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12 July 2017

Hans Magnus Enzensberger (1929 – )

PARA O LIVRO DE LITERATURA DE SEGUNDO GRAU

Não leias odes, meu filho, lê os horários


(dos trens, dos ônibus, dos aviões):
são mais exatos. Abre os mapas náuticos
antes que seja tarde demais. Sê vigilante, não cantes.
Chegará o dia em que eles, de novo, pregarão listas
no portão e desenharão marcas no peito daqueles que dizem
não. Aprende a ir incógnito, aprende mais do que eu:
a mudar de bairro, de passaporte, de rosto.
Entende da pequena traição,
da salvação suja de todos os dias. Úteis
são as encíclicas para se fazer fogo,
e os manifestos: para a manteiga e sal
dos indefesos. É preciso raiva e paciência
para se soprar nos pulmões do poder
o fino pó mortal, moído
por aqueles, que aprenderam muito,
que são exatos, por ti.

CANÇÃO DAQUELES A QUEM TUDO DIZ RESPEITO E QUE JÁ SABEM DE


TUDO

Que algo precisa ser feito e decerto agora mesmo


isso já sabemos
mas que ainda é cedo demais para fazer alguma coisa
mas que já é tarde demais para fazer alguma coisa
isso já sabemos

e que tudo está bem


e que vamos levando
e que tudo é inútil
isso já sabemos

e que somos culpados


e que não somos responsáveis por sermos culpados
e que somos culpados por não sermos responsáveis
e que isso nos basta
isso já sabemos

e que talvez fosse melhor calar a boca


e que não vamos calar a boca
isso já sabemos
isso já sabemos

e que não podemos ajudar ninguém


e que ninguém pode nos ajudar
isso já sabemos

e que somos dotados


e que temos a escolha entre nada e mais nada
e que precisamos analisar esse problema a fundo
e que tomamos o chá com dois torrões de açúcar
isso já sabemos

e que somos contra a opressão


e que o cigarro vai subir de preço
isso já sabemos

e que toda vez sabemos no que vai dar


e que toda vez acabamos por ter razão
e que isso não dá em nada
isso já sabemos

e que tudo é verdade


isso já sabemos

e que foi tudo mentira


isso já sabemos

e que isso é tudo


isso já sabemos
e que sobreviver não é tudo senão absolutamente nada
isso já sabemos
e que nós sobreviveremos
isso já sabemos
e que nada disso é novo
e que a vida é bela
isso já sabemos
isso já sabemos
isso já sabemos
e que já sabemos tudo isso
isso já sabemos

*(tradução de Cide Piquet)

AS ROUPAS

Eis suas roupas, calmas,


como gatas ao sol, de tarde,
suas roupas amarrotadas
sem sonhos, como por acaso.
Elas têm o seu cheiro, fraco,
quase se parecem com você.
Transmitem a sua sujeira,
seus maus hábitos,
os vestígios de seus cotovelos.
Parecem feitas de tempo, não respiram,
sobram, moles, cheias de botões,
de características e manchas.
Nas mãos de um policial,
de uma costureira, de um arqueólogo,
revelariam costuras,
segredos fúteis.
Mas, onde você está, se está sofrendo,
o que sempre quis me dizer
e nunca disse,
se vai voltar, se aquilo
que aconteceu, aconteceu por amor
ou necessidade ou esquecimento,
e por que tudo isto
ocorreu,
como ocorreu, quando a vida estava em jogo,
se você morreu ou se
está só lavando os cabelos:
isto não dizem.

DEFESA DOS LOBOS CONTRA OS CORDEIROS

Querem que o abutre coma miosótis?


O que exigem do chacal,
do lobo, que mude de pele? Querem
que ele mesmo extraia seus dentes?
O que é que não apreciam
nos comissários políticos e nos papas,
por que olham, feito burros,
o vídeo mentiroso?

Quem costura a faixa de sangue


nas calças do general? Quem
trincha, diante do agiota, o capão?
Quem pendura orgulhoso, a cruz de lata
sobre o umbigo que ronca de fome?Quem
aceita a propina, a moeda de prata,
o centavo para calar-se? Há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
os aplaude, quem
lhes põe insígnias no peito, quem
é sequioso de mentiras?

Olhem-se no espelho: covardes,


temendo a fadiga da verdade,
sem vontade de aprender, entregando
o pensar aos lobos
um anel no nariz como adorno preferido
nenhuma ilusão burra o bastante, nenhum consolo
barato o suficiente, cada chantagem
ainda é clemente demais para vocês.

Ó cordeiros, irmãs
são as gralhas comparadas a vocês:
vocês se arrancam os olhos uns aos outros.
Fraternidade reina
entre os lobos:
andam em alcatéias.

Louvados sejam os salteadores: vocês


convidam para o estupro
deitando-se no leito preguiçoso
da obediência. Mesmo gemendo
vocês mentem. Querem
ser devorados. Vocês
não mudam o mundo.

[Eu falo dos que não falam (antologia), Editora Brasiliense, pag. 25, 1985.]

RAZÕES ADICIONAIS PARA OS POETAS MENTIREM

Porque o momento
no qual a palavra feliz
é pronunciada,
jamais é o momento feliz.
Porque quem morre de sede
não pronuncia sua sede
Porque na boca da classe operária
não existe a palavra classe operária.
Porque quem desespera
não tem vontade de dizer:
“Sou um desesperado”.
Porque orgasmo e orgasmo
não são conciliáveis.
Porque o moribundo em vez de alegar:
“Estou morrendo”
só deixa perceber um ruído surdo
que não compreendemos.
Porque são os vivos
que chateiam os mortos
com suas notícias catastróficas.
Porque as palavras chegam tarde demais,
ou cedo demais
Porque, portanto, é sempre um outro,
sempre um outro
quem fala por aí,
e porque aquele
do qual se fala
se cala.

*(Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan)

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