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História e Memória

A trajetória do imigrante italiano na Região Sul do Espírito Santo

Organizadores

Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty | Prisciliana Costa Ventura | Mateus Augusto Almeida Martins | Victor Silva Salaroli do Nascimento

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Organizadores

Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty


Prisciliana Costa Ventura
Mateus Augusto Almeida Martins
Victor Silva Salaroli do Nascimento

Pesquisa: Amanda Caetano de Oliveira, Ana Carolina Silva Vimercati, Ana Luiza Laurindo Campos, Davi Mariano Viana Corrêa, Helen Gomes do Nascimento,
Maínna Miranda de Azevedo, Mariana Carvalho Muniz, Mateus Augusto Almeida Martins, Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty, Prisciliana Costa Ventura,
Rafaela Bernardes Moreira, Richard Prata de Oliveira, Thayla Oliveira Santos e Victor Silva Salaroli do Nascimento.

Entrevistadores: Helen Gomes do Nascimento, Maínna Miranda de Azevedo, Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty e Prisciliana Costa Ventura.

Transcrições: Amanda Caetano de Oliveira, Ana Carolina Silva Vimercati, Ana Luiza Laurindo Campos, Helen Gomes do Nascimento, Maínna Miranda de
Azevedo, Mariana Carvalho Muniz, Rafaela Bernardes Moreira, Thayla Oliveira Santos e Victor Silva Salaroli do Nascimento.

Participação de ex-alunas que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento do projeto: Bruna Gaspar da Silva,
Izabella Obolari Peixoto Seraphini, Jocimara de Oliveira Silva, Larissa Cazadine Bebber, Maria Eduarda Soares Ferreira e Rayane Braga Osto.

A trajetória do imigrante italiano


na região sul do Espírito Santo

Vila Velha, 2017

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Conselho Editorial

Gilberto Medeiros

Andressa Zoi Nathanailidis

Flávio Marcelo Pereira

Flávio Borgneth

Guilherme de Souza Medeiros

Tarso Brennand

Vitor Cei Santos

Comitê Científico

Coordenador
Vitor Cei Santos
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Andressa Zoi Nathanailidis


Universidade Vila Velha (UVV)

André Tessaro Pelinser


Universidade de Caxias do Sul (UCS)

David G. Borges
Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Paulo Edgar R. Resende


Universidade Vila Velha (UVV)

Sérgio da Fonseca Amaral


Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

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© 2018

É livre a utilização, duplicação, reprodução e distribuição desta edição, no todo ou em parte, por todo aquele que desejar,
bastando citar a fonte. Comercialização proibida.

Diagramação: Tarso Brennand

Capa: Tarso Brennand e Giba

Edição: Gilberto Medeiros

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twitter: @praiaeditora

Ficha Catalográfica

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CARTA DO EDITOR

Com o recente reconhecimento de que o Espírito


Santo é o primeiro Estado brasileiro a receber imigrantes ital-
ianos, ganhou força a linha de estudos históricos que apuram
as experiências das primeiras gerações que aqui aportaram,
a bordo do navio Rivadávia, em 31 de maio de 1875, para
construir uma nova vida longe da Itália. Para colaborar com
a investigação acerca da participação latina na construção do
povo brasileiro, a Praia Editora prepara novos lançamentos
de autores que tornaram seu o ofício de estudar a História.
Foi o que fizeram os autores deste História e Memória: a tra-
jetória do imigrante italiano na Região Sul do Espírito Santo.
A partir de sua pesquisa e de entrevistas, os autores nos con-
tam histórias que ajudam a compreender também um pouco
de nós mesmos, tal é a participação dos descendentes de
italianos em nossas vidas, influenciando nossa cultura e cos-
tumes.

Nosso décimo livro chega a você por meio do modelo


de distribuição adotado pela Praia Editora, que é baseado no
conceito simbolizado pela hashtag #DownloadLivre. Não co-
bramos pelo download de cópias de nossos e-books. Por isso,
utilizamos “livre” em vez de “grátis”, pois o conceito vai além
de abrir mão do dinheiro como forma de pagamento: também
não exigimos cadastro e não chupamos dados e metadados
enquanto o leitor baixa da internet cópias dos livros de nosso
catálogo.

Juntos, os demais lançamentos da Praia Editora ul-


trapassaram 50 mil downloads livres. Todos os livros estão
disponíveis no blog da editora, que pode ser acessado em
www.praiaeditora.blogspot.com.br.

E que venham novos autores e novos leitores!

Gilberto Medeiros, Editor

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APRESENTAÇÃO

Como fruto da pesquisa realizada pelos membros do


Programa de Iniciação Científica Júnior História e memória
coletiva nos municípios de Alegre e Guaçuí: o resgate da
cultura italiana pela nova geração de estudantes alegrenses
fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação
do Espírito Santo que apresentamos a você, caro leitor
capixaba, um pouco de nossa história local.

Por sabermos que em nosso Estado houve a criação


de diversas colônias de imigrantes italianos e que, devido a
esse fato, o Estado do Espírito Santo foi e continua sendo um
lugar muito importante de preservação da cultura italiana é
que, a partir desse projeto de pesquisa buscamos trazer à luz
aspectos sobre a imigração italiana na região sul capixaba,
tendo como enfoque de nosso estudo as cidades de Alegre
e Guaçuí.

Na investigação acerca dos italianos que se


instalaram em nossa região, suas trajetórias e cultura,
realizamos entrevistas com seus descentes para que, a partir
de seus relatos pudéssemos preencher algumas lacunas
acerca da nossa história, bem como pudéssemos tentar
reconstruir a partir das memórias individuais, uma memória
coletiva.

Desse modo, é com grande satisfação que nós,


membros do Programa de Iniciação Científica Júnior
apresentamos como resultado de nosso projeto aspectos da
nossa história local, cujo interesse e valorização pela cultura e
pelo povo italiano foram nossos pilares ao longo deste estudo.

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INTRODUÇÃO

Antes de começar a leitura deste livreto, lhes fazemos a


seguinte pergunta, prezado leitor: Para que serve a memória?

Sabemos que foi uma pergunta retórica, pois não estaremos


ao seu lado quando você estiver lendo. Mas de qualquer forma,
esperamos que ao se deparar com essa pergunta você, nosso caro
leitor, possa refletir um pouco sobre essa indagação. Falamos isso,
porque é muito comum ouvirmos e lermos a partir dos diversos meios
de comunicação que “o brasileiro não tem memória” ou “o brasileiro
tem memória curta”. E é com base nesse ponto que tentaremos
explicar o porquê de fazermos sempre uso de nossa memória de forma
consciente e reflexiva.

No ano de 2015, ao conversar com um colega de trabalho


sobre história local, falamos a respeito da significativa presença de
descendentes de imigrantes italianos na região e foi, a partir dessa
conversa que resolvi me inscrever para o Programa de Iniciação
Científica Jr. fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e
Inovação do Espírito Santo (FAPES), cuja valorização e incentivo à
pesquisa são extremamente significativos para o trabalho científico,
mas especialmente para que aquele aluno/a de ensino fundamental
e médio da rede pública possa exercer também sua cidadania ao
trabalhar em equipe, ao lidar com o diferente, com o desconhecido e
se solidarizar.

Desse modo, ao perceber que de fato, sempre temos um


conhecido ou amigo cujo sobrenome é italiano, pude identificar como
nossa região é permeada por esses descendentes e foi, a partir daí,
que resolvi criar um projeto com intuito de conhecer um pouco mais
sobre esse povo cuja presença se faz tão importante em nosso Estado
e em nossa região. Um outro aspecto interessante e que instigou nossa
pesquisa ao longo de nosso projeto, foi que, mesmo ao constatarmos
que as cidades de Alegre e Guaçuí não foram criadas com objetivo de
serem colônias para esses imigrantes italianos, entretanto, sua presença
se fez e faz notória, conferindo traços de seu povo em nossa localidade.

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Por tratarmos de um projeto de história é que se torna
imprescindível o desenvolvimento da memória, visto que, nós,
membros deste projeto acreditamos que história e memória devem
andar de mãos dadas e que, ambas são de suma relevância para
compreendermos nosso passado, mas especialmente nosso presente.
Nesse sentido, ao investigarmos sobre um tema que tem como foco
o estudo referente ao imigrante italiano e seus descendentes (e que
estes podem ser meus vizinhos ou seus), que descortinamos uma
série de questões que nos sãos caras para o conhecimento da história
nacional, mas especialmente para a nossa história local, uma vez que
visamos o resgate da memória desses descendentes.

Dessa forma, ressaltamos que, a tentativa de construirmos


uma história local, especialmente dos Municípios de Alegre e Guaçuí,
não foi uma tarefa fácil, mas que, a partir do levantamento de fontes
cartoriais, de jornais e especialmente através das entrevistas feitas com
esses descendentes é que podemos trazer à luz aspectos interessantes
de nossa história e para tanto, ao longo deste trabalho buscamos
enfatizar alguns temas cuja compreensão se fazem necessário. Assim,
serão discutidos aspectos sobre: escravidão, o contexto europeu e o
processo de imigração, a imigração local e a importância da relação
entre história e memória

Dessa maneira, após dois anos de pesquisa no qual o


trabalho em equipe foi fundamental, gostaríamos mais uma vez de
agradecer o incentivo e parceria do Instituto Histórico e Geográfico de
Alegre, a boa vontade e gentileza de nossos entrevistados, pois para
nós, representam os agentes que nos possibilitaram a construção de
nossa história, bem como agradecemos imensamente as instituições
envolvidas na realização deste estudo: a Escola Estadual de Ensino
Fundamental e Médio Aristeu Aguiar (Instituição em que nossos alunos
cursam o ensino fundamental e médio), a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Alegre, ao Cartório Márcio Valory de Alegre,
ao Memorial (colocar nome), à Fundação de Amparo à Pesquisa e
Inovação do Espírito Santo por incentivar e proporcionar a realização
deste trabalho e por fim, agradecemos aos membros deste projeto:
àqueles que participaram e não puderam continuar, mas especialmente
agradecemos a cada um dos membros de nossa equipe que permitiram
a finalização desta pesquisa, pois sem vocês, sem a perseverança,
sem o trabalho em grupo nada disso seria possível.
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SUMÁRIO

CARTA DO EDITOR

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

1 CATIVEIRO E LIBERDADE: A ESCRAVIDÃO E A


SUBSTITUIÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA PARA O
TRABALHO LIVRE

2 DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO: O CONTEXTO


EUROPEU E A IMIGRAÇÃO ITALIANA PARA O BRASIL

3 IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO: UM DESTAQUE


PARA A REGIÃO SUL – ALEGRE E GUAÇUÍ

4 HISTÓRIA E MEMÓRIA: CONSTRUÇÕES


COTIDIANAS

5 REFERÊNCIAS

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1. CATIVEIRO E LIBERDADE: A ESCRAVIDÃO E A
SUBSTITUIÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA
PARA O TRABALHO LIVRE1

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esse modo, a análise de Ricardo Salles acerca da
escravidão torna-se bastante reveladora quando nos
questionamos sobre aquela instituição: “a escravidão
era considerada como uma peça necessária, ao mesmo tempo,
incômoda e isolada da sociedade imperial. Algo como uma
caixa de gordura em uma casa: até que apresente problemas,
é ela parte da qual frequentemente nos esquecemos (SALLES,
2013, p. 115)”. Assim, tomamos como ponto de partida a frase
de Salles, pois de fato, a escravidão era algo tido como um
“mal necessário”, mas que, devido às pressões externas e a
uma série de questões internas, a instituição escravista viu
seus pilares se desmoronando especialmente a partir da
segunda metade do século XIX.

Como já dito, o governo nacional sofreu diversas


pressões externas, especialmente feitas por parte da
Inglaterra desde o início do século XIX, quando este país fez
com que o Estado Brasileiro assinasse diversos tratados que
visavam gradativamente a abolição da escravatura. Desse
modo, devido às interferências externas, o monarca brasileiro
negociou e concordou em realizar tais tratados que almejavam
o fim do tráfico negreiro entre os anos de 1810 a 1826, não
sem antes relutar (CONRAD, 1978, p. 31).

A evidência de que esses tratados não eram postos


em prática por conta do governo brasileiro foi que em 1831 foi
criada a Lei Feijó, cujo propósito era que “todos escravos, que
entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam

1 Este tópico referente à escravidão é um desdobramento


da dissertação de Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty intitulada:
O movimento emancipacionista na perspectiva das elites políticas na
Província do Espírito Santo, 1869-1888, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História Política da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, 2014.
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livre”2. Porém, apesar de todo o controle, vigilância e da lei recém-
criada, não houve a diminuição do tráfico transatlântico. Pelo contrário,
houve uma escravização de africanos em massa, especialmente entre
os anos de 1835 a 1850, cujo período acabou sendo denominado
como uma “segunda escravidão” (MARQUESE , 2013, p.56).

Em consequência dessa questão, ou seja, pelo não


cumprimento efetivo da lei de 1831, o governo brasileiro continuou
sofrendo diversas pressões que culminaram com mais uma elaboração
de lei: a Eusébio de Queiroz que, pretendia a repressão do tráfico de
africanos no Império, estabelecendo que:

A embarcações brasileiras encontradas


em qualquer parte, e as estrangeiras
encontradas nos portos, enseadas,
ancoradouros, ou mares territoriais do
Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja
importação é proibida pela Lei de sete
de Novembro de mil oitocentos e trinta
e um, ou havendo-os desembarcado,
serão apreendidas pelas Autoridades,
ou pelos Navios de guerra brasileiros, e
consideradas importadoras de escravos.3

A aprovação dessa lei nos revela que, pelo menos um dos


sustentáculos da instituição escravista, que era o tráfico negreiro,
acabou por ruir. Mas, a abolição do tráfico não necessariamente
significava acabar de vez com a escravidão brasileira naquele
momento. E como nos é sabido, o cativeiro teve vida por mais trinta e
oito anos após a lei Eusébio de Queiroz, para que assim, houvesse a
abolição total com a Lei Áurea.

Como consequência imediata da lei do fim do tráfico, políticos


e fazendeiros se preocupavam cada vez mais com o problema da
2 Essa lei fazia algumas exceções como por exemplo em relação
ao escravo que fugisse, dentre outras. Coleção Leis do Império do Brasil de
1871, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_
sn/1824-1899/lei-37659-7-novembro-1831-564776-publicacaooriginal-88704-
pl.html. Acessado em 4 de outubro de 2017.
3 Coleção Leis do Império do Brasil de 1871, Rio de Janeiro.
Disponível em: http://www.camara.leg.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/
Legislacao/Legimp-36_23.pdf#page=6. Acessado em: 4 de outubro de 2017
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questão servil no Brasil. Ao buscarem remediar tal problemática,
algumas saídas para que se substituísse a mão-de-obra escrava para
o trabalho livre foram apontadas sem que houvesse grandes prejuízos
para a economia brasileira, embora, ao longo da década de 1860, a
grande lavoura já apresentava sinais de crise no que tangia à mão-de-
obra cativa. Nesse sentido, como forma de se reparar esse problema,
uma das propostas levantadas foi a vinda de imigrantes cujo papel
seria não apenas trabalhar na lavoura, mas colonizar e também
embranquecer o país (no caso dos europeus).

Como já dito, a vinda de imigrantes foi uma medida em


que muitos latifundiários e políticos concordavam. Todavia, um dos
grandes problemas a ser resolvido era: que tipo de imigrante trazer
para o Brasil? Nesse aspecto, também foram sugeridas diversas
nacionalidades, como: os estadunidenses, os chins (asiáticos) e
indianos. Como já ressaltamos, o problema servil na grande lavoura
apresentava sinais de crise na década de 1860 e foi, especialmente no
ano de 1866 que o Governo Imperial e os Estados Unidos celebraram
o transporte de imigrantes dos EUA para o Brasil (SILVA, 1986, p.
25) como possibilidade de solução para o trabalho livre. E, essa
parceria entre o governo brasileiro com o governo norte americano
foi executada sob a chefia de Quintino Bocaiúva quando este era
agente de imigração do país. Porém, essa parceria não ocorreu sem
que o governo estadunidense4 tivesse as devidas respostas acerca
das condições em que seus compatriotas seriam submetidos em
solo brasileiro e mesmo com essa colaboração entre ambos países,
o problema de mão-de-obra permanecia evidente, o que fez com
que o Império brasileiro deslocasse o olhar para imigração europeia,
especialmente.

Nesse sentido, em relação a esse tipo de imigração, o Governo


Imperial Brasileiro almejava uma política de criação de núcleos de coloniais cujo
intuito era o enriquecimento e civilização através da fundação de comunidades
independentes, com acesso às terras e mercados, mas que, na realidade, a
4 Em 1867 foi enviado um manuscrito dos Estados Unidos da
América aos Presidentes de província do Império Brasileiro pelo agente
Quintino Bocaiúva. Nesse manuscrito, o governo dos Estados Unidos
buscava esclarecer as condições em que seus cidadãos seriam submetidos
ao chegarem em terras brasileiras. Ver esse documento em: SILVA, Eduardo
(Org.). Ideias Políticas de Quintino Bocaiúva. Cronologia, introdução, notas
bibliográficas e textos selecionados. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1986.
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criação dessas comunidades não prosperaram, pois a organização econômica
e social do Brasil excluía esse desenvolvimento por se basear no sistema de
latifúndios (CONRAD, 1978, p. 48). Além disso, a vinda desses imigrantes
não modificaria apenas uma estrutura escravista consolidada, mas também
transformaria algo profundamente complexo, como as relações entre trabalhador
e latifundiário. E, nesse sentido, o imigrante europeu não se sujeitaria às relações
de trabalho análogas às da escravidão. Desse modo, como resultado dessa
questão, “a imigração também não constituiu uma solução para o problema da
mão-de-obra até que a crise do final da década de 1880 forçou os fazendeiros a
tomarem medidas de emergência para aumentar o fluxo dos europeus para as
fazendas produtoras de café (CONRAD, 1978, p. 49)”.

Como percebemos, a discussão em torno da escravidão e da


substituição do trabalho escravo para o livre foi algo que permeou os ditames
políticos e econômicos da época, o que provocou intensos debates por políticos
e por latifundiários. Além disso, outro fator que contribuirá de forma decisiva
para que de fato se encontrasse uma solução para tamanho problema foi
a promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871. Esta lei efetivada em 28 de
setembro daquele ano tornava livre todos os filhos de escravas nascidos a partir
daquela data. Ou seja, esse foi o golpe derradeiro apontando que, a partir de
1871, não nasceriam mais escravos no Brasil. Assim, a efetivação da lei do
Ventre Livre posteriormente criada à lei Eusébio de Queiroz deixava claro que,
o fim da escravidão estaria próximo, dado que, já não era permitido o tráfico
transatlântico de escravos e que a partir de 1871, os filhos de escrava
nasceriam livres. Entretanto, apesar da lei de 1871, a instituição
escravista não teve e não teria seus dias contados de imediato, pois a
lei do Ventre Livre, apesar de conferir a liberdade do recém-nascido,
era permeada por ambiguidades. Estas ficavam evidenciadas pois,
a referida lei possibilitava que o escravo adquirisse uma reserva em
dinheiro mediante suas economias obtidas por seu trabalho, mas
desde que houvesse consentimento do senhor. Além dessa questão,
a lei ainda permitia que, o senhor poderia optar por receber uma
indenização do Estado quando essa criança completasse oito anos
de idade, se isentando de qualquer responsabilidade, ou poderia
escolher fazer uso do serviço dessa criança até que esta completasse
vinte e um anos de idade.5

5 Coleção Leis do Império do Brasil de 1871, Rio de Janeiro. Disponível


em: http://www.camara.leg.br/internet/infdoc/conteudo/colecoes/legislacao/
legimpcd-06/leis1871/pdf17.pdf#page=6. Acessado em: 4 de outubro de 2017.
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Como já dito, apesar da nova lei começar a minar o edifício
da instituição escravista libertando os filhos das escravas, esses
senhores poderiam se utilizar da mão-de-obra dessas crianças até
os vinte e um anos, ou seja, em tese, o sistema escravista estaria
assegurado pelo menos até o ano de 1892. Mas como já apontado,
questões externas e especialmente internas fizeram com que a
escravidão fosse extinta em 1888. E, apesar dos políticos da época
tentarem adiar o fim do cativeiro, ficava cada vez mais evidente a
necessidade de se substituir o trabalho escravo para o trabalho livre,
tendo como solução mais eficaz a imigração.

No que tange a essa questão, foi realizado no ano de 1878 o


Congresso Agrícola no Rio de Janeiro cujo intento era propor medidas
que acalmassem a inquietação por parte dos políticos e latifundiários
frente à lavoura. Nesse sentido, o então Ministro da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, senhor João Lins Vieira Cansansão de
Sinimbu (chefe do partido Liberal e presidente do Clube da Reforma)
convocou lavradores nacionais para compor o debate realizado pelo
Congresso Agrícola do Rio de Janeiro. Desse modo, a configuração
dos latifundiários convocados por província foi:

Assinaram o livro de Inscreveram-se sem


Total
presença do Congresso assinalar o livro

ES 5 2 7
MG 57 18 75
SP 66 34 100
RJ 141 59 200
Município
7 4 11
Neutro
Sem
2 4 6
informação

⃰ Dados retirados da introdução José Murilo de Carvalho In: RIO DE


JANEIRO, Anais do Congresso Agrícola, 1878. Edição fac-similar.
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.

Dentre as diversas temáticas abordadas (crédito, instrução,


força de trabalho) a principal era referente à substituição do trabalho
escravo para o livre e como já dito, foi levantada a possibilidade de

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se fazer uso do trabalho asiático nas lavouras. Entretanto, a maneira
de se proceder a essa substituição, causava discordâncias entre os
proprietários de terras. A maioria acreditava que a importação de
asiáticos poderia ser solução provisória, mas, vários atacavam a
medida, baseados em preconceitos raciais até mais fortes do que
contra africanos, pois diziam que aqueles eram corrompidos pelo ópio
(CARVALHO, 1988, p. vii).

Acerca desse problema, ficava evidente que a maior urgência


era adquirir um novo tipo de mão-de-obra para a lavoura que já sofria
consequências devido à escassez de trabalhadores. Assim, o lavrador
Sr. José Cesário de Miranda Monteiro de Barros (de Cachoeiro de
Itapemirim) representando a Província do Espírito Santo, pediu a
palavra alegando que:

a primeira necessidade real é a de braços,


porque o fornecimento de capitais, por si
só, não salvaria a lavoura da crise que
ela atravessa e que terá de perdurar
nestes próximos anos. O fornecimento de
capitais em abundância, a juro barato e a
largo prazo, poderia dar lugar ao abuso
do crédito e daí provir ruína maior, senão
total, da grande maioria dos lavradores
do país. 6

Nesse sentido, aquele lavrador pediu novamente a palavra e


apresentou um projeto almejando:

Que a primeira necessidade da lavoura


é a aquisição de trabalhadores livres
mediante salários módicos, e de
trabalhadores que se habituem ao nosso
clima, e ao sistema de cultura extensiva,
que em geral e por muitos anos [será]
quase a única do Brasil; para cujo fim
de modo algum se poderá contar por
enquanto com os europeus, devendo-

6 Anais do Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, 1878, p. 130.

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se antes preferir, como um meio de
transição entre o trabalho servil e o de
todo livre, a aquisição de trabalhadores
de outros povos de raça ou civilização
inferior à nossa própria.7

Tal projeto nos aponta a urgência em se resolver a questão


do braço trabalhador, não conferindo tanta importância para o tipo
de nacionalidade, desde que os empregados recebessem baixo
salário e se acostumassem ao nosso clima. Para além disso, o
citado lavrador do Espírito Santo ainda advertia que infelizmente não
poderíamos contar com os imigrantes europeus naquele momento.
Em contrapartida, outro lavrador representante de São Mateus, região
norte da Província do espírito Santo, o senhor Francisco Antonio da
Motta alegava que em relação a mão-de-obra de chinesa, se fazia
contrário à colonização de chins ao Brasil.8

Como já ressaltado, o tipo de mão-de-obra a ser empregada


dividiu opiniões entre latifundiários e políticos. Todavia, o que se sabia
era que deveria ser feita uma mudança do tipo de trabalhador utilizado
na grande lavoura e que tal medida deveria ser urgente, pois como já
exposto, as leis progressivas para o fim da escravidão evidenciavam
que o fim estava próximo e que a grande preocupação residia em
fatores econômicos, para que assim, a lavoura não sofresse profundos
abalos.

A vista disso, especialmente por questões internas, a


escravidão estava perdendo sua força e particularmente ao longo
da década de 1870 o movimento imigrantista se fez presente não
apenas a nível nacional, mas a nível local, como por exemplo, na
Província do Espírito Santo. Porém, esse movimento vai se fazer
singularmente mais forte ao longo da década de 1880 quando não
apenas o movimento abolicionista nacional e local ganhará mais
força, mas também quando associações de imigração se fizeram mais
presentes no Brasil e no Espírito Santo. Desse modo, os deputados
da citada Província parabenizaram no ano de 1884 a instauração da
Sociedade Central de Imigração, congratulando-a pelos esforços que
7 Anais do Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, 1878, p. 130.
8 Anais do Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, 1878, p. 192.

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estavam sendo empregados para o estabelecimento de europeus no
Brasil. Assim, declarou que a “[...] Assembleia espera na atual sessão
tomar medidas que auxiliem os elevados e patrióticos intuitos daquela
benemérita associação, afim de que sejam convenientemente
recebidos os imigrantes[...].”9

Paralelo ao incentivo à vinda de imigrantes europeus, o


movimento abolicionista se fazia cada vez mais presente e mais
forte. Não apenas no âmbito nacional, mas em âmbito local. Diversos
jornais da capital da Província do Espírito Santo evidenciavam que
a escravidão chegaria ao fim em breve, uma vez que, em 1884, a
Província do Ceará havia abolido a escravidão quatro anos antes da
promulgação da Lei Áurea e além disso, mais uma lei foi assinada em
1885 cujo objetivo era a libertação de escravos a partir de sessenta
anos de idade. Nesse sentido, tal lei, embora possa ser considerada
injusta, visto que, libertava uma pessoa que já dispendeu praticamente
toda sua força e vigor durante os anos de cativeiro, sacramentou o fim
da instituição escravista, pois essa nova norma fez parte de um corpo
legal que minou as possíveis formas de se manter a escravidão no
Brasil por muito tempo.

Dessa forma, o contexto nacional a partir da criação dessas


leis emancipacionistas graduais juntamente com o recrudescimento
do movimento abolicionista e a partir da criação de sociedades
de imigração fizeram com que, ao longo da década de 1870, mas
especialmente durante a década de 1880, diversos grupos de
libertação, inclusive os próprios senhores de escravos contribuíssem
para a alforria de escravos. Tanto que, a partir do início de 1888,
alguns senhores de escravos das localidades do sul do Espírito
Santo, especialmente de São Miguel do Veado (Guaçuí) buscaram se
antecipar e alforriaram seus escravos incondicionalmente (MARTINS,
2002, p. 219).

Assim, o senhor Francisco Ourique de Aguiar, fazendeiro na


Freguesia de São Miguel do Veado “declarou libertos sem condição
alguma a todos os seus escravos em número muito superior a cem
(100) tendo anteriormente conferido muitas cartas de liberdade a

9 Anais da Assembleia Legislativa da Província do Espírito Santo,


1884.

21

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outros seus escravizados que não fazem parte deste grupo”.10Ainda
sobre a libertação de escravos na Freguesia do Veado, foi publicada
uma matéria em abril de 1888 no jornal O Cachoeirano na qual foram
congratulados “dois distintos cavalheiros”, os senhores Francisco
Ourique de Aguiar, “que só ele libertou perto de duzentos escravos”
e o senhor José Domingos Viana, ex escrivão daquela freguesia por
terem libertado seus cativos. Desse modo, o autor da matéria ressaltou
parabenizou os referidos senhores da seguinte forma: “Louvores, mil
louvores aos habitantes da freguesia do Veado. Vai pois a freguesia
do Veado ser a primeira na Província do Estpírito Santo a [eigná] o
diadema da redenção dos cativos”.11

A partir de tal situação, ficava evidente que o término de


uma instituição que perdurou no Brasil por quase quatro séculos
chegaria ao fim em breve e que após um longo período de escravidão,
permeado por contradições e injustiças que em maio de 1888 o jugo
do cativeiro foi extirpado no Brasil mediante a assinatura da Lei Áurea
e que, mais uma vez, após mais de cem anos de sua promulgação
nos questionamos em relação à sua eficácia devido aos resquícios
da escravidão que infelizmente ainda se fazem presentes em nossa
sociedade.

10 O Cachoeirano, Abril de 1888, Edição 000015, p. 2.


11 O Cachoeirano, Abril de 1888, Edição 00016, p. 2.
22

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2. DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO: O CONTEXTO
EUROPEU E A IMIGRAÇÃO ITALIANA PARA O BRASIL

A “
partir da segunda metade do século XIX, países como a Eu nasci em Alegre. Pelo que eles contavam (meus
Alemanha, a França e a Áustria haviam se unido à Bélgica familiares), eles embarcaram em Gênova na Itália.
e a Inglaterra no conjunto de nações industrializadas
Os navios eram a vapor e as viagens eram complica-
(HOBSBAWM, 1988, pp. 7-8). Em consequência disso, a jovem
das. Foi uma viagem bem lenta e eles vieram para
Itália, finalmente unificada em 1860, passou por um processo
o Porto do Rio de Janeiro, outros pelo Porto de
de desestruturação socioeconômica e tornou-se uma espécie
de periferia destes países (RÉMOND, 1997, pp. 151-154). De Santos em São Paulo, e de lá tinham uns agentes
acordo com o historiador inglês Eric Hobsbawm (1979, p. 203), que ficavam negociando a ida dessas famílias para
movimentos populacionais e industrialização andam juntos, já que o interior do país para desenvolver a agricultura,
o desenvolvimento econômico moderno do mundo pede mudanças mesmo porque era um período que tinha acaba-
substanciais junto aos povos e, por outro lado, facilita tais articulações do a escravidão no país, quando aconteceu essa
tornando-os tecnicamente baratos e mais simples através de grande leva de imigrantes, não só italianos,
comunicações novas e melhores, assim como evidentemente permite
como de outras raças também.”
ao planeta manter uma população bem maior.

Nesse contexto de industrialização, o contingente de seres


humanos que seguiram da Europa para outros continentes, entre os Vicente de Paula Albani
séculos XIX e início do XX, foi responsável por uma das mudanças mais
drásticas de todos os tempos: aumento dos habitantes das Américas
de cerca de 30 a quase 160 milhões entre 1800 e 1900 (RÉMOND,


1997, p. 95). Na visão do historiador Sérgio P. de Paula (2013, p. 34),
Albani, por exemplo, italiano
a emigração massiva aliviou a pressão social interna na Europa e,
que termina com ‘i’ ou com ‘e’
de certa forma, resolveu uma crise antes que ela se tornasse uma
é plural, ou seja, significa que eu
revolução. Nesse sentido, o impacto das transformações políticas
e socioeconômicas deteriorou rapidamente a vida rural, levando sou dos Albanes, filho de Albanes.
à subnutrição e tornando uma grande parcela da população mais Albani poderia ser da Albania ou
susceptível as doenças. Dessa forma, Celso Furtado (2008, p. 187) poderiam ser povos que atraves-
afirma, por exemplo, que “(...) a pressão sobre à terra, do excedente saram o canal e foram para a Itália,
de população agrícola, fez crescer a intranquilidade social”. Assim, povos vindos de outras regiões, não
as ações do governo imperial brasileiro para alavancar a imigração sei te dizer ao certo.”
e aliciar imigrantes, só obtiveram sucesso graças às transformações
ocorridas no Velho Mundo.

Nesse contexto, o centro capitalista europeu demandava dos


continentes americanos uma produção agrícola cada vez maior para

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“ Eu cheguei a fazer no papel do jeito que
estou te falando aqui, mas não fiz dentro
da técnica, mesmo porque fiz apenas dentro
saciar a fome das populações expulsas do processo de racionalização
dos campos, e para fornecer matérias-primas a serem trabalhadas
em sua indústria (HOBSBAWM, 1988, p. 50). De acordo com o
dos documentos aqui no Brasil, em Alegre, sociólogo italiano Renzo Grosselli (2008, pp. 41-42), demandava
também a lógica capitalista, novos espaços para onde expedir a mão
que foram as certidões de casamento e óbito
de obra excedente, que ameaçava tornar-se a origem de deflagrações
deles, e eu consegui chegar apenas até meus
revolucionárias, como acontecera em 1848, durante a Primavera dos
bisavós. Tenho um fato que meu pai con-
Povos, e em 1870, na Comuna de Paris. E o círculo se fechava cada
tava que quando eles vieram da Itália, eles vez mais: aquela mesma gente, expulsa da Europa, constituiria, mais
embarcaram no Porto de Gênova. O agente tarde, um mercado de escape para a exuberante produção industrial
prometeu que quando eles chegassem aqui europeia (HOBSBAWM, 1979, p. 150).
no Brasil, eles encontrariam todos no mesmo
porto e separou eles em navios diferentes. Só Dentro do campo acadêmico, durante a primeira metade
que quando chegou aqui, eles não se encon- do século XX, operou-se uma teoria reducionista para tentar explicar
o fenômeno migratório maciço do século XIX e de parte do XX na
traram porque, uns desceram no Porto de
Europa (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 158). De modo geral, a
Santos e outros no Rio e naquela época não
emigração se explicaria, de acordo com esses estudos, a partir da
havia comunicação fácil e acabou que eles
relação entre população e recursos, tanto na Europa como na Itália.
nunca mais se encontraram. ” Para René Rémond (1997, pp. 152-153), realmente existe um nexo
direto entre crescimento demográfico e emigração: entre 1815 e
Vicente de Paula Albani
1914, por exemplo, a população da Europa praticamente dobrou.
Em 1800, ela era calculada em 187 milhões; em 1900, ultrapassa
os 400 milhões, tendo aumentado de 214 milhões numa centena de
anos. No entanto, alerta o historiador francês, dados demográficos
mais acurados indicam uma correlação e não uma relação de causa
e efeito entre os dois fenômenos. Em outras palavras, tais cifras não
exprimem senão uma parte do fenômeno.

Acerca dessa questão, geralmente as migrações produzem


importantes transformações na estrutura demográfica, social,
econômica e cultural das regiões interligadas pelo movimento. Assim,
o século XIX, sobretudo na sua segunda metade, caracterizou-se
por uma transferência de grandes contingentes populacionais entre
regiões cujos contextos apresentavam muitas diferenças quanto ao
estágio de desenvolvimento e à evolução demográfica. Destarte, por
um lado, a Europa passava por uma fase de excedente de mão de
obra, de novas relações sobre a utilização da terra, dos serviços e das
ofertas de emprego, principalmente daqueles pouco especializados.
Por outro lado, o continente americano buscava meios de atrair

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recursos humanos para povoar os imensos vazios demográficos e
produzir riquezas (DE PAULA, 2013, p. 34).

A esta altura, insere-se uma nova questão, que distingue


este processo tanto no tempo quanto no espaço: o novo sistema de
produção capitalista, que simplesmente revolucionou as relações
sociais e econômicas consolidadas há séculos. Para Grosselli (2008,
p. 43), este sistema introduziu, no equilíbrio entre homem, sociedade
e território, germes que o desarticulavam. Desse modo, surgiam novas
necessidades, novos ideais, um novo modo de viver e de relacionar-
se com a sociedade, a natureza e a divindade.

Nesse sentido, mutatis mutandis12, o século XIX foi uma


gigantesca máquina para elevar os homens do campo. A maioria
deles foi para as cidades, ou, a qualquer preço, para fora do ambiente
tradicional rural, em busca do melhor caminho que pudessem
encontrar em mundos estranhos, assustadores, mas sobretudo
promissores, onde se dizia que o pavimento das cidades era feito de
ouro, embora alguns emigrantes não encontrassem mais que algum
cobre (HOBSBAWM, 1979, p. 205). Para Hobsbawm (1979, p. 212),
o capitalismo industrial produziu duas novas formas de viagens de
prazer: “(...) turismo e viagens de verão para a burguesia, e pequenas
excursões mecanizadas para as massas”. Ambas eram os resultados
diretos da aplicação do vapor no transporte, já que pela primeira vez
na história, viagens regulares e seguras eram possíveis para grandes
quantidades de pessoas e bagagem, e por qualquer terreno ou mar.

O grosso da emigração europeia,


portanto, será constituído principalmente
de camponeses sem terra, de operários
sem trabalho, de burgueses arruinados.
As grandes levas de emigração
coincidem com as crises econômicas
que atingem a Europa: os países que
contribuem mais substancialmente para
esse movimento de emigração são os
mais atingidos pela falta de trabalho e
pela miséria (RÉMOND, 1997, p. 153).

12 Feitas as mudanças necessárias ou convenientes; mudando o que


deve ser mudado; com as substituições necessárias. Disponível em: www.
definitions.com/mutatis-mutandis. Acesso em: 22 de outubro de 2017.
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Uma nova cultura avançava juntamente com um novo modo
de produção, e agonizavam a cultura camponesa e aquele mundo
feudal que havia sido definitivamente abatido pela revolução industrial
inglesa, no campo econômico, e pela Revolução Francesa, no campo
político-ideológico (HOBSBAWM, 1988, pp. 3-4). Em virtude disso,
cerca de 8 milhões de pessoas, principalmente espanhóis, italianos
e alemães dirigiram-se para a América do Sul (GROSSELLI, 2008,
p. 43). Na Itália, por exemplo, mesmo na zona rural, penetraram os
germes do “novo”, e não poderia ser de outra forma:

Apesar de seu isolamento, também


devido a uma conformação particular do
território, e de seu rígido conservadorismo,
a comunidade camponesa italiana
apercebeu-se do que estava mudando.
Iluminismo, progressismo, liberalismo,
socialismo: direitos do homem,
igualdade, nação, indivíduo; conceitos
e teorias que os alcançaram através de
jornais, que o camponês naturalmente
não lia, mas que seus intelectuais, ou
seja, seus sacerdotes, liam e em boa
parte combatiam (GROSSELLI, 2008,
pp. 42-43).

Mesmo sem a violência de uma revolução, o impacto destas


novas ideias e tensões sobre aquele mundo, já cansado, era decisivo.
A Igreja, portanto, que combatia com veemência o liberalismo e o
socialismo, não podia ao mesmo tempo ignorar as novidades que se
haviam inserido no mundo. Não podia fingir que não existiam e, em
sua reação, devia absorver alguns de seus conteúdos, adaptando-os
aos interesses da Igreja (MANTOUX, 1989, pp. 62-65). Entretanto,
não foram os intelectuais orgânicos13 da classe camponesa italiana,
isto é, os padres e os sacerdotes, os únicos a serem envolvidos neste
processo de mutação. Os próprios camponeses entraram em contato
com o novo mundo:

13 Para Antonio Gramsci, “(...) os intelectuais orgânicos servem aos


interesses das classes subalternas de uma função central nos processos
e lutas de formação de uma contra hegemonia contrária aos interesses do
capital e dos seus intelectuais tradicionais e orgânicos” (DURIGUETTO, Maria.
A questão dos Intelectuais em Gramsci. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118,
p. 265-293, abr./jun. 2014. p. 267).
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Todos aqueles, que cada vez mais, tinham
que emigrar, seguindo os trabalhos
das ferrovias ou levando consigo o
conhecimento de sua profissão, entraram
em contato com um mundo no qual as
hierarquias sociais eram profundamente
diferentes daquelas a que estavam
habituados: a nobreza tornava-se menos
importante, os padres não eram mais
senhores incontestes das consciências,
e o relacionamento entre o homem e a
sociedade, e mesmo a divindade, era
menos fatalista (GROSSELLI, 2008, p.
44).

As vidas da grande massa de homens e mulheres estavam se


transformando, tanto nas cidades quanto nos campos europeus. Por
meio do dinheiro, comprava-se e vendia-se de tudo, das mercadorias à
dignidade de seus semelhantes. A força de trabalho, sobretudo, podia
ser comprada e vendida, assim como a terra. Esta última, tornou-se
uma mercadoria, enquanto para a sociedade camponesa era o fator
produtivo que, juntamente com o trabalho, permitia a reprodução da
espécie: no entanto, as relações capitalistas, invadiram os campos
italianos, acrescentando-lhes numerosos vetores (GROSSELLI, 2008,
pp. 44-45).

Por outro lado, o Brasil entrava em uma fase de acelerada


mutação, que determinou variações substanciais de suas estruturas
políticas, econômicas e sociais (PRADO JR., 2012, p. 160). Para a
historiadora brasileira Ana Luiza Martins (1999, p. 20), é exatamente
a partir da segunda metade do século XIX que o Brasil conheceu
uma transformação de importância histórica, desta vez no campo
econômico: findava a hegemonia econômica do açúcar, que durara
três séculos e que fizera do Nordeste, sobretudo a Bahia, o coração
econômico do país. O preço do produto caiu vertiginosamente e, um
dos fatores que nos possibilita a compreensão de tal situação foi
que, na Europa, se generalizou a produção do açúcar de beterraba,
enquanto os Estados Unidos, aumentaram sua produção nos Estados
do Sul. Juntamente a esses fatores, sobretudo afirmou-se a economia
açucareira de Cuba, que substituiria o Brasil como principal produtora
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(PRADO JR., 2012, p.185).

Na clássica interpretação do historiador Fernando Novais


(1989, p. 106), o processo de desenvolvimento do capitalismo europeu
estabeleceu no decorrer dos séculos XVIII e início do XIX, rígidos
espaços de manobra para as economias periféricas que constituíam,
na prática, parte integrante da economia reprodutiva europeia, cujas
técnicas e capitais eram aplicados para nelas desenvolver, de modo
permanente, um fluxo de bens destinados ao mercado europeu.
Assim, e em consonância com as ideias de Novais, Sérgio Buarque
de Holanda (1985, p. 195) assevera que, com a queda dos preços
do açúcar, que teve início já nas primeiras décadas do século XIX,
a economia brasileira perdeu sua única possibilidade de acúmulo,
que residia exatamente na exportação deste produto. E, foi a esta
altura, como bem argumentou Prado Jr. (2012, p.114), que surgiu a
oportunidade de converter a agricultura do país em outra produção,
que continuaria até os nossos dias como uma das principais fontes de
renda brasileira: o café.

Dessa forma, a nova produção não representou apenas a


salvação de uma economia que, já em meados do século XIX, parecia
não ter possibilidades de desenvolvimento, mas permitiu o surgimento
de um novo processo de acúmulo de capital, o qual teria financiado a
modernização das estruturas econômicas mais elementares (PRADO
JR., 2012, p. 185). Ao mesmo tempo, a produção cafeeira aliviou as
penosas condições financeiras do Estado desde o momento em que
este determinou um imposto fiscal sobre as exportações; permitiu
ainda, povoar o território com mão de obra europeia, que encontrou
trabalho nas fazendas e nas pequenas propriedades onde se cultivava
o café, e financiou em grande parte este processo de imigração que
mudaria a face da sociedade brasileira (FRANCO, 2016, p. 52).

Com isso, no momento em que o país começava a romper


os mais estreitos e dolorosos vínculos coloniais, tendo alcançado
sua independência política e dado início à formação de uma classe
dirigente ligada aos interesses nacionais, viu-se na contingência de
resolver um problema que, em parte, era consequência do fato de ser
periferia do centro capitalista: o problema da abolição da escravatura,
que em termos definitivos, ocorreu somente em 1888 (CARVALHO,

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2002, p. 45). No entanto, não se objetiva aqui esclarecer se a abolição
da escravatura foi ou não o marco da separação da história do Brasil
pré-capitalista completamente inserido no sistema de produção
capitalista.

Enfim, o que realmente é de nosso interesse é: aonde


encontrar a mão de obra a ser usada no cultivo do café, uma vez que
os escravos, liberados pela lei, tendiam a fugir das fazendas e do
trabalho considerado sinônimo de escravidão? Este quesito também
é de difícil solução. Entre os historiadores, inclusive, há quem afirme
que havia no Brasil uma enorme disponibilidade de mão de obra quase
desocupada, e que se não fosse a falta de visão dos governantes
brasileiros, tal contingente poderia ter sido utilizado nas fazendas, ou
poderia ter sido transformado em classe de pequenos proprietários de
terras (FAUSTO, 1995, p. 136-137). De qualquer maneira,

(...) o fenômeno da imigração completou


um ciclo iniciado na aurora do século XIX
e que mudou radicalmente a fisionomia
do Brasil. Livre da escravatura, iniciara
então um rápido processo de mudança
de suas estruturas econômicas e
sociais, começando a investir parte do
capital acumulado para atrair mão de
obra europeia – fato que por si mudou
radicalmente a face da sociedade civil e
da cultura brasileira (GROSSELLI, 2008,
p. 108-109).

Não há números exatos da quantidade de imigrantes


europeus no Brasil. As quantidades citadas pelos pesquisadores são
aproximadas ou se referem aos dados que se conseguiram levantar
em tais pesquisas, obviamente, inferiores aos reais (PAULA, 2013, p.
36). No entanto, no que se refere aos imigrantes italianos, segundo a
pesquisadora Maria Thereza Schorer Petrone (1998, p. 51), estima-
se o número de imigrantes italianos no Brasil em torno de 1.485.000
e, no Espírito Santo, estima-se em cerca de 35 mil. Fato curioso é
que, examinando bem os fatos, a maior migração de povos da história
produziu surpreendentemente raras agitações contra estrangeiros
entre os trabalhadores, mesmo nos Estados Unidos e, praticamente

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nenhuma, como na Argentina e no Brasil (GROSSELLI, 2008, p. 356-
358).
A partir da segunda metade do século XIX, muitos países
americanos e da Oceania deram início a um bombardeio publicitário
na Europa, buscando atrair colonos para suas terras virgens e
artesãos para suas cidades. No caso do Brasil a propaganda não
foi muito honesta, sobretudo em território italiano: “(...) formava a
ideia da facilidade de acesso à propriedade de terra e, assim, maior
possibilidade de ascensão do trabalhador à condição de proprietário”
(PAULA, 2013, p. 41-42). De qualquer maneira, uma vez em território
brasileiro, a realidade era outra para o imigrante italiano,

É impossível definir o sentimento de


uma pessoa que, acostumada à vida na
cidade ou nos campos, ou simplesmente
a terrenos cultivados onde os olhos
passeiam por longos trechos, vê-se
sepultada por árvores gigantescas, sem
uma casa, sem um trecho de terreno
que mostre vestígios de cultura humana.
Por toda parte a mesma monotonia
de selva, que impede que se veja um
pouco a configuração do lugar em que
se encontra, causa tristeza, acrescida
de gritos estranhos jamais ouvidos, e
que não se sabe se são de animais
pacíficos ou ferozes; tudo contribui para
abater um espírito que não seja dos mais
corajosos (GANARINI, 1880, p. 27, apud
GROSSELLI, 2008, p. 309).

É neste quadro que se insere a história da emigração italiana


para o Brasil. A partir do terceiro quarto do século XIX, os termos do
problema econômico brasileiro haviam mudado substancialmente.
Surgira o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes
de expansão do comércio mundial: concluída sua fase de gestação,
a economia cafeeira achava-se em condições de autofinanciar a sua
extraordinária expansão sucessiva. Além disso, haviam se formado
os quadros da nova classe dirigente que iria orquestrar a grande
expansão da cultura do cafeeira: a classe dos grandes barões do
café. Restava resolver, porém, o problema da mão de obra: e uma das
possíveis soluções para se tentar resolver foi o imigrante europeu – e
entre eles, principalmente, o italiano.
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3. IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO: UM DESTAQUE
PARA A REGIÃO SUL – ALEGRE E GUAÇUÍ
“ Vieram para o Brasil justamente para suprir a
mão de obra escrava. Foi no ano de 1880, daí
pra frente, quando estava acabando a escravidão em

O
s primeiros imigrantes italianos começaram a chegar ao Brasil 1888, minha família veio mais ou menos 1892. Eles
ainda na década de 1840. No entanto, foi entre os anos de 1870 não sabiam nem para onde estavam indo, alguns
e 1910 que houve o maior fluxo de italianos para o território pegaram novos navios e vieram, foi o que aconteceu
brasileiro, principalmente para as regiões sul e sudeste do país. com minha família, pegaram um navio no Rio de
Janeiro e vieram para o Porto de Benavente e outros
O Brasil era visto como uma terra nova, repleta de
para o Porto de Itapemirim, perto de Marataízes.”
oportunidades. E que, devido aos problemas referentes à mão-de-obra
enfrentados pelos italianos, que especialmente dessa forma o governo
brasileiro fez diversas campanhas na Itália com intuito de atrair esses
italianos para o trabalho na lavoura brasileira. Dessa forma, chegaram
ao Brasil imigrantes de todas as regiões da Itália, cuja preponderância
“ Havia um porto muito grande ali com muito
movimento, ali eles desembarcaram e foram
obrigados a fazer quarentena, para saber se não
se referem às regiões do Norte e que juntas forneceram 92% dos tinham nenhuma doença, porque naquela época não
imigrantes, enquanto as regiões do centro contribuíram com 6% e
tinham vacinas e nem remédios, então eles tinham
as do Sul, com 2% dos italianos (LAZZARI, 2014, p. 67). E assim,
que ficar lá por observação durante 40 dias, para daí
mediante àquele contexto histórico juntamente com os dados citados,
serem designados para as fazendas. Enquanto ficava
podemos dizer que o Espírito Santo, por exemplo, abriga ainda hoje
uma das maiores colônias italianas no Brasil (PAULA, 2013, p. 43). a negociação dos agentes com os fazendeiros. “

No que tange à vinda dos italianos, esses imigrantes foram Vicente de Paula Albani
atraídos para terras capixabas afim de ocuparem inicialmente a região
das serras e ao chegarem em solo espírito-santense depararam-se
com outra realidade muito diferente da anunciada, cuja infraestrutura
econômica e governamental eram significativamente precárias e
“ O meu pai quando veio para o Rio de Janei-
ro, veio a chamado de um tio dele, ele veio e
ficou no Rio, fez diversas coisas, mas depois ele foi
incapazes de assegurar-lhes condições básicas de vida e trabalho.
chamado para trabalhar em Carangola para ser assim,
Entretanto, apesar dessa realidade hostil, grande parte desses
chefe de uma concessionária chamada “Pistono”,
imigrantes conseguiram adquirir lotes nas áreas de colonização
então ele foi chamado para ser chefia. Ele foi chefe
(PAULA, 2013, p. 63).
dessa concessionária de fabricação de peças. Então
Como já dito, a partir da metade do século XIX o Brasil ele trabalhava em vários fornos, para fabricar
recebeu significativa quantidade de imigrantes italianos, o que peças, essas coisas, e lá conheceu a mamãe, e
contribuiu para que houvesse expressivas mudanças sociais e se casaram lá em Carangola. E para aqui para
econômicas em terras capixabas. Sendo assim, o início dessa nova Guaçuí, eu vim quando eu tinha 5 anos.
“colonização” se deu a partir do contexto delicado em que a Europa
estava vivendo naquele período e, devido a tais circunstâncias, esses Carolina Palumbo Faria
italianos buscavam reconstruir ou muitas vezes construir uma vida

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nova numa possível “Canaã” (CAVATI, 1973, p. 24). Desse modo,
sabemos que essa política imigrantista se deu a partir de duas vias:

“ Naquela época já existia até propina, os agentes


recebiam para enviar os escravos para outros
lugares, inclusive, aqui no Espírito Santo houve
as iniciativas particulares, bem como as iniciativas organizadas
pelo governo brasileiro cuja propaganda em solo italiano se fez
vigorosa, pois, ao buscar-se tentar solucionar o problema da mão-
uma grande revolta na região de Aracruz, lugar de-obra, paralelamente a essa questão, o governo também almejava
que recebeu a primeira vinda de imigrantes no o embranquecimento da população. Nesse sentido, de acordo com
Cellin:
estado. Um agente prometeu ‘mundos e fundos’
a Política de imigração, implantada como
para os italianos, e quando eles chegaram não solução ao colapso do trabalho escravo
era nada daquilo que eles haviam falado. Os resultou para determinadas províncias do
país, uma larga oferta de trabalho capaz
imigrantes se rebelaram contra o agente, de atender a expansão da cafeicultura
houve até intervenção do governo, [...] além dos empreendimentos oficiais,
houve iniciativas particulares, na
acabaram levando os italianos revoltos
contratação de mão-de-obra estrangeira
para o sul do Brasil. Eles se encon- (CELLIN, 2000, p.72).
tram hoje no Rio Grande do Sul e
são bem sucedidos.” Em relação à possibilidade de se adquirir um lote, depois de
dois anos em posse da terra, o colono poderia considerar-se quase
proprietário do terreno e útil produtor. Desse modo, o governo enviava

“ A minha ainda uma designação do lote da terra, mas, para se obter a terra,
o dono só poderia cultivar se submetesse às obrigações relativas
família veio nessas
à compra do terreno. Por conseguinte, a possibilidade de acesso à
levas. Saíram do Porto do
propriedade fundiária foi um dos principais aspectos das migrações
RJ, vieram para Cachoeiro de
transoceânicas no século XIX, uma vez que, no imigrante havia certo
Itapemirim, depois para região de Muqui fascínio pela possibilidade de vir a ser proprietário. Nesse sentido,
e posteriormente Alegre e Guaçuí, e se estabe- a propaganda de migração para o Brasil na Europa, sobretudo na
leceram aqui nesta região. Os homens foram Itália na segunda metade do Oitocentos, firmava a ideia da facilidade
trabalhar nas construções das estradas de fer- de acesso à propriedade de terra e, assim, maior possibilidade de
ro. Os túneis de Alegre, a maioria foi feita por ascensão do trabalhador à condição de proprietário (PAULA, 2013,
mão de obra de imigrantes, inclusive, de ital- p. 41).

ianos, e trabalharam também nas lavouras de


Em virtude dessa questão, no ano de 1875 o fluxo de
café. Neste meio tempo começaram a derrubar
imigrantes em direção ao Espírito Santo aumentou cada vez mais.
matas para poder plantar o café e nisso foram
Dessa forma, grande parte desses italianos ao saírem de Gênova
conseguindo dinheiro, e comprar as terras que dirigiam-se diretamente ao porto de Vitória ou ao do Rio de Janeiro
eles trabalharam.” e nesses pontos, os imigrantes tomavam os navios brasileiros que
conduziam aos vários portos do Espírito Santo ou seguiam de trem
Vicente de Paula Albani para as colônias do sul do Espírito Santo (CELLIN, 2000, p. 56).

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Acerca da chegada desses imigrantes, de acordo com

“ Diferente dos imigrantes italianos que foram para


São Paulo, eles se dedicaram a indústria, mesmo
por que, a Revolução Industrial estava bem adian-
Rocha (1984) o grande fluxo da entrada de italianos no estado do
Espírito Santo entre o período de 1847 a 1891, soma-se um montante
de 38.700 italianos. Todavia, mesmo com esse número significativo,
tada. São Paulo também foi um grande produtor de acredita-se que tenham entrado bem mais imigrantes no Estado,
café, seguido de Minas Gerais e Espírito Santo. Aqui pois muitos eram casos de clandestinidade e também havia os que
então eles foram se expandindo com muitas dificul- aportavam enganados em terras capixabas, sendo que estariam
dades, muitos morriam com picadas de cobras, outros destinados a outras regiões (GROSSELLI, 2013, p. 98).

por decepção de não ser o Brasil que eles esperavam.


Em relação ao aspecto quantitativo, o número de estrangeiros
Eu por exemplo tenho uma bisavó que morreu por
em 1900 era oito vezes maior que em 1872 e no Espírito Santo os
tristeza, porque ela ficou totalmente decepcionada com
italianos dividiam o espaço com portugueses e alemães. Em 1920,
o que ela encontrou aqui, e não tinha dinheiro para os italianos compreendiam 67% dos estrangeiros e eram 2,25% no
voltar e sentia muita falta dos parentes que ficaram lá, conjunto da população italiana no Brasil. Para um Estado que ainda
além da vida na Itália ser melhor do que aqui no Bra- hoje está entre os menores do Brasil, tudo isso é bastante significativo
sil. Ela veio atrás de um grande amor, que era meu (PAULA, 2013, p. 46).
bisavô, mas chegando aqui não se adaptou. Muitos
vieram para o país sem passaportes, escondidos Segundo Nagar:
[...] os imigrantes italianos que chegavam
na terceira classe, como clandestinos.” a Vitória em meados do século XIX,
se “hospedavam” em uma espécie
Vicente de Paula Albani de Galpão, onde podiam requerer um
lote de terreno para colonizar, optar
por ser meeiros ou ser diaristas. Ao

“ Claro! Ele era mecânico, então ele


trabalhava lá em consertar os aviões
daquela época, era mecânico oficial de lá, eu
desembarcarem em terras capixabas
e passarem meses abrigados nesses
“albergues”, os imigrantes italianos,
devido à péssima qualidade dos
não sei se ele era tenente, não sei, não sei dizer. Aí alimentos, desenvolvem a febre gástrica
naquela época sem empregos... foi chamado por um e outras doenças. Isso, no entanto,
era só o começo, e à medida que
tio do Rio de Janeiro, e diz ele que trabalhou até em adentravam o território capixaba rumo ao
lavar pratos. Até ser chamado por Italianos que tra- interior, a situação do imigrante e de seus
balhavam lá em Carangola, e tinha essa oficina ‘Pis- desentendes só pioraria (NAGAR, 1995,
p.45).
tono’, de altos fornos, então ele veio pra ser chefe
dessa oficina. E ele nasceu em 1894, meu pai é de Como já exposto anteriormente, além das Colônias Oficiais,
1894, ele é do século XIX. E ele veio para o Brasil que eram colônias patrocinadas pelo governo para que pudessem
depois da Guerra. Ele deveria ter uns 22 anos.” trabalhar, - cujos locais onde se concentravam o maior número de
italianos-, havia também as colônias particulares que foram criadas a
Carolina Palumbo Faria partir de iniciativas de grandes fazendeiros qual intuito era a obtenção
de mão-de-obra barata e eficiente. E por fim, havia as colônias que

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eram de iniciativa dos próprios imigrantes que compravam terras para
se fixarem e se desenvolverem.

Segundo o governo do Estado, entre os anos que findam


“ Ficamos um ano e pouco, ele foi fazer
tratamento lá, então a doença estabi-
lizou e teve um problema na sétima vértebra, e ficou
o século XIX e dão início ao século XX, em cada divisão territorial uma paralisia na perna esquerda. Então ele não pode
dedicada aos imigrantes devia existir uma comissão formada por um
mais trabalhar em altos fornos, aí teve que aprender
engenheiro diretor, um médico, ajudantes, escrivão e um número
outra profissão, pois não podia mais trabalhar em altos
suficiente de agrimensores (GROSSELLI, 2013, p. 235). Tudo isso seria
fornos, por isso que ele aprendeu com meu avô que
para assessorar adequadamente os recém-chegados. Mas, de acordo
com o sociólogo italiano Grosselli (2013), a realidade se apresentou morava lá em Carangola. Ficamos um ano lá na Itália,
amarga para os imigrantes: na verdade, nessas comissões, se muito, ou quase dois anos. Aí viemos para Carangola e depois
havia apenas uma ou duas pessoas. A alimentação era quase sempre ele veio passear em Guaçuí, gostou daqui e ele resolveu
de má qualidade e a indicação de terrenos eram desenvolvidos com mudar para cá, com aquela coragem...”
muita lentidão.

Apesar dessas condições em que os italianos eram expostos,


ainda assim, somente no ano de 1895 ingressaram no Espírito
Porque o vovô, ele trabalhava com... não
Santo cerca de 4.575 imigrantes.. Nesse mesmo ano, no entanto,
lembro como se chama, mas era de tomar
a imigração italiana para o Espírito Santo fora proibida, devido ao
conta de pessoas estrangeiras, de cartas, documen-
relatório do cônsul Carlo Nagar, o qual apontava vários problemas
enfrentados pelos imigrantes nesse Estado, tais como: deficiência dos tos... eu não lembro o nome de como se chama isso.
meios de transporte entre a capital e os núcleos coloniais; condições Quem escreveu para a Itália foi o pai de mamãe para
precárias de alojamento nos barracões existentes nas sedes dos saber a situação, isto é, se ele podia casar. Porque
núcleos; demora na obtenção do lote e imprecisão nas demarcações; naquela época não podia, tinha que saber direitinho
isolamento dos migrantes; escassez, carestia e má qualidade dos quem era a pessoa.”
gêneros alimentícios no interior do Estado; deficiência na assistência
médica, escolar e religiosa: demora nos pagamentos e substituição do
dinheiro por bônus (NAGAR, 1895, p. 35).


Apesar dessas questões, como bem sintetiza a historiadora Ele não veio para trabalhar nas lavouras de
Petrone (1982):
café, veio para a profissão dele mesmo. Ele já
Uma das maiores contribuições do
imigrante para a sociedade capixaba era engenheiro mecânico formado.”
foi ter demonstrado a viabilidade da
pequena propriedade, o que lhe deu
Carolina Palumbo Faria
um papel significativo nesta mesma
sociedade. No sul do Espírito Santo,
graças ao retalhamento de fazendas ou
terras devolutas, a pequena propriedade
de imigrantes mudou completamente
(PETRONE, 1982, p. 53).

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Além do relato de Nagar, para compreendermos melhor a
vinda do imigrante italiano para o Espírito Santo, especialmente para
a região sul da Província, analisamos o jornal O Cachoeirano. Este
jornal teve sua primeira edição no ano de 1877 e foi fundado por um
comerciante chamado Luiz de Loyola e Silva, que morava na região
do Itapemirim, filho de um capitão chamado Ignácio de Loyola e Silva,
foi um dos primeiros habitantes de Cachoeiro (SANTOS, 2013).

Sobre a vinda desses imigrantes e sobre as difíceis condições


em que muitos deles enfrentaram, podemos perceber que o jornal O
Cachoeirano, no ano de 1888 em uma matéria com título Interesses
da Imigração diz o seguinte:
O governo deve mirar-se em semelhante
espelho e verá o esplendor da proteção
que costuma prestar quando a promessa
deveria ser cumprida. Os imigrantes
ultimamente chegados ficariam sem
agasalho e alimento se não fosse a
dedicação do cidadão B. Andréa. No
nosso último número nenhuma intenção
tivemos de censurar a comissão nomeada
pela Sociedade de Imigração Espírito-
Santense para agir aqui no município,
visto como esta comissão nunca recebeu
instruções [...] (O CACHOEIRANO, 1888,
p.2)14.

Percebemos que a notícia acima confirma as dificuldades


vivenciadas pelos imigrantes que chegavam na Província, assim
como também vemos que, da mesma forma que há uma denúncia
sobre a forma como os imigrantes estavam sendo tratados, o jornal
diz que é uma atitude digna trazer os imigrantes para as freguesias
do sul da Província do Espírito Santo. E no que tange ao perfil desse
imigrante, a maior parte dos que vieram para a região sul do estado
era agricultor, em sua maioria analfabetos, mas também a maior parte
dos imigrantes que vieram para o sul do Estado eram agricultores,
em sua maioria analfabetos, mas também, existiam famílias de classe
operária, revolucionários anarquista e profissionais especializados
(BISSOLI, 1979, p.48).

14 Trecho retirado do jornal O Cachoeirano, do dia 24 de Junho de


1888 na página 2, edição número 26.
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Como exposto acima, o Cachoeirano no dia 24 de junho,
parabenizava os senhores Francisco Gomes de Azevedo, Manoel
Olegario de Carvalho e Luiz Geraldo de Carvalho, residentes em
fazendas na freguesia do Veado e do Alegre, por agasalhar esses
imigrantes da forma devida e na mesma página em que a referida
matéria foi publicada, podemos identificar outra publicação sob o título
Imigrantes, na qual relata: “É digno de ser imitado esse procedimento”
(O CACHOEIRANO, 1888, p.2). Dessa forma, os italianos se fixaram
na região e se desenvolveram de modo tão expressivo ao passo
que, ainda hoje temos pessoas que são descentes desses primeiros
imigrantes na região.

Desse modo, as matérias acima nos revelam alguns aspectos


referentes à imigração italiana no sul do Espírito Santo e, por se tratar
de uma região interiorana e distante da capital e do porto, a vinda
desses imigrantes para Alegre deu-se particularmente pelo transporte
ferroviário, uma vez que, especialmente no início do século XX havia
trilhos de importantes acessos, sendo este o principal meio para que
esses italianos chegassem ao município de Alegre.

Apesar de algumas dificuldades e certos desenganos, os


jornais noticiavam que o Brasil era o Novo Canaã, e se limitaram a
apreciar somente aspectos positivos sem dar importância aos fatos
reais desta denominação, segundo Cavati (1973). Ainda de acordo
com o autor, as cidades do sul do estado tiveram significativo fluxo de
imigração, na qual há menção de Alegre e cidades ao redor (CAVATI,
1973, p. 126).

No seguinte mapa, podemos perceber a imigração italiana na região


Alegre e Guaçuí.

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Figura 1 – Imigração Europeia no Espírito Santo

Fonte: Lorenzini (2007)


No que se refere à essa colonização italiana, em Alegre
não houve Colônias Oficiais. Dessa forma, foi a partir da iniciativa de
proprietários de terra local que parte expressiva desses imigrantes
se instalaram nas fazendas de café, ou seja, esses imigrantes foram
destinados a trabalhar na agricultura cafeeira, especialmente. Nesse
sentido, esses italianos que almejavam um emprego e se fixar na
terra buscaram se aperfeiçoar em sua formação, demonstrando
assim, interesse e preocupação pelo aperfeiçoamento profissional
(MORAES, 1981, p.72).

Por outro lado, apesar dessa busca por melhores condições


de trabalho, as condições de vida em linhas gerais eram penosas.
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Tal situação pode ser comprovada devido à baixa qualidade do
saneamento básico e a escassez de médicos em Alegre, haja vista
que, cerca de vinte imigrantes morreram devido às febres que
atacaram todo o Estado, naquela conjuntura. Isso pode ser constatado
através de alguns dados estatísticos que elaboramos tendo como
base uma amostra de 19 certidões de óbito (de 10 imigrantes italianos
e 9 descendentes diretos), no período entre o final do século XIX e as
primeiras décadas do século XX.15 A péssima situação social, como
comprova a tabela abaixo, nos revela inclusive que grande parte
dessas mortes era classificada apenas como “morte natural”, devido
muitas vezes à incapacidade de diagnosticar a causa do óbito:

Tabela 1 – Causas de morte de imigrantes italianos

CAUSA DA MORTE %
MORTE NATURAL 49%
CÓLERA 23%
FEBRE 18%
VARÍOLA 10%

Fonte: Cartório Márcio Valory. Certidões de Óbito.

Tal situação também foi denunciada no relatório de Nagar


(1995), quando este revelou que no Sul do Estado as febres
perniciosas nos meses quentes, bem como a febre amarela dizimavam
populações de uma forma assustadora:

Além disto tudo sobressaem, infelizmente,


o clima e as febres endémicas.
Mais abaixo da região do Rio Doce,
predominam as febres de impaludismo;
em Vitória, a febre amarela e o beribéri;
e no Sul as febres perniciosas, e nos
meses quentes, também a febre amarela
(NAGAR, 1995, p. 56).

15 As certidões de óbito encontradas ultrapassam o número de cem


amostragens para o período analisado. Entretanto, para corroborarmos com
a situação precária evidenciada por Carlo Nagar em seu relatório sobre a
imigração para o Espírito Santo, buscamos escolher as certidões de óbito cujas
mortes são especialmente acarretadas pela ausência de condições sanitárias
básicas à uma população.
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Não à toa, por conta dessa denúncia que nesse mesmo ano de 1895 a
imigração italiana para o Espírito Santo fora proibida, devido a relatos como
este registrados pelo cônsul italiano. Desse modo, no Sul do Espírito Santo,
a situação não fugiu do geral: a região não possuía saneamento básico,
sistema de saúde adequado, nem segurança e educação. Os imigrantes
tiveram de lutar e se unir ao povo da região para superar as adversidades
impostas pelo meio e, assim, sobreviver nesses tempos hostis, de
dificuldades e superação. Mas, apesar das dificuldades, depois de 30 anos
no sul do Estado, encontrava-se imigrantes que já gozavam de propriedades.
Mas também muitos imigrantes que perderam suas vidas. Nesse sentido, o
impacto demográfico no Espírito Santo é notável entre 1872 e 1920, uma
vez que quintuplicou o número de mortes por doenças (PAULA, 2013, p. 45).

Apesar das difíceis condições sociais enfrentadas por esses imigrantes,


podemos perceber como eles foram sendo integrados pela sociedade em
Alegre. Assim, no jornal O Alegrense pudemos encontrar informações que
caracterizava o período entre 1915 até meados de 1936 e dessa maneira,
a partir de publicações no jornal observamos que os imigrantes italianos
algumas vezes eram noticiados no referido periódico, tendo seus nomes
publicados especialmente no que se referia ao pagamento e arrecadações
de impostos ao governo, bem como eram ofertados empregos para esses
imigrantes, além de noticiarem ações do dia a dia da população.

O Alegrense como dito, fazia publicações referentes ao cotidiano


daquela sociedade. Tanto que, no ano de 1935, na edição de número 573
é listado diversos italianos, sobre o lançamento de impostos de veículos,
cujos sobrenomes eram: Fetti, Ogioni, Seraphim, Provetti, dentre outros;
assim como em listas de recolhimento de taxas sanitárias e domiciliares.
Dessa forma, podemos afirmar que tais indivíduos eram italianos ou seus
descendentes, uma vez que ao utilizarmos o livro a Base de Dados da
Imigração podemos identificar suas origens.

No que tange a chegada dos italianos em Guaçuí, em virtude desse


processo de imigração, percebemos que houve um grande avanço urbano
na região, iniciando-se dessa forma o assentamento das primeiras casas
comerciais. Desse modo, naquele momento, a Freguesia de São Miguel
acolheu muitos trabalhadores e, com eles, muitos italianos, imigrantes
que chegaram e se estabeleceram. Na oportunidade, muitos deles se

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fixaram na cidade, pois, de acordo com Teodoro (2014):

As primeiras familias italianas, que


foram para Guaçuí, chegaram em 1896
procedentes de Minas Gerais e São
Paulo, um vez que não houve imigração
organizada para o município. Dentre
essas famílias, podemos citar: Achucatti,
Albani, Albertini, Bazani, Bollari, Bolleli,
Cabalini, Campgnolle, Capucho,
Caroni, Cassago, Cazati, dentre outros
(TEODORO, 2014, p.102).

Desta forma, vieram com estes imigrantes, tradições e hábitos


que ainda nos influenciam atualmente, uma vez que, os italianos que
aqui chegaram contribuíram com o processo de construção da nossa
sociedade, formando famílias e disseminando seus costumes, história
e sua cultura. Nesse sentido, importa ressaltar o resgate dessas
trajetórias e deixar vívido em nossas memórias a nossa própria
história e que esta foi construída conjuntamente com a história do
povo italiano e de seus descendentes em nossa região.

Assim, após todas as pesquisas em institutos e entrevistas,


pudemos perceber que houve influência da imigração italiana na
região de Alegre e Guaçuí, e, portanto, ainda hoje vemos algumas
famílias que deixam presente no seu dia a dia as marcas da cultura
italiana. Pois, através de seus relatos, algumas famílias mantem
alguns costumes e tradições que foram passados de geração e
geração. E, portanto, mantem viva a história do seu povo que vieram
para o sul da Província do Espírito Santo.

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4. HISTÓRIA E MEMÓRIA: CONSTRUÇÕES COTIDIANAS

Quem construiu a Tebas de sete portas?


“ Tenho um irmão, sobrinhos e cunhados que tra-
balham no Rotary Club. Também tenho um sobrinho
que mora em Domingos Martins que é envolvido com
a cultura italiana e alemã daquele lugar. Aqui a gente
Nos livros estão nomes de reis.
já participou do ciclo italiano que tinha ligação com
Arrastaram eles os blocos de pedra?
o ciclo italiano de Castelo, tinha cursos de idiomas
E a Babilônia várias vezes destruída. Quem a reconstruiu tantas de italiano. Um curso de 2 anos que a prova era em
vezes?
Vitória, e recebíamos um certificado de proficiên-
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores? cia na língua italiana. O curso era ministrado
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China por sociedades e hoje não existe mais em
ficou pronta? Alegre. Embora eu tenha feito o curso,
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo. não consegui me formar. Este curso

Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os césares? visava preservar a cultura, a língua,
as músicas, havia até mesmo missas
BRECHT 1898 - 1956
celebradas em italiano.”

O “
que é História? Quem são seus agentes? De quantas
A tradição maior que a gente preserva é quan-
maneiras diferentes ela pode ser redigida? E afinal, quem
to a religião, o catolicismo, principalmente a
pode escrever a História? Questões como essas podem
permear o raciocínio do leitor mais atento e criar alguma desconfiança noite de natal, aquela tradição de fazer a ceia, a
quando se tem em mãos uma obra que valorize a oralidade através semana santa, são mais tradições religiosas”.
da memória local.
Para começo de conversa torna-se necessário ser Vicente de Paula Albani
elucidado o sentido do termo História, elaborado e aprimorado com
os construtores do projeto intitulado “História e Memória coletiva nos
Municípios de Alegre e Guaçuí: o resgate da cultura italiana pela
nova geração de estudantes alegrenses” afim de maior aproximação
entre nosso objeto de estudo e o método utilizado na construção do
presente trabalho.

Na obra Apologia da História ou Ofício do Historiador


escrita por Marc Bloch durante a Segunda Guerra Mundial e publicada
posteriormente por Lucien Febvre, o autor defende ser a História
uma busca e, logo, escolha. Nega que seu objeto de estudo seja
unicamente o passado documentado afirmando, para tanto, que
tal noção é absurda. Diz-nos ser a Ciência dos Homens no tempo.

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É este homem em seu tempo que nosso estudo procurou escavar
e contemplar por meio da oralidade devidamente embasada em

“ Minha infância foi aqui em Alegre e foi


com direito a tudo que uma criança de in-
terior tem direito. Todas aquelas brincadeiras
argumentação teórica (BLOCH, 2012, p. 165).

Fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre na década de


1920 do século XX, a Escola dos Annales apresentou ao Ocidente
do interior, uma casa com muita gente, muita
uma nova forma de se compreender e se escrever a História. Nova
criança, só alegria. Conhecia apenas uma avó, os
porque contrariou aos ditames do positivismo, às suas regras rígidas
outros já haviam morrido quando eu nasci. Essa
na investigação de documentos e possibilitou uma outra abordagem
avó viveu até os 102 anos. Meus avós morreram acerca da escrita da História: colocar o homem como centro do
novos para época. Tem uma dança chamada estudo, suas relações sociais, suas interações com o meio, sua forma
Tarantela, é uma dança pulando, é como se de agir e de pensar de acordo com a era a qual pertence (BOURDÉ;
eles estivessem matando as tarântulas. MARTIN,1990, p. 121-123).

Ferrenho crítico ao historicismo vigente à época, em sua


Vicente de Paula Albani
obra Bloch (2012, p.49) defendia “(...) uma história mais ampliada e
mais aprofundada” e, portanto, não enxergava na mera transposição
de documentos a única alternativa para se chegar à Ciência da História
que fosse acessível tanto a doutos quanto aos estudantes. Além
disso, considerava que o verdadeiro historiador seria aquele capaz de
dialogar de forma clara tanto com o primeiro quanto com o segundo
grupo. Não à toa, no capítulo introdutório da obra citada, é relatado
o diálogo de Bloch com o seu filho, que lhe indaga: “(...) papai, então
para que serve a história?” (BLOCH, 2012, p. 43). Indagação esta que
serve de suporte ao pensamento desenvolvido pelos Annales.

Ao criticar a mera narrativa documental, também Le Goff,


no prefácio da obra em discussão (BLOCH, 2012, p. 43-44) afirma que
o historiador não pode ser um ser ocioso, um burocrata da história,
mas deve ser um andarilho fiel a seu dever de exploração e aventura.
Trazendo isso para o presente projeto: foi o desejo de exploração
a principal peça motivacional do trabalho que levou adolescentes
estudantes dos anos finais do ensino fundamental e primeiro ano do
ensino médio à investigação do processo de imigração de europeus
no estado do Espírito Santo, particularmente no interior deste.

Nesse sentido, Le Goff (1990, p. 180) argumenta que a


“História consiste na escolha e construção de um objeto. Operação
que pode se dar a partir da evocação de lembranças (...)”, e dessa
forma, ao invocar a importância do trabalho com história local através

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da oralidade, a historiadora Circe Maria Fernandes Bittencourt em

“ O tempo sempre traz modificações. A consonância com as ideias de Le Goff, acrescenta:


sociedade aqui ficou muito dispersa. A
cidade foi crescendo, as pessoas foram em-
A história local geralmente se liga
bora, muitos morreram e muitas coisas se
à história do cotidiano ao fazer das
perderam da nossa cultura. A gente tenta pessoas comuns participantes de uma
resgatar alguma coisa, preservar a cultura. “ história aparentemente desprovida de
importância e estabelecer relações entre
os grupos sociais de condições diversas
que participaram de entrecruzamento de


histórias, tanto no presente quanto no
A tecnologia veio para facilitar muita coisa, mas passado (BITTENCOURT, 2008, p. 168)
também ela fez com que muitas outras coisas
ficassem no esquecimento, por exemplo, o contato

pessoal, o convívio diário com as pessoas, o indi- Estudos acerca da oralidade começaram a ser utilizados no Brasil
vidualismo ficou muito acentuado, isso é uma car- a partir da década de 1970 e sobre seu significado a historiadora
acterística deste novo século. Os jovens perderam o Regiane Silva Penna, em sua obra Fontes Orais e Historiografia:
interesse pela história e tendo uma leitura do passa- avanços e perspectivas (2005), esclarece ser a história oral um tipo
do podemos compreender com mais clareza muitas de metodologia utilizada na pesquisa que consiste na realização
de entrevistas gravadas com pessoas de uma comunidade local
coisas do nosso presente. “
que podem dar testemunho a respeito de acontecimentos, culturas,
modos de vida ou quaisquer outros aspectos que envolvam a história

“ Tenho saudades das festas e desfiles esco- contemporânea. Não por acaso, este tipo de técnica passou a ser
lares que tinha aqui em Alegre, dos bailes, utilizada a partir da década de 1950, com a invenção do gravador
nos Estados Unidos, Europa e México, alcançando proporções
dos passeios pelas ruas, das pessoas poderem
significativas desde então. É bastante utilizada, sobretudo na área
sentar nas praças e conversar. Do restaurante
de Ciências Humanas, entre historiadores, antropólogos, sociólogos,
Casa Velha até a Praça do Pico de Bandeira, a rua
pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros.
ficava interditada para esses encontros, todo sába-
do e todo domingo, era como se fosse uma rua de O trabalho com Memórias, respeitando o método à sua
lazer. A gente não pode ser muito saudosista, mas utilização, que no caso do presente estudo contou também com
documentação específica, é de suma importância pois permite
os valores que preservamos antes fazem falta,
conhecer e reconhecer outros agentes construtores da história: o
como respeitos aos pais, professores, hierarquia.
homem comum. Assim, a memória é capaz não somente de recordar,
Hoje os pais não colocam limites nos filhos. A
mas de refazer e unir, abrindo possibilidades de se entrelaçar o
minha educação foi muito rígida e a dos meus passado ao presente (LE GOFF, 1990, p. 188).
pais deve ter sido mais rígida ainda.”
Ao levantarmos as infinitas memórias dos municípios de
Vicente de Paula Albani Alegre e Guaçuí, Espírito Santo, foram investigadas quais as histórias
a respeito do processo imigratório iniciado no Brasil do século XIX que

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se escondiam ali e que não se encontravam em livros ou materiais


oficiais utilizados no cotidiano da comunidade, sobretudo no dia a dia
Nós nunca tivemos placa do relojoeiro
dos estudantes. Afinal, como bem destaca Le Goff (1990, p. 398-400),
Palumbo. Só um relógio. Só que depois
a lembrança é uma considerável fonte histórica e buscamos utilizá-la
para envolver e familiarizar os estudantes dos anos finais do ensino que meu pai morreu minha mãe achou que tinha
fundamental de escolas públicas da rede estadual do estado do que tirar o relógio por que a meninada era muito
Espírito Santo com a construção da História expressa pela oralidade. sem vergonha, batia no relógio e ele era um relógio
artesanal, aí a mamãe mandou tirar. O pessoal
À vista disso, a valorização da história local através
sentiu muita falta do relógio, muita falta mesmo,
do processo de investigação das inúmeras memórias permite a
reformulação na leitura e compreensão dos processos históricos já na época da Segunda Guerra Mundial eles quiser-
que através dela é possível verificar transformações ocorridas no am quebrar o relógio. Teve uma certa implicância
meio, realizadas por gente comum e assim ultrapassa-se os limites sabe, então foi muito chato, meu pai foi chamado
da ideia de que o cotidiano é repleto e permeado pela alienação na delegacia e tudo, mas não teve problema porque
(BITTENCOURT, 2006, p. 168). não tinha nada a temer. Tem pessoas que ainda
lembram dele, pessoas mais jovens, ele gostava
Ainda de acordo com Bittencourt (2008, p. 136) a história
local normalmente se liga à do cotidiano por fazer das pessoas muito de ler esses livretos de detetives, a garotada
comuns participantes de uma história supostamente destituída de vinha trocar com ele direto, tem lá até hoje os livros
importância, podendo estabelecer assim relações entre grupos guardados lá em casa, sabe, cada conto bom.”
sociais de condições diversas que participaram de entrecruzamento
de histórias, tanto no presente quanto no passado.

No que tange à utilização da memória à escrita da história,


Benjamin (1987, p. 227) esclarece não ser aquela um instrumento
para a exploração do passado: mas sim, o meio. Nesse sentido, é
onde se deu a vivência, tal como o solo é o meio sutil no qual as
antigas cidades estão soterradas. Dessa forma o autor conclui que,
para se aproximar do próprio passado, o homem deve agir como
escavador desta memória.

Desse modo, para Le Goff (1990, p. 368), “(...) o estudo da


memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas
do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora
em retraimento, ora em transbordamento”. Sinaliza assim o autor,
para o importante papel da memoração nas comunidades sem escrita
e afirma que ela está inserida nas grandes questões das sociedades,
desenvolvidas ou não, sendo elemento constitutivo da identidade
social ou coletiva: à utilização das memórias ao mesmo tempo em
que estabelece a divisão destas entre individual e coletiva, sinalizando

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para a importância da última no trato das Ciências Humanas.

Na visão da historiadora Olga Rodrigues de Moraes von


Simson (2003, p. 14), as diversificadas memórias avivam a existência
da memória individual, que guardada pelo indivíduo, se refere às suas
próprias vivências e experiências, mas que contém também aspectos
da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, onde esse
indivíduo foi socializado. Ou seja, memória é a capacidade humana
de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas
gerações através de diferentes suportes empíricos (voz, música,
imagem, textos etc.). Nesse sentido a autora esclarece que:

Existe uma memória individual que é


aquela guardada por um indivíduo e
se refere às suas próprias vivências e
experiências, mas que contém também
aspectos da memória do grupo social
onde ele se fomou, isto é, no qual esse
indivíduo foi socializado. Há também
aquilo que denominamos de memória
coletiva, que é aquela formada pelos fatos
e aspectos julgados relevantes pelos
grupos dominantes e que são guardados
como memória oficial da sociedade mais
ampla (SIMSON, 2003, p. 14).

Também Maurice Halbwachs (1990, p. 23-25),


estipula diferenças entre conceitos de memória individual e
memória coletiva, que podem ser estabelecidas como a primeira,
compreendida como um processo psicológico básico, e a segunda
como a memória social, ou, em outras palavras, como um
processo de construção grupal. De certa forma, de acordo com o
autor, nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são
lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos
nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só
nós vimos: “(...) é porque, em realidade, nunca estamos sós. Não
é necessário que outros homens estejam lá, que se distinguam
materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós
uma quantidade de pessoas que não se confundem (HALBWACHS,
1990, p. 26).
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Quanto à utilização da memória coletiva na didática,
na compreensão e na construção historiográfica, a obra intitulada
Ensino de História: Fundamentos e Métodos, de Circe Maria
Fernandes Bittencourt (2006, p. 170), reafirma a importância do
“ Sim, ele se dava muito bem com o
Padre Miguel. Ele que fez o anel
do Padre, anel do Monsenhor. O anel que
uso das recordações coletivas quanto à valorização da história o Padre Miguel tem..., aliás, tinha, porque está
local, oferece caminhos para esta atividade e estipula diferenças no museu... foi uma pedra linda, e tem um outro
entre memória coletiva e história. Aclara ser a primeira uma
também, o Padre Macário, foi meu pai que fez o
relação gregária da comunidade com seu passado, e, portanto,
anel dele também. Então ele fazia essas joias. Mas
carregada de seleções, eliminações e omissões, permeada
a especialização era fazer relógios, consertar peças
por variações de acordo com a idade, sexo, ocupação, origem,
etc., de seus agentes. Em contrapartida, afirma que o papel da e depois que foi vindo as outras coisas, vai fazendo
História, em seu relacionamento simbiótico com a memória, se as misturas de ouro, porque antigamente vendia-se
volta ao trabalho com a acumulação das memórias, reordenação muito, tipo coroa de dente, mas fina que tem,
do tempo, metodologias para recomposição de seus dados, misturava com prata, com cobre em determinadas
além de confrontar memórias individuais e coletivas com outros quantidades para fazer um ouro mais baixo e fino
documentos. para trabalhar com joias.”
Por outro lado, Jacques Le Goff (1990, pp. 90-91) alerta-nos


para o perigo da utilização da memória coletiva na manutenção do
Nossa senhora, éramos muito
poder de grupos dominantes em detrimento de grupos dominados.
bem acolhidos, nunca fomos
As estruturas do poder de uma sociedade compreendem o poder
rejeitados por ninguém. A gente sempre era
das categorias sociais e dos grupos dominantes ao deixarem,
voluntariamente ou não, testemunhos suscetíveis de orientar a convidado para as melhores festas da cidade, em
história num ou noutro sentido; o poder sobre a memória futura, carnavais, em bailes, e tudo mais, o pessoal nos
o poder de perpetuação deve ser reconhecido e desmontado pelo tratava muito bem!
historiador.
Carolina Palumbo Faria

Nenhum documento é inocente. Deve


ser analisado. Todo o documento é um
monumento que deve ser desestruturado,
desmontado. O historiador não deve ser
apenas capaz de discernir o que é “falso”,
avaliar a credibilidade do documento,
mas também saber desmistificá-lo. Os
documentos só passam a ser fontes
históricas depois de estarem sujeitos a
tratamentos destinados a transformar a
sua função de mentira em confissão de
verdade (LE GOFF, 1990, p. 91-92).

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Nesse sentido, para se evitar interpretações errôneas ou
que privilegiassem determinados grupos em detrimento de outros, a
metodologia utilizada na elaboração deste trabalho contou ao longo do
processo com análises documental e bibliográfica e, principalmente,
com o cuidado na utilização das memórias recolhidas para que não
fossem analisados temas da vida cotidiana de forma isolada dos
contextos históricos.

Sobre a utilização de documentos com crianças e


adolescentes em fase escolar, Bittencourt enfatiza o cuidado do
profissional de história quanto ao trato entre documentos e estudantes:

Os documentos tornam-se importantes


como um investimento ao mesmo
tempo afetivo e intelectual no processo
de aprendizagem, mas seu uso será
equivocado caso se pretenda que o aluno
se torne um pequeno historiador, uma vez
que para o historiador, os documentos
têm outra finalidade que não pode ser
confundida com a situação de ensino de
História. Para eles, os documentos são
a fonte principal de seu ofício, a matéria-
prima por intermédio da qual escrevem a
história (BITTENCOURT, 2006, p. 329).

Após processo de seleção, definido referencial teórico a ser esmerado


com os estudantes da Escola de Ensino Fundamental Médio Aristeu
Aguiar do município de Alegre, estes ingressaram no processo de
releitura da imigração de italianos nos municípios escolhidos para
a realização do projeto. Não se pretendeu durante o percurso, que
contou com aulas expositivas, análise documental, principalmente de
jornais de época, discussões e entrevistas; a criação de pequenos
historiadores, mas buscou-se o contato do estudante com sua própria
história através da valorização das lembranças dos moradores locais
colhidas em conversas com estes. Sendo assim, o objeto de estudo
contemplou a memória e a suas construções cotidianas dando relevo
à oralidade dos cidadãos alegrenses e guaçuíenses.

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A partir das memórias recolhidas e sua análise conclui-
se este estudo onde é possível a percepção acerca da significativa
influência da cultura italiana ainda presente nos municípios de Alegre
e Guaçuí, ambos no Sul do estado capixaba. Tal influxo pode ser
observado nos costumes religiosos, na culinária marcada pelas
lembranças de quitutes e almoços de domingo, no saudosismo dos
membros mais velhos, e de certo, também nos mais jovens, quanto
aos sempre numerosos encontros de família, na forma de viver e agir
marcadas normalmente por princípios morais bastante rígidos.

A relevância do trabalho, entretanto, não se encontra apenas


na transposição de entrevistas e relatos colhidos em campo, mas
principalmente nos elos formados a partir da memória entre passado e
presente vividos. Ao concluir este projeto e suas discussões, retoma-
se ao questionamento do parágrafo introdutório do capítulo que fecha
todo o processo de construção dessas histórias, podendo-se afirmar
que sendo a História a Ciência dos Homens no Tempo, são eles seus
reais construtores.

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