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SABER

ENFERMAGEM
sua dimensão
rática
1cli ão

=~-:-::- - -
l D LMA MACHADO F. MENEZES

1, ,, iet Cecília Punfel de Almeida


}11, ,, 1 l uardo Yazlle Rocha
O SABER.
DE ENFERMAGEM
"Ao desenvolvimento e aprofunda-
mento das características do trabalho da En-
fermagem vem-se agregar a introdução dos
interesses e da lógica do Capital na pres-
tação de serviços de saúde, subordinando a
estrutura e organização daqueles ao interes-
e sua dimensão prática
se do lucro. Estão dadas, desta forma, as
condições para a agudização de conflitos e
problemas ao interior da Enfermagem, vindo
a configurar a crise que irá atingir principal-
mente a Enfermeira profissional.
De um lado o aprofundamento e de-
senvolvimento da Enfermagem levou a En-
fermeira a passar por um processo de inte-
lectualização, deixando em segundo plano a
sua militância no cuidado direto ao paciente
(... ) De outro lado o desenvolvimento dos
serviços de saúde fez-se principalmente às
custas da absorção de pessoal auxiliar, en-
volvido diretamente no cuidado ao paciente,
mão-de-obra de custo mais barato. Os servi-
ços de saúde, estruturados em níveis primá-
rio, secundário e terciário de acordo ao seu
grau de complexidade, absorvem recursos
humanos de qu~lificação diferenciada,
porém o mercado dominante numericamente
é o primário (tradicionalmente carente de re-
cursos, setor não lucrativo) absorvendo
atendentes e auxiliares de enfermagem prin-
cipalmente. Os níveis secundário e terciário
têm sido os privilegiados na política de saú-
de, absorvendo a maior parte dos recursos e
da tecnologia médica. Estão voltados à acu-
mulação de capital, conseqüentemente com
interesse na diminuição dos custos. Otraba-
lho da Enfermeira elevaria a lucratividade
destes serviços? Ao que parece a resposta
do mercado tem sido não, pois tem-se opta-
do pela absorção de técnicos e auxiliares de
enfermagem com pequena absorção de en-
fermeiras. Este distanciamento do mercado
associado ao distanciamento da prática do
cuidado direto voltou-se contra aprópria En-
fermeira.
Maria Cecília Puntel de Almeida
Juan Stuardo Yazlle Rocha

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Uvro, SP, Brasil)

Almeida, Maria Cecília Puntel de.


A449s O saber de enfermagem e sua dimensão prática / Maria
Cecília Puntel de Almeida, Juan S. Yazlle Rocha. - São Paulo :
Cortez, 1989. O SABER
Bibliografia.
ISBN 85-249-0064-4

1. Enfermagem 2. Enfermagem - Estudo e ensino 1. Ro-


DE ENFERMAGEM
cha, Juan S. Yazlle. II. Título.
e sua dimensão prática
CDD-610.73
86-0937 -610.7307

1ndices para catálogo sistemático:


1. Enfermagem : Ciências médicas 610.73
2! edição
2. Enfermagem : Estudo e ensino 610.7307

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t,11111 e·,., flui l'un tel de Almeida

'""" . ' az/le Rocha

c'apa: João Carlos Cor rêa


Produção editorial: Cecília Corrêa e José Garcia Filho
Revisão: José Maurício Bichara e Neide Rigo
Supervisão editorial: Antonio de Paulo Silva

No dia-a-dta do ambiente familtar


aprendi a pensar e a praticar o social.
Aos meus pais e irmãos, obrigada por
esta visão de mundo.

A Solange e Mandouh que me recebe-


ram como filha, ajudando a diminuir
a saudade dos meus.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada
sem autorização expressa da autora e do editor.
A Jayme, meu companheiro, que sem-
Copyright © by autores
pre me deu a força dos fortes.
Direitos para esta edição
Aos nossos filhos Márcia, Isadora,
CORTEZ EDITORA Matheus e Marcos, que ainda não
Rua Bartira, 387 - Tel. : (011) 864-0111 compreenderam as razões das minhas
05009 - São Paulo - SP ausências.
Impresso no Brasil - 1989
SUMÁRIO

PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Ili
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Vll
li~
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
~li I
CAPÍTULO
1111
PRIMEIRAS EXPRESSOES 00 SABER
DE ENFERMAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1. As técnicas de enfermagem - Constituição . . . . . . . . 29
2. A dimensão histórica das técnicas de enfermagem . . 35
3. Os princípios científicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
II
APÍTULO
A DIVISÃO DO TRABALHO DE ENFERMAGEM . . . . . . 69
1. Trabalho manual e intelectual na enfermagem . . . . . . 77
2. A escola e o saber de enfermagem . . . . . . . . . . . . . . . . 81
III
'APÍTULO
SABER ATUAL DE ENFERMAGEM ... . .... ... ..... 87
l. As teorias de enfermagem - Constituição . . . . . . . . . . 88
'. As teorias de enfermagem e sua dimensão prática . . 110
C NSIDERAÇôES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
BI LIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
PREFÁCIO

Participei com a autora do processo de elaboração da


sua tese de doutoramento desde antes do início da mesma,
na assessoria de uma investigação preliminar patrocinada
pela OPAS. Foi a oportunidade de conhecer mais de perto a
Cecília Puntel de Almeida e nos iniciarmos no estudo da prá-
tica da Enfermagem. Muito nos beneficiamos, todos, com
observações e indicações de Juan Cesar García, então Coorde-
nador dos projetos de investigação em Enfermagem promo-
vidos pela OPAS. Desde então, ao longo de 5 anos, partici-
pamos da elaboração do trabalho, na qualidade de orientado-
res, onde nossa função muitas vezes limitou-se a direcionar o
estudo, sugerindo e/ou indicando aspectos a estudar e elabo-
rar mas, sobretudo, ajudando Cecília a estruturar seu tra-
balho baseado fundamentalmente na vivência prática da
autora, enquanto profissional da Enfermagem, ativa militante
que viveu intensamente os problemas e conflitos da sua pro-
fissão, e dos conhecimentos teóricos que soube adquirir nos
cursos que freqüentou e no convívio decisivo com numeroso
grupo de docentes e colegas aos quais devota seus agradeci-
dt mentos. A feliz relação teoria-prática estabelecida na tese é
1I,
produto da mesma síntese operada a nível pessoal no desen-
111
volvimento profissional da autora, sendo o trabf;\lho apre-
Ili
111
sentado ilustrativo do grau de maturidade alcançado pela
mesma. A sua preocupação ( autêntica e coerente) com o que
identificava como indefinições, conflitos e questionamentos
da sua profissão levou-a a procurar o significado da sua prá-
tica transformando as suas atividades em verdadeira práxis.
Com o seu trabalho vem colocar irreversivelmente o debate

L
acerca da Enfermagem dentro de uma perspectiva de aná-
lise do seu signiflcado teórico-prático, e portanto social e damentais. A primeira tem como objetivo a expiação dos
histórico. pecados e a salvação da alma do paciente e do seu assistente.
Propôs-se a autora ao estudo da Prática e do Saber da A segunda dirige-se ao corpo, força de trabalho que é preciso
Enfermagem, porém descarta desde o início as linhas de recuperar devolvendo-lhe a saúde e/ou preservando-a. A Me-
11111
investigação relativas aos aspectos internos da enfermagem, dicina do capital comanda esta tarefa e para melhor desem-
11,, penhá-la utiliza-se do Hospital, transformado agora no prin-
os enfoques idealistas e normativos para privilegiar a pers-
1111
pectiva da Enfermagem enquanto prática social, suas relações cipal instrumento de recuperação da saúde. Nele dest_aca-_:ie
com outras instâncias da estrutura social visando apreender a importância do trabalho da Enfermagem para a reahzaçao
a sua definição e significado. Com este objetivo adota como dos objetivos de Medicina do Capital. Porém trata-se agora
modelo de análise o trabalho e seus elementos componentes de uma nova Enfermagem, que nasce após um "período de
( agente, objeto, atividade, instrumentos, finalidade) para dar obscuridade e de indescritível degradação", centrada interna-
destaque às relações internas e externas à prática e principal- mente na rígida divisão hierárquica, rigorosa disciplina e
mente ao Saber de Enfermagem enquanto instrumento da severo controle moral dos seus agentes. Nasce integrada ao
mesma. Dessa forma analisa os diversos modelos da prática modelo médico da burguesia propiciando sua existência e
da Enfermagem historicamente desenvolvidos e a constitui- desenvolvimento na medida em que assume a organização e
ção do seu objeto e objetivos dando a significação social dos administração do ambiente de trabalho e os cuida:i.os diretos
mesmos. É preciso destacar que este modelo da análise ajus- ao paciente ( reinterpretados e ampliados à l~z. do novo _Saber
ta-se ao problema em estudo a partir do momento em que a na Saúde). A nova profissão absorve as atividades milenar-
Enfermagem deixa de ser uma atividade doméstica ou reli- mente desenvolvidas e as estrutura e reorganiza em um novo
giosa e se constitui em trabalho, permitindo portanto, a sus- modelo assistencial no qual é ramJ dependente e subordinado
tentação e reprodução dos seus agentes. do saber oficial da saúde. Internamente reproduz a divisão
social das classes através da divisão técnica do trabalho
Este fato distingue a Enfermagem em abstrato, conjunto ( matrom-sister-enfermeiras e serviçais) que separa as ativi-
de atividades específicas voltadas 3. um determinado fim, cuja dades gerenciais l ladies e nurses > daquelas dirigidas . ao
existência contínua é geralmente visualizada desde a origem cuidado direto ( sisters e nurses, etc.), marca que caracteriza-
dos tempos até agora, da prática concreta da Enfermagem rá a enfermagem no seu desenvolvimento futuro: a instituição
em diferentes épocas com diferentes inserções nas atividades de relações de dominação/subordinação entre seus agentes.
da saúde e, portanto, com diferentes significações sociais. É A estruturação do trabalho não deverá acarretar p~rdas na
preciso distinguir os cuidados ao doente, membro da família mística profissional posto que, ao igual que a med1cma,_con-
ou estranho, pobre e indigente, prestados com atenção filial funde a natureza humana· do objeto portador da necessidade
ou caridade cristã, inserida no modo de vida dominante no de saúde com o "humanismo" do seu próprio trabal~o ( o
mundo ocidental desde a Idade Antiga até a Revolução In- uidado) a teoria do objeto gerando a teoria da necessidade
dustrial, atividades estas independentes do médico e suas portanto reivindicando o status de ciência e ar_te ~~ me~mo
prescrições, cuidado em paralelo que garantia o mínimo de t mpo ( Cf. Gonçalves, R.B.M. - "Medicina e H1sto:i~-Raizes
assistência ao desvalido, da assistência de Enfermagem, cuida- ociais do Trabalho Médico" - Faculdade de ~edicma-US~
do instituído ao interior de uma prática de saúde desenvol- - Tese de Mestrado, 1979). Embutida na teoria da necessi-
vida pelo corpo médico e dependente do seu saber e das suas dade carrega-se a nova. _normatividade social sobre o_s co~pos,
concepções tanto quanto das suas prescrições. Aquela prática derivada da nova ordem social. Dai se origina o carater ideo-
autônoma em relação à medicina instituiu-se em ramo depen-
dente da mesma, preservando a divisão social (sexual) do logico e classista da normatividade inserida no "saber" da
trabalho na saúde na sociedade burguesa. :•mude, às vezes apresentado como questão técnica ~ ~mtras
<'Omo relativo à "arte". Enquanto que para os medicos o
Semelhantes em seus aspectos exteriores, estas duas prá- eles nvolvimento do modelo de saúde burguês represento~ a
ticas são totalmente diferentes em suas características fun-
luta pela preservaçiio do lugar privilegiado ocupado anterior-
10 11
m nte pela medicina na sociedade, para a Enfermagem re- A ampliação e diversificação das atividades de enferma-
presenta a oportunidade de vir a ocupar um novo espaço, gem requer novos modelos de organização e racionalização
socialmente valorizado e legitimado, que a redimisse da grave do mesmo. Cristaliza a separação em atividades de supervi-
decadência e degradação em que se encontrava anteriormente. são e gerenciamento do cuidado, a cargo da Enfermeira e a
A integração no modelo médico burguês propiciou-lhe mais prestação dos cuidados propriamente ditos a cargo da equi-
facilmente este resultado. Como destacado pela autora, a pe de enfermagem subordinada à Enfermeira. Propostas de
ênfase nesta fase, nas atividades da Enfermagem, não está trabalho como aquela em equipe, envolvendo a participação
no desenvolvimento do seu saber senão em tornar possível a nas decisões, não podem dar certo em um setor onde a auto-
implementação do modelo médico de assistência através de ridade da líder baseia-se no domínio de um saber que não
ações de auxílio e apoio. pode ser democratizado. A subdivisão técnica do trabalho da
As últimas décadas do século passado e as primeiras do enfermagem, conseqüência da sua diferenciação tecnológica,
presente são de grande desenvolvimento da assistência mé- conduz à absorção de pessoal com diversos níveis de capaci-
dico-hospitalar e conseqüentemente da Enfermagem também. tação, compondo o amplo espectro dos profissionais da en-
A prática da Enfermagem constituída de procedimentos mui- fermagem, abrangendo desde aqueles treinados em serviço,
to simples e delegação de certas atribuições vai-se ampliando os técnicos de nível médio, até o pessoal de nível superior e
e tornando complexa com a incorporação de novos conheci- especializado. Outra mudança importante é representada pela
mentos e técnicas. A característica principal, porém, será a institucionalização do ensino formal dos auxiliares de enfer-
reorganização da mesma, adaptando-se aos novos tempos e magem, no início da década <;le 50, que assim uma vez egressos
mantendo as suas caracteristicas básicas, atendendo à neces- da Escola de Enfermagem adquirem certa autonomia da
sidade de dar conta do grande volume de serviços resultante Enfermeira em relação ao seu próprio trabalho.
do crescimento das instituições de saúde. As respostas são : Ao desenvolvimento e aprofundamento das característi-
a intensificação do trabalho, modalidade funcional e raciona- cas do trabalho da Enfermagem vem-se agregar a introdução
lização do trabalho, sindicalização dos trabalhadores, agora dos interesses e da lógica do Capital na prestação de serviços
"proletarizados", desaparecendo nos EUA o exercício autôno- de saúde, subordinando a estrutura e organização daqueles
mo da enfermagem diante da assistência institucionalizada à ao interesse do lucro. Estão dadas, desta forma, as condições
UI saúde. para a agudização de conflitos e problemas ao interior da
111 Os anos após a II Guerra Mundial marcam intenso de- Enfermagem, vindo a configurar a crise que irá atingir prin-
p, senvolvimento cientifico-tecnológico na área da saúde e, na cipalmente a Enfermeira profissional.
Enfermagem, significará definitivamente o abandono das De um lado o aprofundamento e desenvolvimento da En-
práticas baseadas na "instituição e na experiência" e sua fermagem levou a Enfermeira a passar por um processo de
substituição por outras com base, principalmente, nos conhe- intelectualização, deixando em segundo plano a sua militân-
cimentos da área médica. A procura da fundamentação cien- cia no cuidado direto ao paciente. Sucessivamente a Enfer-
tifica leva também à necessidade de melhor definir da prática magem passou de curso de nível médio a superior, especiali-
1h zação e ao mestrado e doutorado, adquirindo status mais
11 da Enfermagem e o seu objeto. Na revisão da autora " ... a
1

levado, procurando também a autonomia e legitimação da


Il i função peculiar da enfermeira é dar assistência ao indiví- sua autoridade na equipe da enfermagem. Esta intelectualiza-
111 duo ..." " ... a enfermeira é a autoridade do cuidado básico ção não guarda paralelo com nenhum avanço na definição do
Ili de enfermagem, única atividade na qual trabalha independen- objeto, da prática e/ou autonomização do saber na área,
ti te". Como assinalado por ela, "às técnicas de enfermagem sugerindo tratar-se mais :de uma conquista de caráter corpo-
li que não possuíam uma teoria (explicita) a fundamentá-las rativo. De outro lado o desenvolvimento dos serviços de
ti procurou-se agregar a teoria do objeto da enfermagem ... saúde fez-se principalmente às custas da absorção de pessoal
tentando-se a construção dos instrumentos que permitissem auxiliar, envolvido diretamente no cuidado ao paciente, mão-
a apreensão de dito objeto". -de-obra de custo mais barato. Os serviços de saúde estrutu-

12 13
público ( não lucrativo) representará uma abertura impor-
rados em níveis primário, secundário e terciário de acordo tante de espaço à Enfermagem? Um modelo de assistência
ao seu grau de complexidade, absorvem recur.-. o•.;; humanos de centrado no papel ampliado da Enfermagem pode integrar-se
qualificação diferenciada, porém o mercado dominante nu- adequadamente aos níveis primário, secundário e terciário?
mericamente é o primário ( tradicionalmente carente de re- Há possibilidade teórica de gerar-se um saber autônomo ca-
cursos, setor não lucrativo) absorvendo atendentes e auxilia- recendo de um projeto autônomo de saúde? Ou então é che-
res de enfermagem principalmente. Os níveis secundário e gada a hora de pensar na integração da Enfermagem de nível
terciário têm sido os privilegiados na política de saúde absor- superior à medicina, da qual tem sido até agora um ramo
ven~o a maior parte dos recursos e da tecnologia ~édica. derivado da divisão social (sexual) do trabalho? Estas e
Esta~ voltados à acumulação de capital, conseqüentemente outras muitas questões deverão ser debatidas no desenvol-
com mteresse na diminuição dos custos. O trabalho da En- vimento do processo de repensar criticamente a Enferma-
fermeira elevaria a lucratividade destes serviços? Ao qu,::, gem. É uma tarefa para todos os militantes da área da saúde,
parece a resposta _do mercado tem sido não, pois tem-se principalmente os profissionais específicos da Enfermagem.
optado pela absorçao de técnicos e auxiliares de enfermagem A tarefa inicial, entretanto, do estudo da natureza e caracte-
com pequena absorção de enfermeiras. Este distanciamento risticas da crise na Enfermagem de nível superior está apenas
do m_ercado associado ao distanciamento da prática do cuida-
do direto voltou-se contra a própria Enfermeira: tendo rei- começada.
Juan Stuardo Y azlle Rocha
vindicado para. si a_ exec~ção do trabalho gerencial ( planeja-
me1;1to e orga:~uzaç~o) nao demonstrou ser rentável para o
c~p1tal e com isso firmar-se no mercaqo, visto que o reconhe-
c1me_nt? social do trabalho executado por uma categoria
prof~ss10nal depende mais do sucesso em atingir os objetivos
deseJados do que do estabelecimento de um diploma legal de
reserva de mercado; dedicando-se ao trabalho intelectual
( elaboração e reprodução do saber no setor) carece da auto-
nomia e projeto próprio necessários a isto. O seu alheamento
da prática efetiva da enfermagem conduz à produção de um
saber de caráter idealista, ideologizado, verdadeira. "normati-
zação" dos modos de andar a vida. É assim que as teorias da
Enfermagem vão tratar de um "mundo idealmente construí-
do" ... "do deve _ser e não do que é", não tendo condições
portanto de anahsar a sua própria crise e muito menos de
encontrar a solução para a mesma. Não se trata de uma
cri~e admi~istrativa ou gerencial que o bom senso possa so-
lucionar; nao se trata da construção de um modelo ideal de
11
li
prática ~~e ~grade e satisfaça os interesses da maioria, que
11
uma prax1s idealista possa resolver. Trata-se de uma crise
1, ( ruptura ou dissociação entre a prática, o domínio institu-
li c~onal e o saber) que exige a tomada de consciência do signi-
,1'
1

ficado atual da Enfermagem profissional, a sua inserção no


ti projeto capitalista da saúde, as imposições derivadas da
li estrutura dos serviços da saúde etc. Isto permitirá discernir
n pers~ectivas e, caminhos a percorrer. A reorganização dos
1 serviços de saude com ênfase nos serviços primários e setor
e 15
14
1
APRESENTAÇÃO

Para se captarem melhor as razões que nos levaram a


tomar a enfermagem, mais especificamente, o seu saber, co-
mo objeto de pesquisa, faz-se necessário historiar as relações
sociais deste sujeito, o agente da enfermagem, com o seu
trabalho, a enfermagem, durante as transformações que
ocorreram na sua prática.
Trabalhamos vinte anos no campo da enfermagem. Os
primeiros cinco ligados diretamente ao trabalho prático as-
sistencial, numa relação técnica e social com os agentes do
campo da saúde, ou seja, outras enfermeiras, médicos, pes-
soal auxiliar de enfermagem ( técnicos, auxiliares e atenden-
tes), alunos de enfermagem e medicina, pessoal de apoio
( secretaria e administração) e, ainda, em menor proporção,
com outros profissionais, como assistentes sociais, psicólo-
gos, etc., prestando o cuidado de enfermagem, também numa
relação técnica e social especifica para o atendimento de ne-
cessidades de pessoas doentes.
11 Nestes primeiros cinco anos, o trabalho desenvolvido foi
li um trabalho prático orientado por uma estrutura técnico-
li -cientifica trabalhada, amoldada e muitas vezes transformada
1,
pelas relações sociais especificas no atendimento de enferma-
li
gem e nos espaços com limites sobrepostos, às vezes ganhos
li
11
e perdidos no trabalho coletivo destes inúmeros agentes.
11 O que se percebia nesta prática eram muitas indefinições,
(1
questionamentos e conflitos, mais do que a possibilidade de
1
execução do cuidado de enfermagem sob o comando da estru-

17

li
tura do co~ecimento, isenta de contradições. Estes conflitos
eram relac1onad<;>s à _dive!sidade da prática de enfermagem, sempre os conflitos são gerados ou explicados internamente;
à sua estrutura mter1or, as funções que cabem ser executa- é preciso buscar as explicações também nas relações sociais
das po~ cada elem~nto da enfermagem, o que é enfermagem, com as outras práticas historicamente determinadas. Portan-
seu ?bJeto e sua fmalidade, qual é o saber que orienta esta to, o primeiro ponto a ser considerado foi que a investigação
prática, por que tantos elementos com formação diversa tinha que contemplar o social numa visão da totalidade do
para exe~utá-la, a ~ue pacientes se direciona esta prática, etc. objeto e de suas transformações, elegendo, portanto, o ma-
Os co_nflltos tambem eram advindos das relações de poder terialismo histórico. Esta foi uma dificuldade enfrentada
d? m1croespaço hospitalar, entre os agentes da administra- devido à formação mais técnica e biológica da enfermeira e
çao e aqueles detentores dos saberes assim como entre estes suas limitações no campo das ciências sociais. Assim, este
e os despossuídos dos saberes específicos. trabalho não é um produto acabado, muitas imperfeições
estarão presentes e deverão ser continuamente retomadas e
. . ~odas estas relações, nem sempre harmoniosas, eram refeitas num aprofundamento desta temática, abrindo deba-
d1rig1das para o atendimento dos pacientes. tes e não os fechando.
Após este trabalho voltado diretamente para a prática Esta produção não é um resultado individual, mas está
passamo~ a realizar um outro trabalho, agora voltado par~ intimamente ligada às circunstâncias e pessoas com quem
o aprendizado dos agentes. Com os elementos que ~ó a práti- cruzamos e compartilhamos momentos, idéias, leituras, nu-
ca oferece, passamos a trabalhar com o instrumental da en- ma discussão aberta e não mítica das questões da enferma-
ferm_a~~m, o sabe!, ~~o na prestação direta do cuidado, mas gem brasileira.
P_?Ss1b11Itando e v1ab11Izando este instrumental para a forma-
~ªº ~e. o~tros agentes. Aqui deparamos novamente com as Esta caminhada de reflexão sobre a prática de enferma-
mdefrmçoes e conflitos relativos à função da escola mas de gem teve início no ano de 1977, quando participamos de um
VI ~a escola específica, a de enfermagem, frente ao processo curso sobre investigação em enfermagem, em Cali, Colômbia, ·
11
1[
saude-doença em determinadas estruturas históricas. patrocinado pela OPS. Durante este curso, entramos em con-
ÇI tato com Olga Verderese, enfermeira, e Juan César Garcia,
11 Àqueles c_o~it~s _advindos da prática somaram-se outros médico, que foram os primeiros a nos ajudar a pensar sobre
u gerado~ pela mstitmçao escolar; as relações da estrutura do o significado social desta prática. Desse encontro · resultou
li conhecunento e da teoria versus a prática do cuidado de um grupo de trabalho constituído por docentes da Universi-
li
enfermagem.
dade de São Paulo : Daisy Leslie Steagall-Gomes, Márcia Ca-
. In_serida, portanto, no processo histórico desta prática, ron Ruffino, enfermeiras colegas de trabalho; Graciette Bor-
v1venc1ando as suas transformações e contradições senti-me ges da Silva, socióloga, também colega de trabalho; · e Juan
e~tremamente co-responsável em· contribuir para ~a refle- Stuardo Yazlle Rocha , médico da Medicina Social. Este grupo
xao do ~r~balho de enfermagem e, em especial, do seu saber, trabalhou até o ano de 1980, refletindo sobre a enfermagem,
numa v1sao da sua totalidade. e produziu o trabalho "Contribuição ao estudo da prática de
li enfermagem ·_ Brasil" (Almeida et alii, 1981 ), que contém
li _ A questão que se nos impunha, juntamente com a defi- algumas idéias iniciais deste presente estudo.
li niçao do objeto de pesquisa, era a definição metodológica.
1, Em ·1980 é criado o curso de doutorado em Saúde Públi-
Como entender as mudanças, as indefinições• e os conflitos
li ca, na Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro,
li
desta práti~a, n~a visão que não fosse a das partes, ou do
ponto de vista mterno, ou numa perspectiva individual dos curso multiprofissional com um enfoque também multidisci-
11
agentes, o_u _ d~s aspectos normativos. Pois, principalmente plinar, dando um espaço às ciências sociais para contribuírem
em uma v1sao idealista, ética e funcional fundamenta-se, em na compreensão das práticas de saúde. Senti que seria o
grande parte, a produção científica da enfermagem. Nem momento oportuno para um aprofundamento teórico nas
questões que vínhamos desenvolvendo no grupo de trabalho.
18
1 . 19

I:
Neste momento decisivo do nosso direcionamento, tivemos
a contribuição de Ma.rilia Bernardes Marques - então
coordenadora da pós-graduação da Escola Nacional Pública
-, que não se opôs a receber uma enfermeira no grupo de
alunos e que sempre procurou nos ouvir, apoiar e incentivar
assim como os docentes desta escola com quem convivemos'.
Precisávamos de um orientador para o trabalho e, como
no nosso grupo já vínhamos trocando idéias, Juan Stuardo
Yazlle Rocha aceitou a orientação que se desenvolveu num
clima de discussão cordial, democrática e amigável, principal-
mente com relação às nossas incertezas pessoais, teóricas e
políticas. INTRODUÇÃO
Cecília Donnangelo também nos ajudou, até quando lhe
foi possível, e nunca mediu esforços para nos receber e dedi-
car tardes inteiras em São Paulo. Na década de 70 e 80, as investigações sociológicas na
área da saúde no Brasil tomaram um rumo diferente daquele
Emília Saporiti Angerami, amiga e colega de trabalho, que vinham trilhando até então, ou seja, o deslocamento foi
contribuiu de forma efetiva para ajudar a pensar e refletir
para a busca de relações entre a área da saúde e a estrutura
sobre a estrutura do saber da enfermagem e na indicação de social como uma busca de resposta à crise do setor saúde
referências bibliográficas. nas ;ociedades capitalistas. Esta reflexão critica propõe
Agradecemos às colegas de trabalho da disciplina de En- identificar os determinantes históricos e sociais da situação
V de saúde e da assistência médica no Brasil, como da situação
fermagem de Saúde Pública que se revezaram nas atividades
11 das diferentes categorias dos trabalhadores da saúde. Estes ·
didáticas, dando espaço para nos dedicarmos à elaboração
~ trabalhos vêm-se avolumando, principalmente aqueles refe-
,1 do trabalho: Judith Costa, Daisy Leslie Steagall-Gomes, Ira-
nilde José Messias Mendes, Maria Helena Pessini de Oliveira rentes à prática médica, e investigações sobre as outras prá-
li Vera Heloísa P. Vinha, Angela Magosso Takayanagui e Terez~ ticas de saúde são ainda escassas, como no caso da enferma-
li
Cristina Scatena. gem. É como se a assistência de saúde fosse realizaJa só com
p
a participação da prática médica, sem a cooperaçao dos ou-
A todas estas pessoas com quem cruzamos e que para- tros trabalhadores da saúde. Entende-se que cabe a cada
ram para pensar conosco, o nosso obrigado. grupo corporativo refletir sobre sua própria prátic:3-, mas
1.
como a prática médica é hegemónica entre as práticas de
1
saúde, esta monopoliza o saber referente à· doença, e por-
(1 tanto é ela quem nomeia a assistência, passan~o o foco dos
11 estudos a se direcionar também para ela.
Cecília Donnangelo, que foi uma das pioneiras dos estu-
dos sociológicos da saúde, no Brasil, fez observação seme-
lhante quanto à escassez dos trabalhos de enfermagem, nesta
( 1
abordagem social :
"enquant'o que para a área da saúde como um todo multipli-
cam-se atualmente em ritmo acelerado as questões capazes de
orientar novas pesquisas, a área de enfermage~ perm~nec:
relativamente intocada. Surpreende-me mesmo a 1mpressao de
i :
20 21
de social. Ainda para ilustração, dos 35 Congressos Brasilei-
que em momentos anteriores apareciam com maior freqüência ros de Enfermagem da Associação Brasileira de Enfermagem
questões referentes à situação da enfermagem na estrutura de havidos até então, somente um tratou deste conteúdo, como
produção de serviços, à sua participação na ·e strutura de poder
dos hospitais, à delimitação dos seus dominios de conhecimento temática central, o XXXI Congresso, realizado em Fortaleza,
à legitimação dos seus campos de prática. Parece-me que ten~ Ceará, no ano de 1979, que teve como tema "A enfermagem
dem atualmente a escassear as pesquisas sistemáticas sobre a e a estrutura social".
enfermagem e que isto se relaciona à intermitência na discussão
acerca do significado e do poder desta profissão na estrutura de Assim, a escassez de pesquisas em enfermagem voltadas
saúde." (Donnangelo, 1979:84). para a própria. enfermagem e, conseqüentemente, a pouca
A enfermagem como um todo, seu signüicado no con- compreensão que se tem dela como prática social para enten-
junto das políticas de saúde e na estrutura das sociedades der as contradições do seu trabalho foi a razão desencadea-
capitalistas, e, mais ainda, a constituição, estrutura,.~imites , dora deste estudo.
mudanças e contradições do seu saber não têm sid objeto 1 Na primeira aproximação com o objeto a ser estudado
de indagação ou questionamentos por parte dos seus agentes. nesta investigação, o que se apreendeu foi o trabalho de en-
A temática dominante da produção cientüica da enfermagem fermagem e suas relações com a estrutura social, portanto,
brasileira é aquela que diz respeito aos aspectos internos da uma visão da enfermagem como uma prática social. Mas,
prática profissional, como tecnologias aplicadas na assistên- para refletir sobre o trabalho de enfermagem como uma to-
cia, elaboração de modelos assistenciais, avaliação dos cuida- talidade, verificou-se que era necessária uma tarefa prévia,
dos biopsicossociais prestados à clientela e outros. Entende-se ou seja, trazer para o nível do abstrato o significado da en-
esta opção, pois mostra. a preocupação dos agentes com os fermagem, o que ela é e do que se constitui esta prática. O
meios de trabalho para aproximação e apreensão do seu objeto que caracteriza esta estrutura interna da enfermagem
objeto. Aqueles poucos trabalhos que têm como objeto de é o seu saber e, no momento em que se faziam as aproxima-
pesquisa a própria enfermagem estão orientados, metodolo- ções com ele, o trabalho ia infiltrando-se e prendendo-se nesta
gicamente, pelo modelo de análise do sistema social de direção, pois a reflexão sobre sua constituição e especifici-
Talcott Parsons, que foi uma influência marcante da · produ- dade ainda não estava dada. Portanto, o objeto de pesquisa
ção norte-americana. São estudos do desempenho e expecta- passou a ser o saber da enfermagem, enquanto objeto histó-
tivas de papéis das diferentes categorias profissionais, nos rico. Este direcionamento não prejudicou a compreensão da
sistemas sociais restritos como o pospital, o ambulatório ou totalidade da enfermagem, pois, mesmo privilegiando uma
o centro de saúde. A preocupação é com a internalidade des- área desta prática para objeto de estudo, o saber e sua incor-
tes serviços e com as relações interpessoais dos agentes, sem poração social, permitiu incursões na reflexão da enferma-
referência à totalidade de que fazem parte, mas sim visando gem na sua totalidade. Isto foi possível porque o trabalho é
a racionalidade dos serviços e a eficiência dos agentes.1 Não um processo constituído de momentos aue se iluminam re-
se têm buscado os determinantes do significado da enferma- ciprocamente e têm uma posição relacional,2 e o saber da
gem, suas transformações e contradições nas relações com a enfermagem é um destes momentos do processo deste traba-
estrutura social. Para ilustrar esta observação, das 208 teses lho, ou se.ia, são os instrumentos que permitem a aproximacão
de enfermagem produzidas no Brasil e catalogadas pelo Cen- e a transformação do objeto da enfermagem para. alcançar a
tro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem ( Associação sua finalidade. Portanto, quando se estuda num primeiro
Brasileira de Enfermagem, 1979, 1980 e 1983) aproximada- plano o saber, que é um momento do trabalho, este é deter-
mente vinte, que correspondem a 9,6%, têm como objeto de minado pelas características do objeto e pela finalidade do
estudo a própria enfermagem e somente quatro destas teses trabalho. Assim, esta investigação tem como fio condutor o
tentam buscar os determinantes· nas relações com a totalida-· saber de enfermagem numa perspectiva histórico-social. Este

1. Um trabalho magistral sobre a enfermagem que utiliza a aná- 2. A respeito do processo de trabalho ver J . A. Giannotti (1983:
lise funcionalista é o de C. A. Ferreira-Santos, A enfermagem como 80-109); Marx (1980:201-23).
profissão: estudo num hospital-escola, (1973) .
23
22
saber por ::ma vez permitirá alguns avanços para a compre- instrumental de trabalho. O processo extingue-se ªº. concluir-se
ensão do objeto de trabalho da enfermagem, suas transfor- 0
produto. O produto é um valor de uso, um material da natu-
reza adaptado às necess'idades humanas ~través da mudança de
mações e a maneira como se dão as aproximações deste forma. O trabalho está incorporado ao obJeto sobre o qual atuou.
objeto. Concretizou-se e a matéria está trabalhada" (Marx, 1980:295).
O cuidado de enfermagem comporta em sua estrutura Neste processo participam três ~le~entos essencia~s que
li o conhecimento ( o saber de enfermagem) corporificado em são: "A atividade adequada a um fim, isto é, o ~rópno tra-
1 um nível técnico ( instrumentos e condutas) e relações sociais balho a matéria a que se aplica o trabalho, o obJeto de tra-
li específicas, visando o atendimento de necessidades humanas balho; os meios de trabalho, o instrumental de trabalho':
I, 11 que podem ser definidas biológica, psicológica e socialmente. (Marx, 1980 :202). "Estes elementos apresentam-se em sua for
o
A educação em enfermagem prepara e legitima sujeitos ma simples e abstrata independente de qualquer estrutura
para este trabalho, através do aparato ético-filosófico e do social determinada" (Marx, 1980 :208).
e; "Todas as coisas que o trabalho apena~ separa ?e sua cone-
saber de enfermagem. · xão imediata com seu meio natural ~onstitue~ obJetos de tra-
li
O saber será considerado como o instrumental que a en- balho, fornecidos pela natureza. Assim, . os peixes qu_e se pes-
fermagem utiliza para realizar o seu trabalho, instrumental cam, que são tirados do seu elemento, a agua, a m~dei~~ derru-
bada na floresta virgem, o minério arrancado dos filões (Marx,
este legitimado e reproduzido pelo ensino desta prática.
1980:203) .
Como o saber é um dos momentos do processo do tra- "0 peixe a ser preso não é apenas organismo natural que
balho, faz-se necessária a compreensão abstrata da categoria recorta na paisagem sua própria identidade, d~ forma que o
observador discrimina e reconhece. Enquanto_obJeto de trabalho
trabalho, que "é um denominador comum e uma condição de e primeira condição dele, incorpora as propn~dades necessárias
toda vida humana em sociedade" (Friedmann .& Naville para a efetivação desse mesmo trabalho. Existe nur:n elemento
1973 :19), pa.ra se captarem melhor as determinações histó: determinado, em suas rasas ou pro~und~s, con:i habi~os pró-
ricas deste saber. prios, alimentaçã·o peculiar" (Marx, m Giannotti, 1~83.86) .
"Desprender seu objeto de suas conexões naturais se apre-
"Antes de tudo. o trabalho é um processo de que participam senta pois como O primeiro momento deste trabalho, momento
o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua dupl~ment~ determinado pela finalidade 9-ue o t~abalho esc~~eu
própria ação, impulsiona. regula e controla seu intercâmbio ma- e pelos instrumentos que utilizará: o obJeto assim despren i o,
terial com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma na medida em que perde sua naturalidade , e se c~nforma ao
de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu processo em que entra. determina-se então como obJeto de tra-
corpo. braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de aproximar-se
dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida balho" (Gonçalves, 1979:22) .
humana. Atuando ass.m sobre a natureza externa e modifican- "Toda matéria prima é objeto de trabalho, mas nem todo
do-a, ao mesmo tempo modüica sua própria natureza. ( . . . ) No objeto de trabalho é matéria prima ( ... ) Outro moJ?ento, o
fim do proceso do trabalho aparece um resultado que já existia meio de trabalho é uma coisa ou um compl~xo de c01sas, que
antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não trans-
forma apenas o material sobre o qual opera, ele im9rime ao 0
trabalhador insere entre si mesmo e o obJeto de ~rabalho e
material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual lhe serve para dirigir sua atividade sobre ess~ obJeto. ( • • •)
constitui a lei determinante do seu modo de ooerar e ao qual Desse modo, faz de uma coisa na natureza órgao de sua p~ó-
tem de subordinar sua vontade" (Marx, 1980:202). pria atividade um órgão que acrescenta a seus própnos
"Essa subordinação da vontade mostra as limitações de uma órgãos corpo;ais, aumentando seu próprio . corpo natur~l
interpretação psicológica. O produto surge como explicitação de
um fim, de uma condição que se dá idealr,1ente e se efetiva de e ) os meios de trabalho servem para medir o des_en~olvi-
modo a adequar o resultado ao inicio pressuposto, num movi- ~~~to da força humana de trabalho . e, além disso, ,,mdicam
mento em que o trabalhador e sua vontade, de um lado, as as condições sociais em que se reahza o trabalho ( Marx,
coisas, de outro, perdem autonom:a para transformarem-se em
momentos de um processo mais amplo" (Giannotti, 1983:86). 1980 :203-4).
Há uma determinação recíproca entre instrument~ e
"a atividade do homem opera uma transformação, subordinada objeto: "o objeto demanda instrument~s adequados e o ins-
a um determinado fim, no objeto sobre que atua por meio do trumento só pode ser aplicado aos obJetos que lhe corres-

24 25
Portanto, éste trabalho se destina a examinar a consti-

:~:;n::· a~~::i;:~~i!ª~~:~r::~to, os in~trumentos per-


as características do objeto de aça~ ddo 0
obJet?, s:ndo que
tuição do saber de enfermagem, ou seja, sua origem e trans-
formação, a delimitação dos domínios deste conhecimento e
as relações com as transformações históricas da prática de
enfermagem. Vale dizer, o saber de enfermagem em uma
um ª , e a fmahdade do
trabalho de outro d t
de trabaÍho eGonç~lv!/~;~~~
fermagem a análise t ' á
.'
t~
ca:acterísticas dos meios
· · ssrm, neste estudo da en-
perspectiva histórica.
O entendimento que se faz, para fins desta investigação,
mentos d~ trabalho q:; Pi~~~l -~io condutor .9s seus instru- do saber de enfermagem, refere-se aos meios de trabalho uti-
lidade, ou seja , o cuidado de Pacien
i _amtes.
a execuçao da sua fina- lizados para a apropriação do objeto desta prática; nortanto,
estão incluídos tanto os conhecimentos ditos e aceitos como
como Entendido
os aqu·i me10s
· de trabalho, segundo Gonçalves, técnico-científicos, como aqueles não-científicos produzidos
pelo senso comum, pois somente desta maneira pode-se ter
"dois grupos
trabalho: de instrumentos
aqueles •
que lhe ser que permitem a potencialização do uma visão totalizante desta prática e não somente como um
aqueles que lhe servem para ver t para se apropriar do objeto e processo cumulativo, linear e científico.
sejada. ( ... ) O primeiro ru e e u~r nele a transformação de-
um passo intermediário ~utºnã!e _mttrfumentos apenas permite A instituição que se apropria e reproduz este saber é a
objeto a não ser na con'sciênc· m er ere com a natureza do escola; assim sendo, para a reconstituição do mesmo, servi-
Corresponde de for~•a . . ia q_ue o tra_balho toma dele. (. .. ) ram de fonte de dados principalmente os textos didáticos,
trabalho. (. . . ) o segun:t~r~medtt~ à dimensão intelectual do artigos de periódicos, relatórios de grupos de estudo, de
efe!ivacão da transformacão ~~ e ~strumentos, que permite a
mais imediata às finalidades do t°bbe\~ corresponde de forma congressos, depoimentos de enfermeiras, contatos com o pes-
d; seu objeto (. .. ) e corresponde ~ªe ~orº que ~s carac~eristicas soal de saúde e outros e a própria vivência profissional do
dimensão manual do trabalho ( · ·. · )" (G onçalves,
ma ma.is 1979:63-5)
aproximada. à autor.
Para dar
conjunta dos conta
d . do objeto ' e, preciso
. considerar
. a utilização Os saberes selecionados para este estudo foram as téc-
nicas de enfermagem, os princípios científicos e as teorias
trabalho não seº~ág=o~ie~s:s:=efto;, lhois em qua19-uer de enfermagem. Estas três expressões foram escolhidas por
lectual apesar d . A . ra a o manual e mte- serem as mais vigentes e representarem quase que a totali-
vorece~ esta dico~o~~~~tancia ideológica, no capitalismo, fa-
dade do saber da enfermagem. E o foram nesta ordem devido
ao surgimento cronológico, do mais antigo, como as técnicas,
ples ~ c:~~f~:!:}r~~~ho foi apresentad~ em sua forma "sim- para o mais atual, como as teorias.
históricas concr~tas na~:J;e~~~açao com as condições O trabalho apresenta-se dividido em três capítulos. O
Como fundament d _ . processo se desenvolve.
ticas determinad~s :i~~~f~~~J~~i~ ~ t~~~~ caracterís-
1
0
primeiro refere-se às primeiras expressões do saber de en-
fermagem, ou seja, às técnicas e aos princípios científicos.
~entos do trabalho, a finalidade 'o ob. t ' os ~s mo- Inicia caracterizando a constituição destes saberes e deli-
mstrumento - . .' Je o e os meios ou
como tais lss~ªº categ~rias sociais e devem ser tomados neando as áreas de fundamentação destes conhecimentos .. A
sã · . im, os_ m~10s de trabalho da enfermagem não seguir, estes saberes são analisados na sua dimensão histó-
o ?roduzidos a priori, mas são o resultado de t . rica., procurando compreender o seu significado na interna-
p~átic~, e, mesmo sendo produto do trabalho e po s a ~rópria
nao sao uma instA . tA r assim ser, lldade do trabalho de enfermagem assim como o seu signifi-
fundada. No trabal~cia auh onoma, neu!ra e tecnicamente cado para viabilizar os projetos de saúde e suas relações
o, os omens mantem relações soe· .
qude não são exclusivamente relações humanas mas ciete::::~ sociais com a prática de enfermagem.
na as pelas relações
antagônicas "Não , de prod - que, no capitalismo,
. Auç_ao ' sãoi- Para compreender a dimensão histórica das técnicas de
. . · e a consciencia que determina a vida mas enfermagem faz-se um retrospecto histórico desde o seu mo- ·
sim a vida que determina a consciência" ( Marx & E' 1
1980 :26). nge s, 27

26
delo religioso, passando pelo vocacional ou da arte de enfer- CAPÍTULO I
mage~, desembocando na modalidade funcional que traz no
seu boJo o saber expresso pelas técnicas.
Estas transformações determinadas historicamente no
modo de produção capitalista, levam a uma divisão tédnica
do tra~alho_ de enfermagem que é enfocada no segundo capi-
tulo, discutmdo-se o trabalho manual e intelectual na enfer-
magem e a função da escola nesta divisão.
Finalmente, no terceiro capítulo, analisa-se o saber atual
da en_te~agem, que são as teorias. Estuda-se sua gênese e
c~nstitwçao, relatando-se algumas teorias americanas difun-
didas no Brasil e verifica-se a sua viabilidade para o caso da
enfermagem brasileira.
_ Durante ~ desenvolver dos capítulos, algumas conclusões PRIMEIRAS EXPRESSõES DO SABER
v~o s~nd_o adiantadas para serem retomadas nas considera- DE ENFERMAGEM
çoes finais.

1. As técnicas de enfermagem - Constituição

Uma das primeiras manifestações organizadas e sistema-


tizadas do saber na enfermagem é constituída pelas técnicas
de enfermagem. Elas se organizam como estrutura de saber
nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos da
América do Norte, mas estiveram sempre presentes nos
cuidados de enfermagem e eram tidas como a arte de enfer-
magem.
"Muito antes de a enfermagem ser uma ciência, ela era uma
arte. Muitos de seus aspectos atuais têm suas raizes em milha-
res de anos, durante os quais as enfermeiras empenhavam-se
em curar o doente e dele cuidai· com ternura, carinho, mais
que com ciência" (Seaman & Verhonick, 1982:7).
"O reconhecimento da enfermagem como uma arte é bem
antigo. E arte é um conjunto de conhecimentos práticos que
mostram como trabalhar para conseguir certos resultados. Uma
arte não envolve qualquer entendimento do porquê das obras
acabadas" (McClain & Gragg, 1970:15).
As técnicas consistem na descrição do procedimento de
enfermagem a ser executado, passo a passo, e especificam
também a relação do material que é utilizado. Tanto pode ser
um procedimento a ser realizado com o paciente, como ba-
nho no leito, curativo, sondagens, instilações e outros, como
procedimentos relativos às rotinas administrativas, como
28 29
admissão e alta de pacientes. Assim também procedimentos
de manuseio de material hospitalar, como montagem de sala o quadro abaixo é bastante ilustrativo da_ divisão dos
de operação, esterilização de instrumental e outros. Ver a três elementos essenciais visualizados p~lo ens~?º .de enfer-
este respeito, Mamede et alii (1981 :72-3). magem, num esquema tradicional, ou s:Jª, a c1en_?ia, a arte
0
espírito, respectivamente, cabeça, mao e coraçao.
O ensino de enfermagem organiza e sistematiza as téc-
nicas e estas passam a fazer parte de uma das três áreas de
conhecimentos básicos dos currículos de enfermagem, que
são organizados nas primeiras décadas do século nos Esta-
dos Unidos da América do Norte. 1 As três classes dos conhe-
cimentos básicos eram as seguintes ( Stewart, 1934 : 50-1 ) : 1.
Princípios, fatos, instrução, englobados na denominação de
ciência de enfermagem com ênfase na ciência biológica, físi-
ca e social, ciência médica, sanitária, doméstica e assim por
diante. 2. Técnicas e habilidades especializadas, sendo que
algumas das artes de enfermagem são tipicamente manuais,
outras sociais, intelectuais ou administrativas. Algumas são
peculiares à enfermagem, outras são empréstimos ou adap-
tação das profissões médica, pedagógica, eclesiástica e artes
domésticas e de muitas outras fontes. 3. Ideais. A atitude so-
cial e padrão profissional de conduta, englobados na deno-
minação de Ética de Enfermagem ou Espírito de Enferma-
gem. Estes padrões foram introduzidos em vários países com
o apoio de organizações internacionais como o Conselho
Internacional de Enfermagem e a Organização Mundial de
Saúde.
Quando da descrição dos principais grupos de matérias
no currículo, é enfatizado que o grupo de
"enfermagem e artes correlatas formam o âmago principal de
todo o programa educacional sendo que os demais estudos exis-
tem principalmente como contribuição a ela. Os pontos a sa- DEMONSTRAÇAO DA EDUCAÇAO PROFISSlONAL DA ENFER·
lientar neste grupo são a proficiência das técnicas e habilida- MEIRA MODERNA E O ALVO DE SUAS RESPONSABILIDADES
des, assim como a aplicação de principios cientificos e de ideais
sociais ao tratamento dos doentes e à prevenção de doenças. Tudo
isto requer grande prática, bem como ensino direto e sistemá-
tico. As matérias incluidas são: principios gerais e prática de
enfermagem, artes domésticas (ou economia doméstica), dieté-
tica (incluindo arte culinária e nutrição) e algumas terapêuticas Fonte: Stewart, 1934 :52.
especiais tais como laborterapia, fisioterapia e outras. Também
devem ser consideradas as artes sociais e didáticas de enferma-
gem" (Stewart, 1934:57-8). As técnicas de enfermagem ou a a~te, como den<?mina-
das, eram, portanto, 0 principal conhecimento do _ensmo d~
1. O orimeiro currículo norte-americano foi organizado em 1917,
enfermagem, "o âmago principal de todo o programa edu
Standard Curriculum for Schools of Nursing, pelo Comitê de Educa- cacional".
ção da National League of Nursing Education (Bixler & Bixler, As técnicas recobrem assim grande parte do trabalhof de
1954:145).
enfermagem e, atraves . d o t empo, elas passam por trans or-

30 :11
n o no paciente" (Fuerst & Wolff, 1958 :VII). Estas coisas
mações, vão da simples descrição de passos até a busca em ram lavagem de roupas, arrumação de ambiente, afazeres na
outras áreas do conhecimento, das razões de tais procedi- ozinha, limpeza do chão e outras. Na ediçã~ de 77, no pre-
~entos. Para ilustrar esta passagem, veja-se em um mesmo fácio, os autores enfatizam a importância de se identificar
llvro, de uma autora brasileira, as duas versões seguintes. utilizar os princípios científicos, em vez de conhecimentos
Em 1959:
mpiricos, para orientar a prática de enfermagem. É enfati-
"técnica é o conjunto dos processos de uma Arte. Mas não toda zado o homem como um todo, este não pode ser dividido em
a Arte. Esta supõe uma inspiração, um ideal e aptidões capazes
de u1:1a realização à qual o artista imprime o cunho de sua per_ ntidade fisiológica e psicológica, e é enfatizada a importân-
sonahdade. A arte de enfermagem, toda dedicada à contribuição ta da relação enfermeira-paciente e o valor terapêutico de
para a melhoria da saúde do individuo e da coletividade tem um relacionamento positivo (Fuerst, Wolff & Weitzel, 1977).
sua técnica própria. A importância da técnica na Arte de Enfer-
magem é imensa, pois sua finalidade é garantir o trabalho da Após a produção das técnicas básicas de enfermagem,
enfermeira" (Souza, 1959:7). omeçou a surgir a produção de técnicas em áreas especifi-
Na edição de 1966 a mesma autora introduz a palavra as, acompanhando a especialização médica, ou seja, técnicas
ciência: na sala cirúrgica, nas unidades de terapia intensiva, na hemo-
. "A enfermagem é uma arte e ciência que visa ao paciente tálise e outras.
como um todo: corpo, mente, espirita. Técnica de enfermagem Outra finalidade da técnica de enfermagem, a conside-
é aplicação dos conhecimentos' dessa· Arte e Ciência. É a adapta- rada mais importante, é o conforto e segurança do paciente.
ção dos meios, a prática dos ensinamentos, o procedimento da
enfermeira dentro do seu campo de ação, o uso dos métodos e o Mas muito se tem questionado se de fato, como se apresen-
emprego correto das determinações, com absoluta observância tam, elas propiciam este conforto ou se o conforto é trazido
dos detalhes" (Souza, 1966:1). para o discurso a fim de valorizá-las. A rigidez com o horário
Já na primeira edição é descrito que a técnica é baseada execução das mesmas, a fim de cumprir somente uma ro-
em princípios científicos da física, química, bacteriologia e ttna estabelecida, é bastante discutível. Citando um exemplo,
outros. Na edição de 1966, a autora comenta que, além da os horários rotineiros ( a cada quatro horas) de verificação
estreita relação que existe entre a técnica de enfermagem de temperatura, respiração, pulso e pressão sangüínea já fo.
com · a anatomia e fisiologia, a bacteriologia e a bioquímica, ram demonstrados que não têm razão de ser, pois cada
acha-se também intimamente ligada às ciências médicas e aciente apresenta a sua individualidade. Em relação à fre-
com elas tem a mais estreita relação: qüência respiratória já foi demonstrado que "este procedi-
"Nos trabalhos pré e pós-operatórios, na permanente assis- mento pode ser eliminado dos gráficos e esta . só deve ser
tência nas enfermarias, nos cuidados exigidos para cada caso, observada quando se fizer necessário" (Machado & Ruffino,
no cumprimento às determinações quanto às prescrições do fa- 1975 :248-52 ). Em relação à temperatura corporal, os estudos
cultativo, nas operações, nos tratamentos de qualquer natureza,
a técnica de enfermagem estabelece um verdadeiro vinculo entre de Angerami ( 1972 e 1977) demonstraram que a tradicional
a ciência e a arte (. .. ). Essa relação torna-se mais evidente rotina de verificação de temperatura corporal ( a cada quatro
quando consideramos que o progresso da medicina provoca e es- horas) não atende às necessidades individuais do paciente,
timula, necessariamente, o aprimoramento da técnica de enfer- ao seu biorritmo e exige um excesso de recursos materiais e
magem" (Souza, 1966:2-3).
humanos e que o horário de verificação da manhã ( 7-8 horas)
Fundamenta-se também na psicologia, ética, sociologia e mostra-se inadequado para identificar pacientes com hiper-
religião. termia.
Ainda sobre técnicas, mas de autores norte-americanos, As técnicas são uma resposta imediata e significativa ao
em anos diferentes, observa-se a introdução de outros ele- trabalho hospitalar, principalmente quando de sua organi-
mentos que dão complexidade à técnica. No ano de 1958, os zação, nas primeiras décadas do século nos Estados Unidos.
autores, na introdução, dizem que "a enfermagem no século Neste período, o trabalho de enfermagem é todo subdividido
XIX se via obrigada a dedicar grande parte de seu tempo a realizado por tarefas e procedimentos, sem centrar-se no
'fazer coisas'. O centro da atenção radicava-se nas coisas e
32 33
paciente, ou seja, um mesmo paciente é assistido por vários
elementos da enfermagem, um o auxilia na higiene pessoal, o Este nível do saber representado pelas técnicas não é
outro lhe dá medicação, um outro faz curativo, etc. A distri- uma elaboração abstrata do conhecimento de enfermagem
buição da escala de trabalho é feita levando-se em considera- ara desvendar o objeto de trabalho, mas as técnicas são
ção os diferentes tipos de procedimentos; o elemento A, imples seqüências de passos, rituais, expressos por normas
responsável pela medicação; o elemento B, responsável pela rotinas. As enfermeiras nas instituições de prestação de ser-
higiene pessoal, etc., sendo que quem realiza estas atividades viços passam a elaborar manuais de técnicas, normas e ro-
tinas, regulando todo o cuidado a ser prestado ao doente,
são os auxiliares e atendentes e a enfermeira dirige e contro-
la o trabalho. Nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do sim como as rotinas hospitalares.
século, os alunos de enfermagem eram também os que rea- Resumindo, pode-se dizer que, na metade do final do sé-
lizavam estes procedimentos, pois seu trabalho era utilizado ulo XIX e primeiras décadas do século XX, o saber da
pelos hospitais como mão-de-obra não-paga. Foram criadas nfermagem é compreendido como a capacidade de desempe-
inúmeras escolas de enfermagem em hospitais para suprir a nhar tarefas e procedimentos e estes são entendidos como a
mão-de-obra, na economia de gastos com pessoal. Estes pro- rte de enfermagem. Pode-se concluir, então, que o objeto da
cedimentos são aqueles resultantes das prescrições médicas nfermagem não estava centrado no cuidado do paciente,
e aqueles necessários para higiene pessoal e do · ambiente do mas na maneira de ser executada a tarefa. Aqui já se encon-
paciente. Portanto, é um meio de trabalho que é suporte do tra presente a cisão do trabalho no que se refere à concepção
trabalho médico e está a serviço do mesmo. execução do mésmo. Os trabalhadores da enfermagem,
principalmente os sem instrução, não precisariam conhecer
Estas técnicas passam a ter seu desenvolvimento pleno s razões dos procedimentos executados, o importante seria
quando se organizam também as ações dos operários na in- xecutar as tarefas com economia de tempo e movimentos.
dústria norte-americana. Os estudos de Taylor sobre a gerên-
cia científica passam a ser importante fonte de dados para Apesar de as técnicas de enfermagem terem tido seu
a organização, também, do trabalho de enfermagem nos hos- desenvolvimento pleno nas décadas de 30, 40 e 50, ainda são
pitais, que no primeiro quarto do ::,éculo é todo realizado por uma área, importante do saber de enfermagem, pois dá-se
pessoal não-preparado, ficando as poucas enfermeiras res- nfase ao aprendizado das mesmas no ensino formal e ainda
ponsáveis pela supervisão deste pessoal. Então é necessário há uma produção grande de textos sobre técnicas 2 e de tra-
que as tarefas sejam previamente descrttas, passo a passo, balhos de enfermagem sobre aplicação de determinados prin-
para que o pessoal que não tem preparo possa realizá-las, e cípios em cuidados específicos de enfermagem.
é preciso economizar material, tempo, movimento e energia
para que um pequeno número de trabalhadores dê cumpri- 2. A dimensão histórica das técnicas de enfermagem
mento às inúmeras tarefas hospitalares.
A análise até aqui esteve voltada mais para os aspectos
A medida que avança a especialização médica, novas téc- conceituais e formais do primeiro saber de enfermagem, as
nicas vão surgindo para dar cumprimento a esta especializa- técnicas, a fim de conhecer do que falam estes instrumentos,
ção ou são relacionadas ao manuseio de aparelhagem ou sem ainda a preocupação do significado social e histórico.
procedimentos com o paciente, necessários para a realização Faz-se necessário agora complementar o significado deste
da técnica médica. A enfermagem passa a manipular este saber numa visão histórica, pois, como visto, os instrumentos
instrumental sem uma posição crítica sobre o significado do permitem dominar e transformar o objeto de trabalho, "o
mesmo e sem perguntar por que é ela quem o manipula. O objeto demanda instrumentos adequados e o instrumento
avanço da tecnologia e a produção industrial hospitalar e só pode ser aplicado aos objetos que lhe correspondem"
farmacêutica comandam sutilmente o uso e o consumo de
instrumental na saúde (Giovanni, 1980; Cordeiro, 1980; 2 . A respeito de alguns textos sobre técnicas de enfermagem ver
Landmann, 1982). Mamede et alii, 1981; Monta.g & Rines, 1976; Lewis, 1976 ; Sorensen &
Luckmann, 1979; King et alii, 1981.

34
35
(Giannotti, 1983 :95). O saber não é uma instância abstrata, ta assistência era prestada às pessoas em suas próprias casas
neutra, desvinculada da prática, ele é histórico por tratar-se ou nas casas de alguns cristãos que desejavam exercitar sua
de uma dimensão desta prática. Ele vai-se compondo e se caridade, proporcionando refúgio aos enfermos pobres. Neste
mesmo tempo, produziu-se um aumento considerável no número
organizando pelo comando da prática. Verificar-se-á como das instituições previstas para a hospitalização daqueles que ne-
estes instrumentos são arranjados em relação ao concreto cessitavam" (Jamieson et alii, 1968 :58) .
real, para dar conta do objeto de trabalho de enfermagem, "As diaconisas empenhavam-se em praticar o Corporal Works
demarcando-se alguns contextos históricos necessários para of Mercy, que consistia em alimentar o faminto, dar água ao
sedento, vestir o despido, visitar o prisioneiro, abrigar o desem-
a análise, sem perder de vista as relações da enfermagem pregado, cuidar do doente e sepultar o morto. (. . . ) O cuidado
com o capitalismo. consistia em dar banho nos pacientes, especialmente aqueles que
Como visto até então, as técnicas foram os primeiros tinham doenças transmissiveis e estavam febris, fazer curativos,
incluindo aplicação de compressas nas áreas queimadas, dar ali-
instrumentos que a enfermagem utilizou para manipular o mentos e dieta liquida e proporcionar o conforto fisico e espiri-
seu objeto de trabalho, o cuidado de enfermagem. Elas co- tual a todo paciente, especialmente ao moribundo" (Dolan,
meçam a ser organizadas no final do século XIX, quando a 1978:45-6).
enfermagem na Inglaterra também começa a se constituir, e Portanto, os agentes da enfermagem eram pessoas liga-
foram implementadas nos Estados Unidos, nas primeiras dé- as à Igreja que procuravam salvar a sua alma, salvando a
cadas deste século, mas sempre estiveram presentes em ou- alma do doente, através do cuidado. Verifica-se uma relação
tros momentos históricos como simples rituais de cuidados. direta dos agentes (enfermeiras) com os doentes; a enfermei-
As técnicas possibilitaram a instrumentalização do cuidado ra, na pessoa das ordens religiosas, executava o cuidado,
de enfermagem que, até o marco londrino de 1860, tinha. como mediado pelo modelo religioso.
finalidade o conforto da alma do doente. Trata-se, até então, O espírito religioso permaneceu na Idade Média e sur-
de simples procedimentos naturais e intuitivos próprios dos giram outras organizações que tinham como uma de suas
cuidados domésticos dispensados pelas famílias, às crianças finalidades o cuidado do doente: "ordens militares, regulares
e aos seus doentes. seculare,s, todas trabalhavam ·sob os auspícios da Igreja"
Faz-se necessária uma revisão histórica da enfermagem (Deloughery, 1977 :11 ). As ordens militares foram criadas
desde a era cristã, até a .i ntrodução do capitalismo na. Ingla- com as Cruzadas, as seculares "organizações religiosas de
terra, e das primeiras décadas do ·século XX nos Estados leigos, homens ou mulheres, que não faziam o voto perpétuo
Unidos, para se reter o surgimento da enfermagem e as podiam trabalhar sob a orientação da Igreja ou à margem
transformações que ocorreram no seu processo de trabalho de sua autoridade" (Jamieson et alii, 1968 :92). Entre as várias
e, desta maneira, entender o significado social das técnicas finalidades dos monastérios, como educação, arte, vida reli-
no trabalho de enfermagem. giosa, prestavam o cuidado ao doente. "A monja e o mon-
"Antes da era cristã há pouca evidência que tenha exis- ge, nos primeiros séculos da Idade Média, converteram-se
tido algum grupo organizado de mulheres enfermeiras" nos enfermeiros da sociedade ocidental" (Jamieson et alii,
(Deloughery, 1977 :5 ). Os inúmeros relatos sobre a enferma- 1968 :82 ).
gem referem-se à era cristã. No período de transição entre a queda do feudalismo e
"Os ideais de fr,aternidade, serviço, caridade e autó-sacrifi- a instalação do capitalismo, há também uma transição na
cio foram pregados pelo cristinianismo. Tais grupos de trabalho, nfermagem, denominada por vários autores como o período
cuja função principa.l era cuidar do doente e necessitado, desen- decadente e obscuro da enfermagem. "O período mais obscu-
volveram-se e organizaram-se como diáconos e diaconisas. ro da história da enfermagem foi aquele referente à última
Cuidar do pobre era meio de expiação do pecado. A enfermagem,
como uma funçã-o da igreja ligada à velha idéia contemplativa, parte do século XVII até a metade do século XIX. Durante
prevaleceu até depois do desenvolvimento da ·e nfermagem como este período, a condição da arte de enfermagem, o bem-estar
atividade secular" (Deloughery, 1977 : 5 ). do paciente, e o status de todas as enfermeiras caíram em
"Um grande aumento do número das pessoas que receberam um indescritível nível de degradação" ( Nutting & Dock,
atenção de enfermagem foi produto do cristianismo. Muita des- 1935 :499 ). As mudanças na estrutura social, o Renascimento,
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tador. (. . . ) O pessoal hospitalar não estava destinado a curar
a Reforma e outras, transformaram o trabalho de enferma- o enfermo· mas a conseguir sua própria salvação. Era um pes-
gem no que diz respeito a seus agentes, que pouco a pouco soal caritativo (laico ou religioso ) que estava no hospital para
passam a não ser mais as religiosas. Tem início a laicização fazer obras de misericórdia que lhe garantiam a salvação eterna.
(Foucault, 1978:61-3 ).
do cuidado de enfermagem.
"As mulheres que encontravam emprego como enfermeiras Portanto, quem estava nos hospitais eram os pobres e o
nos hospitais eram as que não serviam nem para a indústria. pessoal de enfermagem que cuidava destes doentes, que de-
Eram imorais, bêbadas e analfabetas. Uma decadência na qua- nvolvia simples técnicas de cuidados relacionados à higiene
lidade do serviço público para os doentes, observada jã a partir do paciente, cuidados com as feridas, preparo de chás e ali-
dos fins da Idade Média, foi-se fazendo cada vez mais pronun-
ciada. Colocou-se agora de manüesto uma mudança na organi- mentação, lavagem de roupas e cuidados com o ambiente do
zação do serviço hospitalar. O serviço, que foi durante muitos paciente. São ações relativas a fazer coisas para trazer o
séculos gratuito, passou, lentamente, a ser pago. (. .. ) As enfer- alivio da alma do doente.
meiras recebiam um pagamento e uma comida exiguos. Em tro-
ca, esperava-se muito delas. O trabalho da casa, a esfregação "O fator principal que contribuiu para a medicalização
e a lavagem das roupas absorviam uma grande parte do tempo, do hospital não foi a busca de uma ação positiva sobre o
as horas de serviço oscilavam entre doze e - em algumas ocasiões doente e nem sobre a doença, mas sim, simplesmente, a anu-
- quarenta e oito horas seguidas" (Jamieson et alii, 1968: lação dos efeitos negativos do hospital" (Foucault, 1978 :63).
129-30). Os primeiros hospitais que se organizaram foram os maríti-
No resumo histórico até aqui realizado, do início do mos e militares:
cristianismo até o feudalismo na Idade Média, temos uma "A partir da. transformação técnica do exército, em fins do
enfermagem independente da prática médica, ou seja, suas sécu~•o XVII: . o h?spital militar converteu-se em uma questão
ações não pressupunham ordens médicas ou planos médicos té~mc~ e mll_itar important1;. ( ... ) A reordenação destes hospi-
terapêuticos. Parece que eram dois trabalhos com objetos e tais nao partm de uma técmca médica, mas sim. essencialmente,
objetivos düerentes e as técnicas signüicavam simples proce- de uma tecn~logia que poderia denominar-se política: a discipli-
na. (. . . ) A mtrodução dos mecanismos disciplinares no espaço
dimentos caseiros, pois o objetivo do cuidado de enfermagem confu~o do hospital permitiu sua medicalização. (. . . ) Mas se
não se ligava ao corpo do doente e nem à sua doença: im- esta di~ciplina ad51uire carãter médico, se este poder disciplin'lr
portava o conforto da alma do paciente para sua salvação e se confia ao médico, deve-se também a uma transformação do
a dos agentes da enfermagem, portanto, sem necessidade de saber médico. ( .. . ) A perspectiva de cura encaminha -se um
pouco à margem da doença e do organismo, orienta-se até o
uma teoria do cuidado de enfermagem. Este foi o modelo meio que o rodeia: o ar, a i gua. a temperatura. ambiente, a dieta,
religioso de enfermagem. "Medicuia e enfermagem tiveram a ali~e;11tação e out~os. É uma medicina do meio que se estã
origens independentes e existiram por muitos séculos sem constltumdo, na medida em que a doença é concebida como um
muito contato" (Delonghery, 1977 :4 ). Foucault ajuda a acla- fenômeno_natural que obedece às leis naturais. (. .. ) É no ajuste
destes dois processos. o deslocamento da intervenção médica e
rar a questão da independência destes dois trabalhos, no re- a aplicação de disciplina no espaço hospitalar, onde se encontra
lato que faz da incorporação do hospital, no século XVIII, a origem do hospital médico. ( ... ) Portanto, o saber médico,
na Europa, ao saber médico: que até o século XVIII estava localizado nos livros, em uma
"O hospital que funcionava na Europa desde a Idade Média espécie de jurisprudência médica concentrada nos grandes tra-
não Eµ"a , por nenhum conceito, um meio de cura, nem havia sido tados clãssicos de medicina, começa a ocupar um lugar, não nos
concebido para curar. Na história do cuidado do doente no Oci- textos, senão_ 1:º hospital. (. .. ) Com a aplicação da disciplina
dente, houve, na realidade, duas classes distintas que não se su- do espaço medico e pelo fato de que se pode isolar cada indivi-
perpunham, que às vezes se encontravam, mas que diferiam fun- duo, instalã-lo em uma cama. prescrever-lhe uma dieta, etc.,
pretende-se chegar a uma. medicina individualizante. Com efeito
damentalmente, a saber : a médica e a hospitalar. {. .. ) Até o
século XVIII o hospital era essencialmente uma instituição de é o individuo que serã observado, vigiado, conhecido curado.
individuo surge como objeto do saber e da prãtica médica" (Fou-
o
assistência aos pobres, mas, ao mesmo tempo, era uma instituição cault, 1978:64-72) .
de separação e exclusão. O pobre, como tal, necessitava de assis-
tência e, como enfermo. era ' portador de doença e possivel pro- O capitalismo que se instalava vai necessitar do corpo
pagador das mesmas. Em resumo, era perigoso. Dai a necessi- como força de trabalho e cabe à medicina a sua manutenção
dade da assistência do hospital, tanto para recolhê-lo como para e restauração.
proteger os demais contra o perigo de que o paciente era por-

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O saber médico traduz-se também em poder que se cris- somente a natureza cura. Cirurgiões removem a bala (projétil)
taliza no topo da hierarquia hospitalar e passa a dirigir todas de um membro, que tem uma obstrução para curar, mas a natu-
as práticas advindas da divisão social do trabalho no hospi- reza cicatriza o ferimento. Assim sendo, isto é com a medicina;
tal. As relações de dominação-subordinação se estabelecem, a função de um órgão torna-se obstruida; a medicina, tanto
quanto sabemos, assiste à natureza para remover a obstrução,
e a prática de enfermagem, de independente passa a ser uma mas não faz nada mais. E o que a enfermagem tem que fazer,
prática dependente e subordinada à prática médica. em cada caso, é colocar o paciente na melhor condição para a
"Desde o momento em que o hospital se concebe como um natureza a.gir" (Nightingale, 1946:74-5).
instrumento de cura e a distribuição do espaço se converte em "Em 1893, Nightingale claramente distinguiu dois tipos de
instrumento terapêutico, o médico assume a responsabilidade enfermagem; uma que ela nomeou de 'a própria arte de enfer-
principal da organização hospitalar. ( . .. ) Se o regime alimentar magem', que é a 'arte de cuidar o doente', descrita como 'geral-
a ventilação, o ritmo da ingestão liquida, e outros haviam de mente praticada por mulheres sob a direção de cientistas - fi-
ser fatores de cura, o médico, ao controlar o regime do enfermo, sicos e cirurgiões'. A outra ela nomeou 'enfermagem de saúde
assume até certo ponto o funcionamento econômico do hospital, ou enfermagem geral', que é a arte de saúdé; que toda mulher,
que até então era um privilégio das ordens religiosas. (. .. ) Esta jovem, senhora, professora, babá, toda mulher deve aprender.
inversão da ordem hierárquica no hospital com a ocupação do A enfermeira deve reconhecer as leis da vida, as leis da saúde,
poder pelo médfoo reflete-se no ritual de visita. O desfile quase como reconhecer as leis da doença, a causa das doenças, os sin-
religioso, encabeçado pelo médico, seguido de toda a hierarquia tomas da doença, ou os sintomas, podem ser, não da doença, mas
do hospital: assistentes, alunos, enfermeiras e outros ante a da enfermagem má ou boa. Nightingale apresenta seu conceito
cama de cada paciente. Essa codificação ritual da visita, que de saúde e de doença e as relações da enfermagem com eles. O
assinalava a implantação do poder médico, encontra-se nos re- que é enfermidade? Enfermidade ou doença é uma maneira de
gulamentos de hospitais do século XVIII, nos quais se indica a natureza livrar-se das condiçõe.;; que têm interferido com a
onde deve colocar-se cada pessoa, que a presença do médico deve saúde. É a tentativa da natureza de curar. Nós temos que aju-
ser anunciada por uma campainha, que a enfermeira deve estar dá-la. Doenças são, praticamente falando, adjetivos e não subs-
na porta com um caderno na mão, acompanhar o médico quando tantivos. O que é saúde? Saúde nã•o é somente estar bem, mas
entra, e outros" (Foucault, 1978:70-1). ser capaz de usar bem toda força vital que temos. O que é en-
As duas práticas, a médica e a de enfermagem, que eram ferma%em? Ambos os tipos de enfermagem são colocar-nos na
independentes, encontram-se agora no mesmo espaço geo- melhor condição possível para a natureza restaurar ou preser-
var a saúde" (Nightingale, in Nursing Development Conference
gráfico, o espaço hospitalar, e no mesmo espaço social, o do Group, 1979:62-3).
doente. Começa a se construir a teoria do objeto da medicina,
voltada para o corpo. E o que ocorre com o modelo religioso "O conceito central que é mais refletido dos escritos de
do cuidado de enfermagem? Este vai aos poucos sendo substi- Nightingale é aquele do ambiente" ( Chairperson, 1.980 :28 ). A
tuído por um cuidado do ambiente do paciente, para dar con- ordem vigente era diminuir os efeitos negativos que o hospi-
dições para a natureza agir no corpo do paciente. Enquanto tal causava. Portanto, o cuidado de enfermagem vai abando-
o saber da medicina vai passando do meio ambiente para o nando a finalidade religiosa e passa a ter a finalidade do
doente, a enfermagem centra-se no seu ambiente. Os concei- controle do meio ambiente do paciente. E a disciplina é o
tos de enfermagem emitidos por Florence Nightingale, em elemento-chave que é também incorporado pela enfermagem
1859, na Inglaterra, deixam clara esta posição: "eu uso a pa- a fim de normatizar e regulamentar toda a vida do hospital.
lavra enfermagem por falta de um~. melhor. Ela tem sido li- "É preciso individualizar e distribuir os doentes em um espa-
mitada para significar mais que administração de medica- ço onde possam ser vigiados e onde seja registrado o que
mentos e aplicação de cataplasmas. Significa o próprio uso acontece; ao mesmo tempo se modificar o ar que respiram, a
de ar fresco, luz, calor, limpeza, silêncio e a própria seleção temperatura do meio, a água que bebem, o regime, de modo
e administração de dieta" ( Nightingale, 1946 :6). Procurando
diferenciar a enfermagem da medicina . comenta: que o quadro hospitalar que os disciplina seja um instrumen-
to de modificação com função terapêutica" (Foucault, 1981:
"pensa-se sempre que medicina é um processo de cura. Não é
tal coisa; medicina é a recuperação de funções, corno a própria 107-8 ). E esta função a enfermagem desempenhou-a muito
recuperação dos membros e órgãos. Ninguém pode fazer qual- bem, pois ela já se encontrava trabalhando no hospital e, por-
quer coisa mais que remover obstruções; ninguém pode curar; tanto, conhecendo-o muito bem.
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conômico inferior, recebendo ensino gratuito, devendo, po-
Não só o ambiente físico do hospital passa a ser objeto rém, prestar serviços no hospital durante, pelo menos, um
de disciplinamento, como também o pessoal de enfermagem, ano após o curso. Estas prestavam o cuidado direto ao pa-
pois, como relatado anteriormente, o cuidado era re~liz~? ciente (Abel-Smith, 1960 :23).
por mulheres decadentes, necessitando, portanto, de d1sc1ph-
namento. A introdução de mecanismos disciplinares no espa- Vista historicamente, a Escola Nightingale tornou-se, na
ço confuso do hospital permitiu a sua medicalização. Não prática, mais importante como escola de treinamento para
teria sido esta vertente, também, a que possibilitou o nasci- matrons do que uma escola de treinamento para nurses. As
mento da enfermagem moderna, juntamente com o espírito ladies eram enviadas com o objetivo especial de que elas de-
de reforma social com o fim de melhorar as condições de veriam passar a ser antes superintendentes, assistentes, e por
saúde da Inglaterra no século XVIII que se industrializava, último enfermeiras de cabeceira ou de unidades ( Abel-Smith,
1960 :24 ).
com um aumento considerável da população urbana e da
classe pobre e das relações da doença com as péssimas con- "O magnüico plano da escola Nightingale foi que deveria
ser acima de tudo preparar mulheres para o hospital e enfer -
dições sociais? Surge então a necessidade de treinamento marias e aí organizar o trabalho de reforma da enfermagem e
formal do pessoal hospitalar para dar assistência de enfer- ensino. ( ... ) As alunas Nightingale, como eram chamadas, não
magem e muito mais ainda para disciplinar a conduta da foram treinadas para serem enfermeiras particulares, como
enfermeira a fim de diminuir os efeitos negativos do hospital. aquelas das primeiras organizações inglesas tinham sido, mas
foram proeminentemente encorajadas a tornarem-se pioneiras,
Este plano é levado a efeito, em 1860, na Inglaterra, por professoras e regeneradoras da organizacão hospitalar e do sis-
Florence Nightingale,3 dama da tradicional aristocracia ingle- tema de enfermagem" (Nutting & Dock, 1935:182-3).
sa, que permaneceu durante três meses no Instituto de Nightingale legitimou a ·hierarquia e disciplina no traba-
Diaconisas de Kaiserswerth, um estabelecimento anglicano lho de enfermagem, trazidas da sua alta classe social, da or-
na Alemanha, com a finalidade de observar o trabalho de en- ganização religiosa e militar, materializando as relações de
fermagem. Mas foi na Guerra da Criméia que pôde desenvol- dominação-subordinação, reproduzindo na enfermagem as
ver-se e habilitar-se na arte de enfermagem: relações de classe social. Introduziu o modelo vocacional ou
"O zelo religioso do Instituto das Diaconisas de Kaiserswerth, a arte de enfermagem. A hierarquia no serviço de enferma-
a disciplina militar dos hospitais de Scutari, o estilo de vida aris- gem nos hospitais já existia anteriormente; sempre houve um
tocrática da família Nightingale, tudo isso foi amalgamado e elemento que era a chefe, geralmente a matron, que data do
imposto às primeiras alunas da Escola do Hospital São Thomas.
As alunas ficavam sob supervisão continua durante dez horas século XVI, mulher de classe social alta, casada, voluntária
de trabalho nas enfermarias e eram obrigadas a ter um diário do hospital; abaixo estava a sister, responsável pelas enfer-
e reportar tudo semanalmente. Qualquer lapso na_ sobrieda~e ou marias, e a nurse que executava o cuidado ao pobre.
honestidade significava dispensa. ( ... ) A supervisao estendia-se
também para os períodos de folga. (.. . ) ~orar no lar Nigh~in- "As características principais instituidas por Florence Nigh-
gale fazia parte do treinamento. Miss N1ghtlngale achava isso tingale no São Thomas, e subseqüentemente copiadas em muitos
essencial para o treinamento moral e do ~aráter. (. .. ) _um mi- outros hospitais, foram quatro: 1) A matron é suprema. Ela é res-
nimo de condições educacionais e um máximo de elevaçao mo_ral ponsável pela enfermagem no hospital, pela cozinha, pela la-
eram requisitos essenciais para entrar na escola" (Abel-Smith, vanderia e pelo staff doméstico, pela escola de enfermagem e
1960-21) . pela nomeação e demissão do staff de enfermagem. (. .. ) 2) As
Eram admitidos na Escola dois tipos de alunas, social- estudantes de enfermagem devem morar aí, para a boa educa-
mente distintos: as lady-nurses, provenientes de famílias de ção e moral, assim como para a disciplina, seu lar sendo atri-
"classe alta" aptas a custear seus próprios estudos, destinan- , buido ao hospital e sob a confiança da Home Sister. 3) Ensina-
mento teórico deve ser dado às enfermeiras, incluindo instrução
do-se a taref~s de supervisão, ensino e difusão dos princípios em ciências básicas. 4) As enfermarias devem ser ocupadas pela
nightingalianos da enfermagem; as nurses, de nível sócio- sister, um lugar de grande dignidade e importância: ela é res-
ponsável, sob a direção da matron, para o ensino prático das
enfermeiras" (::C,eymer, 1949:124-5 ).
3. Sobre a vida de Florence Nightingale· ver Seymer (1949, s./d.).
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relacionadas às medidas de prescrição e as para com os pacientes
Mas, além do cuidado do ambi~nte do paciente, era ne- são de fazer tudo o que for de efetivo para sua saúde e conforto
cessário executar as ordens médicas dirigidas à cura do doen- e antecipar suas vontades" (Nursing Development Conference
te e foi o pessoal de enfermagem quem desempenhou esta Group, 1979:64) .
função. "Enfermeiras, no começo do século XIX, tinham O modelo religioso de enfermagem emerge no mundo
muito mais experiência prática em cuidar do doente, mas cristão, atravessa a Idade Média e vai-se defrontar com o
elas não tinham nenhum conceito de medicina científica e capitalismo na Inglaterra, no final do século XVIII e início
nenhum conceito de responsabilidade social. O médico neces- do século XIX, e com a ascensão da burguesia e sua instala-
sitava de um assistente que pudesse trabalhar cientificamente ção como classe social dominante, que dará o signüicado de
e pudesse assistir inteligentemente" (Deloughery, 1977 :5), arte ou vocação à prática de enfermagem, para tornar possí-
mas sob sua subordinação. vel o treinamento de alguns agentes. Portanto, no capitalismo,
"O recrutamento de um grande número de mulheres da classe o modelo religioso é substituído pelo vocacional.
média, ou as da classe baixa que aspiravam à ascensão não era Com as transformações sociais, a prática médica também
visto como ameaça à profissão médica, visto que a estas enfer--
meiras faltava o conhecimento médico. (. .. ) O cuidado médico se transforma para dar resposta ao modelo burguês. O saber
na virada do século consistia basicamente em responder às alte- médico começa a se estruturar tendo como objeto o corpo e
rações do estado do paciente (. .. ) e as enfermeiras poderiam a enfermagem também se transforma para ocupar o lugar de
ajudar os médicos a diminuir o tédio de observar pacientes, de prática dominada. Assim, a institucionalização da enferma-
maneira a dar conta do grande número de pacientes que entrava
nos hospitais. Deste modo, a habilidade do cuidado de enferma- gem surge com a finalidade principal de disciplinar a conduta
gem foi a principal contribuição para a recuperação do paciente do pessoal que trabalhava nos hospitais e executar o modelo
e, assim sendo, era de interesse dos médicos facilitar o desen- disciplinar do espaço do doente, ventilação, água, higiene e
volvimento da enfermagem. (. .. ) É argumentado por alguns outros. Nightingale dizia: "disciplina é a essência do treina-
que Nightingale, devido a seu status de classe alta, foi respon-
sãvel pela institucionalização do papel da enfermagem como su- mento. Engloba ordem, método, e, como nós obtemos algum
bordinado ao médico. Sua recusa em Scutare em permitir que conhecimento das leis da natureza (leis de Deus), nós não
enfermeiras por si só prestassem o cuidado bãsico de enferma- somente 'conseguimos ordem, método, um lugar para tudo,
gem sem ordens dos cirurgiões militares é visto por alguns como cada um no seu próprio trabalho, mas nós obtemos pouco
um precedente crucial na definição de enfermeiras como subor-
dinadas aos médicos em todos os aspectos de seu trabalho, mes- gasto de material, de força ou espaço; também, nenhuma
mo no cuidado bãsico de enfermagem, nos quais falta aos médi- pressa, e nós aprendemos a ter paciência com as circunstân-
cos a destreza" (Smith, 1982:45-8). cias e conosco próprios, e então, como aprenderemos, nós nos
O fato ocorrido é importante para análise, mas não se tornaremos mais satisfeitos em trabalhar onde estamos co-
podem buscar explicações só nos precursores, subvalorizando locados, mais ansiosos em realizar o trabalho que ver o re-
as transformações históricas. sultado; e, assim, Deus, sem dúvida, dá-nos paciência e fir-
meza para continuar nossa sagrada labuta" ( Nutting & Dock,
Através dos conceitos de enfermagem emitidos na época, 1935 :257). Sobre treinamento Nightingale ainda dizia:
pode-se também detectar a subordinação do trabalho de en-
,fermagem ao trabalho médico. Nightingale, ao definir os dois "significa ensinar a enfermeira a conhecer todo seu trabalho,
que é observar com exatidão, compreender, saber exatamente,
tipos de enfermagem, dizia que um deles era "a arte da en- fazer, contar exatamente, nos estupendos problemas de vida e
fermagem do doente, praticada por mulheres sob direção de morte, saúde e doença. Treinamento é capacitar a enfermeira
científica de físicos e cirurgiões" ( Nursing Development Con- para agir da melhor forma na execução de ordens, não como
ference Group, 1979 :63). Shaw, que foi contemporânea de uma mãquina, mas como uma enfermeira. (. .. ) Treinamento é
tornã-la não servil, mas fiel às ordens médicas e de autoridades.
Nightingale, dizia que Verdadeira fidelidade às ordens não pode ser sem o indepen-
"as tarefas da enfermeira são descritas de três tipos: para cón- dente senso de energia e de responsabilidade. (. . . ) Treinamento
sigo, para com o médico e para com o paciente. As tarefas da é ensinar a enfermeira como executar as atividades sob o nosso
enfermeira para consigo são enfatizadas como aquelas que ela controle que restauram a saúde e a vida, em estreita obediência
deve continuar a ajudar os outros. As tarefas para com o mé- ao poder e conhecimento dos fisicos e cirurgiões (. .. )" (Nutting
dico são vistas como aquelas que levam a efeito as diretrizes & Dock, 1935:256-7).

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Os princípios do sistema de treinamento que Nightingale ,:leve ser levada naturalmente à matron. 3) toda disciplina deve
instituiu eram dois principais : "as enfermeiras deveriam ter p,:;tar, naturalmente, sob o comando da matron (superintendente)
seu treinamento técnico nos hospitais organizados para este e a enfermeira sob a direção das sisters, de outro modo a enfer-
fim e elas deveriam morar em um lar próprio para formar magem é impossivel. E aqui eu deveria acrescentar, sem que
haja uma hierarquia de mulheres - matron ou superintendente,
sua vida moral e disciplinar" (Nutting & Dock, 1935 :192). sisters ou enfermeiras-chefes, assistentes ou enfermeiras notur-
Pode-se, ainda, detectar o modelo disciplinar da enfermagem nas, serviçais - a disciplina torna-se impossivel. Nesta hierar-
viabilizado por Nightingale em uma carta que responde a quia, o grau mais alto deve sempre conhecer as tarefas do infe-
um médico, membro do Comitê de organização de uma das rior a ele, melhor que o mais baixo as realiza. ele próprio. E
assim por diante até a chefe. De outro modo, como serão capa-
três primeiras escolas de treinamento para enfermeiras nos zes de treinar? Influência moral sozinha não faz um bom trei-
Estados Unidos, escola esta ligada ao Hospital B·enevue em namento" (Nutting & Dock, 1935:388-91 ).
Nova Iorque, cuja data de criação foi o ano de 1873. Ela dei- O treinamento dos agentes da enfermagem introduzido
xa evidente que a finalidade do treinamento de enfermeiras por Nightingale refere-se às técnicas disciplinares de enfer-
é o disciplinamento dos seus agentes para que as ordens mé- magem a fim de delimitar o espaço social que cada trabalha-
dicas pudessem ser executadas com presteza e competência. dor da saúde deve ocupar na hierarquia do micropoder hos-
Estes são alguns trechos da carta : pitalar, e, em especial, a preocupação com a hierarquia do
"Você diz da grande dificuldade em definir as instruções, as pessoal de enfermagem. Como visto, o treinamento era rea-
obrigações, e a posição das enfermeiras em distinção àquelas lizado em níveis de complexidade, tarefas de cuidados dire-
do corpo médico, e você está ansioso em saber o meu ponto de
vista sobre este assunto. Isto é uma dificuldade? Uma enfer- tos dirigidas aos elementos menos categorizados socialmente
meira não é um médico homem. Nem é ela uma médica mulher. e tarefas de gerência aos elementos ma.is categorizados so-
Cuidadosamente, nós, em nosso treinamento, evitamos confusão, cialmente. E as relações com o corpo médico deveriam ser
na prática e na teoria, de permitir que as mulheres suponham feitas através da matron, nunca diretamente entre o médico
que as tarefas de enfermagem e as médicas se choquem ou so-
breponham-se, embora freqüentemente nos tem sido solicitada e aquela que prestava o cuidado. O treinamento dos agentes
permissão para que ladies que desejam ser "médicas" com faci- da enfermagem, que foi introduzido no século XIX, teve a
lidade (sem estudar ), venham para o Hospital São Thomas como finalidade, num primeiro plano, de legitimar a hierarquia de
enfermeiras, então lhes é dito o seguinte: o conhecimento do poder que já existia entre o pessoal de enfermagem e disci-
profissional médico, nós nunca consentimos mesmo para admitir
tais aplicações, de modo a evitar indicio de encorajamento nesta plinar as relações de poder no ambiente hospitalar, princi-
grotesca semelhança, e vacilar em assunto de vida e morte, que palmente entre o médico e a enfermagem, ou seja, uma disci-
isto implicaria. (. .. ) Ao contrário, há enfermeiras, e exclusiva- plina do espaço destes agentes, sempre sob o comando da
mente, para executar as ordens médicas e dos cirurgiões, in- vocação e arte.
cluindo, naturalmente, todas as práticas de limpeza, de ar fresco,
dieta, e outras. Toda organização de disciplina que as enfermei- Num segundo plano, objetivou disciplinar as tarefas da
ras devem ser submetidas é com a exclusiva finalidade de capa- enfermagem sempre sob a direção médica. As tarefas de en-
citá-las a executar, inteligentemente e fielmente, tais ordens e
tais tarefas como é constituída toàa a prática de enfermagem. fermagem eram aquelas que já vinham sendo realizadas e o
(. . . ) E para esta finalidade ·e las devem estar, para um controle que se introduziu de novo foram os elementos relacionados,
disciplinar e interno, inteiramente sob a direção de uma mulher, não diretamente ao paciente, mas ao seu espaço geográfico
uma superintendente treinada, cujas funções são observar que as imediato, como limpeza, luz, calor, dieta e outros. Portanto,
tarefas de enfermagem devem ser realizadas de acordo com um
padrão. Para isto eu digo: 1) a enfermagem hospitalar, incluindo se pouca coisa é introduzida no saber da enfermagem, a disci-
a execução das ordens médicas, deve ser realizada para a satis- plina tanto enfatizada não teve outra função, internamente à
fação dos médicos cujas ordens que dizem respeito ao doente enfermagem, senão a de legitimar o poder através da hierar-
devem ser executadas. E nós dependemos da enfermeira inteli- quia hospitalar. Pode-se chamar de vocacional este modelo
gentemente treinada e do cultivo da moral da mulher, que fará
isto melhor que a ignorante, tola mulher. (. .. ) 2) que toda mu- de enfermagem, que teve uma função ideológica de valorizar
dança desejada, reprimenda, etc., ·e m enfermagem e para as en- o trabalho de enfermagem degradante dos hospitais, tradu-
feimeiras, sejam referidas pelos médicos para a superintendente. zindo-o como uma sublime arte, a fim de disciplinar os seus
(. . . ) Toda queixa considerável contra a enfermeira ou sisters agentes e regular o modo de vida, segundo o capitalismo. As
46 47
técnicas de enfermagem que se vão desenvolver nas primei- magem possível dentro de uma hierarquia de poder, com o
ras décadas do século XX tiveram, portanto, sua gênese sob objetivo principal de auxiliar o trabalho médico. Desta forma
o comando da disciplina espacial ( nos termos de Foucault) não havi~ lugar para se desenvolver qualquer saber, pois nã~
para a constituição do micropoder hospitalar. Portanto, na era o cuidado de enfermagem o alvo de preocupação mas
origem da enfermagem moderna não se observa uma preo- sim ~ disciplinamento dos seus agentes para tornar o :spaço
cupação maior com os instrumentos de trabalho que permi- hospitalar possível como meio de cura.
tirão prestar o cuidado de enfermagem, mas esta mesma
A literatura de enfermagem enfatiza muito este período
disciplina vai ser o elemento-chave também quando da siste-
matização das técnicas de enfermagem. O saber da enferma- da mudança da enfermagem tradicional para a moderna. O
gem é delineado em relação ao que rodeia o paciente : o que se pode computar a esta transformação é muito mais o
ambiente, a ventilação, a aeração, a limpeza e outros. Corres- treinamento disciplinar dos agentes do que o início da ·elabo-
ração do saber de enfermagem.
ponde exatamente à necessidade histórica dos serviços de
saúde que se organizavam como projeto do capitalismo que É no começo do século XX que começam a ser elabora-
se instalava. Em relação aos procedimentos de enfermagem dos e intensificados os meios de trabalho, ou seja, as técnicas
para o cuidado do paciente a literatura não comenta como de enfermagem e os procedimentos a serem executados para
estes nasceram e como foram se sistematizando. O que se tem a prestação do cuidado, mas que enfatizavam a economia de
é a descrição do que cabia à enfermeira fazer como mostra tempo e movimento a fim de dar conta das inúmeras tarefas
a lista de tarefas que a aluna deveria cumprir durante o pe- hospitalares, como será visto adiante, e a possibilidade do
ríodo de treinamento instituído na Inglaterra ( Bixler & controle, feito por enfermeiras, do grande número do pessoal
Bixler, 1954: 138-9 ). de enfermagem subalterno que terá de ser utilizado nos
A parte teórica consistia de elementos sobre anatomia, hospitais.
fisiologia, farmacologia e outros, dada pelos médicos instru- A bibliografia disponível no Brasil sobre a enfermagem
tores, e a supervisão da prática ficava sob responsabilidade no início, do século XX é toda referente aos Estados Unidos
da matron e sisters. Mas como realizar este projeto se o tra- pois, no Brasil, neste período, a rede hospitalar era incipient~
balho com o doente era tido como o mais degradante? Sur- e apenas se esboçava a criação de algumas escolas de enfer-
gem mulheres da classe média e alta para levarem o plano a mage~_. ~omente em 1923 surge o projeto de uma escola que
efeito e se organiza uma ideologia em torno da prática de se ofICiahzou como padrão para outras escolas brasileiras.
enfermagem, como sendo uma vocação, um chamado, um Logo, as fontes de-dados sobre a aplicação prática das técni-
trabalho que requer auto-sacrifício, etc. Portanto. o modelo cas de enfermagem, que também se desenvolveram neste
religioso vai dar lugar ao modelo vocacional, ou ao modelo período, são referentes àquele país.
da arte de enfermagem, que foi assim definido por Nightin-
gale: O sistema Nightingale foi implantado nos Estados Uni-
"a enfermagem é uma arte; e para realizá-la como arte, requer dos no ano de 1873, com a criação de três escolas: nos
uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como estados de Nova Iorque, junto ao Hospital Bellevie· em
a obra de qualquer pintor ou escultor; pois, o que é tratar da Connecticut, no Hospital New Haven, e em Massachu;etts,
tela morta ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo no hospital Massachusetts General (Nutting & Dock 1935:
vivo - o templo do espirito de Deus? É uma das artes; e eu
quase diria, a mais bela das Belas-Artes" (cit. em Seymer, s./d. 371 ) . O sistema de independência de administração de ~scolas
106). de enfermagem instituído por Nightingale não sobreviveu na
Sendo assim, até o período da institucionalização da en- América; prevaleceu a convicção oposta de que as escolas de
fermagem, não há elaboração de meios de trabalho direcio- enfermagem existiam para prover o serviço de enfermagem
nados para dar conta do cuidado de enfermagem. Há uma para o hospital.
elaboração de práticas ideológicas, que são traduzidas pelo O crescimento fenomenal de hospitais tornou impossí-
modelo vocacional da enfermagem, modelo este comandado vel ~~e as atividades estudantis fossem controladas por
pela técnica disciplinar, a fim de tornar o trabalho de enfer- adm1mstradores escolares. A rápida aplicação das novas des-
48 49
"Não havia a preocupação com o crescimento intelectual !111
cobertas científicas dos anos do último quarto do século estudantes, apenas interesse em torná-las rápidas e efici ntl'
no atendimento aos doentes. Não se cogitava, portanto, de s J ,_
XIX deram aos estudantes de enfermagem muito mais tra- cionar experiências de aprendizagem adequadas; procedia-se à
balho para fazer que tempo para a sua educação ( Bixler & distribuição de tarefas, cobrindo as necessidades da instituição
Bixler, 1954 :142). com o trabalho das alunas" (Carvalho, 1972:21).
"O rápido crescimento dos hospitais foi acompanhado por O rígido treinamento devia desenvolver na estudante :
um aumento similar de escolas de enfermagem, e tornou-se respeitabilidade, obediência, delicadeza, submissão, destreza
idéia corrente que os hospitais deveriam preencher o quadro de no trabalho pesado, lealdade, passividade e religiosidade. A
pessoal com estudantes e que o treinamento que estes necessi- situação da má qualidade da assistência de enfermagem se
tavam poderia ser adquirido no cuidado ao paciente no hospital.
O número de escolas aumentou vertiginosamente para cobrir o refletiu nos temas dos primeiros trabalhos de pesquisa, no
quadro de pessoal dos hospitais. Em 1890 havia 35 escolas. dez começo do século, que estavam voltados para a área de estu-
anos após. 432 e, em 1909, o número cresceu para 1.096" <Bixler do da educação em enfermagem ou administração de enfer-
& Bixler. 1954:144 l. magem, isto porque as líderes da enfermagem acreditavam
"O ensino consistia de procedimentos sem ênfase no que a prática poderia melhorar através da melhoria da qua-
'porquê', ou sem o delineamento dos princípios científicos" lidade da educação em enfermagem (Notter, 1978; Simmons,
( Bixler & Bixler, 1954: 154 ). Uma aluna de enfermagem escre- 1964 ). É neste quadro dos hospitais americanos que a técnica
veu no seu diário sobre as técnicas: o procedimento de de enfermagem começou a se organizar como meio de tra-
arrumar as camas é uma exposição exemplar da rígida aten- balho de enfermagem, não tanto para dar conta do objeto de
ção para a exatidão dos detalhes insignificantes na realização trabalho, ou seja, prestar o cuidado de enfermagem, mas
das tarefas de todo o hospital. Os lençóis devem ser estendi- para dar conta da grande demanda destes cuidados ( resulta-
dos de maneira tal com suas franjas dobradas de certo modo; do do maior número de internações devido ao aumento do
os cobertores da mesma forma, com grande exatidão, nenhum número de hospitais e ao maior fluxo de pacientes, com me-
décimo de polegada a mais ou a menos que o outro; a colcha nor tempo de internação). Daí o emprego de um grande nú-
branca deve ser colocada com exatidão geométrica, sua parte mero de pessoal de enfermagem, sem preparo, necessitando,
dos pés deve ser dobrada de um modo especial, enquanto os portanto, de simples instrução, passo a passo, sobre a ma-
travesseiros devem ser sacudidos e nivelados até que pare- neira de executar um procedimento, mas sem a necessidade
çam almofadas. Finalmente, um deve ficar ao nível da cama de aprender o porquê dele.
e o outro em pé na cabeceira, como sentinela ( Beatrice & A utilização, nos hospitais, de força de trabalho de enfer-
Kalisch, 1975 :223-63 ). magem, a princípio por estudantes de enfermagem ( que não
"No princípio da organização da enfermagem nos Estados
recebiam orientação) e, a seguir, por pessoal elementar trei-
Unidos. procedimentos e rotinas eram muito simples. Os estu- nado no próprio serviço, foi fator desencadeante para a im-
dantes freqüentemente recebiam suas instruções nas enfermarias plementação das técnicas de enfermagem. A rigidez de sua
através da enfermeira-chefe. Gradualmente o conteúdo foi-se execução ligava-se ao projeto administrativo hospitalar de
ampliando. O desenvolvimento da ciência médica aumentou o
número de testes diagnósticos. tipos de tratamento e tipos de controle da força de trabalho,· controle este realizado por
equipamentos com os quais a enfermeira devia se familiarizar'' enfermeiras, na manutenção das relações de poder no espaço
(Jensen. 1942:27) . hospitalar.
Várias tarefas que eram da competência médica passaram A questão da utilização de força de trabalho de enferma-
a ser executadas pela enfermagem : gem, principalmente de pessoal elementar, é uma grande
"A verificação de temperatur<1 foi a primeira delegada com
preocupação dos administradores hospitalares. Ao mesmo
cautela. seguida das injeções hipoMrmicas. l. .. l Apesar da de- tempo em que é necessário o seu trabalho, pois a divisão do
manda de pacientes com constante necessidade de atuação médica trabalho de enfermagem tem-se mostrado, no capitalismo,
para o diagnóstico e práticas terapêuticas. tornou-se necessário ascendente, o controle social destes trabalhadores deve se
transferir muitos dos procedimentos clínicos para as enfermei- acentuar, · pois numericamente eles vão aumentando, repre-
ras" !Bridgman. 1953:27).
51
50
sentando, atualmente, cerca de 70% do pessoal de enferma- de Taylor sobre a gerência era baseada na premissa de que
gem. Acresce o fato de que nas instituições hospitalares o gerentes são pessoas capazes de pensar e planejar; o operá-
pessoal de enfermagem é, numericamente, o pessoal m_ais re- rio era visto como uma pessoa que necessitava de supervisão
presentativo. Portanto, caberá às enf~rmeiras, que sao e~ cerrada e constante direção" (Beswetherik, 1979 :18-22).
pequeno número e de classe social mais alta que a dos awa- No início do século, a indústria nos Estados Unidos teve
liares, o controle social desta força de trabalho : o pessoal um grande desenvolvimento, "tornou-se a primeira grande
auxiliar de enfermagem. potência industrial no mundo com um terço da capacidade
Os instrumentos e técnicas de enfermagem, como foram manufatureira mundial : ( ... ) A transição do capitalismo li-
concebidos nas primeiras décadas deste século, com a aten- beral para o monopolista, a transformação da empresa patri-
ção voltada não para o doente, mas para ~ procedim~1;1to a monial em burocrática, a substituição da energia a vapor pela
ser executado e viabilizando o controle social dos awallares, eletricidade implica uma resposta intelectual: F. W. Taylor"
possibilitara~ uma prática de enfermagem que foi deno~in~- (Tragtenberg, 1980 :71 e 193).
da de modalidade funcional.' Esta perdurou nas pnmei- As idéias centrais do movimento de administração cien-
ras décadas deste século nos Estados Unidos, mas ainda se tifica são, resumidamente, as seguintes, segundo Motta ( 1981 :
encontra presente na enfermagem brasileira. O foco da aten- 6-8) : 1) homo oecconomicus - o homem é um ser eminente-
ção de enfermagem, nesta modalidade, são ~s tarefas e . o~ mente racional e que, ao tomar uma decisão, conhece todos
procedimentos. Há um princípio de reconhecimento de divi- os cursos de ação disponíveis, bem como as conseqüências
são de trabalho, com maior ênfase nos cuidados a serem da opção por qualquer um deles. Pode, assim, escolher sempre
prestados ao paciente, sendo que estes são agrupados Pª.:ª a melhor alternativa e maximizar os resultados de sua deci-
fins de economia de tempo e de maior presteza na execuçao são; 2) produção-padrão - a função primordial do adminis-
do serviço. Os cuidados a serem prestados a um paciente trador é determinar a única maneira certa de executar o
são distribuídos por alguns elementos da enfermagem; por trabalho. Através de estudos de tempo e movimento, Taylor
exemplo, um presta os cuidados higiênicos a todos os pacien- desenvolveú a lei da fadiga. Uma vez auferidos cuidadosamen-
tes outro verifica os sinais vitais de todos e um outro dá a te os tempos necessários para cada movimento, estará des-
medicação, e assim por diante; um mesmo paciente é aten- coberta a maneira correta de execução de determinado
dido por vários elementos da enfermagem. São delegadas ao trabalho. A partir desse momento, teremos movimentos
pessoal auxiliar todas as tarefas de cuidados aos oacientes; tempos-padrões e aos operários caberá apenas executar o
assim, a enfermeira tende a perder contato com eles e passa trabalho da forma prescrita e sem discussão; 3) o incentivo
a gerenciar o seu pessoal. Esta modalidade resulta num tra- monetário - pagar mais àquele que produzir mais. Fixados
balho do tipo produção em massa, sendo que a identidad_e do os padrões de produção, era preciso fazer com que fossem
paciente se perde na lista de obrigações a serem cumpndas. atingidos. A escola clássica sugeria a seleção, o treinamento,
As tarefas são designadas de acordo com sua complexi- o controle por supervisão e o estabelecimento de um sistema
dade e de acordo com o nível de competência do pessoal. Esta de incentivo.
. modalidade de assistência firmou-se com os trabalhos de "O taylorismo pertence à cadeia de desenvolvimento dos mé-
F. w. Taylor, que tratavam da gerência cientifica, nos quais todos e organização do trabalho, e não ao desenvolvimento da
a liderança da enfermagem foi buscar subsídios para o traba- tecnologia ( .. . ). A gerência cientifica, como é chamada, significa
um empenho no sentido de aplicar os métodos da ciência aos
lho nos hospitais. "Seus conceitos de gerência foram prim~i- problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas
ramente publicados em 1910, num esforço de trazer a racio- empresas capitalistas em rãpida expansão. (. . . , Investiga não
nalidade e eficiência para o trabalho das fábricas. A teoria o trabalho em geral, mas a adaptação do trabalho às necessida-
des do capital. (. .. ) Estabelece como seu objetivo o mãximo ou
o ótimo que pode ser obtido de um dia de força de trabalho.
4 . A respeito de textos sobre a modalidade de enfermagem fun- (. .. ) Tanto a fim de assegurar o controle pela gerência como
cional ver Wagner, 1980:271-91; Beswetherick, 1979:18-22; Kron, 1978; baratear o trabalhador, concepção e execução devem tornar-se
Lambertsen, 1953. esferas separadas do trabalho, e para esse fim os estudos dos

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processos do trabalho devem reservar-se à gerência e obstados nos hospitais; surgimento de drogas, técnicas c1rurgicas,
aos tr.abalhadores, a quem seus resultados são comunicados ape-
nas sob a forma de funções simplificadas, orientadas por instru- técnicas de raio-x, medicina nuclear, terapêutica respiratória
ções que é seu dever seguir sem pensar e sem compreender os e outras. O hospital ganhou prestígio como instituição de
raciocinios técnicos ou dados subjacentes" (Braverman, 1980: cura e usou de todos os meios para desenvolver métodos de
82-3, 91 e 107). recrutamento, organização e disciplinamento do statf de en-
Estas idéias foram introduzidas na enfermagem ameri- fermagem para ganhar estabilidade como instituição. A Asso-
cana nas primeiras décadas do século, intensificaram-se na ciação Americana de Enfermagem, a Associação Americana
Grande Depressão econômica nos anos 30 e se prolongaram de Hospitais, como resultado da Depressão, trabalharam nu-
até a Segunda Guerra Mundial. Wagner ( 1980 :271-91) relata ma aliança informal para estabilizar o sistema hospitalar. Os
que o período de 1932 a 1946 foi marcado pela proletarização principais aspectos dos seus programas foram a moderniza-
da enfermagem. Antes da Depressão, a maioria das enfermei- ção do pessoal de direção para criar um staff estável e com
ras trabalhava como enfermeiras particulares, contratadas e direitos legais, e o desenvolvimento de uma hierarquia hospi-
pagas pelos próprios pacientes, nos hospitais ou nos domicí- talar, baseada nos princípios do taylorismo de divisão do
lios, sem a regimentação, a rígida divisão de trabalho, a cer- processo de trabalho em componentes menores possíveis e
rada supervisão característica dos modernos hospitais. A pagando menos para trabalhadores não-treinados e semi-
enfermeira era a responsável por todo o processo de trabalpo treinados.
advindo do cuidado àquele paciente, ou seja, dominava o seu A criação de um corpo de trabalhadores menos hábeis
processo de trabalho. O colapso da economia tornou impossí- permitiu ·a passagem das poucas enfermeiras para posições
vel para a maioria das enfermeiras continuarem trabalhando de supervisão a fim de controlar o trabalho dos subalternos.
como particulares, pois os pacientes não tinham mais con- Os hospitais contrataram milhares de trabalhadores subsidiá-
dições financeiras para tal. rios e também criaram a enfermeira prática licenciada (pro-
Os hospitais operavam não à base de trabalho pago, mas grama de t;einamento técnico por um ano). Isto permitiu
de uso de mão-de-obra das estudantes de enfermagem, cujo baratear o custo do trabalho.
ensino era feito pelo próprio hospital. A maioria das estudan- O crescimento do número de pacientes e a estratificação
tes era imediatamente colocada para trabalhar, gastando so- do pessoal de enfermagem acabou com a relação um por um
mente quatro ou cinco meses de instrução, e três anos de enfermeiro-paciente, que existiu na enfermagem particular.
trabalho não-pago para o hospital com cerca de doze a dezes- Os anos 30 viram nascer a enfermagem funcional, realizada
seis horas ao dia. por pessoal não-preparado, e as enfermeiras passaram a
As enfermeiras particulares se recusavam a ser assalaria- ocupar cargos administrativos nas unidades de internação.
das pelo hospital. Aquelas poucas enfermeiras contratadas Os estudos de tempo e movimento, usados para estabele-
pelo hospital eram tratadas como as estudantes; pagava-se cer padrões de realização nas fábricas, foram aplicados na
pouco, além de cama e mesa, trabalho de doze a dezesseis ho- enfermagem. Em 1941, uma enfermeira relatou que o proces-
ras por dia, e eram obrigadas a morar no hospital, na resi- so de trabalho se tornara tão acelerado que ela tinha que
dência dos estudantes. Em 1923, milhares de enfermeiras realizar em uma hora de trabalho o que anteriormente seis
estavam deixando a área de e~ermagem pelo trabalho indus- enfermeiras faziam.
trial e clerical.
É nesta ocasião que surgem os movimentos sindicais de
Ainda segundo Wagner, um fator mais significativo na enfermeiras, denunciando as condições de trabalho nos hos-
recuperação econômica dos hospitais foi a criação do seguro- pitais e a rígida hi~rarquia. Os movimentos sindicais foram
saúde individual ou em grupo. A Blue Cross e Blue Shields atacados por associações de enfermagem que, na Segunda
possibilitaram cuidados de saúde hospitalares para um gran- Guerra Mundial, com a deterioração do serviço hospitalar,
de segmento da população. Coincidindo com a criação do usou do patriotismo como estratégia para recrutar enfermei-
seguro-saúde, houve a ampliação do nível da perícia técnica ras para o hospital.

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respondem, de outro lado, ao processo continuo de divisão das
No fim da Segunda Guerra Mundial, as enfermeiras esta- funções do trabalho, que não pode ser tomado apenas como con -
vam empregadas, pela primeira vez, como assalariadas pela trapartida técnica daquela ampliação, mas exprime o s u signi-
instituição. O período todo foi marcado por tal discórdia e ficado mais profundo na reprodução da divisão trabalho int J ·-
tual/trabalho manual no seio do trabalho médico. Todo o tra -
revolta por parte das enfermeiras, que a Associação America- balho direto de assistência ao doente comporta inúmeras fun -
na de Enfermeiras foi transformada em uma organização ções 'manuais' e são essas as primeiras a se separarem subordi-
para evitar o sindicalismo em massa. nadamente no trabalho médico, constituindo\ a enfermagem. A
própria enfermagem é atingida posteriormente pela reiteração
A dimensão prática das técnicas de enfermagem viabili- da mesma divisão, sendo suficiente para compreender seu sen-
zou-se em duas direções que são os pólos do mesmo processo tido a consideração da apropriação das tarefas de supervisão e
de trabalho da enfermagem, ou seja, a direção e a execução, controle pelo profissional com qualificação superior, a enfermei-
ra" (Gonçalves, 1979:192-3).
· os aspectos administrativos e assistenciais do cuidado da
enfermagem que resultam na divisão técnica do trabalho : as "Nas primeiras escolas o médico foi, de fato, a única pessoa
qualüicada para ensinar a enfermeira e ele decidia quais das
enfermeiras administrando e as auxiliares executando. suas funções poderia colocar nas mãos dela" (Simmons & Hen-
Na origem da enfermagem moderna já a divisão social derson , 1964:10).
estava presente: aquelas que se dirigiriam para a superinten- Estas inúmeras tarefas requerem, portanto, um controle
dência e aquelas que prestariam o cuidado. -Mas agora, nas do tempo de realização das mesmas, objetivando produzir
primeiras décadas do século XX, esta divisão aumenta e com o máximo de rapidez e eficácia. Esta disciplina do tem-
assenta-se nos princípios da racionalidade cientifi~a do traba- po exerce-se "não sobre o resultado da ação, mas sobre o seu
lho para dar conta da crescente hospitalização, racionalidade desenvolvimento ( ... ) A partir do século XVIII, desenvolves-
do serviço, menos gastos e mais eficiência. Tanto na enfer- se uma arte do corpo humano. Começa-se a observar de que
magem tradicional como na transformação para a moderna maneira os gestos são feitos, qual o mais eficaz, rápido e me-
não há elaboração de instrumentos abstratos para apreensão lhor ajustado" (Foucault, 1981 :106). Este saber, representado
do objeto. No período de transição de uma para outra não se pelas técnicas de enfermagem, produzidas pelo poder disci-
observam condições históricas de possibilidades teóricas, plinar do tempo de execução das ações de enfermagem, é,
mas sim de institucionalização e disciplinamento. Na moder- portanto, historicamente determinado, pois vai dar resposta
na não há produção de conhecimentos teóricos, mas produ- à estrutura hospitalar que se institucionalizava na persegui-
ção de princípios de organização que foram buscados tam- ção de uma racionalidade econômica, maior produção e me-
bém em Fayol, nos gastos; da mesma forma que o "taylorismo, como ideolo-
"que, seguindo a linha de Taylor, defende a tese segundo a q1;1al gia, tende a dar autonomia à técnica, apresentando o parce-
o homem deve ficar restrito a seu papel, na estrutura ocupacio- lamento do trabalho" (Tragtenberg, 1980 :196).
nal parcelada (.. .) reafirmando a monocracia diretiva, combi-
nada com um tratamento paternalista do operário, concluindo "A Teoria Geral da Administração é ideológica, na medida
que administrar é prever, organizar, comandar e controlar" em que traz em si a ambigüidade básica do processo ideológico,
(Tragtenberg, 1980:77-8). que consiste no seguinte: vincula-se ela às determinações sociais
reais, enquanto técnica (de trabalho industrial, administrativo,
As técnicas, a primeira expressão do saber de enferma- comercial), por mediação do trabalho; e afasta-se destas deter-
gem, evoluem nesta fase para dar conta em primeiro lugar minações sociais reais, compondo-se num universo sistemático
não do objeto da enfermagem, ou seja, o cuidado ao doente, organizado, refletindo deformadamente o real, enquanto ideolo-
gia" (Tragtenberg, 1980:89).
mas para dar conta do aumento crescente dos cuidados de
enfermagem devido ao grande número de internações e ao A questão das técnicas e a conseqüente sistematização do
aumento de ações que, consideradas "manuáis", passam das seu tempo e movimento refletiu-se na temática da produção
mãos dos médicos para as enfermeiras. Como foi assinalado científica, tanto que
"poucos estudos por enfermeiras que visavam implementar o
por Gonçalves, cuidado de enfermagem apareceram na literatura americana nos
"os inúmeros trabalhos auxiliares que se vão incorporando à anos 1920 e 1930. Estas autoras enfermeiras estavam mais vol-
produção dos serviços médicos correspondem, de um lado, à am- tadas para estudos e procedimentos de enfermagem ou de estu-
pliação do campo de aplicação da medicina, mas também cor-
57
56
t alii (1927) estudaram a lavagem A proposta dos princípios científicos foi encabeçad p r
dos de tempo. Broadhurst e 1927) fizeram um estudo de educadores de enfermagem norte-americanos e o estudo, q
das mãos. Wasserberg e ~º[it~m ~owan (1929) levou a efeito teve a duração de cinco anos, foi realizado na Escola de En
tempo em enfermag~m
um estudo comparativo e
â sdoi~c~étodos de amamentação, Pfef-
R an e Mille (1932) fermagem da Universidade de Washington, patrocinado pela
ferkorn (1932) descreveu erudo ~rn!~:~ite theeler (1938) re- The Commonwealth Fund: Princípios científicos aplicados na
fizeram estudo de termõme.~od e, de tubercul~sos. (. .. ) De consi- enfermagem, editado pela primeira vez no ano de 1959. O
portou e1!1 se~ e~tudo o cm a o estudos durante este periodo, prefácio desta edição mostra a importância dos princípios
derável influencia em promover M M Marvin Em 1927,
foram pessoas como Isabe~AStew:.art eJou~~l ;, Nursi~g• para a científicos quando diz que
Marvin fez u_m apelo no merica;la estabeleceu que havia seis "com muita insistência tem-se assinalado a importância que têm
experimentaçao_ em en!ermage~deriam ajudar-nos no desenvol- para a educação da enfermeira as ciências sociais, fisicas e bio-
fases de expenmentaçao qtr- p através de uma sondagem mais lógicas. Espera-se que a estudante disponha de um amplo conhe-
vimento da enfermagem pr ica, tivo estudo dos procedimentos cimento cientifico e que o .aplique em uma grande variedade de
segura: primeiramente, u~ e~s~! das ciências biológicas e f!.si- situações durante a prática de enfermagem. Supõe-se que ela
de enfermagem do pont~ e rocedimentos em enfermagem seja capaz de observar as relações que existem entre numerosos
cas; segundo,l_u~a ~ná~!e g~~:osp de materiais, custo, energia e fatos, principios e conceitos e a importância que têm em um
na base de e immaçao rativo de equipamentos de ma- problema particular de enfermagem; e que com base neste ·co-
out:~s; terceiro, um e_~ugo ~om~!ciente; quarto, experimentação nhecimento tome decisões adequadas para suas atividades como
O enfermeira. (. .. ) Estes principios são derivados da psicologia,
tenais usados no cm ªd ºsino. quinto testar atitudes voca-
dos melhores métodos e en ' nas e'scolas. e seis, testar a sociologia, antropologia, quimica, fisica, anatomia, fisiologia e
cionais de alunos antes de entra~eterminar a; habilidades ine- microbiologia" (Nordmark & Rohweder, 1959:IX).
assistência de enfermag_em, para_ Como nós podemos ver, me- Provenientes de todos os campos do conhecimento, po-
rentes a qualquer e st~gw /e a!fz~i:o~studos de procedimentos de
t.ade de sua~ sugeusttoreas fotsobre educação" (Notter, 1978:7-8). dem definir-se como "leis, doutrinas, verdades ou conjuntos
enfermagem, e a o . de fatos amplos e essenciais que constituem a base das nor-
um estudo realizado sobre a avaliação da pesquisa mas de ações estabelecidas" (Elhart et alii, 1983 :79 ).
Em . s·mmons & Henderson
enfermagem norte-americana, 1 . 1. O estudo constou da enunciação dos cuidados de enfer-
~:-ataram que "bacteriologistas e engenh:ros ~dus:: s~u~ magem prescritos para satisfazer as necessidades biopsicos-
analistas de si~tem~, trabalhacral~ cbo_ma ee d:i;:;:::ota e em sociais dos pacientes e a busca de princípios científicos que
, · a Uruvers1dade de o um 1 ' servissem de base. Para melhor compreensão será transcrito
:i:c~~so~tros centros de pesquisa" ( Simmons & Henderson, um exemplo resumido : "Cuidado de enfermagem e princípios
1964 :24). científicos relacionados com o volume e a pressão do sangue
circulante". É descrito o conceito de homeostasia nesta situa-
3. Os princípios científicos
Na década de 50, surge a preocupação em ?rganizar
princípios científicos que devem norte~rt:·c~~~C:ãi~i::m:
.
i: ção, ou seja: "o sangue transporta substâncias do exterior ao
interior das células e vice-versa, e por ele o volume e a pres-
são do sangue circulante devem conservar-se dentro de cer-
magem. Até então, a enferma~em_ e;a vis tos limites para satisfazer as necessidades variáveis dos ór-
ca e suas ações baseadas na mtmçao. facul-
gãos. Portanto, a enfermeira deve observar o paciente em
"O valor da enfermagem res~:::i:ª f;;~:~i:;~ ~a n!tureza
busca de sinais e sintomas de transtornos da circulação, e
informar o médico". São descritas todas as situações e:rp que
tada às p~ssoéas mi~~asd~:ze~~de:termi~ada por tradições! po~ ~e-
isso pode ocorrer e os cuidados de enfermagem em cada si-
desse serviço ,
neralizações sem qualquer
quando afinal o deveria ser _
co;t;:. do ou mesmo por 1ntuiçoes,
p~incipios cientificos ou com
suas finalidades e efeitos.
tuação. A seguir são enunciados os fundamentos de anatomia
e fisiologia concernentes ao volume sangüíneo e pressão san-
base numa perfeita .ci~pret~~:~/;!1a maioria das enfermeiras, güínea e, finalmente, os princípios de física e química
Até os anos :50, o cnt no u i ·ntervenção, baseava-se na in-
e que lhes ditava º. _se~am~s~adec~nfiança na intuição provinha (Nordmark & Rohweder, 1972 :41-61 ).
tuição e na expenenc · _ . • 1 icamente não po- Ao todo são enunciadas dezessete situações de cuidados
duma inadequada ápl~epar~çaotif~~~t~~~ª•c~~ad~~ a dispensar ao
deria levar à an ise cien . de enfermagem com os respectivos princípios científicos de
doente" (Elhart et alii, 1983:77).
59
58
ano de 1960 e traduzido em varias línguas, e The nat ure of
anatomia, fisiologia, física e química. Entre os_ princípios nursing, em 1966. Define: "a função peculiar da enferm ira
científicos os de anatomia e fisiologia são os mais abund~n- é dar assistência ao indivíduo doente ou sadio no des mp .
tes. Os princípios e hipóteses das ciências so_c iais são en1:11;cia- nho de atividades que contribuem para. manter a saúd ou
dos de um modo geral sem referir-se aos cwdados especificos para recuperá-la (ou ter uma morte serena ) - atividades qu
enunciados nas dezessete situações de enfermagem, e ~stes ele desempenharia só, se tivesse a força, vontade ou o conh -
estão centrados no aspecto comportamental do paciente cimento necessários. E fazê-lo de modo que o ajude a ganhar
hospitalizado. sua independência o mais rápido possível" (Henderson, 1962 :
As fundamentações científicas foram ori_entadas por . ~o- 14 ). De acordo com Henderson, a enfermeira é a autoridade
mitês de especialistas, um de ciências naturais e um de_ ci_en- do cuidado básico de enfermagem, que significa ajudar o pa-
cias sociais, juntamente com especialistas em física e qurmica. ciente nos catorze tipos de atividades que seguem, ou prover
condições para que ele possa realizá-las sem auxílio. Os ca-
A proposta dos princípios científicos definia ª. se~nte torze componentes do cuidado básico são: respirar normal-
meta para a enfermagem: "como .ª ~ida de um mdividuo mente; comer e beber adequadamente; eliminar por todas as
depende da conservação de um meio mterno _co1;1stante ( ho- vias de excreção; mover e manter boa postura; dormir .e re-
meostasia fisiológica), e, com a doença, o meio mterno _está pousar; selecionar roupas adequadas, vestir-se e desnir-se;
ameaçado, modificado ou ambas as coisas, a con~e1:7a~ao e manter a temperatura corporal dentro do normal; manter-se
restabelecimento da homeostasia são as metas prmci~ais da limpo, bem cuidado, protegido; evitar perigos no meio am-
enfermeira. Assim também, o bem-estar e a adaptaçao ade- biente e não causar acidentes a outros; comunicar-se com
quadas do homem a situações cotidianas dependem da con- outros, expressando suas emoções, necessidades, temores e
servação da homeostasia psicológic_a e como a doença e a opiniões; satisfazer sua necessidade religiosa; trabalhar em
hospitalização sejam causadas ou nao por um tr~sto1;10 da algo que proporcio,ne realização; divertir-se ou participar das
função fisiológica, perturbam o padrão total ou satisf~çao das várias formas de recreação; aprender a descobrir ou a satis-
necessidades psicossociais do indivíduo, a enfermeira deve fazer a curiosidade· que leva ao desenvolvimento normal. Aju-
ocupar-se também de conservar ou restabelecer a homeosta- dando o paciente nestas atividades, a enfermeira tem infinita
sia psicológica" (Nordmark & Rohweder, 1972 :15). necessidade de conhecer as ciências biológicas e sociais e as
Em 1975, dezesseis anos após a primeira edição do livro habilidades nelas baseadas (~enderson, 1966 :16-7).
citado, tem-se a sua última reedição (Nordmark ~ Rohwe~er, Pelo precedente, o saber de enfermagem na década de
1975 ), sendo que o que se acrescenta é uma 1:11aior quantida- 50 procura delinear-se buscando uma fundamentação para as
de de princípios fundamentais em cada cwdado de enfer- técnicas de enfermagem, e esta fundamentação é chamada
magem. científica e tem suas bases principalmente nas ciências natu-
Os conceitos e definições de enfermagem de Virginia rais ( anatomia, microbiologia, fisiologia, patologia) e tam-
Henderson, que são da década de 50, têm também c?mo fun- bém nas ciências sociais. Portanto, o saber de enfermagem, ao
damentação os princípios científicos. A_ autora ~e~~ claro mesmo tempo que quer se tornar científico, procura essa
que a enfermeira é a "autoridade do cwdado básico_ de en- cientificidade na aproximação com o saber da medicina e,
fermagem, sua "única função" na q':1al ela trabalha mdeJ?en- conseqüentemente, com -sua autoridade. Este direcionamento
dente e especifica as atividades merentes a est~ cwda- do saber da enfermagem, que se sistematiza na década de 50,
do, q~e são as funções da vida física, psíquica e social.. Para já estava presente na enfermagem norte-americana no início
desenvolver estas atividades, ela deve buscar o~ conhe_cimen- do século, pois os currículos de enfermagem previam no seu
tos nas ciências biológicas e sociais. Seus conceitos es~ao _con- esquema geral um número considerável de disciplinas da
tidos na quinta edição do livro Textbook of the pri_n~iples área biológica. E continua presente ainda hoje com uma in-
and practice of nursing, de 1955, quando faz ~a revisao d~ fluência marcante na enfermagem brasileira. O último c11rrí-
Harmer e nos livros : Basic principles of nursmg care, publl- culo mínimo para o curso de enfermagem e obstetrícia ( Con-
cado pelo ICN ( Conselho Internacional de Enfermagem) no
61
60
selho Federal de Educação, Parecer n.º 163/72 ), estabelecido mero de enfermeiras americanas terem feito seus estudos de
no ano de 1972, vigente ainda hoje, compreende uma parte doutoramento nas ciências biológicas e sociais. Esta foi de-
pré-profissional com as seguintes matérias : biologia, ciências nominada como a era da ciência básica, por Smith ( 1971 :225-
morfológicas, ciências fisiológicas, patologia, ciências do com- 30), qu_e _chamou_ o período_ anterior de era da administração,
portamento e introdução à saúde pública. Este ciclo deve ser supervisao e ensmo e o penado atual de era da ciência clínica
dado antes de o aluno passar ao ciclo profissionalizante. Ob- de enfermagem. Na conclusão, o autor diz que estas três eras
serva-se que a fundamentação científica tem uma ênfase no estão presentes na enfermagem.
biológico. Além desta fundamentação, que na maioria das No Brasil também há uma produção de conhecimento de
escolas brasileiras é dada por médicos e outros especialistas, enfermagem na área biológica. Analisando as teses de enfer-
a parte profissionalizante, que é dada por enfermeiras, é magem no período de 1963 a 1979, Almeida et alii ( 1981: 119-
complementada também, em muitas escolas, por médicos es- 27) encontram 20,6% das mesmas na área biológica, corres-
pecialistas na área. Por exemplo, o aluno aprende, no primei- pondendo à segunda classificação, e a primeira corresponde
ro ano, anatomia, fisiologia do aparelho renal. Quando passa à área de assistência de enfermagem. Os autores classifica-
para a parte profissionalizante, é-lhe dada assistência de en- ram na área biológica os trabalhos sobre normalidade de
fermagem em nefrologia e os aspectos patológicos e a tera- s~nais vitais do homem, nutrição, microbiologia, epidemiolo-
pêutica são complementados por médicos. A questão que se gia e outros.
coloca é que este conhecimento que é passado para a enfer- , . En~uan_t? no nível dos conceitos são elaborados os prin-
magem é elaborado não na sua área, mas em outra, ou seja, c~p10s cientificas procurando dar fundamentação aos proce-
na biologia. dimentos de enfermagem, no nível de modalidade de assis-
Tem-se aqui um saber de enfermagem todo imbricado no tência de enfermagem é elaborado e caracterizado o trabalho
saber da medicina. Este saber parece ter sido recortado pela em equipe, procurando também dar um cunho científico ao
própria prática para dar conta dos novos conhecimentos ( da trabalho e humanizá-lo, assim como humanizar o cuidado ao
medicina e tecnologia) e, conseqüentemente, necessários para paciente.
o desempenho da prática de enfermagem. Assim sendo, o N_a década de 40, principalmente após a Segunda Guerra
saber de enfermagem, desde o início do século até a década Mundial, nos Estados Unidos, há uma mudança no discurso
de 50, tem sido o de uma enfermagem que busca, em outras da enfermagem, que é transposto para todo o mundo oci-
áreas do saber, conhecimentos para organizar a sua prática, dental, que passa a criticar o trabalho por tarefas (modali-
prevalecendo os da área biológica. dade funcional) e a introduzir a modalidade de trabalho em
A mesma análise feita para a compreensão das técnicas equipe:
vale para os princípios científicos, pois o que se acrescenta . "A proposta _de organização de trabalho por equipe foi ini-
agora é a fundamentação científica à arte de enfermagem, ciada pe~a Di:'isão de Ensino de Enfermagem, no Teacher's Col-
lege,. U:mvers1dade de Colúmbia, em dezembro de 1949. Alguns
que continua como um saber sobreposto ao da medicina. hosp1ta1s da cidade de Nova Iorque concordaram em participar
As técnicas de enfermagem que não possuíam uma teo- da experiência" (Lambertsen, 1953:19).
ria para fundamentá-las procurou-se agregar a teoria do A situação dos hospitais nos Estados Unidos era critica
objeto da enfermagem, trazida de outras áreas do conheci- neste período, principalmente em relação à escassez de pes-
mento, tentando-se, desta maneira, construir os instrumentos soal d~ en_!ermagem, e esta foi uma das razões da proposta da
que permitissem apreender o objeto, conhecê-lo, ou seja, orgamzaçao do trabalho em equipe, tentando deslocar o foco
possibilitar a dimensão intelectual do trabalho de enferma- de ~tenção que estava centrado nas tarefas para o paciente.
gem. Percebe-se que o caminho que se vai delineando é na O discurso do trabalho de enfermagem em equipe sofreu in-
direção do trabalho intelectual. fluência marcante do discurso da organização do trabalho
Outro fator que também contribuiu para o embasamento que se automatizava nas fábricas. "Na empresa norte-ameri-
da enfermagem nas ciências biológicas foi o fato de um nú- cana, onde a acumulação e reprodução ampliada do capital

62 63
foram realizadas o fator humano começa a ter status. Tem-se
imento da Escola de Relações Humanas de Elton Mayo, medicamentos ou tratamentos. Elas não têm a autoridad n •rn
~o~~\esposta intelectual a um sistema industrial _9nde a alta a oportunidade de dirigir e supervisionar a assistência que é dacl r
pelos outros funcionários (. .. ). Há pouca ou nenhuma coorde-
concentração do capital fora traduzida na formaçao de_gran- nação entre os fragmentos de assistência de enfermagem que
des corporations, em que as formas de regul3:mentaç3:o ~a cada pessoa deve dar ( ... ) . A enfermagem em equipe foi criada
força de trabalho do operário, efetuada por via autontál';a com o objetivo de reunir pequenas parcelas de conhecimentos e
direta (esquema Taylor-Fayol), cedem lugar a su~ exploraçao informações num todo, onde a assistência é minuciosamente guia-
da e supervisionada por uma enfermeira profissional que é a.
de forma indireta: pela manipulação do operário P?r espe- lider. (. .. ) A lider decide que pessoa de sua equipe está melhor
cialistas os quais por sua vez, são instrumentos manipulados qualificada para assistir cada paciente. Dessa forma, a enfermei-
pela dir~ção das ~mpresas ( ... ) " ( Tragtenbe~g,_ 1980 :,197 )_. A ra profissional ajuda todos os membros de sua equipe a aprender
Escola de Relações Humanas critica a de Admm1stra~ao Cien- o que é melhor para cada paciente e assegura boa assistência
de enfermagem com consideração individual pelas necessidades
tífica sugerindo a substituição do homo oeconomicus ae!? e problemas do paciente, embora ela possa não ser quem minis-
homo social, mas sempre perseguindo o aumento da pro u 1- tre a assistência ou responda às perguntas do paciente. (. .. ) Os
vidade com a redução dos custos : conceitos de enfermagem em equipe foram concebidos primaria-
"Elton Mayo um dos precursores desta escola, bas1:ara-;e mente para proporcionar pessoal de enfermagem não-profissio-
na hipótese de q~e a produtividade é função direta ded s~tis aç_ ~ nal com mais ajuda e supervisão por parte de uma enfermeira
te or sua vez depende do pa rao socia registrada, de modo que eles, com a ajuda dela, pudessem dar
no trabalho,_ e que es ' P d t balho Tal hipótese ignorava a assistência total ao paciente em vez da assistência fragmentada
não-convencional do grupo e ra · ,, (M tt
existência de conflito entre o individuo e o grupo O a, e não-coordenada que é dada nas designações funcionais. A líder
1981:21). h tem a responsabilidade da gerência da assistência de um grupo
de pacientes, mas ela própria não presta toda assistência. Ela
As idéias centrais desta escola refere~-.se a: 1) o ?mo delega certas partes a membros de sua equipe. Todavia ela não
· l O homem e' a um só tempo, cond1c1onado pelo s1ste- pode delegar sua responsabilidade pelo planejamento, direção · e
socia - , · 16 · sui supervisão de todos os aspectos de assistência" (Kron, 1978:
ma social e pelas demandas de ordem bio ~ca, po~ . 216-8 ).
necessidades de segurança, afeto, aprovação soCial, pre~tig~o
- . 2) 0 grupo informal - . em uma mdustna
e au t o-rea1.izaçao, h O discurso do trabalho de enfermagem realizado em
e em outras situações, o administrador lida com _gfll:pos u: equipe ou em grupo, tendo como fundamentação os princí-
pios da Escola de Relações Humanas, como visto resumida-
manos b em formados e não com uma horda - de dmdivíduos,
· 1· mente acima, ve:r;n reforçar, viabilizar e cristalizar o trabalho
3) participação nas decisões - o homem n3:o po eria re~ ~-
zar tarefas cujos fins desconhecesse. A amphtude da p~rti~i- de gerência da enfermeira através da administração dita
científica.
a ão varia de acordo com a situação e com o padrao _e
iid~rança adotado (Motta, 1981 :23-4). Desempenh3:~ papéis Como o trabalho será executado por vários elementos,
preponderantes nesta escola, a comunicação, a participaçao e e para que a líder possa fazer o plano assistencial, é necessá-
a liderança. rio ter conhecimento do que se passa com os pacientes, com
Da mesma forma que a Escola de Relações Humanas os funcionários, com os médicos, enfim, com o hospital todo.
volta a atenção para o trabalhador e a satisfação no traba~ho São necessários, então, canais eficientes de comunicação "que
para uma maximização dos resultados, o trabalho e'? ~mpe devem ser mantidos abertos e ativos através de relatórios,
na enfermagem persegue também estes mesmos obJetivo~. reuniões de trabalho, reuniões para planejamento de assis-
A seguir, expõe-se algumas razões do trabalho em equipe, tência de enfermagem e planos de assistência de enfermagem"
contidas em Kron, 1978. . (Kron, 1978 :218). O seu objeto de trabalho, que é o cuidado
"Tradicionalmente, a enfermeira-chefe tem sido .ª pessoa ao paciente, será realizado pelos atendentes e auxiliares que
usarão os canais de comunicação competentes para que a
responsável pela di~eção e srpe~visfo p~!o s~~to~~Ulf:~ci~~:i
pessoa sendo subordinada ~ e a • · · · · tato ocasional enfermeira possa ser comunicada sobre a evolução do pacien-
d desi nação as enfermeiras tem apenas con . . te e para que possa fazer o plano assistencial a ser executado
c~m osg funci~nários auxiliares, e, freqüentem~nt~,. ;eu _~m~~ pelos funcionários. Mais uma vez reitera-se a fragmentação
contato com os pacientes ocorre durante a a m1ms raça
do trabalho, com a concepção separada da execução.
64
65
O trabalho em equipe na enfermagem fica no nível dis- mínio já era da competência t t 1 ..
cursivo e não é realizado na prática. Quando algum serviço O que caberá à enfermeira qu~ ª _do;.tuxiba.res e atendentes.
diz que o seu trabalho de enfermagem é realizado em equipe, ao atendente? Como atender , seJa I ~rente do que compete
o que se observa no concreto é a modalidade por tarefas cientes e acompanhar també~sa necess1d_ades básicas dos pa-
(funcional), pois os princípios de equipe, quando não levam ~ novas tecnologias do domínio ~;oduç8:º. de c~nhecimentos
em conta a totalidade do trabalho e sua democratização Junto com o discurso do trabalh O med1?ma? E exatamente
funcional, acabam resultando no trabalho por funções, frag- dos os princípios científicos ~m equipe que são elabora-
mentado. mentos de enfermagem Mas que eve~ nortear os procedi-
este saber? Serão todos ~ iuem vai elaborar e dominar
O que se observa é que há somente uma elaboração dis- vez a divisão social se es:a~!1n es da enfermagem? Mais uma
cursiva para camuflar as contradições do trabalho. As rela- do, através da escola somen:ce e este saber será transmiti-
ções de poder ( dominação e subordinação) são vistas como estas vão gerenciar e ~ão exe e para a~ enfermeiras. Como
hierarquia e autoridade e a divisão social é concebida como possibilitará a legitimação d~utar o cuidado, e~t~ saber lhes
divisão técnica que conduz à cooperação : "entre os membros controlar a prestação do cuidad~~der e a quahf1cação para
da equipe nenhum cargo é mais importante que o outro. Será
lamentável que as relações entre os membros da equipe dei- Como vimos, a fundame t -
xem transparecer graduações de categorias" ( Lambertsen, pi_os científicos) é quase toda°a:çao d~e~te saber ( dos princí-
1953 :21 ). Portanto, há toda uma ideologia que envolve o tra- bem a da psicologia e sociolog1a.
. me icma, agregando-se tam-
balho de equipe : é preciso que cada um contribua com sua O saber expresso através d . , .
parcela de conhecimentos, de informações, de cooperação e enfermagem desenvolve-se na d , osd prmc1p1os científicos na
de solidariedade, para alcançar o objetivo comum que é o cas médicas também se dese e~a a de 50, quando as técni-
melhor cuidado ao paciente: "A medida que cada membro brasileiro, a criação de ho n;o _vem e quando há, no caso
contribui para o plano total, dentro de um molde de organi- can:ipo de ensino ao pessoal ;p1 a1:s-escol~. . para servirem de
zação que lhe permita dar o máximo de que é capaz, ele sen- da mdústria hospitalar e fa~ s~u~~- Imc1a-se o crescimento
te satisfação e reconhece o limite de sua contribuição. Assim, mo desta tecnologia no cam aceu I?a, que forçam o consu-
o controle do plano vem do grupo, sob orientação da líder da bém os agentes da saúde pa po hospita!ar e direcionam tam-
equipe" (Lambertsen, 1953 :39). Se a qualidade da assistência o manuseio e consumo dest~: ª p~o~u?ªº ~e tecnologias para
não é alcançada, o procedimento do trabalho em equipe co- vas necessidades. É nesta ma eria1s, criando também no-
1 1
loca as causas em termos pessoais e funcionais, como falhas dos auxiliares de enferma~~ma ~écada que o ensino formal
na liderança, na comunicação, na desobediência às normas, também, em nível um se mcrementa e estes passam
em cada um não estar dando o máximo de si, sem procurar minar este saber pois fe~~~o menor de complexidade, a do-
também causas ligadas às relações sociais advindas da divi- magem para pos~ibilitar às e~fe pr~star o cuidado de enfer-
são do trabalho e da alienação do trabalhador em relação ao gos de direção e o controle socf~1ras a ocupação dos car-
processo de trabalho que separa a concepção da execução. o pessoal auxiliar.
No mundo da produção econômica capitalista, a partir
da Escola de Relações Humanas o homem passa a ser foco
de atenção, posicionamento este reforçado pelas teorias da
psicologia individual e social, valorizando não só o homem
como um corpo biológico, mas biopsicossocial. Assim também
o foco da atenção de enfermagem, que estava centrado nas
tarefas, passa a se centrar nas necessidades do paciente. As
técnicas de enfermagem que comandavam o trabalho por ta-
refas precisam também ganhar roupagem nova, pois seu do-

66
67
CAPíTUL

A DIVISÃO DO TRABALHO
DE ENFERMAGEM

O que comanda a modalidade funcional e o trabalho em


equipe da enfermagem, vistos anteriormente, e que têm como
saber as técnicas e os princípios científicos, mediados pelos
aspectos do saber administrativo, é a divisão técnica do tra-
balho de enfermagem.1
Para a compreensão do significado da divisão técnica do
trabalho, é necessário que se compreenda. a divisão social do
mesmo. Enquanto esta "divide a sociedade entre ocupações,
cada qual apropriada a certo ramo da produção" ( Braverman,
1983 :72), ou em ocupações não ligadas diretamente à produ-
ção, mas à prestação de serviços, como no caso da enferma-
gem, a divisão pormenorizada do trabalho ( nos termos de
Braverman), que é a divisão técnica do trabalho, subdivide
uma mesma ocupação em parcelas. A divisão social do tra-
balho é uma característica natural de qualquer forma de so-
ciedade:
"Ela é condição para que exista a produção de mercadorias,
embora, reciprocamente, a produção de mercadorias não seja
condição necessária para a existência da divisão social do tra-
balho. Na velha comunidade indiana, há a divisão social do tra-
balha, sem que os produtos se convertam em mercadorias. (. .. )

1 . A respeito da divisão do trabalho em enfermagem ver Melo,


1983.

69
Numa sociedade cujos produtos assu~e~, geralmente, a f~rn:a
de mercadorias, - essa diferença qualltativa dos traba~os ute1~, com a luta de grupos das classes sociais por ascensão na esca-
executados independentes uns dos outros, como negóc10 parti- 1~ ~o_cial vi~ instrução e intelectualização, com a crescente
cular de produtores autônomos, leva a que se desenvolva u~ divisao técn_ica do trabalho nas sociedades capitalistas, ou-
sistema complexo, urna divisão social do trabalho" (Marx, 1980 .
49). tras categonas foram sendo criadas no trabalho de enferma-
gem, como o auxiliar e o técnico. E é preciso que não se
A divisão técnica do trabalho, ou seja, um mesmo traba- esqueça de que o primeiro agente da enfermagem a ser insti-
lho sendo executado em parcelas por vários trabalhadores: tucionalizado foi o atendente.
tem sua origem na fase de cooperação e ~anufatura .e. -:_ai
desenvolver-se no modo de produção capitahsta. _Es~a divisao Portanto, a prática de ~nfermagem não tem sido exercida
parcelada do trabalho, que se desenvolveu pnncipalmente em toda a sua extensão pela enfermeira, que perdeu este es-
com a indústria norte-americana, tendo à fr~nte os e~tudos de paço, ou que ainda não o conquistou, como mostra a divisão
Taylor, extravasa os trabalhos ditos produtivos ~ atin~e t~- do trabalho. Cada agente da enfermagem passou a ser um
bém os trabalhos não-produtivos, como os serviços, mclwn- trabalhador parcial, assim como também vem ocorrendo na
do-se aqui a enfermagem. É fato que a divisão téc~ca aumen- divisão do trabalho nas sociedades capitalistas. A enfermeira
ta a destreza dos procedimentos e favorece o capital, mas é assume o controle administrativo deste trabalho :
também fato que "Todo trabalho diretamente social ou coletivo, executado em
"enquanto a divisão social do trabalho subd-ivide a sociedade, a grande escala, exige, com maior ou menor intensidade uma di-
divisão parcelada do trabalho subdivide o homem, e, enqua~to r~ção que. ha~monize as atividades individuais e preencha as fun-
a subdivisão da sociedade pode fortalecer o individuo e a espécie, çoes. gerais hgadas ao movimento de seus órgãos isoladamente
a subdivisão do indivíduo, quando efetuada coi:n menosprezo das considerados.. Um violinista isolado comanda a si mesmo; uma
capacidades e necessidades humanas, é um crime contra a pes- orquestra ~xige um maestro. Essa função de dirigir, superinten-
soa e contra a humanidade" (Braverman, 1983:72). der ~ mediar assume-a o capital, logo que o trabalho a ele su-
bordinado se torna cooperativo" (Marx, 1980:379-80).
o processo de trabalho na enfermagem apresenta e~sa O trabalho humano diferencia-se do animal no que se
característica, que é a divisão técnica do trabalho. A yrática refere à concepção prévia do mesmo : "no fim do processo de
é parcelada em tarefas, procedimentos ~ responsabihda~es
diferentes, cabendo também esta execuçao parcelada a dife- trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmen-
rentes agentes. te na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas
o material sobre o qual opera; ele imprime ao material 0
Esta divisão teve suas raízes na formalização do treina- projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui
mento dos agentes de enfermagem, no século XIX, na Ingla- a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de
terra, quando o hospital passa a ter obj~tivo de cura dos pa- subordinar a sua vontade" ( Marx, 1980 :202). No trabalho
cientes e os médicos passam a ocupar ai espaço e a ter lugar existe, então, uma
privilegiado na estrutura do poder hospitalar: ~o caso n?rt~-
-americano na organização também dos hospitais nas pnmei- "unidade de concepção e execução que, nos seres humanos, dife-
rent_emente dos animais, não é inviolável a unidade entre a força
ras década~ do século, assiste-se a uma divisão progressiva m~t1vadora do_ trab~lho e o trabalho em si mesmo, podendo esta
do trabalho de enfermagem para possibilitar a utilização em unidade ser d1ssolv1da. A concepção pode ainda continuar e go-
grande escala de pessoal de enfermagem sem pre~ai:o formal, vernar a execução, mas a idéia concebida por uma pessoa pode
na perseguição da racionalidade do trabalho h?s~:ntala!, te~do ser executada por outra (. .. ) . Tendo sido obrigados a vender sua
forç~ de trabalho a outro, os trabalhadores também entregam
agora por pressupostos os princípi_o~ ~a adI_mmstr~çao cien• seu interesse no trabalho, que foi agora 'alienado'. O processo
tifica do mundo capitalista. Esta divisao vai-se apnmorand_o de trabalho tornou-se responsabilidade do capitalista (. . . ). Tor-
e os agentes vão produzindo os seus lugares para reproduzir na-se, portanto, fundamental para o capitalista que o controle
a estrutura de classes da sociedade capitalista. sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para
as suas próprias. Esta transição apresenta-se na história como
Com o desenvolvimento da tecnologia em saúde, com a a alienação progressiva dos processos de produção do trabalha-
procura da racionalidade dos serviços médico-hospitalares, dor; para o capitalista, apresenta-se corno o problema da gerên-
cia" <Braverman, 1983 :53 e 59) .

70
71
meira obstetra ou obstetriz incumbe ainda assistência ao parto e
Todas as categorias que trabalham na enfermagem, no à parturiente. Os técnicos de enfermagem são preparados em nível
Brasil, são assalariadas, vendem sua forç~ de trab8:lh_o ao de 2• grau do curso regular ou supletivo, conforme definido nas
resoluções 7 e 8i 77, do Conselho Federal de Educação, incum-
em resário hospitalar, ou ao Estado, atra~es do adm~istra- be-lhe assistir à enfermeira no planejamento, programação e
doi hospitalar, ou do administrador de um~ades d~ ~aude. A prestação de cuidados integrais de enfermagem. Os au;,ciliares
enfermeira apesar de ser assLlariada e nao particiI?arA d~s de enfermagem são preparados no ensino regular ou supletivo, ao
lucros da ~mpresa., toma a posição de geren_te d_a a_ssis~en~ia nível de 1. • e 2.• graus, conforme pareceres -específicos do Con-
de enfermagem e, até certo ponto, da orgamzaçao mst~tucio- selho Federal de Educação; compete-lhes observar, reconhecer e
descrever sinais e sintomas de enfermidade, bem como prestar
nal. É isso que a instituição . espera dela, porque precisa de cuidados de higiene, conforto e tratamento simples, além de au-
alguém que conheça. a essência do trabalho ~e enferma~em e xiliar a Enfermeira e o Técnico de Enfermagem ·n a prestação da
- executá-lo pois desta forma haveria a necessidade assistência ge enfermagem. O atendente é a categoria não for-
nao para ' , · t a se one malmente preparada pelo sistema de ensino. Recebe alguma for-
de muitas enfermeiras, o que não convem, p01s om · . · ma de treinamento em serviço, nas várias instituições de saúde
rosa ameaçando O lucro. Portanto, o atendente, que cm~a do onde executa tarefas de enfermagem, nem sempre devidamente
paci~nte, desconhece, na maioria d8:s vezes, o plano assi~ten~ supervisionado. Esta categoria, cujas ações carecem da seguran-
cial de enfermagem que aquele paciente requer .-A q':e e do ça do cuidado ao paciente, representa cerca de 70% dos quadros
, · da enfermeira - e a qualidade de assistencia nem de pessoal que, de alguma forma, milita na área da enfermagem
atualmente" (Conselho Federal de Enfermagem, 1980:7). •
::;re pode ser garantida. O atendente fica aliena~o ~e. to~o
processo de trabalho. Aqui se observa o prmcipm e Apesar desta divisão preconizada institucionalmente, o
0
trabalho realizado pelos agentes da enfermagem não se de-
Babbage ' citado por Braverman: · • • • d. ·d·
.
s ofic1os senvolve de forma harmoniosa. Viu-se historicamente que os
"esse importantíssimo pri!l~ípio. s1gnif1aa qw~ d 1~1e i:a~eada n a
barateia suas partes mdividuaisb, lnhum~ s~ci~1! é fundamental conflitos iniciaram-se no final do século XVIII, atravessaram
ra e venda da força de tra a o. \. • • . . o século XIX e XX, e na atualidade assiste-se a wn agrava-
com P 1 - da divisão do trabalho na sociedade capltallsta.
para a e-:,70 uç':o ecto técnico da divisão do trabalho, mas mento, deflagrando-se, com a crise da enfermagem inserida
Ele expnmt e na? ?~a~fo quanto o trabalho~ pode ser dissociado,
seu aspec o socia · d · são mais sim-
na crise do setor saúde e na crise social, a crise de identidade
pode ser separado em elementos,_al~uns os quai\odo Traduzido da enfermagem e dos seus agentes.
ples que outros e cada qual m~is .s~mples que t° de · trabalho
em termos de mercado, isto significa que a o~ça ais barata No Brasil, este agravamento deu-se principalmente após
a az de executar o processo pode ser co~ pra ~ m as décadas de 50 e 60, quando o ensino destinado às enfer-
~ 0 ~ 0 elemento dissociado do que como capacfa~e ~t~J:ªt~i~~~ meiras estava voltado para a formação de líderes em enferma-
só trabalhador ( ... ) . Toda fase do proces~o o ra a e
· d tão longe quanto possível do conhecimento _e preparo e~p - gem, porque estas iriam, segundo o discurso vigente do pe-
~~~la e reduzida a. simples trabalho. Nesse ín~enm, ?-s relati~a- queno número de egressos, ocupar cargos de chefia nos
me~te poucas pessoas para quem sP reservam mst:ruça..? e con_ e- serviços de saúde, treinamento e supervisão do pessoal auxi-
cimento são isentas tanto quanto possível da obngaçaod de sim- liar. Ao mesmo tempo em que eram preparadas para ocupa-
d é dada uma estrutura a to o o pro-
~;~:otr;:ªt;:ba~e;t~u~º e~ seus extremos, ~olariza aqueles cur rem estes cargos, os elementos do saber centravam-se no
tempo é infinitamente valioso e a9-uelesl cduJo/~fl:Pº d~a~:ab:~he~ cuidado ao paciente. Mas esta liderança das enfermeiras foi
Esta poderia até ser chamada a lei gera a 1visao enganosa; no momento em que ocupavam cargos de chefia,
capitalista" (Braverman, 1983:77 e 79-80 ). pois eram estes os existentes e determinados pelos serviços
Hoje temos então os agentes da enfermagem, que po<i:em de saúde, iniciava o seu processo de marginalização da práti-
ser representad~s- no 'Brasil, por uma pirâmide hierárqmc~, ca de saúde. Marginalização devido ao distanciamento do
ocupada no vértice por um pequeno continge~te de enfermei- paciente, do pessoal auxiliar, enfim, daquelas atividades di-
ras. Estas são preparadas em cursos su?e~iores conforme rigidas diretamente ao objeto da saúde, ou seja, o paciente.
legislação específica. Incwnbe a esta profissional . _
"0 lane·amento a programação, a execução e a avallaçao das Esta marginalização da enfermeira acentua-se nas últi-
mas décadas, devido também ao crescimento da indústria
~nl:rmagem, inclusive a pesquisa e a doce"ncia
através de estudos complementares de P6 s-gra u
e:
õp miis complexas e de maior responsabilidade na área _da
~i:el t~~ii;~
·
hospitalar e ao aprimoramento técnico-científico da mediei-

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72
saberes esJ?ecíficos. O saber da saúde subdivide-se e t -
na, favorecendo maior número de intervenções no processo saber mé~1~0: dir~gido ao agente médico; no sabe~ :a:%~~
saúde-doença e, conseqüentemente, as atividades burocráti- magem, d1rig1do a enfermeira ao técnico ao aux·1·
cas dos serviços de saúde se intensificaram. Houve maior atendente
observância de registros de atividades realizadas. maior nú- . ' .etc . O . t e, que' procurou o, serviço1de
. pacien 1ar saúde
e ao
mero e fluxo de informações, de exames, maior número de porque Já identificou com o seu próprio saber que 1 -
pacientes, etc. A enfermeira, que já vinha desempenhando ;;!ava bem, fica submerso nos saberes dos vários aa! ~n~:;
funções administrativas, passa a realizar mais ainda as fun- f ao ~e tem, portanto, um saber da saúde elaborado por di:
ções gerenciais, ficando presa à engrenagem burocrática. E ere_n es agentes e compartilhado por eles inclusive com o
para possibilitar o atendimento médico que se avolumou na
década de 70, não tanto devido ao aumento de pessoas aten-
~ª~:;;~~º~
també
~u;if!~e~~ s:~e~:::res dividid~s, hierarquizados
• com graus de complexidade
didas, mas ao aumento de exames e intervenções técnicas, nem m em dl!erentes níveis, favorecendo que alguns domi-
foi necessário um maior número de pessoas para pôr em da p:á~?nc~pçao do trabalho e outros a execução no exercício
execução este instrumental. Para tal, o elemento escolhido foi ica O poder· Os conhecimentos dos dif t . .
o atendente, que não encareceria tanto os serviços prestados, !~~d:ão são co~partilhados por todos os trab:~~;ir!~J~~
pois não tem formação e é força de trabalho disponível, ba-
e
rata de fácil subordinação. Aquelas funções administrativas elabor~8t: ;:v;~~~~s~~ab~raçõe~, ~ro~as ou experiências na
e . _ s e ass1stenc1a de saúde que levem
de enfermagem, como a elaboração do plano assistencial do
cuidado ao paciente, que seriam as funções essenciais da m cons1deraçao
Observam- · todo o processo
. do atend·iment o em saude.
,
enfermeira na perseguição da qualidade de assistência de en- . se, sim, mecamsmos de reprodução da rí 'd h '
fermagem, passam a não existir. Predominam, então, as ta- rarqma na divisão deste pr?cesso de trabalho. gi a ie-

refas de enfermagem advindas da prescrição médica, que são Várias enfermeiras ( Carvalho & Castro . . 1.
realizadas por atendentes, e as gerenciais, necessárias para
possibilitar o atendimento médico especializado, que serão
~~~1,1 e organi~mos internacionais ( Organiz.;,f!7!~!~:~ :::;

realizadas pelas enfermeiras. Esta é a crise da enfermagem tes d:• e~f81) tem denunciado.ª crise de identidade dos agen-
ermagem, em especial da enfermeir
inserida na crise do trabalho da saúde, que não é um traba- freere .ª? direcionamento para atividades admªh'l~~r~~evasse gree-
lho em equipe, mas, pelo contrário, o que se tem é a cisão ncia1s. -
entre a concepção e execução do trabalho . Poucos trabalha-
dores dominam o saber e a maioria executa tarefas sem visto saber ·de enfermagem ' que é um mstrumental
E oaté . como
compreender as razões dos procedimentos. possibilita~q:~uf~=d~r~~~~e~:a:técnic_? e científi~o:', p_ara
Um turno de trabalho em uma enfermaria, no que se re- de do trabalho de enf bem, nao se adere a reallda-
fere ao cuidado do paciente, pode assim ser caracterizado : o Trabalho este que não :x:~em! carregado de contradições.
pessoal auxiliar, logo pela manhã, verifica os sinais vitais dos magem parece dirigir-se a ogeneo; cada categoria de enfer-
pacientes, presta os cuidados higiênicos, ministra a medica- objeto da enfe uma _par~ela de trabalho sobre o
ção prescrita, instala soros e sondas, prepara pacientes para . rmagem e este direc10namento não ,
dado excl~s~v~mente pelos saberes dos diferentes e coman-
cirurgia, etc. O médico, a seguir, examina os pacientes, faz a
evolução e prescrição médica. A enfermeira entra nos quartos,
verifica se os cuidados de enfermagem foram realizados e se
1;,~~J:1: i~:1!~~::c;;:ªgiit!~ª:eaihood, subordinada às : 1:~~:~
0 o processo de trabalho.
a prescrição médica foi cumprida. Há uma certa alienação
de todo o processo de trabalho . Todos os trabalhadores (mé- irá !~:~~oq;:~a~es~~~~:~ei~~ri;plexidade ~o saber q~e
dicos, enfermeiras e pessoal auxiliar) realizam suas ativida·
des independentemente uns dos outros; parece que cada um
desenrola: da P:ática de enfermagem~i• c~~j~~
âa~ró~r~i
~as d~ saude. Nao se ?bservam na intemalidade do tra~alho
deve dar conta de determinadas atividades relacionadas ao e e ermagem as diferenciações de funções pelos vários
paciente, isolados entre si, na tentativa de monopolização de
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atribuições dos profissionais e das ocupações auxiliares ( en-
t num esquema contínuo e crescente d~ comJ?lexidade, fermeira, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem,
~~:oe~ontag, citado em ~am~=r~n,g:!ud~:1~~~~le~~~a~! atendente e parteiras).2
funções de enfermagem sao dem A luta pela regulamentação do exercício profissional vem
te variado indo desde aquelas mais simples, que po sendo encabeçada pelo Conselho Federal de Enfermagem,
b ast a n , - essoal sº m preparo espe-
ser desempenhadas pelas. mae~~ formação técnico-científi- desde a sua criação em 1973, e ainda não foi concretizada de-
cífico, até aquelas que exigem · . vido ao envolvimento de forças políticas das várias catego-
ca cabendo estas últimas à enfermeira. rias de enfermagem, de outros agentes da equipe de saúde e
' A determinação do limite das funções de c~da cate_ g oria de representantes de empresas hospitalares. A lei do exercício
na enfermagem tem sido muito difícil na prática, dev1~0 à profissional,3 atualmente em tramitação no Senado, mesmo
crise de identidade destes elementos. O que se observa e que sancionada, não representará a solução para a enfermagem
todos executam todas as atividades e não como esclare~e a brasileira, posto que o trabalho de enfermagem não se reali-
zará sem conflitos, cada agente executando aquelas funções
definição de Montag ( que coloca nas mãos das e~fe~eir~s determinadas pela legislação, pois as relações de poder na
as atividades ditas mais complexas e aquelas .1:1a1s simples internalidade e externalidade das práticas são dominantes. A
nas mãos do pessoal auxiliar). Acresce-se a d1~1culdade .em luta deverá continuar e deverá ser travada no próprio âmbito
definir o que seja complexo no cuidado ao pacien~e. ~eriam da prática da enfermagem, com o envolvimento dos seus di-
as atividades de cuidado direto ao paciente as mais s1~~les ferentes agentes, acrescidos dos outros representantes do se-
e as administrativas mais complexas? Viu-~e qu: as ativida- tor saúde, principalmente aqueles que articulam o poder.
des administrativas solicitadas às enfermeiras s~o as bu:o-
cráticas e não aquelas advindas do plano de c1:1dado assis- 1. Trabalho manual e intelectual na enfermagem
tencial do paciente. Haveria complexidade de açao no traba- Deste modo, a divisão do trabalho de enfermagem, que
lho burocrático? consiste na distribuição de tarefas, procedimentos e respon-
Esta análise do trabalho de enfermagem, em níveis de sabilidades do cuidado ao doente, por diferentes agentes da
complexidade para cada agente, é apresent~-~ ª- na ,su~
rência e não na sua essência, como se, a ~1v1~ao ~~cmca .º
ª1:- enfermagem, de acordo com o grau de sua qualificação, está

.da a determinantes tecmco-c1entlf1cos, tais 2 . Até hoje a lei que regula o exercicio da enfermagem no pais é
mesmo fosse devi .. ·d a Lei n• 2.604, de 17-9-1955, que não contemplã os técnicos e os aten-
como conhecimentos adquiridos, habilidades desenvo1v1Aa~, dentes e pouco düerencia o que seja o trabalho da enfermeira, do auxi-
etc., descartando totalmente o co_mando das forças econom1- liar, da parteira e do enfermeiro prático. Como atribuições especificas
cas e políticas das práticas sociais. da enfermeira, estabelece no seu art. 3•: "direção dos serviços de en-
fermagem nos est abelecimentos hospitalares e ou saúde pública; parti-
A definição e delimitação das funções des~es vários agen- cipação do ensino em escolas de enfermagem e de auxiliar de enfer-
tes da enfermagem tem sido o movimen:o _mais forte e cons- magem, direção de escolas de enfermagem e de auxiliar de enfermagem,
e participação nas bancas exa minadoras de práticos de enfermagem".
tante das enfermeiras brasileiras, nos ultrmos. dez ~os..'.. na Quanto à assistência de enfermagem propriamente dita, não estabelece
definição de seu espaço e, conseqüe~temente, diferenc~aç~o e atividades próprias de cada agente.
liderança do pessoal auxiliar; os quais, por sua vez, p~c1~al- 3 . Este projeto de lei estabelece atividades ptivativas da enfer-
mente os auxiliares de enfermagem, têm lutado :1ª rery~d1ca- meira, entre elas: planejamento, organização, coordenação, execução
e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem ; inclusão de
ção de direitos por espaços definidos na prestaçao do cwdado órgão de enfermagem na estruturação dos serviços de saúde ; consulta
de enfermagem. de enfermagem e prescrição da assistência de enfermagem. Entre as
atividades como integrantes da equipe de saúde estabelece: participa-
o movimento de luta das enfermeiras brasileiras para_ a ção na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de
definição do seu espaço no trabalho de enfermag~m. ( q:1e nao saúde e prescrição de medicament os estabelecidoii em programas de
saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde.
é homogêneo) tém sido no direcionamento de d1sC1plmar as
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subordinada e é comandada pela divisão técnica e social do Portanto, não é soment~ o trabalho em si, esp trlcum, n
trabalho, que remete à questão do trabalho manual/trabalho te. no caso da e_nfermagem, que vai determinar tn clkoto
intelectual, mesmo não sendo o trabaJho de enfermagem m~a, mas tambem a determinação de classe dos ag ntu 011
seJa, ·•
produtivo.'
"A divisão do trabalho intelectual/trabalho manual baseada ~df substância ?ªs relações sociais que os agentes sociais P H t 11
na especüicidade das relações de produção capitalistas (separa- e e_cem entre s1 e que garantem, superestruturalmente, a rl"J)l'o
ção dos trabalhadores diretos de seus meios de produção) tem duça~ ~as relações de produção que no núcleo- da infra-estrutum
de fato tendência a se reproduzir no conjunto das relações de esp~<:1f1cam o modo de produção capitalista (. .. ) . Tais relacõ<'R
uma formação social capitalista, e extravasa os locais onde se soc~a1s supere~truturais, enquanto devem reproduzir essa s pa -
estabelecem as próprias relações de produção" (Poulantzas, r~çao, deter~mé:m-se, em ?eral, como relações de poder, rela -
1978:274) .
çoes de dommaçao e subordmação" (Gonçalves, 1979:145-6).
A questão da divisão trabalho intelectual/trabalho ma- "A determinação das classes, abrangendo práticas - lutas _
das_ classes e estendendo-se às relações politicas e ideológicas
nual é muito marcante na enfermagem e sempre esteve pre- des~gna os lugares objetivos ocupados pelos agentes na divisá~
sente, sendo que as discussões em tomo do problema, confor- social do trabalho: lugares que são independentemente da von-
me relata a literatura, referem-se inicialmente ao século XIX tade desses agentes" (Poulantzas, 1978:14).
na Europa, quando as condições do trabalho de enfermagem O que seriam as atividades manuais e intelectuais na en-
nos hospitais eram degradantes. O mau trabalho ligava-se fermagem? As intelectuais seriam aquelas mais voltadas para
aos agentes que eram mulheres sem qualificação, de péssima o trabalho do _planejamento do cuidado, supervisão do tra-
conduta moral, analfabetas, bêbadas, portanto o trabalho era balho ~os a1;00-liares, administração da unidade etc.? E as
tido como imoral, sujo, e associado ao trabalho manual. Sur- m~nuais seriam as "mais simples", ligadas diretamente ao
ge o disciplinamento destes agentes através do treinamento, cm?ado d~ doente, ou seja, aquelas instrumentais? As enfer-
comandado pela disciplina, mas nem todos devem ser quali- meiras seriam os intelectuais da enfermagem?
ficados e sim aqueles que têm condições para tal, como de-
Gramsci contribui grandemente para aclarar esta difi-
terminadas condições morais. 5 culdade nos estudos que faz da superestrutura e em especial
Inicia-se, portanto, no capitalismo, a valorização do tra- dos intelectuais :
balho a ser executado pelas enfermeiras, trabalho mais inte- "Quais são os limites 'máximos' da acepção de 'intelectual'?
lectual, e o trabalho manual, subordinado, continuará sen- É possível encont!ar um critério unitário para caracterizar igual-
do executado pelos desqualificados, os atendentes. ~e~te t?das as diversas e variadas atividades intelectuais e para
Segundo Poulantzas, a divisão trabalho manual/trabalho distmgu1-las, ao ~e_smo tempo e de modo essencial, dos outros
agrupamentos soc1a1s? O erro metodológico mais difundido ao
intelectual não pode ser compreendida por critérios gerais que_ me parece,_ consiste em se ter buscado este critério de 'dis-
que se tomam forçosamente, nesse campo, critérios empíri- tinça_o no que e. intrínseco às atividades intelectuais, ao invés de
cos inadequados: principalmente critérios descritivos de busca-lo no conJunto do sistema de relações no qual estas ativi-
ordem biofisiológica - "gestos naturais" e "pensamento" - dades (e, po:tanto, os grupos que as personificam) se encon-
tram, no conJunto geral das relações sociais" (Gramsci, 1979:7).
ou do gênero : "trabalho das mãos", e "trabalho da cabeça",
"mãos sujas" e "mãos limpas", aqueles que colocam a "mão De fato, a enfermeira e o atendente ( os dois pólos dos
na massa" e aqueles que não a colocam, etc. ( Poulantzas, agentes do trabalho de enfermagem) não devem ser caracteri-
1978 :253-4 ). zados pelo trabalho manual ou intelectual,
"mas por este trabalho em determinadas condições e em deter-
4. "Trabalho produtivo no modo de produção capitalista é aquele minadas relações sociais (sem falar no fato de que não existe
que produz a mais-valia ao reproduzir diretamente os elementos ma- trabalho puramente fisico e de que mesmo a expressão de Tay-
teriais que servem de substrato à relação de exploração: aquele, pois, lor, 'gorila amestrado', é uma metáfora para indicar um limite
que intervém diretamente na produção material produzindo valores de numa certa direção; em qualquer trabalho fisico, mesmo no
uso que aumentam as riquezas materiais" (Poulantzas, 1978:235). mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificaqão
5. A respeito das concepções negativas da enfermagem na socie- técnica, isto é, um minimo de atividade intelectual criadora,
dade brasileira na década de 60, ver Alcântara (1963).
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(. .. ). Todos os homens são intelectuais, poder-se~ia dizer, entã_o, 2. A escola e o saber de enfermagem
mas nem todos os homens desempenham na sociedade a funçao
de intelectuais (. . . ). Não se pode separar o homo faber do homo A prática de enfermag~m no capitalismo passa a ser n
sapiens" (G ramsci, 1979: 7) . sinada através da escola e aí qcorrem duas polarizações : a
"Deve-se reservar o termo 'intelectuais' como categoria so- primeira, o ensino versus a prática; a segunda, que se desen-
cial a um conjunto determinado desse agentes, q_ue pree~chem
funções sociais especü1cas em relação à elaboraçao das ideol?- volverá no século XX, o ensino dividido em graus, desde o
gias de classe. Esses agentes, sendo 'funcionários. ª,ª i~eologia' "mais complexo" ao "mais simples".
(termo de Gramsci) , não formam 1:1:n:1 'grupo ~ocial acima, é!:º
lado ou à margem das classes sociais, mas tem um pertenci- As características do ensino de enfermagem não diferem
mento de classe, dependendo ?.e sua re~ação _co_mplexa com as do ensino institucional das sociedades capitalistas. O primei-
diversas ideologias de classe ( mtelectuais orgamcos das classes ro aspecto a ser discutido é a polarização do ensino e a prá-
sociais, segundo o termo de Gramsci' )" (Poulantzas, 1978:2n 4 ).
tica. O ensino passa a ser o detentor do saber da "ciência"
As enfermeiras que desempenham essa função de super- enquanto a prática passa a ser vista como o trabalho manual'
visoras, gerentes, são as "funcionárias" da ideologia domi: desqualificado. "O aparelho escolar desempenha um papel'
nante mas são trabalhadoras assalariadas e seu trabalho e próprio na reprodução dessa divisão e na distribuição dos
um t~abalho não-produtivo, portanto, não fazem par~e da agentes nos diversos lugares das classes sociais" (Poulantzas,
classe operária, não pertencem também _à burguesia, po~s seu 1978 :288). O ensino é caracterizado como o paradigma do
trabalho assalariado é explorado, dommado e subordmado saber, esquecendo-se que é no trabalho que se devem buscar
no aparelho esconômico. Fazem parte, portanto, da "nova pe- · os elementos do saber. É no desenrolar do cuidado de enfer-
quena burguesia", nos termos de Poulantzas. magem, em que se opera diretamente com o objeto, o doente,
E a situação de classe dos atendentes, qu~ s~o alienad~s onde se dão as relações técnicas e sociais, que está a essência
até do processo de trabalho, no que diz respeito a concepçao do saber. O distanciamento entre ensino e prática cada vez
do mesmo? São completamente destituídos do saber e seu é mais polar. Há uma barreira separando os que ensinam a
trabalho está mais voltado para o lado do trabalho manual. prática e os que praticam à prática. "O papel principal da
Apesar do seu trabalho não ser produtivo, ele é o mais expl?- escola capitalista não é 'qualificar' diferentemente o trabalho
rado pelo capital, de todos os agentes que trabalham n~ sau- manual e o trabalho intelectual; é bem mais, desqualificar o
de. Suas jornadas de trabalho são muitas vez~s duphcadas trabalho manual (sujeitá-lo), qualificando apenas o trabalho
devido ao seu pequeno salário. É ele quem realiza o trabalho intelectual" ( Poulantzas, 1978 : 288). Aqui entra a segunda po-
mais cansativo e pesado na enfermagem: mudanças de po- larização, o ensino em graus, o mais complexo, de um lado,
sição de conforto no leito, transporte de paciente~, de apare- e o mais simples, que não precisa da escola, de outro. O tra-
lhagem, etc. São os proletários do _trabalho ~a saude, _apesar balho "mais simples" da enfermagem será então executado
de seu trabalho pertencer à categoria de serviços que nao pro- pelos atendentes, que podem ser considerados os "operários"
duzem a mais-valia. deste cuidado. O seu treinamento é feito no próprio local de
Com a divisão técnica do trabalho da enfermagem, os trabalho, ou ele já adquiriu esta prática em um serviço ante-
agentes que executam este trabalho não ~ão homogêneos rior, sendo que é exigida a formação escolar correspondente
quanto à formação escolar e passam a dommar parcelas do ao primário. "O ensino no próprio serviço é um método po-
processo de trabalho da enfermagem .. A_ ~nálise_ aqui não é a tencialmente eficiente no preparo de certas pessoas, tais co-
mesma para toda a enfermagem. A d1v1sao social do proces- mo atendentes, auxiliares voluntárias, ou como quer que se-
so de trabalho organiza as diferentes categorias de pessoal jam chamadas, as quais poderão executar, com supervisão,
que trabalham em enfermagem, e a escola desempenha um as funções inais simples da enfermagem" (Brown, 1948 :101 ).
papel preponderante na legitimação do monopólio do saber O trabalho dito "mais simples" que lhes é atribuído é uma
por aqueles que realizam o trabalho mais intelectual e a des- questão falsa, pois este ma.is simples é o cuidado do paciente,
qualificação do trabalho manual. que é o objeto de trabalho de enfermagem. Então quem pra-

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tica a enfermagem de fato são os atendentes. Esta questão é temp~ maior para preparar o corpo docente para O ensino
contraditória, pois, se estes estão prestando o cuidado, seu superior. Os que eram contra a dilatação do tempo estavam
trabalho na realidade não é um trabalho desqualificado. preocup~dos em mel:iorar o nível do ensino e temiam um
O ensino da enfermagem no Brasil, no nível superior da conform_ismo a padroes tradicionais. Portanto, 0 ensino de
educação, como em outros países ocidentais e capitalistas, enfermeiras no Bras~l de_ 1949 a 1961 era de nível médio.
é demonstrativo de como a formação do pessoal de enferma- Mesmo ~om esta legislaçao, havia algumas escolas que já
gem em graus de complexidade reforça a divisão trabalho es!a_v am mtegradas n_a~ uniyersidades, como é O caso da Ana
intelectual e manual. Brown (1948), num estudo que fez, na Nen, qu~ em 1937 f01 mclmda na Universidade do Brasil co-
década de 40, da enfermagem norte-americana, relata que um mo Instit~to ~e Ensino Complementar, e em 1947 passou a
princípio fundamental da educação profissional na América ter na universidade lugar igual ao das demais unidades.
é sua responsabilidade a cargo de instituições de nível supe- Ao ~esmo tempo em que se formalizava o ensino de
rior e desta forma a educação profissional de enfermagem enferme:ras no_ Brasil, procurando oferecer formação com-
deve centrar-se nos colégios e universidades. Ainda quanto à parável a de r:ivel superior, surgia também a preocupação
utilização de pessoal não-preparado para executar o cuidado co~ a for~açao de pessoal em um nível mais simples ou
de enfermagem, declara: seJa, o auxiliar de enferm;:igem. A idéia da sua formação tinha
"se o pessoal não-diplomado vier a ser utilizado mais extensa e por pre~suposto : "o problema da deficiência numérica de
efetivamente, as conseqüências para a enfermagem profissional e?fe~meiras era cruciante, diante das necessidades de assis-
serão aprofundadas. Por um lado, será dada às enfermeiras uma te_ncia aosA doentes, e o seu_ pr_eparo dispendioso e demorado.
melhor oportunidade de se dedicarem àqueles aspectos da expe-
riência clinica que requerem habilidade verdadeiramente profis- ;mte e tres anos após ~ ~naçao da primeira Escola de Enfer-
sional; por outro lado, esperar-se-á muito mais delas no campo a~em ( !918-1941 ), existiam apenas seis dessas escolas e se
da supervisão, administração, ensino, literatura profissional e haviam dipl~mado aproximadamente 1.300 enfermeiras. Dian-
pesquisa" (Brown, 1948:73 ). te d~..:'ses nu~eros, a solução que pareceu mais viável na
A criação das escolas de enfermagem no Brasil ocorreu ocasiao, considerada então de emergência, foi a criaçã~ de
na virada deste século, mas teve impulso após o ano de 1923, cursos regulares. q~e ?Ud~ssem preparar pessoal em larga
quando foi criada a primeira escola, sob moldes norte-ame- escala para a assistencia dl,I'eta aos internados em hospitais"
ricanos, que serviu de padrão para as outras escolas brasilei- (Carvalho, 1976:188). Estes cursos foram também regula-
ras. O curso inicialmente tinha duração de dois anos e quatro mentados em 1949, pela mesma lei que regulamentou os
meses, sendo que na terceira turma passou a 36 meses. Exi- ~ursos . ~e enfermagem, nível superior. A institucionalização
gia diploma de Escola Normal como requisito de entrada, 0
aUXIIIar de enfermagem marca o início formal da divisão
facilitando, porém, a admissão das candidatas que, na falta do pr~cesso d_e _trabalho na enfern:iagem. Será que era só uma
desse diploma, provassem capacitação para o curso. Em 1949 questao numenca ( falta de enfermeiras) a razão da criação
o ensino é disciplinado através da Lei n .º 775/49, que estabe- dos cursos de auxiliares de enfermagem? Não estaria aqui
lecia : reconhecimento das escolas pelo Ministério da Educa- , prese~te também a necessidade de divisá~ do trabalho com
ção e não mais equiparação à Escola Ana Néri; duração do re~peito ao que é manual e intelectual? Em uma declaração
curso de 36 meses, ou quatro anos acadêmicos; exigência de feita quand~ os cursos de auxiliares já estavam instalados
secundário completo como requisito de admissão, embora a I:>reocupaça:o era com a diferenciação de atividade, ou seja:
concedendo um período de carência de sete anos prazo este deixar as mais complexas para as enfermeiras ·
prorrogado em 1956 por mais cinco anos, ou seja, até o ano ~se o a~xiliar, tal como está sendo preparado·, está prestando
de 1962. A prorrogação do tempo foi um assunto muito polê- ons cmdados de enfermagem. sob supervisão da enfermeira
por 9u~ formar enfermeira para esses mesmos cuidados? Nã~
mico na liderança da enfermagem; os que eram a favor da âº~stitu1 desdouro para a enfermeira delegar ao auxiliar O cui-
extensão do tempo, para exigir como requisito de admissão o ~ o d? doente. uma vez que ela, como chefe da equipe saberã
então secundário completo, tinham o temor de diminuir a d1scer~r as necessidades deste ou daquele doente e n~s casos
procura dos cursos de enfermagem e poderiam contar com o de cuidados. mais especializados, deve ser ela, a enfermeira de
grau super10r de educação, que o vã prestar. Redundaria isto
82
83
de um conceito limitado de enfermagem, identüicando-a, apenas, Em 1968, como conseqüência da reforma universitária,
com o cuidado do doente? Na realidade, a enfermagem abrange o Conselho Federal de Educação iníciou a revisão dos currí-
uma escala enorme e complexa de atividades, nas quais prestar
cuidados de cabeceira constitui apenas uma pequena parcela" culos mínimos dos cursos superiores, fundamentando-se nas
(Resende, 1961: 110-58). propostas de alterações recebidas das associações de classe
Mas o parcelamento da formação em enfermagem não dos respectivos cursos. Em 1972, o Parecer n.º 163/72 do
pára aí; surge um outro nível, o de técnico, na década de 60, CFE fixou o novo currículo mínimo dos cursos de enferma-
como uma proposta governamental, constituindo parte do gem e obstetrícia; este deu à enfermeira a possibilidade de,
objetivo genérico de fomentar técnicos de nível médio, o que concluído o tronco profissional comum, de duração mínima
traduz a concepção de desenvolvimento e divisão técnica do de três e máxima de cinco anos, habilitar-se em um dos três
trabalho das sociedades capitalistas. É relatada por Paixão ramos da enfermagem - obstétrica, saúde pública e/ou mé-
(1979 ), a necessidade da criação da categoria do técnico de dica cirúrgica - ou fazer licenciatura em enfermagem. Obser-
enfermagem, sendo que sua argumentação baseia-se na larga va-se que este currículo dá um cunho de especialidade já na
faixa de atribuições que não eram atendidas, satisfatoriamen- formação do nível de graduação. ·
te, nem por auxiliares, por falta de preparo, e nem por enfer- Na década de 70, como conseqüência da reforma uníver-
meiras, devido ao pequeno número. Estas funções eram as de sitária brasileira, surgem os cursos de pós-graduação em
supervisão de pequenas unidades e os cuidados a doentes enfermagem com a finalidatle de preparar docentes e pesqui-
graves. A criação do técnico de enfermagem causou uma po- sadores. Em 1972 surge o primeiro curso, em nível de mes-
lêmica bem maior que a do auxiliar; enquanto este nível é trado, na Escola Ana Néri, sendo que atualmente são oito os
bem distante do nível de formação da enfermeira, aquele, o cursos existentes.
do técnico, é bem próximo, esbarrando muito com o limite
do espaço da enfermeira, visto até como ameaça à suas fun- A busca da intelectualização da enfermagem não pára aí.
ções e existência. "Os outros argumentos contra baseavam- Em 1982 surge o nível de pós-graduação em doutorado atra-
se, principalmente, na conhecida deficiência do ensino reali- vés da participação de duas escolas de enfermagem da Uní-
zado por algumas escolas de nível superior ou médio de versidade de São Paulo, a de São Paulo e a de Ribeirão
primeiro ciclo, por falta de necessários recursos financeiros, Preto.
não se justificando, portanto, a criação de outros que, com Nos quatro currículos de enfermagem do país, de 1923,
muita probabilidade, iriam estar nessas mesmas condições" 1949, 1962 e 1972, em relação à distribuição da carga horária
(Carvalho, 1976 :185). teórico-prática, há um crescente aumento da teoria e conse-
Os que argumentavam a favor, qüente diminuição da carga horária prática, reforçando a
"além do fato de o projeto ter-se originado de mensagem do análise do movimento de intelectualização da enfermeira.
Presidente da República, consideram : 1) que os serviços de en- É, portanto, a escola a instituição que conserva e trans-
fermagem necessitavam de maior número de profissionais, in-
cluindo o pessoal de nivel técnico; 2) as pressões do auxiliar de mite o saber, formalizando-o, universalizando-o e reprodu-
enfermagem que aspirava a ocupar a faixa dos cursos de se- ,zindo-o na busca de autonomia e neutralidade científica. Mas,
gundo ciclo; 3) as diretrizes da política educacional do governo" como analisado até agora, este saber vem respondendo não
(Carvalho, 1976:183) . exclusivamente às questões da manipulação e conhecimento
Ao mesmo tempo que surgia o nível de técnico na enfer- do objeto da enfermagem, por parte da enfermeira, mas dan-
magem, findava o prazo estabelecido pela Lei n.º 775/49, de do-lhe possibilidades históricas de legitimar o seu status aca-
regulamentação do ensino de enfermagem e de auxiliar de en- dêmico e de lhe conferir o poder de dominação que.será exer-
fermagem, que possibilitava o ingresso na escola sem a exi- cido no controle dos micropoderes das instituições de saúde,
gência de segundo grau co·.npleto. É estabelecido o novo no que se refere à esfera adminístrativa e controle do pessoal
currículo mínimo para os cursos de enfermagem - Parecer subalterno. O domínío técníco-científico do saber é, portanto,
n.º 271/62 e a enfermagem passou definitivamente ao nível utilizado também para legitimar a dominação da enfermeira
de ensino superior. sobre a equipe de enfermagem. "O conhecimento torna-se um

84 85
instrumento que pode separar-se do trabalho e opor-se a ele" CAPÍT ULO III
(Thompson, in Marx, 1980 :414).
No desenvolvimento do ensino de enfermagem, como vis-
to, observa-se então um movimento de intelectualização que
vai da escola de 1. grau até o nível superior e pós-graduação,
0

perseguindo a qualificação de alguns agentes, as enfermeiras,


tentando conferir para a profissão de enfermagem a autono-
mia científica e o foro de ciência. Mas esta divisão técnica do
trabalho de enfermagem, reforçada pela escola, não fica im-
pune às forças sociais. A legitimação dos auxiliares e técnicos
de enfermagem e o seu aumento numérico progressivo difi-
culta a liderença da enfermeira, pois esta vai perdendo espa-
ço no trabalho de enfermagem. Como a formação dos auxilia-
res é mais barata, sua força de trabalho também o é, sendo
esta a mais empregada nos serviços de saúde, que, agora, com O SABER ATUAL DE ENFERMAGEM
o intuito de enfrentar a crise por que passam, irão utilizar
mais deste elemento, assim como do atendente de enferma-
gem.
Com a delegação do treinamento do pessoal auxiliar para O saber expresso pelos princípios científicos. que perdu-
a escola (o que se deu na década de 50), atividade esta exer- rou principalmente nas décadas de 50 e 60, é também visto
cida, até então, pela enfermeira no próprio serviço, a sua pela liderança da enfermagem como dependente, sem possuir
autoridade é mais enfraquecida, não podendo utilizar-se am- uma natureza específica e sem ser autônomo. A procura desta
plamente do saber e do ensino como instrumento de domina- autonomia e da especificidade da enfermagem faz surgir um
ção do pessoal auxiliar. novo enfoque no seu saber, que ocorre no final dos anos 60
e em toda a década de 70, chegando à atualidade e que é a sua
Portanto, o ensino de enfermagem, que reforça a divisão expressão mais recente e dominante na enfermagem ociden-
técnica do trabalho, favorece as contradições da prática de tal. É o enfoque da construção do corpo de conhecimentos
enfermagem, contribuindo para o agravamento da crise de específicos da enfermagem, expresso por uma terminologia
identidade da enfermagem. variada como : a· natureza específica da enfermagem, a for-
Com esta aproximação dos agentes de enfermagem, prin- malização dos conceitos e teorias, construção de marcos teó-
cipalmente aqueles que recebem ensino formal - as enfer- ricos de referência, de modelos, etc. São também as enfermei-
meiras-, através do saber procuram um distanciamento dos ras norte-americanas que iniciam este processo : "É o produ-
outros agentes para o restabelecimento de sua identidade. E to do trabalho de enfermeiras, especialmente enfermeiras
a expressão do saber, de que a enfermagem lança mão para o que são scholars, theorists, researchers e developers" (Nurs-
estabelecimento de uma proposta definitiva de autonomia, ing Development Conference Group, 1979 :3). Surge uma
são os instrumentos teóricos de trabalho, que lhe servem pa- discussão para conceituar a enfermagem como ciência, que é
ra se apropriar do objeto e que correspondem à dimensão in- definida como "um corpo de conhecimentos científicos
telectual do trabalho - as teorias de enfermagem. acumulativo que é trazido da física, biologia e ciências do
Seriam elas, as teorias, o saber que possibilitaria desven- comportamento e que, pelo processo de síntese, torna-se uni-
dar a crise da enfermagem? No próximo capítulo elas serão camente enfermagem (Abdellah, 1970:6-17).
analisadas, sendo que num primeiro momento se fará uma Ainda procurando delimitar o espaço da enfermeira, o
explanação das mesmas, p:ira se verificar, posteriormente, co- Comitê de Programa de Livro de Texto OPS/OMS (Organiza-
mo se dá a sua aderência à prática de enfermagem. cion Panamericana de la Salud, 1975) para o ensino de Intro-

86 87
dução à Enfermagem estabelece que há dois direcionamentos tria, psicologia, serviço social e sacerdócio reivindicam a área
futuros para a enfermeira profissional. O primeiro seria a da pessoa. A enfermagem controla a área do corpo. Exami-
ampliação de suas funções, neste caso exerceria o papel de nando o papel da enfermagem como uma "especialista do
um assistente médico. O outro direcionamento, que é apoia- corpo", Hall nota que a intenção do cuidado do corpo é o
do pelo Comitê, seria um aprofundamento no seu próprio conforto. Mas, não somente o corpo responde a tal conforto,
campo de saber, convertendo-se em um especialista de aten- ·como também a pessoa. Isto facilita a proximidade do cuida-
ção de enfermagem. O instrumental indicado para orientar a do do corpo de tornar-se um meio para uma experiência de
enfermagem .na busca de sua autonomia, como campo espe- aprendizado. Nesta experiência de aprendizado a enfermeira
cífico de saber, seriam as teorias, permitindo uma delimita- torna-se educadora, pois ela educa o paciente em direção da
ção de seus limites de atuação, no trabalho com outros pro- melhor autocompreensão e autocontrole. Através do cuidado
fissionais. do corpo a enfermeira ajuda o paciente a compreender o
A seguir, apresentar-se-á a síntese de algumas teorias de âmago de seus problemas, enquanto ele é visto através da
enfermagem desenvolvidas a partir da década de 60 por en- cura (domínio da medicina). O objetivo de Hall para o pa-
fermeiras norte-americanas e a última teoria, por uma enfer- ciente é o autoconhecimento e autocontrole como evidenciado
meira brasileira. na escolha consciente do paciente por um comportamento
gratificante. A enfermeira usa a si própria como um espelho
1. As teorias de enfermagem - Constituição no qual o paciente pode aprender e se autoconhecer e mudar
O objetivo deste tópico não é analisar a qualidade ou o seu comportamento da doença para a saúde.
nível da teoria, ou se não são teorias completas e sim concei- Lydia Hall delimita o objeto de trabalho da enfermagem
tos, pois não é esta a finalidade que aqui se propõe, mas sim quando diz que esta controla a área do corpo e, através deste
trazer à discussão todo o instrumental que a enfermagem cuidado (conforto) cuida-se da pessoa.
utiliza para trabalhar com o seu objeto e tentar analisá-lo Siter Callista Roy constrói um modelo conceitual de en-
historicamente. O conteúdo das teorias de enfermagem per- fermagem baseado na teoria da adaptação, tendo por base o
mite observar como a enfermagem é focalizada na atualidade, trabalho de Harry Helson (teoria do nível de adaptação). O
pois esta é uma das produções recentes do saber da enferma- modelo aparece em um capítulo do livro de 1974, um modelo
gem e, a partir de então, tentar entender o seu significado. conceitual para a prática de enfermagem, que serviu de base
As fontes de dados consultadas sobre as teorias, ou são para o de 1976 que foi reeditado em 1981. A síntese aqui con-
as próprias produções originais e/ou traduções ou textos que tida refere-se à edição de 1976. O modelo define claramente
se referem a elas. seus elementos : o recipiente do cuidado de enfermagem, o
A teoria de Lydia Hall1 foi publicada em 1966 no livro objetivo de enfermagem e as atividades de enfermagem. O
Continuity of patient care: the role of nursing. Seus estudos recipiente é o homem, um ser biopsicossocial em constante
têm por base a ~tividade profissional que desenvolvia em um interação com as mudanças ambientais. A resposta positiva
centro de reabilitação (Loebs Center for Nursing), em Nova do homem a uma mudança ambiental é comumente conheci-
Iorque, tendo por conceito funcional que a necessidade de da como um processo de adaptação composto por quatro
cuidado profissional de enfermagem aumenta à medida que modos de adaptação: necessidades fisiológicas, autoconceito,
a necessidade do cuidado médico decresce. A autora diz que papel funcional e relações de interdependência. Para chegar a
um paciente tem três aspectos de ser: 1) o corpo; 2) a patolo- estas conclusões baseou-se em uma pesquisa amostral do
gia e tratamento; e 3) a pessoa. -A medicina controla o aspecto comportamento de 500 pacientes. O objetivo da enfermagem
da patologia e tratamento, e outras profissões como a psiquia- é promover a adaptação do homem em cada modo de adapta-
ção em situações de saúde e doença.
1 . Para a teoria de Lydia Hall, ver Chairperson, 1980; Stevens, As atividades de enfermagem são expressas : primeira-
1979. mente através da avaliação que a enfermeira faz do compor-

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tamento do cliente em cada um dos modos de adaptação. A mento humano torna evidente que da infância à senilidade
partir daí, ela seleciona as áreas de concernência (interesse), há uma _constante luta entre a direção para a independência
tanto comportamentos mal adaptados ou comportamentos e o deseJo de permanecer dependente. A seguir, são descritos
que necessitam de reforço. Determina, então, o estímulo fo- os comportame~tos dependentes e independentes. referindo-
cal, contextual e residual que contribuem para cada compor- -se ao desenvolvimento da personalidade. Aqui novamente a
tamento. Baseado nestas avaliações, a enfermeira diagnostica fundamentação é a psicologia. ' '
o problema de relação de adaptação. Desde que ela identifi- _ . Sinteti~and~, a ~eoria da adaptação de Roy aplica os prin-
cou claramente o comportamento do cliente a ser mudado cip~os da b10l?gia, Juntamente com os da psicologia e socio-
ou reforçado, ela pode facilmente estabelecer o objetivo de l~gia e, atraves da teoria da adaptação, organiza a interven-
enfermagem. O objetivo é estabelecido em termos do resul- çao ~e e~ermag~m através dos estímulos focais, contextuais
tado comportamental para o paciente. Em geral. as ativida- e residuais .. O cmd~o de enfermagem, ou seja, a intervenção
des de enfermagem são dirigidas para remover o estímulo da :nfermeira ?ons1ste em diagnosticar as condições de adap-
focal ou mudar o estímulo contextual ou residual. A enfer- taçao ~o paciente no seu ciclo vital e promover esta
meira manipula os estímulos, removendo-os, aumentando-os, adaptaçao.
diminuindo-os ou alternando-os. Os resultados comportamen- Portanto, a tônica dos conceitos é, num primeiro mo-
tais são então avaliados e as atividades de enfermagem mo- mento, o corpo_ humano'. para depois valorizar os aspectos
dificadas, se necessário. comporta~enta1s, ou seJa, promover ações de enfermagem
No primeiro modo de adaptação, as necessidades fisioló- que permitam a adaptação do paciente. Trata-se de teorizar
gicas são identificadas como: exercício e repouso, nutrição, como dev~m ser as ações de enfermagem, sendo fundamental
eliminação, líquidos e eletrólitos, oxigenação e circulação, os_ conhecimentos da área da psicologia para realizar estas
regulação da temperatura, regulação dos sentidos, regulação açoes.
do sistema endócrino. São descritas as condições normais e A teor~ ~olística de Myra Estrin Levine (1973), publica-
anormais e os cuidados de enfermagem sempre com os pres- da pe!a prm~e1ra vez em 1969, descreve a enfermagem como
supostos da teoria da adaptação. Em relação ao autoconceito, u~a. mterapa? humana, uma disciplina enraizada na depen-
delineia as teorias buscando os fundamentos de Coombs & dencia orgamca do ser humano individual na sua relação
Snygg que postulam que cada pessoa continuamente se esfor- com outros seres humanos. A enfermagem também é descrita
ça em obter um conceito adequado de si próprio de maneira a como ~a inte1:"enção P!1ra apoiar e promover a adaptação
preservar sua integridade psíquica. Cooley, Mead e Sulivam, do paciente. A mtervençao de enfermagem está baseada em
teóricos de interação social, dão um outro ponto de vista pa- q~atro princípios de conservação de enfermagem : conserva-
ra examinar o autoconceito, ou seja, a interação com o outro çao_ de energia, integridade estrutural, integridade pessoal e
controla e altera a visão de si próprio. O modelo de adapta- social. Os q~atro pri??-cípios de conservação têm como postu-
ção de Roy assume que o autoconceito é composto de crenças tulado a uni~ade e mtegridade do indivíduo, reconhecendo
e sentimentos que alguém tem de si próprio, num tempo dado, ser cada reaçao a cada estímulo ambiental resultante da na-
formado das percepções particulares das reações dos outros tureza integrada e unificada do organismo humano. Em 1973
e dirigidas ao comportamento pessoal. Descreve, então, a na segunda edição de seu livro, Levine indica que o whole ma~
perda, culpa, ansiedade, pobreza (falta de controle pessoal é o f<;>co_ da intervenção de enfermagem. A palavra holística
ou interno sobre uma situação dada), auto-estima. Observa- substitm a palavra organismo usada na primeira definição
-se que estes conhecimentos são buscados nas áreas da psico- (Nursing Development Conference Group, 1979 :75-6). Teori-
logia e sociologia, assím como o terceiro modo de adaptação, za, portanto, a ação de enfermagem e esta é baseada no
o papel funcional. Neste, o termo de maior significância é o de cuidado total da pessoa.
papel. Os autores em que Roy se baseia são : Michael Banton, A teoria sinergística tem como autora Dagmar E. Brodt,
Talcott Parsons e Edward Shils. O último modo de adaptação que apresentou seu trabalho em 1969 e define preliminarmen-
é o modo de interdependência. A observação do comporta- te que a associação de conhecimentos e habilidades que pro-

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A teoria de Martha Rogers foi publicada em 1970 e, no
tegem um paciente de sua fraqueza e mobilizam suas forças prefácio do livro, ela diz que a
para a recuperação são os resultados das ações sinergísticas "ciência de enfermagem é dirigida para descrever o proceso vital
dá enfermagem. Ela vê a habilidade da enfermeira simulta- do homem e para explanar e predizer a natureza e direção de
neamente provendo o cuidado, a cura e a coordenação do pa- seu desenvolvimento. As generalizações hipotéticas da enferma-
ciente em termos de suas dimensões dirigidas para : 1 ) a gem e os principios unificados emergem do pensament o a bstrato
preservação das defesas corporais; 2) a prevenção de compli- no marro de referência do sistema conceituai de enfermagem e
encontram verificação na pesquisa cientifica e anãlises lógicas.
cações; 3) o restabelecimento do paciente com o mundo ex- Um modelo conceitua! do homem provê um meio de compreen-
terior; 4) a detecção de mudanças no sistema regulador cor- der o processo vital e estabelecer fundamentação para um
poral; 5) a implementação da terapêutica prescrita pelo mé- desenvolvimento continuo de pesquisa relevante e utilizaqão sig-
dico e outras atividades do diagóstico; 6) a provisão de con- nificativa de dados de investigação. A enfermagem é uma ciência
humanistica dedicada a um interesse compassivo para manter
forto. A combinação de duas ou mais ações de enfermagem e promover a saúde, prevenir doenças e cuidar de reabilitar o
tem um resultado · diferente se a ação for realizada isolada- doente e o incapacitado. O homem, ao qual a enfermagem em-
mente, portanto, obtém-se uma ação sinergística. semelhante penha-se em servir, é um todo unificado, um sistema sinergé-
ao sinergismo farmacológico. Exemplificando: dar líquidos tico, que não pode ser explicado pelo conhecimento de suas par-
tes" (Rogers, 1970).
com freqüência para evitar náuseas e desidratação, realizar
a prescrição médica mais a manutenção de um ambiente ade- O livro é dividido em três unidades. A unidade I aborda
quado para repouso e diminuir a apreensão do paciente com a história da evolução do homem através do tempo; a unida-
a presença da enfermeira são eficientes no cuidado a um pa- de II o fenômeno homem: objeto da enfermagem. Neste ca-
ciente com vômitos e náuseas. Tal resultado não ocorreria pítulo, apresenta as pressuposições básicas que são propostas
se somente fossem dados líquidos. É o resultado sinergístico para compreender o sistema conceituai de enfermagem. São
da intervenção que impele o paciente para o seu ótimo grau as seguintes as pressuposições : 1) o homem é um todo unifi-
de recuperação. Examinando as três primeiras dimensões da cado possuindo sua própria integridade e manüestando ca-
teoria sinergística já descritas, a preservação das defesas cor- racterísticas que são mais que düerentes da soma de suas
porais, prevenção de complicação, o restabeleciment<;> ~o pa- partes; 2) o homem é um sistema aberto e, como tal, ele e o
ciente com o mundo exterior revelam que estas atividades ambiente estão continuamente trocando matéria e energia um
requerem decisões autônomas por parte da enfermeira. A com o outro; 3) o processo da vida evolui irreversível e uni-
aplicação desta teoria também ajuda a düerenciar a enfer- direcionalmente ao longo do contínuo tempo e esoaco; 4)
meira do pessoal de enfermagem com düerentes tipos de pre- padrões e organização identificam o homem e refletem sua
paro educacional. unidade inovadora; 5) o homem: perceptível, ser nensante;
6) o homem é caracterizado pela capacidade de abstracão e
Brodt procura teorizar a importância da intervenção da imaginação, linguagem e pensamento, sensação e emoção. Na
enfermeira, sendo que esta é efetiva quando se dá a soma das unidade III, desenvolve um sistema conceituai de enferma-
ações e estabelece, também, um vínculo entre ações e auto- gem, tendo por pressuposto a unidade anterior. Os orincípios
nomia da enfermeira para diferenciá-la do pessoal de enfer- preditivos necessários para guiar a prática de enfermagem
magem. Assim sendo, a teoria de Brodt volta-se mais para a emergem de um sistema conceituai de enfermagem, cujo fe-
teoria da intervenção da enfermeira e a preocupação de düe- nômeno central é o processo vital do homem. Se o processo
renciar o seu papel dos outros elementos da enfermagem. da vida é estudado e entendido, o processo norml:ll e patoló-
O tema central das teóricas vistas até então, Roy, Levine gico deve ser tratado em base de completa igualdade. Saúde
e Brodt, refere-se à adaptação, que é o processo no qual as e doença, bem-estar e mal-estar são noções dicotômicas,
pessoas se ajustam a um ambiente particular, para desenvol- arbitrariamente definidas, culturalmente inspiradas e carre-
verem suas funções e sobreviverem. Refere-se também à ho- gadas de valores. O processo da vida possui sua prónria uni-
meostase, ao equilíbrio, stress e, por sua vez, à teoria de sis- cidade. Ele é inseparável do ambiente. As características do
temas. Portanto, os campos de pertinência destas teorias são processo da vida são as da totalidade. A enfermagem pre-
a fisiologia, psicologia e sociologia.
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tende assistir as pessoas na realização de sua máxima saúde A teoria de Imogene M. King é apresentada em duas pu-
potencial. Manutenção e promoção da saúde, prevenção de blicações: a primeira em 1971, Toward a theory for nursing:
doenças, diagnósticos de enfermagem, intervenção e reabili- general concepts of human behavior, e a segunda, dez anos
tação de acordo com os propósitos de enfermagem. A enfer- após, A theory for nursing: systems, concepts, process. As sín-
magem é concernente às pessoas, todas as pessoas - saudá- teses aqui contidas referem-se à publicação de 1981. A teoria
veis e doentes, ricas e pobres, jovens e velhas. As áreas de de King tem como fundamentação a teoria dos sistemas :
serviço de enfermagem estendem-se para aqueles lugares on- "nos últimos vinte anos ou mais, tem surgido uma abordagem
de há pessoas: no lar, escola, trabalho, clubes; no hospital, de sistemas para enfrentar as mudanças e a complexidade das
enfermagem domiciliar e clínica. organizações de cu,dado à saúde. Alguns cientistas que têm estu-
dado sistemas têm notado que a única maneira de estudar seres
No capítulo referente ao modelo conceitua! de enferma- humanos interagindo com o ambiente é esboçar um esquema con-
gem, inicia abordando a noção de sistema e modelo; a se-guir, ceitua! de variãveis interdependentes e de conceitos inter-relacio-
diz que os limites conceituais do homem são identüicados no nados (Von Bertalanffy, 1968; Wiener, 1967; Churchman, 1968;
Howland , 1976 ). O esquema conceitua! deste livro apresenta uma
campo energético, que é de natureza elétrica, está em estado maneira de esboçar sistemas inter-relacionados para a enferma-
contínuo de fluxo e varia continuamente na sua intensidade, gem. Uma pressuposiçã o bã sica feita é a de que o foco da enfer-
densidade e extensão. O campo humano é postulado como magem é o cuidado de seres huma nos. Se o objetivo da enferma-
tendo seus limites contínuos com os limites do ambiente, gem é a preocupação com a saúde de indivíduos e o cuidado de
que é por si mesmo um campo de natureza energético-elétrica. saúde de grupos, e se é aceita a premissa de que os seres huma-
nos são sistemas abertos interagindo com o ambiente, então, um
O proce·sso vital é a expressão da evolução rítmica do campo esquema conceitua.! para a enfermagem deve ser organizado de
ao longo de um eixo longitudinal espiralado, ligado na matriz forma a incorporar Pssas idéias" (King. 1981:9-10).
quadridimensional espaço-tempo e sempre modelando e sen- No esquema conceitua! delineado para a enfermagem, a
do modelado pelo meio. autora estabelece três sistemas com interações dinâmicas en-
Rogers compara o processo energético vital do homem a tre eles : I) sistemas pessoais, que são os indivíduos. A enfer-
um brinquedo chamado Slinky. Cada volta da espiral exem- meira como pessoa é um sistema total, assim como o paciente
plifica a natureza rítmica de vida, enquanto que as distorções como pessoa é um sistema total. Os conceitos aqui seleciona-
da espiral retratam desvios da regularidade de natureza. dos para a compreensão dos seres humanos como pessoas
Identifica a seguir quatro princípios da homeodinâmica para são: percepção, "o eu", imagem corporal, crescimento e de-
explicar a natureza do processo vital e para predizer as tra- senvolvimento, tempo e espaço; II) sistemas interpessoais.
jetórias ao longo das quais eles se desenvolverão. São eles: Os conceitos que ajudam a compreender a interação entre
princípio de reciprocidade, sincronia, helicidade e ressonân- seres humanos são: papel, interação, comunicação, transa-
cia. Os princípios da homeodinâmica postulam uma maneira ção e stress; III) sistemas sociais. As forças propulsaras na.
de perceber o homem unitário. As mudanças do processo enfermagem estão envolvidas na dínâmica da sociedade na
vital do homem são previstas para serem inseparáveis das qual o processo de mudança altera o ambiente. As forças
mudanças ambientais e para refletirem as interações mútuas sociais estão em constante movimentação dentro dos sistemas
e simultâneas entre os dois em um dado ponto no espaço- sociais, e os jogos inter-relacionados destas forças influen-
-tempo. ciam o comportamento social, interação, percepção e saúde.
Rogers baseia-se numa variedade de disciplinas para Diversos conceitos proporcionam conhecimentos para ajudar
construir seus conceitos, que são bastante amplos, sendo o as enfermeiras a funcionar numa variedade de sistemas so-
objeto da enfermagem o indivíduo total e suas interações com ciais, principalmente no sistema de cuidado à saúde. São eles:
o meio ambiente. Procura conceituar a enfermagem como organização, poder, autoridade, status, tomada de decisão e
uma ciência humanística e humanitária e, como tal, deve ter papel (King, 1981 :10-2).
um vastíssimo conhecimento. A definição, ao delinear o cam- Este sistema de referência para a enfermagem pode ser
po do saber, amplia-o sobremaneira, dificultando a compre- assim sumarízado :
"os indivíduos compõem um tipo de sistema no ambiente chama-
ensão daquilo que seria próprio da enfermagem. do dos sistemas pessoais. Os indivíduos interagem para formar

94 95
grupos diádicos, triádicos, pequenos, grandes, os quais compreen-
dem outros tipos de sistemas chamados sistemas interpessoais. Os explica a enferm~gem. Em 1971 publica o livro Nursing:
grupos com interesses e necessidades especiais formam organi - concepts of practice, que é reeditado em 1980. Orem, pro-
zações, as quais formam comunidades e sociedades e são chama- curando caracterizar a enfermagem, diz que
dos sistemas sociais" (King, 1981 :141 ). " uma questào cnt1ca para as en1ermeiras é determinar quando
Na enfermagem, os objetivos são atingidos através das e por que as pesso~s . podem ser ajudadas através da enferma-
interações enfermeira-cliente, quando há wn estabelecimento gem, co~o fo rma distmta de outros serviços humanos. (. .. ) Sem
0
conhe~iment9 e a compreensão do objeto da enfermagem as
mútuo de objetivo pela enfermeira e o cliente, quando ambos enfermeiras nao podem identificar aqueles com os quais ~las
exploram os meios para atingirem o objetivo e concordam podem ter uma legitima relação de enfermagem. Na sociedade
com esses meios, e quando ambos exigem comportamentos m<;>derna, espera-~e que ~s adultos tenham confiança própria e
que conduzem à obtenção do objetivo. Os resultados das seJam responsávei_s por si próprios e pelo bem-estar de seus de-
pe~dentes. A maior parte dos grupos sociais aceita, além do
transações incluem a. satisfação no desempenho das ativida- mais, . que as pessoas desamparadas, doentes, idosas, incapazes
des da vida diária, o sucesso no desempenho de atividades º':2 privadas de algo, devam ser ajudadas em sua dificuldade ou
inerentes ao próprio papel, e a obtenção de objetivos imedia- aJudadas el? obter ou recuperar a responsabilidade com sua pos-
tos e a longo prazo (King, 1981 :1). Do marco conceitua! de sivel . capacidade. En_tão, a auto-ajuda e a ajuda de outros são
valonzadas pela so~iedade como atividades desejadas. A enfer-
sistemas abertos, deriva wna teoria de alcance ·de objetivos. magem, como um tipo de serviço humano, está baseada em am-
Esta teoria descreve a natureza da interação enfermeira- bos_os valores. (. .. ) Cada serviço humano tem um interesse es-
-cliente, que conduz à obtenção dos objetivos. A fixação destes pecia! para algull?- aspecto do funcionamento humano ou O modo
objetivos da enfermeira e do cliente está baseada na avalia- de VIda q~e defme qual serviço necessário e o düerencia de
outros se~viços. A enfermagem tem como seu interesse especial
ção da enfermeira sobre as preocupações do cliente, seus pro- as nece~sid~des individuais para o autocuidad-0 e sua provisão
blemas e distúrbios da saúde, sua percepção dos problemas e_ orgamzaç~o em uma base continua de modo a sustentar a
e sua informação compartilhada. em direção ao alcance dos vida e a sau~e, recuperá-la da doença e lutar contra seus efei-
objetivos. Assim sendo, a enfermagem é wn processo de inte- tos. O autocuidado é uma necessidade de toda pessoa _ homem
mulher e criança. Quando o autocuidado não se mantém, ocor~
ração hwnana entre enfermeira e cliente, através do qual um rem doença ou morte. As enfermeiras, algumas vezes, adminis-
percebe o outro e a situação; e, através da comunir.a<;ão, eles tram e mantêm a necessidade do autocuidado continuamente
fixam os objetivos, exploram os recursos e concordam sobre para pe~soas ~otalmente incapacitadas. Em outras ocasiões as
meios para alcançarem objetivos. Por exemplo, wn objetivo enfe~eiras• aJudaJ? as pessoas a manterem o autocuidado' ne-
ce~sário para realizar algumas, mas não todas as medidas de
pode ser ajudar wn cliente a conhecer como enfrentar wna cmda?o, pel_'.1 supervisão de outros que assistem o paciente e
doença crônica. Portanto, a enfermagem é vista como wn pela mstruçao e gu~a individuais, conforme gradualmente se dio-
processo de ação, reação, interação e transação (King, 1981: vam para o autocuidado" (Orem, 1980:5-6).
142). Procurando diferenciar a enfermagem da medicina
"os médicos aval,a~ o _estado de saúde, determinam a evidência
Portanto, Imogene King elabora wna teoria da organiza- da pres_en~a ou ausencia da doença, prescrevem e determinam
ção das ações de enfermagem sobre o objeto e busca na teo- a terapeu~1ca para manter a saúde e curar ou controlar a doença
ria dos sistemas ( sistema pessoal, interpessoal e social) a ou o~ efeitos ~o dano e doença. Quando capazes, as pessoas sob
maneira de organizar esta intervenção. Busca, também, na o c~.udado médic? esperam c~ntrolar sua própria saúde e manter
o tipo de autocmdado requerido. Quançlo incapazes, a assistência
área do comportamento hwnano a fundamentação para des- de outra~ !>essoas, além do médico, é necessária. A enfermagem
crever a natureza da interação enfermeira-cliente ( acão, rea- é necessaria sempre que a manutenção de continuo autocuidado
ção, interação e transação). Assim sendo, trata-se mais de requE:r o ~so de técnicas especiais e a aplicação de conhecimen-
wna teoria das ações de enfermagem do que, propriamente, tos cientif1cos para prover o cuidado ou administrá-lo" (Orem
1980:7). '
de wna teoria do objeto da enfermagem.
O autocuidado é definido como a
A teoria de Elizabeth Dorothea Orem tem como foco cen- "prá~ca de atividades que individuos iniciam e realizam em seu
tral o "autocuidado" e seus trabalhos iniciaram-se em 1958, próprio fa vor da manute~ção da vida, saúde e bem-estar. Nor-
para dar forma e estrutura ao conhecimento que descreve e malmente, .os adu!tos cuidam de si próprios voluntariamente.
Infantes, crianças, idosos, doentes e incapazes necessitam de com-
96
97
pleto cuidado ou assistência com atividades _de a~~ocuid~do. (. • :> "não meramente como um perigo externo, mas parte integrante
Três tipos de requisitos de autocuidado sã:_o identüi~ados . 1 ) um- do próprio equilibrio social. Deve ser entendida como um modo
versal os seres humanos, por natu~eza, ter:i necessidades comu~s de resposta às pressões sociais, entre outras coisas, como um
para ~ consumo de materiais (ar, agua, ahm~ntos ) e para re?-11- modo de evitar responsabilidades ( ... ) . É um estado de pertur-
zar e manter as condições vitais que mantem ? _p~oc~sso vital bação no funcionamento normal do individuo humano total, in-
( . .. ) ; 2 ) 0 desenvolvimento humano, do periodo imcial mt:a-utt - cluindo-se o estado do organismo como um sistema biológico f!
rino até a plena maturaçã o do adulto, requer a formaçao e a seus ajustamentos sociais e pessoais. A doença é definida, pois,
manutenção de condições que promov_e m .º proce~s? do dese~ - em parte biologicamente e em parte socialmente. A participação
·
vo 1VImen t o ( • • •) ·, 3) defeitos constitucionais
. e geneticos
b t e desv10
es no sistema social é sempre potencialmente relevante para o es-
da estrutnra normal e integridade func10nal_ e em-es ar nec ;, tado da doença, para sua etiologia e para as condições do su-
sitam de condições para realizar a prevençao reguladora (. • .) cesso terapêutico, bem como outras coisas. A prática médica é
(Orem, 1980:35 e 37) . um 'mecanismo' no sistema social para superar a doença de seus
membros . Ela envolve o estabelecimento de papéis sociais ( . .. ).
A enfermagem é vista como um serviço de a~uda: A prática médica moderna é organizada sob a aplicação de co-
"A educação apropriada de enfermagem deveria ser capaz nhecimento cientifico para os ·problemas do doente e sua saúde,
de iniciar estudantes de enfermagem na aquisiç~o e no us_o d~ bem como para o controle da doença" (Parsons, 1964:431-2).
conhecimento sobre : a ) a arte de ajudar; b ) metodos de aJuda,
c ) situações de enfermagem; e d) si~temas d~ enferm~gem. ~n- A observação que se faz a esta teoria social de Parsons
fermeiras com uma atitude apropriada aceitam a si pró?ri~s é a mesma que Garcia faz :
como ajudantes (helpers) dos pacientes e co~o _responsaveis " o funcionalismo, ao considerar a medicina como determinada
pelos atos de enfermagem realizados e pela C?ntinu!dade do_ de- teleologicamente, ou seja, por sua finalidade de curar e prevenir
senvolvimento como enfermeiras. A enfermeir~ ~e o paciente a doença, impossibilita de se perceberem outras determinações
como uma pessoa e interage com ele com o obJetivo de bu_scar procedentes da totalidade social ou de algumas de suas instân-
informações para formar uma válic;1a _e ~eal imagem do paciente cias. Mais ainda, ao considerar a doença como motivada, reduz
como estando necessitando de assistencia de enfermagem (um a análise da medicina ao nivel individual, psicológico e, portanto,
foco de enfermagem)" (Orem, 1980:55 ) . a prática médica é percebida como orientada para o controle
"A teoria de Kotarbinsky da ação eficiente (1965 ) e a teor~a destes desvios individuais. Este tipo de análise oculta os confli-
de Parsons da ação social (1968) influenciaram Orem_ na descri- tos existentes na sociedade e a forma como a medicina intervém
ção das ações do autocuidado. De acordo com Kotarbmsky_, UfI!ª para preservar os interesses dos grupos dominantes. Do mesmo
ação social requer uma determinaç~~ tripla: a ) determm:1çao modo, impossibilita a introdução, na análise, do papel que de-
do objeto· b) determinação das condiçoes que envolvem a situa- sempenham os grupos ou classes sociais na prática médica. Tais
ção; c) d~terminação do signüicado de acordo ~om a escolha do limitações são importantes, se for levado em conta. que a exis-
objetivo e da situação existente. Parsons enfatizou o p_apel das tência de diferentes tipos de práticas médicas de acordo com os
ações sociais orientadas para o objetivo TI? sistema de açao. Orem grupos ou classes sociais a que se destinam, em um tempo e
e O Grupo de Conferência do Desenvolv_imen!o da Enfermagem espaço social dados, destroem o mito de uma medicina abstrata
(NDCG) aplicaram esta idéia para _as situaçoes de. e~erma&_em e geral" (Garcia, in Nunes , 1983:107).
onde O autocuidado utiliza ação dehberada para atmgir um re- Esta análise que se faz para a prática médica, faz-se tam-
sultado previsto" (Neves, 1980:41 ). bém, da mesma forma, para a enfermagem.
Para 0rem, o objeto de trabalho da enfermagen:i é o No Brasil, a produção de teorias de enfermagem teve
cuidado de enfermagem visto sob a . forma de au~ocmdado, como autora principal W anda de Aguiar Horta, que passa a
ou seja, o paciente participa desse cuidado na medida d~ sua comunicar seus trabalhos no início da década de 70, nos Con-
competência e de seu estado _de saú~e. A enf~rm~gen:i _e con- gressos Brasileiros de Enfermagem e com uma influência
ceitualizada como uma relaçao de aJuda devido as dificulda- marcante também no ensino de graduação e pós-graduação,
des que os pacientes têm em assumir o autocuidado. Orem e na produção de trabalhos de tese.
procura caracterizar o que é próprio da enfermagem e c~mo Os seus trabalhos sobre conceitos, teoria e processos de
devem ser as ações. Portanto, seus estudos pr?curam teor~zar enfermagem, apresentados em congressos e publicados em pe-
0 que é a profissão e como esta deve se orgamzar ( autocmda- riódicos, foram agrupados no seu livro Processo de enferma-
do) para prestar 6 cuidado. gem, editado em 1979, e sua teoria chama-se teoria das ne-
King e Orem fundamentam-se, portanto, en:i teorias so- cessidades humanas básicas (Horta, 1970 :119-25). A autora
ciais, como a da ação social de Parsons, que defme a doença declara : "em trinta anos de vida profissional, temos acurou-

98 99
lado observações, aprendido, estudado, refletido; enfim, te- A autora desenvolve, ainda, uma metodologia d trolu
mos vivido a enfermagem. Isto nos levou a procurar desen- lho fundamentada no método científico que é d nomlniu o
volver uma teoria que pudesse explicar a natureza da enfer- processo de enfermagem, que é a dinâmica das aç · . 1 t.1
magem, definir seu campo de ação específico, sua metodolo- matizadas e inter-relacionadas, visando a assistência no Ir
gia científica" ( Horta, 1979 : 27). A teoria é desenvolvida a humano. Os passos deste processo são o histórico d nft r
partir da teoria da motivação humana de Maslow, que se magem, o diagnóstico, o plano assistencial, o plano de cuidn
fundamenta nas necessidades humanas básicas. Os pressu- dos ou prescrição de enfermagem, a evolução, e o prognósti
postos da autora são : a) a enfermagem é um serviço presta- (Horta, 1979 :35).
do ao ser humano, este é parte integrante do universo dinâ-
mico e está em constante interação com ele, e a dmâmica do N'o ensino de enfermagem, no Brasil, no desenvolvimento
universo provoca mudanças que o levam a estados de equilí- do seu corpo de conhecimentos específicos, Horta, no final
brio e desequilíbrio, no tempo e espaço; b) a enfermagem é da década de 60, introduz os "instrumentos básicos de enfer-
magem":
parte integrante da equipe de saúde e, como tal. mantém o "durante os nossos anos de experiência no ensino de Fundamen -
equilíbrio dinâmico, previne desequilíbrios e reverte desequi- tos de Enfermagem, sentimos que não era suficiente e não satis-
líbrios em equilíbrio do ser humano, no tempo e no espaço. fazia aos estudantes, nem a nós, a ênfase dada ao desenvolvi-
O ser humano tem necessidades básicas que precisam ser mento da habilidade técnica. ( ... ) Consideramos que as funções
atendidas para seu completo bem-estar. O conhecimento do básicas da enfermeira sejam: a determinação do diagnóstico de
enfermagem, a colaboração e execução do plano de cuidados, a
ser humano a respeito do atendimento de suas necessidades liderança da equipe de enfermagem e a colaboração com outros
é limitado por seu próprio saber, exigindo, por isso, o auxilio profissionais para atendimento das necessidades globais do pa-
de pessoal habilitado. A enfermagem assiste ao ser humano no ciente (. .. ). No ensino de Fundamentos de Enfermagem, alguns
atendimento de suas necessidades básicas, valendo-se para desses conhecimentos e dessas habilidades são considerados ins-
trumentos básicos indispensáveis ao desenvolvimento profissio-
isto dos conhecimentos e princípios científicos das ciências nal do estudante. São eles: comunicação, planejamento, avalia-
físico-químicas, biológicas e psicossociais, concluindo que: ção, método científico de problemas, observação, trabalho em
a enfermagem, como parte integrante da equipe de saúde, im- equipe, destreza manual e criatividade" (Horta, 1971:159-69) .
plementa estados de equilíbrio, previne estados de desequilí- A Organização Panamericana de Saúde, em 1973, também
brio e reverte desequilíbrios em equilíbrio pela assistência ao encampa esta idéia e estabelece para as escolas de enferma-
ser humano no atendimento de suas necessidades básicas; gem na América Latina o ensino destes instrumentos, ou seja,
procura sempre reconduzi-lo à ·situação de equilíbrio dinâmi- "desenvolvimento de habilidades tais como: observação (direta,
co no tempo e espaço (Horta, 1979 :28-9). A autora conceitua indireta, formal ou informal) ; comunicação (interpessoal e co-
municação terapêutica); aplicação de principias cientificas, cria-
enfermagem dizendo que "é a ciência e a arte de assistir ao tividade (o uso da imaginacão, que é fundamental para as inves--
ser humano no atendimento de suas necessidades básicas, de tigações e o progresso profissional) ; trabalho em equipe (ine-
torná-lo independente desta assistência, quando possivel, pe- rente à atenção da saúde); planejamento (organização sistemá-
lo ensino do autocuidado, de recuperar, manter e promover tica de suas atividades de trabalho); avaliação (incluindo a au-
a saúde em colaboração com outros profissionais" ( Horta, to-avaliação e a de outros, com objetividade e juizo critico)"
(Organização Panamericana de la Salud, 1975:5).
1979 :29). A partir deste conceito, define que as funções da
enfermeira podem ser consideradas em três áreas : Horta, ao conceituar as necessidades humanas básicas,
"a) A área específica: assistir ao ser humano no atendimento além de basear-se em Maslow, usa também as definições de
de suas necessidades básicas e torná-lo independente desta assis- João Mohana, que estabelece necessidades de nível psicobio-
t~ncia, quando possivel, pelo ensino de autocuidado; b) área de lógico, psicossocial e psico-espiritual (Horta, 1979 :39 ). É inte-
interdependência: a sua atividade na equipe de saúde nos aspec- ressante notar que todas as áreas de necessidade vêm prece-
tos de manutenção, promoção e recuperação da saúde; c) área
social: dentro de sua atuação como um profissional a serviço da didas do termo psico. Portanto, além de elaborar o objeto de
sociedade, função de pesquisa, ensino, administração, responsabi- enfermagem sob a forma de necessidades, ela o faz com ênfa-
lidade legal e de participação na associação de classe" (Horta, se na área da psicologia, e reelabora, também, como devem
1979:30). ser as ações de enfermagem que são traduzidas através do
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cesso vita l do homem e para - Biologia
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CO, O p, O o-; za e direção de seu desenvol- - Antropologia
ro ~ p.. rn .c5· vimento. A enfer magem é uma - Sociologia
t-1::SnOrn~1 CÍência humanistica dedicada
p p, o (O o a um interesse compassivo pa-
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1981 dos de interação humana entre ing: general r oncepts of
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enfermeira e cliente. através terpessoais e sociais. hmnan behav-ior, 1971.
~~.§~Õo-; do qual um percebe o outro - A theory for ,u,rsing: sys-
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uso de técnicas especiais e a - Teoria da acão
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e à procura da definição do seu objeto. Henderson é a autora ?11tr_a a~álise a ser feita das teorias de enfermagem é a
que mais conceitua sobre o objeto de trabalho da enferma- relativa a ongem do campo do conhecimento. Até a década
gem, definindo-o como o cuidado do paciente e especificando de 60, quando predominava o modelo dos princípios científi-
o que ele é, e que a enfermeira é "autoridade deste cuidado cos, os conhecimentos predominantes, como visto são trazi-
básico". do_s ?ª ?iologia, fisiología, medicina, etc., e, a partir de então,
Henderson é o marco-limite que separa os conceitos das pnv1leg1a-se a área da psicologia, com ênfase nos aspectos
teorias e estas se propõem, de acordo com a literatura, a com~ortamentais e das relações humanas : a ·enfermeira diag-
construir um corpo de conhecimentos específicos de enferma- nostica o problema de relação de adaptação (Roy); o whole
gem e conferir-lhe desta maneira o estatuto de ciência. Nota- man é o foco_ da enferm_agem e esta é vista como interação
-se que o número de teorias que surge na década de 70 é rela- humana ( Levme); as açoes devem ser sinérgicas ( Brodt) • a
tivamente grande e este número também significa uma enfermagem visa o indivíduo total (Rogers); o foco da enfer-
preocupação em colocar a enfermagem no mesmo nível de ~agem é o cuidado de seres humanos, no sistema pessoal,
outras áreas do conhecimento que já têm uma posição defi- mterpessoal e social (King); enfermagem é assistir o ser
nida e, desta maneira, dar uma resposta para a presente crise h~aJ?-º no a~ndime~t? de suas necessidades básicas, psico-
da prática de enfermagem. b10l_óg1cas, ps1cossocia-1s e psico-espirituais (Horta), etc.
A primeira conclusão a que se chega em relação à cons- Assrm sen~o, agrega-se ao cuidado de enfermagem a pessoa
trução do corpo de conhecimentos específicos da enfermagem que necessita desse cuidado. Desenvolve-se, então, um vasto
é de que muitas teorias expressam a formalização da organi- conhecimento de teorias para compreender este homem ora
zação das ações de enfermagem para a prestação do cuidado, como doente, ora como sadio, ora como indivíduo total.' per-
mais que, propriamente, teorizam sobre o cuidado. As auto- tencente a uma família, ambiente, etc. Ora relacionando-se
ras que expressam este direcionamento, dentre as estudadas, com outras pessoas, no tempo e no espaço, desempenhando
são : Roy ( teoria da adaptação); Levine ( teoria holística); seu papel e desenvolvendo seu autoconceito e autocuidado
Brodt (teoria sinergística); Rogers; King (teoria de alcance etc. É a psicologia, antropologia, sociologia, ecologia, etc. qu~
dos objetivos); e Horta (teoria das necessidades humanas emprestam seus elementos para que seja feita a síntese do
básicas). Através do princípio da teoria dos sistemas gerais e novo conhecimento, a enfermagem. O que se observa é a
das relações e respostas do comportamento humano perante substituição de fontes de conhecimento· substituem-se os co-
o próprio homem e o mundo que o cerca, as autoras propõem nhecimentos da biologia, fisiologia e medicina pelos da psico-
como a enfermagem deve se organizar, como processo, para logia, com ênfase nos aspectos comportamentais e de relacões
dar respostas aos problemas da saúde do homem. E este ho- humanas e os da sociologia (função, papel, ação social, etc.).
mem de quem as teorias falam é de um nível de generalização Seria esta substituição a procura de um distanciamento da
muito grande, é um todo biopsicossocial em interação com medicina e, conseqüentemente, uma busca de autonomia da
o meio ambiente temporal-espacial, perdendo, desta maneira, enfermagem? Ou significa agregar-se a uma área que está
sua historicidade e concretude, passando a ser universal. To- alcançando um destaque no conhecimento? · Ou por aue os
das as teorias falam deste homem abstrato e a-histórico. elementos da psicologia favorecem uma relação positiva en-
Assim, o objeto de trabalho da enfermagem, o cuidado, é fermeira-paciente e traduzem um trabalho mais intelectual
conceituado do ponto de vista de uma abordagem interna da que manual? Ou por que o papel da enfermeira seria o de
saúde, privilegiando o equilíbrio, a homeostasia. a interação anteparo ou apoio para a realização plena do homem na so-
de partes, a adaptação, etc. Mesmo quando as teorias têm ciedade capitalista monopolista? Todas estas questões não
como fundamentação o social, este é analisado também sob podem ser descartadas.
o ponto de vista das ações sociais, papéis, status, e outros, Viu-se que o saber da enfermagem sempre esteve muito
numa visão funcionalista, dificultando a compreensão da próximo da medicina; seus limites são irregulares e até so-
doença do doente ·e da prática de enfermagem como totalida- brepostos. Isto tem dificultado a compreensão do que seja a
de historicamente determinada. enfermagem e sua conceituação ainda é um campo em deba-

104 105
te, como mostraram as teorias. As relações da enfermagem objeto é o mesmo, ou seja, o cuidado, e neste caso este se
com a medicina têm sido uma questão muito discutida no traduz mais pelas ações educativas. Portanto, a questão cen-
que diz respeito à dependência daquela para com esta. Se- tral para a definição da enfermagem não se coloca na propos-
gundo Stevens, ta de dife-rentes pacientes, pois, mesmo com diferentes pa-
cientes da medicina, seu objeto é o cuidado de enfermagem,
"o cr escimento da enfermagem como uma prática independente que pode se efetuar por ações preventivas e/ou educativas
tem ocorrido no contexto de determinar o lugar da enfermagem
em relação ao da medicina. As soluções propostas têm explorado e/ou curativas e/ou de reabilitação. A questão central deve
as seguintes a lter nat ivas , nas quais a enfermagem pode relacio- então ser relativa ao objeto da enfermagem. Assim, o conhe-
nar-se à medicina: cimento de enfermagem direciona-se para dar conta do seu
1 ) a enfermagem tem os mesmos pacientes e os mesmos objeto de trabalho, e, como este objeto ainda não está clara-
objetivos da medicina; mente definido, seu saber também se apresenta com estas
2 ) a enferma gem tem os mesmos pacientes, mas diferentes indefinições. A exploração de propostas alternativas para o
objetivos da medicina; direcionamento da enfermagem revela a questão do equacio-
3 ) a enfermagem tem diferentes pacientes, mas os mesmos namento de sua independência e especificidade e, conseqüen-
objetivos da medicina ; temente, coloca ·em pauta a questão polêmica da enfermagem
4 ) a enfermagem tem diferentes pacientes e diferentes <inje- como ciência. Para discuti-la, dois aspectos da questão podem
tivos da medicina" (Stevens, 1979:90-1 ). ser evidenciados : o primeiro diz respeito ao campo do saber
e o segundo diz respeito ao objeto da enfermagem, o cuidado
O que caracteriza a primeira alternativa é a complexida- do paciente. O saber relativo aos princípios científicos das
de do estado de saúde do paciente. A enfermeira cuidaria da- ações de enfermagem e das teorias mostrou que a enferma-
queles em estado de saúde ainda dentro dos limites normais gem vai buscar em outras áreas do saber conhecimentos e
ou prestaria cuidados primários de saúde à população. Se- teorias para fundamentar sua prática, ou seja, teorizar em
ria uma assistente médica. Na segunda, o que se evidencia é enfermagem. Um novo conhecimento se faz, que é a síntese
a essência de cada 'trabalho; se o objeto da enfermagem é o de outros conhecimentos, mas que não é uma pura ciência de
cuidado do paciente, seu objetivo é diferente do da medicina. enfermagem; "o conhecimento pode ser desenvolvido na for-
Na terceira, seria a substituição do médico em regiões ou po- ma de ciência aplicada e ciência prática" ( Nursing Deve-
pulações que não dispõem de serviços médicos. Aqui teri,'.1mos lopment Conference Group, 1979 :38) . O que não se entende
uma extensão dos serviços médicos. Na quarta alternativa, a é que este conhecimento, assim formulado , seja específico da
enfermagem estaria com pacientes sãos, atuando na manu- enfermagem, pois o que se tem é uma prática cientificamente
tenção da saúde e na educação, e a medicina voltada para a fundada. Tirar-lhe o significado de ciência, ou melhor, dizer
doença. Evidenciam-se nestas propostas dois caminhos: pa- que a enfermagem não é ciência, não lhe retira o significado
cientes diferentes para a enfermagem dos da medicina; neste de trabalho necessário para a saúde do homem. Mesmo a
caso caberiam à enfermagem pacientes com saúde que ne- acumulação de conhecimentos, o que poderá ir ocorrendo no
cessitam de orientação para a manutenção dessa saúde e, tempo, não lhe possibilitará ser vista como ciência, pois seu
como segundo caminho, a enfermagem trabalharia com os objeto é o cuidado do paciente e, como tal, trata-se de uma
mesmos pacientes com os quais a medicina trabalha, sendo prática que ajuda a restaurar e promover a saúde. O cuidado
os objetos diferentes nas duas propostas. A medicina perse- do paciente aqui é visto em todas as dimensões : o do próprio
guiria a restauração de uma norma através da cura, e a en- cuídado físico, psicológico, readaptação social ou, ainda, o
fermagem, a restauração de uma norma através do cuidado.
O substantivo "cura" e o substantivo "cuidado", no caso dos cuidado relativo às práticas educativas de saúde, etc. Em
mesmos pacientes para a enfermagem e a medicina, ou mes- quaisquer destas dimensões, o cuidado de enfermagem está
mo no caso de pacientes diferentes, parecem direcionar me- voltado para a manutenção e/ou restabelecimento de uma
lhor a questão. Mesmo a enfermagem voltada para os aspec- norma do indivíduo e, como tal, são ações subjetivas que es-
tos preventivos da saúde, no caso pacientes diferentes, seu capam da objetividade da ciência.

106 107
Canguilhem contribui efetivamente nesta questão quan- gias de prática, deveria ter a forma de uma dis ·ipl lni~ pr ti , "
do, no seu estudo do "normal e patológico", refuta a "tese, se- (Nursing Development Conference Group, 197!) :4 ). l•'lh~ oro
gundo a qual, os fenômenos patológicos são idênticos aos que escrevem sobre o conhecimento em r 1 a no de .·c•111pc•
fenômenos normais correspondentes, salvo pelas variações nho prático identificam-no como derivado ou npllrndo e 1t1
quantitativas" ( Canguilhem, 1978: 17 ). contraste com o conhecimento dos campos fundaml nl.111 011
"A ambição de tornar a patologia e, conseqüentemente, a puro. Portanto, a enfermagem é uma disciplina prática e, rn
terapêutica, integralmente cientifica, considerando-as simples- mo tal, constituida de dois tipos de conhecimento. Um d ,
mente procedentes de uma fisiologia previamente instituida, só critivo e explanatório das realidades de enfermagem u.
teria sentido se, em primeiro lugar, fosse possivel dar-se uma ciência aplicada de enfermagem. O outro, ciência prática d
definição puramente objetiva do normal como de um fato; e se,
além disso, fosse possivel traduzir qualquer düerença entre o enfermagem, especifica regras prudentes para guiar as deci-
estado normal e o estado patológico em termos de quantidade, sões e áções das enfermeiras ( Nursing Development Confe-
pois apenas a quantidade pode dar conta, ao mesmo tempo, da rence Group, 1979 :6-7 ).
homogeneidade e da variação" (Canguilhem, 1978:36).
"Em matéria de patologia, a primeira palavra, historica- Desta forma, o saber da enfermagem desloca-se das téc-
mente falando, e a última palavra, logicamente falando, cabem nicas de enfermagem para as teorias e estas duas significações
à clínica. Ora, a clínica não é uma ciência e jamais o será, mes- não se excluem, mas estão presentes no cuidado de enferma-
mo que utilize meios cuja eficácia seja cada ,;ez mais garantida gem. Portanto, tem uma conotação de arte, ou seja, de uma
cientificamente. A clínica é inseparável da terapêutica, e a tera- prática com uma fundamentação científica buscada no cam-
pêutica é uma técnica de instauração ou de restauração no nor-
mal, cujo fim escapa à jurisdição do saber objetivo, pois é a po da biologia, o que ocorreu marcadamente nas décadas de
satisfação subjetiva de saber que uma norma está instaurada. 40 e 50, e nos campos de psicologia (comportamental) e so-
Não se ditam normas à vida, cientificamente. O conceito de ciologia. nas duas últimas déc1;1,das. As teorias de enfermagem
norma é um conceito original que não pode ser reduzido - e são esta última expressão do saber que buscam possibilitar
menos ainda em fisiologia - a um conceito objetivamente de-
terminável por métodos cientificos. Portanto, na verdade, não uma fundamentação para a operacionalização do cuidado.
há uma ciência biológica do normal. Há uma ciência das situa- Assim sendo, refutam-se as teóricas que dizem que
ções e das condições biológicas consideradas normais. F,sta ciên- "a fonte de enfermagem deve ser algum mundo idealmente
cia é a fisiologia. ( ... ) Ocorre com a medicina o mesmo que construido da prática de enfermagem como este deveria ser se
com todas as técnicas. É uma atividade Que tem raizes no es- ele fosse feito corretamente. ( ... ) É um mundo construido men-
forço espontâneo do ser vivo para dominar o meio e organizá-lo talmente mais que o mundo real da prática de enfermagem.
segundo seus valores de ser vivo. (. .. ) Eis por que, sem ser (. .. ) A disciplina de enfermagem usualmente está localizada
ela própria uma ciência, a medicina utiliza os resultados de num construto mental de 'deve ser' e não no que é" (Stevens,
todas as ciências a serviço das normas da vida. Portanto, existe 1979:6-7).
medicina, em primeiro lugar porque os homens se sentem doen-
tes. É apenas em segundo lugar que os homens, pelo fato de A compreensão da enfermagem como um construto de
existir uma medicina, sabem em que consiste sua doença" (Can- "deve ser", e como tal, expressando a corrente filosófica idea-
guilhem, 1978:185 e 188). lista, é dominante no entendimento da prática de enfermagem
Se o objeto de enfermagem é o cuidado do paciente que e a norma desempenha aí papel preponderante. O discurso
tem como objetivo ajudar a recuperar aquilo que lhe falta, da enfermagem é normativo sempre na direção do ideal, do
promover sua adaptação, manter o equilíbrio dinâmico, pre- "deve ser", e assim as questões ético-filosóficas são altamen-
venir desequilíbrios, ajudar a manutenção do seu autocuidado, te valorizadas e o concreto real com suas contradições é esca-
etc., a enfermagem é uma ação que pode, deve e tem que pos- moteado.
suir conhecimentos para realizar esta ação com competência, A seguir, discutir-se-á se a proposta das teorias viabiliza
pois é um serviço dirigido à saúde do homem. Assim, as aná- e orienta a prática de enfermagem, conforme é sua finalidade
lises aqui expressas confirmam as do Nursing Development expressa pelas teóricas aqui mencionadas. Expressariam as
Conference Group, vistas anteriormente : "O conhecimento teorias concretamente a construção da teoria do objeto da
de enfermagem, quando formalizado e expresso em forma de enfermagem? Para responder a esta questão, que é central
leis, teorias, conceitos, categorias de fatos, regras e tecnolo- neste estudo, pois está-se tentando delinear e entender que

108 109
saber é este da enfermagem, e qual o seu significado social, é A co·n centração de pessoal auxiliar na r gil H11<h. te •
preciso confrontar as teorias com a prática e verificar se sua ainda maior que a de enfermeiras; os técnicos d 11nf1 rn1111•• ,
gênese vem daí e, por sua vez, se estão direcionando esta contribuem com 68% e os auxiliares com 64%, 111 lo 11111
prática. segunda região com maior concentração, em relaçã no nu
As teorias, como visto, foram geradas nos Estados Uni- liares, é a região Sul, fato não ocorrido com as enf rnu I rn. .
dos e já se encontram sendo difundidas no Brasil, principal- A relação do número de enfermeiras com os auxllh~rt
mente através do ensino de enfermagem no nível de gradua- é a seguinte: o número de técnicos de enfermagem já pu.. n
ção e pós-graduação. Como ainda têm-se poucos elementos da metade do número de enfermeiras e o número de auxilia
conjunturais para o seu estudo na situação norte-americana, res é três vezes maior que o de enfermeiras. Pelos dados d
a análise a ser feita será relativa à enfermagem brasileira. IBGE (Tabela 2), o número de atendentes é dez vezes maior
que o de enfermeiras.
2. As teorias de enfermagem e a dimensão prática
TABELA 1
Na Tabela 1 é apresentada a composição numérica do Pessoal de saúde em atividade, com nivel superior, nos estabelecimentos
pessoal de saúde em atividade com nível superior, no ano de públicos e particulares. Brasil - 1979.
1979, no Brasil, onde se observa: as enfermeiras em relação PESSOAL NúMERO %
aos profissionais da área de saúde representam somente
7,48% do total. O profissional mais numeroso é o médico, que Médico 132.882 74,56
corresponde a 74,56% do total do pessoal, representando Odontólogo 15.526 8,71
quase dez vezes mais o número de enfermeiras. Enfermeira 13.342 7,48
Farmacêutico 4.206 2,36
Quanto à distribuição do pessoal de enfermagem em re- Nutricionista 1.767 0,99
lação às categorias, de acordo com a Tabela 2, também para Assistente social 3.873 2,20
o ano de 1979, a enfermeira contribui com uma pequena por- Outros 6.602 2,70
centagem (5,25%) e o atendente com 65,55%. Somando-se as
TOTAL 178.198 100%
visitadoras sanitárias ( que têm diferentes níveis de escolari-
dade) com as parteiras práticas e os atendentes, esta porcen- Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica - JBGE.
tagem sobe para 69%. Sem esquecer que os auxiliares de en- Anuário Estatistico do Brasil, 1982.
fermagem estão contribuindo com uma porcentagem signifi-
cativa de 23,30%. TABELA 2
Pessoal de enfermagem em atividade, com todos os niveis de escola-
Ainda em relação ao aspecto quantitativo do pessoal de ridade, nos estabelecimentos públicos e particulares. Brasil - 1979.
enfermagem cadastrado nos vinte Conselhos Regionais de
PESSOAL NúMERO %
Enfermagem, até setembro de 1983, a Tabela 3 mostra a sua
distribuição por região geopolítica. O número de atendentes Enfermeira 13.342 5,25
não consta destes dados, pois, a partir de 1978, este procedi- Técnicos
mento de provisionamento feito pelos Conselhos de Enferma- de Enfermagem 6.235 2,45
gem foi suspenso pelo Ministério do Trabalho. Portanto, uti- Auxiliar
de Enfermagem 59.257 23,30
lizam-se os dados do IBGE (Tabela 2 ), quando se refere a Visitadora sanitãria 3.713 1,46
esta categoria. Parteira prãtica 5.056 1,99 69,0%
Então, o número de enfermeiras no Brasil é de 26.720, Atendente 166.660 65,55
sendo que a maioria, 14.701, que corresponde a 55%, está con- TOTAL 254.263 100%
centrada na região Sudeste, seguida da Nordeste, com 21,8%,
e da região Sul, com 12,86%. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica - IBGE.
Anuário Estatístico do Brasil, 1982.

110
111
TABELA 3 Mesmo não sendo a questão quantitativa do pequ no
Pessoal de enfermagem cadastrado nos Conselhos Regionais de
Enfermagem até 30/ 09/ 83.
número de enfermeiras e do grande número de p !)SOal el
mentar o fator principal da crise por que passa a enfermag m
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brasileira, esta situação numérica, pelo contrário, é efeito do
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tante para o desenvolvimento das teorias de enfermagem. E
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tas, embora sendo elaboradas pela elite da enfermagem, para
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que de fato representem um instrumental da enfermagem,
têm que ser viabilizadas pela prática. E quem irá viabilizá-las
Amazonas 419 2 24 570 19 serão os agentes da enfermagem que estão prestando o cuida-
Pará 632 1 209 1.458 4 do ao paciente. Pela apresentação numérica aqui reita, o
Nº 1.051 3 233 2.1)28 23 maior contingente do pessoal de enfermagem é representado
NORTE % 3,94 0,63 1,66 2,73 23,23
pelos atendentes e pelos auxiliares de enfermagem, sendo os
Alagoas 181 - 3 285 3 primeiros sem instrução formal. Uma quantidade razoável
Bahia 1.496 18 150 2.433 - de investigações de enfermagem realizadas no Brasil, nas últi-
Ceará 1.169 2 85 1.332 8
Maranhão 430 - 200 964 - mas três décadas,2 tem mostrado· que as enfermeiras nas ins-
Paraiba 908 - 3·0 1.137 15 tituições de saúde vêm realizando funções administrativas li-
Piauí 166 - 45 580 - gadas à gerência. das unidades, como controle de medicação,
Pernambuco 956 47 ?,55 15155 13 de rotinas, do pessoal auxiliar, etc., e aquelas referentes ao
Rio Grande do Norte 335 - 85 690 -
Sergipe 185 - 28 608 -
objeto de trabalho, como o cuidado de enfermagem, vêm sen-
N• 5.826 67 881 9.594 39 do realizadas principalmente pelos atendentes.
NORDESTE % 21,80 14,20 6,28 13,23 39,40 Pela a.presentação feita das teorias de enfermagem, elas
Minas Gerais 2.083 1 839 4.732 6 representam uma certa elaboração intelectual, que seria de
São Paulo 7.163 357 3.294 20.177 1 domínio próprio da categoria. enfermeira, para talvez "diferen-
Rio de Janeiro 5.455 21 5.400 21.652 4 ciá-la" das outras categorias. Como então permitir que este
N• 14.701 379 9.533 46.561 11
SUDESTE % 55,01 80,30 67,95 64,20 11,11 saber da enfermeira fosse compartilhado com os auxiliares
e com o pessoal de nível elementar? Não se trata de uma per-
Paraná 815 12 458 1.851 11 missão personüicada na enfermeira.. Vimos que a divisão so-
Rio Grande do Sul 2.023 11 985 6.426 13
Santa Catarina 599 - 678 1.339 1 cial do trabalho no capitalismo divide a concepção da execu-
Nº 3.437 23 2.121 9.616 25 ção reproduzindo, no interior do trabalho de enfermagem, a
SUL % 12,86 4,87 15,11 13,30 25,26 divisão de classes da sociedade e as relações de poder. Por-
Distrito Federal 831 - 840 3.018 1
tanto, a questão deve ser tratada do ponto de vista social;
Goiás 674 - 353 1.312 - todo · profissional procura monopolizar um saber esoecífico.
Mato Grosso 200 - 69 414 - Na saúde, vários são os trabalhadores que prestam serviços;
Nº 1.705 - 1.262 4.744 1 há uma multiprofissionalidade e, ao mesmo tempo, em uma
CENTRO-OESTE % 6,39 - 9,00 6,54 1,00 mesma profissão, há. várias categorias que se diferenciam pe-
Nº 26.720 472 14.030 72.543 99 lo grau de escolaridade, fato ocorrido com a enfermagem. Ao
TOTAL % 100 100 100 100 100 mesmo tempo em que há um monopólio das questões da saú-
de na mão do médico, há também um monopólio do saber
Fonte: Modificado do Conselho Federal de Enfermagem - de enfermagem ( que contém saberes da medicina.) na mão
Noticias, nov./83.
Nota: Não consta o número de atendentes, pois este pessoal passou 2. A respeito ver Alvim et alii. 1966 : Ferreira-Santos & Minzoni,
a não ser provisionado pelo COFEn a par1!i.r de 1978, procedi- 1968; Becker et alii. 1971; Trevizan, 1978; B::iptista. 1979; Botura et alii,
mento suspenso pelo Ministério do Trabalho. 1980; Favero et alii, 1980; Burlamaque, 1971.

112 113
agora da enfermeira e não da enfermagem, sendo que entre tradores esperam que essas controlem todo o hospital e, para
o pessoal auxiliar, aqueles que já têm alguma formacão espe- tal, vão prevalecer as atividades burocráticas.
cífica, como os auxiliares e técnicos, este saber difunde-se um O trabalho na saúde é desenvolvido de forma coletiva :
pouco e o atendente, que é a categoria mais numerosa do pes- vários trabalhadores cuidam de um mesmo corpo, dificultan-
soal de enfermagem, fica distante deste saber. do mais ainda, no seu interior, a autonomia destas práticas
Visualizando o trabalho de enfermagem em qualquer que se esbarram e se superpõem numa busca do seu espaço.
instituição de saúde, -e ste é parte do trabalho de saúde; prá- E as duas práticas que estão ombro a ombro e desenvolvem
ticas que têm uma finalidade técnica, mas que são todas per- um trabalho que busca a manutenção e recuperação dos cor-
meadas pelas relações econômicas, políticas e ideológicas da pos socialmente investidos é a enfermagem ( exercida por
sociedade capitalista. Portanto, as propostas dos agentes para diferentes agentes ) e a medicina. É neste espaço que se detec-
instrumentalizar seus objetos de trabalho ni;í.o podem ser tam as limitações e se podem também vislumbrar as possibi-
propostas neutras, comandadas somente pelo cientificismo lidades, pois é um espaço social que permite uma prática
técnico. transformadora.
As teorias de enfermagem ultrapassaram, no nível dis- Não se tem no caso da enfermagem brasileira a possibi-
cursivo, as técnicas e os princípios científicos, indo centrar- lidade de uma prática liberal, no sentido de venda direta de
-se, principalmente, nos aspectos de adaptação psicológica do serviços entre produtor e consumidor, possibilitando uma
homem, e ,a enfermeira, com este instrume1;1tal teórico, ope- produção autônoma de serviços. Caso este direcionamento
racionalizaria estas relações positivas. Poderiam os atenden- fosse possível e visado, a operacionalização das teorias seria
tes ou me$mo as enfermeiras desenvolver as teorias no cuida- mais exeqüível, pois sua realização dependeria do nível de
do ao paciente, sendo que o trabalho na saúde · é coletivo, decisão da enfermeira. Mas esta assistência de enfermagem
centrado nas funções e sem muita complementaridade, acres- beneficiaria somente aqueles estratos populacionais que pu-
cido da figura do administrador ou superintendente, que dessem comprar diretamente tais serviços. O que se observa
simboliza a organização formal do trabalho explícita na ra- é que a população brasileira, em grande parte, cada vez pode
cionalidade e rentabilidade econômica através da prestação consumir menos os serviços produzidos pelo setor saúde.
de bens de saúde? Acresce a isto o fato de que a qualidade Portanto, a alternativa de privatização da assistência de en-
do cuidado não tem sido fator relevante. É esperado da en- fermagem para possibilitar uma prática com maior autono-
fermeira que ela desenvolva atividades administrativas, nem mia não parece um caminho que possa ser trilhado.
sempre aquelas relativas à coordenação da assistência de en- As teorias possibilitariam a conquista da autonomia pro-
fermagem, mas relativas ao controle gerencial e burocrático fissional, na sua dupla concepção ética e técnico-científica
de toda a unidade de serviço e, portanto, sem necessidade, como monopólio de um conhecimento específico para a en-
muitas vezes, de um domínio do saber de enfermagem para fermeira?
desempenhar tais tarefas. Tem-se verificado que, mesmo
quando o número de enfermeiras em uma instituição de saú- O saber de enfermagem expresso por suas teorias parece
de é adequado para o número de leitos, as funções adminis- ser uma proposta voltada mais para as dimensões científicas
trativas prevalecem. Nestas instituições com grande número desta prática sem contemplar a dimensão social, não levando
de leitos, o número de pessoal auxiliar e atendente cresce em consideração as contradições tanto no interior do traba-
muito mais ( viu-se que na região Sudeste há concentração de lho de enfermagem como as relacionadas à estrutura social.
auxiliares de enfermagem maior que a de enfermeiras), ha- Assim sendo, este saber está voltado mais para um projeto
vendo maior uso de tecnologias e maior divisão de trabalho ideológico de cientificismo e autonomia da enfermagem. Pos-
e, conseqüentemente, aumentando as funções burocráticas e sibilitaria a construção de um corpo de conhecimentos para
de controle das enfermeiras em relação aos auxiliares e aten- a enfermagem, mas a crítica que se faz é que não é uma pro-
dentes. Nas instituições que empregam um pequeno número dução autóctone e de difícil aplicação na prática brasileira.
de enfermeiras, principalmente as particulares, os adminis- Acresce-se o fato de que não é um saber crítico, pois não leva

114 115
em consideração as contradições do processo de trabalho da Conferência Internacional de Atenção Primária de Saúde, em
enfermagem.-Portanto, o saber de enfermagem expresso pelas 1978, ( Alma-Ata, URSS), subscrita pelos 134 países partici-
teorias não tem respondido à crise atual da enfermagem bra- pantes. Esta reunião foi patrocinada pela Organização Mun-
sileira. dial de Saúde e Fundo das Nações Unidas para a Infância e
A questão da utilização de mão-de-obra elementar exis- estabeleceu que "um dos principais objetivos sociais dos go-
tente no mercado de trabalho da saúde, principalmente a do vernos, das organizações internacionais e de toda a comuni-
atendente de enfermagem, seguido do auxiliar, não pode ser dade mundial no curso dos próximos decênios deve ser o de
escamoteada nas propostas dos saberes de Pnfermagem. O que todos os povos do mundo alcancem no ano 2000 um nível
pessoal elementar cada vez é mais utilizado nos serviços de de saúde que lhes permita levar uma vida social e E:conomi-
saúde. "Na América Latina, pessoal auxiliar com muito pou- camente produtiva. A atenção primária de saúde é a chave
co treinamento e, algumas vezes, sem nenhum treinamento para alcanç_a r esta meta como parte do desenvolvimento con-
constitui atualmente a maior parte da força de trabalho de forme o espírito de justiça social" (OMS & Unicef, 1978 :3).
enfermagem" (Souza, 1982 :271 ). Foi visto que a divisão do A enfermagem encampa estes objetivos na conferência reali-
processo de trabalho nas sociedades capitalistas é crescente, zada pela OMS, em 1981, sobre a "Enfermagem em apoio à
fato que ocorre igualmente nos serviços de saúde. meta, Saúde para Todos no Ano 2000".
"Fenômeno bem marcante que distingue, modernamente, o A proposta da atenção primária de saúde propõe a am-
processo de trabalho em serviços de saúde é a crescente coletivi-
zação dos agentes prestadores de serviços, implicando o desen- pla utilização de pessoal elementar na prestação de serviços
volvimento de formas de trabalho associado. A atenção de saúde, básicos de saúde, sendo que a presença da enfermeira ainda
em entidades públicas ou privadas, tende cada vez mais a ser é pouco significativa e mesmo reduzida, apesar de que a base
exercida por um organismo coletivo, composto de profissionais das ações a serem desenvolvidas são tipicamente de enferma-
de diferentes níveis de qualificaqão (. .. ) . A introãução de pes-
soal auxiliar tem origem na própria dinâmica econômica e admi- gem.ª Mas as enfermeiras estão na sua grande maioria cen-
nistrativa dos servdços de saúde: de um lado, na incorporação tradas nos serviços hospitalares de saúde, principalmente nos
maciça de tecnologias instrumentais aplicadas à prevenção, diag- grandes hospitais e serviços especializados. Portanto, a. pre-
nóstico e tratamento das enfermidades, requerendo todas elas sença da enfermeira seria viável pa.ra treinamento e supervi-
uma ampliação da divisão de trabalho, ou seja, po~tulando mão-
de-obra capaz de manipulá-las a contento; de out;ro lado, na pro - são dessas ações. Mas aqui a proposta não é no sentido de
cura da rentabilidade ou incremento da produtividade do traba- monopolizar o saber, mas sim de sua desmonopolização. Para
lho que faz com que um mesmo quantum de &erv'iços possa ser tal, as propostas dos saberes de enfermagem devem estar
obtido a um custo menor tão simplesmente através da redivisão voltadas para a sua totalidade e não para alguns agentes desta.
de tarefas entre pessoal de distintos niveis de capacitação" (Mi-
nistério da Saúde, 1979:1-2) . prática, para de fato serem aderentes às realidades históricas.
Portanto, à proposta da construção de um corpo de co- Mas é preciso deixar claro que a atenção primária de
nhecimentos específicos para a enfermagem, que é uma pro- saúde não é um modelo pronto e acabado a ser implantado
posta que procura o foro de cientificismo, tem que ser agre- independentemente da organização social de cada país. No
gada uma. alternativa política que leve em conta a constituição caso brasileiro, há alguns modelos-pilotos já implantados;
do mercado de trabalho da saúde, os modelos de assistência outros que não chegaram a ser executados como o PREV-
de saúde, as lutas internas dos agentes por uma participação -SAúDE, que sofreu pressões dos grupos de medicina priva-
compartilhada. no processo de trabalho, o quadro econômico- da, e o Plano de Reorientação da Assistência à Saúde no âm-
-social e político das sociedades concretas e a viabilização de bito da Previdência elaborado pelo Conasp ( Conselho Con-
extensão de cobertura da atenção de saúde.
A outra proposta que surge na·mesma década das teorias 3 . Um exemplo da não -inclusão da enfermeira em programas
de enfermagem é a extensão de cobertura a ser alcançada de atenção primária foi o ocorrido com o PREV-SAúDE que nem se-
quer mencionava o seu papel, a.ssim como o do técnico e do auxiliar
através da estratégia de atenção primária de saúde. Trata-se de enfermagem. Ver a respeito Conselho Federal de Enfermagem &
de uma proposta para o setor de saúde em geral, definida na Associação Brasileira de Enfermagem, 1980.

116 117
sultivo da Administração de Saúde Previdenciária) , que está
enfrentando lutas políticas para sua implantação com envol-
vimento das empresas médicas de grupo. 4
Com estas duas propostas alternativas da enfermagem
contemporânea - as teorias de enfermagem e a atenção pri-
mária de saúde - , sendo a primeira específica par::.. a enfer-
magem e a segunda, para o setor saúde como um todo, os
caminhos para a enfermagem, de um modo geral, sem levar
em consideração a divisão do trabalho, seriam os seguintes :
no caso das teorias, a enfermagem estaria mais voltada para
a assistência direta aos pacientes; poderia ser chamada de
enfermagem clínica. No caso da atenção primária de saúde, CONSIDERAÇõES FINAIS
o seu papel seria ampliado, teria que desenvolver algumas
atividades médicas no cuidado direto ao paciente; poderia ser
chamada de primarista. Estas duas propostas, uma mais cien-
tífica e a outra mais política, preconizam o cuidado direto do
paciente; uma mais no âmbito hospitalar e a outra no âmbito Este estudo teve como objeto central de análise a recons-
da comunidade. Mas as duas ainda são idealistas e teriam tituição da estrutura do saber de enfermagem em uma pers-
que ser trabalhadas, principalmente do ponto de vista polí- pectiva histórica.
tico, levando em consideração os seguintes fatos empíricos da O saber foi considerado como o instrumental que a en-
assistência em saúde no Brasil : fermagem utiliza para realizar o seu trabalho, instrumental
- os modelos de assistência em saúde com a força política legitimado e reproduzido pelo ensino desta prática.
da medicina de grupo; Os saberes selecionados para o estudo foram as técnicas,
- o mercado de trabalho da saúde que já se apresenta com os princípios científicos e as teorias de enfermagem, por re-
restrição de vagas para os profissionais; presentarem quase a totalidade do saber desta prática. Foi
- a distribuição numérica dos profissionais da saúde com definida esta ordem de apresentação por ser cronológica; as
a concentração de médicos; técnicas foram a primeira expressão do saber e as teorias
- a distribuição numérica das várias categorias de enfer- representam a expressão contemporânea. Mesmo sendo as
magem com a concentração de pessoal elementar; teorias a expressão atual do saber, as técnicas e os princípios
- a distribuição do pessoal da saúde nos diferentes tipos científicos também estão presentes na enfermagem.
de serviços com a concentração hospitalar; No primeiro momento, quando da caracterização dos
- a divisão de trabalho nos serviços de saúde com a cres- saberes, verificou-se que estes procuravam sempre uma fun-
cente divisão técnica do mesmo e a rígida hierarquia de damentação e esta foi buscada primeiramente nos princípios
poder; da biologia, fisiologia e prática médica, e, na década de 50,
- a expansão de cobertura dos serviços de saúde como pro- ampliaram-se com a contribuição da psicologia e sociologia,
jeto não-hegemônico; no atendimento integral ( biopsicossocial) do paciente. Na dé-
- as lutas políticas dos diferentes grupos de interesse, pre- cada de 70, a enfermagem procura construir o corpo de co-
valecendo os que monopolizam saberes e detêm o poder nhecimentos específicos de sua área, buscando principalmen-
econômico. te nas ciências comportamentais os fundamentos para fazer
Todos os itens acima devem ter como premissa a estru- a síntese que seria a enfermagem. Portanto, o movimento des-
tura econômica, política e ideológica da sociedade brasileira. tes saberes foi no sentido de buscar a autonomia desta prática
e o foro de ciência para desvendar a crise do seu trabalho.
4. Ver a esse r espeito Possas & Marques, 1983. Mas no momento em que a análise caracterizou a historicida-
118 119
de destes saberes, verificou-se que estes cumpriam funções pessoal auxiliar ( principalmente os atendentes) passou a ser
não só técnicas para aproximação, conhecimento e mani- representado por trabalhadores parcelados, alienados do
pulação do objeto de enfermagem - o cuidado -, mas proc~s~o de trabalho. Para controlar este pessoal. a enfermei-
cumpriam muito mais as funções ideológicas de visualizar ra utihz~ ~º- seu_sa?er, como instrumental ideológico de po-
um trabalho carregado de contradições como harmônico e ?er. A divisao tecmca deste -trabalho não se dá cientifica e
humanitário. Portanto, nos estudos feitos das práticas, pri- i~oladament~, mas está subordinada à lógica da divisão so-
vilegiando somente a finalidade técnica, este direcionamento cial .do capital; A utilização de pessoal elementar pelos
não permite detectar as transformações históricas e as con- ~erviços de saude cada vez é mais acentuada e estes são
tradições do trabalho. mcorporados pela política privatista da saúde. A crise da
Apesar de a gênese dos saberes ter ocorrido em momen- enfe~magem não é _isolada da crise da saúde, como tal, não
tos históricos específicos, as técnicas, no início do século, há, amda uma teoria que articule o processo de trabalho da
os princípios científicos, na década de 50, e as teorias em 70, saude contemplando todo o pessoal da saúde. A enfermeira
estas expressões não se esgotam com o surgimento de outras. de nível universitário caberia o papel de reflexão e crítica do
Não se tem um movimento do intuitivo para o científico, do process_o de trabalho da enfermagem, para cumprir o seu pa-
conhecimento dependente para o autônomo. Na atualidade, o p~l de i!ltelectual na geração de teorias. Estas teorias, como
trabalho de enfermagem, no Brasil, pode ser caracterizado, visto, nao cumprem o seu papel crítico e não são aderentes à
genericamente, como a modalidade funcional, ou seja, é todo realidade brasileira. Portanto, o vazio teórico ainda se faz
dividido em tarefas e procedimentos, sendo as técnicas e os presente, caracterizando a crise de legitimidade da enferma-
gem e da enfermeira.
princípios científicos os instrumentos de trabalho domi-
nantes. Como a e1:fermagem é uma das práticas de saúde, só po-
Não se tem observado a possibilidade de filosofia nortea- derá ha_v er saida para a crise nela existente se, de modo
dora e nem pressupostos teóricos para a prática de enferma- concomitante, houver saída para a crise da saúde, sem se
gem que sejam viabilizados pela prática. Apesar de as teorias esquecer_das relações destas com o modo de produção vigen-
de enfermagem preconizarem os pressupostos teóricos para ~e no pais. Port'.111-to, a lut~ da enfermagem deve ser agregada
uma orientação da prática, viu-se que elas seriam dirigidas so- a luta pelo proJeto de saude nacional, atuando nas transfor-
mente para estratos populacionais que pudessem consumir maçõe~ da prática de saúde como um todo, na perseguição
estes serviços. Viu-se também a dificuldade de serem viabili- de :pr~Jet_os que l~vem em conta a melhoria da qualidade da
zadas, levando em consideração a constituição do pessoal de assist~ncia de saude e sua universalização. E, ainda, projetos
enfermagem e do processo de trabalho nos diversos modelos de saude que contemplem a peculiaridade dos recursos hu-
de prestação de serviços de saúde no Brasil. ma:1-os para i1:3-cluir todos os trabalhadores da saúde na pres-
taçao de serviços, com a inclusão da enfermagem com todas
A outra proposta alternativa, que não é exclusivamente a_s .suas categorias de pessoal. Esta participação técnica e po-
da enfermagem, e que engloba o serviço de saúde como um htica no processo de transformação da saúde é um dos meios
todo, é a atenção primária de saúde, que igualmente ainda gerador~s. de s~beres na saúde e na enfermagem, possibilitan-
necessita de mais estudos brasileiros para sua viabilização, do a legitimaçao dos espaços sociais dos agentes para a real
principalmente no referente à participação da enfermagem e cobertura de saúde da população.
da enfermeira.
Assim, o estudo do saber de enfermagem e sua dimensão É o ensino formal de enfermagem que legitima e repro-
prática permitiu identificar a crise da enfermagem brasileira, duz o seu saber, cristalizando a divisão social e técnica do
crise caracterizada primeiramente pelo afastamento da en- trabalho e favorecendo a crise de identidade dos vários agen-
fermeira de seu pretenso objeto de trabalho, o cuidado de tes da enfermagem. Portanto, cabe às escolas uma revisão
enfermagem. Com este distanciamento, a enfermeira passou crítica dos seus currículos e marcos conceituais para que
a gerenciar o processo de trabalho, que foi subdividido, e o estes sejam aderentes à realidade histórica da enfermagem

120 121
brasileira. Mas o nível institucional escolar não é capaz de,
por si só, propor mudanças. Estas devem surgir essencial-
mente ao nível do trabalho prático de todos os agentes da
enfermagem e não só das enfermeiras, mas ainda com a par-
ticipação de outros profissionais.
Assim, os saberes e as práticas da enfermagem não são
o produto somente do cientificismo técnico e o produto da
enfermagem tomada isoladamente. O seu saber é histórico e,
assim sendo, contempla a estrutura organizacional e política
dos serviços de saúde e a estrutura social do país, na dinâ-
mica das relações econômicas, políticas e ideológicas.
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tem sido até agora um ramo derivado da di-
visão social (sexual) do trabalho?Estas eou-
tras muitas questões deverão ser debatidas
no desenvolvimento do processo de repen-
sar criticamente a Enfermagem.
É uma tarefa para todos os militantes
da área da saúde, principalmente os profis-
E1te livro lol lmpre•o na
sionais específicos da Enfermagem A tarefa
LIS GRAFICA E EDITORA LTOA
Rua Vlacond• de Pamalba, 2.753 - Belenzlnho
inicial, entretanto, do estudo da natureza e
CEP 03045 - Slo Pau lo - SP - Fone : 292-5666
com filme, lornecldo1 pelo edito, características da crise na Enfermagem de
nível superior está apenas começada."

Juan Stuardo Yazlle Rocha

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