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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E
ENSINO
LITERATURA E ENSINO

A LITERATURA NO ENEM: questionamentos,


perspectivas e propostas

Aluska Silva

Campina Grande, Fevereiro de 2013


Aluska Silva

A LITERATURA NO ENEM: questionamentos,


perspectivas e propostas

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de
Campina Grande, como pré-
requisito para a obtenção do grau
de Mestre em Linguagem e Ensino.
Orientadores: Profª. Drª. Josilene
Pinheiro Mariz e Prof. Dr. José
Hélder Pinheiro Alves
(coorientador).

2013
Aluska Silva

Folha de Aprovação:

Banca Examinadora

______________________________________________
Profª. Dra. Josilene Pinheiro Mariz - UFCG (Orientadora)

______________________________________________
Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves - UFCG (Coorientador)

______________________________________________
Profª. Dra. Maria Analice Pereira da Silva - IFPB
(Examinadora Externa)

______________________________________________
Profª. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega - UFCG
(Examinadora Interna)

Campina Grande, Fevereiro de 2013


Ao primeiro e único amor da minha vida,
Tércio de Carvalho Cézar, companheiro
inseparável, por nunca me deixar desistir
daquilo que em acredito.
AGRADECIMENTOS

Deus, grande autor da vida, obrigada por me fazer entender desde cedo que minha
existência não tem sentido sem o teu amor. Obrigada por se fazer humano, dando-te teu
filho por minha salvação e uma mãe tão generosa que me abraçou como filha.

Mainha e Painha, obrigada pela educação, pelo esforço diário em me proporcionar o melhor,
vocês são meus grandes espelhos, minha base.

Tércio, obrigada por entender minhas crises, por ler meus textos, por me incentivar sempre
nos estudos. Acho que agora podemos casar...

Josi, já posso chamá-la assim. Há três anos atrás morria de medo de sua arguição na minha
monografia e agora te tenho como orientadora. Agradeço-te pelos encontros sempre bem
humorados, pelas longas conversas sobre a vida, por me deixar ser, além de orientanda,
uma filha. Tenha certeza de que estarás marcada para sempre em minha vida, como
exemplo de mulher, de esposa, de professora!

Hélder, obrigada por ainda me deixar acessar os seus livros, por ainda me fazer rir com as
pegadinhas mais antigas do mundo (Você soube daquele cantor que morreu no rio?), por
me deixar fazer parte da sua vida, por me deixar trazer no colo, logo após o nascimento, seu
bem mais precioso, seu Davi.

Marta, agradeço-te pelas contribuições, desde a apresentação do meu projeto de pesquisa,


até a sua conclusão, nesta dissertação.

Analice, obrigada por ler meu texto, mesmo tendo tantos afazeres. Tenho certeza que suas
contribuições enriquecerão ainda mais as discussões desse trabalho.

Colegas da Pós, espero que cada um possa ter absorvido o melhor de nossas discussões e
que tenhamos sucesso nesta nova etapa de nossas vidas acadêmicas.

Txuris, muito mais silenciosas agora do que na graduação, mas, ainda assim, presença
constante, mesmo que por telefone ou pela internet. A vida segue seu rumo, mas o que é
bom permanece. Obrigada pela amizade.

Netto, por sempre dizer que eu ia longe, e por ter lido meu texto, meu eterno agradecimento.

Amigos de hoje, de ontem, obrigada por compreenderem minhas ausências, por me


proporcionarem momentos de constante alegria, Kalina, cunhada do meu coração, obrigada
por me ouvir e por me aconselhar; Amanda, amiga-irmã, agora já com Anna Beatriz e Arthur
ainda divide momentos felizes e tristes comigo.

Por fim, agradeço ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das


Universidades Federais por te me concedido a bolsa REUNI, que me propiciou, além da
remuneração, uma experiência ímpar junto ao curso de graduação em Letras e à Pós
Graduação em Linguagem e Ensino, por me formar mestre.
Deus de meus pais e Senhor de misericórdia. Tu
criaste tudo o que existe com a tua palavra. Com
tua sabedoria formaste o homem. Dá-me a
sabedoria que está junto de ti, pois ela, que sabe
tudo e compreende tudo, irá guiar-me sabiamente
nos meus trabalhos e me protegerá. Sb 9, 1-2.
RESUMO

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é uma realidade na vida de professores e


alunos no nível médio. Sua prova, além de seletiva para o ingresso de alunos nas
Instituições de Ensino Superior é utilizada para medir desempenhos escolares ao fim da
Educação Básica. No ano de 2009 esse Exame adquiriu essa conotação seletiva e passou
por um processo de mudanças metodológicas e políticas. O texto que ora apresentamos
tem como objeto de estudo as questões do ENEM, contidas nas provas realizadas nos anos
de 2009 a 2012; e, a Matriz de Referência, documento norteador das questões
apresentadas pelo exame. Intentamos observar o que propõem as questões de literatura no
ENEM a partir da análise de algumas questões e como essa proposta orienta a forma de
abordagem do texto literário. Nossa pesquisa é de natureza documental tendo como foco de
análise as provas do ENEM de 2009 a 2012 e a Matriz de Referência para o referido exame.
Apresentaremos, nesse estudo, a análise das questões divididas em três categorias: Leitura
de poemas: procedimentos de construção do texto; Leitura de poemas: tendências
historicistas; e, Questões de Identidade e Cultura Nacional. Como fundamentos teóricos,
discutimos primeiramente a formação de leitores literários e a necessidade de práticas
metodológicas que auxiliem esse processo formativo com vistas a apontar possibilidades de
leituras adequadas aos leitores literários que se submetem ao Exame; em seguida,
analisamos a Avaliação e suas funções em um contexto de performatividade. Como
resultados, identificamos que, com base na teoria discutida e na Matriz de Referência do
ENEM, as questões de literatura propostas nos exames de 2009 a 2012 estão, por assim
dizer, distantes do que, de fato, seria uma formação mais completa proposta pela Matriz de
Referência do Ensino Médio. A nossa análise aponta também para caminhos que
permitiriam uma formação mais completa, considerando-se desde aspectos mais voltados
para os procedimentos literários de forma a correlacionar o texto oferecido com o que é
solicitado nas questões; destacamos também, elementos relacionados à historicidade e, em
especial, encontramos em alguns textos literários, dos exames, a abertura para se discutir
questões mais voltadas para a atualidade como a noção de identidade e cultura nacional
defendendo a possibilidade de abordagem dessas escolas literárias, não como instrumento
que impulsione à memorização, mas como mecanismo que possa contribuir com a leitura do
texto literário. Observamos que os procedimentos adotados na nossa perspectiva de leitura
pode ser um caminho muito especial de se formar leitores literários no Ensino Médio. Isso se
dá porque quando são tratadas, em sala de aula, características que condizem com o
cotidiano do aprendiz, a abordagem da literatura se torna muito mais atraente e prazerosa
para o jovem leitor.

Palavras chave: Literatura - Avaliação - Exame Nacional do Ensino Médio


RÉSUMÉ

L’ENEM « Exame Nacional do Ensino Médio », c’est-à-dire l’Examen National de


l’Enseignement Secondaire, est une réalité de la vie des professeurs et des élèves des
collèges et des lycées. En effet, l’examen, en plus d’être sélectif pour l’entrée des étudiants
dans les établissements d'Enseignement Supérieur est également utilisé pour mesurer le
rendement scolaire à la fin de l'éducation de base. C’est en 2009 que cet examen a acquis
cette connotation sélective en passant par un processus de changements méthodologiques
et politiques. Cette recherche que nous vous présentons a pour objet d’étude les questions
de l’ENEM, contenues dans les examens réalisés entre 2009 et 2012, et s’appuie aussi sur
le Tableau de Référence, document qui donne les orientations des questions soulevées par
l'examen. Nous tentons d’observer les questions qui se rapportent à la littérature dans
l’ENEM à partir de l’analyse de certaines questions, et de voir comment cette proposition
oriente l’approche du texte littéraire. Notre recherche est de nature documentaire et se
concentre sur l’analyse des épreuves de l’ENEM de la période 2009 à 2012, en association
avec le Tableau de Référence de l’examen en question. Nous présenterons, dans cette
étude, l’analyse des questions en les séparant en trois catégories : Lecture de poèmes :
procédures de construction du texte ; Lecture de poèmes : tendances historicistes ; et les
questions relatives à l’identité et à la culture nationale. Comme fondements théoriques, nous
soulevons tout d’abord la question de la formation des lecteurs littéraires et de la nécessité
de pratiques méthodologiques qui aident à ce processus de formation, en vue de souligner
les possibilités de lectures appropriées aux lecteurs littéraires qui se soumettent à cet
examen ; nous analysons, ensuite, l’évaluation et ses fonctions dans un contexte de
performativité. En conséquence, nous avons constaté, d’après la théorie discutée et sur la
base du tableau de référence de l’ENEM, que les questions de littérature proposées dans les
examens de 2009 à 2012 sont, pour ainsi dire, éloignées de ce qui, de fait, correspondrait à
une formation plus complète proposée par le tableau de référence de l’Enseignement
Secondaire. Notre analyse souligne aussi les chemins qui conduiraient à une formation plus
complète, en prenant en compte les aspects plus orientés sur les procédures littéraires afin
de corréler le texte proposé avec ce qui est demandé dans les questions ; nous soulignons
également des éléments relatifs à l'historicité, et, nous recherchons plus particulièrement
dans certains textes littéraires des examens, une ouverture pour aborder des questions plus
axées sur l'actualité, comme la notion d’identité et de culture nationale en défendant la
possibilité d’approche de ces écoles littéraires, non pas comme instrument pour renforcer la
mémorisation, mais comme mécanisme qui puisse contribuer à la lecture du texte littéraire.
Nous remarquons que les procédures adoptées dans notre perspective de lecture peuvent
être un moyen très particulier de former des lecteurs littéraires de l’Enseignement
Secondaire. C’est dû au fait que lorsque des critères qui correspondent à la vie quotidienne
de l’apprenant sont abordés en salle de classe, cela permet de rendre l’approche de la
littérature beaucoup plus attrayante et agréable pour le jeune lecteur.

Mots- clés: Littérature – Evaluation – Examen National de l’Enseignement Secondaire.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Classificação da Pesquisa. Moreira e Caleffe 2006) ...............................


17

Figura 2. ENEM 2010, caderno azul ....................................................................... 32

Figura 3. ENEM 2009, caderno azul ....................................................................... 36

Figura 4. Competência de área 5. Matriz de Referência (2009)............................. 54

Figura 5. Competência de área 6. Matriz de Referência........................................ 57

Figura 6. Competência de área 4. Matriz de Referência........................................ 60

Figura 7. ENEM 2012, caderno rosa ...................................................................... 63

Figura 8. ENEM 2009, caderno azul ...................................................................... 69

Figura 9. ENEM 2010, caderno azul...................................................................... 74

Figura 10. ENEM 2009, caderno azul...................................................................... 81

Figura 11. ENEM 2011, caderno azul.................................................................... 84

Figura 12. ENEM 2011 caderno azul..................................................................... 93

Figura 13. ENEM 2011, caderno azul................................................................... 95


SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................................................... 06
RÉSUMÉ .......................................................................................................................... 07
LISTA DE FIGURAS......................................................................................................... 08
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
1. ADENTRANDO CAMINHOS: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............... 16
2. FORMAÇÃO DE LEITORES........................................................................................ 20
2.1 LER PARA QUÊ? FORMAÇÃO DE LEITORES DE LITERATURA............................ 21
2.2 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES
LITERÁRIOS...................................................................................................................... 27
3. AVALIAÇÃO: FUNÇÕES E APLICABILIDADES NO CONTEXTO DO ENEM.......... 38
3.1 FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO ....................................................................................... 38
3.2 O ESTADO REGULADOR ........................................................................................ 43
3.3 O ENEM E SEUS DOCUMENTOS ESTRUTURANTES ........................................ 47
3.3.1 As competências e as habilidades da Matriz de Referência para a Literatura
........................................................................................................................................... 52
4. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE LITERATURA NO ENEM.......................................... 65
4.1 LEITURA DE POEMAS: PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DO
TEXTO LITERÁRIO .......................................................................................................... 66
4.2 LEITURA DE POEMAS: TENDÊNCIAS HISTORISCISTAS .................................... 78
4.3 QUESTÕES DE IDENTIDADE E CULTURA NACIONAL........................................... 87
4.3.1 Literatura, identidade e cultura nacional: aproximações.................................. 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 99
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 102
ANEXOS............................................................................................................................ 106
11

INTRODUÇÃO

Um trabalho só se justifica se há uma


lacuna em determinado âmbito do
saber e que deve ser preenchida.
Hélder Pinheiro

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) vem apresentando novos matizes

tanto do ponto de vista político, como de formatação de questões. Há portanto, uma

necessidade de conhecer melhor as novas formas de avaliação que contemplem o ensino

de literatura na prova do Exame, entendendo que a literatura oferece uma possibilidade de

inserção em várias áreas do conhecimento presentes.

Intentamos com essa dissertação suscitar debates que possam ir além do meio

acadêmico, visto que os sujeitos diretamente envolvidos nesse processo são os alunos,

candidatos a uma vaga na universidade, e os professores, que preparam esses alunos,

direcionando-os para a realização do exame.

A presença da literatura no Ensino Médio (EM), na educação contemporânea, é

alvo de grandes discussões em meios acadêmicos e em documentos que norteiam a

educação nessa fase escolar. A partir das Orientações Curriculares para o Ensino Médio -

OCEM (2006), podemos constatar que ainda há um impasse no trabalho da literatura no

EM, bem como uma visão pouco esclarecedora de uma perspectiva metodológica que

justifique essa disciplina no currículo. O documento citado apresenta em seu sumário um

questionamento no qual se tenta justificar tal disciplina no EM. O primeiro tópico nomeia-se:

“Por que literatura no Ensino Médio?”, esse questionamento não é realizado para as outras

disciplinas da área. Pensamos: por que será que a literatura necessita de uma razão de ser

no EM? Abaixo, encontramos uma amostra da "marginalização" sofrida pela literatura na

primeira versão do documento, em 2002:

As orientações que se seguem têm sua justificativa no fato de que os PCN


de ensino médio, ao incorporarem no estudo da linguagem os conteúdos de
Literatura, passaram ao largo dos debates que o ensino de tal disciplina
12

vem suscitando, além de negar a ela a autonomia e a especificidade que lhe


são devidas. (BRASIL, 2006, p. 49. Grifo nosso).

Além da inserção da literatura aos estudos da linguagem, fazendo pouco caso de

suas especificidades, percebe-se que o próprio sistema que elabora os documentos

reconhece a “falta de atenção”, a negação que foi dada a essa disciplina nos PCN. As

Orientações Curriculares para o Ensino Médio, com a tentativa de minimizar o problema

ocorrido nos Parâmetros Curriculares Nacionais, edição de 2002, apontam para um ensino

de literatura que “humanize”, nas palavras de Antônio Cândido, os alunos, tornando-os além

de leitores, cidadãos autônomos, crítico e intelectualmente.

Para que essa humanização aconteça, faz-se necessário que o ensino, sobretudo,

o de literatura, propicie aos alunos uma reflexão, de modo que possam entender o mundo

ao seu redor, crescendo e amadurecendo enquanto pessoa. Ao discorrer sobre essa

questão, as OCEM apresentam o artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD)

que garante ao aluno esse aprimoramento do aluno como "pessoa humana" e, segundo as

OCEM a literatura proporciona esse desenvolvimento de modo singular.

As aulas de literatura, se observadas conforme o referido documento, deverão

motivar e incentivar a leitura e a discussão dos textos literários, fazendo reflexões críticas

bem como, lendo integralmente obras literárias, práticas que, se realizadas de modo

adequado, suscitarão um aprofundamento intelectual do educando em várias áreas do

conhecimento.

De modo a dar prosseguimento aos estudos após a educação básica, como

também é previsto pela LDB, o aluno pode optar pela formação técnica ou pelo ensino

superior. É nesse momento que surgem os processos avaliativos em larga escala para o fim

da educação básica, como o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio no ano de 1998,

alvo de nossas discussões nessa dissertação.

O ENEM tinha como objetivo avaliar o desempenho dos alunos ao fim da Educação

Básica. Posteriormente, foi utilizado como forma de ingresso dos candidatos em


13

universidades privadas através do programa Universidade para Todos, o PROUNI.

Atualmente, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) estimula as universidades federais a

utilizarem o ENEM como forma única de ingresso nos cursos de graduação.

Partindo do pressuposto de que o ensino se adéqua à forma de avaliação,

sobretudo na fase de nível médio, e que o ENEM surge como um importante Exame

avaliativo e seletivo, questionamos: O que propõem as questões de literatura do ENEM e

como essa nova proposta orienta a abordagem do texto literário?

Pretendemos, através desta pesquisa de forma geral: analisar questões de

literatura do ENEM, observando quais modificações esse novo sistema de avaliação

imprime na abordagem do ensino de literatura. Para atingir tal objetivo, de forma específica

intentamos: 1) Verificar o que se propõe como habilidades e competências na Matriz de

Referência do Exame para as questões de literatura; 2) Analisar, no corpus das provas de

2009 a 2012, procedimentos composicionais e tendências temáticas nas questões de

literatura, além de propor análises como vias para uma abordagem que se adéque à

formação leitora dos jovens que se submeterão ao Exame.

Nossa justificativa para realização de tal pesquisa reside no fato de que o ensino de

literatura na fase final da Educação Básica está voltado, em sua grande maioria, para o

ingresso dos alunos nas universidades. Dessa forma, além de provocar o estímulo do senso

crítico dos alunos e cumprimento das bases curriculares, o professor deverá prepará-los, de

forma mais específica para o ingresso no ensino superior. Faz-se necessário, portanto,

observar de que forma esse método de avaliação e ingresso nas IFES (Instituições Federais

de Ensino Superior), aborda as questões de literatura.

O interesse para a realizar uma reflexão mais aprofundada acerca do ENEM e suas

implicações para o ensino médio surgiu no final de minha graduação, quando precisei

lecionar para alunos de EM, na disciplina de Prática de Ensino de Língua Portuguesa e

Literatura. Eu participava também de um projeto chamado Programa de Educação Tutorial

(PET) o qual trabalhava com atividades de ensino, pesquisa e extensão. Na mesma época,
14

iniciaram-se os preparativos para os cursos de extensão que também tinham como público

alvo os alunos da fase final do EM que iriam prestar exames seletivos para as universidades

públicas da cidade.

Nos dois universos citados, uma grande questão começou a inquietar os

professores da graduação e nós, alunos de prática e bolsistas: o MEC havia divulgado que

os resultados do ENEM, a partir do ano de 2009, seriam utilizados como forma de ingresso

nas universidades. Logo, os alunos que prestariam o Exame necessitavam de um

conhecimento e uma preparação maior em relação às questões da prova, da redação, e

todas essas preocupações de quem almejava uma vaga no ensino superior. Como nós,

comunidade acadêmica estávamos sempre mais voltados para os processos vestibulares,

sobretudo, para os das Universidades Federal e Estadual de Campina Grande era urgente

nosso estudo acerca da elaboração do ENEM, visto que teríamos que lecionar aulas tendo

as provas como foco.

Dessa forma, ao nos debruçarmos sobre as questões do Exame, começamos a

observar as especificidades que essa nova forma de avaliação oferecia e, então, a

planejamos como iríamos abordá-las em sala de aula. Foi a partir da apreensão de estar à

frente de um objeto novo, com pouquíssimos textos teóricos ou relatos sobre o Exame, que

passei a observar de forma mais detida, a composição das questões das provas, em

especial, as de literatura, área que já era de meu interesse.

Assim, a presente pesquisa constitui-se como embrionária, uma vez que a percepção

das modificações metodológicas, sobretudo no ensino de literatura e das Ciências Humanas

como todo, não são apreendidas cientificamente de maneira tão rápida. Contudo,

intentamos contribuir para uma discussão mais verticalizada de como se está pensando a

avaliação em literatura, confrontando as questões do ENEM, com a matriz de referência que

norteia a elaboração da prova, tendo em vista os documentos oficiais como fonte

legitimadora do ensino de literatura.


15

O texto que segue apresenta a seguinte divisão: no capítulo um realizaremos uma

apresentação metodológica, apontando as motivações para a escolha das questões,

descrevendo a natureza da pesquisa; no capítulo dois fazemos uma discussão de caráter

mais teórico sobre a formação de leitores literários, apresentando perspectivas

metodológicas próprias a essa função formadora; no terceiro capítulo, discutimos sobre

avaliação e sobre os documentos oficiais para o nível médio, analisando a Matriz de

Referência, mais especificamente as competências que apresentam a literatura como foco,

na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, documento norteador para o Exame

Nacional do Ensino Médio. O capítulo quatro apresenta um caráter analítico, observando a

efetivação do que é proposto pela Matriz de Referência em relação com as questões do

ENEM, bem como os procedimentos composicionais das questões de literatura. Para este

capítulo, apresentaremos a discussão de duas dessas questões para cada categoria de

análise, que intitulamos de: Leitura de poemas: procedimentos de construção do texto;

Leitura de poemas: Tendências historicistas; e, Questões de Identidade e Cultura Nacional,

nessa ordem.
16

1. ADENTRANDO CAMINHOS: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa, seja ela inserida em qualquer área, é um processo que requer cautela

por parte do pesquisador, pois os procedimentos por ele utilizados têm uma grande ligação

com a subjetividade, bem como com toda a complexidade que caracteriza um trabalho

científico.

No nosso caso, mesmo não realizando uma pesquisa etnográfica, temos em mente

que os documentos analisados, bem como as provas do exame constituem-se em um

material produzido por sujeitos que realizam um trabalho que também tem como alvo outros

sujeitos; sejam os candidatos ao ingresso nas Instituições de Ensino Superior; sejam os

professores que prepararão esses candidatos para o exame. Dessa forma, as informações e

as reflexões apresentadas buscaram respeitar os princípios éticos da produção científica.

Não é nosso interesse, realizar generalizações ou afirmações que desmereçam o Exame,

por seu grande porte; mas, apontar caminhos, assumir prioridades, em caráter investigativo

e exploratório.

A proposta oferecida reside em instigar não somente professores e estudantes

envolvidos no ENEM, mas em motivar discussões nesse âmbito de investigação, pois:

Fazer pesquisa científica em educação implica estabelecer recortes,


assumir valores, selecionar prioridades, atitudes que inevitavelmente
conferem à ação investigativa um caráter político e aos produtos da
pesquisa um conhecimento datado, situado, histórico e provisório (GHEDIN;
FRANCO, 2008, p.106).

As afirmações e descobertas na pesquisa em educação não devem ser vistas como

as primeiras e as únicas, haverá sempre outros olhares para o mesmo objeto. Nós optamos

por observar o ENEM sob um ângulo e, consequentemente, estabelecemos alguns recortes,

isto é, (des)caminhos que nos fizeram rumar para outras direções, diferentes das

perspectivas do projeto inicial. Mas, como lemos na afirmação acima, trata-se de um

procedimento próprio da pesquisa em educação, a seleção de prioridades, pois o corpus


17

fala por si, “iluminando o cenário da realidade a ser estudada, dá sentido às abordagens do

pesquisador e as redireciona.” (GHEDIN; FRANCO, op. cit, p. 108).

De um modo geral, a metodologia “inclui as concepções teóricas da abordagem,

articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a

realidade.”. (MINAYO, 2007, p. 15). Essa apreensão da realidade não é realizada

aprioristicamente, ela prescinde de procedimentos específicos que delimitarão, de acordo

com as necessidades do trabalho, um olhar mais aproximado do objeto, como se fosse uma

lente de aumento, que porventura outra abordagem não a aproximaria tanto.

Moreira e Caleffe (2006), por exemplo, definem e classificam metodologicamente a

pesquisa científica como designadora das diferentes maneiras de coletar e analisar dados

empíricos. Os autores apresentam três categorias: exploratória, descritiva e explicativa, bem

como doze estratégias de coleta de dados; para cada estratégia de pesquisa são discutidos

os procedimentos que oferecerão ao pesquisador possibilidades de melhor captação desses

dados, que o darão direcionamentos para a discussão e elaboração de sua resposta à

pergunta de pesquisa. É importante salientar que a categorização não deve ser vista de

forma estática e imutável, mas como suporte para que se possa realizar uma análise de

dados coerente com os objetivos delineados para a pesquisa.

Apresentamos abaixo um quadro resumo com as categorias de pesquisa, de

acordo com Moreira e Caleffe (2006) e, em seguida, comentaremos o caminho que

percorremos para essa pesquisa:

Figura 1: Classificação da pesquisa. Moreira e Caleffe (2006).


CATEGORIAS DEFINIÇÃO
Pesquisa exploratória Desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
ideias, com vistas à formulação de problemas
mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para
estudos posteriores.
Pesquisa descritiva Resolver problemas e melhorar práticas por meio
da observação objetiva e minuciosa, da análise e
da descrição.
Pesquisa explicativa Identificar os fatores que determinam ou que
contribuem para a ocorrência dos fenômenos.
Aprofundar o conhecimento da realidade,
explicar a razão, o porquê das coisas.
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Nossa pesquisa transita entre as duas primeiras categorias, pois é descritiva

quando visa a observar e a descrever aspectos concernentes à presença da literatura no

ENEM, com o objetivo de analisar o que é solicitado aos alunos dentro desta nova proposta

avaliativa e seletiva; e é exploratória quando pretende apontar linhas interpretativas, com as

categorias de análise que serão discutidas no próximo capítulo, que problematizam forma de

abordagem das questões de literatura, sinalizando melhorias que aproximem as questões

do Exame à prática da leitura literária no Ensino Médio.

Ao lermos as provas do ENEM, sobretudo as que compõem nosso corpus,

observamos alguns procedimentos na elaboração das questões que muitas vezes

contemplavam as habilidades prescritas na matriz de referência. No entanto, observamos

também uma abordagem reprodutora de práticas que estudiosos da interface entre literatura

e ensino consideram pouco adequadas para a formação do leitor literário. Assim, surgiu em

nós o interesse em observar e descrever esse processo de elaboração das questões,

problematizando tais fatores, com vistas a um melhor aproveitamento da abordagem da

literatura no exame.

Dessa forma, escolhemos como objeto de estudo as questões de literatura contidas

no Exame Nacional do Ensino Médio, em um corpus que contempla os exames realizados

nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012; os documentos norteadores para a efetivação e a

elaboração do exame: a Matriz de Referência para a prova de 2009 (que permanece válida

até os exames atuais); e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio.

Em relação às estratégias de pesquisa, também discutidas por Moreira e Caleffe

(op.cit.), nos ateremos ao tipo documental por acreditarmos que essa seja de melhor

suporte para nosso trabalho, uma vez que, esse tipo de estudo tem por base os documentos

como fontes de dados, de informações e de evidências.

A pesquisa além de documental tem caráter qualitativo. Dentre uma amostragem

ampla, que contempla todas as questões do ENEM, selecionamos uma amostragem restrita,
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constituindo-se o corpus analisado que possibilitou problematizar características de forma

mais específica nessas questões.

Como será melhor observado no capítulo analítico, as questões analisadas foram

escolhidas de acordo com a leitura e a discussão das provas. Procuramos percorrer um

caminho que privilegiasse o texto literário e a formação de leitores, que se aproximasse do

que é proposto nos documentos oficiais e também, bem como na Matriz de Referência.

As reflexões por nós desenvolvidas a partir das categorias de análise surgiram na

medida em que líamos as questões e descobríamos elos temáticos entre elas. Para cada

categoria discutida, propomos uma leitura mais crítica acerca da temática, abordando alguns

aspectos mais teóricos.

As categorias de análise que surgiram no decorrer de nosso caminho de pesquisa

foram criadas conforme nossa observação do conteúdo exigido pelas questões São elas:

Leitura de poemas: procedimentos de construção do texto; Tendências historicistas; e,

Identidade e Cultura Nacional.

A primeira categoria propõe-se a discutir questões que apresentam elementos

constitutivos do texto literário a partir de poemas como objeto de análise pelos candidatos.

Nossa reflexão tende a observar como esses procedimentos foram solicitados aos

candidatos e qual competência e habilidade contemplaria tal questão.

A segunda categoria surge da nossa inquietação acerca das questões que se

utilizam apenas do historicismo literário para compor a base de conhecimento requerido. Em

um contexto de combate à memorização, buscamos analisar como as escolas literárias

estão sendo contempladas nas questões.

Por fim, a terceira categoria surge da observação de uma tendência necessária à

valorização da cultura nacional e da identidade do povo brasileiro através da literatura.

Observamos de que modo a literatura contribui para esse aspecto na área de Linguagens,

Códigos e suas Tecnologias.


20

2. FORMAÇÃO DE LEITORES

O texto que o senhor me escreve tem


de me dar prova de que ele me
deseja.
Roland Barthes

Professora, para que ler isso? Vai cair na prova? Por que eu preciso diferenciar um

gênero de outro? Por que ler literatura é diferente? Diariamente, as aulas de Língua

Portuguesa são bombardeadas pelos alunos com questões desse tipo. Baseadas em uma

sociedade de resultados, perguntas como essas são cada vez mais frequentes e as aulas

de leitura são vistas como passatempo, dispensáveis, ou porque o professor não quer dar

aula ou porque não tem assunto preparado. Por que será que pensamentos como estes

estão sendo cada vez mais propagados no ambiente escolar? Não só na educação básica,

como também nas universidades, ler um poema ou um conto em sala é estratégia de

professor que não domina o conteúdo, o bom mesmo é estudar a crítica literária

relacionada ao texto, pensam os muitos alunos de graduação.

Diante dessa realidade, nos questionamos: - Em que momento as aulas de leitura

ganharam essa conotação? O que mudou? Foram os textos, as práticas dos professores, os

alunos? Com o intento de responder tais questionamentos, procuraremos nesse capítulo,

refletir sobre alguns conceitos de leitura, e, posteriormente de leitura literária, pensando em

sua abordagem, seus desvios, sua escolarização. Tentaremos fazer uma relação como

nosso objeto de estudo - questões do ENEM - estabelecendo conexões entre as perdas e

os ganhos da leitura no contexto do Ensino Médio. Dentro desse âmbito, procuramos

mostrar o quanto e de como ela se faz necessária para a resolução desse exame

procurando oferecer respostas a esses e outros questionamentos, a partir da contribuição

de vários autores que pensam a relação da literatura em um contexto de ensino.


21

2.1 LER PARA QUÊ? FORMAÇÃO DE LEITORES DE LITERATURA

O Brasil ocupou no último PISA (Programme for International Student Assessment -

Programa Internacional de Avaliação de Alunos) o 53º lugar na prova de leitura, num ranking

de 65 países envolvidos no exame em 2009. Se compararmos com a China, o país mais

populoso do mundo, observaremos que ele obteve a maior média com o primeiro lugar entre

todos os países em todas as provas.1.

O investimento de uma nação para formar mentes pensantes, que não só gostem de

ler, mas que tenham hábitos educacionais, talvez seja esse o segredo do sucesso. Um país

considerado emergente, como a China, e com o agravante de ser o mais populoso, está à

frente de muitos países quando se pensa em educação leitora. Ainda que não seja nosso

objetivo central discutir as razões políticas e os baixos índices de rendimento escolar dos

alunos brasileiros é consenso a necessidade da criação de momentos para refletirmos sobre

esses aspectos, dentro e fora da academia. Talvez a falta de incentivo dos que estão na

parte de cima do iceberg seja decisiva para a falta de interesse dos nossos alunos que não

sabem porque precisam "dominar" a leitura e compreensão dos textos.

A aprendizagem da leitura liga-se ao processo de formação global do sujeito na sua

capacidade de interação nos ambientes político, cultural, econômico. (M. MARTINS, 2006).

Ou seja, quanto mais acesso e atuação nesses ambientes, mais prestígio social o indivíduo

terá. Para chegar a esse nível de ascensão, através da leitura, o sujeito necessita passar

por etapas, nas quais ele realizará descobertas e entenderá a importância do ato de ler, em

todos os âmbitos e nas mais variadas formas durante a vida.

Lemos mesmo antes de decodificarmos o código linguístico de nossa língua

materna. A compreensão das sensações, dos sons, das luzes, das imagens, das vozes

familiares, dos sorrisos ao ouvirmos histórias, desde os primeiros meses de vida constituem-

1
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/em-ranking-dominado-pela-asia-china-e-o-
pais-lider-em-educacao-no-mundo>, acesso em: 20 jul. 2012.
22

se em etapas para a realização da leitura de mundo que necessitamos no processo de

comunicação.

De acordo com V. Silva (2009), existem três fases que o leitor percorre em seu

processo de formação. São etapas que vão desde a fase pré-leitora, na qual se ouve

pequenas narrativas, guiado por imagens, até o leitor crítico que tem autonomia para ler os

textos e os seus subentendidos, estabelecendo relações de sentido e emitindo juízo de

valor. Portanto, este último deveria ser o leitor ideal ao ingressar no Ensino Médio. O modo

de ler, nesse processo, está ligado aos tipos de leitura, ou a "atitudes leitoras" que são

ativadas no momento de interação com o texto.

Conforme V. Silva (ibid.) temos a leitura mecânica que está relacionada à leitura de

aspectos linguísticos, à decifração de códigos e sinais; a leitura de mundo, também

conhecida como enciclopédica, onde acrescentamos valores outros atribuídos aos signos

linguísticos e, por fim, a leitura crítica, a qual alia as duas primeiras, a elas acrescentando

um caráter avaliativo, comparativo, questionador. Todas as etapas confluem para a

formação de um leitor crítico e são ativadas ao mesmo tempo no ato da leitura.

A não realização dessas fases/tipos de leitura ocasiona um problema cada vez mais

frequente nas aulas de língua portuguesa, conforme abordamos no início desse capítulo. O

aluno que não vivencia esses momentos de forma adequada, é levado ao insucesso na

interpretação de textos, fato que está diretamente ligado aos baixos índices obtidos em

exames tipo o PISA. Está relacionado também a outros processos seletivos para o ingresso

no ensino superior, como o ENEM, exame que preza pela interpretação de dados em todas

as áreas do conhecimento, sendo a leitura, chave para a resolução das questões.

Os jovens, apesar de alfabetizados, saem muitas vezes do Ensino Médio sem a

devida vivência das práticas de leitura e de escrita, sem o que se chama de letramento.

Precisa-se formar alunos com competência leitora que saibam diferenciar textos, lidar com

situações socioinstitucionalmente definidas pelos gêneros. O que acontece, na maioria das


23

vezes é uma escola voltada para a decodificação, onde os melhores alunos são aqueles que

conseguem memorizar com mais riquezas de detalhes todas as definições do Livro Didático.

Mas, para que ler? Como tornar o aluno um leitor proficiente e consciente do seu

papel de leitor?

O acesso à leitura é um bem garantido desde a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB, Lei, 9.394/1996) até os documentos norteadores dos currículos nas

escolas. Dessa forma, além de ser assegurada pelo Estado, a leitura deve ser garantida por

todos que fazem parte de processo educativo; no entanto, nosso sistema educacional ainda

apresenta muitos professores que não são leitores propiciando ao aluno aulas

desmotivadoras e sem textos que o faça "tomar gosto" pela leitura. O texto é, na maioria das

vezes, tomado com pretexto para o preenchimento de fichas de leitura, aulas de análise

linguística, avaliação. A discussão dos implícitos do texto, das entrelinhas é colocada em

segundo plano, quando dá tempo, ou quando o professor encontra espaço para essa

reflexão.

V. Silva (2009) ainda aponta dois elementos essenciais para a formação leitora: a

motivação para leitura e a disponibilidade de livros adequados para o público alvo. A

existência de alunos motivados prescinde à existência de professores motivadores, que

conheçam bons textos e saibam indicá-los aos alunos, respeitando sua fase de

amadurecimento enquanto leitor.

Essa motivação deve existir não somente no âmbito literário, mas na escolha dos

gêneros que serão abordados; suas temáticas e suas reflexões precisam estar ao alcance

da compreensão do público alvo: o aluno. De um modo geral, muitos professores não

apresentam uma formação leitora suficiente para serem bons orientadores, não tendo um

repertório de leitura adequada para oferecer aos seus alunos. Esse fato ocorre devido a

uma carga-horária exaustiva, que os limita às indicações de textos do livro didático que,

além de congeladas em uma cronologia, essa matéria apresenta questões que não

oferecem um caminho para reflexão, princípio básico para a formação leitora.


24

Acerca da disponibilidade de livros para os jovens leitores, acreditamos que "para

entender a proposta de leitura da literatura infantil e juvenil é preciso atender à interação

entre as obras e os leitores de uma sociedade e de um momento determinado".

(COLOMER, 2007, p.76). A sugestão de livros que estejam na biblioteca da escola deve ser

feita pelo professor, respeitando os horizontes de expectativas do leitor.

Lembro-me que quando aluna do ensino fundamental e médio pouco recorria à

biblioteca da escola, apesar de ser apreciadora dos textos literários, não por falta de

vontade, mas por falta de livros que me atendessem enquanto leitora. Os professores pouco

indicavam livros e quando o faziam, normalmente, tal atitude estava ligada a uma indicação

presente no livro didático. A experiência de empréstimos de livros com meus amigos atendia

muito mais aos meus desejos de leitora, das sugestões na sala de aula, que partiam, na

maioria das vezes, pelo proposto pelo Livro Didático, não por uma experiência de leitura.

Distanciando-me hoje dessa momento, acredito que esse fato de gostar mais das

leituras fora da escola foi motivado porque as indicações dos livros era realizada pela

professora, que mantinha certo distanciamento do meu horizonte de expectativas, quando

meus colegas, que estavam mais próximos das minhas experiências, dos gostos em

comum, a leitura compartilhada proporcionaria momentos de discussão do livro, enquanto a

indicação dos livros pela professora seria lido talvez apenas por mim.

Constitui-se, portanto, um desafio para os professores nos dias atuais levar o aluno a

entender as razões pelas quais ele deve ser um leitor proficiente, sobretudo de literatura,

quando essa nova geração de leitores está submersa na sociedade do audiovisual que,

muitas vezes, supre o papel da literatura. Colomer (2007, p.104ss) apresenta alguns passos

para o estímulo da leitura entre os alunos:

1) Necessidade de sua existência: é preciso deixar claro por que deve-se trabalhar

com textos literários em sala de aula; 2) Uma aprendizagem social e afetiva: a leitura deve

ser compartilhada e lida em sua totalidade, não utilizando apenas fragmentos, de forma que

o aluno goste de ler e compartilhe suas leituras com os colegas, instigando-os a ler; 3) O
25

esforço de ler: o professor deve preparar o aluno para leituras mais densas, precisa “seduzir

o leitor para que enfrente o esforço”; 4) Confusão social: ao invés de estimular a leitura, o

governo e outras entidades procuraram investir mais nas causas dessa desafeição;2 5) A

importância do corpus: deve-se entender que o leitor é quem determina o tipo de corpus e o

professor deve estar atento ao nível de leitura, para que os textos literários nem estejam

longe da realidade nem sejam simplistas demais; 6) é importante analisar quais são as

defesas criadas pelos alunos para que afirmem que não gostam de ler para que se possa

trabalhar em cima dessas defesas.

É certo que os procedimentos apresentados não se estabelecem como uma fórmula

passível de aplicação em todas as salas de aulas, mas atitudes que apresentem uma

relação de compromisso com os alunos, fazendo-os sentirem-se parte do processo de

aprendizagem, entendendo que o aluno enquanto leitor é quem determina o ritmo e o nível

de textos a serem lidos em sala. É necessário que o professor, na condição de mediador

desse conhecimento, prepare os alunos para leituras mais densas que poderão enfrentar

além dos muros da escola.

Considerando a História, surge nesta Era da informação um novo perfil de leitor, o

leitor da sociedade moderna, desde os fins do século XX. Colomer (op. cit.) afirma que esse

leitor moderno é: 1) um leitor atual sob o ponto de vista social; e, nas obras que o

interessam, de imediato, predominam a fantasia, o humor, o jogo literário, a narrativa

psicológica e a quebra de tabus temáticos; 2) é integrado à sociedade alfabetizada com

grande inserção nos meios audiovisuais; e, 3) é contemporâneo do ponto de vista artístico.

O aluno/leitor, sobretudo o que já está inserido nesse novo perfil de uma sociedade

moderna deve ser levado a entender que é parte de um processo interativo com o texto e o

autor. Dessa maneira, o leitor e a leitura unem o processamento do texto ao efeito sobre o

leitor, a interação ocorre quando essa influência é recíproca. Essa aproximação de modo

2
Acerca desse ponto é importante registrar o esforço do Governo Federal Brasileiro no sentido de
fomentar campanhas, como Literatura em Minha Casa, por exemplo. Como a autora desse livro é
espanhola, acreditamos nesse sentido que o ponto citado reflete uma realidade mais particular.
26

mais direto com o texto literário é parte fundamental para a consolidação do processo de

letramento literário e "é, aliás, esse o sentido básico do letramento literário". (PAULINO;

COSSON, 2009, p. 74).

De acordo com a concepção de letramento literário apresentada pode-se constatar

que essa experiência é entendida como "o processo de apropriação da literatura enquanto

construção literária de sentidos" (op. cit, p. 67). Vemos, então, que há uma especificidade

dos sentidos construídos pelo texto literário, de forma que é preciso interpretar os espaços

deixados pelo texto, muitas vezes, propositais. Para que esse modo de interpretação seja

melhor compreendido nesse processo interativo, apresentaremos, em linhas gerais, a

contribuição teórica de Iser (1979) e Jauss (2002) na elaboração do que veio a ser

conhecida, como Estética da Recepção.

Interagir com o texto, segundo Iser (op. cit) é interpretar os vazios por ele deixado, é

permitir envolver-se com o texto, de forma a provocar alterações, projeções, mantendo

equilíbrio entre texto e leitor; esse leitor nunca tirará conclusões explícitas de sua

compreensão, pois o modelo de interação não será face a face; as respostas e os vazios

são interpretados via texto:

À medida que o ponto de vista do leitor se desloca entre esses segmentos,


a sua mudança constante, durante o processo da leitura, liga estes
segmentos, assim provocando uma rede de perspectivas, dentro da qual
cada perspectiva abre a visão não só das outras, como também do objeto
imaginário intencionado. (ISER, 1979, p.123).

Ainda pensando no leitor como receptor do texto literário, enquanto obra artística,

temos a importante contribuição de Jauss (2002) que amplia a teoria da estética da

recepção, que se pensada no contexto escolar, como fez os estudos de Aguiar e Bordini

(1988) pode ser ponto chave para a formação de leitores literários. Jauss (op. cit.) define

três conceitos para a formação estética da recepção dos textos; será esta a atitude

responsiva que terá o leitor na sua função de preenchedor dos vazios do texto que ora

comentamos. São eles: Poiesis, denomidado como o prazer ante a obra realizado pelo

próprio leitor, a experimentação; Aisthesis é o prazer estético da percepção reconhecedora


27

e do reconhecimento perceptivo. É a consciência receptora, possibilidade de renovação da

percepção, tanto externa com internamente; e, Katharsis é a experiência do prazer através

dos efeitos do discurso e da poesia, capaz de conduzir o ouvinte e o expectador tanto a

transformação de suas convicções quanto a liberação de sua psique.3

Acreditamos que as contribuições de Iser (1979) e Jauss (2002) ainda que não tendo

em mente um leitor em processo de formação dentro de uma sala de aula, às vezes com

quantidades excessivas de alunos, nem em obras fragmentadas fazendo parte de um

exame para ingresso em universidades, são essenciais para se pensar a formação de

leitores literários, uma vez que ela dá conta do processo de interação e interpretação do

texto considerando suas especificidades. Além do mais, os postulados desses autores

contribuíram, não propositadamente, para a produção de propostas pensando a relação

entre literatura e ensino, fomentando o surgimento de interessantes metodologias para o

trabalho da literatura em sala de aula, que nos auxiliam nas reflexões que seguem.

2.2 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES

LITERÁRIOS

Muito já se tem discutido em dissertações, teses e núcleos de estudos sobre a

importância da formação leitora no período escolar. Autores como Aguiar e Bordini (1993),

Colomer (2007), Cosson (2009), entre outros, apresentam e atestam como positiva a

valorização da leitura do texto literário no ambiente, apontando caminhos para o trabalho de

sensibilização do aluno para que este se torne um leitor de literatura e, por ela, fisgado e

humanizado.4 O professor tem papel fundamental de mediador do conhecimento nesse

processo de descoberta e de formação leitora. Sabemos, contudo, que esse ator social é
3
Indicamos, para um maior aprofundamento das concepções apresentadas por Jauss (2002)
associadas ao contexto de formação docente, o artigo Por uma metodologia triangular para o ensino
de literatura: contribuições da experiência estética de Jauss, de Maria Marta dos Santos Silva
Nóbrega.
4
A pós graduação a qual estamos inseridos também apresenta dezenas de experiências
significativas com o texto literário de diferentes gêneros na sala de aula.
28

interditado muitas vezes por limitações diversas, como condições precárias de trabalho; um

currículo que diminui, cada vez mais, as horas destinadas às aulas de literatura; alunos

desmotivados etc. Observamos um vasto leque de obrigações e de igual maneira, um vasto

leque de desafios para esses profissionais.

Beach e Marshall (1991, apud I. Martins, 2006), ao discorrerem acerca do estudo

literário nas escolas, apresentam duas posturas que consideramos pertinentes: leitura da

literatura e ensino da literatura. Dizem os autores, que o nível de leitura da literatura

constitui-se em um processo de aproximação do aluno com o texto literário, da criação do

gosto, da experiência vivenciada no ato da leitura. Já o ensino da literatura seria o momento

da instrumentalização, do reconhecimento de singularidades do texto, que não deve ser

dissociado do primeiro nível. Nos dois níveis, o professor participará na mediação, seja na

criação do gosto, indicando boas leituras, seja na instrumentalização do aluno para a leitura.

Ainda sobre as fases para a leitura de textos Bamberger (1977, apud Aguiar e

Bordini, 1993, p. 19) apresenta como resultado de sua pesquisa, algumas fases de leitura e

de percepção para o texto literário. Essas fases não devem ser vistas de forma estática,

como única regra a ser aplicada, mas podem funcionar como sugestão para que o professor

trabalhe temas e gêneros adequados às faixas etárias e aos diversos grupos de alunos

como forma de comprovação dessas fases.

A primeira, entre 2 a 5 anos, é a fase dos livros de gravuras e dos versos infantis.

Nela, a criança ainda faz pouca distinção entre o mundo externo e interno, trata-se de uma

fase mais egocêntrica; a segunda, entre os 5 e 9 anos, é a idade dos contos de fadas, a

criança busca nas histórias a simbologia necessária para sua vivência. É a fase de

adaptação e resolução dos seus pequenos conflitos; a terceira, entre 9 e 12 anos, é a idade

da história ambiental e da leitura factual. Fase intermediária na qual a criança começa a

orientar-se para o mundo real, mas ainda com vestígios da magia e da fantasia. Seu

interesse será por histórias mais reais, apresentando o mundo como ele é, mas com a

presença de alguns personagens mágicos, de superpoderes; a quarta fase, dos 12 aos 14


29

anos, é a fase de histórias de aventuras ou da leitura apsicológica, orientada para as

sensações. Período de reconhecimento de personalidade, fase pré-adolescente, na qual o

leitor é atraído por histórias sentimentais, personagens diabólicos, enredos mais

sensacionalistas; por fim, a quinta fase, entre 14 e 17 anos, fase de maturidade ou

desenvolvimento da esfera lítero-estética da leitura. O adolescente, nesse período,

hieraquializa conceitos e organiza melhor seu universo; é a fase de descoberta de valores e

do mundo interior. A literatura engajada, histórias de aventuras amorosas, intelectuais,

interesses vocacionais são mais indicadas para essa fase.

Alguns fatores condicionam as escolhas dos textos literários que serão trabalhados

em sala de aula, sobretudo para os alunos que estão na fase final da educação básica, pois

estes se submeterão a exames de admissão em Instituições de Ensino Superior. O ENEM é

hoje, um grande “divisor de águas” para a formação do currículo para o ensino médio,

tornando-se a única forma de ingresso nas universidades federais do Brasil. Documentos

educacionais já incentivam a mudança de abordagem desse ensino, de modo a privilegiar a

leitura reflexiva do texto literário, levando o aluno a criar hábitos de leitura; pois, o que

ocorre, comumente, é um ensino literário voltado única e exclusivamente para o

preenchimento de roteiros de leitura, exercício e análise de questões, e o mais grave –

análises de acordo com o ponto de vista do professor, não do aluno, fazendo com que esse

aluno, nas palavras de I. Martins (2006):

[...]só estuda a literatura para ‘passar no vestibular’, sem compreender o


fenômeno literário à luz de uma perspectiva mais ampla que considere a
natureza interdisciplinar da leitura literária, a função social da literatura
como um meio de conhecer o universo transfigurado, reinventando o texto.
(I. MARTINS, 2006, p. 94).

Relacionando o trecho supracitado à prática do professor em sala de aula, no que diz

respeito ao ensino de literatura observa-se que, sobretudo, na última série do ensino médio,

o aluno além de estudar a literatura a partir de um panorama historicista é obrigado, através


30

dos programas de vestibulares, a ler uma média de seis livros literários que são

contemplados nas questões de literatura.5

O ensino de literatura apresentaria, nesse caso, um caráter utilitarista, o aluno lê com

o objetivo de passar no exame, sem um direcionamento voltado para uma formação leitora.

Vemos abandonado o maior motivo do ensino literário: a formação do homem. Há também a

outra face da questão: dependendo de como esses livros serão trabalhados pelo professor e

recebidos pelos alunos, estes poderão iniciar um processo de gosto literário.

Faz-se necessária a criação de procedimentos para que o aluno-leitor se aproprie da

leitura, mas que essa leitura não se destine tão somente a passar no vestibular. Aguiar e

Bordini (1993) postulam que o primeiro passo para a efetivação do gosto pela leitura é a

criação do hábito. Para tanto, além da oferta de livros, é de fundamental importância a

postura do professor em relação aos interesses de leitura dos alunos. “Os alunos são

sujeitos diferenciados que têm, portanto, interesses de leitura variados.” (AGUIAR;

BORDINI, 1993, p. 19). Portanto, a seleção de textos e temáticas abordadas no ensino de

literatura não deve estar “engessada” em programas de vestibulares ou a livros didáticos.

Para que seja criado o hábito e o gosto pela leitura no ambiente escolar é importante

proporcionar uma identificação da literatura com o aluno, uma vez que grande parte das

obras foram produzidas em contextos culturais diferentes do que ele se encontra e "o aluno

não se reconhece na obra, porque a realidade apresentada não lhe diz respeito." (AGUIAR;

BORDINI, op. cit., p. 18). Nessa multiplicidade de sentidos e contextos literários, a forma de

abordagem do texto não deve ser impositiva e repleta de informações históricas, pelo menos

não na fase de formação do "gosto" pela leitura literária. É preciso "vivenciar as obras" como

dizem as autoras, passando por graus que a escola deve proporcionar. A escolha dos textos

deve ser cuidadosa, aguçando um senso crítico nos alunos convidando-os a entrar no jogo

de significações que o texto literário oferece. Benjamin (1984, apud Aguiar e Bordini, id.

ibid.) diz que:

5
O número de obras aumentava de acordo com a quantidade de universidades nas quais o aluno
inscrevia-se.
31

todo hábito entra na vida como um jogo que exige repetição contínua e
renovada. Por essas vias, chega-se, por certo, ao hábito da leitura literária,
que permite a multiplicação do prazer, através da experiência sempre
recomeçada de viver os sentidos do mundo em cada texto percorrido.
(BENJAMIN apud AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 27)

O professor, como principal motivador dessa criação de hábitos de leitura, deve

oferecer um acervo literário que explore significações culturais, sem pensar inicialmente em

classificar essa ou aquela obra como pertencente a escolas literárias; em um segundo

momento, permitir uma sistematização com bases teóricas, com uma instrumentalização do

conhecimento literário, sempre tendo o texto como ponto de partida.

Aguiar e Bordini (1993) apresentam uma pesquisa com eixos, que foram

problematizados pelas autoras, na tentativa de se propor a criação de uma metodologia para

o ensino de literatura, baseado no processo de interação entre leitor e texto, princípios da

Estética da Recepção, mencionados no tópico acima. Os eixos encontrados foram: 1) o

ensino da literatura está atrelado ao uso de esquemas de texto; 2) a leitura da obra é

realizada através de fragmentos; 3) o professor utiliza o texto literário como pretexto para o

ensino de gramática.

De forma a justificar a atualidade dessa pesquisa, apresentamos abaixo uma

questão do ENEM, na qual se vale de um fragmento de um conto de Clarice Lispector para

levar o candidato a diferenciar a funcionalidade do uso do conectivo "mas":


32

Figura 2: ENEM 2010

Entendemos que os elementos linguísticos com suas respectivas funcionalidades

devem, dentro de um abordagem literária, complementar os sentidos presentes no texto. No

entanto, o que observamos na questão é uma utilização de um fragmento literário de forma

pretextual para a abordagem de um recurso linguístico e a alternativa correta pouco ajuda

na compreensão do conectivo utilizado, pois não aponta quais são as funções discursivas

que estão colocadas, apenas aponta que são diferentes.

Observando um questionário respondido pelos professores e a efetivação das

respostas na prática em sala de aula, as autoras constataram que o discurso era voltado

para uma educação interativa, visando à criação de hábitos de leitura e de desenvolvimento

crítico; todavia, a realidade revelava professores realizando atividades repetitivas com o uso

frequente, em alguns casos, absoluto, do livro didático, visando ao preenchimento de fichas

de leitura que tendia mais para ensino gramatical do que aos aspectos literários do texto.

Mesmo sendo uma pesquisa realizada no final da década de 80, do século passado,

constatamos que, alteram-se os professores e os alunos, mas as práticas continuam as

mesmas, salvo exceções.


33

Com o surgimento dos vestibulares, surge também uma mudança no ensino de

literatura que apresenta seus reflexos até os dias atuais: os exames passaram a exigir a

leitura de obras literárias que seriam contempladas nas provas. De acordo com M. Silva

(2009), essa abordagem era meramente pretextual, pretendia fazer com que os alunos

tivessem os problemas de escrita apresentados nas redações, reduzidos, partindo-se do

pressuposto que a leitura é parte importante do processo do bem-escrever. Segundo M.

Silva (op. cit.), as obras contempladas eram de autores já falecidos que constavam no

cânone literário. Com o passar dos anos e com o avanço das discussões acerca da

funcionalidade da literatura nos exames, autores contemporâneos foram sendo

incorporados, a exemplo de José Saramago e Ruben Fonseca no caso do vestibular da

FUVEST em 1993. (ANDRADE apud M. SILVA, 2009).

Silva (op. cit.) destaca a importância do vestibular para a disseminação da literatura

entre os alunos de ensino médio:

Há, no entanto, um aspecto que podemos destacar como positivo: com


todos os problemas que apresentam os exames de vestibular, não podemos
deixar de reconhecer que eles têm sido importantes meios de disseminação
da literatura brasileira contemporânea. Vários têm sido os autores
contemporâneos contemplados nos vestibulares, a saber: Milton Hatoum,
Raduan Nassar, Manoel de Barros, Chico Buarque, Luiz Vilella, Antônio
Torres, Luís Fernando Veríssimo, Lygia Fagundes Telles, Ana Miranda,
Adélia Prado, entre outros. (M. SILVA, 2009, p. 100)

Em casos como o acima citado, no qual o aluno se vê condicionado a ler obras

literárias para ser bem colocado no exame classificatório, podemos refletir sobre vários

aspectos, dentre eles; a leitura literária obrigatória das obras como um fim e não um meio

propiciador de conhecimento; sobretudo, na visão dos alunos, é preciso ler a obra literária

para passar no vestibular. Pensando de outra forma, muitos alunos têm contato,

inicialmente, com a obra literária por obrigação, no entanto, passam a gostar, envolvendo-se

com o texto.

Em conversas informais sobre esse assunto, pude coletar informações com alguns

estudantes que já haviam ingressado em universidades, e que haviam passado pelo

processo de ler obras literárias unicamente porque foram indicadas para o vestibular. Em
34

um caso específico, um jovem leitor relatou que, inicialmente, não gostavam da ideia de ter

que ler as obras indicadas para o vestibular, afirmando que se não houvesse tempo iria

recorrer ao resumo; mas, que depois de ter acesso a determinada obra, gostou tanto que,

em um dia, conseguiu "devorar" um livro. Diante de fatos como esse pensamos: será que o

aluno leitor não poderia ter realizado essa experiência "devoradora de livros" durante os três

anos do ensino médio? O que aconteceu? Falta de uma obrigatoriedade, ou simplesmente

de uma indicação que fosse ao encontro aos seus desejos de leitor? Sem intentarmos

responder definitivamente essas questões, refletiremos agora sobre a entrada necessária da

literatura nas salas de aula e do processo de escolarização da literatura.

A literatura não foi pensada para ser abordada em sala de aula, prioritariamente. No

entanto, a intenção de levar essa arte sensibilizadora para os alunos fez com que a escola,

nas últimas décadas, intensificasse, com ajuda de propostas norteadoras, o acesso dos

alunos a bens artísticos e culturais. Dessa forma, a escola aproximou esses bens, nas suas

mais diversas manifestações, para dentro da sala de aula, sobretudo nas disciplinas

humanísticas. Esse fenômeno de trazer para o contexto escolar, gêneros que inicialmente

não têm essa finalidade recebeu o nome de "escolarização".

M. Soares (2001) diz que "Não há como se ter escolas sem ter a escolarização do

conhecimento" (M. SOARES, op. cit., p. 20). Hoje em dia, o termo "escolarização" vem

sofrendo atribuições negativas, no entanto, esse processo é necessário porque se quer

formar leitores de literatura no contexto escolar. O problema, muitas vezes, está na forma

como essa escolarização é realizada em sala de aula.

Os saberes escolares passaram por modificações e, à medida que às sociedades,

sobretudo a ocidental, foram crescendo e se industrializando, o processo de ensino foi

deixando de ser individualizado: a ideia de mestre e discípulo deu lugar a prédios com várias

salas de aula e um professor para vários alunos; o modelo de sistematização de espaço e

tempo de ensino; a separação de alunos por faixa etária e por assimilação do conhecimento,

fez surgir " os graus escolares, as séries, as classes, os currículos, as matérias e disciplinas,
35

os programas, as metodologias, os manuais e os textos - enfim, aquilo que constitui até hoje

a essência da escola.". (SOARES, ibid., p. 21, grifos da autora).

O processo de escolarização da literatura, se bem realizado, levará o aluno a possuir

instrumentos para ler diferentes gêneros literários e ser um apreciador da literatura enquanto

arte e de forma aproximada com a sua vida, recriando espaços e valores relacionados ao

seu universo. De acordo com Soares (op. cit.) existem três instâncias de escolarização da

literatura, sobretudo na fase infantil, a saber: a biblioteca escolar, a leitura e estudo de livros

de literatura e a leitura e estudo de textos em geral. Para cada instância, a autora apresenta

os "pré-requisitos" para uma melhor instrumentalização.

Na biblioteca escolar deve constar um acervo diversificado de livros e ter um local

próprio. O aluno deve "ser iniciado" nesse ambiente, ele necessita ir sozinho à biblioteca

saber qual tempo de leitura, quais indicações, participar de aulas de leitura e ainda saber

que a biblioteca é local de silêncio, que o livro deve ser conservado etc. Essa rotina pode

parecer insignificante, mas é ela que estimula a criação do hábito.

A leitura da literatura e de outros textos sempre será majoritariamente escolhida pelo

professor, conforme já discutido, isto posto, ele necessita de um repertório de leitura

diversificado e adaptado para suas turmas, tarefa difícil, mas não impossível. Uma escolha

textual nunca vai agradar toda a turma, e nem precisa, mas é necessário estar afinado com

as preferências da maioria até para saber instrumentalizá-los para ler os textos

adequadamente. Essa leitura indicada, no contexto escolar, sempre será alvo de avaliação,

"a leitura sempre será avaliada, por mais que se mascarem também as formas de avaliação"

(SOARES, 2001, p. 24). Por ser avaliativo, o processo de escolarização não necessita ser

diminuído, pois como vimos, para que as obras cheguem até o aluno, inevitavelmente, elas

serão escolarizadas.

Algumas modificações são necessárias para que as obras possam ir à sala de aula.

Muitas vezes essas modificações não são tão salutares à conservação de sua

"originalidade", fato que conta negativamente no processo de escolarização, como por


36

exemplo, a fragmentação e a repetição das obras no livro didático (LD). Entendemos que

não se pode reproduzir um romance inteiro no LD, mas também não concordamos com a

reprodução apenas de dois parágrafos que pouco dizem da obra e, posteriormente, retomar

esse fragmento para o trabalho de alguma classe gramatical ou escola literária. Exige-se

pouco do aluno com essa prática e ele não vê sentido em ler a obra na íntegra se não foi

conduzido a isso durante as aulas.

A prática da fragmentação também é vista em exames avaliativos. No ENEM,

encontramos várias questões apresentando apenas fragmentos, e não só de textos em

prosa. Vejamos esse exemplo:

Figura 3. Fonte: ENEM 2009, caderno azul.


37

A questão do ENEM de 2009 apresenta a supressão apenas de uma estrofe.6

Considerando que o mesmo poema seria objeto de resposta para duas questões, nos

perguntamos o porquê de ter sido suprimida uma estrofe que nega ao aluno a possibilidade

de ler o poema na íntegra. Com o ENEM o aluno não se vê mais na responsabilidade de ler

as obras que serão abordadas na prova de forma mais direta como ocorria com os

vestibulares, nem a própria prova oferece esse espaço de leitura integral do texto literário,

por menor que ele seja.

Práticas inadequadas na abordagem do texto literário ocasionarão o surgimento de

fórmulas conteudísticas, sem se ter como foco a literariedade que é inerente à tessitura do

texto; voltar-se-á, assim para características das escolas literárias as quais o texto está

vinculado e não para o modo como o texto literário está abordando tais formas. Essas

práticas não formarão competências necessárias para o surgimento de bons leitores

literários, mas de alunos que buscam finalidades no estudo da literatura, como obter

sucesso nas provas e passar de ano.

Concordamos com Aguiar e Bordini (1993, p . 16) ao dizer que "a formação escolar

do leitor passa pelo crivo da cultura em que se enquadra". Se não houver de fato incentivos

para esse processo de descoberta do mundo através dos textos seja estimulada fora dos

limites da escola, o aluno, jovem leitor, não encontrará espaços para desenvolver aquilo

que, em tese, foi formado na escola: a criação do gosto pela leitura. A escola necessita

também adequar-se às novas formas de expressão da linguagem, entendendo que a

literatura nos dias atuais está cada vez mais inserida no universo tecnológico, como disse

Zilberman (2009), resta saber se a escola brasileira está preparada para isso.

6
Estrofe suprimida: O vento varria as luzes, / O vento varria as músicas, / O vento varria os aromas...
/ E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De aromas, de estrelas, de cânticos.
38

3. AVALIAÇÃO: FUNÇÕES E APLICABILIDADES NO CONTEXTO DO ENEM

O ENEM, como forma de seleção para o ingresso nas universidades, apresenta

algumas modificações em relação aos seus objetivos iniciais, tanto relacionadas às políticas

educacionais, quanto aos métodos de ensino. Propomo-nos, nesta unidade, a refletir sobre

o processo avaliativo em uma dimensão sociológica e política, a fim de que possamos

analisar os efeitos desse Exame, observando a abordagem dada à literatura nas questões.

Para essa discussão, tomaremos como base teórica os estudos de Afonso (2000),

que refletem sobre as funções da avaliação e suas tipologias; e, Lopes e López (2010) que

apresentam uma discussão acerca do ENEM em um contexto performativo. Discutimos os

documentos norteadores para o Ensino Médio, elaborados pelo Ministério da Educação e

Cultura (MEC) e que servem de parâmetros para todas as escolas, sejam elas públicas ou

privadas em todo o país. Buscamos associar os princípios norteadores nos documentos

para o EM à matriz de Referência do ENEM, entendendo ser necessário que haja um

afinamento conceitual entre ambos documentos, haja vista que sua aplicabilidade será

praticamente para o mesmo público.

3.1 FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO

A prática avaliativa é formadora de dados e de critérios para referendar aptidões, e é

também uma fonte influenciadora dos sujeitos que, direta ou indiretamente, sofrem os seus

efeitos e a ela se adaptam. Existem duas importantes vertentes inerentes ao processo

sociológico da avaliação: a primeira diz respeito à avaliação mais imediata, determinada por

critérios elaborados pelo professor em relação ao aluno; e, a segunda, diz respeito à

realização das formas de aferição de índices de aprendizagem no contexto da sala de aula

ou no ingresso dos alunos em outras instituições. Nesse contexto, são apresentados “Os

níveis micro, meso e macro do sistema educativo”. (AFONSO, 2000, p. 17, grifos do autor).
39

Para cada nível, desse sistema, a avaliação prestar-se-á a uma finalidade diferente,

seja para realizar a aferição de conhecimento conteudístico dos alunos em uma sala de

aula, seja para realizar competições através de nivelamento entre escolas, cidades e até

mesmo países, a exemplo do PISA.

Afonso (2000) apresenta algumas funções para o processo avaliativo no âmbito

escolar. Consideramos pertinente uma reflexão acerca dessas funções, pois elas têm como

finalidade regular saberes, julgar e selecionar os alunos de acordo com o conhecimento que

eles adquiriram na relação ensino aprendizagem, fatores esses que vão de encontro ao que

se propõe no ENEM em sua relação com o EM. São funções da avaliação escolar:

i) condicionar os fluxos de entrada e saída do sistema escolar, bem


como as passagens entre os diferentes sub-sistemas, classes e cursos;
ii) tornar possível o controlo parcial sobre os professores – quer por
parte dos administradores da educação, quer por parte dos próprios pares;
iii) definir as informações e as mensagens a transmitir aos pais e aos
organismos de tutela;
iv) constituir um elemento importante na gestão da aula na medida em
que influencia as aprendizagens, o sistema de disciplina e as próprias
motivações dos alunos, e;
v) fornecer ao professor informações importantes sobre a sua própria
imagem profissional e sobre os métodos pedagógicos que utiliza. (BONAMI,
1986 apud AFONSO, 2000 p. 18).

Na primeira função acima apresentada, encontramos o objeto de estudo desta

pesquisa: o ENEM, enquanto instrumento de controle de fluxo. Esse exame faz com que os

alunos, que a ele se submetem, possam ascender do nível médio da educação escolar, para

o nível superior; nessas condições, constatamos, portanto, que o Exame torna-se um

mecanismo de avaliação e de seleção, uma vez que em seu processo, apenas uma

determinada quantidade de candidatos, que obtém performance esperada pelo Exame,

ingressa no ensino superior.

A cada edição do Exame, milhões de candidatos se submetem ao sistema, na

intenção de passar de um nível para outro, mas a quantidade de vagas para o ingresso no
40

ensino superior ainda fica aquém da quantidade de candidatos inscritos7. A função avaliativa

torna-se bastante seletiva, pois só terá acesso ao ensino superior, quem obtiver êxito dentro

das condições impostas pelo exame.

Se observarmos a função número quatro, veremos a importância que o Exame

assume, pois, a forma de avaliação exercerá grande influência na aprendizagem em sala de

aula, bem como nas motivações que recaem sobre os alunos e os professores. Nesse caso,

as propostas de aprendizagem prescritas nos documentos, nos livros didáticos e no material

de apoio para os docentes têm que estar em consonância com o que se pretende avaliar, de

modo que a avaliação reflita um resultado baseado em um processo. Percebemos que

essas medidas são impostas de fora para dentro, tendo o Estado como detentor dos

poderes na escolha de aptidões, ocasionando uma série de mudanças na conjuntura do EM,

buscando adaptar-se às condições preestabelecidas pelo Exame.

O produto dessas avaliações em larga escala, afeta o cotidiano escolar, pois os

resultados tendem a fabricar imagens de escolas e de alunos, alterando o sistema de

hierarquia escolar. Isso, se considerarmos que em um período anterior ao ENEM, os

processos avaliativos eram propostos pela escola com certa autonomia. Embora ainda hoje

seja esse o comportamento, com o advento do ENEM, essa autônima foi diluída porque o

Exame deixa de ser algo mais individualizado, tendo que atender às exigências de um

Exame em larga escala.

Essas representações podem ser positivas, quando a escola alcança bons

resultados, ou negativas, quando não os obtêm. "As organizações [o Estado] têm o poder de

construir uma representação da realidade e impô-la aos seus membros e usuários como

definição legítima dessa mesma realidade". (PERRENOUD, 1984 apud AFONSO, 2000, p.

21).

7
Para o ENEM 2012, foram inscritos 5,7 milhões de candidatos. Disponível em:
<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/10/veja-os-numeros-do-enem-2012.html>. Acesso em: 10
nov. 2012.
41

Como produto desse sistema, surgem o que Afonso (op.cit.) denomina de "quase-

mercados em educação". A relação Estado e sociedade apresenta elementos de "domínio

público". Diz o autor:

É, aliás, esta combinação específica de regulação do Estado e de


elementos de mercado no domínio público que, na nossa perspectiva,
explica que os governos da nova direita tenham aumentado
consideravelmente o controlo sobre as escolas (nomeadamente pela
introdução de currículos e exames nacionais) e, simultaneamente, tenham
promovido a criação de mecanismos como a publicitação dos resultados
escolares, abrindo espaço para a realização de pressões competitivas no
sistema educativo. (AFONSO, id. ibid., p. 117).

Ainda que não seja o objetivo central desta pesquisa, convém observar que, uma vez

fabricada, essas imagens sociais trarão consequências ao processo de aprendizagem do

aluno, que condicionará seu nível ao da escola. Seria uma percepção de que os fins

justificariam os meios; ou seja, o aluno poderia apoiar-se no fato de que sua escola não

obteve bons resultados nos ranking dos testes, justificando com isso, o seu insucesso

escolar refletido no não ingresso no ensino superior. As consequências dessa forma de

seleção podem se estender para sua vida fora dos limites da escola.

De maneira a complementar as funções acima discutidas, Afonso (2000) nos

apresenta ainda três tipos de avaliação: a normativa, a criterial e a formativa. O tipo de

avaliação normativa diz respeito aos testes estandartizados, utilizados para competir e

comparar valores educacionais sem necessariamente, preocuparem-se com os objetivos

pensados pelo professor na execução do planejamento proposto pelo currículo. Por essa

razão, tais testes estariam voltados mais para uma dimensão macro avaliativa, do que para

uma perspectiva micro avaliativa, uma norma, haja vista que esse tipo de avaliação

apresenta indicadores educacionais entre países.

A avaliação criterial está baseada em objetivos educacionais mais palpáveis “faz-se

em função das realizações individuais de cada aluno e não em comparação com os outros.”

(AFONSO, 2000, p. 35). Se avaliado em uma dimensão micro, a avaliação criterial aferirá as

competências dos alunos nas atividades específicas realizadas em sala de aula,

supervisionadas pelo professor. A terceira categoria, a formativa, está mais para um


42

desdobramento da criterial, diferenciando-se desta pela variedade de opções de avaliação,

que inclui a participação do aluno nas aulas através de estratégias utilizadas pelo professor

que não se limita à prova escrita.

O efeito social da avaliação criterial pode se aproximar da avaliação normativa, se o

resultado do desempenho individual do aluno servir como base de comparação ou como

forma de ingresso em algum sistema diferente do que o aluno se encontra; e, ambas as

avaliações, dependendo do objetivo que se pretende alcançar, podem “introduzir efeitos de

mercado no sistema educativo” (AFONSO, op. cit. p. 36).

No Brasil, evidenciamos esse efeito através do ENEM, que por meio do desempenho

individual do aluno, avalia sua condição para o ingresso no curso superior, criando ao

mesmo tempo, indicadores de desenvolvimento escolar, seja por Estados ou seja por

regiões brasileiras, avaliando também o professor em sua prática pedagógica, na medida

em que a escola obtém êxito no exame. Nesse caso, há um teste estandartizado, que se

alia a um sistema de critérios individuais, que precisam ser trabalhados em sala de aula,

para que se possa obter sucesso.

Pensando na dimensão desse efeito social no processo avaliativo, encontramos um

elemento novo na relação professor-aluno: o Estado, que através do ENEM avalia tanto os

alunos quanto os professores. Os professores são avaliados através do desempenho dos

alunos nos processos de avaliação e, normalmente, responsabilizados pelo fracasso destes.

O professor se percebe limitado à atividade de preparar os alunos para a realização de

testes. A esse respeito, Rosales (1992, apud Afonso, 2000) diz que o professor deixa de ser

dono de seus próprios atos, perdendo sua autonomia profissional para converter-se em um

instrumento de objetivos e normas impostas de fora para dentro.

Essa perda da autonomia do professor é refletida na relação de poder professor-

aluno em sala de aula, assemelhando-se o que sinaliza Foucault (1999) em Vigiar e Punir8.

A avaliação dimensiona-se, indo além do efeito de coerção e punição que o professor

8
Trata-se de um livro que reflete sobre ações coercitivas e punitivas que permeiam diversos
organismos sociais, como escolas, hospitais e prisões.
43

imprime ao aluno, posto que ele também será avaliado, seja pelo seus pares, seja pelo

Estado, enquanto regulador.

3.2 O ESTADO REGULADOR

Em um modelo capitalista, o poder do Estado vem regulando e avaliando as práticas

escolares desde a década de 1980 com o modelo neoliberal9. Diferentemente do que se

propõe nos documentos, ao analisarmos esse processo neoliberal e seus efeitos, percebe-

se que o Estado está mais preocupado com o produto escolar do que com seu processo;

fato que se agrava porque se distancia do que é proposto nos parâmetros curriculares para

o ensino.

Nesse sentido, o Estado cria mecanismos de controle e de punição mais eficazes do

ponto de vista do desempenho, do país, sobretudo no âmbito econômico:

A avaliação aparece assim como um pré-requisito para que seja possível a


implementação desses mecanismos. Aliás, sem objectivos claros e
previamente definidos não é possível criar indicadores e medir as
performances dos sistemas numa época que se caracteriza pela exigência
de acompanhamento dos níveis de educação nacional e pela necessidade
de manter e criar altos padrões de inovação científica e tecnológica para
enfrentar a competitividade internacional. (AFONSO, 2000, p. 49. Grifo do
autor).

“Indicadores”, “Performances”, “Níveis” são palavras que sinalizam um novo

momento para a educação, tornando-se um desafio para a avaliação sociológica

educacional não somente no Brasil como também em outros países. Essa tendência do

Estado em interferir no sistema educativo de forma mais incisiva, não é uma particularidade

brasileira, pelo contrário, vem refletir uma forma de intervenção adotada em países

neoliberais, e que países emergentes como o nosso, também adotam e reproduzem: "O

9
Neoliberalismo é a resposta à crise do capitalismo decorrente da expansão da intervenção do
Estado, antagônica à forma mercadoria, ainda que necessária para sustentá-la. As políticas
neoliberais perseguidas ao final dos anos 70 e no começo dos 80 por parte dos governos nacionais
dos países centrais constituem precisamente uma tentativa (crescentemente desesperada) de
'remercadorização’ de suas economias. Disponível em:
<http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/neolib/index.html>. Acesso em: 27 dez.
2012.
44

Estado vem adoptando um ethos competitivo, neodarwinista, passando a admitir a lógica do

mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, com

ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos". (AFONSO, 2000, p, 49. Grifo

do autor).

Esse modelo de Estado baseia-se em indicadores e em medições de performances,

de forma que o nível educacional seja sempre acompanhado, criando condições de

competitividade nacional e internacional. Afonso (op. cit.) nos apresenta uma reflexão

acerca da inserção dos modelos avaliativos baseados em testes estandartizados que foram

iniciados no século passado, tendo um grande aumento na década de 1980, com a

propagação da chamada teoria dos testes.

Os estudos realizados pelo autor (id. ibid.) apontam que a utilização desses testes

tem como objetivo avaliar no estudante, aptidões que possam mensurar o seu sucesso tanto

na escola quanto na sociedade, elementos que, inicialmente, eram conhecidos como testes

de personalidade e de Q.I.

Na década de 1980, os Estados Unidos apresentaram uma forma de avaliação que

se aproximava do modelo taylorista, trazendo para a educação princípios de hierarquia,

competição, uniformidade, e mensuração individual. (BOWLES; GINTIS, 1981 apud

AFONSO, 2000). Apesar de esse modelo ter recebido várias críticas, os testes

estandartizados consolidaram-se nos Estados Unidos e propagaram-se para outros países,

como o Brasil, por exemplo.

Nesse contexto, o tipo de avaliação normativa, que se assemelhava mais ao modelo

de testes estandartizados, conforme discutido anteriormente, cedeu lugar ao tipo criterial,

que aplicada com objetivos específicos atendia mais aos princípios de competitividade,

conforme apresenta Afonso (2000):

Aliás, se a avaliação criterial, ao nível macro, for utilizada para recolha de


informações sobre o sistema educativo (por exemplo, sobre o desempenho
das escolas em termos de resultados académicos dos alunos) e essas
informações forem, posteriormente, divulgadas para a opinião pública, nada
impede que o efeito social deste tipo de avaliação se aproxime muito
daquele que é característico da avaliação normativa quando utilizada para o
mesmo fim. (AFONSO, 2000, p. 36).
45

Julgar a educação mediante essas finalidades é condicionar a existência de um

modelo cuja finalidade primeira caracteriza-se por garantir a formação plena do cidadão, em

detrimento de finalidades outras, que limitam os alunos a instrumentos de e para

experimentações, isso referenda resultados que serão indicativos de uma boa ou de uma

má educação. O Estado avaliador, pensado nessa lógica de mercado, quantifica o sistema

educacional com o objetivo de torná-lo competitivo no cenário mundial, de fazer com que a

própria população venha a cobrar aumento nos índices; estas são medidas tomadas sempre

do topo da pirâmide para sua base, com o produto sendo mais importante do que o

processo.

O Brasil, a cada ano, investe em propagandas que apresentam rankings

educacionais em todos os níveis escolares. Essa estratégia não é nova e, além de muitas

vezes maquiar os resultados, incentiva a competição entre escolas e manipula a sociedade

no sentido de induzir à cobrança de melhores índices. A pressão exercida por esse

mecanismo de coerção estará sempre recaindo sobre as equipes pedagógicas das escolas,

precisamente sobre os professores, que nem sequer foram consultados ou preparados para

formar aprendizes para esses tipos de testes. Volta-se, desse modo, ao ponto onde as

mudanças governamentais resultam em mudanças nas práticas educativas.

Os efeitos que uma avaliação baseada em rankings nos parece, pelo menos

aparentemente, que serão mais nocivos do que benévolos10. O ENEM, alvo de nossa

pesquisa, vem exercendo modificações em todas as esferas educacionais, inclusive nas

políticas curriculares, que, paulatinamente, vêm adaptando-se às exigências do exame.

Observamos, por exemplo, que de maneira geral, após a realização do ENEM são

criados rankings dentre todas as escolas dos municípios brasileiros. Nessa classificação,são

apresentados o desempenho, normalmente divididos entre a melhor e a pior pontuação das

10
Em leituras realizadas em diferentes sites pudemos encontrar discussões acerca dessa temática.
Destacamos o artigo: "Vale a pena divulgar o ENEM por escola?", de Daniel Cara, postado na Revista
Educação. Disponível em: < http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/blog-daniel/vale-a-pena-divulgar-
o-enem-por-escola-274671-1.asp>. Acesso em: 04 dez. 2012.
46

escolas públicas e das escolas privadas, ressaltando-se quais as regiões do país obtiveram

mais êxito etc. Essa forma de enquadramento educacional pode gerar consequências

negativas em vários setores:

O interesse por tais rankings gera as apressadas conclusões extraídas


desses resultados, vinculando de forma imediata e simplificadora as notas
dos alunos com a suposta qualidade das escolas. Mas, sobretudo, expressa
o quanto a cultura da performatividade encontra sintonia com múltiplos
interesses sociais, além da esfera do Estado. (LOPES; LOPÉZ, 2010, p.
101, grifo nosso).

Acerca da cultura da performatividade (grifada acima), as autoras supracitadas (ibid.,

2010.) defendem que essa retomada da regulação do Estado na esfera educacional cria

efeitos performativos que tendem a afetar, de forma mais direta, alunos e professores. As

dimensões como aprender, ensinar e avaliar passam a ser interdependentes e a

transposição de interesses econômicos no campo educativo resultam na mercantilização e

objetivação do saber e a avaliação, nesse processo, é utilizada na aferição e

dessa aprendizagem. (LOPES; LOPÉZ, 2010).

O professor, na cultura da performatividade tem seus interesses atingidos na medida

em que ele se vê obrigado a fazer com que seu aluno e sua escola obtenham sucesso nas

avaliações externas. Esse ator social é impelido a competir entre seus pares e é ancorado

em práticas formadoras de performances. Assim, o aluno tem sobre si a responsabilidade de

demonstrar habilidades e competências, nas quais predomine o saber fazer, pois sua

performance exigirá o domínio dos conteúdos solicitados.

A avaliação a partir do ENEM, nos últimos quatro anos, vem alterando tanto as

políticas de inclusão no ensino superior quanto as práticas educativas em sala de aula, pois,

para que o aluno obtenha uma boa performance na prova, se fará necessário um ensino que

o prepare para esse tipo de exame. Dessa forma, vemos como consequência dessa

necessidade performática, o crescimento de publicações diversas e de inúmeras edições

direcionadas ao candidato que se submeterá ao novo ENEM. Os cursos preparatórios já

incidem seus olhares para as questões das provas, antes, praticamente, inexistentes. Os

livros didáticos já começam a utilizar os termos adotados no exame; observarmos que,


47

paulatinamente, o ENEM adentra as salas de aulas apresentando uma nova forma de

avaliação, como afirmam Lopes e Lopéz (2010): " pelos efeitos que produz nas políticas de

currículo, os discursos associados a esse exame constituem um contexto de influência para

outras ações curriculares e outros sistemas de avaliação”. (LOPES; LOPÉZ, op. cit. p. 104).

Nesse cenário de mudanças, necessário se faz analisar dentro dessas

transformações curriculares, como estão sendo concebidas as habilidades e competências

requeridas à cada área do conhecimento, para que, professores e alunos possam entender

e questionar esse novo sistema.

3.3 O ENEM E SEUS DOCUMENTOS ESTRUTURANTES

Como apresentado de modo geral no início desta dissertação, o ENEM foi criado, no

ano de 1998, pelo Instituto Nacional Anísio Teixeira (INEP), com o objetivo de apresentar

um panorama da educação brasileira ao fim da Educação Básica e, ao mesmo tempo,

oferecer ao aluno uma referência de auto-avaliação de um exame em larga escala. O

Exame tinha adesão voluntária e na sua primeira edição obteve a marca de 150 mil inscritos

(BRASIL, 2005).

No ano de 2005, o ENEM adquiriu uma função que ia além do seu objetivo avaliativo;

nessa nova configuração, o desempenho do candidato no Exame seria um instrumento

seletivo dentro do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que seleciona candidatos

para concorrer a bolsa de estudos em universidades privadas em todo o país, financiada

pelo MEC. A novidade fez com que o Exame alcançasse a marca de um milhão e meio de

inscritos.

Ainda em um contexto de modificações, consideramos que a mais abrangente foi a

instituída no ano de 2009, em razão da carta11 do MEC à Associação Nacional dos

Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), quando propôs que o

Exame, já realizado em larga escala, fosse utilizado também como forma de ingresso no

11
A referida carta encontra-se no anexo A.
48

ensino superior público, com a intenção de subsidiar o processo de seleção de candidatos

nas IFES.

A justificativa fornecida pelo MEC é que a proposta tem como principais objetivos

democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior; possibilitar

a mobilidade acadêmica; e, induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. Esse

instrumento de avaliação, com essa nova configuração, obteve grande repercussão em nível

nacional, uma vez que é realizada uma única prova para todo o Brasil para a seleção dos

candidatos nas IFES. De acordo com o MEC, o processo seletivo realizado através do

vestibular "limita o pleito e favorece candidatos com maior poder aquisitivo, capazes de

diversificar suas opções na disputa por uma das vagas oferecidas". (BRASIL, 2009, p. 01).

Outra justificativa é que a influência exercida pelos vestibulares tradicionais no

currículo do EM também deve ser observada e reavaliada, pois as escolas direcionam os

conteúdos de acordo com a proximidade das universidades, descentralizando a proposta

curricular que deveria buscar a unificação, respeitando as particularidades. Com o ENEM

reformulado, segundo as diretrizes da carta proposta, haveria um debate maior entre o

ensino médio e superior em um

chamamento às IFES para que assuma necessário papel, como entidades


autônomas, de protagonistas no processo de repensar o ensino médio,
discutindo a relação entre conteúdos exigidos para ingresso na educação
superior e habilidades que seriam fundamentais, tanto para o desempenho
acadêmico futuro, quanto para a formação humana. (BRASIL, 2009, p. 03,
grifo nosso).

Essa relação entre os conteúdos exigidos para o ingresso na educação superior e as

habilidades necessárias ao desempenho acadêmico e a formação humana, conforme

grifado acima, é uma importante justificativa para pesquisa por nós desenvolvida. Nesse

contexto de modificações curriculares, torna-se de fundamental importância analisar como

as questões oferecidas pelo Exame estão formuladas, o que e como estão sendo solicitados

os conteúdos, entendendo que é na materialidade das questões que ocorrerá essa

interlocução ensino médio - ensino superior.


49

A proposta reformulada da prova, publicada em 2009, tem como objetivo abordar a

interdisciplinaridade e agrupar as questões por áreas afins, a saber: Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias (componentes curriculares: Língua Portuguesa, Literatura, Língua

Estrangeira - Inglês ou Espanhol, Artes, Educação Física e Tecnologias da Informação e

Comunicação); Matemática e suas Tecnologias (componente curricular: Matemática);

Ciências da Natureza e suas Tecnologias (componentes curriculares: Química, Física e

Biologia) e; Ciências Humanas e suas Tecnologias (componentes curriculares: História,

Geografia, Filosofia e Sociologia). No último edital consultado (ENEM 2012), o Exame

consta de uma redação, quatro provas objetivas, cada prova contendo 45 questões de

múltipla escolha.

Para cada área do conhecimento são apresentadas habilidades e competências que

devem ter sido desenvolvidas pelo candidato no decorrer do EM. Tais competências e

habilidades são específicas não só para o Exame, como também para a estrutura curricular

do Ensino Médio e para as Diretrizes Curriculares Nacionais.

Para Macedo (2005), as competências, lato sensu, podem ser entendidas dentro de

três áreas ou dimensões. A primeira delas está para uma condição prévia do indivíduo, que

pode ser herdada ou adquirida. Nesse contexto, as competências herdadas são aquelas que

já nascemos com predisposição para, como mamar, respirar, por exemplo; as que são

adquiridas são aquelas que vamos assimilando com o decorrer do tempo, como a

capacidade de comunicação em uma outra língua. (MACEDO, op. cit., p. 18).

A segunda competência é apresentada como uma "condição do objeto, independente

do sujeito que o utiliza" (Id., Ibid., p. 18). Em um dos exemplos para essa competência

temos o ato de julgar a qualidade do ensino de um professor através do livro por ele

utilizado. São os casos de generalizações, sem a devida consideração das especificidades,

que podem ou não superar o objeto tomado como referência.

A terceira competência é chamada de "relacional", pois ela expressa o jogo de inter-

relações entre diferentes fatores. Para essa competência, faz-se necessário a ativação de
50

vários elementos, que coordenados, proporcionará sucesso na execução. Por exemplo, o

ato de proferir uma palestra ou conferência. Para que haja sucesso na apresentação é

necessário que alguns elementos estejam relacionados como: um bom texto, uma boa

leitura, uma interação entre o sujeito e a plateia etc.

De acordo com Macedo (2005) essas competências são dimensões diferentes, no

entanto, todas se complementam em seus usos pelos indivíduos. Ao serem colocadas

dicotomicamente, competências e habilidades, conforme a análise do autor, observamos

que a competência seria uma habilidade de forma mais geral e a habilidade seria

considerada também com uma competência, esta obtida de forma mais específica, do que

aquela. Macedo (op. cit., p. 20-21) explica-se:

Para comunicar-se bem em uma palestra, apenas saber ler é condição


insuficiente, pois há uma conjunção de fatores que são de outra ordem. O
que não quer dizer que competência seja apenas um conjunto de
habilidades: é mais do que isso, pois supõe algo que não se reduz à soma
das partes. [...] Competência é o modo como fazemos convergir nossas
necessidades e articulamos nossas habilidades em favor de um objetivo ou
solução de um problema, que se expressa num desafio, não redutível às
habilidades, nem às contingências em que certa competência é requerida.
(MACEDO, 2005, p. 20-21)

No contexto do ENEM, entende-se, como competência a capacidade do candidato

em mobilizar recursos cognitivos, socioafetivos ou psicomotores estruturados em rede de

forma a estabelecer relações e enfrentar situações complexas; e como habilidades,

compreende-se o plano imediato do saber fazer em relação a competência adquirida.

(BRASIL, 2010).

Com essa definição, observamos que a noção de competências e habilidades para o

Exame, aproxima-se com as dimensões acima abordadas, exigindo do candidato a ativação

de vários saberes para a resolução das questões e aproxima-se também dos documentos

norteadores para o Ensino Médio, como as OCEM e o PCN+, que já utilizam os termos em

destaque, sobretudo a noção de competência: "...o aluno deve ter meios para ampliar e

articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras

situações de uso da língua com que se depara..." (BRASIL, 2002).


51

As OCEM, em seu texto de apresentação do documento de Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias trazem para a discussão inicial o artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB) que apresenta entre as finalidades do Ensino Médio, o desenvolvimento de

competências que propiciem a continuidade do aprendizado dos alunos. Observamos que o

termo já tem certa "tradição" nos documentos oficiais da educação brasileira e que, em tese,

já é operacionalizado no contexto do EM.

Atualmente, a prova do ENEM conta com 30 competências e 120 habilidades e com

cinco eixos cognitivos12. As questões, também conhecidas como itens, são rigorosamente

selecionadas em um Banco de Nacional de Itens (BNI), de responsabilidade do INEP. Os

elaboradores dos itens são professores e pesquisadores da educação básica que são

selecionados para colaborar com a atualização do BNI.

As questões, como dissemos, passam por um rigoroso processo de elaboração e

revisão para poder constar no banco de dados e, posteriormente, compor a prova. De

acordo com o Guia de Elaboração e Revisão dos Itens13, todas as questões de todas as

áreas do conhecimento têm a mesma estrutura, que consiste em: texto-base, enunciado e

alternativas. Cada questão deve contemplar apenas uma habilidade da matriz de referência,

apresentando uma situação-problema que será solucionada pelo candidato.

O texto-base estruturador do item deve motivar e compor a situação-problema

podendo ser utilizado mais de um texto-base para a resolução de uma questão. Os textos

podem ser verbais e/ou não verbais, formulados pelo próprio elaborador ou devidamente

referenciados quando de apropriação pública. O enunciado deve apresentar a informação

de forma clara e objetiva do que será proposto para o candidato. A instrução fornecida pode

ser em forma de pergunta ou frase a ser complementada com alternativa correta.

As alternativas, por sua vez, apresentam as possibilidades de resposta ao que foi

solicitado no enunciado, as quais são divididas entre gabaritos e distratores. O gabarito deve

indicar, de forma inquestionável, a única alternativa correta e os distratores, as incorretas. É

12
A Matriz de Referência encontra-se no Anexo B
13
Guia de Elaboração e Revisão dos Itens, Anexo C
52

importante observar que mesmo incorreta, a alternativa não deve ser totalmente distante da

opção correta, uma vez que "o distrator plausível deve retratar hipóteses de raciocínio,

utilizadas na busca da solução da situação-problema apresentada." (BRASIL, 2010, p. 11).

Cada elaborador apresenta uma justificativa para cada alternativa criada, indicando e

comentando as razões que tornam a resposta correta e as demais incorretas, justificativa

que provavelmente é de acesso apenas do INEP, pois não as encontramos nas pesquisas

realizadas. Talvez, se tivéssemos acesso a essas justificativas, as análises das questões

que serão apresentadas no próximo capítulo seriam melhor esclarecidas com mais esse

suporte analítico.

3.3.1 As competências e as habilidades da Matriz de Referência para a Literatura

A área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias apresenta 9 competências e 30

habilidades. Cada competência pretende contemplar aspectos e conteúdos inerentes ao

ensino dos componentes curriculares específicos, conforme anteriormente apresentado:

Língua Portuguesa, Literatura, Língua Estrangeira - Inglês ou Espanhol, Artes, Educação

Física e Tecnologias da Informação e Comunicação.

Um aspecto inovador para a área do Exame é a não indicação de obras literárias

para a leitura prévia dos candidatos. A prática, costumeira em vestibulares, é retirada do

ENEM, que apresenta diferentes textos literários de diferentes épocas, fato que exige, do

aluno, em tese, uma ampliação do seu acervo de leituras.

Diante da quantidade das competências e habilidades requeridas para a realização

do Exame, propomos, nessa seção, discutir de forma mais específica, as competências e

habilidades da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias que julgamos pertinentes

para a abordagem da literatura na materialidade das questões, de modo a contemplar nosso

objetivo específico que é o de verificar o que se propõe na Matriz de Referência do ENEM

para as questões de literatura.


53

Apesar de o Exame apresentar uma indissociabilidade entre as áreas, vimos, através

do Guia de Elaboração e Revisão de Itens, que cada questão deve contemplar apenas uma

habilidade. Dessa forma, teceremos algumas considerações acerca das competências que

discutem diretamente ou que tangenciam o objeto de nossa análise: a literatura, para, no

capítulo seguinte, observarmos de forma mais detida, como as questões contemplam essas

habilidades.

Antes de discutir as competências, gostaríamos de ressaltar a opção que tomamos

em relação à ordem de apresentação destas. Por acreditarmos que a competência de área

número 5 contempla e corresponde a componente curricular "Literatura" de forma mais

específica, nós a abordaremos antes da competência de área número 6, que contempla os

sistemas simbólicos linguísticos e, nele, a literatura, finalizando com a discussão da

competência de área número 4 que trata da arte como saber cultural, na qual consideramos

a literatura como um bem artístico.

A competência de área número 5 tem uma quantidade considerável de referências a

elementos literários, abordando-os de forma bastante específica. No texto referente a esta

competência, propõe-se para a composição das questões: a análise, a interpretação e a

aplicação de recursos expressivos das linguagens, de forma a relacionar os textos aos seus

contextos, observando a natureza, a função, a organização e a estrutura dessas

manifestações, levando em consideração as condições de produção e recepção desses

textos. Vejamos:
54

Figura 4. Competência de área 5. Matriz de Referência do ENEM. (2009).

Nas habilidades propostas, identificamos que as linguagens descritas na

competência compreendem as mais variadas formas de linguagem literária, uma vez que

cada uma aborda um contexto específico para o corpus literário. Assim sendo, entendemos

que para o aluno obter êxito nas questões que contemplam as habilidades dessa

competência ele deve ser proficiente na leitura literária, conforme discutimos no capítulo 1.

Vemos aqui, que os saberes requeridos têm um nível considerável de complexidade,

pois, o aluno necessita, não só dos conhecimentos das concepções artísticas e de

organização textual, como também do conhecimento das especificidades literárias, de sua

estrutura, sua interpretação e sua análise.

O Guia Explicativo da Matriz de Competências e Habilidades do ENEM (cf. anexo C)

apresenta como finalidade desta competência, a abordagem de gêneros literários

diversificados. Nesse sentido, os candidatos devem reconhecer as características da maior

quantidade possível de gêneros, uma vez que eles não têm conhecimento nem do gênero

nem do estilo de época que será contemplado. Adentramos em um território polêmico, pois

a nomenclatura "gênero" no âmbito literário apresenta várias significações. Como veremos

nas análises do capítulo 4, as questões do Exame apresentam diferentes concepções de

gênero para os textos literários, ora eles são vistos como gêneros textuais, ora como

literários. O fato de um poema ou uma canção pertencer a este ou aquele gênero, como
55

veremos, nos parece prestar-se muito mais ao objetivo da questão do que a uma definição

mais específica, se é que ela existe.

Observamos também que mesmo no contexto literário existem divergências no que

se entende como gênero. Nesta pesquisa, entendemos a noção de gênero literário conforme

os autores abaixo apresentados:

No debate científico que se instaurou, no decorrer da última década, sobre


as relações dos gêneros literários, o conceito de 'gênero' não tem uma
utilização tão uniforme quanto deveria para que fosse, enfim, possível
progredir nesse campo tão difícil. Assim fala-se de epopéia, de poesia lírica
e de drama como três grandes gêneros; e, ao mesmo tempo, a novela, a
comédia, e a ode também são chamadas de gêneros. Um único conceito
abarca assim dois tipos de coisas diferentes. (VIËTOR,1986, apud.
STALLONI, 2003, p. 15)

Rosenfeld (1997) ao discorrer acerca da constituição dos gêneros literários também

contribui para o nosso entendimento sobre essa questão. Ele diz que a tentativa de

classificação de obras literárias não é atividade recente, remonta a era platônica em sua

República. No terceiro livro da República, Sócrates apresenta três tipos de obras poéticas: o

primeiro, mais ligado à imitação, o poeta desaparece, dando lugar à fala de personagens,

obras típicas da tragédia e da comédia; o segundo, diz respeito a um relato do poeta, o que

se assemelha, não muito especificamente ao tipo lírico; e, o terceiro encontra-se a união dos

dois primeiros, constituindo a epopéia.

Após essa contextualização, Rosenfeld (op. cit.) nos apresenta duas formas de

conceituação de significação dos gêneros literários: uma classificação substantiva e uma

adjetiva. Na classificação substantiva, ao gênero temos, "A Lírica", ao épico, "A Épica" e ao

dramático, "A Dramática". Na classificação adjetiva seriam acrescidos traços estilísticos, por

exemplo, uma peça dramática pode apresentar cunho lírico: "Ademais, não existe pureza de

gêneros em sentido absoluto". (ROSENFELD, id.ibid., p. 16). Essa definição de gênero para

a literatura nos será útil para esclarecermos as terminologias explicitadas na análise, bem

como na Matriz de Referência que ora apresentamos. Entendendo que os "grandes

gêneros" oferecem elementos para a constituição dos outros gêneros, não menos

importantes para a literatura.


56

Em relação às habilidades para a competência de área número 5, temos como

primeira, a habilidade 15 que apresenta uma dimensão de cunho mais crítico e

interpretativista, exigindo do candidato conhecimentos de conjuntura histórica e social, pois

ele necessita realizar relações entre o texto literário e o contexto de produção nele

representado. Alguns aspectos nacionalistas, que fazem menção a momentos históricos

importantes para o país também são contemplados por essa habilidade. Encontramos,

através do Guia Explicativo, algumas orientações para as habilidades que delimitam o que

será solicitado nas questões, como o reconhecimento de temáticas nacionalistas, a análise

dialética do local e do universal presentes nas obras que representam diferentes épocas e

movimentos literários e reconhecimento de marcas ditatoriais através de gêneros literários

como letras de canções, poemas, fragmentos de narrativas e de teatro.

A habilidade 16 contempla as informações acerca das concepções artísticas e dos

procedimentos de construção do texto literário. As concepções artísticas estão próximas das

escolas literárias, e, conforme discutido no capítulo 2, elas são abordadas na sala de aula,

muitas vezes como a finalidade do ensino de literatura. Nesse contexto, a obra literária é

utilizada apenas para ilustrar as recorrências dessas concepções. Em relação aos

procedimentos de construção do texto, observa-se que a habilidade propõe que o candidato

saiba relacionar, por exemplo, as características mais relevantes de alguma escola literária

à imanência do texto, conhecimentos acerca das figuras de linguagem e de estilo também

são solicitadas nesse contexto.

O diferencial da abordagem proposta pela Matriz do ENEM, também apresentada na

carta proposta do novo ENEM, é que seja evitado qualquer tipo de memorização como

finalidade da questão. Dessa forma, as concepções artísticas devem ser contempladas, não

para levar o candidato a retomar as características de alguma escola literária, e sim para

articular e reconhecer as características de dado gênero literário presente nas questões e

sua relação com o contexto de produção e as concepções envolvidas nesse processo de

elaboração. Essa habilidade ainda requer o conhecimento dos procedimentos de construção


57

do texto literário, relacionados à forma composicional e às imagens apresentadas, a partir

das manifestações artísticas do texto.

A última habilidade para a competência 5 é por nós considerada mais

interpretativista. Ela requer do candidato a identificação de valores sociais e humanos

através do texto literário que sejam atualizáveis e permanentes. Ela assemelha-se ao que é

solicitado na habilidade 15 e também na habilidade 20 da competência de área 6, como

veremos adiante. Essa "associação" de habilidades nos fez observar uma tendência,

sobretudo na prova de 2011, a presença de questões com uma forte valorização da cultura

nacional através das questões. Apresentamos esse fato de forma mais detida no capítulo de

análise das questões.

A competência de área número 6 apresenta a linguagem como sistema simbólico e

como meio de constituição de significados, vejamos:

Figura 5. Competência de área 6. Matriz de Referência. (2009)

O símbolo é uma significação genérica da palavra signo, que por sua vez define-se,

de maneira geral, como "a possibilidade de referência de um objeto ou acontecimento

presente a um objeto ou acontecimento não-presente, ou cuja presença ou não presença é

indiferente." (ABBAGNANO, 2000, p. 894). O sistema simbólico presente na competência 6

é bastante abrangente e deve contemplar essa referência ao objeto - no caso a linguagem,

nas suas mais variadas manifestações.


58

A literatura é uma interessante forma de significação da realidade e pode-se, a partir

do texto literário, compreender significados, expressões, formas de comunicação e

informação através dos tempos. No entanto, a especificidade literária, nesta competência,

parece ser igualada a todos os outros tipos de manifestações da linguagem.

Não queremos com isso afirmar que a manifestação literária é superior em relação

aos outros tipos, mas que se faz importante para o entendimento do que será solicitado no

exame, esclarecer, por exemplo, se a literatura é um gênero por excelência, como discutido

na competência anterior, ou se ele é mais um integrante dos gêneros textuais. Esclarecer

essa distinção pode amenizar alguns problemas de indefinição conceitual que acabam por

adentrar as questões da prova, reflexo talvez de uma inconsistência já apresentada no

ensino médio.

De forma a exemplificar o que colocamos acima, temos a habilidade 18 que solicita a

"identificação de elementos que concorrem para a progressão temática e para a

organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos". Nos comentários

presentes no Guia Explicativo para esta habilidade, vemos que identificar um poema e seus

elementos constitutivos não é diferente de identificar uma carta comercial ou um artigo de

opinião, por exemplo, todos estão equiparados em um mesmo nível de linguagem. Esse

princípio de igualdade parece-nos ser contraditório em relação à competência 5, que

apresenta a literatura uma linguagem diferenciada. As OCEM acreditam ser a literatura, um

modo discursivo entre os vários (o jornalístico, o científico, o coloquial, etc.),


o discurso literário decorre, diferentemente dos outros, de um modo de
construção que vai além das elaborações linguísticas usuais, porque de
todos os modos discursivos é o menos pragmático, o que menos visa a
aplicações práticas. Uma de suas marcas é a condição limítrofe, que outros
denominam transgressão, que garante ao participante do jogo da leitura
literária o exercício da liberdade, e que pode levar a limites extremos as
possibilidades da língua... (BRASIL, 2006, p. 49)

Esse modo peculiar de construção que possibilita o exercício da liberdade,

conferindo à literatura sua especificidade, o que para nós deve ser apresentado ao

aluno/candidato não como um sinal de supremacia, mas como parte de um todo, marcado

pela linguagem e que tem um modo diferente de conceber a língua. Concordamos com Eco
59

(2003) ao dizer que a literatura, diferentemente dos outros tipos de textos ou gêneros, não

se produz para fins práticos, mas "gratia sui", por vontade e por amor em si mesma. Talvez

essa peculiaridade ainda não seja bem assimilada e ainda equiparada aos outros tipos de

gêneros, que se "prestam a" por reflexo de um ensino voltado para a práxis, conforme

problematizamos no capítulo 2.

Em relação à habilidade 19, observamos que é solicitado ao candidato

conhecimentos acerca das funções da linguagem que são predominantes nos textos. Nos

comentários do Guia Explicativo; constatamos que tais funções são as mesmas

apresentadas por Jakobson (2007) em sua obra Linguística e Comunicação. Dessa forma, a

literatura seria apenas instrumento de identificação das funções da linguagem com vistas a

enfatizar a mensagem. Ainda que com essa ressalva, observamos que na prova tal

efetivação é praticamente inexistente, a habilidade é apresentada torna-se

predominantemente classificatória.

A habilidade 20, mencionada anteriormente, diz respeito ao reconhecimento da

importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade

nacional. Essa habilidade é importante para a nossa pesquisa, pois ao observar os aspectos

supracitados nas questões, constatamos a imanência de um novo estilo de abordagem da

literatura, dentro do período de provas analisado (2009 a 2012). Esse novo estilo

apresentava aspectos que requeriam do candidato a visão crítica e a valorização de

momentos históricos vivenciados pelo Brasil, e que se materializavam em letras de canções,

poemas e romances.

Nesse contexto, a literatura é uma representação simbólica do patrimônio cultural.

Algumas questões do Exame, sobretudo do ano de 2011, suscitavam reflexões a esse

respeito, bem como a criação/valorização de uma identidade nacional, fato que é

considerado positivo em meio a uma cultura globalizada e pós moderna como a nossa.

Outro aspecto chama-nos atenção: no Guia Explicativo para esta habilidade,

observamos que os textos de tradição oral são considerados apenas como "histórias" e sua
60

menção ocorre no sentido de reconhecimento de sua importância. Gêneros como o cordel e

o repente são colocados à margem das especificidades literárias, prestando-se a preservar

a memória cultural de um povo. Vejamos o que dizem as OCEM acerca de que seria ou não

objeto de estudo da literatura:

Qual seria então o lugar do rap, da literatura de cordel, das letras de


músicas, e de tantos outros tipos de produção em prosa ou em verso, no
ensino da literatura? Sem dúvida, muitos deles têm importância das mais
acentuadas, seja por transgredir, por denunciar, enfim por serem
significativos dentro de determinado contexto (...) mesmo produzidos por
artistas não letrados, mas que dominam o fazer literário - ainda que quase
que instintivamente -, certamente deverão ser considerados no universo
literário: Patativa do Assaré, por exemplo, e tantos outros encontrados no
nosso rico cancioneiro popular. (BRASIL, 2006, p. 56-57).

A literatura popular encontra respaldo nos documentos norteadores para o Ensino

Médio, bem como em seu próprio conteúdo, seja por valores estéticos, seja por questões

que problematizam a cultura nacional. Em nossa pesquisa, apenas a prova do ano de 2009,

faz referência a uma canção de tradição popular indígena (Cuitelinho) e, no ano de 2011,

uma à literatura de cordel em um fragmento de texto do crítico Braulio Tavares, a

abordagem do cordel em si, não pareceu no corpus analisado.

Acerca da última competência proposta para apreciação, temos a de área número 4:

Figura 6. Competência de área 4. Matriz de Referência. (2009)

A competência de área número 4 apresenta a arte como manifestação cultural que

gera significações para o mundo e para a construção da própria identidade. Essa


61

competência, apesar de um olhar mais voltado para as funções e concepções de obras de

artes bi e tridimensionais (pinturas, gravuras, esculturas e objetos), apresenta forte ligação

com a linguagem literária, até porque muitas dessas manifestações ocorriam

concomitantemente com as estéticas literárias. Se pensarmos por exemplo na arte barroca,

sabemos que suas manifestações vão além do texto literário, ocorrendo também nas artes

plásticas, na música etc.

Nossa intenção em discutir esta competência reside no fato de apresentarmos a

possibilidade de aproximação dessas duas artes na materialidade das questões,

defendendo que esta ela abrange não só a arte representada por imagens concretas, mas

também pela literatura como expressão imagética.

Pensemos, inicialmente, na afirmação feita por Chklovski (1976, p.39): "A arte é

pensar por imagens". A partir dessa informação, podemos inferir diversas formas de

manifestações artísticas que nos levam a pensar através das imagens, inclusive a literatura.

Jakobson (1983), ao discorrer acerca dos aspectos dominantes de uma produção, reflete

sobre o modo como essas diferentes manifestações entrecruzam-se e se influenciam

mutuamente:

O dominante pode ser estudado não apenas no trabalho poético de um


artista isolado, de um dado cânone poético ou entre as normas de
determinada escola poética, mas também na arte de uma época, então
encarada como um todo particular. É evidente, por exemplo, que na arte da
Renascença o dominante, o cume dos critérios estéticos do tempo, estava
nas artes visuais[...] (JAKOBSON, 1983, p. 486, grifo do autor).

Se observarmos a linha do tempo das estéticas literárias, o processo de

consolidação da literatura brasileira sempre esteve intrinsecamente relacionado às outras

manifestações artísticas, inclusive essa relação é aparente em livros didáticos, mas pouco

explorada no contexto da sala de aula. Essa competência, portanto, vem suscitar a análise e

a reflexão desses saberes já garantidos no contexto escolar, mas pouco explorados.

Para as habilidades desta competência, são exigidos conhecimentos que

possibilitem a identificação de funções artísticas, observando seu contexto de produção e

recepção (habilidade 12). Essa habilidade é talvez a mais classificatória, por apresentar
62

como requisito o conhecimento das funções da arte, inseridos no contexto de produção.

Acreditamos que se não houver uma boa apresentação dessas tendências artísticas na sala

de aula, a identificação desses elementos na prova será um pouco mais difícil, considerando

que não temos o hábito, sobretudo a faixa etária da maioria dos candidatos que se

submetem ao Exame, de visitar museus e exposições artísticas.14

A habilidade 13 apresenta a arte como meio de explicar as culturas e padrões de

beleza e a recorrência de preconceitos. Essa habilidade intenciona abordar as expressões

estéticas e o conceito de beleza subjacentes a cada uma delas, na intenção de aproximar as

diferentes formas de expressão artística e a influência que uma exerce sobre a outra. A

habilidade 14 está mais próxima dos recursos de intertextualidade entre manifestações

artísticas de uma época ou entre épocas verificando os procedimentos utilizados, fato que

também ao nosso ver, deve ser detidamente trabalhado em sala de aula, pois é de difícil

apreensão pelos candidatos. Além do mais, as obras representadas na prova são ilustradas

com imagem em preto e branco, fato que dificulta ainda mais a percepção dos elementos

estéticos.

Retomando a aproximação entre a arte e a pintura, queremos apresentar uma

questão do ENEM 201215:

14
Quando se sai dos grandes centros, a possibilidade de visitar museus é bastante restrita.
15
A questão foi digitalizada pela pesquisadora no dia 07 de janeiro de 2013, porque a versão para
download, até essa data, não foi disponibilizada pelo INEP.
63

Figura 7. ENEM 2012. Caderno Rosa.

A pintura e a literatura em uma mesma questão ilustra o que discutimos acima.

Acreditamos que a questão pretende contemplar a habilidade número 14, uma vez que tanto

o poema de Camões quanto a obra de Rafael Sanzio pertencem ao mesmo período

histórico. No entanto, a aproximação dá-se mediante as qualidades apresentadas em

relação a idealização da figura feminina descrita no poema e na pintura. Ainda que

elementar, consideramos positiva a intersecção das duas manifestações em uma mesma

questão, por entendermos que tal representação exigirá do candidato um nível de

percepção e apreciação de duas formas diferentes de expressão artística.

De acordo com Cortez (2005) "essa representação poesia/pintura é intelectual e não

sensitiva e busca o ideal, combinando, ao mesmo tempo, elementos realistas e metafóricos,

traços simbólicos e índices de conotação sentimental que as pinturas não poderiam

oferecer." (CORTEZ, 2005, p. 310). Torna-se, pois, interessante a combinação dessas duas

formas de expressão pela complementação que uma exerce na outra e ambas

proporcionam uma a formação intelectual mais sólida e diversificada.


64

Propomos para o próximo capítulo um percurso analítico considerando as referidas

habilidades e competências como parâmetros para as questões do Exame de forma a

contemplar o segundo objetivo dessa pesquisa: Analisar, no corpus das provas de 2009 a

2012, procedimentos composicionais e tendências temáticas nas questões de literatura.

Para tanto, como já comentado anteriormente, agrupamos as questões em

categorias de análise que surgiram no decorrer de nosso caminho de pesquisa. As

nomenclaturas apresentadas: Leitura de poemas: procedimentos de construção do texto;

Tendências historicistas; e, Identidade e Cultura Nacional foram criadas conforme nossa

observação do conteúdo exigido pelas questões.


65

4. ANÁLISE DE QUESTÕES DE LITERATURA NO ENEM

A fim de que possamos conhecer como o ENEM configura sua prova dentro de um

contexto tão plural como apresentado no capítulo acima, pretendemos refletir acerca das

questões que envolvem a literatura em sua formulação. Optamos por separar o viés

analítico em seções: a primeira, intitulada de Leitura de poemas: procedimentos de

construção do texto; a segunda, Leitura de poemas:Tendências historicistas; e, a terceira,

Questões de Identidade e Cultura Nacional.

As reflexões, desenvolvidas a partir das categorias de análise, surgiram na medida

em que líamos as questões e descobríamos elos temáticos que poderiam associá-las. Para

cada categoria discutida, propomos uma leitura mais crítica acerca da temática, abordando

alguns aspectos mais teóricos. É importante salientar que, ao realizarmos essa leitura crítica

sobre os textos literários abordados, não estamos propondo que a mesma adentre o

universo do exame; ela tem o propósito de nos ajudar a refletir sobre alguns procedimentos

de construção das questões e que merecem uma apreciação de cunho mais teórico, para

tentarmos entender as motivações do aparecimento dessas questões no Exame.

Outra opção tomada para essa divisão em categorias de análise foi a escolha do

gênero poesia como objeto de análise das questões. Encontramos na prova, uma

quantidade considerável também de outros gêneros, no entanto, como já discutimos em

capítulos anteriores, de forma fragmentada. Acreditamos que os poemas, em sua totalidade,

na maioria das vezes, configuram-se na via mais eficaz para expormos as propostas de

cada questão, por considerarmos ser mais coerente a escolha de uma linha de abordagem

para a análise, no caso, a poesia, proporcionando-nos responder, de forma mais satisfatória,

as questões que propomos para esta dissertação.


66

4.1 LEITURA DE POEMAS: PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DO TEXTO

LITERÁRIO

A proposta da matriz de referência do ENEM demanda habilidades que concebem os

poemas a partir das estéticas literárias no qual estão inseridos. Especificamente, a

competência de número 5, presente na área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,

sugere, como já discutimos no capítulo 3, que através das três habilidades, o candidato seja

capaz de reconhecer os procedimentos de construção do texto literário e concepções

artísticas, relacionando condições de produção, recepção e do momento histórico, partindo

da análise das “linguagens”, e de modo especial, do texto literário.

Para que o candidato seja proficiente na resolução das questões, partindo do que se

lê acima, fica claro que ele deverá ter uma noção de todos os procedimentos estéticos para

construção do texto literário, das concepções artísticas as quais esses textos estarão

inseridos, sem obras previamente indicadas.

Chklovski (1976) diz que em relação ao trabalho com as escolas poéticas, faz-se

necessário ir além da observação das imagens construídas para os poemas, pensando nos

“novos procedimentos para dispor e elaborar o material verbal, e este consiste antes na

disposição das imagens que na sua criação” (CHKLOVSKI, 1976, p. 41). Partindo do

pressuposto de que as imagens poéticas são praticamente as mesmas com o passar dos

séculos, o autor propõe que se encontre um objeto estético, entendido como um

procedimento particular de construção, assegurando uma percepção estética própria, que

singularize aquela obra, de forma que ela desautomatize o sujeito-leitor, pois a

automatização é própria dos textos prosaicos. O procedimento, portanto, é o modo como o

escritor ou o poeta trabalha a linguagem, conferindo-lhe percepções diferenciadas, captação

de aspectos do mundo e das coisas que até então passavam despercebidas.

Essa "desautomatização" do sujeito-leitor proporcionará uma leitura literária de modo

singular. As questões de literatura, não devem ter a finalidade de fazer com que o candidato

aplique os conceitos estudados em cada escola literária a qualquer texto literário, só porque
67

a questão sinalizou este ou aquele autor como parte dessa escola, entretanto, propiciar

reflexão, levando o leitor a perceber as singularidades estéticas, procedimentos que o

sensibilizem na identificação das sutilezas do texto literário. Ressalte-se, nesse âmbito que

já é bastante discutido nos cursos de Letras, o fato de um autor ser considerado de uma

escola literária não é garantia de que todos os seus textos foram produzidos seguindo todas

as características dessa escola.

Partindo de um método mais formal de concepção da literatura, observa-se que o

procedimento de construção do texto poético tem a intenção de “obscurecer” o objeto

estético, pois, ele não deve ser simplificado para o leitor, mas singularizado. Diz Chklovski

(1976): “O objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a

significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e

não o seu reconhecimento.” (CHKLOVSKI, op. cit., p.50). O texto literário, portanto, causa

estranhamento no leitor e é esse estranhamento, essa inquietação ante o texto literário que

o singulariza, a subjetividade que lhe é própria, intensifica-se no momento de interação com

o leitor. Jakobson (1983) complementa essa percepção de função estética, dizendo que ela

nem é imutável nem uniforme, “cada cânone poético concreto, cada série temporal de

normas poéticas – por sua vez – compreende elementos específicos e indispensáveis sem

os quais o trabalho não pode ser identificado como poético”. (JAKOBSON, op. cit., p. 488).

Portanto, proposta da competência 5 da matriz de referência é desafiadora para os

candidatos, uma vez que suas três habilidades tentam aliar concepções distintas da teoria

literária, as quais apresentam olhares diferentes para o mesmo objeto. Além do

historiografismo literário, situando o contexto histórico, social e político (habilidade 15), a

competência requer: o conhecimento de procedimentos formais e estilísticos do texto

(habilidade 16); a percepção de valores sociais e humanos presentes, numa abordagem

mais social, mais "engajada", da literatura (habilidade17). Cabe ao candidato saber aplicar

os conhecimentos de cada habilidade apresentada na resolução das questões.


68

Nesse sentido, é posto para os alunos, uma série de concepções do texto literário,

as quais, na maioria das vezes, eles não têm acesso no ensino médio. Chiappini (2005)

afirma que essas diferentes teorias recaem em direções contraditórias:

de um lado, a ênfase na especificidade e na autonomia, de outro, em sua


capacidade para a representação, sua representatividade. De um lado, a
literariedade, de outro, a mímesis. Para aqueles que gostariam de alcançar
uma definição mais abrangente, ultrapassando essa dicotomia, coloca-se o
desafio de articular essas duas dimensões da literatura. Ou seja, conceber e
trabalhar o texto por meio do contexto e vice-versa. (CHIAPPINI, op. cit., p.
245)

Em termos de uma avaliação em larga escala, observamos que há diversos fatores

que dificultam tanto a elaboração das questões, como a preparação do que pode ser

contemplado por alunos e professores. Na tentativa de entender como essas direções

contraditórias, discutidas acima, efetivam-se na prática, apresentamos duas questões do

exame em análise, que propõem abordar essa singularização advinda pela construção de

procedimentos estéticos e artísticos e que mantém relações com o contexto de produção

literária.

O corpus escolhido para essa categoria de análise, são as questões 135 (ENEM

2009), “Confidência do Itabirano”, de Carlos Drummond de Andrade e a questão 117,

"Soneto" de Álvares de Azevedo (ENEM 2010).


69

Figura 8. ENEM 2009, caderno azul.

“Confidência do Itabirano” integra o livro Sentimento do Mundo (1940), momento em

que Carlos Drummond de Andrade passa a refletir sobre o significado das coisas e do

mundo, em uma linha argumentativa que procura o sentido, a explicação. Nas palavras de

Villaça (2006): “o poeta exorta a todos – mas, sobretudo a si mesmo – ao posicionamento

exigido pelo novo tempo, ‘tempo de partido, tempo de homens partidos’” (VILLAÇA, 2006, p.

59).

No poema em estudo, podemos destacar um eu-lírico que pensa como se tudo o que

estivesse acontecendo com ele no presente fosse herança de um passado que se foi,

deixando marcas. O ferro que compõe sua cidade natal não só marca as calçadas, mas as

almas, forte imagem percebida através dos números: “Noventa por cento de ferro nas

calçadas. / Oitenta por cento de ferro nas almas”. A insensibilidade que chega aos corações

itabiranos a partir da dureza advinda dos ferros chega às almas. O alheamento apresentado

pelo eu-lírico marca essa falta de compromisso com o outro, bem como consigo mesmo,
70

característica própria de uma cidade que passa por um processo de desenvolvimento

econômico, em que a transformação exterior reflete-se em uma transformação interior.

Itabira proporciona, também, momentos de devaneio, vontades de amar,

necessidade de voltar ao que se passou, às noites brancas, sem mulheres e sem

horizontes, retomar inclusive ao hábito de sofrer, como “doce herança”, imagem paradoxal

que nos remete ao sofrimento, palavra associada à dor, à angústia, como um sentimento

doce, bom. O adjetivo “doce” anteposto ao substantivo “herança”, conota uma carga de

ironia ao verso.

O poema drummondiano também apresenta informações acerca da condição

passada na qual se encontrava o eu-lírico; os verbos no pretérito perfeito (nasci/vivi) nos

evidenciam isto. O terceiro verso desta primeira estrofe parece justificar a condição atual,

dualidade presente no decorrer do poema, o passado é lembrado (recordare) como

justificação do estado nostálgico em que se encontra o sujeito.

A relação passado versus presente retorna na última estrofe (primeiro verso), dessa

vez, com o verbo ter no tempo pretérito: “Tive ouro, tive gado, tive fazendas.”, e o advérbio

“hoje”, representando a volta ao presente, no segundo verso da última estrofe: “Hoje sou

funcionário público”. Esses versos nos apresentam um sujeito que possuía, que detinha

poder,- a repetição do verbo transitivo nos demonstra isso - e, logo em seguida, o tempo

presente com o verbo de ligação ser não reforça mais ideia de posse, mas de estado atual.

A inferiorização ocorre na mudança de cargos, antes, dono, fazendeiro, agora, empregado

estatal, que obedece horários, ordens. O eu-lírico demonstra sentir uma melancolia, mas de

forma serena, que nasce da compreensão do que outrora foi por ele vivenciado, que se

passa nesse momento de contemplação da fotografia na parede.

Jakobson (1983), em O dominante, define alguns pontos que unem esteticamente

um poema, seja ele um tema, uma estrutura sintática, fonológica, algo em que todos os

elementos confluem. Diz Jakobson: "Pode-se definir como o dominante como sendo o

centro de enfoque de um trabalho artístico: ele regulamenta, determina e transforma os seus


71

outros componentes. O dominante garante a integridade da estrutura" (JAKOBSON, 1983,

p. 485)

Constamos que em Confidência do Itabirano o elemento "memória" é o dominante do

poema. É a através dela que o eu-lírico expressa seu estado atual, é a ela que os verbos

remetem-se. As anáforas presentes na quarta estrofe conectam elementos da modernidade

como a pedra de ferro, que já foi aludida na primeira estrofe, como símbolo de força de

poder, mas também de petrificação de sentimentos; o São Benedito, pertencente ao velho

santeiro Alfredo Durval – elemento de memória e religiosidade; o couro de anta do sofá – de

cunho, mais visual, herança também rural; o orgulho, a cabeça baixa, sinal de aparente

subserviência a todas essas lembranças. Os elementos aqui postos aparecem nas

estruturas frasais precedidas dos pronomes demonstrativo (este/esta) anaforicamente,

confirmando a (pré)dominância da memória como ponto de confluência do poema,

aproximação e distanciamento da realidade.

No campo da ordenação sintática do poema, percebemos uma regularidade

estrutural, no que diz respeito ao paradigma sintagma nominal versus sintagma verbal. O

sujeito oracional aparece oculto nas duas primeiras estrofes, artifício provavelmente utilizado

para esconder/camuflar o eu-lírico: "Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em

Itabira.". Nas entrelinhas, esse ocultamento vai se desfazendo, o eu-lírico revela-se aos

poucos, sutilmente. Essa ordenação estrutural traz consigo uma fluidez da leitura, pela

escassez de inversões sintáticas e utilização de um vocabulário simples. No entanto, as

reflexões apresentadas são carregadas de sentidos que precisam ser desvelados. É a

eterna dicotomia drummondiana que aborda temas complexos com naturalidade.

Ao considerarmos o poema sob essa breve leitura, observamos a sua inserção na

questão do ENEM, percebemos que alguns termos técnicos são mencionados no

enunciado, mas não são contemplados nas assertivas, fato que mais dificulta do que ajuda a

compreensão do candidato no momento de sua resolução. Percebemos que não é

necessário ter conhecimento dos procedimentos de construção do texto literário, para a


72

resolução dessa questão, pois, quando analisamos as alternativas propostas, mesmo

sabendo que só uma alternativa apresentará a opção correta, as outras alternativas não

devem ser óbvias demais na sua exclusão, o que acreditamos ocorrer nessa questão. Essa

obviedade nos distratores, nos dá a sensação de que uma leitura atenta do candidato, que

faça memória minimamente das aulas de historiografia da literatura, o fará solucionar a

questão sem necessitar de conhecimentos literários mais profundos, só aqueles que evitem

os deslizes comuns diante do estresse que o próprio exame, por si só, já provoca.

A alternativa "A" refere-se à fase heróica do modernismo. Se o candidato estudou um

pouco sobre a historiografia da literatura e conhece o mínimo de Drummond saberá que sua

poesia inicia-se no início da década de 1930, e ainda assim, o poema abordado não

apresenta expressões e usos linguísticos típicos da oralidade nem ostenta marcas típicas

como o poema-piada, por exemplo.

A alternativa "B" por sua vez, diz que é característica do gênero lírico a apresentação

de dados e de fatos históricos. Esse distrator é inadequado porque, apesar de o poema

apresentar dados e fatos históricos, não se pode afirmar que esses aspectos são condição

para que o gênero lírico materialize-se em um poema.

A alternativa "D" afirma que há uma crítica, através de um discurso irônico "a posição

de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as prendas resgatas de Itabira". Na

leitura da quarta estrofe, a qual apresenta a descrição das prendas de Itabira, observa-se

que não há utilização desse recurso nessa estrofe. Dessa forma, por não haver ironia, a

alternativa já seria considerada incorreta. Outra causa que anula essa alternativa é que

nenhum verso do poema apresenta alguma relação metapoética, logo a posição de

inutilidade do poeta e da poesia também não integram o sentido do poema. Por fim, distrator

"E" também é a opção incorreta, por apresentar uma visão romântica. Se o candidato

observar que essa visão romântica configura-se de forma diferente das características do

poema apresentado, que é modernista, constatará inadequação nessa alternativa. Na

verdade, ele chegará a essa conclusão se for muito longe em seu raciocínio, porque basta
73

ele atentar para os recursos retóricos pomposos que são ausentes no poema em questão, e

apresentados como presentes no poema que já anulará essa opção.

Resta então à alternativa C que discorre acerca da tensão histórica do eu, de fato

presente no poema, marca constitutiva para sua formação como indivíduo, permite que os

acontecimentos de sua comunidade, de sua cidade natal contribuam para que essa tensão

aconteça. Essa relação eu versus mundo é característica drummondiana, ora mais, ora

menos forte em sua poesia. As imagens, apresentadas em nossa análise do poema,

contribuem aqui para a consolidação dessa alternativa como o gabarito, a opção correta. No

entanto, convém destacar que nenhuma alternativa apresentou elementos de construção do

texto literário como forma, recorrências sintáticas, rítmicas, como o enunciado parecia

destacar, foi solicitado para a resolução da questão; pelo contrário, o leitor atento observará

que o enunciado já prenuncia a opção correta, quando diz que "Sua poesia é feita de uma

relação tensa entre o universal e o particular", afirmação muito parecida com "tensão

histórica entre o 'eu' e a sua comunidade".

Isto posto, acreditamos que a questão procura contemplar a habilidade 16

relacionando concepções artísticas e os procedimentos de construção do texto literário, mas

fica muito mais evidente a habilidade interpretativa do candidato para se chegar a opção

considerada gabarito. Portanto, não há uma exploração dos procedimentos de construção

do poema.

A próxima questão que apresentamos, (117 do ENEM de 2010) tem como objeto de

análise o poema "Soneto", de Álvares de Azevedo.


74

Figura 9: ENEM 2010 caderno azul.

O poema "Soneto" apresenta um eu-lírico angustiado por um amor, que não é mais

correspondido, pois, a amada o abandonara. Percebemos que as palavras/signos que

permeiam o poema conferem-lhe um tom melancólico e muitas delas partem de uma

experiência corporal: “rosto”, “lábios”, “coração”, “corpo”, “olhos”. Tais elementos corpóreos

são trazidos pelo eu-lírico para evidenciar o estado de quase morte pelo qual está

passando, logo após o “adeus” que recebeu de sua amada. A adjetivação que complementa

o sentido desses substantivos é evidência desse estado de espírito. O eu-lírico demonstra

ser tomado de um amor incondicional, a ausência da mulher amada, logo, do seu amor, o
75

leva à morte. A esperança de concretização, de retomada dessa união, ainda que por

piedade "Volve ao amante os olhos por piedade" está presente no último terceto do poema.

No plano estrutural, as inversões sintáticas estão bastante presentes: “Já da morte o

palor me cobre o rosto”, bem como “Nos lábios meus o alento desfalece,”. Inversões que,

logo de início, marcam uma complexidade sintática que pode sugerir talvez uma

complexidade para a compreensão do poema. Na forma/estrutura, temos um soneto, com

versificação em decassílabo e a simetria das rimas (ABBA/CDC) bem marcada e sob o

ponto de vista gramatical, observa-se, além das inversões sintáticas, uma pontuação

abundante, de forma dar o tom de exagero expresso pelo eu-lírico; a forma e o som

apresentam uma sintonia com o seu estado de espírito. Os elementos estruturais dominam

o poema porque a combinação das rimas, das inversões e da versificação casam-se

poeticamente com o teor melancólico, quase depressivo apresentado pelo eu-lírico.

Diferentemente do poema drummondiano, o soneto de Álvares não estabelece uma

relação de passado versus presente de forma tão forte. Em Soneto, o estado de sofrimento

do eu-lírico no tempo presente é bem mais latente, a morte que chega, o sono que tenta ser

retido. É um estado de sofrimento, um lamento vivido no calor das emoções, que pode ser

captado de forma mais imediata pelo leitor. A presença da noite, do sono, da morte

conferem ao poema um tom mais funéreo, gótico.

A presença de alguns verbos no imperativo como “Dá-me” e “Volve” são proferidos

no momento de angústia, mais como súplica do que como ordem. Esses verbos expressam

o desejo de volta ao passado, aquilo que agora já não existe: a presença da amada que por

algum motivo, não expresso no poema, não está mais com o eu-lírico. Nos estudos de Alves

(1998) acerca da obra de Álvares de Azevedo, ao discorrer sobre esta questão, afirma que o

passado confere aos poemas azevedianos uma sensação de perda, talvez por esse motivo

tornando-se nostálgico. A personalidade lírica assumida pelos poemas ora é vista de forma

idealista ora voltada para autonegação. No poema em estudo, observamos que a perda leva
76

o eu-lírico a autonegação, a degeneração física inclusive. A esperança só seria possível se

houvesse um retorno da amada.

A questão 117 (ENEM 2010) apresenta em seu enunciado a percepção inicialmente

do núcleo temático do poema, no entanto, esse núcleo não é apresentado ao candidato,

afirma-se apenas que ele é típico da segunda geração romântica. Logo em seguida, através

da conjunção adversativa "porém" é apresentado que esse núcleo temático configura um

lirismo que "o projeta para além desse momento específico". Pede-se o complemento do

enunciado questionando qual é o fundamento desse lirismo.

Reflitamos, inicialmente, acerca da assertiva nesse ponto de sua formulação. Para

Bosi (2006), o tema da perda e da morte, aliados ao lirismo, constitui marca da segunda

geração romântica a qual o poema está inserido. Dessa forma, questionamos em que

aspecto o soneto apresentado projeta-se para “além do lirismo específico” típico da geração

romântica, como colocado. Nas palavras de Bosi (2006, p. 112): “A evasão segue, nesse

jovem hipersensível, a rota de Eros, mas o horizonte último é sempre a morte [...] como

forma última de resolver as tensões exasperadas.”.

Refletindo acerca desses aspectos, analisamos que o gabarito da questão traz como

resposta a alternativa “B”, onde lemos que o fundamento desse lirismo é "a melancolia que

frustra a possibilidade de reação diante da perda". A resposta é correta, contudo, do ponto

de vista da formulação proposta no enunciado, ela confunde o candidato, pois o lirismo

apresentado, em momento nenhum, pelo menos na reflexão até aqui realizada, é algo que

se difere do proposto na segunda geração romântica. I. Silva (2009) analisando este poema

diz: "Por conta de sua submissão frente à força dessa paixão, estabelece-se um dilema a

ser resolvido: como solução há apenas a escolha entre a atenção da pessoa amada e a

morte. Fatal, exterminador, este é o amor à guisa da geração do mal-do-século." (I. SILVA,

2009, p. 47).

A formulação do enunciado, assim como na questão anterior que analisamos, apesar

de solicitar o complemento acerca do "lirismo", apresenta a relação do poema com a sua


77

filiação histórica, além disso, as alternativas confundem-se com as características da fase

romântica e quase todas, com exceção das alternativas “D” e “E” estão, em maior ou menor

proporção, evidenciadas no poema. Os distratores "A" e "C" apresentam forte ligação com o

poema, e poderiam estar corretos. No primeiro caso, se se interpreta o adeus da amada

como a sua morte, a angústia do eu-lírico seria justificada em relação à irreversibilidade da

morte, no segundo caso, se se interpreta esses sentimentos de quase morte vivenciados

pelo eu-lírico, podemos afirmar que há um descontrole emocional por parte dele, levando-o

a sentimentos de auto-piedade, nos momentos em que tenta livrar-se desses sentimentos.

Consideramos que, mais uma vez, a questão inicia com o que acreditamos explorar

elementos que irão exigir do candidato uma leitura das especificidades literárias sem o

recorrer à memorização. No entanto, encontramos alternativas que ainda permanecem com

a exploração de características de escola literária restringindo a leitura do candidato; o que,

possivelmente, ao ler as palavras “segunda geração romântica” utilizará mais sua cognição,

rememorando quais são as características específicas do movimento, do que os

conhecimentos interpretativos, e os procedimentos de construção do texto literário,

prescritos na habilidade 16, da competência 5 do exame.

Além disso, encontramos uma confusão no enunciado, que recorre ao que procura

se evitar na formulação das questões de exames em larga escala. Como apresentado no

Guia de Elaboração (2010), discutido no capítulo anterior, os enunciados devem apresentar

"uma instrução clara e objetiva" do que será proposto para a resolução.

Queremos pensar que os problemas "são decorrentes mesmo desse tipo de questão

de múltipla escolha, que não permite que o aluno-candidato exponha suas ideias, a sua

própria leitura, a sua análise-interpretação." (I. SILVA, op. cit. p.162).

É necessário avançarmos na busca por aliar o exercício de leitura e o ensino da

literatura, de modo que o candidato seja leitor/apreciador da literatura, ao fim da jornada do

Ensino Médio; pois, entende-se essa prática como uma das funções social da literatura que

é a humanização dos indivíduos na e pela linguagem.


78

Como vimos através das discussões realizadas, apesar de diferenciarmos as

questões na categoria que intitulamos de "Leitura de poemas: Procedimentos de Construção

do Texto" observamos que as questões acabam destacando aspectos relacionados à escola

literária na qual estão inseridos, contudo, apresentam possibilidades de associação com

algum procedimento de construção do texto, por essa razão, optamos por manter as

categorias distintas, pois, como apresentaremos abaixo, o Exame ainda solicita

memorização das escolas literárias, sem, envolver qualquer procedimento de construção do

texto.

4.2 LEITURA DE POEMAS: TENDÊNCIAS HISTORISCISTAS

De acordo com os estudos de Souza (1999), as atividades literárias permeiam o

Brasil desde sua era colonial, ainda que de forma escassa, do ponto de vista de autores

nacionais e da quantidade de obras. O ensino na era colonial ficava por conta dos jesuítas

e tinha como base a formação humanística e eclesiástica. Os jesuítas tornavam-se

escritores com o intuito criar histórias que pudessem catequizar. As outras manifestações

através de textos que circulavam na nação eram importados da Europa, sobretudo de

Portugal, nação colonizadora.

É no século XVIII que o Brasil desponta na produção literária e as escolas iniciam um

processo de identidade literária. No âmbito da crítica literária, ocorre um fenômeno ímpar

nas nações com o nascimento das academias enquanto instituição. A respeito das

academias diz Souza (op. cit.) que

o sentido desse espírito associativo da atividade intelectual no período


ora em exame era evidente: num meio culturalmente acanhado, a
aproximação dos interessados em letras e ciências constituía o estímulo
que faltava, implicando ainda não só o esboço do grupo dos letrados como
segmento específico da sociedade, mas também um embrião de público
ou, talvez mais precisamente, como lembra Antônio Cândido (1959, v. 1,
p. 79), autopúblico, considerando que a produção dos acadêmicos se
dirigia sobretudo a seus pares. (SOUZA, 1999, p.19).
79

A passagem acima é bastante significativa para entendermos vários aspectos da

formação da identidade literária no Brasil. A associação de pares em uma academia, ao

mesmo tempo em que une os principais representantes do intelecto da sociedade brasileira,

unifica também a produção literária, tanto no contexto de obras, quanto da crítica.

Cronologicamente, a literatura passou por diversas fases, também chamadas de estilos de

época, que ditavam o modo de ser fazer literatura na contemporaneidade. Muitos dos

autores que conhecemos hoje participaram dessas academias. Talvez a cristalização de

estilos de época e canonização de muitos autores deva-se a essa tradição historicista e

associativa consolidada no século XVIII.

Controverso a essa “arrumação” na história literária como espaço de completude,

Kothe (1999) vem dizer que esses espaços acadêmicos também deixaram lacunas, pois

consagraram uns autores por fazerem parte das academias, e negligenciaram ou

sucumbiram o surgimento de outros, por não serem parte, por não estarem no lugar certo e

na hora certa. Segundo ele, havia interesses políticos e ideológicos por trás do cânone, que

muitas vezes, o olhar cristalizado e condicionando o favorecimento de tais interesses não

deixava ver e valorizar grandes obras e grandes autores.

Outro fator bastante discutido está em considerar que a literatura no Brasil só surgiu

a partir da era colonialista. Ao concordarmos com isso negligenciamos a estada dos povos

indígenas antes do seu descobrimento, além de só considerarmos literatura aquilo que foi

escrito. Lembramos aqui as narrativas de tradição oral, berço do surgimento da literatura em

todas as culturas do mundo. Afirma Kothe (op. cit.):

Exigir que o texto seja escrito para ser literário, mais que desconhecer
tecnologias modernas de registro e transmissão pelas quais ele pode ser
fixado e recebido sem papel, serve para excluir do processo de
comunicação literária camadas e grupos sociais ágrafos: é como se apenas
os membros das camadas médias e altas pudessem legitimar-se pela
literatura. (KOTHE, 1999, p. 75).

Seguindo essa lógica canônica, os livros didáticos e a formação do currículo de

literatura apresentam autores e obras que consagraram as academias, os estilos de época,

desde a Literatura Informativa, na era colonial, até a literatura contemporânea. Fazemos


80

memória também ao que discutimos no capítulo anterior, que parece considerar as

narrativas de tradição oral, incluindo nelas a literatura de cordel e o repente apenas como

textos pertencentes ao patrimônio linguístico que preservam a identidade e a memória

nacional.

O modo como as escolas e obras são apresentadas, acaba por tornar a aula de

literatura uma aula de história, pois, muitas vezes parte-se do contexto social e político que

o país estava vivendo, depois se fala da biografia do autor, para, por fim, apresentar uma

amostra da obra que se quer estudar, colocando em último plano o que deveria ser objeto

de estudo da aula.

Qual seria então a relevância do texto literário para o aluno no ensino médio?

Apenas para decorar as características da escola literária? O víeis histórico não precisa ser

todo abandonado do currículo de literatura, pois como afirma Nóbrega (2012):

"Apesar dessa perspectiva historicista, a literatura é uma forma de


comunicação e, neste sentido, constitui-se, para o leitor, em veículo de
ligação entre o mundo exterior e o interior, pois amplia a capacidade de
percepção de si mesmo e do mundo. Essa capacidade pode ser dada pelo
viés historicista, desde que não sobreponha a experiência de leitura do
texto. (NÓBREGA, op. cit., p. 238)

Como vemos, a experiência com a abordagem da cronologia da literatura não deve

ser o centro da atenção do professor e muito menos do aluno, pois dessa forma, será mais

difícil reconhecer no texto literário suas especificidades artísticas, seu modo de construção,

e sobretudo, na formação leitora.

Vejamos como esse historicismo literário está presente nas questões do ENEM:
81

Figura 10. ENEM 2009, caderno azul

Opção correta: Letra "C"

No poema o Cárcere das Almas, do poeta Cruz e Sousa, encontramos uma

quantidade significativa de figuras de linguagem e estilo que contribuem para a sua

composição. Em linhas gerais, o eu-lírico refere-se a uma terceira pessoa do discurso: a

alma, refletindo sobre a sua condição de aprisionamento.

Segundo a visão apresentada, todas as almas estão encarceradas, presas ao corpo

que as mantém à margem das experiências vividas "Ah! Toda a alma num cárcere anda

presa" (1º verso da 1ª estrofe), "Do calabouço olhando as imensidades" (3º verso da 1ª

estrofe). Através da personificação, a alma "soluça nas trevas", "sonha", vive entre grades,

de modo a exprimir sentimentos e realizar ações que normalmente só são possíveis para os

seres vivos, dicotomia interessante, posto que só há vida humana se houver alma, e a alma,
82

vista por um ângulo mais racional só vive se houver uma matéria, um corpo. A

personificação ajuda-nos a refletir sobre essa condição transcendental da alma como ser

aprisionado pelo corpo. Algumas respostas para esse aprisionamento só são apontadas à

luz da religião e/ou da filosofia.

Lembramos aqui do mito da caverna, descrito por Platão em, A República (1997), em

que Sócrates tenta explicar para o discípulo Glauco sobre aquilo que é visível e aquilo que é

inteligível. A intenção das almas em rasgar o etéreo o Espaço da Pureza, em Cruz e Sousa,

assemelha-se às almas curiosas, descritas por Platão que desejam sair do mundo das

sombras para encontrar a luz, o inteligível: "Quanto à subida à região superior e a

contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a

mansão inteligível, não te enganarás quanto a minha idéia, visto que também tu desejas

conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira." (PLATÃO, 1997, p. 161). No poema, a

relação entre essa ligação alma/corpo e seu possível rompimento é também mistério,

evidenciado na última estrofe. Tensão que é dilema sousariano, como afirma Bosi (2006):

"um poeta como Cruz e Sousa, que se vê dilacerado entre matéria e espírito, dará à palavra

a tarefa de reproduzir a sua própria tensão e acabará acusando os limites expressionais do

verbo humano." (BOSI, Id. ibid, p. 272).

O sonho parece ser a vontade da alma, a única forma de libertação do corpo, ainda

que momentânea, pois sonhando, ela rasga o etéreo Espaço da Pureza. Sousa e Soares

Filho (2012) dizem que "o sonhar místico da alma a permite rasgar as imortalidades. Na

Psicanálise, o sonho representa a manifestação do desejo mais fundo do inconsciente

humano, aqui seria a vontade na sua mais profunda querência de realização.". (SOUSA;

SOARES FILHO, 2012, p. 11).

A estrutura do poema apresenta a forma de soneto em decassílabo, com rimas

interpoladas no sistema ABBA, nos dois quartetos e emparelhadas nos dois tercetos CCD.

Um fato interessante, que complementa a estrutura formal do poema é o recurso da

assonância, podendo ser observado em mais de um verso: "Mares, estrelas, tarde,


83

natureza." (4º verso da 1ª estrofe); e aliterações "Ó almas presas, mudas e fechadas" (1º

verso da 3ª estrofe) por exemplo, que confere à leitura um tom de serenidade, em meio a

sentimentos que são tão densos e de difícil apreensão.

A questão no ENEM que contempla esse poema, solicita do candidato os

conhecimentos formais e temáticos do contexto Simbolista. Os distratores exigem, ao nosso

ver, um nível de complexidade para a obtenção da alternativa correta, no sentido de listar

quais foram as características formais e temáticas que permeavam o Simbolismo. A opção

correta, não apresenta nenhum problema quanto a sua veracidade. De fato, encontramos no

soneto, a discussão de temas universais e metafísicos e uma forma estética refinada, se

considerarmos a estrutura clássica do soneto, mesmo este não sendo marca própria da

estética simbolista.

Isto posto, acreditamos que a habilidade 15 da competência de área número 5 é

contemplada, haja vista que a questão relaciona o conteúdo do poema a uma escola literária

específica, situada em um contexto de produção determinado. O que insistimos é que

apesar de contemplada a habilidade, observamos que o modo de abordagem nos parece

problemático porque fere o discurso oficial que diz evitar submeter o candidato em situações

de memorização de informações.
84

Figura 11. ENEM 2011, caderno azul.

A segunda questão selecionada para a composição dessa categoria apresenta uma

voz feminina, quase escassa nas provas do ENEM e ainda mais pertencente a um contexto

social onde a produção feminina quase era pouco difundida e estimulada por ainda está

enraizada a cultura falocêntrica. Gilka Machado viveu 87 anos (1893-1980), sendo, portanto,

uma escritora que passou por um processo de transição no estilo de conceber a sua poesia.

Alguns críticos consideram-na da escola simbolista, outros, como Bosi (2006) apresenta

dois momentos para a autora, um como neoparnasiana outro como uma hesitante

modernista. Talvez essa quantidade de classificações tenha existido em virtude da fase de

produção da autora ter sido extensa:

Sobre a classificação da produção poética de Gilka Machado, críticos como


Andrade Muricy (1973) inclui a poesia de Gilka no seu Panorama do
Movimento Simbolista Brasileiro, elevando-a a categoria de maior poetisa
simbolista. Péricles Eugenio da Silva Ramos (1965) em Poesia Simbolista -
Antologia a coloca na segunda geração simbolista [...]. Na obra Evolução da
Poesia Brasileira, Gilka aparece entre as poetizas do segundo
parnasianismo[...] (PINHEIRO, 2012, p. 25 grifos da autora).

Como vimos, a poesia de Gilka Machado apresenta uma liberdade de expressão em

um contexto que ainda oprimia, sobretudo, o gênero feminino, fato bastante interessante,
85

pois essa liberdade formal tornou imprecisa uma classificação mais historiográfica para a

produção da autora.

O poema apresentado na questão do ENEM integra o livro Meu Pecado Glorioso

(1928) e segundo Soares (2000) é um livro pioneiro no Brasil ao tratar de temas eróticos

escritos por uma mulher e faz uma aproximação entre o exercício erótico e o prazer literário.

Lépida e Leve apresenta-se na questão de forma fragmentada devido a sua grande

extensão. Portanto, para que nossa leitura do poema possa ter relação com o enunciado

proposto, teceremos considerações apenas do excerto apresentado para os candidatos,

visto que eles não terão contato, na prova e, muito provavelmente não tiveram com esse

poema na íntegra na sala de aula16.

O enunciado da questão afirma que a poesia de Gilka Machado identifica-se com as

concepções artísticas simbolistas. De fato, se recorrermos ao que se considerou como

características do simbolismo encontraremos várias semelhanças, como o recurso sonoro

da aliteração do fonema laterais /L/; uma temática que desenvolve um tema subjetivo, a

língua; o absolutismo dos termos, a palavra Amor vem grafada com letra maiúscula... mas

em que sentido a observância dessas características irá formar um leitor proficiente? Não

era exatamente o contrário apresentado pela proposta do ENEM? A relação com o contexto

de produção limita-se apenas à estética na qual ele está inserido?

Na continuação da leitura do enunciado, observa-se que há uma mudança de foco

na escola literária, pois o poema em estudo oferece outras características, incorporando

referências temáticas e formais, da escola moderna e solicita-se ao candidato a identificação

dessas referências. Mais uma vez, ele deverá listar quais são as características do

modernismo e em que o poema apresentado assemelha-se a essa estética.

Partindo para a análise das alternativas, encontramos como opção correta a

alternativa "E", onde lemos "explora a construção da essência feminina, a partir da

polissemia de "língua", e inova o léxico. A polissemia da palavra "língua" está mais para a

16
O poema consta na íntegra no anexo C para fins de consulta.
86

expressão de uma condição da língua, logo da mulher mencionada pelo poema, do que para

uma construção de essência. Vemos a formação de um sentido para a palavra língua que

dá voz a condição feminina, sendo carne e que dá voz a expressão de pensamento, a

linguagem "pela carne de som que à ideia emprestas" (verso 4 da 2ª estrofe). As palavras

"essência" e "essencialismo" nos estudos culturais são bastante discutidas pois elas inferem

que há apenas uma forma de distinção sexual: o feminino e o masculino. Bonnici (2007)

apresenta uma desarticulação para essa ideia binária que além de segregatória, inclui todas

as mulheres neste estereótipo. A dicotomia homem/mulher talvez seja apresentada pelo eu-

lírico mais com a intenção de unir, de apresentar direitos iguais para a expressão de

sentimentos através das palavras, do que de segregar a procura de uma essência.

Complementa-nos A. Soares (2000):

no ato de confundir-se com a palavra, a mulher, através do "eu" do discurso,


projeta-se como "frase", capaz, portanto, de comunicar-se inteira, de ter um
sentido completo. Parece-nos essa referéncia estar ligada, sutilmente, à
marcação explícita do feminino, integrante da última estrofe transcrita
("amo-te como todas as mulheres"), unindo-se, assim, o "eu" do discurso ao
de todas as mulheres, ligadas por uma causa comum: o direito de desfrutar,
como todos os homens, inteiramente, do prazer, o direito de ser "frase" e
não fragmento desta. (SOARES, Angélica. 2000, s/p).

O fato de abordar a Língua como tendência de inovação também não é mérito

apenas modernista, se pensarmos no poema Língua Portuguesa, de Olavo Bilac,

encontraremos um poema que reflete sobre a própria linguagem. Dizemos o mesmo para os

poemas eróticos do referido autor. O diferencial no poema de Gilka reside na inovação

lexical, a nosso ver apenas na composição de "língua-lama", "língua-resplendor", que

aproxima-se das construções da primeira fase modernista.

Acreditamos que Lépida e Leve poderia contribuir de outras formas para a leitura do

candidato, abordando talvez, a maneira de construção dos elementos simbolistas, ou em

que eles contribuem para essa aproximação da língua carne e língua expressão de

pensamento. Nesse sentido, o contexto de produção ligado à tendência literária vigente não

deixaria de ser abordada, e evitaria a memorização pela memorização de características

dessas tendências.
87

4.3 QUESTÕES DE IDENTIDADE E CULTURA NACIONAL

No decorrer da pesquisa, observou-se, na análise das questões e da matriz de

referência do ENEM, que se delineava uma nova forma de abordagem para o texto literário

que se diferenciava da tida como “tradicional” da literatura. Nesse novo contexto, aspectos

como forma estética e escola literária, por exemplo, dão espaço a utilização do texto

literário, nas suas mais variadas manifestações, para discutir questões de identidade e de

cultura nacional.

Essa proposta foi sugerida pela Matriz de Referência para o ENEM de 2009 e ainda

serve de documento norteador até as provas atuais. Observamos que a efetivação dessa

nova abordagem ocorreu de modo mais sistemático na prova de 2011. Dessa forma,

encontramos nas questões uma nova tendência e alguns questionamentos nortearam

nossas constatações para esse estilo de questões: 1) Considerando a diversidade de

culturas e identidades de um país continental, como as competências e habilidades

requeridas para o ENEM estão contemplando essas diversidades? 2) Se a literatura é uma

forma de expressão de uma cultura nacional (HALL, 2006), como o ENEM está trabalhando

essa ferramenta de acesso à cultura? Esses questionamentos não se tornaram novas

perguntas de pesquisa, no entanto, diante dessa inquietação, optamos por tecer

considerações acerca dessa nova forma de abordagem para os textos literários.

Ao observar as competências contidas nas áreas do conhecimento, localizamos que

os conceitos de identidade e cultura nacional estão presentes em duas áreas do Exame, a

saber: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

No entanto, lemos no Guia Explicativo para a elaboração de questões, que apesar de

apresentar um caráter intertextual, cada questão contempla uma habilidade específica de

sua área afim, de modo que as questões que vamos apresentar abaixo pertencem à área de

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, mas apresentam reflexões pertinentes as


88

descrições de competências e habilidades da área de Ciências Humanas e suas

Tecnologias, fato interessante por propiciar ao texto literário esse transitar entre saberes.

Como discutido no capítulo 3, na seção dedicada às competências e habilidades da

área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, algumas competências de área,

apresentam elementos que, nos levam a identificar a presença desses formadores de

identidade e cultura nacional. O texto da competência de área número quatro, por exemplo,

diz que a arte como saber cultural gera significações e integra a organização do mundo e da

própria identidade; a habilidade 17 da competência de área 5, diz que se deve reconhecer a

presença de valores sociais e humanos que são atualizáveis e permanentes no patrimônio

literário nacional. A compreensão dos elementos culturais formadores de identidades ocupa

papel de destaque para a competência, o que é considerado positivo, em relação à

valorização da cultura nacional em comparação com outras sociedades, e, sobretudo, com

suas multiculturas presentes na própria sociedade. A literatura constitui uma importante

fonte de significações, de culturas e de identidades e o exame já está sendo sensível a esse

fato, unindo essas duas realidades nas questões.

A presença da literatura é pertinente em diversas áreas do exame, às vezes de

forma pretextual, por exemplo, na prova de 2011 na área de Ciências da Natureza e suas

Tecnologias, a questão 87 da prova azul apresenta um poema de Toquinho e Vinícius de

Moraes, Os bichinhos e O homem, para perguntar sobre a unidade taxonômica entre os

animais citados no poema e os seres humanos. Ainda com exemplos como esses

acreditamos ser possível realizar um trabalho de consolidação da literatura como

instrumento de expressão da cultura nacional e fonte de diálogo com outras culturas e com

outros saberes, sem, contudo, negligenciar aspectos que são a ela inerentes e exclusivos.

Os elementos constitutivos da cultura e da identidade apresentam o texto literário

como fonte documental do estudo das micro histórias, como uma retomada cultural e

memorial das sociedades. Um exemplo dessa apropriação está na obra O queijo e os

vermes de Carlo Ginzburg que retrata a história de um moleiro, Domenico, perseguido na


89

época da inquisição. A literatura é base para o entendimento da história do oprimido, do

“sem voz”, pois, a partir do que é periférico, privado, toma-se conhecimento do que foi

negado ao esquecimento pelas descrições históricas. Acerca dessa apropriação da literatura

para o entendimento da sociedade, Rosa (2007) afirma sobre O queijo e os vermes:

Nesta obra, Ginzburg (1986) abandonou o conceito de mentalidades e


adotou o de cultura, definindo-a como “o conjunto de atitudes, crenças,
códigos de comportamentos próprios das classes subalternas num certo
período histórico”. Esta definição é usada para recuperar o conflito de
classes em uma dimensão sociocultural, deixando-se entrever no campo
das discussões teóricas aquilo que o historiador chamou de circularidade
cultural, opondo-se ao paradigma cultura popular X cultura erudita.
(GINZBURG, 1986, p. 16 apud ROSA, 2007, p.07).

Esse viés da literatura como fonte reveladora de costumes sociais e de culturas é

evidenciado no ENEM. Dessa forma, consideramos pertinente uma apresentação mais

aprofundada do que estamos entendendo como formação de identidade e de cultura

nacional nesse contexto para que possamos realizar uma leitura mais fundamentada das

questões do Exame.

4.3.1 Literatura, Identidade e Cultura Nacional: aproximações

A sociedade moderna vive atualmente um momento de tensão do ponto de vista

definição identitária. Os sujeitos que compuseram as sociedades até o final do século XIX

eram tidos como centrados, unificados, mas, posteriormente, foram alvo de grandes

transformações, com as duas grandes guerras mundiais e com o efeito da globalização eles

passam a ser multifacetados, variáveis, móveis. (HALL, 2006). Considerando que os sujeitos

compõem as sociedades, estas também iniciam um processo de revisão de valores e de sua

própria cultura nacional.

Hall (op. cit), apresenta três concepções de identidade, desde o Iluminismo, até o

que ele considera como pós-moderno. O sujeito iluminista é tido como centrado, unificado.

Quando se pensa em sujeito do Iluminismo remetemos à figura masculina, posto que a


90

mulher ainda não tinha vez nem voz na sociedade. A “essência”17 desse sujeito era

praticamente imutável, permanecendo durante toda sua vida. O sujeito sociológico, por sua

vez, começava a perceber que sua “essência” era constituída na e pela sociedade,

distanciando-se da autossuficiência e individualidade vistas no sujeito iluminista. Alguns

estudiosos apresentam a concepção interativa da identidade do eu. Essa concepção diz que

a identidade é formada a partir da interação entre o eu e a sociedade. Acredita-se que há

um “‘eu-real’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos

culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem.” (HALL, 2006, p. 11).

Por fim, temos o sujeito pós moderno, que não apresenta mais um “eu” estável, nem mesmo

apresenta “essência” coerente ou unificada. Os processos de identificação através dos quais

os sujeitos projetavam suas identidades culturais, tornaram-se: provisórios, variáveis e

problemáticos. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes

direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

(HALL, ibid, p. 12-13).

Com esse processo de modificação interior provocadas nesses atores sociais, a

forma de conceber o mundo, valores e crenças foram paulatinamente modificadas. A noção

de identidade foi tornando-se cada vez mais subjetiva, “líquida”, nas palavras de Baumam

(2004). Com essa liquidez de valores identitários, a cultura também foi sendo transformada,

visto que ela é uma das principais fontes de identidade nacional. (HALL, 2006).

A valorização da cultura nacional em uma sociedade faz com que ela se “molde” e

ganhe espaço no cenário mundial. Eventos como a industrialização e a globalização fizeram

com que muitos aspectos constitutivos de uma cultura nacional se perdessem, dando

17
Estamos entendendo “essência” como: A natureza própria de uma coisa; conjunto de suas
características constitutivas. Essência é o ser próprio ou verdadeiro das coisas, que produz, sustenta
e torna inteligível a forma aparente das mesmas. Propriedades opostas diferenciam entre si os dois
domínios. Enquanto a forma aparente está sujeita à individualização, à mudança e, portanto,
à ausência de necessidade, a essência aparece como algo superior à individualização, algo
permanente e necessário. Disponível em: <http://www.filoinfo.bem-
vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=665> acesso em: 18 de maio de 2012.
91

espaço a generalizações de nações potentes economicamente. Processo já evidenciado no

nosso país desde a era colonial – nas relações de poder, sempre perde o lado mais forte.

Com essa globalização e diminuição de sentimentos identitários de uma nação,

alguns mecanismos de resgate dessas experiências foram criados como forma de

perpetuação das heranças culturais de um povo. É nesse ínterim que surgem os mitos, as

comunidades imaginadas e a tradição. Hall (2006) nos apresenta que a narrativa da cultura

nacional é contada e perpetuada através da literatura nacional, da mídia e da cultura

popular, simbolizando e representando experiências partilhadas, de perdas e triunfos que

dão sentido a nação. "[...] não importa quão diferentes seus membros possam ser em

termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade

cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.".

(HALL, 2006, p. 59).

Como a literatura pode ser um meio de representação da cultura nacional? Ora se a

literatura não representa nada mais do que o estado de espírito do ser humano, captando

essências, indo ao mais fundo da experiência humana, ela pode ser uma interessante opção

para perpetuar os modos e costumes de uma sociedade. Não queremos com isto dizer ou

utilizar a literatura como pretexto para estudar costumes e sociedades, pois acreditamos que

ela deve ser entendida em sua completude.

Este é uma objetivos deste trabalho, uma vez que existe um exame em que solicita

ao candidato que veja a literatura como meio de compreensão de valores sociais e, ao

mesmo tempo, entenda sua estrutura e suas especificidades. Entendendo que o exame

propõe a indissociabilidade das disciplinas (áreas do saber), esse movimento associativo

far-se-á possível.

Antonio Cadido (2006) em sua obra Literatura e Sociedade nos apresenta a

importância da literatura na formação do homem e da sociedade, considerando-a como bem

cultural. Ele distingue a obra – fruto da percepção e sensibilidade de um autor, e a literatura

como bem coletivo, fruto de afinidades.


92

Entendemos por literatura, neste contexto, fatos eminentemente


associativos; obras e atitudes que exprimem certas relações dos homens
entre si, e que, tomadas em conjunto, representam uma socialização dos
seus impulsos íntimos. [...] Assim, não há literatura enquanto não houver
essa congregação espiritual e formal [...] enquanto não houver um sistema
de valores que enferme a sua produção e dê sentido à sua atividade;
enquanto não houver outros homens (um público) aptos a criar ressonância
a uma e outra; enquanto, finalmente, não se estabelecer a continuidade
(uma transmissão e uma herança), que signifique a integridade do espírito
criador na dimensão do tempo. (CANDIDO, 2006, p. 147).

A literatura está em ligação direta com o homem e com a sociedade, pois ela tem o

poder de socializar e humanizar porque ela necessita de leitores, que, ao ler um texto

literário esse leitor o carregará consigo podendo modificar valores, sensibilizar – fazendo

com que a interação da obra com o leitor ressoe e se preserve com bem cultural.

Apresentaremos adiante, algumas questões do ENEM 2011 e observaremos como

esses conceitos de cultura nacional e de identidade estão sendo contemplados na prova.

Intentamos observar os procedimentos de construção das questões, analisando a

correlação com as alternativas propostas.


93

Figura 12. ENEM 2011, caderno azul

Observamos que o objeto de estudo nessa questão é uma canção, do compositor

carioca Noel Rosa, tomada como patrimônio literário cultural da sociedade brasileira. A

questão inicia-se apresentando a relevância do autor na produção cultural, destacando mais

aspectos biográficos do que relativos à sua produção.

O primeiro aspecto que gostaríamos de refletir é sobre a escolha do referido

autor/compositor para a prova, considerando o pouco conhecimento dos alunos em relação

a sua produção. Se consultarmos um número considerável de livros didáticos,

observaremos a ausência desse compositor, muito provavelmente na maioria deles. Como o

ENEM dispensa obras indicadas para a leitura, os elaboradores ficam livres para

escolherem autores e obras, fato que pode ser problemático para o aluno que realiza o

exame. Por sua pouca experiência leitora como discutimos, o desconhecimento do autor e

da obra pode gerar dificuldades no momento de sua resolução ou o nível de elaboração da

questão pode cair consideravelmente.


94

O aspecto requerido ao candidato é a observação da atualidade da questão.

Considerando a literatura como meio de renovação e perpetuação de valores, aspectos que

foram criticados há anos ou até mesmo séculos atrás possuem uma atualidade que é

preservada pela literatura. Como requerido pelo enunciado, a atualidade apresentada pelo

poema/canção é gabaritado pela alternativa “A”, onde lemos que essa atualização do texto

está na ironia apresentada em relação ao enriquecimento duvidoso de alguns. Na alternativa

A, o candidato teria que saber como ocorre o processo de ironia, de forma subjetiva, pois a

alternativa não apresenta uma opção que evidencie em algum verso esse recurso por

exemplo. A atualidade da questão ocorrerá então se o candidato realizar uma ponte a partir

dos versos “Sem ter nenhuma herança ou parente” (3º verso da 1ª estrofe) e “O seu dinheiro

nasce de repente” (1º verso da 3ª estrofe) do mesmo modo com o que acontece com os

“novos ricos” ou “novos emergentes” que muitas vezes através de operações escusas

ganham poderes e status na sociedade através do dinheiro que misteriosamente passa a

ter.

As outras opções distratoras são questionáveis em relação ao que discutimos sobre

a obviedade apresentada. Vimos que o fato de ser a opção incorreta não deve ser motivo

para a obviedade, pois, dessa forma o candidato não refletirá sobre a alternativa correta,

apenas descartará as mais improváveis. Do ponto de vista da elaboração da questão vimos

que diversos fatores que poderiam contribuir para o seu enriquecimento. Ela requer a

interpretação textual e, a nosso ver, essa interpretação é realizada de forma muito

elementar. Fatores como a musicalidade presente, a estrutura poética que enriquece a

composição da canção, ou figuras de linguagem presentes, por exemplo, a personificação

da vassoura como representação do homem que surge de forma obscura na sociedade,

seriam opções que incrementariam a questão abordando o mesmo objeto literário e a

mesma habilidade e competência. A literatura como patrimônio cultural foi utilizada para

trabalhar a interpretação da canção e fazer com que o candidato reconhecesse o recurso da

ironia.
95

A próxima questão que vamos apresentar também é do compositor Noel Rosa. É

importante destacarmos que determinados nomes obtiveram recorrência na prova de 2011.

Textos de Noel Rosa e Gilka Machado foram objeto de duas questões para cada um, ambos

na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Analisando todas as áreas, da prova

de 2011 encontramos: uma questão de Lima Barreto (Ciências Humanas e suas

Tecnologias); Toquinho e Vinícius de Moraes (Ciências da Natureza e suas Tecnologias).

João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Aluízio de Azevedo e

Geraldo Vandré todos com uma questão na prova de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias18. Observemos a questão:

FIGURA 13: ENEM 2011, caderno azul.

A questão acima apresenta alguns problemas de formulação. Partamos da assertiva

onde lemos que “As canções de Noel Rosa [...] apesar de revelarem uma aguçada

preocupação do artista com seu tempo e com as mudanças político-culturais no Brasil no

18
Acerca da quantidade de gêneros literários e autores requeridos na prova sugerimos a leitura da
matéria A pedagogia do Garfield da Revista VEJA, 12 out. 2011. Ela apresenta um estudo
quantitativo realizado pelo professor Luís Augusto Fischer da UFRGS sobre os gêneros que são
solicitados nas provas do ENEM.
96

início dos anos 1920 ainda são modernas.”. Fazer tal afirmação pode apresentar uma

generalização que não se aplica a toda obra do compositor. De acordo com Luiz Tatit, “Noel

nunca se preocupou com temas perenes ou que tivessem, porventura, interesse para a

comunidade. Sua visão de mundo e seus conteúdos retratados eram sempre de cunho

eminentemente pessoal.”(TATIT, 1996, p.31). As canções de Rosa não se prestavam a

revelar preocupação com a política e a cultura brasileira nos anos 1920, pelo menos não era

seu propósito composicional. É importante destacar que estamos considerando a visão de

apenas um autor que estudou e produziu sobre vários nomes da música popular brasileira,

no entanto, acreditamos que suas afirmações sobre a produção de Noel Rosa apresentam

dados empíricos. A forma como colocada no enunciado, “engessa” o conhecimento sobre as

canções de Rosa, levando o candidato a realizar uma leitura que posteriormente, pode ser

posta em xeque.

Mesmo atribuindo como verdadeira a afirmação, percorramos o caminho de análise

da questão. Observamos que se pede ao candidato que, através do recurso da

metalinguagem, identifique o que o poeta propõe pelo fragmento apresentado. Sabemos

que a metalinguagem é um fenômeno textual no qual a linguagem fala/reflete sobre si

mesma. (JAKOBSON 1974). Ao partirmos para as alternativas, percebemos que pelo

menos, 2 estariam corretas.

As alternativas A e B seriam excluídas porque não percebemos a valorização da

incorporação de valores estrangeiros como se pede. O verso “Não entende que o samba

não tem tradução no idioma francês”, e o próprio título “Não tem tradução” já elimina essa

possibilidade. Na “B” entendemos que indiretamente, a música pretende respeitar e

preservar a língua portuguesa, mas o que exclui é a palavra “padrão”, pois observamos

algumas expressões coloquiais no fragmento da canção “Amor lá no morro é amor pra

chuchu”.

As alternativas C e D respondem ao que se pede através da metalinguagem. O que

canta a música é que o samba deve ser valorizado como patrimônio cultural brasileiro
97

apresentando a “fala” do morro como própria da identidade nacional, desse modo a

alternativa C está correta, pois todo o fragmento apresenta essa reflexão: “Tudo aquilo que

o malandro pronuncia, / Com voz macia é brasileiro, já passou de português.”, ou seja,

nossa fala nos pertence, e tal afirmação é fruto da reflexão da própria fala, da

metalinguagem. A alternativa “D” poderia estar correta se considerarmos os versos a seguir:

“Essa gente hoje em dia que tem mania de exibição / Não entende que o samba não tem

tradução no idioma francês”. O trecho citado continua havendo reflexão metalinguística e

apresenta uma tentativa de mudança do padrão estabelecido. O período “Essa gente que

hoje em dia tem mania de exibição” pode referendar o que está posto e podemos interpretar

com uma tentativa de mudança dos valores sociais vigentes da época que prestigiavam o

que era de fora, estrangeiro.

Por fim, a alternativa “E” que poderia estar correta se considerássemos que o

autor/compositor ironiza os que utilizam estrangeirismos para falar no morro. Se tomarmos a

personagem Risoleta como representante da malandragem e habitante do morro, veremos

através do verbo “desiste” reforçado pelo advérbio “logo”, que ela já fazia uso de expressões

estrangeiras, dessa forma a alternativa estaria correta tendo em vista que a fala da

“malandragem carioca” foi aculturada pela fala de civilizações mais desenvolvidas.

Acreditamos que a questão pretende contemplar a habilidade 17 da competência de área 5.

Outro aspecto que gostaríamos de chamar atenção é sobre uma confusão de

nomenclaturas apresentada em torno do objeto da questão. O fato de chamar Noel Rosa de

poeta acarreta uma discussão acerca do lugar que a canção ocupa dentro da literatura, será

ela é poesia? Qual seu valor estético?

Costa (2002) apresenta uma discussão sobre esse limiar da canção enquanto

gênero literário ou gênero autônomo. Trazendo à tona a opinião de vários estudiosos do

problema como Antonio Cícero, Luiz Tatit, Thiago de Melo, Arnaldo Antunes, entre outros,

Costa (op. cit) destaca que, em muitos casos, a letra da canção é separada de sua melodia,

lida e tratada como poesia podendo ocasionar desvios, pois o texto cantado preenche
98

vazios que uma leitura não alcança, uma vez que se faz uso de recursos melódicos próprios

da canção. “Na medida em que a canção é vista como um dispositivo enunciativo, é

essencial levar em conta elementos relativos à produção, circulação e recepção e registro

do gênero.” (COSTA, 2002, p. 120).

Concordamos com Costa (id. ibid.) que canção e poesia se cruzam em alguns

aspectos de sua materialidade e de sua produção. Nossa inquietação reside no fato de que

o candidato/aluno não é formado para compreender as especificidades de cada tipo de

texto, e acaba por considerar a canção e a poesia a mesma coisa, analisando ambas sem

considerar as especificidades de cada uma. Finalizamos com uma fala de Costa (2002, p.

119) que ilustra o nosso dizer:

[...] verificamos, ao analisar os PCN e dois livros didáticos de língua


portuguesa, que, embora seja salientada a importância pedagógica da
canção, trabalha-se com uma imagem da mesma que, na verdade, a reduz
a uma poesia de entretenimento, própria de um uso pitoresco da linguagem
e que, apenas em alguns casos, pode se alçar ao nível da poesia. A letra,
neste caso, é sintomaticamente separada da melodia e lida e tratada como
se fosse uma poesia. (COSTA, 2002, p. 119).

Dessa forma, a canção não pode ser tomada exclusiva e indiscriminadamente como

poesia, nem o cancionista como poeta. Há especificidades nos textos que, se confundidas

podem ocasionar equívocos na leitura, sobretudo em uma leitura aos moldes de um teste

seletivo como o ENEM que não proporciona um momento de leitura mais detida do texto.
99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim de um percurso analítico, ou não: talvez chegamos ao início de

novas descobertas, de novos paradigmas. Estamos há quase três anos pensando sobre um

objeto que está em constantes modificações, políticas e curriculares e refletir sobre essas

questões foram para nós um desafio, devido a brevidade com que essas modificações

aconteceram. Logo após a decisão do MEC, iniciamos um caminho de observação das

questões de literatura do ENEM, bem como das transformações do próprio Exame,

obtivemos algumas surpresas; constatamos algumas perspectivas, umas inquietantes,

outras não; suscitamos várias propostas, problematizamos as existentes.

Como apresentado na parte introdutória desta dissertação, propomo-nos a analisar

as questões de literatura do ENEM, relacionando-as com a Matriz de Referência de

Competências e Habilidades. Acreditamos que essa reflexão precisa ser fomentada por

professores e a alunos interessados em saber como duas realidades complementam-se na

materialidade da prova. A falta de material sobre esse assunto nos levou a fazer afirmações

fruto desta nossa própria investigação, e, por vezes, sem tanto embasamento teórico. Nossa

preocupação foi de sempre evidenciar nossas descobertas com questões do Exame, de

forma a não parecerem levianas, nossas considerações.

Observamos que mesmo nesse contexto de modificações, a formação de leitores

literários ainda é desafio para o Ensino Médio, pois, ainda que com suas lacunas, o ENEM

exige competências leitoras na prova, que o aluno/candidato, sem a devida formação não

será proficiente na resolução das questões.

Conforme apresentamos, o texto literário, sobretudo o gênero lírico, oferece uma

gama de possibilidades de abordagem, seja em questões do ENEM, como trabalhamos

acima, seja em sala de aula. Como vimos, o Exame influencia o modo de abordagem dos

conteúdos na sala de aula, uma vez que é um processo avaliativo em que escolas,

professores e alunos precisam moldar-se a essa estrutura para conseguir êxito.


100

O ENEM como forma de seleção para o ingresso nas universidades impulsiona o

mercado educacional a adequar ao seu contexto, nessa perspectiva, essa cultura da

performatividade está cada vez mais se consolidando nas escolas. É necessário portanto,

não perder de vista os valores educacionais; pensando na formação cidadã do aluno,

percebemos como a conjuntura do Exame é forte como política de ensino, mas entendemos

que não deve ser a única.

Percebemos como a habilidade que visa relacionar informações sobre concepções

artísticas e procedimentos de construção do texto literário ainda está distante do que é

solicitado nas questões. As singularidades presentes nos poemas analisados não foram

abordadas de forma a proporcionar ao candidato o reconhecimento das concepções que

estão a elas ligadas. A conciliação tanto da Matriz de Referência com as questões, quanto

com o conteúdo abordado nas questões e suas alternativas que, como vimos, ainda estão

bastante problemáticas. Há, em alguns momentos, uma relativa diferença entre o que se

afirma no enunciado e o que efetivamente cobra-se nas questões como a opção correta.

Se observarmos as análises dos poemas que realizamos, intencionalmente

procuramos evitar fazer referências às escolas/estéticas literárias e, como percebemos, foi

possível realizar uma leitura interpretativa que abordou diversos elementos que

proporcionariam uma leitura crítica dos textos, sem a necessidade de se ter em mente qual

foi a escola literária que o autor estava inserido. O dado historicista ainda é forte nas provas,

levando o candidato a recorrer ao recurso da memorização veementemente combatido pela

organização do Exame e evidenciado nos documentos norteadores.

As questões de Identidade e Cultura Nacional configuram-se em uma tendência que

apresenta aspectos positivos para o ensino de literatura, trazendo para o candidato que

literatura também é reflexão de valores e construção de identidade(s). Contudo, semelhante

às outras categorias é necessário que haja uma relação mais direta entre o que se pretende

solicitar e o que de fato solicita-se. O ato de colocar os nomes "valorização da cultura" e


101

"identidade" nos enunciados das questões não se estabeleceram como garantia de que

esses indicadores fossem requeridos.

O intuito dessa pesquisa é criar mecanismos de análise crítica do material que

acreditamos ser de grande relevância para o destino da educação básica brasileira,

sobretudo em sua última fase. Como essa mudança vem ocorrendo a partir das decisões do

Ministério da Educação para as escolas, vemos que, se alterou a forma de avaliar e

selecionar, mas não houve um preparo efetivo para adaptação a esse contexto de

transformações. Isto posto, faz-se necessário voltarmos nossos olhares para a constituição

da prova, observar o que está sendo entendido com indissociação dos saberes, e qual é o

espaço e a concepção de literatura nesse novo contexto.


102

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106

ANEXO A - Carta Proposta Novo ENEM

ANEXO B - Matriz de Referência do ENEM

ANEXO C - Guia de Elaboração e Revisão dos Itens/ Guia Explicativo da Matriz de


Competências e Habilidades do ENEM

ANEXO D - Poema Lépida e Leve, de Gilka Machado


107

Lépida e leve

Gilka Machado

Lépida e leve Dás corpo ao beijo, dás antera à boca,


em teu labor que, de expressões à és um tateio de
míngua, alucinação,
O verso não descreve... és o elástico da alma... Ó minha louca
Lépida e leve, língua, do meu Amor penetra a boca,
guardas, ó língua, em seu labor, passa-lhe em todo senso tua mão,
gostos de afagos de sabor. enche-o de mim, deixa-me oca...
— Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu
És tão mansa e macia, coração!...
que teu nome a ti mesmo acaricia,
que teu nome por ti roça,
flexuosamente, Língua do meu Amor velosa e doce,
como rítmica serpente, que me convences de que sou frase,
e se faz menos rudo, que me contornas, que me veste quase,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo. como se o corpo meu de ti vindo me
fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
Dominadora do desejo humano, os surtos de ave estranha,
estatuária da palavra, em linhas longas de invisíveis teias,
ódio, paixão, mentira, desengano, de que és, há tanto, habilidosa aranha...
por ti que incêndio no Universo lavra!...
És o réptil que voa,
o divino pecado Língua-lâmina, língua-labareda,
que as asas musicais, às vezes, solta, à língua-linfa, coleando, em deslizes de
toa, seda...
e que a Terra povoa e despovoa, Força inféria e divina
quando é de seu agrado. faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...
Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato, Amo-te as sugestões gloriosas e
em que tolo recato, funestas,
te hão deixado o louvor, a exaltação! amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-
resplendor,
— Tu que irradiar pudeste os mais pela carne de som que à idéia emprestas
formosos poemas! e pelas frases mudas que proferes
— Tu que orquestrar soubeste as carícias nos silêncios de Amor!...
supremas!

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