Verbete
O documento citado não especifica se os bens culturais são protegidos por leis em
seus países de origem, mas define claramente, em vastas categorias, o que deve ser
compreendido por bem cultural. Além disso, incentiva que esses bens passem a ser
protegidos e regulamentados por leis nacionais que objetivem protegê-los e preservá-
los. Também abrange a urgência de muitos países que, não mais em guerra, se
ressentem de objetos levados durante conflitos. Em outros casos, remete-se aos
países que conquistaram a independência, livres da relação de colonizado e
colonizador e que, independentes, requeiram o direito de ter de volta o que lhes foi
levado em outros contextos, entre muitos outros casos, considerando seus bens
inalienáveis. O Brasil participou diretamente desses conclaves desde a Convenção de
Haia de 1907, Haia IV, enviando embaixadores e especialistas nos assuntos a serem
tratados, constituindo, juntamente com outros assuntos, a Agenda Internacional do
Ministério das Relações Exteriores (MRE), que contava com a cooperação de outros
órgãos especializados.
No Brasil, a terminologia bem cultural, quando aplicada aos bens protegidos, também
apresentou suas variantes, uma vez que o conceito igualmente passou por
transformações na área do patrimônio. Até os anos setenta, o termo bem cultural, se
utilizado no sentido de bem protegido, estava mais próximo da ideia de patrimônio
vinculado às primeiras décadas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), de acordo com o qual os bens são vistos como aqueles associados
a “fatos memoráveis da história do Brasil, quer pelo seu excepcional valor
arqueológico quer pelos valores etnográfico, bibliográfico ou artístico”, incluindo os
monumentos naturais, os sítios e as paisagens, delimitação das primeiras décadas de
atuação da instituição, citados do Decreto-lei n.25 de 1937. O conceito, portanto,
passa a ter sua reelaboração no exercício das práticas de preservação a partir da
proposta apresentada por Aloísio Magalhães e sua equipe na década de setenta, que
inseriu a cultura no âmbito das políticas sociais (ANASTASSAKIS, 2007, p.37). Aloísio
Magalhães, designer, advogado e artista plástico, assumiu a direção do IPHAN em
1979, e integrou a este Instituto dois novos organismos: o Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC) e o Programa das Cidades Históricas (PCH). Antes de
sua incorporação ao IPHAN, e desde 1975, Aloísio Magalhaes realizou inúmeras
experiência na área de pesquisa pelo CNRC, com base em uma perspectiva mais
próxima da concepção antropológica (ANASTASSAKIS, 2007, p. 39). Nesse sentido,
afirma Fonseca (1997, p. 163) que “o interesse que movia o grupo era, em princípio
bastante próximo das preocupações dos modernistas de 1922”. No decorrer do
trabalho do CNRC, ainda segundo Fonseca:
As referências que o CNRC se propunha a apreender eram as
da cultura em sua dinâmica (produção, circulação e consumo)
e na sua relação com os contextos socioeconômicos. Ou seja,
um projeto bastante complexo e ambicioso, e que visava
exatamente àqueles bens que o IPHAN considerava fora de
sua escala de valores. E, gradualmente, a preocupação com os
„novos patrimônios‟ passou a incluir os sujeitos a que se
referiam esses patrimônios, primeiro com a ideia de
“devolução” dos resultados das pesquisas às populações
interessadas e, posteriormente, com sua participação enquanto
parceiros [...] (FONSECA, 2000, p. 66).
Em seu livro “E triunfo?”, Aloísio Magalhães faz uma crítica à terminologia bem
cultural associada às primeiras décadas institucionais, e explicita seus objetivos em
relação às atividades na área da cultura:
Ocorre, entretanto, que o conceito de bem cultural no Brasil
continua restrito aos bens móveis e imóveis, contendo ou não
valor criativo próprio, impregnados de valor histórico
(essencialmente voltados para o passado), ou aos bens de
criação individual espontânea, obras que constituem o nosso
acervo artístico (música, literatura, cinema artes plásticas,
arquitetura, teatro), quase sempre de apreciação elitista
(MAGALHÃES, 1985, p. 52).
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