Organizadores
Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty | Prisciliana Costa Ventura | Mateus Augusto Almeida Martins | Victor Silva Salaroli do Nascimento
Pesquisa: Amanda Caetano de Oliveira, Ana Carolina Silva Vimercati, Ana Luiza Laurindo Campos, Davi Mariano Viana Corrêa, Helen Gomes do Nascimento,
Maínna Miranda de Azevedo, Mariana Carvalho Muniz, Mateus Augusto Almeida Martins, Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty, Prisciliana Costa Ventura,
Rafaela Bernardes Moreira, Richard Prata de Oliveira, Thayla Oliveira Santos e Victor Silva Salaroli do Nascimento.
Entrevistadores: Helen Gomes do Nascimento, Maínna Miranda de Azevedo, Mellina de Fátima Neres de Sousa Curty e Prisciliana Costa Ventura.
Transcrições: Amanda Caetano de Oliveira, Ana Carolina Silva Vimercati, Ana Luiza Laurindo Campos, Helen Gomes do Nascimento, Maínna Miranda de
Azevedo, Mariana Carvalho Muniz, Rafaela Bernardes Moreira, Thayla Oliveira Santos e Victor Silva Salaroli do Nascimento.
Participação de ex-alunas que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento do projeto: Bruna Gaspar da Silva,
Izabella Obolari Peixoto Seraphini, Jocimara de Oliveira Silva, Larissa Cazadine Bebber, Maria Eduarda Soares Ferreira e Rayane Braga Osto.
Gilberto Medeiros
Flávio Borgneth
Tarso Brennand
Comitê Científico
Coordenador
Vitor Cei Santos
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
David G. Borges
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
É livre a utilização, duplicação, reprodução e distribuição desta edição, no todo ou em parte, por todo aquele que desejar,
bastando citar a fonte. Comercialização proibida.
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Ficha Catalográfica
CARTA DO EDITOR
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
5 REFERÊNCIAS
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D
esse modo, a análise de Ricardo Salles acerca da
escravidão torna-se bastante reveladora quando nos
questionamos sobre aquela instituição: “a escravidão
era considerada como uma peça necessária, ao mesmo tempo,
incômoda e isolada da sociedade imperial. Algo como uma
caixa de gordura em uma casa: até que apresente problemas,
é ela parte da qual frequentemente nos esquecemos (SALLES,
2013, p. 115)”. Assim, tomamos como ponto de partida a frase
de Salles, pois de fato, a escravidão era algo tido como um
“mal necessário”, mas que, devido às pressões externas e a
uma série de questões internas, a instituição escravista viu
seus pilares se desmoronando especialmente a partir da
segunda metade do século XIX.
ES 5 2 7
MG 57 18 75
SP 66 34 100
RJ 141 59 200
Município
7 4 11
Neutro
Sem
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informação
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A “
partir da segunda metade do século XIX, países como a Eu nasci em Alegre. Pelo que eles contavam (meus
Alemanha, a França e a Áustria haviam se unido à Bélgica familiares), eles embarcaram em Gênova na Itália.
e a Inglaterra no conjunto de nações industrializadas
Os navios eram a vapor e as viagens eram complica-
(HOBSBAWM, 1988, pp. 7-8). Em consequência disso, a jovem
das. Foi uma viagem bem lenta e eles vieram para
Itália, finalmente unificada em 1860, passou por um processo
o Porto do Rio de Janeiro, outros pelo Porto de
de desestruturação socioeconômica e tornou-se uma espécie
de periferia destes países (RÉMOND, 1997, pp. 151-154). De Santos em São Paulo, e de lá tinham uns agentes
acordo com o historiador inglês Eric Hobsbawm (1979, p. 203), que ficavam negociando a ida dessas famílias para
movimentos populacionais e industrialização andam juntos, já que o interior do país para desenvolver a agricultura,
o desenvolvimento econômico moderno do mundo pede mudanças mesmo porque era um período que tinha acaba-
substanciais junto aos povos e, por outro lado, facilita tais articulações do a escravidão no país, quando aconteceu essa
tornando-os tecnicamente baratos e mais simples através de grande leva de imigrantes, não só italianos,
comunicações novas e melhores, assim como evidentemente permite
como de outras raças também.”
ao planeta manter uma população bem maior.
“
1997, p. 95). Na visão do historiador Sérgio P. de Paula (2013, p. 34),
Albani, por exemplo, italiano
a emigração massiva aliviou a pressão social interna na Europa e,
que termina com ‘i’ ou com ‘e’
de certa forma, resolveu uma crise antes que ela se tornasse uma
é plural, ou seja, significa que eu
revolução. Nesse sentido, o impacto das transformações políticas
e socioeconômicas deteriorou rapidamente a vida rural, levando sou dos Albanes, filho de Albanes.
à subnutrição e tornando uma grande parcela da população mais Albani poderia ser da Albania ou
susceptível as doenças. Dessa forma, Celso Furtado (2008, p. 187) poderiam ser povos que atraves-
afirma, por exemplo, que “(...) a pressão sobre à terra, do excedente saram o canal e foram para a Itália,
de população agrícola, fez crescer a intranquilidade social”. Assim, povos vindos de outras regiões, não
as ações do governo imperial brasileiro para alavancar a imigração sei te dizer ao certo.”
e aliciar imigrantes, só obtiveram sucesso graças às transformações
ocorridas no Velho Mundo.
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O
s primeiros imigrantes italianos começaram a chegar ao Brasil 1888, minha família veio mais ou menos 1892. Eles
ainda na década de 1840. No entanto, foi entre os anos de 1870 não sabiam nem para onde estavam indo, alguns
e 1910 que houve o maior fluxo de italianos para o território pegaram novos navios e vieram, foi o que aconteceu
brasileiro, principalmente para as regiões sul e sudeste do país. com minha família, pegaram um navio no Rio de
Janeiro e vieram para o Porto de Benavente e outros
O Brasil era visto como uma terra nova, repleta de
para o Porto de Itapemirim, perto de Marataízes.”
oportunidades. E que, devido aos problemas referentes à mão-de-obra
enfrentados pelos italianos, que especialmente dessa forma o governo
brasileiro fez diversas campanhas na Itália com intuito de atrair esses
italianos para o trabalho na lavoura brasileira. Dessa forma, chegaram
ao Brasil imigrantes de todas as regiões da Itália, cuja preponderância
“ Havia um porto muito grande ali com muito
movimento, ali eles desembarcaram e foram
obrigados a fazer quarentena, para saber se não
se referem às regiões do Norte e que juntas forneceram 92% dos tinham nenhuma doença, porque naquela época não
imigrantes, enquanto as regiões do centro contribuíram com 6% e
tinham vacinas e nem remédios, então eles tinham
as do Sul, com 2% dos italianos (LAZZARI, 2014, p. 67). E assim,
que ficar lá por observação durante 40 dias, para daí
mediante àquele contexto histórico juntamente com os dados citados,
serem designados para as fazendas. Enquanto ficava
podemos dizer que o Espírito Santo, por exemplo, abriga ainda hoje
uma das maiores colônias italianas no Brasil (PAULA, 2013, p. 43). a negociação dos agentes com os fazendeiros. “
No que tange à vinda dos italianos, esses imigrantes foram Vicente de Paula Albani
atraídos para terras capixabas afim de ocuparem inicialmente a região
das serras e ao chegarem em solo espírito-santense depararam-se
com outra realidade muito diferente da anunciada, cuja infraestrutura
econômica e governamental eram significativamente precárias e
“ O meu pai quando veio para o Rio de Janei-
ro, veio a chamado de um tio dele, ele veio e
ficou no Rio, fez diversas coisas, mas depois ele foi
incapazes de assegurar-lhes condições básicas de vida e trabalho.
chamado para trabalhar em Carangola para ser assim,
Entretanto, apesar dessa realidade hostil, grande parte desses
chefe de uma concessionária chamada “Pistono”,
imigrantes conseguiram adquirir lotes nas áreas de colonização
então ele foi chamado para ser chefia. Ele foi chefe
(PAULA, 2013, p. 63).
dessa concessionária de fabricação de peças. Então
Como já dito, a partir da metade do século XIX o Brasil ele trabalhava em vários fornos, para fabricar
recebeu significativa quantidade de imigrantes italianos, o que peças, essas coisas, e lá conheceu a mamãe, e
contribuiu para que houvesse expressivas mudanças sociais e se casaram lá em Carangola. E para aqui para
econômicas em terras capixabas. Sendo assim, o início dessa nova Guaçuí, eu vim quando eu tinha 5 anos.
“colonização” se deu a partir do contexto delicado em que a Europa
estava vivendo naquele período e, devido a tais circunstâncias, esses Carolina Palumbo Faria
italianos buscavam reconstruir ou muitas vezes construir uma vida
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“ A minha ainda uma designação do lote da terra, mas, para se obter a terra,
o dono só poderia cultivar se submetesse às obrigações relativas
família veio nessas
à compra do terreno. Por conseguinte, a possibilidade de acesso à
levas. Saíram do Porto do
propriedade fundiária foi um dos principais aspectos das migrações
RJ, vieram para Cachoeiro de
transoceânicas no século XIX, uma vez que, no imigrante havia certo
Itapemirim, depois para região de Muqui fascínio pela possibilidade de vir a ser proprietário. Nesse sentido,
e posteriormente Alegre e Guaçuí, e se estabe- a propaganda de migração para o Brasil na Europa, sobretudo na
leceram aqui nesta região. Os homens foram Itália na segunda metade do Oitocentos, firmava a ideia da facilidade
trabalhar nas construções das estradas de fer- de acesso à propriedade de terra e, assim, maior possibilidade de
ro. Os túneis de Alegre, a maioria foi feita por ascensão do trabalhador à condição de proprietário (PAULA, 2013,
mão de obra de imigrantes, inclusive, de ital- p. 41).
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“
ainda assim, somente no ano de 1895 ingressaram no Espírito
Porque o vovô, ele trabalhava com... não
Santo cerca de 4.575 imigrantes.. Nesse mesmo ano, no entanto,
lembro como se chama, mas era de tomar
a imigração italiana para o Espírito Santo fora proibida, devido ao
conta de pessoas estrangeiras, de cartas, documen-
relatório do cônsul Carlo Nagar, o qual apontava vários problemas
enfrentados pelos imigrantes nesse Estado, tais como: deficiência dos tos... eu não lembro o nome de como se chama isso.
meios de transporte entre a capital e os núcleos coloniais; condições Quem escreveu para a Itália foi o pai de mamãe para
precárias de alojamento nos barracões existentes nas sedes dos saber a situação, isto é, se ele podia casar. Porque
núcleos; demora na obtenção do lote e imprecisão nas demarcações; naquela época não podia, tinha que saber direitinho
isolamento dos migrantes; escassez, carestia e má qualidade dos quem era a pessoa.”
gêneros alimentícios no interior do Estado; deficiência na assistência
médica, escolar e religiosa: demora nos pagamentos e substituição do
dinheiro por bônus (NAGAR, 1895, p. 35).
“
Apesar dessas questões, como bem sintetiza a historiadora Ele não veio para trabalhar nas lavouras de
Petrone (1982):
café, veio para a profissão dele mesmo. Ele já
Uma das maiores contribuições do
imigrante para a sociedade capixaba era engenheiro mecânico formado.”
foi ter demonstrado a viabilidade da
pequena propriedade, o que lhe deu
Carolina Palumbo Faria
um papel significativo nesta mesma
sociedade. No sul do Espírito Santo,
graças ao retalhamento de fazendas ou
terras devolutas, a pequena propriedade
de imigrantes mudou completamente
(PETRONE, 1982, p. 53).
37
40
CAUSA DA MORTE %
MORTE NATURAL 49%
CÓLERA 23%
FEBRE 18%
VARÍOLA 10%
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Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os césares? visava preservar a cultura, a língua,
as músicas, havia até mesmo missas
BRECHT 1898 - 1956
celebradas em italiano.”
O “
que é História? Quem são seus agentes? De quantas
A tradição maior que a gente preserva é quan-
maneiras diferentes ela pode ser redigida? E afinal, quem
to a religião, o catolicismo, principalmente a
pode escrever a História? Questões como essas podem
permear o raciocínio do leitor mais atento e criar alguma desconfiança noite de natal, aquela tradição de fazer a ceia, a
quando se tem em mãos uma obra que valorize a oralidade através semana santa, são mais tradições religiosas”.
da memória local.
Para começo de conversa torna-se necessário ser Vicente de Paula Albani
elucidado o sentido do termo História, elaborado e aprimorado com
os construtores do projeto intitulado “História e Memória coletiva nos
Municípios de Alegre e Guaçuí: o resgate da cultura italiana pela
nova geração de estudantes alegrenses” afim de maior aproximação
entre nosso objeto de estudo e o método utilizado na construção do
presente trabalho.
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“
histórias, tanto no presente quanto no
A tecnologia veio para facilitar muita coisa, mas passado (BITTENCOURT, 2008, p. 168)
também ela fez com que muitas outras coisas
ficassem no esquecimento, por exemplo, o contato
pessoal, o convívio diário com as pessoas, o indi- Estudos acerca da oralidade começaram a ser utilizados no Brasil
vidualismo ficou muito acentuado, isso é uma car- a partir da década de 1970 e sobre seu significado a historiadora
acterística deste novo século. Os jovens perderam o Regiane Silva Penna, em sua obra Fontes Orais e Historiografia:
interesse pela história e tendo uma leitura do passa- avanços e perspectivas (2005), esclarece ser a história oral um tipo
do podemos compreender com mais clareza muitas de metodologia utilizada na pesquisa que consiste na realização
de entrevistas gravadas com pessoas de uma comunidade local
coisas do nosso presente. “
que podem dar testemunho a respeito de acontecimentos, culturas,
modos de vida ou quaisquer outros aspectos que envolvam a história
“ Tenho saudades das festas e desfiles esco- contemporânea. Não por acaso, este tipo de técnica passou a ser
lares que tinha aqui em Alegre, dos bailes, utilizada a partir da década de 1950, com a invenção do gravador
nos Estados Unidos, Europa e México, alcançando proporções
dos passeios pelas ruas, das pessoas poderem
significativas desde então. É bastante utilizada, sobretudo na área
sentar nas praças e conversar. Do restaurante
de Ciências Humanas, entre historiadores, antropólogos, sociólogos,
Casa Velha até a Praça do Pico de Bandeira, a rua
pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros.
ficava interditada para esses encontros, todo sába-
do e todo domingo, era como se fosse uma rua de O trabalho com Memórias, respeitando o método à sua
lazer. A gente não pode ser muito saudosista, mas utilização, que no caso do presente estudo contou também com
documentação específica, é de suma importância pois permite
os valores que preservamos antes fazem falta,
conhecer e reconhecer outros agentes construtores da história: o
como respeitos aos pais, professores, hierarquia.
homem comum. Assim, a memória é capaz não somente de recordar,
Hoje os pais não colocam limites nos filhos. A
mas de refazer e unir, abrindo possibilidades de se entrelaçar o
minha educação foi muito rígida e a dos meus passado ao presente (LE GOFF, 1990, p. 188).
pais deve ter sido mais rígida ainda.”
Ao levantarmos as infinitas memórias dos municípios de
Vicente de Paula Albani Alegre e Guaçuí, Espírito Santo, foram investigadas quais as histórias
a respeito do processo imigratório iniciado no Brasil do século XIX que
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“
oficiais utilizados no cotidiano da comunidade, sobretudo no dia a dia
Nós nunca tivemos placa do relojoeiro
dos estudantes. Afinal, como bem destaca Le Goff (1990, p. 398-400),
Palumbo. Só um relógio. Só que depois
a lembrança é uma considerável fonte histórica e buscamos utilizá-la
para envolver e familiarizar os estudantes dos anos finais do ensino que meu pai morreu minha mãe achou que tinha
fundamental de escolas públicas da rede estadual do estado do que tirar o relógio por que a meninada era muito
Espírito Santo com a construção da História expressa pela oralidade. sem vergonha, batia no relógio e ele era um relógio
artesanal, aí a mamãe mandou tirar. O pessoal
À vista disso, a valorização da história local através
sentiu muita falta do relógio, muita falta mesmo,
do processo de investigação das inúmeras memórias permite a
reformulação na leitura e compreensão dos processos históricos já na época da Segunda Guerra Mundial eles quiser-
que através dela é possível verificar transformações ocorridas no am quebrar o relógio. Teve uma certa implicância
meio, realizadas por gente comum e assim ultrapassa-se os limites sabe, então foi muito chato, meu pai foi chamado
da ideia de que o cotidiano é repleto e permeado pela alienação na delegacia e tudo, mas não teve problema porque
(BITTENCOURT, 2006, p. 168). não tinha nada a temer. Tem pessoas que ainda
lembram dele, pessoas mais jovens, ele gostava
Ainda de acordo com Bittencourt (2008, p. 136) a história
local normalmente se liga à do cotidiano por fazer das pessoas muito de ler esses livretos de detetives, a garotada
comuns participantes de uma história supostamente destituída de vinha trocar com ele direto, tem lá até hoje os livros
importância, podendo estabelecer assim relações entre grupos guardados lá em casa, sabe, cada conto bom.”
sociais de condições diversas que participaram de entrecruzamento
de histórias, tanto no presente quanto no passado.
51
“
para o perigo da utilização da memória coletiva na manutenção do
Nossa senhora, éramos muito
poder de grupos dominantes em detrimento de grupos dominados.
bem acolhidos, nunca fomos
As estruturas do poder de uma sociedade compreendem o poder
rejeitados por ninguém. A gente sempre era
das categorias sociais e dos grupos dominantes ao deixarem,
voluntariamente ou não, testemunhos suscetíveis de orientar a convidado para as melhores festas da cidade, em
história num ou noutro sentido; o poder sobre a memória futura, carnavais, em bailes, e tudo mais, o pessoal nos
o poder de perpetuação deve ser reconhecido e desmontado pelo tratava muito bem!
historiador.
Carolina Palumbo Faria
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FONTES HISTÓRICAS
Manuscritas
ACESSO ON-LINE
Leis do Império
COLEÇÕES LEGISLATIVAS
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