada de significados. Porém, a cultu- vilhosa. Revista Biblos 3W, Barcelona: Uni-

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versidade de Barcelona, Vol. XV, nº 865, 25


de marzo de 2010. 1 Professor Associado do Departamento de Geografia
e Diretor do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
BARBOSA, J. L. ; DIAS, C. G. (org). Solos Contato: jorgebarbosa@vm.uff.br
Culturais. Rio de Janeiro: Secretaria de Esta-
2 Para pegada espacial nos referimos às condições de
do de Cultura do Rio de Janeiro / Petrobras/ apropriação demarcadora (efêmera ou duradoura) de
Observatório de Favelas, 2013. territórios por parte de grupos e coletivos sociais.

BONNEMAISON, J. ; CAMBRÉZY, L. Le 3 Diversas empresas definem táticas de marketing e


lien territorial: entre frontiéres et identi- de vendas para os moradores de favelas. Empresas
tés. Géographies et Cultures nº20, Paris, de bens eletrônicos sofisticados (televisores, compu-
L’Harmattan, 1986. tadores, tabletes, celulares) e empresas de cosméti-
cos (incluindo os cremes, shampoos, maquiagem para
CLAVAL, P. A Geografia Cultural. Florianópo- negras e negros).
lis: Ed. da UFSC, 1999.
4 Filmes comerciais (vide Cidade de Deus e Tropa de
Elite I e II), novelas e programas de televisão ganharam
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio repercussão nacional e internacional e, é claro, muito di-
de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989. nheiro ao encenar a vida das favelas, sobretudo os que
colocaram a violência urbana em destaque.
MARTIN, D. C. Identités e politique: récit,
mythe et ideologie. Paris: PFNSP, 1994. 5 A apropriação e uso de tecnologias de informação e
comunicação afirmam a visibilidade do jovem de origem
RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. São popular, geralmente estigmatizado e desconhecido na
Paulo: EXO experimental org. ; Ed. 34, 2005. cidade. Esse processo significa, por outro lado, uma
possibilidade formidável de ampliação de sua experiên-
SANTOS, M. A Natureza do Espaço. São Pau- cia de tempo/espaço, uma vez que sua mobilidade urba-
na é reduzida e constrangida por situações econômicas,
lo: EDUSP, 2002.
sociais e raciais (BARBOSA; DIAS, 2013).

SILVA, J. S. ; BARBOSA, J. L. ; FAUSTINI, 6 As mediações simbólicas expressam modos de re-


M. V. O Novo Carioca. Rio de Janeiro: Mó- presentações da realidade, resultantes do complexo
rula, 2012. processo pelo qual os significados são produzidos e
comunicados entre pessoas de um mesmo grupo cul-
WILLIAMS, R. Cultura. São Paulo: Editora tural (HALL, 1992).
Paz e Terra, 1992.

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