A imagem
Nesta unidade, iremos entender que a imagem não é uma realidade dada, mas uma construção
feita a partir de interesses diversos. A imagem que está diante de nós, nas telas dos quadros,
nos livros didáticos, nos jornais é um determinado modo de representar a realidade. Ou seja,
nesta unidade, iremos aprender a observar as imagens que nos são apresentadas como
“verdadeiras”, com mais atenção e desconfiança. A partir da reflexão sobre a imagem e dos
conhecimentos obtidos nos estudos desta unidade, estaremos aptos a formar alunos mais
críticos e capazes de compreender e analisar a sociedade imagética a que estamos inseridos.
Talvez a imagem mais presente nos livros didáticos ainda seja O Grito do Ipiranga (1888). Como
aluno ou professor, certamente, você já se deparou com essa tela do pintor Pedro Américo
impressa em algum material didático de sua escola. Atualmente, a tela O Grito do Ipiranga cujo
nome original é Independência ou Morte (7,60 x 4,15 m), está no salão nobre do Museu Paulista
da Universidade de São Paulo – USP. Encomendada pelo governo imperial, antes que o Museu
do Ipiranga existisse, a tela de Pedro Américo retrata um momento singular na história do
Brasil: o Dia da Independência – 07 de setembro de 1822.
Nesta página, leia a análise da tela O Grito do Ipiranga, mas só depois de cumprir os passos do
desafio que propomos, a seguir.
TAREFA 1
O GRITO DO IPIRANGA
D. Pedro não montava um cavalo castanho-escuro, mas sim uma "besta baia gateada"
_ou seja, uma mula amarelo-avermelhada (burros e mulas eram o meio de transporte
habitual para subir a Serra do Mar). Também não vestia uma farda majestosa, mas uma
simples "fardeta de polícia". Não havia um carreteiro no local: foi colocado pelo pintor
para representar a população, surpreendida pelo fato.
A Guarda de Honra que está na tela ainda não existia nessa época (foi criada por um
decreto de 1/12/1822). D. Pedro estava escoltado por guardas voluntários. O pintor
usou fardas brancas para aumentar o contraste entre o bloco dos guardas e o dos civis
(que usam vestes escuras), o que traz mais dinamismo à tela. Ele ampliou o séquito do
regente e reduziu a tropa para equilibrar os dois blocos de figuras.
A colina onde está D. Pedro dista 405 metros do riacho do Ipiranga. O pintor aproximou
os dois locais para colocar o príncipe numa posição mais elevada e, ao mesmo tempo,
mostrar o riacho que dá nome ao quadro (bem destacado pelas patas do cavalo). A tela
está centrada em D. Pedro: o olhar do carreteiro nos leva diretamente ao regente, que é
realçado pela disposição dos guardas em semicírculo.
Se você observou, ao analisar a pintura de Pedro Américo, que Maurício Puls chamou atenção
para as inúmeras modificações empreendidas pelo pintor em relação ao “fato histórico”
retratado, certamente, concluiu que a tela O Grito do Ipiranga fabricou a realidade histórica
que representa. Portanto, não pode se constituir como um “registro preciso do que
aconteceu”. Nesse sentido, Maurício Puls enumera algumas modificações feitas pelo pintor
brasileiro: a inserção da Guarda de Honra na tela, apesar de essa ainda não existir na época,
sendo criada somente três meses depois da eclosão da Independência do Brasil; a farda
majestosa que, no evento, D. Pedro I não vestia, já que estava com uma simples “fardeta de
polícia”; e o uso arbitrário de fardas brancas da guarda (que usava vestes escuras) para
contrastar com o bloco dos civis e, dessa forma, dar mais dinamismo à composição.
Você também observou, a partir da análise de Puls, que os homens, por meio da imagem,
promovem inúmeras intervenções quando representam um fato, seja histórico ou cultural.
Assim, enquanto professor, é preciso duvidar constantemente da “verdade histórica” da
imagem, já que seus alunos também são educados a partir de fotografias, pinturas, desenhos e
charges impressas nos materiais didáticos e nas revistas que leem, nos quadrinhos que
colecionam, nas redes sociais e nos filmes a que assistem. Portanto, como toda imagem, O
Grito do Ipiranga não é um objeto dado, que existe enquanto fato independente de quem o
pintou, mas objeto construído, que só existe a partir do instante que alguém o fabricou.
Além de avaliar se a tela O Grito do Ipiranga é um registro fiel ou não do fato que representa, a
análise de Maurício Puls, sutilmente, sugere alguns aspectos importantes para que façamos a
leitura da imagem:
o uso do campo do objeto é imprescindível, pois sua leitura inicia e ocorre, de fato, a
partir de sua composição (como o lugar da cena e dos personagens, o que vestem e
como estão posicionados etc.).
Antes de tudo, por meio da leitura de O Grito do Ipiranga (1888, de Pedro Américo), o que, de
fato, você pode concluir é que a imagem é também forma de conhecimento, campo de saber e
conhecer o mundo e, consequentemente, lugar propício para se educar e formar cidadãos.
Para saber mais:
Campo Simbólico
Veja que, ao longo dos anos, segundo o autor francês, Jacques Aumont (1995), a imagem
estabeleceu, basicamente, três relações com a realidade:
simbólica;
estética;
e epistêmica.
É bom lembrar que quando a Igreja Católica utilizou-se dessas imagens – escultóricas e também
pictográficas e arquitetônicas – os analfabetos constituíam uma parte considerável da
população. Por isso, não conseguiam ir além da tela, da estatuária e das grandes catedrais.
Com o tempo, esse simbolismo por meio da imagem passou para a esfera laica das sociedades
ocidentais, apresentando ao grande público conceitos do capitalismo nascente: a democracia
(política), a liberdade (de trabalho e de mercado) e o progresso (industrial, técnico e
tecnológico). Esses simbolismos, em sua essência, estavam impregnados de um caráter
ideológico, como a tela O Grito do Ipiranga, que traz a valorização dos símbolos nacionais: o
acontecimento do 07 de setembro de 1822, como um momento nobre na história do Brasil.
Desse modo, “reproduziam” uma realidade que não correspondia à realidade concreta, mas
apenas a uma realidade construída pelos indivíduos no esteio das relações humanas em uma
sociedade hierarquizada.
Campo Estético
No campo do estético, a imagem estabelece a relação dos homens com o mundo, a partir da
representação de objetos, buscando sensações específicas vinculadas ao campo da beleza e do
encantamento, como a escultura de Bernini. Ao longo do tempo, pelo prazer estético que
proporcionava, essa categoria de imagem associou-se, naturalmente, às obras de arte, a ponto
de se confundirem. No entanto, essa sensação específica não se encontra apenas em objetos
artísticos, mas também em vários outros objetos midiáticos, como filmes publicitários e
cinematográficos, fotografias e cartazes, vídeos e programas televisivos, quadrinhos, tiras de
jornais e charges.
Esfera Epistêmica
A última das relações que a imagem estabelece com a realidade pode ser encontrada na esfera
epistêmica. Nesse campo, a partir das dimensões visuais, que usamos para rememorar e
reconhecer certos aspectos como partes do mundo em que vivemos, as imagens são
mecanismos que os indivíduos usam para conhecer determinada realidade ou personagens.
Imagens que, por sua vez, tanto podem ser fotografias ou pinturas.
Assim, a imagem torna-se campo de saber no qual podemos conhecer mitos, a história e outras
culturas como, por exemplo, as que podemos conhecer nas fotografias impressas em Tristes
Trópicos: livro de viagem e memória do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (2004). A obra
ora atesta um espaço ainda em seus primórdios, como a nudez imberbe, prenhe de inocência e
delicadeza, ora as moradias já formatadas nos modelos coloniais com resquícios indígenas.
Em certos momentos, simboliza o que representa e faz com que os elementos visuais
signifiquem mais do que cores, luzes e formas; reconstrói com outras “vestes” o real a partir da
arte, que pode reproduzir ou até mesmo recriar a realidade; e, por fim, explica ou nos mostra
de fato como é ou era a realidade captada por uma fotografia, desenhada pelas mãos de um
artista ou caricaturizada por um chargista. Se você observar novamente a tela de Pedro
Américo, verá que sua mensagem não se resume apenas ao que percebemos, já que reconstrói,
por meio da arte, a história para apresentar um fato da forma que pretendeu nos mostrar.
Esta fotografia pertence ao álbum da família de Erwin Wegner, nascido em 1909, em Berlim,
Alemanha. Membro de família judia, Wegner viveu os horrores da perseguição ao seu povo
com a ascensão de Adolf Hitler ao poder, em 1933, e, consequentemente, do partido Nazista na
Alemanha com sua política racial e a concepção de um homem novo fundada no Arianismo.
Naquela época, apenas três anos após concluir, em 1933, seu doutoramento em Odontologia,
Wegner refugiou-se no Brasil, onde conseguiu exercer sua profissão depois de um tempo de
dificuldades. Provavelmente, agora, você está lembrando que é comum estarem álbuns de
fotografias, conseguindo, assim, guardar a memória dos rostos e corpos, das vestimentas e
espaços, da delicadeza e da sisudez de cada olhar de seus familiares fotografados.
Se você lembrar que o campo estrito do objeto é o ponto de partida para a
leitura da imagem, perceberá que um dos caminhos para utilizar a imagem, como tecnologia
educacional (sejam fotos, quadrinhos, charges ou desenhos), precisa obedecer a alguns passos:
1. seleção;
2. categorização;
3. e sistematização dos elementos da dimensão visual.
Esse fato não apenas constata que pessoas de uma mesma família se vestem de diversas
formas. A partir da vestimenta (um dos elementos da dimensão visual da fotografia em
questão), é possível evidenciar todo um processo de ocidentalização das formas e estilos da
moda, assim como a incorporação de tais características aos costumes alemães por parte de
uns, e a resistência cultural por parte de outros. Portanto, por meio das fotografias amareladas
pelo tempo, que documentam a história de cada um e a história de nossas famílias, existe a
possibilidade de se descobrir outros comportamentos e hábitos, vivências e trajetórias,
mudanças e continuidades culturais.
1.6Reconhecimento/Rememoração
Quando analisa o universo imagético, o teórico francês Jacques Aumont (1995) coloca que a
imagem, em última instância, tem por função “garantir, reforçar, reafirmar e explicitar nossa
relação com o mundo visual: ela desempenha o papel de descoberta do visual [grifo do autor]”
(AUMONT, 1995, 81). Desse modo, são as dimensões visuais da realidade que determinam a
relação da imagem com o mundo, isto é, os objetos representados e apresentados
pertencentes e reconhecidos no universo humano e natural no qual vivemos. Assim, fotografias
de famílias como a do álbum da família Wegner e de sua própria família carregam uma série de
informações, principalmente pelo que percebemos no campo da imagem (historicamente,
contextualizada).
Portanto, o início do percurso pelo mundo da imagem, presente nos livros didáticos (impressos)
utilizados em sala de aula, dar-se-á a partir dos objetos que você e seus alunos veem em uma
fotografia ou em reproduções de pinturas. Imagens representativas do passado ou de fatos do
presente, imagens de objetos originários ou não nos espaços geográficos nos quais vivemos,
pertencentes e integrados ou não a nossa cultura.
b)Conceito de rememoração
Esses são dois conceitos que usamos ao olharmos para uma imagem, sobretudo, porque,
mesmo que não a tenhamos vivido, o que vemos passa pelo que já conhecemos, acarretando o
acesso imediato a nossa memória. Assim, ensinar a partir de imagens em materiais impressos
não, necessariamente, precisa do conhecimento técnico sobre fotografia ou pintura, charge ou
quadrinhos, mas, antes de tudo, da percepção visual e do capital cultural que, historicamente,
existe em cada um de nós.
Até onde nossa capacidade de perceber é responsável pela Leitura de Imagem?
Assim como para ler e escrever, primeiramente, os sujeitos (alunos) passam por um período de
alfabetização relativa à prática da leitura e, ao mesmo tempo, da escrita, a alfabetização para o
universo da imagem também exige processo similar. Você, como professor, poderá trabalhar os
diversos gêneros no âmbito educacional (especificidade textual em linguagem e suporte).
Portanto, além de um conhecimento técnico do processo de leitura e aprendizagem por meio
das dimensões da imagem, nada mais eficaz do que um caminho integrado por procedimentos
que envolvam aspectos que já pertençam à realidade fisiológica e cultural dos alunos.
• Percepção visual
• Capital cultural
1.7 Síntese
percebeu que seja em revistas ou em álbuns de fotografia, todo aluno tem em casa
materiais possíveis de serem utilizados para o desenvolvimento de práticas educativas
relativas à aprendizagem, tendo como ponto de partida a imagem;
percebeu que ler imagens, necessariamente, não exige uma alfabetização técnica e
terminologias específicas, mas o uso de conceitos (como os de reconhecimento e
rememoração) vinculados ao contexto do sujeito-leitor é fundamental.
Tarefa 2 – Leitura de Imagens -Valor 10 pontos
TAREFA 2
Faremos, agora, uma pesquisa em livros didáticos e em outros tipos de materiais impressos
sobre os diversos tipos de imagens. Esta atividade tem como objetivo trabalhar o conteúdo
programático e os conceitos desenvolvidos nesta primeira etapa.
recolha diversos tipos de materiais impressos (livros didáticos, jornais, revistas, álbuns
etc.);
a partir desses materiais, selecione diversos tipos de imagens (fotos, gravuras, charges,
tiras etc.).
Em seguida, escolha uma das imagens.
1- Faça uma leitura sobre a imagem selecionada, tomando como base: o campo
estrito do objeto e o campo contextual.
2- A partir dos conceitos de reconhecimento e rememoração, identifique na
imagem selecionada as informações que emergem da prática de reconhecer e
da prática de rememorar.