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CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 3

CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS


PEDAGÓGICAS

AMERICANA
2000
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 4

I - BIOGRAFIA GERAL
Autoria SANTOS, Mirian Carone dos, Mestra.

(Proibida a reprodução mesmo por máquinas de fotocópias).


Uso restrito para alunos dos cursos de Capacitação da Mestra
uso Montessoriana e aos filiados ao CMPP.
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Reproduções proibidas por qualquer meio, mesmo
parcialmente.

Composto e impresso em 2000 por:


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DADOS BIOGRÁFICOS
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ESTE LIVRO

Fazer um apanhado geral sobre a vida e a obra de


Maria Montessori é tarefa que demandaria muito tempo,
e infelizmente ele não existe.
O que Montessori inovou em termos de
Educação, jamais foi igualado na História da Pedagogia
e da Didática, e por um bom tempo isso será mantido
dessa forma. Entretanto, ela não ficou nisso, e penetrou
em campos que usualmente não são citados em estudos
que envolvem sua obra. Por exemplo, poucas pessoas
sabem que ela foi uma das “feministas” mais atuantes
desde o início do movimento, nos Estados Unidos e
Europa, e suas colocações nas Assembléias só agora
estão sendo percebidas como altamente oportunas e
incrivelmente avançadas para a época em que foram
feitas. Transcorridas tantas décadas, só agora o
movimento pela valorização da mulher se volta para os
princípios sobre os quais ela havia chamado a atenção!
É muito difícil resumir sua vida e quase
impossível citar todas as frases que produziu, de forma
conclusiva, ao longo de sua vida. Além do mais, pelo
aspecto quase religioso como seus seguidores a
veneraram (e ainda veneram...), até seus eventuais
defeitos foram considerados como virtudes.
Alguém já havia dito que os “líderes não
erram”, nem quando cometem disparates vocabulares,
que se transformam em “exceções à regra”.
Para quem tem uma auréola formada pelos
olhares dos milhões de admiradores em todo o mundo,
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como é o caso da Dra. Maria Montessori, até as coisas


que seriam “defeitos” nos mortais comuns acabam se
transformando em virtudes quando ligadas a ela.
“Ela tinha uma personalidade fantástica.
Quando estava num lugar, não se percebia mais
ninguém. Parecia muito maternal, muito gentil. Tinha
belos olhos escuros. Nós a amávamos e respeitávamos.
Para nós, ela estava próxima de Deus. Era vaidosa, e
isso nos divertia, mas a amávamos também por isso” (1).
Parece que tudo é permitido aos que possuem
valores aceitos mais ou menos universalmente. Sempre
foi assim, em todos os campos de atividades e
pensamento. Quem não se lembra, com um misto de
revolta, que perdeu um ponto em Literatura por ter
iniciado frase com pronome oblíquo, e ao mesmo tempo
viu texto de Rui Barbosa fazendo isso, só que no caso
dele sendo o fato tido como “exceção à regra?”.
Por ser bastante vaidosa, isso fazia com que
Montessori sempre considerasse as outras pessoas como
sendo suas “discípulas”. É bem provável que o fossem,
porém Montessori não tratava disso como simples
probabilidade... Todas as pessoas que a conheceram
pessoalmente dizem que Maria Montessori tinha plena
consciência do seu valor como educadora e isso a fazia
situar-se acima das demais pessoas.
Todas as pessoas que se lembram dela, relatam
que sua personalidade era tão marcante que essa atitude
dava-lhe uma certa dose de nobreza...que era fascinante.
Essa impressão perdurou a seu respeito até o final da sua
vida e permanece ainda depois de tantos anos após sua
1
BARNETT, Elisa Braun., citada por Michael Pollard, in Maria
Montessori - Personagens que mudaram o mundo- Os grandes humanistas.
Globo, Rio, 1990)
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morte.
Uma dessas pessoas que haviam estado com ela,
como observadoras do que fazia, era Piaget, então na
época já autor de diversos livros que haveriam de
transformar o mundo da Psicologia e, conseqüentemente,
o da Pedagogia, embora o Mestre nunca tenha se
importado com a educação, Pedagogia e Didática.
Mesmo sendo Piaget quem era já a essa época,
Montessori nunca o considerou uma pessoa que estivesse
ali por outra razão a não ser a de “aprender como se
faz” aquilo que vinha fazendo. Dizem que até Piaget se
deliciava com essa posição de Maria Montessori.
Aliás, ela gostava de chamar as pessoas de
“discípulas”, e estas adoravam essa franqueza que só
aos grandes líderes da humanidade é permitido. Ser uma
“discípula” da notável médica-educadora era como que
um título que a pessoa deveria ostentar para o resto da
vida. Quem foi chamado assim por ela ainda faz questão
de dizer que é sua discípula, mesmo que tenha se
desviado daquilo que originalmente ela propunha.
Essa consideração (ou desconsideração aparente)
pelos outros, não se tratava de ofensa alguma:
Montessori tinha a convicção de era realmente uma
pessoa iluminada e, como tal, sabia sê-lo.
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UMA LIÇÃO
DE VIDA

Maria Montessori, filha de Alessandro, funcionário


público da contabilidade do governo (segundo alguns
biógrafos) ou Engenheiro Militar (segundo outros
historiadores), nasceu em Chiaravalle, a leste da Itália,
em 31 de agosto de 1870.
Filha única de uma família um tanto
modesta, “porém muito honrada e
cheia dos princípios seculares do
patriarcalismo italiano”, quando se
mudaram para Roma, em 1875,
ficou um tanto isolada das demais
crianças, pois sua família era
bastante restritiva quanto às novas
amizades. A agitação de Roma,
capital do mundo nessa época,
rivalizando com Paris, devia meter
medo na família provinciana.
Aos seis anos Maria entra
para a escola, e os seus biógrafos
afirmam que ela, nessa fase, não se
revelou uma garota de nível maior, ou que pudesse ser
citada como destaque da turma. (Na foto desta página, Maria
com o seu Diploma do Ensino Primário).
O de que se lembram as pessoas dessa intrigante
garota, que já afirmava às colegas que “tinha algo de
muito importante a fazer na vida...”, é que mostrava-se
de caráter forte, extremamente envolvida com as
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obrigações e os deveres que esperavam que ela


cumprisse, e, sobretudo, lembram-se da sua natureza
assertiva.
Estas características a tornaram impopular
perante as que, não tendo tais valores, tratariam de tentar
impedir que ela mesma os tivesse, porém seria muito
bem aceita em outros círculos de influência e amizade.
O de que muitos se lembram, dessa época, é que
Maria afirmava de pés juntos que “jamais seria
Professora...”, e seu grande sonho era, um dia, tornar-se
Engenheira.
Contudo, na Itália dessa época, as meninas não
tinham alternativas, e os próprios rapazes as tinham de
modo restrito. Na verdade, pouca gente estudava “além
dos 12 anos”, porém se estudasse deveria se especializar
em alguma coisa que desse status e pudesse levar a
pessoa a círculos mais elevados e fechados. A moças não
tinham essas possibilidades: sua maior expectativa era
casar, ter filhos ou ser Professora de alunos clássicos,
que precisavam conhecer latim, grego, literatura e
música.
O desejo de Maria, entretanto, era
estudar ...matemática, e essa opção parecia levar para a
Engenharia... Sem dúvida alguma esse inusitado desejo
provinha da influência do Pai, homem que estava
permanentemente fazendo cálculos, quer fosse
Engenheiro Militar, quer Coletor de Impostos.
Durante a vida toda Maria expressou o desejo de
ter seguido essa carreira, embora ela não fosse
apropriada para mulheres. Como era excessivamente
voluntariosa, o Pai matriculou-a numa “Escola para
meninos”, menos por sua vontade de que Maria tivesse
sido um garoto do que pelo fato de que ali já havia mais
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algumas outras garotas que também lutavam para


conseguir se firmar ao lado dos rapazes. Pode-se
imaginar os problemas: a escola não tinha instalações
para os dois sexos, devendo a minoria (garotas) se
utilizar das dependências sanitárias masculinas.
Mais que isso, nessa época não havia co-educação, de
sorte que eram proibidas de conversar com os rapazes,
olhar em sua direção, aproximar-se deles, etc. Nos
horários de recreação, as meninas deviam ficar presas na
sala de aulas, ocupando-se de bordados e outras coisas
assim, pois não havia pátio feminino.
A metodologia que vivenciou como aluna não
desencorajou Maria, entretanto. Nessa época a Didática
visava apenas e tão somente fazer com que o aluno
procurasse ser o mais possível semelhante ao Professor,
que era visto como um Modelo a ser seguido. As
dificuldades de informações tornavam o Mestre uma
espécie de “repórter” bem informado, um “sabe-tudo”
a respeito de tudo. O Professor falava de guerras sem
nunca ter visto uma; falava de vulcões sem nunca ter
visto uma erupção, e todas as crianças pensavam que
eles tinham vivido aquilo tudo de que falavam. Ouviam
atentamente e não questionavam, pois não se podia fazer
perguntas e outras impertinências...
O que se esperava da criança é que ela “decorasse” para
repetir o que o Professor falou. Para que isso pudesse
ocorrer, a criança tinha um regime de aulas seguido de
um regime de exercícios que deveria cumprir em casa,
onde repetiria as palavras do Professor até poder
pronunciá-las sem erros ou tartamudeios.
Para as crianças que não conseguiam decorar,
“provavelmente por serem gazeteiras, folgadas e
vagabundas...”, como então se acreditava, existiam
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castigos físicos (ajoelhar-se em milho, tapas nas mãos


com palmatórias...) e castigos morais (ficar à frente da
sala, com chapéu de orelhas de burro), por exemplo.
Para um espírito inquieto como
o de Maria, essa incrível monotonia
deveria ser um castigo extra, porém ela
suportou tudo isso provavelmente pelo
fato de que ainda não se havia
vislumbrado uma metodologia onde
essas ocorrências não fossem
características. Não havendo com o
que se comparar, o que se fazia era
tido como certo e necessário, sem
provocar qualquer discussão e sem
chances de alterações nos
procedimentos.
(Na foto acima, Maria com 17 anos. Estudando numa escola técnica, ela
manteria sua paixão pela matemática, o que a levaria para uma carreira
científica.).
Para se entender perfeitamente o comportamento
de Maria Montessori, é preciso que não se percam de
vistas as coisas contra a quais ela se rebelou. Hoje não
fariam muito sentido, pois são bastante naturais, mas ao
final do século XIX nem se discutiria a possibilidade de
discutir o assunto e os pais abrandarem os tratamentos
destinados aos filhos, especialmente às filhas.
O desejo dos Pais era ver as filhas bem casadas,
se possível com alguém de posses, porém sabia-se de
antemão que as pessoas de posses só se casavam com
pessoas de posses. Os casamentos eram acertados pelos
Pais, não importando nem um pouco se a moça ou o
rapaz queriam efetivamente se unir a essa outra pessoa.
Essa mesma situação, graças à colonização euro-italiana
do nosso Estado, ainda subsiste em muitas famílias,
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especialmente nos meios mais tradicionais (zona rural,


por exemplo).
Falar com rapazes antes do casamento? Nem
pensar...
Para uma moça atraente como era, mesmo para
padrões atuais de beleza, Maria não teria problemas para
se casar com um funcionário público ou, com um pouco
de sorte, com um comerciante bem sucedido.
Entretanto, isso não estava em seus planos,
mesmo que, para cumpri-los, tivesse que ficar solteirona:
ela seria Médica!!!
Os pais estremeceram quando ela comunicou-
lhes a inusitada decisão, especialmente pelo fato de que
Maria não poderia “ser mudada” de fora para
dentro...disso eles já tinham experiência...
Ser médica era uma escolha até pior que a de ser
Engenheira, e além do mais nenhuma mulher ainda tinha
se arriscado a tanto. O atrito era inevitável, mas a
solução era previsível: Maria foi cursar medicina.
O Pai só aceitou (um pouco) a decisão tomada
por Maria quando ela começou a falar em público,
tornando-se uma pessoa conhecida e -por incrível que
pudesse parecer- até respeitada por todos, mesmo
sendo médica...
Renilda (sua Mãe) era mais aberta que
Alessandro, e ficava entre as tradições familiares e o
desejo da filha em se tornar alguém, que tivesse como
expectativa de vida algo diferente da que ela mesma
estava vivendo. Embora às escondidas, Renilda
estimulava a filha a seguir as suas decisões e, no fundo,
ficava muito satisfeita quando Maria enfrentava
Alessandro, pois a filha encarnava aquilo que ela própria
gostaria de ter tido coragem para ser e fazer, na sua
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infância e adolescência. Ela teria tido desejos de ser


como a filha, independente e dona do seu nariz, mas
faltou-lhe a coragem para enfrentar os pais, que deviam
ser mais conservadores ainda que os da filha.
A cada uma das coisas que Maria conseguia
socialmente, unida ao Movimento Feminista, Renilda
vibrava e sentia-se especialmente orgulhosa e
pessoalmente realizada.
O curso, entretanto, só foi efetivamente seguido
mediante concessões mútuas:
Alessandro deixaria que ela fizesse o curso de
Medicina se Maria prometesse que não iria à Faculdade
ou voltaria para casa sozinha (deveria estar sempre
acompanhada por gente da família), sentar-se separada
dos rapazes, não assistir aulas de indecências (anatomia
e fisiologia humanas), etc. Ela aceitou as regras do jogo.
O que ela não tinha condições de contornar eram
as coisas que provinham dos outros: a Escola não tinha
sanitários femininos; os colegas de turma assobiavam
quando ela passava, dirigindo-lhe gracejos grosseiros em
meio a lisonjeiros, além de comentários grosseiros
quando cruzavam por ela nos corredores, tornando sua
presença insuportável em algumas aulas, especialmente
de Anatomia e Fisiologia Humanas. Quando ela ia
escrever, balançavam sua mesa, tornando sua letra feia e
os trabalhos mal elaborados; qualquer pergunta que
fizesse, os rapazes caiam na gargalhada, e poucas vezes
deixaram para o Professor a tarefa de responder, sempre
de maneira grosseira, ao que perguntava. Atiravam
bolotas de papel nela, obrigando-a a sentar-se nos
fundos da sala, etc.
Como era a única moça na turma, vivia cada vez
mais isolada, engolindo a irritação por estar sendo
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tratada dessa forma. Ela nunca se esqueceu desse


tratamento dos rapazes para com ela, e nunca perdoou
aos homens em geral por essa mesma razão. As
experiências desagradáveis nas aulas de Medicina,
especialmente em Anatomia e Fisiologia Humanas,
marcaram profundamente a atitude de Maria Montessori
por toda a vida, e ela nunca conseguiu ver os homens a
não ser como iguais aos grosseiros rapazes da sua turma.
As conseqüências disso foram, no mínimo,
dramáticas.
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LIDAR COM
CADÁVERES
A NOITE... !

Até hoje, quando alguém entra num curso de Medicina,


o trabalho com cadáveres é coisa que assusta e, em boa
parte dos casos, é motivo para que a pessoa desista do
curso. Impressiona realmente, pelo menos nas primeiras
aulas. A impressão é diluída pela presença de várias
pessoas na mesma sala, e acentuada quando se está a sós
com as peças.
Quando Montessori entrou para a Faculdade, nem ela
desejava, nem seu Pai permitia, que tivesse aulas,
especialmente Anatomia e Fisiologia Humanas, junto
com os rapazes. Havia motivos de sobra para se evitar
esse confronto, que sempre haveria de terminar com
grosserias por parte dos rapazes zombeteiros sobre
Maria.
O Diretor da Faculdade, que não via com bons
olhos a presença de uma mulher na Medicina, tratou de
encontrar uma solução muito pouco estimulante: ela teria
que dissecar os cadáveres sozinha, à noite, no
laboratório-necrotério da Escola.
Esta é, sem dúvida, uma experiência
perturbadora, por mais racional que o sujeito seja. Quem
não “veria coisas” à noite, no silêncio noturno, num
ambiente empestado com o cheiro penetrante do formol,
com algumas velas iluminando (não havia ainda a luz
elétrica) e, sobre a laje fria, um cadáver vitimado por um
assassino também frio? Além de tudo, é bem provável
que seus colegas sempre dessem uma “ajudazinha” para
provocar mais medo ainda...
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Aula de anatomia: dissecação de um cadáver no


século XIX. Os alunos observam o Professor.

O fato é que Maria chegou a pensar em desistir, pois não


tolerava o cheiro penetrante do formol e nem conseguia
tocar na carne dos defuntos, coisa que lhe dava asco e
provocava-lhe vômitos.
Em suas reminiscências, ela confessa que, por diversas
vezes, teve a impressão nítida de que os esqueletos e
cadáveres estariam se mexendo. Ela sabia que isso era
impossível, porém tinha certeza de que os via se
mexendo. Provavelmente eram alguns dos rapazes que
haviam imaginado um modo de fazer com que se
mexessem, para assustá-la mais ainda. Infelizmente,
ninguém confessou isso, mesmo depois de transcorridos
decênios, de sorte que essa saborosa informação fica
ainda por conta do seu medo, que faria ver essas coisas.
Ainda é Maria quem nos revela que uma
noite, desde o laboratório, observando a rua através da
janela, viu uma balconista que retornava tranqüilamente
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ao lar, e pensou consigo mesma que “enquanto ela está


lá fora, com tudo vivo em torno dela, estou aqui, presa
com a morte, lidando com cadáveres...”.
Naquela noite Maria retornou extremamente
abatida. Valeria a pena todo esse sacrifício? Valeria a
pena passar o que estava passando com os rapazes? Ao
chegar em casa, seus Pais também aconselharam a
desistir do curso, pois ela visivelmente estava ficando
doente. De tal forma isso estava firme em sua cabeça,
que pela madrugada se levantou e escreveu uma carta ao
seu Professor, avisando-o de que não mais iria à escola.
Na verdade, essa carta não chegou a ser enviada e nem
se sabe ao certo se chegou a ser realmente escrita, pois
Maria se refere a ela como “tive a intenção de
escrever...”, mas alguns preferem se referir a ela como
tendo sido efetivamente escrita e não enviada.
O fato é que, no dia seguinte, Maria estava de
volta à Escola, com a mesma força de vontade e
agüentando os mesmos problemas, como se nada tivesse
existido para contrariá-la até então.
Essa instabilidade, entretanto, não fazia parte da
sua personalidade, pois sempre foi vista como uma
mulher extremamente segura de si. Aliás, todas as
biografias que já escreveram dela colocam-na como uma
mulher que sabia exatamente o que desejava e que
descobria os caminhos pelos quais deveria trilhar para
conseguir.
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MARIA E OS
DIREITOS DAS
MULHERES

Maria gostava, desde pequena, de vestidos bonitos,


cheios de bordados e rendas. Era vaidosa, e cuidava
pessoalmente dos seus cabelos, por sinal bastante
charmosos, que gostava de prender como “pitote” sobre
a cabeça. (Ver fotos).
Mesmo quando já era uma mulher velha, ainda mantinha
essas características e notava-se nela essa forte dose de
vaidade. Ela explicava isso dizendo que quando uma
pessoa gosta de si mesma, quando está feliz consigo
mesma, tende a se apresentar de maneira bonita e
agradável, e isso “levará a pessoa a tratar bem os
outros e ser bem tratada por
eles...”.
Nessa época intensificam-se
os movimentos pelo reconhecimento
da mulher, especialmente nos
Estados Unidos, e ela resolve
engajar nessa luta, situação que a
acompanhou durante toda a vida.
(foto ao lado: Montessori já médica e atuante
no Movimento Feminista)
Maria defenderia com unhas
e dentes o direito da mulher decidir
sua própria vida, ao invés de ser
obrigada a se casar com um homem que a sustentasse,
como se fosse uma inválida. Ela simplesmente renegava
as tardes de Roma, quando as mulheres se reuniam para
tomar chá e manter alegres grupos nos cafés, enquanto
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que os maridos ganhavam o sustento da casa.


Se as feministas vinham obtendo sucesso no
mundo todo, vendo reproduzir suas hostes de negação do
homem, Maria Montessori obtinha mais sucesso ainda
tratando do assunto com racionalidade e calma. Declarou
ela a um repórter de jornal:
“Grande parte da minha vida se passou entre
homens; observei como eles se relacionam com as
mulheres e penso que nosso objetivo deveria ser
trabalhar com eles e não afastá-los de nós...”
Depois de seis anos de estudos nessas condições,
já com 26 anos, torna-se a primeira mulher, na Itália, a se
formar médica.
Em 1896, no mesmo ano da sua formatura, fêz
uma viagem à Alemanha, onde participou de um
Congresso Feminista, abordando um tema que sempre a
preocupou: por qual razão uma mulher recebe bem
menos que um homem, quando realizam ambos os
mesmos trabalhos?
O fato é que as feministas souberam aproveitar a
presença daquela mulher bela e extraordinária, que
colocava por terra o argumento dos homens segundo o
qual as "feministas eram mulheres feias, desesperadas,
que não atraem os homens..." e que soube vencer num
mundo “machista”, não apenas sem depender dos
homens mas até lutando contra eles para conseguir
vencer, e a colocavam, em todas as oportunidades, para
falar nas amplas platéias que se formavam para tais
temas.
Maria passaria a ser, desta forma, um símbolo
inesperado do retrato da mulher moderna, pronta para o
século XX, capaz de votar, escolher uma profissão e um
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destino, fazer-se respeitar pelos seus dotes físicos e


intelectuais, etc. Mais que isso, Maria passou a ser o
símbolo da própria convivência entre os sexos, pois nas
suas falas ela não agredia o sexo oposto, mas apenas
tratava de encontrar condições de convivência entre
eles.2
Tendo participado de tantos encontros e se
sobressaído neles pelas suas posições moderadas e
racionais, acabou se tornando muito famosa, e isto
atendeu ao seu espírito vaidoso. Muita gente queria
conversar com ela, repórteres queriam entrevistá-la a
todo instante, e fotógrafos tiravam centenas de
fotografias que eram estampadas nos maiores jornais da
época.
Quando voltou de Berlim, trazia consigo uma
enorme coleção de jornais, onde não havia só
informações sobre suas palavras:
“...que adorável mulher emancipada!!!. Parecia
que todo mundo queria abraçá-la...”
“Seu encanto conquistou as penas -pode-se
dizer que também os corações- de todos os
jornalistas...”, escrevia um, mais apaixonado pela sua
charmosa figura.
É lógico que ela gostava desse assédio dos
repórteres e dos fotógrafos. Entretanto, fez questão de
não deixar que isso lhe “subisse à cabeça”, fazendo-a
perder as metas da sua posição.
2
Nessa época estavam entrando em voga as idéias marxistas, segundo as
quais deveriam existir, entre os sexos, embates e oposições, já que tratava-
se de supremacia e exercício de poder entre homem e mulher. Essa idéia do
embate, que penetrou profundamente na mentalidade da época, produzindo
a Revolução bolchevista na Rússia, ainda vigora entre nós, especialmente
nas relações de trabalho. Montessori colocou, contra a idéia da “luta pela
supremacia”, idéia da “luta pela convivência em igualdade”.
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Sobre tudo o que se disse dela, tinha forte


criticismo, e não levou muito a sério. O importante, para
ela, era o que dissera e o que planejava dizer e fazer, e
isto é o que deveria ter sido noticiado. Contudo, os
repórteres insistiam em falar dela ao invés de escreverem
sobre o que havia dito...
Escreveu a seus Pais, ainda em Berlim, avisando-
os de que, retornando, abandonaria a vida intensa que
levava, para se dedicar à seriedade do seu trabalho como
Médica.
Nessa época é que Montessori se auto-descobre
como possuidora de um dom que deveria utilizar para
sempre: o de comandar pessoas, comovê-las, fazê-las se
apaixonarem por suas idéias. Estava descoberto o
caminho do sucesso, e nunca mais Maria se afastaria
dele.
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DOM DE FALAR
EM PÚBLICO

Em Berlim, Maria percebeu que tinha o dom de falar em


público e envolver multidões em sua fala, levando-as
para o ponto de vista que desejasse. Não eram apenas
mulheres ávidas por direitos, mas também homens, que
se apaixonavam pelo charme da Médica que ousara
enfrentar as mais ferrenhas tradições da sociedade
italiana e despontar no mundo como um marco das
mudanças que o século XX deveria apresentar.
Repentinamente a Médica passava a ser uma figura
importante no mundo todo, capaz de falar e ser ouvida
como “autoridade” no assunto.
Quais as razões desse sucesso?
Além de ser uma mulher bonita, atraente, timbre de voz
muito agradável de se ouvir, vestir-se impecavelmente
dentro da moda, com vestidos que sempre ornavam com
a sua exuberância, tinha uma maneira de expressar-se
que era muito vibrante, capaz de tornar cativas suas
platéias. Foi assim até o final da vida, mesmo quando a
beleza física já havia desaparecido. A voz expressiva e
de tonalidade suave mas firme, era realçada por gestos
intensos e animados que prenderiam a atenção de
qualquer auditório, em qualquer parte do mundo, mesmo
que não estivessem entendendo suas palavras, como
muitas vezes aconteceu.
A arte de falar em público tanto pode ser uma
técnica aprendida como um dom natural. No caso de
Maria, era um dom natural, e fazia parte do seu
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extraordinário carisma.
O público ria com ela, chorava quando desejava
que isso ocorresse, aplaudia quando ela queria e na hora
certa, constituindo isso um exercício de “descobertas”
que ela fazia sobre sua própria capacidade para liderar.
Interessante notar que Maria não tinha
experiência anterior. Nunca chegara a debater tais
assuntos na Faculdade de Medicina, pois não podia
conversar com os rapazes e não havia outras moças por
lá.
É claro que Maria tinha também seus temores e
desconfianças, como todo ser normal, porém nunca
deixou que isso transparecesse. Ela exalava segurança
pessoal, e os outros sentiam-se amparados por ela com
sua simples presença.
Maria não tinha medo do mundo e nem das
pessoas que habitavam nele. Disso ela havia dado provas
quando estava na Faculdade. Viveria bem nesse mundo,
se não fossem os cheiros dos laboratórios, o isolamento
desumano na turma, a frieza dos cadáveres e as noites
sozinhas dissecando-os. Não assumia as palavras
ofensivas dos colegas de turma, e fingia não escutar os
convites que os mais afoitos lhes faziam.
Do sucesso nas palestras, Maria passou a ser bem
sucedida em seu trabalho como Médica. Passou a
atender doentes mentais e crianças retardadas. Ela havia
notado que essas crianças estavam sendo consideradas
como “casos perdidos” e internadas em asilos, ao lado
de adultos e nas mesmas condições destes, na maior
promiscuidade. Nos asilos, não tinham aulas, nem
brinquedos, levavam uma vida completamente vazia. Até
essa época, os deficientes mentais eram considerados
como “idiotas”, ou seja, sem qualquer consideração
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especial. Achava-se que o idiota não valia a pena e,


portanto, não se deveria gastar com eles qualquer coisa
ou tempo: bastaria isolá-los para se ficar livre do
incômodo...
Foi esse interesse que levou Maria a “descobrir”
dois franceses que, na primeira metade do século XIX,
haviam trabalhado com crianças deficientes: Itard (Jean)
e Sèguin (Edouard).
Esses dois sujeitos haviam enfrentado o problema
das crianças surdas, negando-se a aceitar que não
poderiam ser educadas. Tiveram resultados alentadores
com surdos, e desenvolveram uma nova linha de
pensamento com a importância que deram ao
desenvolvimento sensorial, aspecto que até então era
descuidado.
Montessori penetrou a fundo dentro do trabalho
desses dois pesquisadores, sem ligar para nada mais e
acabou encontrando neste campo suas maiores glórias.
Não parou nesses elementos, entretanto: leu
Fröebel (Friedrich), um alemão teimoso que havia
fundado escolas para crianças com idade até sete anos, e
concentrou-se na importância dos materiais didáticos
para o crescimento da mente infantil.
Chegou, depois de exaustivos estudos, a três
conclusões bastante sérias e evidentes:
a- as idéias de Itard e Sèguin podiam ser
aprofundadas, para ajudar na educação de deficientes
mentais;
b- as crianças D.M. ficariam melhores em
hospitais e escolas especializadas que em hospícios;
c- ela (Maria) precisava aprender, ainda, muito
sobre educação...
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Essas conclusões marcariam o dia-a-dia de Maria


Montessori a partir daí.
Por essa época ela trabalhava como Médica
Assistente numa instituição para doentes mentais, além
de realizar suas pesquisas pessoais no campo da
educação e manter seu consultório particular. Neste, sua
clientela era pequena, pois ninguém acreditava numa
“mulher médica”, nem mesmo as feministas que a
aplaudiam por ter enfrentado os preconceitos. De
qualquer forma, os poucos clientes que tinha eram
crianças (ela tinha um modo tão simpático de tratar com
elas, que estas não ficavam com medo) e mulheres,
especialmente gente simples.
Além disso tudo, Maria ainda se dedicava à luta
do feminismo pelos direitos das mulheres e era membro
ativo da Liga Nacional para a Educação de Crianças
Retardadas.
Com 29 anos, na virada do século (1899), foi
convidada a assumir a direção de uma escola para
crianças doentes mentais em Roma. Aceitou a tarefa-
desafio e ficou nela durante dois anos. Nesse tempo, fez
palestras por inúmeras cidades italianas e viajou para
Londres e Paris, também falando sobre crianças
deficientes.
A essas palestras acorriam multidões de pessoas,
e a imprensa dava ampla cobertura.
Maria afirmava que não era do seu agrado o fato
dos jornalistas darem ênfase à sua beleza (“la bella
doutora...”) e não ao que ela dizia, porém isso não deve
ser totalmente verdadeiro, já que ela era muito vaidosa e
sabia-se encantadora. No fundo, devia gostar dessa
legião de admiradores que escreviam sobre ela.
Isso tudo, entretanto, que ela gostava de citar, não
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 27

a desviou um só grau da sua rota: feminismo e educação


das crianças.
Em 1898/1899, viajar era uma aventura sobre a
qual não conseguimos imaginar em nossos tempos de
tantos meios de comunicação. Fato mais difícil ainda é
pensar que, nessa época, uma jovem senhora jamais
poderia pensar em viajar sozinha, especialmente para dar
palestras. Se hoje isso não causaria espécie mesmo nos
mais tradicionalistas, ao final do século só “mulheres da
vida”, "putonas" podiam fazer isso, pois estas não teriam
que temer a difamação que fatalmente as envolveriam.
Montessori colocava em dúvida, muito
justificadamente e com extraordinário espírito crítico (e
isso lhe valeu boa parte dos seus inimigos que a
combatiam ferrenhamente), as conclusões acadêmicas
dos “cientistas homens”, que eram feitas no sentido de
demonstrar que as mulheres eram “seres inferiores”.
Valia de tudo nesses Relatórios, de sorte que com a
inteligência de Maria era sempre fácil destruir, até nas
raízes, os “argumentos” não demonstrados e totalmente
contrários às regras da lógica que tão bem ela conhecia.
E suas platéias deliravam...
Ela gostava de citar o caso de um então afamado
cientista que declarava: “no cérebro das mulheres há
menor quantidade de fósforo do que no cérebro do
homem, portanto ela é menos inteligente...”
Cada vez que ela abordava essa incrível
conclusão (não havia qualquer pesquisa sobre a
quantidade de fósforo nos cérebros citados e nem se
pesquisara as relações possíveis existentes entre índices
de Q.I. e presenças de fósforo no cérebro...), a platéia a
aplaudia delirantemente e gargalhava com ela,
especialmente quando se referia a esse fósforo como
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 28

possíveis resíduos dos charutos que acendiam nas horas


e lugares mais impróprios...
Montessori chegava, ao final, ao conselho:
estudem ciências para poderem contra-argumentar e
destruir tais preconceitos “com o cérebro...(e aqui a
platéia se deliciava)...e não com o coração”.
Suas mensagens sempre traziam a certeza de que
haveria um tempo, não distante, em que as mulheres
teriam condições de se fazer pessoas perante os homens,
com salários iguais, direitos iguais, ambicionando paz no
mundo e liberdade de ter ou não ter filhos, ou seja,
capazes de dispor do sexo sem a conseqüente
procriação.
Bem no começo do século, quando ainda
trabalhava na escola para deficientes mentais, conheceu
um colega pelo qual nutriu forte paixão: Dr. Giuseppe
Montesano. Aliás, a paixão foi mútua.
Maria sempre foi muito reservada sobre isso, e só
os amigos mais chegados tiveram conhecimento das
relações então vividas por eles.
Sabe-se que entre 1898 e 1901 Maria engravidou
e teve um filho, sendo mãe solteira!
Isso era positivamente um abuso nessa época, de
sorte que ela se retirou da sociedade com Mário (este era
o nome do garoto, que posteriormente ficou em seu lugar
na direção da A.M.I., recentemente falecido), de tal
forma que Giuseppe, por algum motivo que nunca
revelou, recusou-se ao casamento embora gostasse dela.
Ele efetivamente casou-se mais tarde, mas com outra
mulher. Estaria Giuseppe fingindo amar Maria, para se
aproveitar da sua fama de ser liberal? Estivera apenas
momentaneamente atraído pela sua beleza? Isso jamais
será esclarecido a contento. O próprio Mário só foi
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 29

reconhecido como seu filho por ela, após sua morte e por
meio de testamento, pois sempre o apresentou como
“sobrinho” para quase todas as pessoas.
Mário (filho), desde bebê foi retirado de
circulação, e pouca gente soube da sua existência. Foram
vários meses de gravidez evidente que foram disfarçados
com roupas apertadas, espartilhos, ou passados sem
contato com pessoas, de sorte que quando a criança
nasceu, quase ninguém sabia que ela estava a caminho.
Mário foi remetido para uma família de amigos
que morava na zona rural, para ser criado como se fosse
um filho a mais. Foi só depois que ficou sabendo quem
era sua mãe realmente.
Até o nascimento do bebê Giuseppe Montesano
continuaria o romance com ela, porém depois ele a
abandonou para nunca mais vê-la.
Isso provocou uma crise enorme na vida de
Maria, e como nas crises anteriores, ela conseguiu
vencer: abandonou seu projeto inicial e mudou de vida:
passou a freqüentar a Universidade como estudante de
Pedagogia, higiene e psicologia.
Incrível como o destino das pessoas parece estar
selado na origem: ela, que afirmava “jamais serei
professora...”, envolvia-se agora em cursos que a
levariam fatalmente a essa profissão.
O curso de formação do Professor incluía, desde
essa época, os momentos de observação e aulas práticas
nas escolas, mais ou menos como os Estágios
Supervisionados, porém feitos efetivamente e com muita
responsabilidade. Ao fazer seus estágios, Montessori se
sentiu horrorizada com o que viu ser feito com crianças
normais nas escolas de Roma.
As salas de aulas eram escuras, pesadas, tristes,
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 30

as filas entre as carteiras e mesas eram estreitas, as


classes continham “multidões de mais de 30 alunos...”,
todos repetindo uníssonos as palavras dos Professores,
como num coral, onde o remédio para quem desafinava
era o castigo físico.
Os métodos de ensino eram então obtusos, pois
não contavam com os conhecimentos atuais de outras
ciências, de tal forma que qualquer interesse natural que
pudesse existir na criança (impertinências infantis, como
eram taxadas), os mestres se encarregavam de destruir
nos primeiros momentos. Podia-se perceber crianças
muito bem dotadas, mas desestimuladas ao extremo.
Montessori, referindo-se aos ambientes que
conheceu, comparou-os às prisões. Quanto aos
Professores, falavam com rudeza, raramente estavam
prontos a sorrir, positivamente não gostavam de crianças
e as castigavam fisicamente pelos menores motivos. Se
não fosse a obrigatoriedade de ir à escola, provavelmente
ninguém iria: os prédios eram tristes, pesados, escuros,
cinzentos, vetustos, e os Professores eram os únicos
adaptados a eles...
Cada vez mais Maria Montessori ficava certa de
que os métodos que havia usado nas crianças deficientes
poderiam ser aplicados nas crianças normais, com
resultados melhores ainda, pois com estas não haveriam
as limitações daquelas.
As conclusões a que chegava a todo instante
quando observava as atividades nas escolas em que fazia
seus estágios de observação eram modelos de exatidão,
logicidade e clarividência.
Começava a desaparecer uma Médica, mas a
despontar uma Educadora como nenhuma outra foi,
antes ou depois dela.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 31

São algumas das suas descobertas, hoje tão


vulgarizadas:
A) há uma relação entre capacidade de aprender e
condição de saúde e alimentar da criança;
B) a aprendizagem deve ser antecedida de
interesse e motivação, e nunca ser guiada pelo medo da
punição (como era entendido até então).
C) as crianças querem aprender naturalmente,
mas os adultos atrapalham.
D) a criança é capaz de aprender, e até muito
mais que o adulto, em menos tempo, se puder ficar
dentro do seu mundo, com suas características pessoais.
E) A criança só brinca, despreocupadamente, de
forma aparente...nós, adultos, não sabemos ver como ela
está, nas brincadeiras, fazendo o difícil papel de
construir um adulto...
F) As diferenças entre crianças e adultos vão
além dos tamanhos e idades: eles possuem dois tipos
distintos de inteligência e modos de conhecer...... não é
que uma questão de grau, mas de tipologia.
Essas coisas (e outras dezenas de descobertas),
que hoje nos parecem familiares, em sua época
representavam uma afronta ao “bom senso” dos grandes
Mestres da Pedagogia.
A grande descoberta de Montessori foi a de que
a criança, entre aproximadamente os dois e meio e seis
anos passa por uma fase “sui generis”, de ótima
sensibilidade. Nessa faixa e com essa sensibilidade,
portanto, a criança pode aprender praticamente de
tudo, solidamente, e nunca mais haverá de se desfazer
desses conhecimentos. Sua aprendizagem é
extremamente fácil, simples, segura, bastando que o
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 32

ensino ocorra dentro das suas peculiaridades e sem os


adultos tentarem interferir nele. Na verdade, a criança
pode aprender quase tudo, e existem muitas coisas que
ela pode aprender melhor que um adulto. De qualquer
modo, ela pode aprender mais rapidamente, e o que ela
aprender não será objeto futuro de esquecimentos. (3)
Utilizando basicamente os materiais criados por
Itard, no trabalho com o “menino lobo do Aveyron”4,
Montessori acrescentou outros, cuidadosamente
elaborados e cientificamente construídos, visando o
desenvolvimento dos órgãos dos sentidos. Ela refletia
-mais uma vez acertadamente- que se o conhecimento
chega à mente através dos sentidos, então educando-se
os sentidos estaremos como que pavimentando estradas
para que o fluxo seja ágil, correto, limpo e perfeito...
Pouca gente sabe, mas quando em qualquer
escolinha de educação infantil as crianças encontram
mesas, cadeiras, sanitários, etc., de pequeno porte, isso
se deve a Maria Montessori e às suas descobertas.
Montessori foi a primeira pessoa, por exemplo, a
relacionar a capacidade mental e de aprendizagem à
saúde física, à alimentação. Foi a primeira pessoa a se
insurgir contra os métodos baseados nos castigos,
através dos quais se entendia que a “palpada torna a
mente aguçada...”. Para Maria, a aprendizagem só podia

3
Por um erro grosseiro da Pedagogia antiga, ainda hoje em algumas Escolas
se afirma, mesmo nos cursos de Magistério, que “não se deve dar os nomes
reais das coisas às crianças, pois elas não entenderia corretamente...”. Maria
assestou sua capacidade científica contra mais esse preconceito...
4
Garoto encontrado na floresta do sul da França, que se pensou ter sido
criado por uma loba deste o nascimento. Hoje se sabe que o comportamento
semelhante ao de lobos que a criança tinha, é típico do autismo, desfazendo-
se o mito da criança-selvagem. Na época, porém, acreditava-se piamente
que era possível uma loba sem crias cuidar de um bebê humano...
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 33

acontecer com amor, jamais à força.


Ela afirmava coisas incríveis, para a época:
“as crianças querem aprender, mas os adultos
não lhes permitem...”
“...basta que lhes sejam fornecidos os elementos
necessários, na hora certa, e as crianças aprenderão
tudo sobre tudo, muito mais facilmente do que um adulto
faria...”
Tudo isso estava baseado na percepção de que,
do nascimento até aproximadamente seis anos, a criança
tem um período de ótima sensibilidade, vindo esta a
diminuir à medida que o tempo transcorre, sejam ou não
atendidas as necessidades de crescimento.5
Por essa altura, os materiais que havia inventado,
as palestras, etc., davam-lhe sustentação suficiente para
continuar no campo sem esmorecimentos, mesmo sendo
tão moça como era.
Por volta de 1904, Maria Montessori já havia
superado suas crises, provocadas pelo nascimento do
filho, e voltava ao trabalho com a energia de antes. Foi
neste ano que ficou com a incumbência de dar um curso
de treinamento para Professores de crianças na
Universidade de Roma.
Uma das suas ex-alunas informa sobre esse
encontro:
“Ela era uma Professora muito simpática, de
acesso fácil e modos encantadores”, alertando que ela
conseguia “transformar o estudo da Educação, de
enfadonho e sem vida, em algo fascinante e inspirador
para seus alunos...”
Quem assistia a uma das suas palestras se
5
Piaget viria teorizar sobre isso, afirmando que Montessori havia
premonitoriamente topado com essa “chave” da epistemologia.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 34

encantava e se tornava uma Professora em potencial para


uma das Case dei Bambini que ela havia fundado. De
vários países do mundo acorriam interessadas em
conhecer a proposta dessa Médica, que tinha a solução
dos problemas da educacão ali, bem à frente de todos,
estendidos sobre a mesa para serem usados por quem os
percebesse em sua amplitude e importância.
Maria Montessori estava pronta para começar o
enorme trabalho que marcou sua vida, e o ponto de
partida foi a Case dei Bambini, de San Lorenzo.
O mundo ganharia essa extraordinária mulher,
não como Médica ou Engenheira, mas como
EDUCADORA e PENSADORA.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 35

O MÉTODO

A essência do Método Montessori é a aceitação da idéia


de que a criança quer trabalhar e vai fazê-lo desde que
o trabalho seja apropriado à sua idade e
desenvolvimento.
O Método Montessori toma por base o equipamento que
foi desenvolvido para que atuassem sobre os sentidos.
Os materiais sensórios foram planejados para dar às
crianças uma enorme gama de experiências sensoriais,
com o tato, a visão, a audição, o paladar, o olfato.
O material utilizado no Método é muito variado
(6)
e apresenta algumas pequenas alterações, conforme o
fabricante. Alguns desses materiais estão sendo
produzidos para a Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo, porém sem qualquer função montessoriana.
Temos em mãos um jogo de “Material Dourado”,
absolutamente imprestável para suas funções e, ainda
assim, incompleto no número de peças. Esse material, no
Método Montessori, tem uma precisão tão grande que,
colocando linearmente, lado a lado, dez cubos de 1 cm, o
conjunto deve ter exatamente 1 dm; colocando 100
cubos de l cm de lado formando um quadrado, esse
conjunto deve formar l dm2 e, colocando 1.000 cubos em
forma de bloco tridimensional regular, seu volume deve

6
A Fábrica de Piracicaba chegou a produzir 375 materiais diferentes, todos
pertencentes à relação inicial de Montessori, ou propostos por seguidores,
ou ainda criados por Mário Montessori, seu filho, que continuou o trabalho
da Mãe quanto esta faleceu. Os do Jardim do Castorzinho são exemplos
deles.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 36

ser exatamente l dm3. O material vindo do Estado não


comporta tais comparações, pois os cubinhos possuem
medidas que variam de 0.6 a 1.3 cm de lado, e ainda por
cima irregularmente, ou seja, não são cubos...!(7)
Até 1957 esses materiais eram importados, mas a
partir dessa data passaram a ser fabricados em
Piracicaba. Desse ano para cá milhares de escolas foram
fundadas no Brasil graças à produção local do mesmo.
A Professora George da primeira Escola
Montessoriana dos Estados Unidos, declara
entusiasmada:
“As crianças pareciam começar a descobrir seu próprio
caminho; em muitos dos objetos que haviam a princípio
desprezado como brinquedos bobos, começaram a
descobrir um interesse inusitado e, como resultado desse
interesse, passaram a agir como indivíduos
independentes...”

Maria Montessori só começou a delinear seu


Método quando iniciou os trabalhos. Não é verdadeiro
que foi a partir desse início que ela tenha começado a
pensar no assunto, como alguns pretendem. Ela já estava
elaborando, juntando peças, imaginando,
compatibilizando idéias, desde longa dada. Tudo o que
havia de algum modo marcado sua personalidade fazia
parte desse monumental conjunto de procedimentos que
haveria de se transformar num Método aplicado ao
Sistema Montessori de Ensino.
Alguns estudiosos da sua vida e biógrafos,
arriscam afirmar, bem ao gosto do público, que ela

7
Nas apostilas do curso de Instrumentação estes detalhes serão abordados
com maior precisão.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 37

“tinha como que uma tarefa a cumprir, dada pelo


Destino, de tão relacionadas pareciam ser as coisas em
sua vida...”
Deixando de lado esse misticismo, o certo é que
Maria Montessori sempre aproveitou as lições que havia
recebido, da própria vida, para dar os passos seguintes.
Isso dava-lhe a impressão de estar sendo guiada numa
direção... Ela era, - isto sim- uma mulher que sabia
exatamente o que queria e, mais que isso, sabia como
lutar para conseguir.
Esse material escolar favorece a concentração.
No JARDIM DO CASTORZINHO temos diariamente
demonstrações dela: crianças tão concentradas para
resolver algo que desejaram manipular, que quando
alguém chega na sala, nem ao menos é notado.
(foto: Alice acaba de compor o número 1.542, utilizando-se dos materiais
para matemática).
Nas fotos seguintes temos as crianças da Pré-escola de
1997, mostrando os resultados dos seus trabalhos com
tais materiais.
Montessori parte do princípio segundo o qual as crianças
forneciam as diretrizes de como precisam ser ensinadas,
e nisto reside o sucesso do seu Método e de todos os
tipos de educação, decorrentes dela, que fazem do aluno
o centro do processo educativo, ao invés de centrá-lo
no Professor.8
Na foto seguinte, Alice, Leila e Anna Sophia
estão fazendo exercícios matemáticos no chão. O
material utilizado é muito rico, prático, significativo e
atraente, permitindo que o raciocínio da criança vá se
8
Este princípio está sendo uma das bases do Sistema Modular de Ensino
Intensivo e Excludente, pois nele o aluno gerencia a sua formação, no ritmo
que melhor se ajusta às suas possibilidades, e segundo os seus próprios
padrões de verdade. (Nota do Prof. Wladir dos Santos)
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 38

formando paulatinamente de modo bastante lógico,


carregado de conseqüências, pois a maioria desses
materiais é formulado para ser auto-corretivo.
As descobertas que fazem provocam nas crianças
manifestações de profunda alegria.
Quem viu de perto e pessoalmente, há de ficar encantado
com as experiências Montessorianas, de profundo
respeito à pessoa humana. Eis uma observada e anotada
por nós:
Alice, Leila e Anna
Estão fazendo
cálculos com as
operações que já
conhecem, e que só em
nível de 3a série serão
feitas em escolas
comuns.

“...a criança, de repente, se levanta e vai até a


estante onde estão os materiais sensoriais... parece
decidida a lidar com os Encaixes Sólidos. Pega a caixa,
coloca-a delicadamente sobre sua esteira e tira dela a
profusão de peças... uma a uma vai tentando ajustá-las
nos furos correspondentes... todas cabem no furo maior,
porém isso faria sobrar peças que não caberiam no furo
menor... ela percebe que cada peça tem o seu furo
correto, onde só ela tem esse espaço. Percebe ainda que
seu desafio é encontrar, para cada furo, uma peça que o
preencha... tenta, desmancha, tenta novamente... e assim
faz dezenas de vezes, preocupadíssima e concentrada no
trabalho, sem desistir em nenhum momento. Depois de
tentar por 32 vezes, conseguiu encaixar o último bloco.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 39

Daí ela parou, olhou o material concluído, deu um


profundo suspiro de como quem saísse de um sonho, e
sorriu de felicidade... os olhos brilharam... Em seguida,
desmanchou o jogo, misturou as peças e começou tudo
novamente...” .
Na foto ao lado, Stéfano faz relação perfeita entre quantidade e
algarismos, como só é possível quando a criança domina por inteiro
o sistema decimal de contagem. Os demais alunos assistem,
discutindo as soluções que estão sendo tomadas e aguardando a vez
de comporem também. É um modo delicioso de aprender
Matemática... para sempre... E repetem,... repetem,... até que se
bastem no que lhes interessam aprender.
Nós nos perguntamos por quais razões a criança
repetiu tantas vezes o exercício e, não obstante tenha
concluído, desmanchou tudo para recomeçar novamente.
A resposta a essa pergunta, vamos encontrar em
Anna Sophia também domina o
Sistema Decimal e já faz cálculos
que a maioria das crianças só
terão por altura da 3a série do I
Grau.

Montessori: “essa
ocorrência é o primeiro
vislumbre das profundezas
inexploradas da mente
infantil”
Helming, (Helen),9 assim
se expressa a respeito desse
despertar da motivação a
partir do material sugestivo
e livre:
O material Montessori não entra na vida da criança
como uma tarefa difícil e proibitiva a ser cumprida, mas
9
HELMING, Helen, é Diretora de uma das mais afamadas escolas
Montessorianas da Alemanha. É autora de vários livros sobre o Método e
reconhecida internacionalmente como uma das suas maiores
incentivadoras.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 40

como uma porta através da qual a criança Montessori


identificava essa concentração em torno de coisa
aparentemente desprovida de sentido, como sendo um
ato natural de reequilibração, permitindo à criança que
vá remontando suas imagens de ordem.
Piaget diz as mesmas coisas sobre essa incrível
capacitação das crianças.
Esse sentimento de “ordem” é de extrema
importância para a personalidade da criança. Nas
Escolas Montessorianas ele é cuidado especialmente,
pois da ordem ambiental surge necessariamente a ordem
mental. Quando uma criança quer parar de
trabalhar com um material, deve recolocá-lo na mesma
caixa onde o encontrou e devolvê-lo no mesmo lugar do
móvel onde estava guardado. Isso dá à criança uma forte
segurança, pois sabe que cada coisa tem seu lugar no
mundo, e que pode reencontrá-la ali mesmo onde a
deixou, caso deseje retornar a ela. Hoje a Psicanálise
leva em consideração essa importância que a ordem tem
na estruturação da mente do sujeito.
“...a Ordem pode ser percebida como importante
numa simples gaveta ou num arquivo, para a mente
humana... se as coisas estiverem guardadas segundo um
plano de logicidade, encontrá-las se torna muito
simples, porém se estiverem amontoadas, sem qualquer
ordenação, além do desestímulo, há uma enorme perda
de tempo de divagações para se tomar uma decisão
objetiva...”
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 41

Na foto ao lado, mais um dos nossos


formandos: Lucas, que também está
dominando a lógica do Sistema Decimal
por inteiro. Acaba de compor o número
1.524, que representa a quantidade de
cubinhos que estão à sua frente.
Essa aprendizagem é sólida,
refletida, e nunca mais o
abandonará durante toda a sua
vida.
Os que gostam de imaginar a
infância como um período de
irresponsabilidade, por certo não tiveram a oportunidade
de ver uma criança montessoriana descobrindo relações
numéricas, lendo ou escrevendo.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 42

O QUE É A
LIBERDADE

Ao contrário dos que se colocaram contra a posição


renovadora de Montessori (parece incrível que alguém
possa entender que a criança deva aprender à força, e
ainda por cima o que o adulto deseja que aprenda...), ela
investiu no tema “liberdade de aprender”, e esta noção
também tomou conta dos textos, artigos, livros, etc., em
toda a Europa e Estados Unidos.
Montessori mostra um caso, que parece banal,
onde essa noção de liberdade é bem tratada. Ele se refere
ao acontecido com Cândida, uma sua aluna. Eis o seu
relato:
“Cândida chegara atrasada naquele dia, quando todas
as crianças já estavam trabalhando. Quando ela
deparou com o armário dos materiais aberto, faltando
materiais, ficou muito nervosa, afirmando que as
crianças eram ladras e precisavam ser punidas. Não dei
maiores atenções à sugestão de Cândida, e tratei de
explicar-lhe que as crianças, na verdade, estavam
ávidas por começar os trabalhos e já sabiam o que
fazer, pois sabiam exatamente o que desejavam. Não
precisavam da ajuda do adulto para começar e, o que é
mais importante, tinham escolhido sozinhas os materiais
que desejavam. Em vez de serem punidas, deveriam ser,
pois, elogiadas...”
Eis a noção de liberdade para Montessori: não se
caracteriza tanto pela possibilidade de escolher o que
está à sua frente, mas sobretudo pela possibilidade de
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 43

fazer isso sem o contingenciamento do adulto.


Mas, as crianças não ficam apenas nas atividades
desenvolvidas individualmente. São centrados esforços
para que a sociabilidade entre elas estabeleça laços de
amizade profunda e sincera, que por certo durarão por
toda a vida.
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 44

OS CONTRÁRIOS

Toda a carreira de Maria Montessori foi desenvolvida


graças à sua incrível combatividade. Se hoje as coisas
que ela descobriu são tidas como “verdadeiras”, em sua
época isso não ocorria dessa forma. Logo se insurgiram
contra suas propostas pedagógicas todos aqueles que
desejavam manter, por comodismo ou outros interesses,
a educação da forma como se encontrava, e essas
pessoas se utilizavam não apenas de textos, livros,
jornais, palestras, etc., mas até indo às suas explanações
para tentar combater diretamente suas palavras, às vezes
provocando tumultos. Contudo, afortunadamente quem
estava realmente segura e sabia expor corretamente seu
pensamento em todas as conseqüências era justamente
ela.
Quando uma opositora pediu a palavra numa
palestra para dizer que “as crianças não conhecem
ordem... para elas pouco importa onde estão as coisas e
onde devem estar...”, provocou nela a seguinte resposta:
“As crianças só fazem imitar os adultos no que é
belo, justo, bom, estético, importante, etc... Se uma
criança não gosta de ordem, provavelmente no seu
mundo pessoal não existe ordem... se ela é bagunceira,
na verdade é o que seu ambiente lhe sugere, sem
adjetivação... para ela, a criança, a mais completa
desordem é a noção de ordem que tem...”
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 45

Seus adeptos riam e aplaudiam, achando que


Maria Montessori tinha “respondido à altura” . Mais do
que isso, estavam agora com mais um forte argumento
contra os que não desejavam as mudanças em educação,
proposta pela Mestra.
Mas, os adeptos não se limitaram a aplaudir.
Começaram a ser em todos os países do mundo
produzidos livros -dezenas deles- falando das virtudes
de Montessori e do Método, e quanto mais eram escritos,
mais se desejava conhecer sobre seu trabalho. Ninguém
poderia segurar os passos iniciais da grande Educadora.
Gerhards, K,, assim se expressa em UM
TRIBUTO À EDUCAÇÃO MONTESSORIANA:
“Montessori (...) tem como objetivo criar ao redor da
criança um mundo real e sensível e fazê-lo de forma que
ele possa agir e trabalhar nesse mundo
independentemente do adulto (...) executando atividades
de verdade com responsabilidades de verdade. Em
suma, a criança será capaz de tomar parte do mundo
com tanta autenticidade e seriedade quanto o adulto”
Muitos dos críticos de Montessori, não
encontrando argumentos em que pudessem sustentar
suas críticas, passaram a “apelar” no sentido de retirar-
lhe a credibilidade: invertiam suas palavras, colocavam
em sua boca coisas que nunca dissera, etc. Procurava-se
atingir a obra indiretamente.
Inspirados no fato de que ela vivia lhes pedindo
“provas” das coisas que diziam ser as crianças (e nunca
tinham prova alguma...), passaram a usar as mesmas
táticas: tudo o que Maria afirmava, antes mesmo de
acabar de fazê-lo, já alguém estava lhe pedindo as
“provas” da afirmação. Alguns, mais afoitos, queriam
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 46

que ela apresentasse “provas” das coisas que outros


haviam inventado a seu respeito...
Uma das afirmações que ela havia feito, era de
que “as crianças gostam muito do silêncio...”, coisa que
os críticos contumazes já haviam transformado em:
“Montessori não deixa as crianças falarem... devem
ficar sentadas, quietas, para não serem castigadas...”.
Argumentavam: bastaria uma simples visita a um
playground para se ver que Maria estava errada. O que
se via nesses locais, nas festinhas de aniversários, etc.,
estava longe de serem crianças silenciosas, ordeiras, que
gostam de silêncio...
E ela lhes apresentava todas as
“provas” que lhe pediam, através de casos narrados com
incrível colorido:
“Certo dia, na Case dei Bambini, estávamos
recebendo uma criança de 4 meses. Chamei a atenção
das demais para como o bebê estava quieto, brincando,
e disse que nenhuma delas conseguiria ficar tão quieta
assim. Mas todas tentaram, e logo a sala ficou em
absoluto silêncio. As crianças ficaram sentadas,
imóveis, aprendendo a controlar a respiração. Todos os
rostos assumiram o aspecto calmo e sereno de uma
pessoa em meditação”.
É claro que a conclusão de Maria Montessori não
seria hoje aceita como “científica”, porém em sua época,
isso era assim considerado. Além do mais, o silêncio ali
lançado fazia parte de um jogo (imitar o bebê), e tenderia
a desaparecer por completo quando ele terminasse.
Contudo, Maria Montessori tinha razão: as crianças
agitadas só refletem as condições de agitação em que
vivem nos seus lares. Se pertencem a famílias calmas e
ajustadas, que não tentam forçar o seu desenvolvimento,
CENTRO MONTESSORI DE PESQUISAS PEDAGÓGICAS 47

também são calmas. Além do mais, Maria estava falando


de crianças calmas e não de criança imóveis...
Posteriormente Maria afirmou mais ainda sobre
esse caso, alertando que as crianças não estavam
silenciosas por ter-lhes pedido isso, mas pelo fato de que
“gostavam” de fazer silêncio.
Esse problema foi levantado contra ela até o final
da sua vida, mas não sem as respostas devidas,
engrossadas pelas milhares de discípulas em todos os
países do mundo. Ela não tinha qualquer preocupação ou
dúvida sobre esse ponto.
Verdadeira ou não a tese, Montessori
desenvolveu o “JOGO DO SILÊNCIO” em torno dessa
afirmação.
O JOGO DO SILÊNCIO é uma atividade típica das
escolas montessorianas. Nele, quando as crianças estão
trabalhando, a Mestra apanha um cartaz escrito
“SILÊNCIO” e o coloca num local apropriado. Assim
que cada criança vê o cartaz, deixa de lado seu lápis,
seus materiais, as fichas, as letras, etc., tudo com muito
silêncio (...).A calma se espalha pela classe como num
lago em que o vento parou de soprar...A Professora
fecha então as cortinas e começa a caminhar
silenciosamente para a porta, abrindo-a devagar e
saindo sem ruído, enquanto a porta fica aberta...Por
alguns instantes nada acontece, a não ser os
“sons do silêncio...” que surgem sub-repticiamente
como ratos; o estalido de uma cadeira, um trem
distante, o pipilar de um pássaro, fragmentos de
músicas. Então, uma criança se levanta. Bem devagar e
com muito cuidado, levanta sua pequena cadeira e a
recoloca no chão sem qualquer ruído. Aí, começa a
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ziguezaguear por entre as mesinhas até sair pela porta


aberta...uma a uma, a classe toda sai por ali...”
Ela gostava de exibir o Jogo do Silêncio aos seus
incrédulos visitantes, e se deliciava quando lhe
perguntavam: “como fazem as crianças para saber qual
era a sua hora de sair”, para que não houvesse
atropelos?
Então ela informava: a Mestra, depois de sair,
chamava a cada um, com “sussurro de fantasma”, pelo
nome, indicando sua vez.
Os seus críticos não lhe davam tréguas: o que
Maria chamava de “Livre Jogo do Silêncio”, era-lhes
uma demonstração de força da Professora. que as
crianças aprendiam a respeitar, exatamente como nas
escolas comuns, ou seja, provavelmente “no tapa...”.
Mas, Maria continuava a descrever as suas
observações, e a cada dia mais estas eram aceitas por
todos os que a visitavam e podiam observar “in loco”
aquilo que estava sendo afirmado. Ela não apenas falava
e descrevia: podia mostrar...
O que era diferente no processo era a forma
como Maria encarava os fatos. Para ela, as crianças
gostaram de ser calmas, pacíficas e organizadas, e pelo
menos quando essas crianças se acercavam dela, eram
realmente assim.
O fato é que nada existente no Método
Montessori havia sido ali colocado que não fosse
antecedido de observações e experimentações.
Um outro princípio da mais alta modernidade
está no fato de que Montessori não estava interessada em
que as crianças lessem ou escrevessem ao entrar na Case
dei Bambini. Seu interesse estava em que deveriam
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“ajudar a criança a se descobrir, a gerenciar seu


próprio ritmo de desenvolvimento, a investigar o mundo
que está ao seu redor, e não apenas ensinar-lhes
habilidades, por mais importantes que possam ser para
nós, os adultos..”
Como se aprendia nessa época?
Era uma tarefa penosa, que explica a razão das
pessoas agüentarem até o 1o ou 2o ano e depois
desistissem.
Eram chamadas a ler sentenças inteiras,
colocadas à frente com seus livros. Sempre que erravam
alguma letra, levavam uma reguada nas juntas dos dedos
da mão. Deveriam repetir indefinidamente as frases,
como: “o gato mata o rato”, sem saber o motivo pelo
qual tinham que fazer isso.
Copiavam letras, páginas e
páginas delas, e sempre que uma saía
feia ou errada, levava um tapa do
Professor e era obrigada a fazer tudo
novamente.
Ela não se admirava das
crianças não gostarem da escola e
perguntava: “quem já se preocupou
em mostrar-lhes que estudar é algo
que dá prazer, que ler amplia os
horizontes das pessoas?” Ela havia
sido a primeira a fazer, das
enfadonhas tarefas escolares, algo
com que as crianças se divertiam.
Essa noção da criança
gostando da Escola passou a
incorporar as lições de pedagogia apenas depois de
Montessori. Antes, era recomendada como um salutar
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meio de fazer com que as crianças aprendessem. “A


vara educa mais que cem palavras”, dizia o ditado
popular e ecoava nos ouvidos dos então “grandes”
educadores.
Só muito recentemente o castigo físico deixou de
ser um instrumento da didática e da pedagogia, embora
ainda existam escolas, especialmente em países menos
desenvolvidos e tomados por professores pouco
preparados, onde essa “solução” é aceita como válida.
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A EXPLOSÃO DA
ESCRITA

Montessori, ao contrário do que seus inimigos (inclusive


os atuais) afirmavam, era a “campeã absoluta da
liberdade”. Ela achava que a criança, no seu próprio
ritmo, da forma como ela gerenciaria seu
desenvolvimento, e quando isso devesse ocorrer
naturalmente, desejaria aprender a ler e escrever. Mais
ainda, desejaria, com todas as forças da alma, aprender
também Matemática, História Natural,...
- “Aprender matemática, gostando dela...?”
afirmaram os incrédulos e inimigos no mesmo instante.
E ela, mais uma vez, demonstrou que estava com a
razão; as crianças montessorianas, num determinado
momento, sozinhas, passavam a ler e escrever,
dedicando-se às vezes horas a fio, durante semanas e
meses, fazendo só isso, sem que ninguém pudesse
interferir. Quando resolviam lidar com números, ficavam
também dias seguidos fazendo todo tipo de operações,
algumas até complexas para a faixa etária.
Montessori achava que a criança deveria
aprender a ler para que pudesse procurar outros livros e
interesses, mas percebeu que essa procura não se
verificou nos níveis esperados, pois os livros eram
extremamente enfadonhos.
Contudo, quando se toma hoje nas mãos os livros
utilizados nas escolas dessa época, pergunta-se se
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realmente alguém poderia se interessar efetivamente por


eles.(101)
Será que, com os livros hoje existentes, cheios de
recursos ilustrativos, Maria não teria efetivamente
demonstrado o que desejava?

10
Ainda na década de 30 existia um livro didático destinado ao
antigo Grupo Escolar, chamado “Lições de Cousas”. Tivemos um
desses livros em mãos. Ali se ensinava a fazer barcos, escadas em
espiral, madeiramento de telhados, tanoaria, etc., coisas que
obviamente não poderiam ser desenvolvidas por crianças e nem
mesmo pela maioria dos adultos que se dedicam a profissões
específicas.

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