Aluska Silva
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal de
Campina Grande, como pré-
requisito para a obtenção do grau
de Mestre em Linguagem e Ensino.
Orientadores: Profª. Drª. Josilene
Pinheiro Mariz e Prof. Dr. José
Hélder Pinheiro Alves
(coorientador).
2013
Aluska Silva
Folha de Aprovação:
Banca Examinadora
______________________________________________
Profª. Dra. Josilene Pinheiro Mariz - UFCG (Orientadora)
______________________________________________
Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves - UFCG (Coorientador)
______________________________________________
Profª. Dra. Maria Analice Pereira da Silva - IFPB
(Examinadora Externa)
______________________________________________
Profª. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega - UFCG
(Examinadora Interna)
Deus, grande autor da vida, obrigada por me fazer entender desde cedo que minha
existência não tem sentido sem o teu amor. Obrigada por se fazer humano, dando-te teu
filho por minha salvação e uma mãe tão generosa que me abraçou como filha.
Mainha e Painha, obrigada pela educação, pelo esforço diário em me proporcionar o melhor,
vocês são meus grandes espelhos, minha base.
Tércio, obrigada por entender minhas crises, por ler meus textos, por me incentivar sempre
nos estudos. Acho que agora podemos casar...
Josi, já posso chamá-la assim. Há três anos atrás morria de medo de sua arguição na minha
monografia e agora te tenho como orientadora. Agradeço-te pelos encontros sempre bem
humorados, pelas longas conversas sobre a vida, por me deixar ser, além de orientanda,
uma filha. Tenha certeza de que estarás marcada para sempre em minha vida, como
exemplo de mulher, de esposa, de professora!
Hélder, obrigada por ainda me deixar acessar os seus livros, por ainda me fazer rir com as
pegadinhas mais antigas do mundo (Você soube daquele cantor que morreu no rio?), por
me deixar fazer parte da sua vida, por me deixar trazer no colo, logo após o nascimento, seu
bem mais precioso, seu Davi.
Analice, obrigada por ler meu texto, mesmo tendo tantos afazeres. Tenho certeza que suas
contribuições enriquecerão ainda mais as discussões desse trabalho.
Colegas da Pós, espero que cada um possa ter absorvido o melhor de nossas discussões e
que tenhamos sucesso nesta nova etapa de nossas vidas acadêmicas.
Txuris, muito mais silenciosas agora do que na graduação, mas, ainda assim, presença
constante, mesmo que por telefone ou pela internet. A vida segue seu rumo, mas o que é
bom permanece. Obrigada pela amizade.
Netto, por sempre dizer que eu ia longe, e por ter lido meu texto, meu eterno agradecimento.
RESUMO .......................................................................................................................... 06
RÉSUMÉ .......................................................................................................................... 07
LISTA DE FIGURAS......................................................................................................... 08
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11
1. ADENTRANDO CAMINHOS: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............... 16
2. FORMAÇÃO DE LEITORES........................................................................................ 20
2.1 LER PARA QUÊ? FORMAÇÃO DE LEITORES DE LITERATURA............................ 21
2.2 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES
LITERÁRIOS...................................................................................................................... 27
3. AVALIAÇÃO: FUNÇÕES E APLICABILIDADES NO CONTEXTO DO ENEM.......... 38
3.1 FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO ....................................................................................... 38
3.2 O ESTADO REGULADOR ........................................................................................ 43
3.3 O ENEM E SEUS DOCUMENTOS ESTRUTURANTES ........................................ 47
3.3.1 As competências e as habilidades da Matriz de Referência para a Literatura
........................................................................................................................................... 52
4. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE LITERATURA NO ENEM.......................................... 65
4.1 LEITURA DE POEMAS: PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO DO
TEXTO LITERÁRIO .......................................................................................................... 66
4.2 LEITURA DE POEMAS: TENDÊNCIAS HISTORISCISTAS .................................... 78
4.3 QUESTÕES DE IDENTIDADE E CULTURA NACIONAL........................................... 87
4.3.1 Literatura, identidade e cultura nacional: aproximações.................................. 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 99
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 102
ANEXOS............................................................................................................................ 106
11
INTRODUÇÃO
Intentamos com essa dissertação suscitar debates que possam ir além do meio
acadêmico, visto que os sujeitos diretamente envolvidos nesse processo são os alunos,
educação nessa fase escolar. A partir das Orientações Curriculares para o Ensino Médio -
EM, bem como uma visão pouco esclarecedora de uma perspectiva metodológica que
questionamento no qual se tenta justificar tal disciplina no EM. O primeiro tópico nomeia-se:
“Por que literatura no Ensino Médio?”, esse questionamento não é realizado para as outras
disciplinas da área. Pensamos: por que será que a literatura necessita de uma razão de ser
reconhece a “falta de atenção”, a negação que foi dada a essa disciplina nos PCN. As
ocorrido nos Parâmetros Curriculares Nacionais, edição de 2002, apontam para um ensino
de literatura que “humanize”, nas palavras de Antônio Cândido, os alunos, tornando-os além
Para que essa humanização aconteça, faz-se necessário que o ensino, sobretudo,
o de literatura, propicie aos alunos uma reflexão, de modo que possam entender o mundo
que garante ao aluno esse aprimoramento do aluno como "pessoa humana" e, segundo as
motivar e incentivar a leitura e a discussão dos textos literários, fazendo reflexões críticas
bem como, lendo integralmente obras literárias, práticas que, se realizadas de modo
conhecimento.
também é previsto pela LDB, o aluno pode optar pela formação técnica ou pelo ensino
superior. É nesse momento que surgem os processos avaliativos em larga escala para o fim
da educação básica, como o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio no ano de 1998,
O ENEM tinha como objetivo avaliar o desempenho dos alunos ao fim da Educação
sobretudo na fase de nível médio, e que o ENEM surge como um importante Exame
imprime na abordagem do ensino de literatura. Para atingir tal objetivo, de forma específica
literatura, além de propor análises como vias para uma abordagem que se adéque à
Nossa justificativa para realização de tal pesquisa reside no fato de que o ensino de
literatura na fase final da Educação Básica está voltado, em sua grande maioria, para o
ingresso dos alunos nas universidades. Dessa forma, além de provocar o estímulo do senso
crítico dos alunos e cumprimento das bases curriculares, o professor deverá prepará-los, de
forma mais específica para o ingresso no ensino superior. Faz-se necessário, portanto,
observar de que forma esse método de avaliação e ingresso nas IFES (Instituições Federais
O interesse para a realizar uma reflexão mais aprofundada acerca do ENEM e suas
implicações para o ensino médio surgiu no final de minha graduação, quando precisei
(PET) o qual trabalhava com atividades de ensino, pesquisa e extensão. Na mesma época,
14
iniciaram-se os preparativos para os cursos de extensão que também tinham como público
alvo os alunos da fase final do EM que iriam prestar exames seletivos para as universidades
públicas da cidade.
professores da graduação e nós, alunos de prática e bolsistas: o MEC havia divulgado que
os resultados do ENEM, a partir do ano de 2009, seriam utilizados como forma de ingresso
todas essas preocupações de quem almejava uma vaga no ensino superior. Como nós,
sobretudo, para os das Universidades Federal e Estadual de Campina Grande era urgente
nosso estudo acerca da elaboração do ENEM, visto que teríamos que lecionar aulas tendo
planejamos como iríamos abordá-las em sala de aula. Foi a partir da apreensão de estar à
frente de um objeto novo, com pouquíssimos textos teóricos ou relatos sobre o Exame, que
passei a observar de forma mais detida, a composição das questões das provas, em
Assim, a presente pesquisa constitui-se como embrionária, uma vez que a percepção
como todo, não são apreendidas cientificamente de maneira tão rápida. Contudo,
intentamos contribuir para uma discussão mais verticalizada de como se está pensando a
ENEM, bem como os procedimentos composicionais das questões de literatura. Para este
nessa ordem.
16
A pesquisa, seja ela inserida em qualquer área, é um processo que requer cautela
por parte do pesquisador, pois os procedimentos por ele utilizados têm uma grande ligação
com a subjetividade, bem como com toda a complexidade que caracteriza um trabalho
científico.
No nosso caso, mesmo não realizando uma pesquisa etnográfica, temos em mente
material produzido por sujeitos que realizam um trabalho que também tem como alvo outros
professores que prepararão esses candidatos para o exame. Dessa forma, as informações e
por seu grande porte; mas, apontar caminhos, assumir prioridades, em caráter investigativo
e exploratório.
as primeiras e as únicas, haverá sempre outros olhares para o mesmo objeto. Nós optamos
isto é, (des)caminhos que nos fizeram rumar para outras direções, diferentes das
fala por si, “iluminando o cenário da realidade a ser estudada, dá sentido às abordagens do
com as necessidades do trabalho, um olhar mais aproximado do objeto, como se fosse uma
pesquisa científica como designadora das diferentes maneiras de coletar e analisar dados
como doze estratégias de coleta de dados; para cada estratégia de pesquisa são discutidos
pergunta de pesquisa. É importante salientar que a categorização não deve ser vista de
forma estática e imutável, mas como suporte para que se possa realizar uma análise de
ENEM, com o objetivo de analisar o que é solicitado aos alunos dentro desta nova proposta
categorias de análise que serão discutidas no próximo capítulo, que problematizam forma de
também uma abordagem reprodutora de práticas que estudiosos da interface entre literatura
e ensino consideram pouco adequadas para a formação do leitor literário. Assim, surgiu em
literatura no exame.
nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012; os documentos norteadores para a efetivação e a
elaboração do exame: a Matriz de Referência para a prova de 2009 (que permanece válida
(op.cit.), nos ateremos ao tipo documental por acreditarmos que essa seja de melhor
suporte para nosso trabalho, uma vez que, esse tipo de estudo tem por base os documentos
ampla, que contempla todas as questões do ENEM, selecionamos uma amostragem restrita,
19
que é proposto nos documentos oficiais e também, bem como na Matriz de Referência.
medida em que líamos as questões e descobríamos elos temáticos entre elas. Para cada
categoria discutida, propomos uma leitura mais crítica acerca da temática, abordando alguns
foram criadas conforme nossa observação do conteúdo exigido pelas questões São elas:
constitutivos do texto literário a partir de poemas como objeto de análise pelos candidatos.
Nossa reflexão tende a observar como esses procedimentos foram solicitados aos
Observamos de que modo a literatura contribui para esse aspecto na área de Linguagens,
2. FORMAÇÃO DE LEITORES
Professora, para que ler isso? Vai cair na prova? Por que eu preciso diferenciar um
gênero de outro? Por que ler literatura é diferente? Diariamente, as aulas de Língua
Portuguesa são bombardeadas pelos alunos com questões desse tipo. Baseadas em uma
sociedade de resultados, perguntas como essas são cada vez mais frequentes e as aulas
de leitura são vistas como passatempo, dispensáveis, ou porque o professor não quer dar
aula ou porque não tem assunto preparado. Por que será que pensamentos como estes
estão sendo cada vez mais propagados no ambiente escolar? Não só na educação básica,
professor que não domina o conteúdo, o bom mesmo é estudar a crítica literária
ganharam essa conotação? O que mudou? Foram os textos, as práticas dos professores, os
sua abordagem, seus desvios, sua escolarização. Tentaremos fazer uma relação como
mostrar o quanto e de como ela se faz necessária para a resolução desse exame
Programa Internacional de Avaliação de Alunos) o 53º lugar na prova de leitura, num ranking
populoso do mundo, observaremos que ele obteve a maior média com o primeiro lugar entre
O investimento de uma nação para formar mentes pensantes, que não só gostem de
ler, mas que tenham hábitos educacionais, talvez seja esse o segredo do sucesso. Um país
considerado emergente, como a China, e com o agravante de ser o mais populoso, está à
frente de muitos países quando se pensa em educação leitora. Ainda que não seja nosso
objetivo central discutir as razões políticas e os baixos índices de rendimento escolar dos
esses aspectos, dentro e fora da academia. Talvez a falta de incentivo dos que estão na
parte de cima do iceberg seja decisiva para a falta de interesse dos nossos alunos que não
capacidade de interação nos ambientes político, cultural, econômico. (M. MARTINS, 2006).
Ou seja, quanto mais acesso e atuação nesses ambientes, mais prestígio social o indivíduo
terá. Para chegar a esse nível de ascensão, através da leitura, o sujeito necessita passar
por etapas, nas quais ele realizará descobertas e entenderá a importância do ato de ler, em
materna. A compreensão das sensações, dos sons, das luzes, das imagens, das vozes
familiares, dos sorrisos ao ouvirmos histórias, desde os primeiros meses de vida constituem-
1
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/em-ranking-dominado-pela-asia-china-e-o-
pais-lider-em-educacao-no-mundo>, acesso em: 20 jul. 2012.
22
comunicação.
De acordo com V. Silva (2009), existem três fases que o leitor percorre em seu
processo de formação. São etapas que vão desde a fase pré-leitora, na qual se ouve
pequenas narrativas, guiado por imagens, até o leitor crítico que tem autonomia para ler os
valor. Portanto, este último deveria ser o leitor ideal ao ingressar no Ensino Médio. O modo
de ler, nesse processo, está ligado aos tipos de leitura, ou a "atitudes leitoras" que são
Conforme V. Silva (ibid.) temos a leitura mecânica que está relacionada à leitura de
conhecida como enciclopédica, onde acrescentamos valores outros atribuídos aos signos
linguísticos e, por fim, a leitura crítica, a qual alia as duas primeiras, a elas acrescentando
A não realização dessas fases/tipos de leitura ocasiona um problema cada vez mais
frequente nas aulas de língua portuguesa, conforme abordamos no início desse capítulo. O
aluno que não vivencia esses momentos de forma adequada, é levado ao insucesso na
interpretação de textos, fato que está diretamente ligado aos baixos índices obtidos em
exames tipo o PISA. Está relacionado também a outros processos seletivos para o ingresso
no ensino superior, como o ENEM, exame que preza pela interpretação de dados em todas
devida vivência das práticas de leitura e de escrita, sem o que se chama de letramento.
Precisa-se formar alunos com competência leitora que saibam diferenciar textos, lidar com
vezes é uma escola voltada para a decodificação, onde os melhores alunos são aqueles que
conseguem memorizar com mais riquezas de detalhes todas as definições do Livro Didático.
Mas, para que ler? Como tornar o aluno um leitor proficiente e consciente do seu
papel de leitor?
Educação (LDB, Lei, 9.394/1996) até os documentos norteadores dos currículos nas
escolas. Dessa forma, além de ser assegurada pelo Estado, a leitura deve ser garantida por
todos que fazem parte de processo educativo; no entanto, nosso sistema educacional ainda
apresenta muitos professores que não são leitores propiciando ao aluno aulas
desmotivadoras e sem textos que o faça "tomar gosto" pela leitura. O texto é, na maioria das
vezes, tomado com pretexto para o preenchimento de fichas de leitura, aulas de análise
segundo plano, quando dá tempo, ou quando o professor encontra espaço para essa
reflexão.
V. Silva (2009) ainda aponta dois elementos essenciais para a formação leitora: a
conheçam bons textos e saibam indicá-los aos alunos, respeitando sua fase de
Essa motivação deve existir não somente no âmbito literário, mas na escolha dos
gêneros que serão abordados; suas temáticas e suas reflexões precisam estar ao alcance
apresentam uma formação leitora suficiente para serem bons orientadores, não tendo um
repertório de leitura adequada para oferecer aos seus alunos. Esse fato ocorre devido a
uma carga-horária exaustiva, que os limita às indicações de textos do livro didático que,
além de congeladas em uma cronologia, essa matéria apresenta questões que não
(COLOMER, 2007, p.76). A sugestão de livros que estejam na biblioteca da escola deve ser
biblioteca da escola, apesar de ser apreciadora dos textos literários, não por falta de
vontade, mas por falta de livros que me atendessem enquanto leitora. Os professores pouco
indicavam livros e quando o faziam, normalmente, tal atitude estava ligada a uma indicação
presente no livro didático. A experiência de empréstimos de livros com meus amigos atendia
muito mais aos meus desejos de leitora, das sugestões na sala de aula, que partiam, na
maioria das vezes, pelo proposto pelo Livro Didático, não por uma experiência de leitura.
Distanciando-me hoje dessa momento, acredito que esse fato de gostar mais das
leituras fora da escola foi motivado porque as indicações dos livros era realizada pela
meus colegas, que estavam mais próximos das minhas experiências, dos gostos em
indicação dos livros pela professora seria lido talvez apenas por mim.
Constitui-se, portanto, um desafio para os professores nos dias atuais levar o aluno a
entender as razões pelas quais ele deve ser um leitor proficiente, sobretudo de literatura,
quando essa nova geração de leitores está submersa na sociedade do audiovisual que,
muitas vezes, supre o papel da literatura. Colomer (2007, p.104ss) apresenta alguns passos
1) Necessidade de sua existência: é preciso deixar claro por que deve-se trabalhar
com textos literários em sala de aula; 2) Uma aprendizagem social e afetiva: a leitura deve
ser compartilhada e lida em sua totalidade, não utilizando apenas fragmentos, de forma que
o aluno goste de ler e compartilhe suas leituras com os colegas, instigando-os a ler; 3) O
25
esforço de ler: o professor deve preparar o aluno para leituras mais densas, precisa “seduzir
o leitor para que enfrente o esforço”; 4) Confusão social: ao invés de estimular a leitura, o
governo e outras entidades procuraram investir mais nas causas dessa desafeição;2 5) A
importância do corpus: deve-se entender que o leitor é quem determina o tipo de corpus e o
professor deve estar atento ao nível de leitura, para que os textos literários nem estejam
longe da realidade nem sejam simplistas demais; 6) é importante analisar quais são as
defesas criadas pelos alunos para que afirmem que não gostam de ler para que se possa
passível de aplicação em todas as salas de aulas, mas atitudes que apresentem uma
aprendizagem, entendendo que o aluno enquanto leitor é quem determina o ritmo e o nível
desse conhecimento, prepare os alunos para leituras mais densas que poderão enfrentar
leitor da sociedade moderna, desde os fins do século XX. Colomer (op. cit.) afirma que esse
leitor moderno é: 1) um leitor atual sob o ponto de vista social; e, nas obras que o
O aluno/leitor, sobretudo o que já está inserido nesse novo perfil de uma sociedade
moderna deve ser levado a entender que é parte de um processo interativo com o texto e o
autor. Dessa maneira, o leitor e a leitura unem o processamento do texto ao efeito sobre o
leitor, a interação ocorre quando essa influência é recíproca. Essa aproximação de modo
2
Acerca desse ponto é importante registrar o esforço do Governo Federal Brasileiro no sentido de
fomentar campanhas, como Literatura em Minha Casa, por exemplo. Como a autora desse livro é
espanhola, acreditamos nesse sentido que o ponto citado reflete uma realidade mais particular.
26
mais direto com o texto literário é parte fundamental para a consolidação do processo de
letramento literário e "é, aliás, esse o sentido básico do letramento literário". (PAULINO;
que essa experiência é entendida como "o processo de apropriação da literatura enquanto
construção literária de sentidos" (op. cit, p. 67). Vemos, então, que há uma especificidade
dos sentidos construídos pelo texto literário, de forma que é preciso interpretar os espaços
deixados pelo texto, muitas vezes, propositais. Para que esse modo de interpretação seja
contribuição teórica de Iser (1979) e Jauss (2002) na elaboração do que veio a ser
Interagir com o texto, segundo Iser (op. cit) é interpretar os vazios por ele deixado, é
equilíbrio entre texto e leitor; esse leitor nunca tirará conclusões explícitas de sua
compreensão, pois o modelo de interação não será face a face; as respostas e os vazios
Ainda pensando no leitor como receptor do texto literário, enquanto obra artística,
recepção, que se pensada no contexto escolar, como fez os estudos de Aguiar e Bordini
(1988) pode ser ponto chave para a formação de leitores literários. Jauss (op. cit.) define
três conceitos para a formação estética da recepção dos textos; será esta a atitude
responsiva que terá o leitor na sua função de preenchedor dos vazios do texto que ora
comentamos. São eles: Poiesis, denomidado como o prazer ante a obra realizado pelo
Acreditamos que as contribuições de Iser (1979) e Jauss (2002) ainda que não tendo
em mente um leitor em processo de formação dentro de uma sala de aula, às vezes com
leitores literários, uma vez que ela dá conta do processo de interação e interpretação do
trabalho da literatura em sala de aula, que nos auxiliam nas reflexões que seguem.
LITERÁRIOS
importância da formação leitora no período escolar. Autores como Aguiar e Bordini (1993),
Colomer (2007), Cosson (2009), entre outros, apresentam e atestam como positiva a
sensibilização do aluno para que este se torne um leitor de literatura e, por ela, fisgado e
processo de descoberta e de formação leitora. Sabemos, contudo, que esse ator social é
3
Indicamos, para um maior aprofundamento das concepções apresentadas por Jauss (2002)
associadas ao contexto de formação docente, o artigo Por uma metodologia triangular para o ensino
de literatura: contribuições da experiência estética de Jauss, de Maria Marta dos Santos Silva
Nóbrega.
4
A pós graduação a qual estamos inseridos também apresenta dezenas de experiências
significativas com o texto literário de diferentes gêneros na sala de aula.
28
interditado muitas vezes por limitações diversas, como condições precárias de trabalho; um
currículo que diminui, cada vez mais, as horas destinadas às aulas de literatura; alunos
literário nas escolas, apresentam duas posturas que consideramos pertinentes: leitura da
dissociado do primeiro nível. Nos dois níveis, o professor participará na mediação, seja na
criação do gosto, indicando boas leituras, seja na instrumentalização do aluno para a leitura.
Ainda sobre as fases para a leitura de textos Bamberger (1977, apud Aguiar e
Bordini, 1993, p. 19) apresenta como resultado de sua pesquisa, algumas fases de leitura e
de percepção para o texto literário. Essas fases não devem ser vistas de forma estática,
como única regra a ser aplicada, mas podem funcionar como sugestão para que o professor
trabalhe temas e gêneros adequados às faixas etárias e aos diversos grupos de alunos
A primeira, entre 2 a 5 anos, é a fase dos livros de gravuras e dos versos infantis.
Nela, a criança ainda faz pouca distinção entre o mundo externo e interno, trata-se de uma
fase mais egocêntrica; a segunda, entre os 5 e 9 anos, é a idade dos contos de fadas, a
criança busca nas histórias a simbologia necessária para sua vivência. É a fase de
adaptação e resolução dos seus pequenos conflitos; a terceira, entre 9 e 12 anos, é a idade
orientar-se para o mundo real, mas ainda com vestígios da magia e da fantasia. Seu
interesse será por histórias mais reais, apresentando o mundo como ele é, mas com a
Alguns fatores condicionam as escolhas dos textos literários que serão trabalhados
em sala de aula, sobretudo para os alunos que estão na fase final da educação básica, pois
hoje, um grande “divisor de águas” para a formação do currículo para o ensino médio,
leitura reflexiva do texto literário, levando o aluno a criar hábitos de leitura; pois, o que
análises de acordo com o ponto de vista do professor, não do aluno, fazendo com que esse
respeito ao ensino de literatura observa-se que, sobretudo, na última série do ensino médio,
dos programas de vestibulares, a ler uma média de seis livros literários que são
o objetivo de passar no exame, sem um direcionamento voltado para uma formação leitora.
outra face da questão: dependendo de como esses livros serão trabalhados pelo professor e
leitura, mas que essa leitura não se destine tão somente a passar no vestibular. Aguiar e
Bordini (1993) postulam que o primeiro passo para a efetivação do gosto pela leitura é a
postura do professor em relação aos interesses de leitura dos alunos. “Os alunos são
Para que seja criado o hábito e o gosto pela leitura no ambiente escolar é importante
proporcionar uma identificação da literatura com o aluno, uma vez que grande parte das
obras foram produzidas em contextos culturais diferentes do que ele se encontra e "o aluno
não se reconhece na obra, porque a realidade apresentada não lhe diz respeito." (AGUIAR;
BORDINI, op. cit., p. 18). Nessa multiplicidade de sentidos e contextos literários, a forma de
abordagem do texto não deve ser impositiva e repleta de informações históricas, pelo menos
não na fase de formação do "gosto" pela leitura literária. É preciso "vivenciar as obras" como
dizem as autoras, passando por graus que a escola deve proporcionar. A escolha dos textos
deve ser cuidadosa, aguçando um senso crítico nos alunos convidando-os a entrar no jogo
de significações que o texto literário oferece. Benjamin (1984, apud Aguiar e Bordini, id.
5
O número de obras aumentava de acordo com a quantidade de universidades nas quais o aluno
inscrevia-se.
31
todo hábito entra na vida como um jogo que exige repetição contínua e
renovada. Por essas vias, chega-se, por certo, ao hábito da leitura literária,
que permite a multiplicação do prazer, através da experiência sempre
recomeçada de viver os sentidos do mundo em cada texto percorrido.
(BENJAMIN apud AGUIAR; BORDINI, 1993, p. 27)
oferecer um acervo literário que explore significações culturais, sem pensar inicialmente em
momento, permitir uma sistematização com bases teóricas, com uma instrumentalização do
Aguiar e Bordini (1993) apresentam uma pesquisa com eixos, que foram
realizada através de fragmentos; 3) o professor utiliza o texto literário como pretexto para o
ensino de gramática.
na compreensão do conectivo utilizado, pois não aponta quais são as funções discursivas
respostas na prática em sala de aula, as autoras constataram que o discurso era voltado
crítico; todavia, a realidade revelava professores realizando atividades repetitivas com o uso
de leitura que tendia mais para ensino gramatical do que aos aspectos literários do texto.
Mesmo sendo uma pesquisa realizada no final da década de 80, do século passado,
literatura que apresenta seus reflexos até os dias atuais: os exames passaram a exigir a
leitura de obras literárias que seriam contempladas nas provas. De acordo com M. Silva
(2009), essa abordagem era meramente pretextual, pretendia fazer com que os alunos
Silva (op. cit.), as obras contempladas eram de autores já falecidos que constavam no
cânone literário. Com o passar dos anos e com o avanço das discussões acerca da
literárias para ser bem colocado no exame classificatório, podemos refletir sobre vários
aspectos, dentre eles; a leitura literária obrigatória das obras como um fim e não um meio
propiciador de conhecimento; sobretudo, na visão dos alunos, é preciso ler a obra literária
para passar no vestibular. Pensando de outra forma, muitos alunos têm contato,
inicialmente, com a obra literária por obrigação, no entanto, passam a gostar, envolvendo-se
com o texto.
Em conversas informais sobre esse assunto, pude coletar informações com alguns
processo de ler obras literárias unicamente porque foram indicadas para o vestibular. Em
34
um caso específico, um jovem leitor relatou que, inicialmente, não gostavam da ideia de ter
que ler as obras indicadas para o vestibular, afirmando que se não houvesse tempo iria
recorrer ao resumo; mas, que depois de ter acesso a determinada obra, gostou tanto que,
em um dia, conseguiu "devorar" um livro. Diante de fatos como esse pensamos: será que o
aluno leitor não poderia ter realizado essa experiência "devoradora de livros" durante os três
de uma indicação que fosse ao encontro aos seus desejos de leitor? Sem intentarmos
A literatura não foi pensada para ser abordada em sala de aula, prioritariamente. No
entanto, a intenção de levar essa arte sensibilizadora para os alunos fez com que a escola,
nas últimas décadas, intensificasse, com ajuda de propostas norteadoras, o acesso dos
alunos a bens artísticos e culturais. Dessa forma, a escola aproximou esses bens, nas suas
mais diversas manifestações, para dentro da sala de aula, sobretudo nas disciplinas
humanísticas. Esse fenômeno de trazer para o contexto escolar, gêneros que inicialmente
M. Soares (2001) diz que "Não há como se ter escolas sem ter a escolarização do
conhecimento" (M. SOARES, op. cit., p. 20). Hoje em dia, o termo "escolarização" vem
formar leitores de literatura no contexto escolar. O problema, muitas vezes, está na forma
deixando de ser individualizado: a ideia de mestre e discípulo deu lugar a prédios com várias
tempo de ensino; a separação de alunos por faixa etária e por assimilação do conhecimento,
fez surgir " os graus escolares, as séries, as classes, os currículos, as matérias e disciplinas,
35
os programas, as metodologias, os manuais e os textos - enfim, aquilo que constitui até hoje
instrumentos para ler diferentes gêneros literários e ser um apreciador da literatura enquanto
arte e de forma aproximada com a sua vida, recriando espaços e valores relacionados ao
seu universo. De acordo com Soares (op. cit.) existem três instâncias de escolarização da
literatura, sobretudo na fase infantil, a saber: a biblioteca escolar, a leitura e estudo de livros
de literatura e a leitura e estudo de textos em geral. Para cada instância, a autora apresenta
próprio. O aluno deve "ser iniciado" nesse ambiente, ele necessita ir sozinho à biblioteca
saber qual tempo de leitura, quais indicações, participar de aulas de leitura e ainda saber
que a biblioteca é local de silêncio, que o livro deve ser conservado etc. Essa rotina pode
diversificado e adaptado para suas turmas, tarefa difícil, mas não impossível. Uma escolha
textual nunca vai agradar toda a turma, e nem precisa, mas é necessário estar afinado com
adequadamente. Essa leitura indicada, no contexto escolar, sempre será alvo de avaliação,
"a leitura sempre será avaliada, por mais que se mascarem também as formas de avaliação"
(SOARES, 2001, p. 24). Por ser avaliativo, o processo de escolarização não necessita ser
diminuído, pois como vimos, para que as obras cheguem até o aluno, inevitavelmente, elas
serão escolarizadas.
Algumas modificações são necessárias para que as obras possam ir à sala de aula.
Muitas vezes essas modificações não são tão salutares à conservação de sua
exemplo, a fragmentação e a repetição das obras no livro didático (LD). Entendemos que
não se pode reproduzir um romance inteiro no LD, mas também não concordamos com a
reprodução apenas de dois parágrafos que pouco dizem da obra e, posteriormente, retomar
esse fragmento para o trabalho de alguma classe gramatical ou escola literária. Exige-se
pouco do aluno com essa prática e ele não vê sentido em ler a obra na íntegra se não foi
Considerando que o mesmo poema seria objeto de resposta para duas questões, nos
perguntamos o porquê de ter sido suprimida uma estrofe que nega ao aluno a possibilidade
de ler o poema na íntegra. Com o ENEM o aluno não se vê mais na responsabilidade de ler
as obras que serão abordadas na prova de forma mais direta como ocorria com os
vestibulares, nem a própria prova oferece esse espaço de leitura integral do texto literário,
fórmulas conteudísticas, sem se ter como foco a literariedade que é inerente à tessitura do
texto; voltar-se-á, assim para características das escolas literárias as quais o texto está
vinculado e não para o modo como o texto literário está abordando tais formas. Essas
literários, mas de alunos que buscam finalidades no estudo da literatura, como obter
Concordamos com Aguiar e Bordini (1993, p . 16) ao dizer que "a formação escolar
do leitor passa pelo crivo da cultura em que se enquadra". Se não houver de fato incentivos
para esse processo de descoberta do mundo através dos textos seja estimulada fora dos
limites da escola, o aluno, jovem leitor, não encontrará espaços para desenvolver aquilo
que, em tese, foi formado na escola: a criação do gosto pela leitura. A escola necessita
literatura nos dias atuais está cada vez mais inserida no universo tecnológico, como disse
Zilberman (2009), resta saber se a escola brasileira está preparada para isso.
6
Estrofe suprimida: O vento varria as luzes, / O vento varria as músicas, / O vento varria os aromas...
/ E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De aromas, de estrelas, de cânticos.
38
algumas modificações em relação aos seus objetivos iniciais, tanto relacionadas às políticas
educacionais, quanto aos métodos de ensino. Propomo-nos, nesta unidade, a refletir sobre
analisar os efeitos desse Exame, observando a abordagem dada à literatura nas questões.
Para essa discussão, tomaremos como base teórica os estudos de Afonso (2000),
que refletem sobre as funções da avaliação e suas tipologias; e, Lopes e López (2010) que
Cultura (MEC) e que servem de parâmetros para todas as escolas, sejam elas públicas ou
afinamento conceitual entre ambos documentos, haja vista que sua aplicabilidade será
também uma fonte influenciadora dos sujeitos que, direta ou indiretamente, sofrem os seus
sociológico da avaliação: a primeira diz respeito à avaliação mais imediata, determinada por
ou no ingresso dos alunos em outras instituições. Nesse contexto, são apresentados “Os
níveis micro, meso e macro do sistema educativo”. (AFONSO, 2000, p. 17, grifos do autor).
39
Para cada nível, desse sistema, a avaliação prestar-se-á a uma finalidade diferente,
seja para realizar a aferição de conhecimento conteudístico dos alunos em uma sala de
aula, seja para realizar competições através de nivelamento entre escolas, cidades e até
escolar. Consideramos pertinente uma reflexão acerca dessas funções, pois elas têm como
finalidade regular saberes, julgar e selecionar os alunos de acordo com o conhecimento que
eles adquiriram na relação ensino aprendizagem, fatores esses que vão de encontro ao que
se propõe no ENEM em sua relação com o EM. São funções da avaliação escolar:
pesquisa: o ENEM, enquanto instrumento de controle de fluxo. Esse exame faz com que os
alunos, que a ele se submetem, possam ascender do nível médio da educação escolar, para
mecanismo de avaliação e de seleção, uma vez que em seu processo, apenas uma
intenção de passar de um nível para outro, mas a quantidade de vagas para o ingresso no
40
ensino superior ainda fica aquém da quantidade de candidatos inscritos7. A função avaliativa
torna-se bastante seletiva, pois só terá acesso ao ensino superior, quem obtiver êxito dentro
aula, bem como nas motivações que recaem sobre os alunos e os professores. Nesse caso,
de apoio para os docentes têm que estar em consonância com o que se pretende avaliar, de
essas medidas são impostas de fora para dentro, tendo o Estado como detentor dos
processos avaliativos eram propostos pela escola com certa autonomia. Embora ainda hoje
seja esse o comportamento, com o advento do ENEM, essa autônima foi diluída porque o
Exame deixa de ser algo mais individualizado, tendo que atender às exigências de um
resultados, ou negativas, quando não os obtêm. "As organizações [o Estado] têm o poder de
construir uma representação da realidade e impô-la aos seus membros e usuários como
definição legítima dessa mesma realidade". (PERRENOUD, 1984 apud AFONSO, 2000, p.
21).
7
Para o ENEM 2012, foram inscritos 5,7 milhões de candidatos. Disponível em:
<http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/10/veja-os-numeros-do-enem-2012.html>. Acesso em: 10
nov. 2012.
41
Como produto desse sistema, surgem o que Afonso (op.cit.) denomina de "quase-
Ainda que não seja o objetivo central desta pesquisa, convém observar que, uma vez
aluno, que condicionará seu nível ao da escola. Seria uma percepção de que os fins
justificariam os meios; ou seja, o aluno poderia apoiar-se no fato de que sua escola não
obteve bons resultados nos ranking dos testes, justificando com isso, o seu insucesso
seleção podem se estender para sua vida fora dos limites da escola.
avaliação normativa diz respeito aos testes estandartizados, utilizados para competir e
pensados pelo professor na execução do planejamento proposto pelo currículo. Por essa
razão, tais testes estariam voltados mais para uma dimensão macro avaliativa, do que para
uma perspectiva micro avaliativa, uma norma, haja vista que esse tipo de avaliação
em função das realizações individuais de cada aluno e não em comparação com os outros.”
(AFONSO, 2000, p. 35). Se avaliado em uma dimensão micro, a avaliação criterial aferirá as
que inclui a participação do aluno nas aulas através de estratégias utilizadas pelo professor
No Brasil, evidenciamos esse efeito através do ENEM, que por meio do desempenho
individual do aluno, avalia sua condição para o ingresso no curso superior, criando ao
mesmo tempo, indicadores de desenvolvimento escolar, seja por Estados ou seja por
em que a escola obtém êxito no exame. Nesse caso, há um teste estandartizado, que se
alia a um sistema de critérios individuais, que precisam ser trabalhados em sala de aula,
elemento novo na relação professor-aluno: o Estado, que através do ENEM avalia tanto os
testes. A esse respeito, Rosales (1992, apud Afonso, 2000) diz que o professor deixa de ser
dono de seus próprios atos, perdendo sua autonomia profissional para converter-se em um
aluno em sala de aula, assemelhando-se o que sinaliza Foucault (1999) em Vigiar e Punir8.
8
Trata-se de um livro que reflete sobre ações coercitivas e punitivas que permeiam diversos
organismos sociais, como escolas, hospitais e prisões.
43
imprime ao aluno, posto que ele também será avaliado, seja pelo seus pares, seja pelo
propõe nos documentos, ao analisarmos esse processo neoliberal e seus efeitos, percebe-
se que o Estado está mais preocupado com o produto escolar do que com seu processo;
fato que se agrava porque se distancia do que é proposto nos parâmetros curriculares para
o ensino.
educacional não somente no Brasil como também em outros países. Essa tendência do
Estado em interferir no sistema educativo de forma mais incisiva, não é uma particularidade
brasileira, pelo contrário, vem refletir uma forma de intervenção adotada em países
neoliberais, e que países emergentes como o nosso, também adotam e reproduzem: "O
9
Neoliberalismo é a resposta à crise do capitalismo decorrente da expansão da intervenção do
Estado, antagônica à forma mercadoria, ainda que necessária para sustentá-la. As políticas
neoliberais perseguidas ao final dos anos 70 e no começo dos 80 por parte dos governos nacionais
dos países centrais constituem precisamente uma tentativa (crescentemente desesperada) de
'remercadorização’ de suas economias. Disponível em:
<http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/neolib/index.html>. Acesso em: 27 dez.
2012.
44
mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, com
ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos". (AFONSO, 2000, p, 49. Grifo
do autor).
competitividade nacional e internacional. Afonso (op. cit.) nos apresenta uma reflexão
acerca da inserção dos modelos avaliativos baseados em testes estandartizados que foram
Os estudos realizados pelo autor (id. ibid.) apontam que a utilização desses testes
tem como objetivo avaliar no estudante, aptidões que possam mensurar o seu sucesso tanto
na escola quanto na sociedade, elementos que, inicialmente, eram conhecidos como testes
de personalidade e de Q.I.
AFONSO, 2000). Apesar de esse modelo ter recebido várias críticas, os testes
que aplicada com objetivos específicos atendia mais aos princípios de competitividade,
modelo cuja finalidade primeira caracteriza-se por garantir a formação plena do cidadão, em
experimentações, isso referenda resultados que serão indicativos de uma boa ou de uma
educacional com o objetivo de torná-lo competitivo no cenário mundial, de fazer com que a
própria população venha a cobrar aumento nos índices; estas são medidas tomadas sempre
do topo da pirâmide para sua base, com o produto sendo mais importante do que o
processo.
educacionais em todos os níveis escolares. Essa estratégia não é nova e, além de muitas
mecanismo de coerção estará sempre recaindo sobre as equipes pedagógicas das escolas,
precisamente sobre os professores, que nem sequer foram consultados ou preparados para
formar aprendizes para esses tipos de testes. Volta-se, desse modo, ao ponto onde as
Os efeitos que uma avaliação baseada em rankings nos parece, pelo menos
aparentemente, que serão mais nocivos do que benévolos10. O ENEM, alvo de nossa
Observamos, por exemplo, que de maneira geral, após a realização do ENEM são
criados rankings dentre todas as escolas dos municípios brasileiros. Nessa classificação,são
10
Em leituras realizadas em diferentes sites pudemos encontrar discussões acerca dessa temática.
Destacamos o artigo: "Vale a pena divulgar o ENEM por escola?", de Daniel Cara, postado na Revista
Educação. Disponível em: < http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/blog-daniel/vale-a-pena-divulgar-
o-enem-por-escola-274671-1.asp>. Acesso em: 04 dez. 2012.
46
escolas públicas e das escolas privadas, ressaltando-se quais as regiões do país obtiveram
mais êxito etc. Essa forma de enquadramento educacional pode gerar consequências
2010.) defendem que essa retomada da regulação do Estado na esfera educacional cria
efeitos performativos que tendem a afetar, de forma mais direta, alunos e professores. As
em que ele se vê obrigado a fazer com que seu aluno e sua escola obtenham sucesso nas
avaliações externas. Esse ator social é impelido a competir entre seus pares e é ancorado
demonstrar habilidades e competências, nas quais predomine o saber fazer, pois sua
A avaliação a partir do ENEM, nos últimos quatro anos, vem alterando tanto as
políticas de inclusão no ensino superior quanto as práticas educativas em sala de aula, pois,
para que o aluno obtenha uma boa performance na prova, se fará necessário um ensino que
o prepare para esse tipo de exame. Dessa forma, vemos como consequência dessa
incidem seus olhares para as questões das provas, antes, praticamente, inexistentes. Os
avaliação, como afirmam Lopes e Lopéz (2010): " pelos efeitos que produz nas políticas de
outras ações curriculares e outros sistemas de avaliação”. (LOPES; LOPÉZ, op. cit. p. 104).
requeridas à cada área do conhecimento, para que, professores e alunos possam entender
Como apresentado de modo geral no início desta dissertação, o ENEM foi criado, no
ano de 1998, pelo Instituto Nacional Anísio Teixeira (INEP), com o objetivo de apresentar
Exame tinha adesão voluntária e na sua primeira edição obteve a marca de 150 mil inscritos
(BRASIL, 2005).
No ano de 2005, o ENEM adquiriu uma função que ia além do seu objetivo avaliativo;
seletivo dentro do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que seleciona candidatos
pelo MEC. A novidade fez com que o Exame alcançasse a marca de um milhão e meio de
inscritos.
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), quando propôs que o
Exame, já realizado em larga escala, fosse utilizado também como forma de ingresso no
11
A referida carta encontra-se no anexo A.
48
nas IFES.
A justificativa fornecida pelo MEC é que a proposta tem como principais objetivos
instrumento de avaliação, com essa nova configuração, obteve grande repercussão em nível
nacional, uma vez que é realizada uma única prova para todo o Brasil para a seleção dos
candidatos nas IFES. De acordo com o MEC, o processo seletivo realizado através do
vestibular "limita o pleito e favorece candidatos com maior poder aquisitivo, capazes de
diversificar suas opções na disputa por uma das vagas oferecidas". (BRASIL, 2009, p. 01).
grifado acima, é uma importante justificativa para pesquisa por nós desenvolvida. Nesse
as questões oferecidas pelo Exame estão formuladas, o que e como estão sendo solicitados
consta de uma redação, quatro provas objetivas, cada prova contendo 45 questões de
múltipla escolha.
devem ter sido desenvolvidas pelo candidato no decorrer do EM. Tais competências e
habilidades são específicas não só para o Exame, como também para a estrutura curricular
Para Macedo (2005), as competências, lato sensu, podem ser entendidas dentro de
três áreas ou dimensões. A primeira delas está para uma condição prévia do indivíduo, que
pode ser herdada ou adquirida. Nesse contexto, as competências herdadas são aquelas que
já nascemos com predisposição para, como mamar, respirar, por exemplo; as que são
adquiridas são aquelas que vamos assimilando com o decorrer do tempo, como a
do sujeito que o utiliza" (Id., Ibid., p. 18). Em um dos exemplos para essa competência
temos o ato de julgar a qualidade do ensino de um professor através do livro por ele
relações entre diferentes fatores. Para essa competência, faz-se necessário a ativação de
50
ato de proferir uma palestra ou conferência. Para que haja sucesso na apresentação é
necessário que alguns elementos estejam relacionados como: um bom texto, uma boa
que a competência seria uma habilidade de forma mais geral e a habilidade seria
considerada também com uma competência, esta obtida de forma mais específica, do que
(BRASIL, 2010).
de vários saberes para a resolução das questões e aproxima-se também dos documentos
norteadores para o Ensino Médio, como as OCEM e o PCN+, que já utilizam os termos em
destaque, sobretudo a noção de competência: "...o aluno deve ter meios para ampliar e
suas Tecnologias trazem para a discussão inicial o artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da
termo já tem certa "tradição" nos documentos oficiais da educação brasileira e que, em tese,
cinco eixos cognitivos12. As questões, também conhecidas como itens, são rigorosamente
elaboradores dos itens são professores e pesquisadores da educação básica que são
acordo com o Guia de Elaboração e Revisão dos Itens13, todas as questões de todas as
áreas do conhecimento têm a mesma estrutura, que consiste em: texto-base, enunciado e
alternativas. Cada questão deve contemplar apenas uma habilidade da matriz de referência,
podendo ser utilizado mais de um texto-base para a resolução de uma questão. Os textos
podem ser verbais e/ou não verbais, formulados pelo próprio elaborador ou devidamente
de forma clara e objetiva do que será proposto para o candidato. A instrução fornecida pode
solicitado no enunciado, as quais são divididas entre gabaritos e distratores. O gabarito deve
12
A Matriz de Referência encontra-se no Anexo B
13
Guia de Elaboração e Revisão dos Itens, Anexo C
52
importante observar que mesmo incorreta, a alternativa não deve ser totalmente distante da
opção correta, uma vez que "o distrator plausível deve retratar hipóteses de raciocínio,
Cada elaborador apresenta uma justificativa para cada alternativa criada, indicando e
que provavelmente é de acesso apenas do INEP, pois não as encontramos nas pesquisas
que serão apresentadas no próximo capítulo seriam melhor esclarecidas com mais esse
suporte analítico.
ENEM, que apresenta diferentes textos literários de diferentes épocas, fato que exige, do
do Guia de Elaboração e Revisão de Itens, que cada questão deve contemplar apenas uma
habilidade. Dessa forma, teceremos algumas considerações acerca das competências que
capítulo seguinte, observarmos de forma mais detida, como as questões contemplam essas
habilidades.
competência de área número 4 que trata da arte como saber cultural, na qual consideramos
aplicação de recursos expressivos das linguagens, de forma a relacionar os textos aos seus
textos. Vejamos:
54
competência compreendem as mais variadas formas de linguagem literária, uma vez que
cada uma aborda um contexto específico para o corpus literário. Assim sendo, entendemos
que para o aluno obter êxito nas questões que contemplam as habilidades dessa
competência ele deve ser proficiente na leitura literária, conforme discutimos no capítulo 1.
quantidade possível de gêneros, uma vez que eles não têm conhecimento nem do gênero
nem do estilo de época que será contemplado. Adentramos em um território polêmico, pois
gênero para os textos literários, ora eles são vistos como gêneros textuais, ora como
literários. O fato de um poema ou uma canção pertencer a este ou aquele gênero, como
55
veremos, nos parece prestar-se muito mais ao objetivo da questão do que a uma definição
se entende como gênero. Nesta pesquisa, entendemos a noção de gênero literário conforme
contribui para o nosso entendimento sobre essa questão. Ele diz que a tentativa de
classificação de obras literárias não é atividade recente, remonta a era platônica em sua
República. No terceiro livro da República, Sócrates apresenta três tipos de obras poéticas: o
primeiro, mais ligado à imitação, o poeta desaparece, dando lugar à fala de personagens,
obras típicas da tragédia e da comédia; o segundo, diz respeito a um relato do poeta, o que
se assemelha, não muito especificamente ao tipo lírico; e, o terceiro encontra-se a união dos
Após essa contextualização, Rosenfeld (op. cit.) nos apresenta duas formas de
adjetiva. Na classificação substantiva, ao gênero temos, "A Lírica", ao épico, "A Épica" e ao
dramático, "A Dramática". Na classificação adjetiva seriam acrescidos traços estilísticos, por
exemplo, uma peça dramática pode apresentar cunho lírico: "Ademais, não existe pureza de
gêneros em sentido absoluto". (ROSENFELD, id.ibid., p. 16). Essa definição de gênero para
a literatura nos será útil para esclarecermos as terminologias explicitadas na análise, bem
gêneros" oferecem elementos para a constituição dos outros gêneros, não menos
ele necessita realizar relações entre o texto literário e o contexto de produção nele
importantes para o país também são contemplados por essa habilidade. Encontramos,
através do Guia Explicativo, algumas orientações para as habilidades que delimitam o que
dialética do local e do universal presentes nas obras que representam diferentes épocas e
escolas literárias, e, conforme discutido no capítulo 2, elas são abordadas na sala de aula,
muitas vezes como a finalidade do ensino de literatura. Nesse contexto, a obra literária é
saiba relacionar, por exemplo, as características mais relevantes de alguma escola literária
carta proposta do novo ENEM, é que seja evitado qualquer tipo de memorização como
finalidade da questão. Dessa forma, as concepções artísticas devem ser contempladas, não
para levar o candidato a retomar as características de alguma escola literária, e sim para
através do texto literário que sejam atualizáveis e permanentes. Ela assemelha-se ao que é
veremos adiante. Essa "associação" de habilidades nos fez observar uma tendência,
sobretudo na prova de 2011, a presença de questões com uma forte valorização da cultura
nacional através das questões. Apresentamos esse fato de forma mais detida no capítulo de
O símbolo é uma significação genérica da palavra signo, que por sua vez define-se,
Não queremos com isso afirmar que a manifestação literária é superior em relação
aos outros tipos, mas que se faz importante para o entendimento do que será solicitado no
exame, esclarecer, por exemplo, se a literatura é um gênero por excelência, como discutido
essa distinção pode amenizar alguns problemas de indefinição conceitual que acabam por
ensino médio.
presentes no Guia Explicativo para esta habilidade, vemos que identificar um poema e seus
opinião, por exemplo, todos estão equiparados em um mesmo nível de linguagem. Esse
conferindo à literatura sua especificidade, o que para nós deve ser apresentado ao
aluno/candidato não como um sinal de supremacia, mas como parte de um todo, marcado
pela linguagem e que tem um modo diferente de conceber a língua. Concordamos com Eco
59
(2003) ao dizer que a literatura, diferentemente dos outros tipos de textos ou gêneros, não
se produz para fins práticos, mas "gratia sui", por vontade e por amor em si mesma. Talvez
essa peculiaridade ainda não seja bem assimilada e ainda equiparada aos outros tipos de
gêneros, que se "prestam a" por reflexo de um ensino voltado para a práxis, conforme
problematizamos no capítulo 2.
conhecimentos acerca das funções da linguagem que são predominantes nos textos. Nos
apresentadas por Jakobson (2007) em sua obra Linguística e Comunicação. Dessa forma, a
literatura seria apenas instrumento de identificação das funções da linguagem com vistas a
enfatizar a mensagem. Ainda que com essa ressalva, observamos que na prova tal
predominantemente classificatória.
nacional. Essa habilidade é importante para a nossa pesquisa, pois ao observar os aspectos
literatura, dentro do período de provas analisado (2009 a 2012). Esse novo estilo
poemas e romances.
considerado positivo em meio a uma cultura globalizada e pós moderna como a nossa.
observamos que os textos de tradição oral são considerados apenas como "histórias" e sua
60
a memória cultural de um povo. Vejamos o que dizem as OCEM acerca de que seria ou não
Médio, bem como em seu próprio conteúdo, seja por valores estéticos, seja por questões
que problematizam a cultura nacional. Em nossa pesquisa, apenas a prova do ano de 2009,
faz referência a uma canção de tradição popular indígena (Cuitelinho) e, no ano de 2011,
sabemos que suas manifestações vão além do texto literário, ocorrendo também nas artes
defendendo que esta ela abrange não só a arte representada por imagens concretas, mas
Pensemos, inicialmente, na afirmação feita por Chklovski (1976, p.39): "A arte é
pensar por imagens". A partir dessa informação, podemos inferir diversas formas de
manifestações artísticas que nos levam a pensar através das imagens, inclusive a literatura.
Jakobson (1983), ao discorrer acerca dos aspectos dominantes de uma produção, reflete
mutuamente:
manifestações artísticas, inclusive essa relação é aparente em livros didáticos, mas pouco
explorada no contexto da sala de aula. Essa competência, portanto, vem suscitar a análise e
recepção (habilidade 12). Essa habilidade é talvez a mais classificatória, por apresentar
62
Acreditamos que se não houver uma boa apresentação dessas tendências artísticas na sala
de aula, a identificação desses elementos na prova será um pouco mais difícil, considerando
que não temos o hábito, sobretudo a faixa etária da maioria dos candidatos que se
diferentes formas de expressão artística e a influência que uma exerce sobre a outra. A
artísticas de uma época ou entre épocas verificando os procedimentos utilizados, fato que
também ao nosso ver, deve ser detidamente trabalhado em sala de aula, pois é de difícil
apreensão pelos candidatos. Além do mais, as obras representadas na prova são ilustradas
com imagem em preto e branco, fato que dificulta ainda mais a percepção dos elementos
estéticos.
14
Quando se sai dos grandes centros, a possibilidade de visitar museus é bastante restrita.
15
A questão foi digitalizada pela pesquisadora no dia 07 de janeiro de 2013, porque a versão para
download, até essa data, não foi disponibilizada pelo INEP.
63
Acreditamos que a questão pretende contemplar a habilidade número 14, uma vez que tanto
oferecer." (CORTEZ, 2005, p. 310). Torna-se, pois, interessante a combinação dessas duas
contemplar o segundo objetivo dessa pesquisa: Analisar, no corpus das provas de 2009 a
A fim de que possamos conhecer como o ENEM configura sua prova dentro de um
contexto tão plural como apresentado no capítulo acima, pretendemos refletir acerca das
questões que envolvem a literatura em sua formulação. Optamos por separar o viés
em que líamos as questões e descobríamos elos temáticos que poderiam associá-las. Para
cada categoria discutida, propomos uma leitura mais crítica acerca da temática, abordando
alguns aspectos mais teóricos. É importante salientar que, ao realizarmos essa leitura crítica
sobre os textos literários abordados, não estamos propondo que a mesma adentre o
universo do exame; ela tem o propósito de nos ajudar a refletir sobre alguns procedimentos
de construção das questões e que merecem uma apreciação de cunho mais teórico, para
Outra opção tomada para essa divisão em categorias de análise foi a escolha do
gênero poesia como objeto de análise das questões. Encontramos na prova, uma
na maioria das vezes, configuram-se na via mais eficaz para expormos as propostas de
cada questão, por considerarmos ser mais coerente a escolha de uma linha de abordagem
LITERÁRIO
sugere, como já discutimos no capítulo 3, que através das três habilidades, o candidato seja
Para que o candidato seja proficiente na resolução das questões, partindo do que se
lê acima, fica claro que ele deverá ter uma noção de todos os procedimentos estéticos para
construção do texto literário, das concepções artísticas as quais esses textos estarão
Chklovski (1976) diz que em relação ao trabalho com as escolas poéticas, faz-se
necessário ir além da observação das imagens construídas para os poemas, pensando nos
“novos procedimentos para dispor e elaborar o material verbal, e este consiste antes na
disposição das imagens que na sua criação” (CHKLOVSKI, 1976, p. 41). Partindo do
pressuposto de que as imagens poéticas são praticamente as mesmas com o passar dos
singular. As questões de literatura, não devem ter a finalidade de fazer com que o candidato
aplique os conceitos estudados em cada escola literária a qualquer texto literário, só porque
67
a questão sinalizou este ou aquele autor como parte dessa escola, entretanto, propiciar
sensibilizem na identificação das sutilezas do texto literário. Ressalte-se, nesse âmbito que
já é bastante discutido nos cursos de Letras, o fato de um autor ser considerado de uma
escola literária não é garantia de que todos os seus textos foram produzidos seguindo todas
estético, pois, ele não deve ser simplificado para o leitor, mas singularizado. Diz Chklovski
significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e
não o seu reconhecimento.” (CHKLOVSKI, op. cit., p.50). O texto literário, portanto, causa
estranhamento no leitor e é esse estranhamento, essa inquietação ante o texto literário que
o leitor. Jakobson (1983) complementa essa percepção de função estética, dizendo que ela
nem é imutável nem uniforme, “cada cânone poético concreto, cada série temporal de
normas poéticas – por sua vez – compreende elementos específicos e indispensáveis sem
os quais o trabalho não pode ser identificado como poético”. (JAKOBSON, op. cit., p. 488).
candidatos, uma vez que suas três habilidades tentam aliar concepções distintas da teoria
mais social, mais "engajada", da literatura (habilidade17). Cabe ao candidato saber aplicar
Nesse sentido, é posto para os alunos, uma série de concepções do texto literário,
as quais, na maioria das vezes, eles não têm acesso no ensino médio. Chiappini (2005)
que dificultam tanto a elaboração das questões, como a preparação do que pode ser
exame em análise, que propõem abordar essa singularização advinda pela construção de
literária.
O corpus escolhido para essa categoria de análise, são as questões 135 (ENEM
que Carlos Drummond de Andrade passa a refletir sobre o significado das coisas e do
mundo, em uma linha argumentativa que procura o sentido, a explicação. Nas palavras de
exigido pelo novo tempo, ‘tempo de partido, tempo de homens partidos’” (VILLAÇA, 2006, p.
59).
No poema em estudo, podemos destacar um eu-lírico que pensa como se tudo o que
estivesse acontecendo com ele no presente fosse herança de um passado que se foi,
deixando marcas. O ferro que compõe sua cidade natal não só marca as calçadas, mas as
almas, forte imagem percebida através dos números: “Noventa por cento de ferro nas
calçadas. / Oitenta por cento de ferro nas almas”. A insensibilidade que chega aos corações
itabiranos a partir da dureza advinda dos ferros chega às almas. O alheamento apresentado
pelo eu-lírico marca essa falta de compromisso com o outro, bem como consigo mesmo,
70
horizontes, retomar inclusive ao hábito de sofrer, como “doce herança”, imagem paradoxal
que nos remete ao sofrimento, palavra associada à dor, à angústia, como um sentimento
doce, bom. O adjetivo “doce” anteposto ao substantivo “herança”, conota uma carga de
ironia ao verso.
evidenciam isto. O terceiro verso desta primeira estrofe parece justificar a condição atual,
A relação passado versus presente retorna na última estrofe (primeiro verso), dessa
vez, com o verbo ter no tempo pretérito: “Tive ouro, tive gado, tive fazendas.”, e o advérbio
“hoje”, representando a volta ao presente, no segundo verso da última estrofe: “Hoje sou
funcionário público”. Esses versos nos apresentam um sujeito que possuía, que detinha
poder,- a repetição do verbo transitivo nos demonstra isso - e, logo em seguida, o tempo
presente com o verbo de ligação ser não reforça mais ideia de posse, mas de estado atual.
estatal, que obedece horários, ordens. O eu-lírico demonstra sentir uma melancolia, mas de
forma serena, que nasce da compreensão do que outrora foi por ele vivenciado, que se
um poema, seja ele um tema, uma estrutura sintática, fonológica, algo em que todos os
elementos confluem. Diz Jakobson: "Pode-se definir como o dominante como sendo o
p. 485)
poema. É a através dela que o eu-lírico expressa seu estado atual, é a ela que os verbos
como a pedra de ferro, que já foi aludida na primeira estrofe, como símbolo de força de
cunho, mais visual, herança também rural; o orgulho, a cabeça baixa, sinal de aparente
estrutural, no que diz respeito ao paradigma sintagma nominal versus sintagma verbal. O
sujeito oracional aparece oculto nas duas primeiras estrofes, artifício provavelmente utilizado
Itabira.". Nas entrelinhas, esse ocultamento vai se desfazendo, o eu-lírico revela-se aos
poucos, sutilmente. Essa ordenação estrutural traz consigo uma fluidez da leitura, pela
enunciado, mas não são contemplados nas assertivas, fato que mais dificulta do que ajuda a
sabendo que só uma alternativa apresentará a opção correta, as outras alternativas não
devem ser óbvias demais na sua exclusão, o que acreditamos ocorrer nessa questão. Essa
obviedade nos distratores, nos dá a sensação de que uma leitura atenta do candidato, que
questão sem necessitar de conhecimentos literários mais profundos, só aqueles que evitem
os deslizes comuns diante do estresse que o próprio exame, por si só, já provoca.
pouco sobre a historiografia da literatura e conhece o mínimo de Drummond saberá que sua
poesia inicia-se no início da década de 1930, e ainda assim, o poema abordado não
apresenta expressões e usos linguísticos típicos da oralidade nem ostenta marcas típicas
A alternativa "B" por sua vez, diz que é característica do gênero lírico a apresentação
apresentar dados e fatos históricos, não se pode afirmar que esses aspectos são condição
A alternativa "D" afirma que há uma crítica, através de um discurso irônico "a posição
leitura da quarta estrofe, a qual apresenta a descrição das prendas de Itabira, observa-se
que não há utilização desse recurso nessa estrofe. Dessa forma, por não haver ironia, a
alternativa já seria considerada incorreta. Outra causa que anula essa alternativa é que
inutilidade do poeta e da poesia também não integram o sentido do poema. Por fim, distrator
"E" também é a opção incorreta, por apresentar uma visão romântica. Se o candidato
observar que essa visão romântica configura-se de forma diferente das características do
verdade, ele chegará a essa conclusão se for muito longe em seu raciocínio, porque basta
73
ele atentar para os recursos retóricos pomposos que são ausentes no poema em questão, e
Resta então à alternativa C que discorre acerca da tensão histórica do eu, de fato
presente no poema, marca constitutiva para sua formação como indivíduo, permite que os
acontecimentos de sua comunidade, de sua cidade natal contribuam para que essa tensão
aconteça. Essa relação eu versus mundo é característica drummondiana, ora mais, ora
contribuem aqui para a consolidação dessa alternativa como o gabarito, a opção correta. No
texto literário como forma, recorrências sintáticas, rítmicas, como o enunciado parecia
destacar, foi solicitado para a resolução da questão; pelo contrário, o leitor atento observará
que o enunciado já prenuncia a opção correta, quando diz que "Sua poesia é feita de uma
relação tensa entre o universal e o particular", afirmação muito parecida com "tensão
fica muito mais evidente a habilidade interpretativa do candidato para se chegar a opção
do poema.
A próxima questão que apresentamos, (117 do ENEM de 2010) tem como objeto de
O poema "Soneto" apresenta um eu-lírico angustiado por um amor, que não é mais
experiência corporal: “rosto”, “lábios”, “coração”, “corpo”, “olhos”. Tais elementos corpóreos
são trazidos pelo eu-lírico para evidenciar o estado de quase morte pelo qual está
passando, logo após o “adeus” que recebeu de sua amada. A adjetivação que complementa
ser tomado de um amor incondicional, a ausência da mulher amada, logo, do seu amor, o
75
leva à morte. A esperança de concretização, de retomada dessa união, ainda que por
piedade "Volve ao amante os olhos por piedade" está presente no último terceto do poema.
palor me cobre o rosto”, bem como “Nos lábios meus o alento desfalece,”. Inversões que,
logo de início, marcam uma complexidade sintática que pode sugerir talvez uma
ponto de vista gramatical, observa-se, além das inversões sintáticas, uma pontuação
abundante, de forma dar o tom de exagero expresso pelo eu-lírico; a forma e o som
apresentam uma sintonia com o seu estado de espírito. Os elementos estruturais dominam
relação de passado versus presente de forma tão forte. Em Soneto, o estado de sofrimento
do eu-lírico no tempo presente é bem mais latente, a morte que chega, o sono que tenta ser
retido. É um estado de sofrimento, um lamento vivido no calor das emoções, que pode ser
captado de forma mais imediata pelo leitor. A presença da noite, do sono, da morte
no momento de angústia, mais como súplica do que como ordem. Esses verbos expressam
o desejo de volta ao passado, aquilo que agora já não existe: a presença da amada que por
algum motivo, não expresso no poema, não está mais com o eu-lírico. Nos estudos de Alves
(1998) acerca da obra de Álvares de Azevedo, ao discorrer sobre esta questão, afirma que o
passado confere aos poemas azevedianos uma sensação de perda, talvez por esse motivo
tornando-se nostálgico. A personalidade lírica assumida pelos poemas ora é vista de forma
idealista ora voltada para autonegação. No poema em estudo, observamos que a perda leva
76
afirma-se apenas que ele é típico da segunda geração romântica. Logo em seguida, através
lirismo que "o projeta para além desse momento específico". Pede-se o complemento do
Bosi (2006), o tema da perda e da morte, aliados ao lirismo, constitui marca da segunda
geração romântica a qual o poema está inserido. Dessa forma, questionamos em que
aspecto o soneto apresentado projeta-se para “além do lirismo específico” típico da geração
romântica, como colocado. Nas palavras de Bosi (2006, p. 112): “A evasão segue, nesse
jovem hipersensível, a rota de Eros, mas o horizonte último é sempre a morte [...] como
Refletindo acerca desses aspectos, analisamos que o gabarito da questão traz como
resposta a alternativa “B”, onde lemos que o fundamento desse lirismo é "a melancolia que
apresentado, em momento nenhum, pelo menos na reflexão até aqui realizada, é algo que
se difere do proposto na segunda geração romântica. I. Silva (2009) analisando este poema
diz: "Por conta de sua submissão frente à força dessa paixão, estabelece-se um dilema a
ser resolvido: como solução há apenas a escolha entre a atenção da pessoa amada e a
morte. Fatal, exterminador, este é o amor à guisa da geração do mal-do-século." (I. SILVA,
2009, p. 47).
romântica e quase todas, com exceção das alternativas “D” e “E” estão, em maior ou menor
proporção, evidenciadas no poema. Os distratores "A" e "C" apresentam forte ligação com o
pelo eu-lírico, podemos afirmar que há um descontrole emocional por parte dele, levando-o
Consideramos que, mais uma vez, a questão inicia com o que acreditamos explorar
elementos que irão exigir do candidato uma leitura das especificidades literárias sem o
possivelmente, ao ler as palavras “segunda geração romântica” utilizará mais sua cognição,
Além disso, encontramos uma confusão no enunciado, que recorre ao que procura
Queremos pensar que os problemas "são decorrentes mesmo desse tipo de questão
de múltipla escolha, que não permite que o aluno-candidato exponha suas ideias, a sua
Ensino Médio; pois, entende-se essa prática como uma das funções social da literatura que
algum procedimento de construção do texto, por essa razão, optamos por manter as
texto.
Brasil desde sua era colonial, ainda que de forma escassa, do ponto de vista de autores
nacionais e da quantidade de obras. O ensino na era colonial ficava por conta dos jesuítas
escritores com o intuito criar histórias que pudessem catequizar. As outras manifestações
nas nações com o nascimento das academias enquanto instituição. A respeito das
época, que ditavam o modo de ser fazer literatura na contemporaneidade. Muitos dos
Kothe (1999) vem dizer que esses espaços acadêmicos também deixaram lacunas, pois
sucumbiram o surgimento de outros, por não serem parte, por não estarem no lugar certo e
na hora certa. Segundo ele, havia interesses políticos e ideológicos por trás do cânone, que
Outro fator bastante discutido está em considerar que a literatura no Brasil só surgiu
a partir da era colonialista. Ao concordarmos com isso negligenciamos a estada dos povos
indígenas antes do seu descobrimento, além de só considerarmos literatura aquilo que foi
Exigir que o texto seja escrito para ser literário, mais que desconhecer
tecnologias modernas de registro e transmissão pelas quais ele pode ser
fixado e recebido sem papel, serve para excluir do processo de
comunicação literária camadas e grupos sociais ágrafos: é como se apenas
os membros das camadas médias e altas pudessem legitimar-se pela
literatura. (KOTHE, 1999, p. 75).
narrativas de tradição oral, incluindo nelas a literatura de cordel e o repente apenas como
nacional.
O modo como as escolas e obras são apresentadas, acaba por tornar a aula de
literatura uma aula de história, pois, muitas vezes parte-se do contexto social e político que
o país estava vivendo, depois se fala da biografia do autor, para, por fim, apresentar uma
amostra da obra que se quer estudar, colocando em último plano o que deveria ser objeto
de estudo da aula.
Qual seria então a relevância do texto literário para o aluno no ensino médio?
Apenas para decorar as características da escola literária? O víeis histórico não precisa ser
ser o centro da atenção do professor e muito menos do aluno, pois dessa forma, será mais
difícil reconhecer no texto literário suas especificidades artísticas, seu modo de construção,
Vejamos como esse historicismo literário está presente nas questões do ENEM:
81
que as mantém à margem das experiências vividas "Ah! Toda a alma num cárcere anda
presa" (1º verso da 1ª estrofe), "Do calabouço olhando as imensidades" (3º verso da 1ª
estrofe). Através da personificação, a alma "soluça nas trevas", "sonha", vive entre grades,
de modo a exprimir sentimentos e realizar ações que normalmente só são possíveis para os
seres vivos, dicotomia interessante, posto que só há vida humana se houver alma, e a alma,
82
vista por um ângulo mais racional só vive se houver uma matéria, um corpo. A
personificação ajuda-nos a refletir sobre essa condição transcendental da alma como ser
aprisionado pelo corpo. Algumas respostas para esse aprisionamento só são apontadas à
Lembramos aqui do mito da caverna, descrito por Platão em, A República (1997), em
que Sócrates tenta explicar para o discípulo Glauco sobre aquilo que é visível e aquilo que é
inteligível. A intenção das almas em rasgar o etéreo o Espaço da Pureza, em Cruz e Sousa,
assemelha-se às almas curiosas, descritas por Platão que desejam sair do mundo das
mansão inteligível, não te enganarás quanto a minha idéia, visto que também tu desejas
relação entre essa ligação alma/corpo e seu possível rompimento é também mistério,
evidenciado na última estrofe. Tensão que é dilema sousariano, como afirma Bosi (2006):
"um poeta como Cruz e Sousa, que se vê dilacerado entre matéria e espírito, dará à palavra
O sonho parece ser a vontade da alma, a única forma de libertação do corpo, ainda
que momentânea, pois sonhando, ela rasga o etéreo Espaço da Pureza. Sousa e Soares
Filho (2012) dizem que "o sonhar místico da alma a permite rasgar as imortalidades. Na
humano, aqui seria a vontade na sua mais profunda querência de realização.". (SOUSA;
interpoladas no sistema ABBA, nos dois quartetos e emparelhadas nos dois tercetos CCD.
natureza." (4º verso da 1ª estrofe); e aliterações "Ó almas presas, mudas e fechadas" (1º
verso da 3ª estrofe) por exemplo, que confere à leitura um tom de serenidade, em meio a
correta, não apresenta nenhum problema quanto a sua veracidade. De fato, encontramos no
considerarmos a estrutura clássica do soneto, mesmo este não sendo marca própria da
estética simbolista.
contemplada, haja vista que a questão relaciona o conteúdo do poema a uma escola literária
problemático porque fere o discurso oficial que diz evitar submeter o candidato em situações
de memorização de informações.
84
voz feminina, quase escassa nas provas do ENEM e ainda mais pertencente a um contexto
social onde a produção feminina quase era pouco difundida e estimulada por ainda está
enraizada a cultura falocêntrica. Gilka Machado viveu 87 anos (1893-1980), sendo, portanto,
uma escritora que passou por um processo de transição no estilo de conceber a sua poesia.
Alguns críticos consideram-na da escola simbolista, outros, como Bosi (2006) apresenta
dois momentos para a autora, um como neoparnasiana outro como uma hesitante
um contexto que ainda oprimia, sobretudo, o gênero feminino, fato bastante interessante,
85
pois essa liberdade formal tornou imprecisa uma classificação mais historiográfica para a
produção da autora.
(1928) e segundo Soares (2000) é um livro pioneiro no Brasil ao tratar de temas eróticos
escritos por uma mulher e faz uma aproximação entre o exercício erótico e o prazer literário.
extensão. Portanto, para que nossa leitura do poema possa ter relação com o enunciado
visto que eles não terão contato, na prova e, muito provavelmente não tiveram com esse
da aliteração do fonema laterais /L/; uma temática que desenvolve um tema subjetivo, a
língua; o absolutismo dos termos, a palavra Amor vem grafada com letra maiúscula... mas
em que sentido a observância dessas características irá formar um leitor proficiente? Não
era exatamente o contrário apresentado pela proposta do ENEM? A relação com o contexto
dessas referências. Mais uma vez, ele deverá listar quais são as características do
polissemia de "língua", e inova o léxico. A polissemia da palavra "língua" está mais para a
16
O poema consta na íntegra no anexo C para fins de consulta.
86
expressão de uma condição da língua, logo da mulher mencionada pelo poema, do que para
uma construção de essência. Vemos a formação de um sentido para a palavra língua que
linguagem "pela carne de som que à ideia emprestas" (verso 4 da 2ª estrofe). As palavras
"essência" e "essencialismo" nos estudos culturais são bastante discutidas pois elas inferem
que há apenas uma forma de distinção sexual: o feminino e o masculino. Bonnici (2007)
apresenta uma desarticulação para essa ideia binária que além de segregatória, inclui todas
as mulheres neste estereótipo. A dicotomia homem/mulher talvez seja apresentada pelo eu-
lírico mais com a intenção de unir, de apresentar direitos iguais para a expressão de
encontraremos um poema que reflete sobre a própria linguagem. Dizemos o mesmo para os
Acreditamos que Lépida e Leve poderia contribuir de outras formas para a leitura do
que eles contribuem para essa aproximação da língua carne e língua expressão de
pensamento. Nesse sentido, o contexto de produção ligado à tendência literária vigente não
dessas tendências.
87
referência do ENEM, que se delineava uma nova forma de abordagem para o texto literário
que se diferenciava da tida como “tradicional” da literatura. Nesse novo contexto, aspectos
como forma estética e escola literária, por exemplo, dão espaço a utilização do texto
literário, nas suas mais variadas manifestações, para discutir questões de identidade e de
cultura nacional.
Essa proposta foi sugerida pela Matriz de Referência para o ENEM de 2009 e ainda
serve de documento norteador até as provas atuais. Observamos que a efetivação dessa
nova abordagem ocorreu de modo mais sistemático na prova de 2011. Dessa forma,
forma de expressão de uma cultura nacional (HALL, 2006), como o ENEM está trabalhando
sua área afim, de modo que as questões que vamos apresentar abaixo pertencem à área de
Tecnologias, fato interessante por propiciar ao texto literário esse transitar entre saberes.
identidade e cultura nacional. O texto da competência de área número quatro, por exemplo,
diz que a arte como saber cultural gera significações e integra a organização do mundo e da
forma pretextual, por exemplo, na prova de 2011 na área de Ciências da Natureza e suas
animais citados no poema e os seres humanos. Ainda com exemplos como esses
instrumento de expressão da cultura nacional e fonte de diálogo com outras culturas e com
outros saberes, sem, contudo, negligenciar aspectos que são a ela inerentes e exclusivos.
como fonte documental do estudo das micro histórias, como uma retomada cultural e
“sem voz”, pois, a partir do que é periférico, privado, toma-se conhecimento do que foi
nacional nesse contexto para que possamos realizar uma leitura mais fundamentada das
questões do Exame.
definição identitária. Os sujeitos que compuseram as sociedades até o final do século XIX
eram tidos como centrados, unificados, mas, posteriormente, foram alvo de grandes
transformações, com as duas grandes guerras mundiais e com o efeito da globalização eles
passam a ser multifacetados, variáveis, móveis. (HALL, 2006). Considerando que os sujeitos
Hall (op. cit), apresenta três concepções de identidade, desde o Iluminismo, até o
que ele considera como pós-moderno. O sujeito iluminista é tido como centrado, unificado.
mulher ainda não tinha vez nem voz na sociedade. A “essência”17 desse sujeito era
praticamente imutável, permanecendo durante toda sua vida. O sujeito sociológico, por sua
vez, começava a perceber que sua “essência” era constituída na e pela sociedade,
estudiosos apresentam a concepção interativa da identidade do eu. Essa concepção diz que
um “‘eu-real’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos
culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem.” (HALL, 2006, p. 11).
Por fim, temos o sujeito pós moderno, que não apresenta mais um “eu” estável, nem mesmo
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.
de identidade foi tornando-se cada vez mais subjetiva, “líquida”, nas palavras de Baumam
(2004). Com essa liquidez de valores identitários, a cultura também foi sendo transformada,
visto que ela é uma das principais fontes de identidade nacional. (HALL, 2006).
A valorização da cultura nacional em uma sociedade faz com que ela se “molde” e
com que muitos aspectos constitutivos de uma cultura nacional se perdessem, dando
17
Estamos entendendo “essência” como: A natureza própria de uma coisa; conjunto de suas
características constitutivas. Essência é o ser próprio ou verdadeiro das coisas, que produz, sustenta
e torna inteligível a forma aparente das mesmas. Propriedades opostas diferenciam entre si os dois
domínios. Enquanto a forma aparente está sujeita à individualização, à mudança e, portanto,
à ausência de necessidade, a essência aparece como algo superior à individualização, algo
permanente e necessário. Disponível em: <http://www.filoinfo.bem-
vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=665> acesso em: 18 de maio de 2012.
91
nosso país desde a era colonial – nas relações de poder, sempre perde o lado mais forte.
perpetuação das heranças culturais de um povo. É nesse ínterim que surgem os mitos, as
comunidades imaginadas e a tradição. Hall (2006) nos apresenta que a narrativa da cultura
dão sentido a nação. "[...] não importa quão diferentes seus membros possam ser em
termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade
cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional.".
literatura não representa nada mais do que o estado de espírito do ser humano, captando
essências, indo ao mais fundo da experiência humana, ela pode ser uma interessante opção
para perpetuar os modos e costumes de uma sociedade. Não queremos com isto dizer ou
utilizar a literatura como pretexto para estudar costumes e sociedades, pois acreditamos que
Este é uma objetivos deste trabalho, uma vez que existe um exame em que solicita
mesmo tempo, entenda sua estrutura e suas especificidades. Entendendo que o exame
far-se-á possível.
A literatura está em ligação direta com o homem e com a sociedade, pois ela tem o
poder de socializar e humanizar porque ela necessita de leitores, que, ao ler um texto
literário esse leitor o carregará consigo podendo modificar valores, sensibilizar – fazendo
com que a interação da obra com o leitor ressoe e se preserve com bem cultural.
carioca Noel Rosa, tomada como patrimônio literário cultural da sociedade brasileira. A
ENEM dispensa obras indicadas para a leitura, os elaboradores ficam livres para
escolherem autores e obras, fato que pode ser problemático para o aluno que realiza o
exame. Por sua pouca experiência leitora como discutimos, o desconhecimento do autor e
foram criticados há anos ou até mesmo séculos atrás possuem uma atualidade que é
preservada pela literatura. Como requerido pelo enunciado, a atualidade apresentada pelo
poema/canção é gabaritado pela alternativa “A”, onde lemos que essa atualização do texto
A, o candidato teria que saber como ocorre o processo de ironia, de forma subjetiva, pois a
alternativa não apresenta uma opção que evidencie em algum verso esse recurso por
exemplo. A atualidade da questão ocorrerá então se o candidato realizar uma ponte a partir
dos versos “Sem ter nenhuma herança ou parente” (3º verso da 1ª estrofe) e “O seu dinheiro
nasce de repente” (1º verso da 3ª estrofe) do mesmo modo com o que acontece com os
“novos ricos” ou “novos emergentes” que muitas vezes através de operações escusas
ter.
a obviedade apresentada. Vimos que o fato de ser a opção incorreta não deve ser motivo
para a obviedade, pois, dessa forma o candidato não refletirá sobre a alternativa correta,
que diversos fatores que poderiam contribuir para o seu enriquecimento. Ela requer a
mesma habilidade e competência. A literatura como patrimônio cultural foi utilizada para
ironia.
95
Textos de Noel Rosa e Gilka Machado foram objeto de duas questões para cada um, ambos
João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Aluízio de Azevedo e
Geraldo Vandré todos com uma questão na prova de Linguagens, Códigos e suas
onde lemos que “As canções de Noel Rosa [...] apesar de revelarem uma aguçada
18
Acerca da quantidade de gêneros literários e autores requeridos na prova sugerimos a leitura da
matéria A pedagogia do Garfield da Revista VEJA, 12 out. 2011. Ela apresenta um estudo
quantitativo realizado pelo professor Luís Augusto Fischer da UFRGS sobre os gêneros que são
solicitados nas provas do ENEM.
96
início dos anos 1920 ainda são modernas.”. Fazer tal afirmação pode apresentar uma
generalização que não se aplica a toda obra do compositor. De acordo com Luiz Tatit, “Noel
nunca se preocupou com temas perenes ou que tivessem, porventura, interesse para a
comunidade. Sua visão de mundo e seus conteúdos retratados eram sempre de cunho
revelar preocupação com a política e a cultura brasileira nos anos 1920, pelo menos não era
apenas um autor que estudou e produziu sobre vários nomes da música popular brasileira,
no entanto, acreditamos que suas afirmações sobre a produção de Noel Rosa apresentam
canções de Rosa, levando o candidato a realizar uma leitura que posteriormente, pode ser
posta em xeque.
incorporação de valores estrangeiros como se pede. O verso “Não entende que o samba
não tem tradução no idioma francês”, e o próprio título “Não tem tradução” já elimina essa
preservar a língua portuguesa, mas o que exclui é a palavra “padrão”, pois observamos
chuchu”.
canta a música é que o samba deve ser valorizado como patrimônio cultural brasileiro
97
alternativa C está correta, pois todo o fragmento apresenta essa reflexão: “Tudo aquilo que
nossa fala nos pertence, e tal afirmação é fruto da reflexão da própria fala, da
“Essa gente hoje em dia que tem mania de exibição / Não entende que o samba não tem
apresenta uma tentativa de mudança do padrão estabelecido. O período “Essa gente que
hoje em dia tem mania de exibição” pode referendar o que está posto e podemos interpretar
com uma tentativa de mudança dos valores sociais vigentes da época que prestigiavam o
Por fim, a alternativa “E” que poderia estar correta se considerássemos que o
através do verbo “desiste” reforçado pelo advérbio “logo”, que ela já fazia uso de expressões
estrangeiras, dessa forma a alternativa estaria correta tendo em vista que a fala da
poeta acarreta uma discussão acerca do lugar que a canção ocupa dentro da literatura, será
Costa (2002) apresenta uma discussão sobre esse limiar da canção enquanto
problema como Antonio Cícero, Luiz Tatit, Thiago de Melo, Arnaldo Antunes, entre outros,
Costa (op. cit) destaca que, em muitos casos, a letra da canção é separada de sua melodia,
lida e tratada como poesia podendo ocasionar desvios, pois o texto cantado preenche
98
vazios que uma leitura não alcança, uma vez que se faz uso de recursos melódicos próprios
Concordamos com Costa (id. ibid.) que canção e poesia se cruzam em alguns
aspectos de sua materialidade e de sua produção. Nossa inquietação reside no fato de que
texto, e acaba por considerar a canção e a poesia a mesma coisa, analisando ambas sem
considerar as especificidades de cada uma. Finalizamos com uma fala de Costa (2002, p.
Dessa forma, a canção não pode ser tomada exclusiva e indiscriminadamente como
poesia, nem o cancionista como poeta. Há especificidades nos textos que, se confundidas
podem ocasionar equívocos na leitura, sobretudo em uma leitura aos moldes de um teste
seletivo como o ENEM que não proporciona um momento de leitura mais detida do texto.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
novas descobertas, de novos paradigmas. Estamos há quase três anos pensando sobre um
objeto que está em constantes modificações, políticas e curriculares e refletir sobre essas
questões foram para nós um desafio, devido a brevidade com que essas modificações
Competências e Habilidades. Acreditamos que essa reflexão precisa ser fomentada por
materialidade da prova. A falta de material sobre esse assunto nos levou a fazer afirmações
fruto desta nossa própria investigação, e, por vezes, sem tanto embasamento teórico. Nossa
literários ainda é desafio para o Ensino Médio, pois, ainda que com suas lacunas, o ENEM
exige competências leitoras na prova, que o aluno/candidato, sem a devida formação não
acima, seja em sala de aula. Como vimos, o Exame influencia o modo de abordagem dos
conteúdos na sala de aula, uma vez que é um processo avaliativo em que escolas,
performatividade está cada vez mais se consolidando nas escolas. É necessário portanto,
percebemos como a conjuntura do Exame é forte como política de ensino, mas entendemos
solicitado nas questões. As singularidades presentes nos poemas analisados não foram
estão a elas ligadas. A conciliação tanto da Matriz de Referência com as questões, quanto
com o conteúdo abordado nas questões e suas alternativas que, como vimos, ainda estão
bastante problemáticas. Há, em alguns momentos, uma relativa diferença entre o que se
afirma no enunciado e o que efetivamente cobra-se nas questões como a opção correta.
possível realizar uma leitura interpretativa que abordou diversos elementos que
proporcionariam uma leitura crítica dos textos, sem a necessidade de se ter em mente qual
foi a escola literária que o autor estava inserido. O dado historicista ainda é forte nas provas,
apresenta aspectos positivos para o ensino de literatura, trazendo para o candidato que
às outras categorias é necessário que haja uma relação mais direta entre o que se pretende
"identidade" nos enunciados das questões não se estabeleceram como garantia de que
sobretudo em sua última fase. Como essa mudança vem ocorrendo a partir das decisões do
selecionar, mas não houve um preparo efetivo para adaptação a esse contexto de
transformações. Isto posto, faz-se necessário voltarmos nossos olhares para a constituição
da prova, observar o que está sendo entendido com indissociação dos saberes, e qual é o
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