A internet foi concebida desde seus lampejos nas mãos do NPL como uma rede de
comunicação; atualmente funciona para isso também, embora a função original tenha sido soterrada por
toneladas de pornografia e memes. De qualquer forma, ainda há pessoas que prezam pela função original
e utilizam a internet para propagação de conhecimento.
1. Millenial Untersuchungen
Diz-se que millenials são aquelas pessoas que nasceram após o ano 2000 a.c., e provavelmente
o leitor faz parte dessa geração; mas o que nos interessa aqui é investigar o modo como estes se utilizam
da internet para aprender algo de útil, ou seja, exclui-se toda e qualquer atividade lúdica ou duvidosa do
utilizador.
A internet é um instrumento como outro qualquer e que não faz nas mãos do agente algo diverso
daquilo que ele procura tendo-a como meio para um fim; assim, a carga valorativa dos atos está nas
mãos do utilizador. Quanto à procura do conhecimento, desconsiderando o conteúdo deste e prestando
atenção apenas a ato da procura, nada aprendemos além da aparente e irrestrita permissão da procura
mesma; mas e se prestarmos atenção ao conteúdo procurado e sua fonte? O ato de conhecer enquanto
ato é valorado de várias formas, mas não estamos atrás da valoração do ato, mas da valoração do
conteúdo procurado, embora, o ato mesmo possa ser visto por outros ângulos.
Olhando o conteúdo tratado como conhecimento, podemos avaliá-lo segundo sua qualidade
própria, em outros temos, se o conteúdo dado é satisfatório; em linguagem popular, estamos comparando
o peso informativo e a diferença que há entre, por exemplo, um blog de ocultismo criado por um menino
de 13 anos após ler sobre Nibiru, e uma enciclopédia digital como o Corpus Thomisticum. Assim
percebemos que há uma diferença bem clara entre o conteúdo do conhecimento; também surge a questão
de até que ponto esse conteúdo pode ser tóxico a ponto de uma pessoa passar a acreditar na Terra
Plana após um tempo lendo esse tipo de coisa.
De qualquer forma, o conteúdo fornecido pela internet não deve ser julgado como sempre
deficiente em comparação a livros; é de conhecimento público, por exemplo, que a História da
Filosofia de Bertrand Russell é quase um blog éfebo em forma de livro.
Sabe-se que quanto menor, mais direto e mais simples de se ler, mais lido é um texto; isso vale
para vídeos também, e é o principal motivo das colunas de jornal serem tão pequenas – esse texto seria
descartado por qualquer jornal, por exemplo. Assim, temos conteúdo compresso de forma que o leitor o
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possa fazer rapidamente, e velocidade é um fator determinante; usemos um exemplo: se, em trocas de
mensagens de texto muito maiores do que quinze linhas há o risco de o remetente não ler, imagine-se o
que ocorre com textos com mais de cem. Extrapole-se o limite para um livro de, digamos, duzentas
páginas e temos uma boa imagem do que ocorre. O millenial corriqueiro não lê muito mais do que cabe
em uma página de blog, que por sua vez, deve caber no monitor de seu computador pessoal.
Mas, o que acontece quando se aplica o conhecimento diminuto ali contido – e é uma
consequência lógica; um texto de 30 linhas não tem o mesmo poder explicativo de um livro de 400
páginas – em debates?
O Horror!
1. Delivery de refutações.
Em um delivery, pede-se o produto e este é entregue em domicílio pronto para consumo; é o
que ocorre, digamos, com pizza. Mas e quando essa facilidade é transportada para debates de internet?
Temos, enfim, o delivey de refutações, certo sistema onde, após a encomenda, o refutador esquematiza
vários pontos – sofisticamente – tendo como fim o debacle de seu oponente frente à resposta dada. Esta
deve ser bem grande, com muitos termos técnicos e indicando fontes de difícil acesso; até que o oponente
encontre efetivamente o original, já esqueceu-se do debate. Em um sistema onde lê-se apenas resumos
e nunca a fonte primária, o delivery é a carta na manga do preguiçoso; basta copiar e colar.
1. O Ser e o Gado
Adiciona-se um estranho fenômeno: tendo em vista o tecnicismo das refutações encomendadas
ao melhor estilo Górgias de ser, não raro millenials do sexo oposto – ou do mesmo – do refutador
aproximam-se deste tendo em vista seu – simulado – intelecto superior. Nesse caso, o índice de refutação
é o análogo millenial do antigo bodybuilder.
3. Opera Bibliographica
Após tal exposição facilmente verificável do horror, o que nos resta? Dizem que o mais correto
é construir programas de estudo que afastem as pessoas do mal caminho e alertem que a resumos e
delivery nada são além de simulacros de conhecimento genuíno, e, embora sejamos tentados a chamar
tal de nova sofística, é sabido que os Sofistas de fato conheciam e dominavam ao menos a arte retórica
e mnemônica, sendo Hípias grande expoente da última.
Complexo Palpitorum
Pode-se ver nesses jovens, não um interesse no saber, mas um interesse no vencer. Lançam-se
impetuosos em combates escritos ou conversados, verdadeiros e risíveis conciliábulos. Não há preparo
para a luta, mas invenções de última hora. As vezes baseadas em outras ideias decoradas e defasadas. E
eis aqui o nosso ogro disforme que é a preguiça causadora da burrice esparsa. Verdadeiros diálogos
preenchidos das mais profunda e risíveis opiniões ditas com o mais profundo tom de saber intelectual.