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A MÚSICA DE LIVIO TRAGTENBERG EM “LATITUDE ZERO” E

“CONTRA TODOS”

Pablo Francisco Menten Mendoza1

Resumo

Esse artigo pretende analisar aspectos da música dos filmes Latitude Zero (2000) de
Toni Venturi e de Contra Todos (2004) de Roberto Moreira com o objetivo de discutir
sonoridades utilizadas por Livio Tragtenberg, lançando a atenção sobre a fronteira
entre música e ruído presente na obra do compositor.

Palavras-Chave: Trilha Sonora, Vanguarda, Ruído, Intermídia.

Abstract

This article intends to analyze aspects of the music of the films Latitude Zero (2000)
by Toni Venturi and Contra Todos (2004) by Roberto Moreira with the objective of
discussing sonorities used by the Livio Tragtenberg, focusing attention on the
boundary between music and noise present in the work of composer.

Keywords: Soundtrack, Vanguard, Noise, Intermedia.

1Graduação em Produção Fonográfica pela Universidade Anhembi Morumbi (2011). Pós-graduação


em Composição de Trilha Sonora para Cinema e TV pela Universidade Anhembi Morumbi (2015).
Mestrando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos.
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Introdução

Grande parte da obra do compositor Livio Tragtenberg é associada a outras mídias e


formas de expressão artística. O músico já trabalhou em diversas montagens
teatrais, espetáculos de dança, possui uma vasta carreira no cinema e também foi
parceiro dos poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos em criações
multimídia. Por meio da própria obra do compositor, assim como de textos do músico
em livros como Artigos Musicais (1993) e O Ofício do compositor hoje (2012), se
pode perceber uma aproximação estética e conceitual com compositores
considerados de vanguarda como Karlheinz Stockhausen e também John Cage,
bem como se encontra elogios aos músicos Rogério Duprat e Gilberto Mendes,
representantes da vanguarda musical no Brasil. Uma questão importante para esse
artigo é colocar em discussão o diálogo da obra de Livio com o conjunto de
caminhos, ideias e possibilidades associadas à música de vanguarda. É difícil
estabelecer o marco inicial da vanguarda na música, mas segundo Paul Grifth, o
ponto zero seria a peça Prelúdio da tarde de um fauno (1894) de Claude Debussy,
por sua orquestração, harmonia seus momentos de tonalidade ambígua. Segundo o
autor, o ponto de partida do modernismo implica em uma direção tomada pela
música em que o modo maior e menor, predominantes até então, já não seriam as
únicas possibilidades. A partir daí se abriu a possibilidade para vários caminhos e
sonoridades distintas, como o dodecafonismo proposto por Arnold Shoenberg, a
música concreta de Pierre Schaeffer, sistemas e sonoridades desafiadoras que
geraram grande polêmica e discussão sobre a fronteira entre música e barulho. Essa
ideia não está associada só à música de concerto, gêneros de música popular
passam por questões semelhantes, do surgimento da guitarra elétrica, às
ferramentas eletrônicas de produção também dividiram opiniões. Alguns
pesquisadores que discutem essa fronteira, como Jacques Attali e Murray Schafer
avançam o debate para aspectos sociais e econômicos que circulam o assunto.

Sendo Tragtenberg, um artista que exerce grande diálogo com os compositores de


vanguarda, como a ideia de ruído está presente na música nos dois filmes que
pretendemos analisar neste artigo? Que relação essas sonoridades criam com o
filme como um todo?
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Vanguardas Musicais no Cinema Brasileiro

A música de Vanguarda teve uma presença significativa no cinema nacional. Em O


Dragão da Maldade Contra o Santo de Guerreiro (1969), de Glauber Rocha com
música de Marlos Nobre, na abertura do filme ouvem-se sons processados e
irreconhecíveis, abordagem sonora essa que dialoga com o filme no sentido de
apontar para novas possibilidades do discurso. Em Noite Vazia (1964), de Walter
Hugo Kouri, as composições atonais de Rogério Duprat contribuem para o clima de
angústia e solidão que paira sobre a narrativa. Na música desse filme o compositor
também faz uso de manipulação de fita, recurso este considerado um importante
marco no que se refere aos processamentos sonoros. Uma análise detalhada sobre
a música desse filme se encontrada no livro A música no cinema brasileiro: os
inovadores anos sessenta, do pesquisador Irineu Guerrini Júnior.

A música de Guilherme Vaz em O Anjo Nasceu (1969) de Júlio Bressane também é


um significativo exemplo das possibilidades estéticas de sonoridades experimentais
e seus efeitos. Ismail Xavier (1993) fala sobre o constante efeito de disjunção
resultante do diálogo entre música e imagem nesse filme.

Livio Tragtenberg, embora tenha começado sua carreira com música para cinema
nos anos 80, é um dos compositores que atuam dentro do contexto da retomada, Commented [C1]: Retomada de que?

sendo provavelmente o principal representante dessa tradição nesse período de


grande diversidade nas trilhas sonoras de cinema no país. No momento em que as
tecnologias digitais de produção musical baratearam a produção de música para
cinema, Tragtenberg lança mão dessas ferramentas, porém com um pensamento
aliado mais às novidades sonoras que o computador possibilitava do que a utilização
de emuladores de instrumentos. Além de sonoridades eletrônicas, o compositor
também utiliza instrumentos orquestrais, porém de maneira bastante distante das
sonoridades derivadas do período romântico, muito associadas ao cinema de
Hollywood e, dessa maneira, busca agregar significado à narrativa por meio da
música.
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Latitude Zero

O filme é baseado na peça teatral Coisas Ruins da Nossa Cabeça, de Fernando


Bonassi que também é autor do livro que deu origem ao filme Céu de Estrelas

(1996) de Tata Amaral.

A Narrativa de Latitude Zero é centrada em Lena, grávida de seu amante, o oficial


Matos, sendo ela mantida escondida em um garimpo abandonado na cidade de
Poconé no estado do Mato Grosso, local próximo à linha do equador. A trama
começa com a chegada de Vilela, subordinado de Matos, que é enviado para o
mesmo lugar paras se esconder após ter cometido um assassinato.

A desesperança dos personagens é bastante evidente, extravasada em atitudes


ríspidas. Segundo Lúcia Nagib, o filme mostra uma região central pós-utópica, em
que nos é apresentada a oposição entre o projeto feminino e masculino, sendo esse
uma alegoria do regime militar. Lena quer se livrar da opressão enquanto Vilela quer
continuar explorando a mina já esgotada, exemplificando o caráter predatório do
masculino dentro da narrativa. Nagib também chama atenção para diálogos que
mais parecem monólogos paralelos, o que evidencia a oposição entre os projetos
dos personagens.

A relação do filme com o teatro é bastante presente e pode ser percebida pelos
planos e enquadramentos, lembrando um pouco a abordagem de Rainer Fasbinder,
diretor pertencente ao movimento do cinema novo alemão. Em seus filmes, ele
combinava elementos teatrais e melodramáticos.

A música que Tragtenberg criou para o filme tem na sua instrumentação dois
violinos, duas violas, dois cellos e clarone, e também é ouvida a guitarra na abertura,
e combina elementos de blues e fraseados de música nordestina. Os microtons que
o compositor explora dialogam tanto com técnicas de bends e slide da guitarra
blues, como passa pela referência à rabeca nordestina. Como o compositor húngaro
Belá Bartok que se dedicou à pesquisa da música do leste europeu, Tragtenberg
usa a expressividade dos microtons dos instrumentos de corda para fazer alusões
culturais.
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Os elementos musicais da região nordeste, muito presentes em cenas do garimpo


abandonado, estabelecem relação com o grande fluxo migratório que ocorreu no
estado do Mato Grosso nos anos 80, muitos desses imigrantes eram nordestinos e
trabalharam na atividade garimpeira. Após o esgotamento das minas, houve uma
significativa desocupação do local.

Segundo Lúcia Nagib:

Na paisagem natural monumental, as paredes escavadas da terra vermelha


sugerem as centenas de mãos ávidas que trabalhavam lá no passado.
Agora, eles são os restos do Eldorado já sonhado pelos primeiros
descobridores, as ruínas da Utopia, o paraíso perdido. O mar que se
transformou no sertão. (NAGIB, 2006)
As cenas do garimpo abandonado em diálogo com a música de Tragtenberg faz
alusão a esses trabalhadores: Também exerce relação com a loucura e ganância de
Vilela.

A paisagem árida à beira da estrada junto a elementos de blues traz alguma


semelhança com o filme Paris Texas (1984) de Wim Wenders, fator que relaciona
Latitude Zero a uma produção mundial de cinema autoral. A dificuldade de
aproximação entre as personagens presentes no filme de Wenders, segundo India
Mara Martins na sua dissertação de mestrado A paisagem no cinema de Wim
Wenders , está presente em Latitude Zero. A arrumação do bar serve como
mediação na aproximação entre Lena e Vilela. Nesse jogo de aproximações e
repulsas a música de Tragtenberg está mais ligada à tensão e ao sentimento de
atrito existente entre os dois personagens, enquanto as canções e a viola caipira
está mais ligada à possível aproximação entre os dois personagens.

Embora o foco seja a música autoral de Tragtenberg, as canções tem um importante


papel na narrativa, devido à brutalidade e dificuldade de se expressar dos
personagens. As canções, e especialmente suas letras, colocam palavras nas
situações vividas por Lena (como em Jogo da Paixão, de J. Wilson e Adalberto, e A
Princesa e o Plebeu, de Benedito Silvério) cumprem essa função dentro da
narrativa. Também diz sobre o local onde a história se desenrola, pois a música
sertaneja e a viola caipira são muito presentes na região do Mato Grosso.

Outro filme que se aproxima de Latitude Zero pelas sonoridades utilizadas na


música é Sangue Negro (2008) de Paul Thomas Anderson, filme com trilha de Jonny
Greenwood que se divide entre a banda de Rock Radiohead, criações de trilha
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sonora e peças orquestrais. Aluno do compositor Krzysztof Penderecki, Greenwood,


assim como Tragtenberg, transita entre a música de vanguarda e música popular,
nos dois filmes a relação da música com o caráter predatório dos personagens é
bastante presente. Em Sangue Negro, Daniel Plainview, personagem de Daniel Day-
Lewis é um gananciosos explorador das minas de petróleo, e a música de
Greenwood está muito ligada a essa ganância, assim como música de Tragtenberg
está ligada a atitude predatória de Vilela, muito presente nas cenas em que ele
busca ouro no garimpo desesperadamente e também quando ele age de maneira
abusiva em relação à Lena.

Latitude Zero possui algumas características narrativas próximas ao melodrama.


Peter Brooks em seu livro A Imaginação Melodramática discorre sobre o melodrama
de prisão em que o objetivo do prisioneiro é se ver livre. Lena busca se livrar da
opressão masculina. Claudia Gorbman no seu livro Unheard Melodies se dedica a
analisar a relação entre música e filme no cinema de Hollywood, grande parte em
melodramas considerados femininos, dentre vários assuntos, a autora discorre sobre
como a música opera no sentido de gerar sentimento de identificação na audiência,
com o objetivo de amplificar e tornar crível para o espectador situações amorosas,
no entanto em Latitude Zero a música de Tragtenberg vem para revelar a diferença
dos projetos masculinos e feminino. A cena de sexo entre os personagens, tanto a
sequência de acordes menores fora do campo harmônico quanto o arranjo polifônico
evidenciam o quanto aproximação do casal está mais sujeita ao impulso carnal. O
filme rompe com as ideias do melodrama canônico quando a libertação da
protagonista se dá com a destruição do casal e não com a união. A música traz a
tona o atrito, o fracasso da exploração e a dor do explorado, seja no relacionamento,
seja no garimpo.

Retomando a autora Claudia Gorbman a música de cinema, segundo ela,


estabelece relação com o filme por meio de algumas regras:

- invisibilidade;

- inaudibilidade;

- significa emoção;

- referência narrativa (indicando ponto de vista);

- proporciona continuidade;
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- deve ter unidade;

- as regras podem ser quebradas desde que seja um função de outra regra da lista.

Em Latitude Zero, a inaudibilidade é questionável, pois como a sonoridade é


bastante específica, chama a atenção, mas a sua relação com imagens e eventos
narrativos, faz com que seja percebida como parte de um todo. As funções como
referencial narrativo e significante de emoção também funcionam de maneira
bastante específica, a instabilidade provocada por acordes 5+ e 4+ dialoga com a
desconfiança e tensão presentes entre os personagens. Mais do que um ponto de
vista, se percebe a tensão presente entre dois pontos de vista, a oposição entre o
projeto masculino e feminino.

Contra Todos

Com uma instrumentação bastante diferente de Latitude Zero, Tragtenberg criou a


música para Contra todos (2004), estreia de Roberto Moreira como diretor de
cinema. O filme se desenrola a partir da vivência de uma família de classe média
que vive na periferia de São Paulo em que o chefe da família Teodoro e seu amigo
Valdomiro são matadores de aluguel, vivendo segundo a lei do mais forte,
exercendo poder onde o estado é ausente.

Segundo o diretor Roberto Moreira, um dos motivos para a realização do filme foi a
vontade de estabelecer o encontro entre tragédia e melodrama presente em Othello
de Shakespeare. Segundo Moreira, no melodrama o protagonista é a vítima, na
tragédia o protagonista faz vítimas. Na peça teatral em que o diretor usa como
referência, Othello é vítima das manipulações de Iago, mas também é consumido
pelas suas próprias ações impulsivas. Em Contra Todos, Theodoro, Soninha, Julio e
Claudia são vítimas de Valdomiro, mas também respondem às consequências de
seus impulsos trágicos.

A música, que tem na sua instrumentação elementos eletrônicos como programação


e síntese sonora, dialoga com a faceta dos personagens que rompem com o
ambiente familiar apresentado no início da trama, como se os desejos internos
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entrassem em conflito com o ambiente coletivo. A música evidencia essas vontades,


colaborando para a construção do universo amoral presente na narrativa.

Tragtenberg utiliza timbres não referenciais, mais abstratos possíveis, segundo o


próprio compositor. A música apresenta alguns elementos rítmicos e timbrísticos
isolados, como se esses elementos fossem partes de uma totalidade sonora, ainda
não revelada, característica que o compositor discute em seu livro música de cena.

Para a música de cena a ideia de incompletude também é essencial. Pois


caso a malha sonora apresente ao mesmo tempo uma malha complexa de
significados, movimentos e níveis de intensidade dramática relacionados à
cena, estará polarizando demais a atenção em torno de si e despregando-
se dos demais elementos cênicos.(TRAGTENBERG, 2008)
Essas sonoridades lembram as abordagens do compositor Japonês Toru Takemitsu,
que utilizada na filmagem as lendas de horror japonesa As 4 Quatro Faces do Medo
(1964), do diretor Masaki Kobaishi. Não é raro a música japonesa parecer aos
ouvidos ocidentais desabituados à sua sonoridade algo abstrato, próximo. Quando Commented [C2]: ?

inserida em filmes pode ser percebida como algo próximo ao desenho de som,
aspecto esse apontado por Noel Burch, no livro A Práxis do Cinema. O autor faz
observações sobre a trilha sonora do filme Amantes Crucificados (1954) de Kenji
Mizoguchi:

Em uma cena em que o herói está escondido em um sótão, uma sucessão


de ruídos claramente ritmados, provenientes das tigelas de madeira que o
fugitivo usa para comer. seguido dos ruídos de uma escada batendo na
parede, representam na realidade as mesmas notas (com tonalidade
indeterminada, claro) de uma sequência musical que utilizará instrumentos
cujos timbres se aproximam dos sons naturais que o precederam. (BURCH,
1973)
Encontra-se semelhança na abordagem sonora utilizada por Tragtenberg e Wilson
Surkoski no filme Um Céu de Estrelas (1996) de Tata Amaral. Segundo Surkoski,
Jean Claude Bernadet, quando convidou os compositores para o filme, pediu que
não criassem “músicas”, levando em conta o entendimento do termo no senso
comum. A diferença principal na música de Contra Todos e Céu de Estrelas se dá
pela instrumentação. Em Céu de Estrelas prevalecem sons de instrumentos de
percussão, enquanto em Contra Todos prevalece na maior parte do tempo a síntese
sonora, conforme o mistério oculto se soluciona, a música vai se tornando mais
completa, são ouvidos elementos percussivos e harmônicos simultaneamente na
cena em que são reveladas as armações de Valdomiro.
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As sonoridades abstratas empregadas pelo compositor apontam um universo


amoral, não existe um bem e mal de maneira maniqueísta como nos melodramas
canônicos. As ideias opostas presentes no filme são a união do grupo e sua
destruição, sugeridos na primeira cena pelo mar de sangue e logo depois pela cena
do almoço em família.

Embora o objetivo do artigo seja discutir a música autoral do filme, o uso de música
pré-existente tem relevante importância. Soninha se isola do mundo em seu
discman, se desloca entre periferia e centro e se mantém no seu território, ou
território sonoro2, mantendo a distância entre o eu e o outro, o mesmo acontece
quando ela se sente reprimida ou agredida em seu ambiente familiar, é onde a
personagem encontra afeto no mundo onde se vive em situação limite, canções
como Tarja Preta do cantor e compositor Wado e levada eletrônicas como Global
Funk, de Érico Theobaldo, além de criarem esse local protegido para o personagem,
transmitem informações sobre quem é essa personagem, como os flâmulas de
bandas de rock que Soninha tem em seu quarto.

A música de Tragtenberg se aproxima em alguns aspectos do tipo de música


discutido por Anahid Kassabian no texto A New Film Form. Embora autora se
dedique a filmes norte-americanos voltados ao entretenimento, algumas
semelhanças podem ser encontradas. Ela discute a música dos filmes Matrix(1999)
e Lara Croft:Tomb Rider. Em Lara Croft (2001), são ouvidas músicas techno, que
segundo a autora difere da música orquestral de cinema porque ao contrário do
desenvolvimento temático, que ela coloca como portador de direcionalidade fálica, o
techno se desenvolve por repetições. Em Matrix ela discorre sobre as canções
incompletas presentes no CD da trilha sonora, e segundo a autora essas
características se relacionam com o tempo na narrativa fílmica. Nesses filmes a
ordem dos eventos não necessariamente obedecem a um tempo cronológico. A
música autoral de Contra Todos não apresenta o desenvolvimento temático, são
conjuntos de timbres abstratos, glissandos graves, sequências percussivos
programados e sons metálicos. O tempo cronológico também é relativo em Contra
Todos, pois sobram lacunas nos eventos narrativos, informações que são
apresentados no final. A autora se coloca apontando como essas abordagens
sonoras estão vinculadas a novas propostas narrativas. Em Contra Todos não há

2 O termo que aparece no livro Condição de Escuta de Giuliano Obici.


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tensão e relaxamento presente na harmonia da música tonal, pois não há


relaxamento na situação limite. Não há direcionalidade melódica rumo à conclusão,
pois a conclusão é a destruição.

Fator Ruído

Até aqui discutimos alguns procedimentos utilizados pelo compositor que concedem
à sua música certo caráter “ruidoso”.

Como vimos anteriormente, grande parte da música de Contra Todos foi construída
por meio de síntese sonora, ou seja, sons criados por impulsos elétricos. Antes da
revolução digital era necessário grandes módulos para trabalhar esse tipo de
sonoridade, no entanto, hoje qualquer software de produção musical possibilita a
criação de timbres através de osciladores. A síntese sonora é bastante difundida,
utilizada em diversos estilos como rock, rap e variadas vertentes da música
eletrônica. A possibilidade de criação e manipulação sonora faz da síntese uma
grande aliada do compositor de música de cena.

Tragtenberg utiliza essas ferramentas em vários momentos do filme criando o que o


que ele chama de Paisagem Sonora, termo também utilizado por Murray Schafer
para definir o grupo de sons naturais em uma determinada região, no entanto
Tragtenberg utiliza o termo pensando em composição musical:

A ideia de paisagem sonora comporta um desenrolar de eventos sonoros


mais ou menos homogêneos e com uma constância mais ou menos estável.
Ela cria uma ambientação sonora sem a relação interna da casualidade,
fixidez móvel, assim como quando se observa uma paisagem através da
paisagem de um trem. (TRAGTENBERG, 2008)

Tais características entram em contato com o universo psicológico dos personagens,


sua significação está sujeita a situação que ela é ouvida, pois são sonoridades
abstratas pouco assimiladas pela audiência, não fornecendo para o espectador uma
linguagem codificada, convidando a uma escuta mais sensorial, em que melodia,
harmonia e timbres reconhecíveis dão espaço a texturas sonoras.
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O pesquisador e artista Giuliano Obici no seu livro Condição de Escuta se aprofunda


sobre as significâncias do termo ruído, bem como defende o potencial criativo das
sonoridades que não se enquadram nos padrões musicais, a partir de uma crítica à
ideia de “poluição sonora” colocada Murray Schafer:

Essa noção do ruído parece ser um pouco equivocada, embora


extremamente difundida no senso comum. Pensemos ele como potência de
criação, como ponto de instabilidade que possibilita transformações e
inventividades. Foi assim com a história da música ocidental, que ampliou
os horizontes dos ouvidos explorando sonoridades estranhas, consideradas
ruídos pelos padrões e tratados estéticos musicais. (OBICI, 2008).
Murray Schafer, embora tenha posicionamento higienista em relação ao ruído,
também contribui com material para a discussão. Em seu livro A afinação do mundo
ele coloca algumas definições para o termo ruído. É pertinente para a discussão a
ideia de ruído como uma interferência em qualquer sinal de informação. A partir
dessa definição e levando em conta o uso criativo que Obici chama a atenção, se
pode observar a cena final de Contra Todos. O casamento de Valdomiro Terezinha,
ex-noiva de Teodoro, a comunidade evangélica entoa um canto religioso, cristão.
Quando surgem os letreiros a mesma melodia é apresentada em arranjo
instrumental que se aproxima ao punk rock com elementos eletrônicos, como se a
primeira ideia fosse retomada já com uma leitura, irônica. No livro Música de Cena
Tragtenberg fala um pouco sobre esse tipo de procedimento:

Ao transitar entre o estilo de referência e sua recriação, a música de cena


busca em seu próprio texto os meios expressivos que contemplem os
diferentes registros presentes na textura da cena….Talvez seja esse um
dos procedimentos musicais na música de cena. a partir dele é possível ter
variações sutis de sugestões, associações e críticas narrativas.
(TRAGTENBERG, 2008)
A melodia é tocada fora do tempo, o que seria considerado erro, ou ruído na
linguagem musical, todo o rearranjo da música primeiramente executada por vozes,
concede críticas narrativas, para utilizar palavras do compositor. Tem-se uma
primeira ideia que, a partir de uma nova leitura, tem seus valores subvertidos.

Considerações finais

Ideias sonoras desafiadoras que se colocam na fronteira entre o musical e o não


musical não são raras no cinema contemporâneo. Estão presentes tanto em filmes
autor quanto no cinema de entretimento. Nesse artigo foram discutidos alguns Commented [C3]: ???
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exemplos dentro da obra de Livio Tragtenberg que estão na fronteira entre música e
ruído, estabelecendo significação distinta. Em cada um dos filmes, a música do
compositor se coloca em diálogo muito íntimo com o contexto em que ela é inserida.
Em Latitude Zero desafinações, rugosidades sonoras, trazem para narrativas
informações históricas, culturais e intensifica o desconforto. Em Contra Todos
paisagens sonoras abstratas dialogam com o universo interno dos personagens,
também escondem e mostram informações em função do desenvolvimento narrativo.

É pertinente usar a pergunta feita por Giuliano Obici: “Para quê afinar o mundo?”

O que ouvimos nos dois filmes é Tragtenberg “ruidificando” a música de cena.


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<https://www.youtube.com/watch?v=shc77eQSLoM>. Acesso em 10 de janeiro de


2018.

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