Introdução
Nota-se que enquanto silenciamos, torna-se mais evidente a existência dos sons, tais
como: de automóveis, movimentos de objetos, funcionamento de equipamentos mecânicos e
eletrônicos. John Cage, em seu livro Silence: Lectures and Writings, 1961, concluiu que “na
verdade, por mais que tentemos fazer silencio, não conseguimos (...)” (CAGE, 1961, p. 8). 1.
Observando que sempre está acontecendo algo que produz som, e ainda se nada à sua volta
1 “In fact, try as we may to make a silence, we cannot (…)".
estiver produzindo som, algo como seus batimentos cardíacos ou sistema circulatório estará o
fazendo.
Muitos destes sons no ambiente são denominados pelos músicos tradicionais por
“ruído”. Contudo, apresenta-se bastante pertinente a definição sugerida por Schafer: “Ruído é
qualquer som indesejado” (SCHAFER, 1991, p. 138).
É certo que isso faz de "ruído" um termo relativo; porém nos dá a flexibilidade
de que necessitamos quando nos referimos ao som. Num concerto, se o transito
do lado de fora da sala atrapalha a música, isto é ruído. Porém se, como fez
John Cage, as portas são escancaradas e o público é informado que o transito
faz parte da textura da peça, seus sons deixam de ser ruídos. (SCHAFER, 1991,
p. 138).
Essas considerações fazem-nos refletir que sons musicais tradicionais, uma vez que
indesejados, também podem ser denominados por “ruído”. “Tudo que fazemos é música, tudo é
teatro todo tempo, onde quer que se esteja, e a arte apenas facilita a compreensão de que isso
acontece” (John Cage apud BASTIANELLI, 2004, p. 186). Esta afirmação torna mais evidente
porque relacionar-se com a música contemporânea, é indispensável a qualquer indivíduo.
O ensino de música em diversos locais e escolas do Brasil abordam estritamente o
repertório tradicional. Umas concentram este repertório na chamada “música erudita” européia e
outras em música brasileira, seja ela “popular” ou “erudita”, mas ainda estreitados na linguagem
do tonalismo. Em O ensino da música num mundo modificado, 1977, Koellreutter alerta a
necessidade de uma mudança no ensino de música:
Este pensamento vem sendo corroborado por poucos educadores e pesquisadores no
Brasil. É de extrema importância a apreciação, performance e ensino da música abordando a
linguagem contemporânea pós-tonal, pois como toda a arte, a música é a representação da vida
de sua época e é mais facilmente compreendida por seus contemporâneos (SCHAFER, 1991;
HARNONCOURT, 1988; ZAGONEL, 1999; DALDEGAN, 2009).
Bernadete Zagonel, em seu artigo Em direção a um ensino contemporâneo de música,
descreve a necessidade do ensino de musica contemporânea integrado ao de música tradicional.
Angélique Fulin, numa entrevista concedida a Zagonel em 1989, defende a iniciativa pedagógica
com base na música contemporânea, afirmando que “nossa vida está inserida nos elementos que
se encontram dentro das obras de Xenakis, Messiaen, Ohana ou tantos outros”. Todavia, os
educadores musicais não os consideram, “e o condicionamento ao qual nos submetemos nos
impede de escutar o contemporâneo”, ou a escutamos com total estranhamento. Contudo, é
importante notificar que “trabalhar com a música contemporânea não significa que é preciso
negar o passado; ao contrário, é primordial preservar a tradição cultural da qual somos hoje o
fruto” (ZAGONEL, 1999, p. 5-6).
Em Criatividade na escola e música contemporânea, Jorge Antunes traz à reflexão:
“(...) é necessário, para o jovem, conhecer a linguagem musical do passado, para depois ser
iniciado na linguagem musical do presente?”, onde o autor afirma: “estou certo de que a resposta
é não” (ANTUNES, 1990). Antunes, ainda ressalta a necessidade urgente da aproximação entre o
jovem e a música contemporânea como forma de atrair sua atenção e o seu interesse os quais,
atualmente, estão buscando na música comercial:
uma metodologia que há tempos está sendo organizada, possibilitando que os estudantes atinja
altos níveis de performance. Porém, é notável a necessidade da abordagem da linguagem musical
contemporânea desde a iniciação musical do indivíduo.
Valentina Daldegan em Técnicas estendidas e música contemporânea no ensino de
flauta transversal para crianças iniciantes, Luciane Cuervo em Música contemporânea para
flauta doce - Um diálogo entre educação musical, composição e performance, e Álvaro
Henrique Borges em Abordagens criativas: possibilidades para o ensino/aprendizagem da
música contemporânea, contribuem com o conhecimento científico descrevendo resultados de
experimentos voltados ao ensino de música contemporânea para jovens iniciantes. Concluindo
que as crianças, até os dez anos, reagem mais positivamente quanto à aceitação de repertório
não-tradicional, se comparadas às de outra faixa etária.
No mesmo livro, Bastianelli junto ao compositor Widmer em Música Experimental –
Música em Transformação alertam que a abordagem de música contemporânea e suas novas
formas de expressão com os timbres nas aulas práticas de instrumento “é de suma importância”.
Os professores de instrumento e de canto precisam começar a “se preocupar mais com os
recursos sonoros dos próprios instrumentos e da voz, ampliando a técnica convencional”. Os
“sons harmônicos, glissandos, pizzicatos diversos, enfim, tudo o que até agora era tratado como
efeito adicional colocará o instrumentista e o cantor no âmago do mundo sonoro contemporâneo”
(BASTIANELLI, 2004, p. 182-183).
Estas inovações sonoras/técnicas ficaram conhecidas como extended technique, um
termo usado para classificar formas não-convencionais de tocar um instrumento musical, ou
ainda, o uso de gestos ou sons fora do instrumento realizados pelo interprete e recomendados na
composição, trazendo assim uma nova estética na linguagem musical. Também é considerado
extended technique um elemento que faz parte da técnica tradicional, porém executados de uma
nova maneira. Este termo é traduzido em pesquisas no Brasil tanto por “Técnica Estendida”, bem
como, por “Técnica Expandida”. (TOKESHI, 2004; BURTNER, 2005; ISHII, 2005; LUNN,
2010; STEFAN, 2010).
O compositor e professor Ernst Widmer, em 1968, no Boletim 3 do Grupo de
Compositores da Bahia, atenta:
Percebe-se, então, que a música contemporânea, com o passar dos anos, vem sendo
menos disseminada na UFBA. Vale ressaltar, que atualmente, a “Associação Civil Oficina de
Composição Agora” (OCA) 2 , vem realizando uma série de eventos, seminários e concertos
2 http://www.ocaocaoca.com
promovendo a interação da sociedade com a música contemporânea, especialmente com obras de
compositores baianos. O evento “Música de Agora na Bahia” (MAB)3, realizado pela OCA é
uma série de dezenas de atividades que englobam: concertos, projeções sonoras, seminários,
palestras, mini-recitais em escolas públicas e intervenções urbanas, se estendendo de maio até
dezembro de 2012. Mas, ainda é pouco para uma Escola de Música onde seu nascimento foi
alimentado por inúmeros movimentos para a divulgação e apresentação da música
contemporânea, tanto dentro da universidade quanto fora dela.
Em cursos de graduação em instrumento no Brasil a música contemporânea vem sendo
pouco abordada. Este levantamento não é profundo, foi feito em dezembro de 2011 e as fontes se
restringem aos sítios oficiais das universidades, onde as grades curriculares, provavelmente, não
estão devidamente atualizadas. O motivo pelo qual algumas instituições não foram mencionadas
se deu pelo fato de não ter encontrado as grades curriculares disponibilizadas nos sítios.
Nos sítios da Escola de Música da UFBA, na Escola de música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) não foram encontradas disciplinas que abordassem música contemporânea. Portanto,
merecem destaque: a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), que
traz a Música Contemporânea, História, Análise e Processos como uma disciplina optativa
indicada no terceiro semestre; o Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) traz a partir do quinto semestre estas disciplinas: Música Eletroacústica, Oficina de
Música Eletroacústica, História da Música - Século XX - 1ª metade e História da Música -
Século XX - 2ª metade; a Faculdade Cantareira que a partir do sexto semestre há disciplinas
como Harmonia do século XX, História da Música Contemporânea; e a Escola de Música da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que oferece como optativas as disciplinas
Introdução à música eletro-acústica e Instrumentação Eletro-acústica.
Considerações Finais
A música contemporânea reflete uma realidade atual e que deve ser entendida como
parte dos conhecimentos difundidos em música, seja no ensino superior ou além. Tal perspectiva
3 http://www.musicadeagoranabahia.com
acarreta na necessidade da ampliação do referencial musical a partir de propostas válidas. Isso
contribui para uma educação musical mais ampla, democrática e aberta.
Os educadores musicais precisam dar-se conta da importância de incluir a linguagem
musical contemporânea em suas aulas, sem receios. Crianças postas em contato com este
repertório demonstram-se entusiasmadas (observação derivada de resultados de pesquisas
científicas e também de experiência pessoal em aulas tutoriais). Quando as crianças desejam
fazer aula de música, nota-se que o motivo principal é o interesse em tocar o instrumento, e não
um gênero musical ou um repertório em especial. Percebe-se que a linguagem musical
contemporânea é mais bem aceita pelos jovens e crianças do que pelos adultos, pois estes que já
têm opiniões fixas e preferências estabelecidas.
O real papel da arte vem sendo esquecido a cada dia. Atualmente, na música, a beleza é
um dos principais elementos julgadores, mesmo sendo bastante consciente a relatividade do
significado deste termo. A apreciação de obras contemporâneas de estrutura pós-tonal, que
trazem uma estética inusitada, pode refletir significativamente no individuo com a diminuição de
atos/pensamentos discriminatórios e/ou preconceituosos, sejam estes de âmbito racial, social ou
artístico.
Referências
HARNONCOURT, N. O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão musical.
Trad. Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
LUNN, R. A. Extended technique for the classical guitar: a guide for composers. 104 f.
Doctoral Dissertation, The Ohio State University, United States, 2010. Disponível em:
<http://www.robertlunncomposer.com/Extended_Techniques_for_the_Guitar.pdf>. Acesso em:
17 out. 2011.
STEFAN, G. Aplicações da scordatura como técnica estendida no ensino do violão moderno. In:
XIX CONGRESSO NACIONAL DA ABEM, 2010, Goiânia. Anais eletrônicos... 2010.
Disponível em:
<http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/anais2010/Anais_abem_2010.pdf>. Acesso
em: 24 mai. 2011.