2.2 O livro dos Provérbios: formação do texto e seu contexto histórico-social; aspectos
literários e unidade da obra; princípios de conduta e alcance teológico.
1. Datação, autoria, divisão, conteúdo e propósito
2. Análise de Pr 1,8-9; 13,7; 14,26; 30, 18-19; Pr 29
3. Estudo comparado entre Pr, Eclo e Jó: cristologia
4. O ideal de vida apresentado pelo livro dos Provérbios
5. Pobre: aflição, sofrimento e proteção nos conselhos sapienciais
6. Provérbios e conselheiros hoje
4.1 Os Salmos (elementos literários gerais, estrutura da coleção dos salmos, relação com
o conteúdo, mensagem teológica)
1. Definição, divisão, numeração e títulos
2. Gêneros literários dos Salmos
3. Paralelismos, recursos sonoros e literários
4. Teologia e imprecações nos Salmos
5. Análise crítica-literária dos Salmos1; 8; 137; 102; 72; etc
6. O corpo nos Salmos
7. Jesus e os Salmos
4.2 O Cântico dos Cânticos (análise literária e releitura religiosa)
5 NARRATIVA DIDÁTICA (gênero literário, protagonistas femininas, imagem dos
judeus e do Judaísmo)
5.1 Esther
5.2 Judite
5.3 Rute
5.4 Tobias
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Para os Judeus, a verdadeira sabedoria humana tem uma fonte divina; Deus pode
comunicar e comunica a sabedoria a quem lhe apraz. Eis porque os escritores Sapienciais se
comprazem em contemplar a divina sabedoria: sabem que a deles emanou dela.
A origem do pensamento sapiencial em Israel é tradicionalmente relacionada com a
figura de Salomão (1Rs 3,4-15; 5,9-14), que se tornou protótipo de todos os Sábios. Ele
organizou a sua corte em conformidade com o modelo das cortes de outros países mais evoluídos,
especialmente o Egito; promoveu intensas relações políticas e comerciais com os povos vizinhos.
Ora isso exigia uma preparação adequada dos funcionários de Israel, tanto a nível central como
local, em escolas apropriadas de caráter sapiencial, também à semelhança do que já existia junto
de outros povos. Foi Salomão que protagonizou toda essa dinâmica em Israel. Por isso, não é de
admirar o fato de lhe terem sido atribuídas obras do gênero sapiencial muito recentes, que,
efetivamente, nada têm a ver com ele. Era o costume antigo da psudoepigrafia, que se verifica
em muitos casos da Bíblia.
Na investigação e procura da sabedoria, Israel não foi totalmente original. Este pequeno
povo soube assimilar a sabedoria dos povos vizinhos, sobretudo o Egito e a Mesopotâmia, e
adaptá-la segundo a perspectiva da sua própria experiência religiosa.
24,22 e os ensinamentos do egípcio Amenemope (1100 a.C), ou a citação dos sábios vizinhos
Lemuel e Agur (Pr 30–31). Também em Israel a sabedoria tem um caráter internacional, pois
dela estão ausentes os temas especificamente israelitas: culto, aliança, história da salvação
(veja, porém, Sb 10–19 e Eclo 44–50).
Contudo, estudos recentes chamam atenção ao perigo de se exagerar a teoria que
considera a sabedoria como privilégio dos ambientes “clericais”, dos escribas e governantes
das cortes reais. Não devemos esquecer que o tão falado “paralelismo de membros” da poesia
hebraica é próprio da tradição oral, portanto popular, não só dos povos orientais, mas de todos
os povos.
Portanto, ao lado da sabedoria palaciana florescia a sabedoria popular, nascida da
experiência e do senso de observação (por ex. “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”).
Assim Davi, perseguido por Saul, exclama: “O mal vem do malvado” (1Sm 24,14). Jeremias e
Ezequiel (Jr 31,29; Ez 18,2) colheram um provérbio corrente na boca do povo, que sintetiza a
doutrina da responsabilidade coletiva: “os pais comeram uvas amargas, e os dentes dos filhos
ficaram embotados” (cf. Ez 36,13 e Is 10,15).
A sabedoria popular poderia ter como seu habitar a família/clã (cf. Pr 4,3s), a roça (vida
agrícola e pastoril), a cidade (especialmente o portão, lugar em que se julgavam as questões).
Além disso, é claro, o palácio/corte e o templo/santuário eram locais em que se cultivava a
sabedoria, elaborando-a literariamente, mesmo a sabedoria de origem popular. Pode-se dizer que
o povo da roça tinha maior afinidade com sentenças ou ditados, e os membros da corte
preferiam as “instruções”.
Embora os paralelos extra bíblicos da literatura sapiencial sejam valiosos para
entendermos o desenvolvimento da literatura sapiencial bíblica, são de pouca importância
para a compreensão de sua mensagem religiosa. Com efeito, os livros sapienciais do AT foram
em grande parte escritos após o exílio quando já não havia rei, nem corte, e o conceito de
sabedoria adquiria um caráter estritamente religioso (Pr 1–9, especialmente 1,7; 2,6; 3,5s).
O papel de Salomão na sabedoria foi tão acentuado que as tradições judaicas e cristãs
chegaram a lhe atribuir a maior parte dos livros sapienciais. Na prática apenas Pr 10–22 e
25–29 podem ser pré-exílicos. Mas nem destes provérbios temos certeza de que tenham sido
compostos por Salomão, apesar de algumas vezes lhe serem expressamente atribuídos (Pr 1,1;
10,1; 25,1), pois os sábios gostavam de atribuir suas obras a grandes homens. Uma vez que
Salomão foi considerado o tipo do homem sábio, não foi difícil atribuir-lhe a autoria dos livros
sapienciais. Em 1Rs 5,9-14 temos a justificativa para se atribuir a Salomão os livros sapienciais:
Deus “deu-lhe uma sabedoria tão grande que ultrapassava a sabedoria dos orientais e a do Egito”.
Reconhece-se assim que a sabedoria era um tema de caráter internacional. No Egito os
ensinamentos visavam preparar os oficiais da corte, que deviam adquirir certos conhecimentos,
habilidades, moralidade, etc., a fim de bem exercer sua tarefa, integrando-se harmoniosamente
no princípio da ordem estabelecida (Maat). Israel, que copiou o sistema monárquico dos povos
vizinhos (1Sm 8,5.20), especialmente do Egito (cf. 1Rs 4,4-6; 3,1), imitou também os conselhos
sapienciais do Egito destinados à corte (Pr 16; 25). Mais tarde, Isaías critica os sábios da corte,
cuja “sabedoria perecerá” (Is 29,14), e Jeremias os caracteriza como inimigos da palavra de Deus
anunciada pelos profetas (Jr 8,8s; cf. 18,18; 9,22).
No Novo Testamento, Jesus, Ele próprio, é a sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,24.30),
pois o povo admirava-se de sua sabedoria e de como ensinava com autoridade. Ele podia dizer
de si mesmo: “A Rainha do Sul veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, mas
aqui está quem é mais do que Salomão” (Mt 12,42). A sabedoria pessoal de Deus se revela em
Jesus Cristo que saiu do Pai para habitar entre os homens e conquistar-lhes a salvação. Nele toda
a sabedoria dos sábios encontra o seu termo e seu verdadeiro significado.
2 OS LIVROS SAPIENCIAIS
Foi o livro da Sabedoria, originário do ambiente cultural grego onde a filosofia platónica
proporcionava a ideia da imortalidade espiritual, sem a necessária ligação com o elemento
material que veio afirmar pela primeira vez e de um modo explícito: “Deus criou o homem para
a imortalidade” (Sb 2,23). Um novo caminho se abre à reflexão sapiencial sobre o destino do
justo infeliz: depois da morte, a alma fiel gozará de uma felicidade eterna junto de Deus,
enquanto os ímpios receberão o devido castigo (Sb 3,1-12).
É sintomática a insistência dos sábios de Israel na ideia do temor de Deus, sobretudo
no período mais tardio: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.” (Pr 1,7) É que, sem
o temor de Deus, qualquer tipo de sabedoria perde o seu próprio fundamento e, por isso, a sua
validade para uma reta condução da vida.
2.1 O livro de Jó
O livro aborda o tema por que sofrem os bons? O povo de antigo de Israel via como
castigo do pecado o sofrimento com isso aqueles considerados bons não sofriam, com o
tempo foi se vendo que não era bem assim não necessariamente acontecia está realidade sobre o
sofrimento. Esta concepção se impunha aos Judeus pelo fato de que ignoravam a existência de
uma póstuma consciente; julgavam que após a morte o indivíduo perdia a lucidez da mente e se
encontraria adormecido no sheol, incapaz de receber alguma sansão. Por isto admitiam a
retribuição do bem e do mal nesta vida mesmo.
É com este pano de fundo que se realiza o livro de Jó um homem reto, que perde bens
e saúde, três amigos diz para ele confessar os pecados graves que ele cometeu por ver
tamanho sofrimento, mas Jó se diz inocente e diz que está situação é inexplicável. Eliu tenta
dar uma explicação que o sofrimento dos bons é para que eles não se orgulhem. Deus então
intervém calando Jó e seus amigos por que quem é capaz de sondar os desígnios da Providencia
de Deus. Deus é sábio demais para que precise prestar contar dos seus planos. Então Jó
reconhece a sua incapacidade de julgar a Deus e Deus devolve a saúde e os bens materiais.
Por conseguinte, reverência e confiança constituem a atitude que o autor sagrado quer
incutir diante do problema da dor. Pondo em xeque a explicação antiga, ele não sabe propor
nova sentença, que dependeria da revelação de vida póstuma consciente e da obra do Cristo Jesus.
Todavia o livro indica a solução pratica estritamente religiosa, que é válida até hoje. Sim;
mesmo depois de Cristo o homem não pode indicar o porquê de todos os seus sofrimentos;
faça, porém, um ato de confiança absoluta na infalível Providência Divina. E não será
frustrado.
O Novo testamento voltará a tratar do assunto, mostrando que o sofrimento é disposto
por Deus não como mera punição do pecado, mas como remédio contra o próprio mal; o
patíbulo da Cruz sobre o Calvário foi erguido como arvore da vida e da ressurreição gloriosa. O
Homem, portanto, não sofre unicamente para pagar um tributo à justiça, mas para se
purificar do pecado e voltar ao Pai com Cristo – que é suma felicidade.
É preciso para compreender o sofrimento olhar para as realidades futuras, vida após
a morte, assim poderá colher os frutos das obras praticadas na terra. Em Jesus, o justo que sofre
em expiação dos pecados alheios e ressuscita dentre os mortos vem com um sentido novo
ao sofrimento. O livro de Jó se coloca em divisão entre uma mentalidade do antigo
testamento para o novo testamento.
Podemos fazer a seguinte pergunta: o livro de Jó é real? Os traços literários apontados
parecem demonstrar suficientemente que o autor de Jó tinha em vista um ensinamento não de
ordem histórica, mas de ordem sapiencial ou de ordem filosófico-religiosa. Mas precisamente: o
que lhe interessava, era debater um problema muito focalizado tanto na literatura bíblica
como na profana: O enigma do Justo que padece.
Ora a discursão de um tema em termos abstratos não era familiar aos israelitas nem
aos antigos orientais. Foi por isto que, afim de propor suas considerações sobre o problema, o
autor sagrado quis utilizar uma narrativa de fundo histórico que circulava no mundo
oriental: o drama de um homem digno e aflito chamado Jó. Este drama serviu-lhe de ponto
de partida para suas meditações; ele não hesitou em ornamentar e dramatizar, afim de o tornar
veículo de suas ideias.
O tema central do livro de Jó não é o problema do mal, nem o sofrimento do justo e
inocente, e muito menos o da “paciência de Jó”. O autor desse drama apaixonante discute a
questão mais profunda da religião: a natureza da relação entre o homem e Deus. O povo de
Israel vê concebida a relação com Deus através do dogma da retribuição: Deus retribui o bem
com o bem e o mal com o mal. Ao justo, Deus concede saúde, prosperidade e felicidade; ao
injusto, ele castiga com desgraças e sofrimentos. Tal concepção arrisca produzir uma religião de
comércio, onde o homem pensa poder assegurar a própria vida e até ditar normas para o próprio
Deus. Contra isso, o autor mostra que a religião verdadeira é mistério de fé e graça: o homem
se entrega livre e gratuitamente a Deus; e Deus mistério insondável, volta-se para o homem,
gratuitamente, a fim de estabelecer com ele uma comunhão que o leva para a vida.
continuou ou não a ser honesto; no epílogo, a sua situação aparece, por fim, inteiramente
restaurada.
Esta evolução na ação dá importância à segunda seção do livro, que constitui a sua
maior parte. Toda ela é uma discussão acesa sobre os problemas suscitados pelo aparecimento
do sofrimento e de grandes desgraças na vida de um homem que não tinha culpa nem pecado.
Esta parte em poesia é o essencial do livro, embora assente na situação de vida descrita pelo texto
em prosa. O modelo literário é inspirado possivelmente nas discussões que se faziam nos
ambientes culturais da época. Cada amigo apresenta um tipo de argumentação, e a discussão
decorre, sem que Jó, apesar do seu estado de sofrimento, se mostre desfalecido. Até para
esclarecer as relações com Deus é utilizado o mesmo esquema. Numa intervenção final, Deus
responde a todas as discussões anteriores. O livro apresenta-se, assim, como um autêntico
tribunal de consciência, para o qual o próprio Deus é citado e onde toma assento.
A maior parte do livro está escrita num hebraico de grande qualidade literária, que
levanta, pelo seu estilo e vocabulário originais, algumas dificuldades de tradução. É natural que
os simples leitores de uma Bíblia o notem ao comparar várias traduções e verificar como estas
assinalam dificuldades de tradução de vários termos e passagens.
2.1.2 Teologia
No grito de Jó está não apenas o grito do pobre que clama por justiça, mas também
o grito do justo que procura ser fiel (Jó 27,5-6). O grito daquele que procura pautar sua vida
pelas exigências da ética e da fé e, no entanto, parece ter sido esquecido por Deus. É quando
surge o grande questionamento feito por Jó: de que vale a pena procurar ser justo e fiel se
o ímpio e corrupto prospera e vive no luxo e na abundância? Como manter a fé quando se
percebe que, na realidade, triunfa o injusto, o malfeitor? Vale a pena lutar pelo projeto de
Deus quando percebemos que o mal leva a melhor? Não será preferível aderir ao sistema e viver
folgado? (Jó 21,7-34; 24,1-25).
2.1.3.3 A Oração
Deus (Jó 16,19-20). A experiência do sofrimento no seu mais alto limite humano torna-se
oração personificada, e o grito do pobre terminará por obter de Deus que se declare em
favor de Jó, sofredor e inocente e que deve ser libertado da violência causada pelos
“amigos” (Jó 19,25; 42,1-4).
3. Os protestos de Jó, são como o grito dos pobres. A constatação e a rebelde crítica de
Jó têm mais profundidade do que a teologia superficial e convencional dos “amigos” (cf. Jó 12-
14). O grito de Jó mostra que, no centro da teologia e da luta pelos “direitos humanos” é
preciso concretizar o grito e a luta pelos “direitos dos pobres” (cf. Ne 5; Jó 24 e 29). Esse
grito dos pobres, às vezes, até reduz o raciocínio religioso e teológico a cinzas sem consistência
(Jó 12). Numa visão convencional e mecânica da justiça de Deus, o sofrimento dos pobres é a
crítica de uma ética baseada no princípio da retribuição (Jó 21-23). O discernimento
teológico de Jó é contemplativo e profético (Jó 12,16-24)[2].
O sofrimento de Jó é um lugar teológico para criticar as imagens ideológicas de Deus,
e para restabelecer a intimidade com o Deus próximo e doador da vida plena.
12,20 com Mt 5,9. O mesmo vale para outras passagens do Sermão da Montanha (Pr 3,27-29
com Mt 5,43-48; ou Pr 20,27 com Mt 6,22).
b) A partir dos Provérbios, Jesus desenvolve suas Parábolas. Basta conferir Pr
10,25 e 12,7 para percebermos a parábola da construção da casa em Mt 7,24-27. Sem dúvida o
ponto de partida da parábola do juiz e da viúva (Lc 18,1-8) é Pr 25,15 e Pr 15,1. O mesmo
poderíamos dizer da parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,9-14) com os provérbios em Pr
28,9.13).
c) Jesus também observa o comportamento das pessoas e retira ensinamentos a
partir dos Provérbios, como faz na festa do fariseu em Lc 14,1-11. Ele completa com a parábola
(Lc 14,7-11) a partir de Pr 25,6-7.
d) Ao contar uma parábola, Jesus conclui com um provérbio: “Quem tiver
ouvidos para ouvir ouça!” (Cf. Mc 4,9). Com esta frase, Jesus deixa que cada ouvinte tire suas
conclusões. Não dando uma resposta, faz o pessoal aprofundar a mensagem da parábola.
A prática de Jesus nos ensina que devemos buscar nos provérbios de hoje e na
Sabedoria popular o que revelam de Deus e do seu Projeto. Jesus nos ensina a evangelizar o
povo com a Sabedoria do próprio povo.
Os Provérbios nos mostram que a Palavra de Deus está presente no nosso dia-a-dia.
Devemos, portanto, resgatar os traços do rosto de Deus revelados no cotidiano do povo. E
mais, como ensina o livro dos Provérbios, buscar os traços do rosto de Deus mesmo em culturas
e sabedorias não cristãs.
O livro começa por uma breve introdução geral (1,1-7), onde se explicita o seu
conteúdo, se justifica o título e se afirma que, no limiar de todo o conhecimento está o temor
do Senhor. Depois, apresenta um conjunto de nove coleções independentes, diferentes em
extensão, estilo, conteúdo e época:
I. 1,8–9,18: advertências de um pai educador, sobre a sabedoria contra as más
companhias e a mulher leviana; a sabedoria, exaltada e personificada, toma a palavra (1,20-33),
faz o elogio de si mesma, define as suas relações com Deus desde a eternidade, descreve o seu
papel na criação e fala do seu maior desejo: comunicar-se ao ser humano, para o orientar no
processo do conhecimento do meio em que vive, em ordem a que Deus possa ser encontrado
nessa mesma realidade (8,35). Também aparece a “Senhora Insensatez”, em oposição à
Sabedoria (9,1-6 e v.13-18).
II. 10,1–22,16: coincide com a primeira coleção de Salomão e é constituída por
sentenças muito antigas que se ocupam da vida moral.
III. 22,17–24,22: primeira coleção de advertências e conselhos, de certa afinidade com
a sabedoria egípcia de Amenemope (22,17-23,14); notável sátira feita à embriaguez (23,29-35).
IV. 24,23-34: segunda coleção dos sábios; apresenta, sobretudo, o retrato do
preguiçoso (v. 30-34).
V. 25,1–29,27: segunda coleção de Salomão, cuja compilação se atribui aos sábios que
estavam ao serviço do rei Ezequias. Tem sinais de parentesco com a primeira (10,1-22,16) e nela
se encontram alguns dos provérbios mais puros, tanto na forma como no conteúdo, especialmente
nos capítulos 25-27. Os capítulos 28-29 distinguem-se pelo seu espírito religioso, com frequentes
alusões ao Senhor; recordam a observância da lei e contrapõem os malvados e os justos.
VI. 30,1-14: provérbios de Agur, sábio de origem estrangeira.
VII. 30,15-33: provérbios numéricos, organizados segundo o modelo de uma
enumeração progressiva.
VIII. 31,1-9: provérbios de Lemuel, outro sábio estrangeiro.
IX. 31,10-31: célebre poema, elogio da mulher exemplar, onde se nota certa relação
com a sabedoria apresentada no capítulo 9.
O livro todo é um convite para valorizar não só a cultura popular, mas também, e
principalmente, a percepção religiosa que o povo tem de uma Sabedoria que vem de Deus
e é seu dom aos pequeninos; sabedoria que nem sempre é captada e compreendida pelos sábios
e doutores (Mt 11,25).
O conteúdo dos Provérbios serve para orientar sabiamente a vida do leitor, seja no
plano individual, seja no social. Afirma claramente o temor de Deus como princípio da
verdadeira sabedoria e que só em Deus o homem deve colocar sua confiança. O livro consta
de nove coleções. A coleção mais antiga é atribuída ao rei Salomão que são as duas primeiras
coleções.
2.2.5 Teologia
Tal como no aspecto literário, também no doutrinal este livro não apresenta unidade.
De uma forma genérica, ensina a arte de bem viver, pondo em relevo a preocupação pelos
simples, especialmente os jovens sem experiência, procurando incutir-lhes uma personalidade
firme, guiada pela sabedoria e piedade filial, evitando a preguiça, o vinho, as más companhias,
as mulheres de má vida, os desmandos da língua, a iniquidade.
Esta moral pode parecer apenas natural e laica; mas não há dúvida que a religião é a base
de toda a moralidade dos Provérbios. Por isso, “o temor do Senhor”, princípio e coroamento
da sabedoria, fonte de felicidade, aparece como chave e fecho deste livro (1,7; 31,30), embora
não sejam muitas as referências diretas à lei, ao culto e à aliança, noções fundamentais na religião
hebraica.
Quanto ao problema da retribuição e do além, o livro mantém-se na linha tradicional
de uma retribuição individual, terrena, e ignora a reação de Jó, o Eclesiastes e os profetas
exílicos. Foi uma ampla experiência humana que permitiu formular provérbios anunciadores da
recompensa atribuída à justiça, à bondade e à humildade, assim como da punição reservada a
atitudes opostas. Contudo, também já se nota a percepção de que essa recompensa não obedece
a nenhum automatismo, pois acima de toda a sabedoria e habilidade está Deus, o soberano
absoluto da natureza, dos acontecimentos e do coração humano (21,30-31).
O livro de Ben Sira coloca ao tradutor e ao leitor vários problemas difíceis. É um livro
muito usado no judaísmo; especialmente citado no Talmud, exerceu bastante influência na
liturgia judaica (festa do Grande Perdão; Oração das 18 Bênçãos). Apesar de ser estimado e usado
pelos cristãos e de fazer parte da coleção dos livros religiosos em Alexandria, os cristãos dos
primeiros séculos tiveram alguma hesitação em relação a ele, provavelmente por causa da história
complicada da sua transmissão e pelo fato de não ter sido integrado no Cânon judaico. É,
portanto, um livro deuterocanônico.
Desde os primeiros séculos do Cristianismo até há pouco tempo, o nome mais comum
para designar este livro era “Eclesiástico”. São Cipriano, falecido em 248, parece ter sido o
primeiro a usar esse nome, devido ao uso que dele se fazia na Igreja antiga. Com efeito, de
entre os Livros Sapienciais, é este o mais rico de ensinamentos práticos, apresentados de um
modo paternal e persuasivo.
É chamado de “Eclesiástico”, isto é, “da Igreja”, porque era usado na Igreja e não
na Sinagoga, por não fazer parte da Bíblia Hebraica. Ultimamente é também chamado de
“Sirácida”, tirado do nome do autor, assim como o “Eclesiastes” é também chamado
“Qohelet”. Trata-se de uma obra escrita entre 190 e 180 a.C. por Jesus Ben Sirac, e chegou
até nós graças à tradução grega feita pelo seu neto em 132 a.C.
No início do séc. II a.C. a Palestina passou do domínio dos Ptolomeus (Egito) para o dos
Selêucidas. Eles promoveram uma política de assimilação, e procuraram impor aos povos
dominados a cultura, a religião e os costumes gregos – um imperialismo cultural que ameaçava
destruir a identidade cultural e religiosa dos dominados. Entre os judeus houve uma corrente
disposta a abrir-se ao espírito grego, desejando adaptar o judaísmo a uma civilização mais
universal. A isso, todavia, opôs-se uma forte ala, que buscava preservar a identidade e
salvaguardar a fé e a vocação de Israel, testemunha de Deus vivo para todas as nações. Ben Sirac
escreveu então este livro, uma espécie de longa meditação sobre a fidelidade hebraica. Ele
procura reavivar a memória e a consciência histórica do seu povo, a fim de mostrar sua identidade
própria e o valor perene de suas tradições. O autor, porém, não é intransigente, pois em seu
livro mostra ter já assimilado diversos aspectos da cultura grega, iniciando o caminho de
uma síntese que culminará no livro da Sabedoria.
O centro do livro está em Eclo 24, onde o autor identifica a Sabedoria com a Lei de
Moisés (24,23). Não se trata das leis (= legislação), e sim dos cinco livros do Pentateuco que,
em hebraico, se chamam Tora = Lei. Esta, na visão do autor, constitui a Sabedoria de Israel.
Com efeito, a narração toda do Pentateuco mostra a experiência básica de todo homem e de
qualquer povo: a sabedoria que nasce da experiência concreta e conduz à vida.
Em hebraico é chamado: Palavra ou Sabedoria do filho de Sirac; grego chama de
Sabedoria de Jesus, filho de Sirac ou Sabedoria de Sirac; os Cristãos de origem latina
chamam de Eclesiasticus, pois o livro era apresentado aos catecúmenos preparando-se para o
batismo, era um manual de iniciação dos bons costumes e à história do Antigo Testamento;
era o livro da Ecclesia (Igreja); daí dizer-se “Eclesiástico”.
Revela o pensamento Israelita evoluído. Alguns temas: Bom comportamento: temor
de Deus, amizade, os anciãos, as mulheres, a riqueza, a pobreza, a doença, a medicina, os
deveres de estado. Outro tema mais teológico que é o Saber: a gloria de Deus.
O ponto mais alto do livro como em provérbios e outros é a sabedoria personificada,
mas agora é uma pessoa mais unida a Deus e distinta, o que de certo modo antecipa a realidade
de João. Chama atenção também a realidade da identificação com a Torá (Lei).
O livro pode dividir-se pelo menos em duas etapas: 1-23 e 24-50, começando cada
uma delas por um elogio da sabedoria. Alguns autores apresentam outra divisão, também em
duas partes, depois do Prólogo: uma primeira propriamente sapiencial, segundo o gênero e o
estilo dos Provérbios (1,1-42,14); e uma segunda, que é mais de meditação sobre as obras de
Deus na Criação e na História (42,15-50,29). É a que seguimos neste estudo.
Além do prólogo e de um apêndice, o livro pode ser dividido em duas partes:
PROLÓGO: não pertence ao livro original. Foi acrescentado pelo neto.
1ª PARTE: de 1,1 até 42,14. São provérbios e ditos sapienciais sobre os mais variados
assuntos do cotidiano. É uma classificação mais organizada dos provérbios. Contém também
preces, hinos e instruções. O capítulo 24 tende a ser apontado como sendo o centro do livro.
2ª PARTE: de 42,15 até 50,29. É um longo tratado teológico, mostrando como a glória
de Deus se manifesta na natureza criada (42,15-43,33) e na história (44,1–50,29).
APÊNDICE: (51,1-30). Depois de ter concluído sua obra, Ben Sirac resolveu acrescentar
um hino de ação de graças e uma oração para pedir Sabedoria.
2.3.2 Texto
2.3.3 Teologia
O livro de Ben Sira testemunha uma época de transição onde já se começam a esboçar
os traços caraterísticos do judaísmo como forma evoluída de religião bíblica. Do confronto
helenismo-judaísmo, Ben Sira assimila o que considera bom e compatível com a sua fé; mas
rejeita o que se opõe à essência da fé judaica e alerta para os perigos da cultura dominante.
O autor faz uma síntese da religião tradicional e da sabedoria comum, à luz da sua
própria experiência. O tradutor grego quis tornar este manual de conduta acessível a todos. A
identificação entre a sabedoria e a Lei de Deus (24,23) é a afirmação mais inovadora e
caraterística de Ben Sira, tal como é inovadora a inserção da História no género sapiencial.
A série de personagens da História de Israel, cujo relato se apresenta na parte final do
livro (44,1-50,21), tem o objetivo pedagógico de despertar o orgulho em pertencer a um
povo de grandes homens. Porque eles seguiram a palavra de Deus com toda a fé e coragem e
foram bem-sucedidos, são uma lição para o povo e serão sempre lembrados na posteridade.
Ben Sira defende a fé tradicional do seu povo: Deus é eterno e único (18,1; 36,4; 42,21),
é autor de uma criação perfeita, apesar dos seus mistérios e contradições aparentes (42,21.24); e,
diante dela, o próprio Ben Sira, como o salmista, enche-se de um especial entusiasmo (39,12-35;
42,15-43,33). Deus tudo conhece (42,15-25); “Ele é tudo” (43,27), governa o universo com
justiça e prudência (16,17-23) e retribui com equidade (33,13); é misericordioso, capaz de
perdoar e de salvar no tempo da aflição (2,11); é Pai, não apenas de Israel, de quem é o Deus
único (17,17-18; 24,12), mas também de cada indivíduo (23,1). Esta concepção constitui um
progresso considerável na teologia do judaísmo.
O tema principal da teologia do eclesiástico é a sabedoria: já em Eclo 1,1 se diz que
toda sabedoria vem do Senhor e está sempre com ele. Outros textos: 1,2-10; 4,12; 6,18-37;
14,22–15,10; 19; 20,27-33; 24,32-47; 38,25– 39,15; 51,18-38.
Outros temas também se destacam, tais como:
O temor do Senhor: 1,11-40, logo após a perícope inaugural; 2,1-23; 10,23-34; 25,9-16;
31,12-42; 40,18-28. No AT o temor é sinônimo de veneração, respeito e afeto, vizinhança,
comunicação. Sem o temor do Senhor, ninguém pode atingir a sabedoria; e para chegar ao temor
é preciso da Lei.
A Lei é se manter no temor do Senhor. Contudo, apesar de falar constantemente de
temor do Senhor ligado à Lei, seria injusto qualificá-lo como legalista (7,31; 28,6-9). Parece que
o filho de Sirac faz referência a citações da Torah quando fala da Lei: 7,31 (Lev 6,11; Nm 28,11-
13; Dt 18,3-5; Lv 19,1-3); Eclo 29,11-15 em relação ao socorro do pobre (Lv 19,10-13; 17-18).
A oração é também um tema fundamental, comparado à Lei; o sábio trata da oração com
muita ênfase e ardor; a oração é coligada com a vida, a oração do sábio; quando o sábio fala da
oração, o faz do mesmo modo que fala dos outros temas. O livro não diz como se deve orar,
mas oferece exemplos: oração de suplica individual, 18,22; 22, 33–23,6; a oração de suplica
coletiva: 33, 1-15; agradecimento individual: 50,24-26; 51,1-17; oração de louvor 16,24-27; ;
42,15–43,37, sentimento com a contemplação do criado; condições de oração (7,10).
O culto apresenta o sacerdócio, os sacrifícios e as normas cultuais; fala que não se pode
oferecer um sacrifício a Deus e ser moralmente incorreto; o culto está unido à expressão da vida
moral do homem: o homem deve viver o seu cotidiano em relação pessoal com o Senhor; há
um culto político que resguarda o sumo sacerdote, a moral; um culto estético: vestes, cenário,
cerimonia; um culto moral: sacrifícios justos. O culto, enfim, tem algo a ver com todos os
aspectos da vida humana: o culto é algo estético, mas, ao mesmo tempo, composto de elementos
religiosos e proféticos.
História de Israel: 44–50 narra a história de Israel de um modo altamente original.
Criação: considera o cosmo como uma criatura que o Senhor revelou na história do
homem e especialmente na história de Israel. É fortemente marcado por um nacionalismo. A
criação vem impostada como louvor ao criador. Sublinha, sobretudo, a doutrina dos contrários,
das coisas opostas que remonta ao Livro do Genesis (42,15–43,37). Toda a busca sobre a
criação de um modo ou de outro é o desejo de falar do homem. O homem quer compreender
o criador. Essa problemática, à qual se dá o nome de teodiceia, é uma resposta à ânsia humana
de conhecer a sua origem e o sentido da vida
A morte e o além: ao filho de Sirac importa mais a condição da vida até o momento da
morte. Estamos ainda antes da crise macabaica e não se fala de sobrevivência após a morte. Para
todos há somente o Sheol. O autor não oferece, contudo, uma doutrina bem ordenada sobre o
tema. As passagens que tocam nesse assunto são 11,20-28; 14,11-21; 30,14-20; 38,16-24; 40,1-
17; 41,1-7. Ao autor interessa como se vive antes da morte (uma vida coerente).
Vida em sociedade: o livro é pleno de pontos práticos. Exemplos: domínio das paixões,
sexualidade, comer, beber, riqueza e falar. O capítulo 37 introduz o tema do discernimento.
Coligados ainda a esse assunto aparecem os conselhos sobre a família, a mulher e a amizade.
Para ser corretamente avaliado, o livro deve ser entendido no contexto onde surgiu.
Alexandria era um importante centro político e cultural grego, e contava com cerca de
200.000 judeus entre seus habitantes. A cultura grega, porém, com suas filosofias, costumes e
cultos religiosos de uma parte, e com a hostilidade dos pagãos e às vezes perseguição aberta
de outra, constituía uma ameaça constante a fé e a cultura do povo judaico que habitava no
Egito. Para não serem marginalizados da sociedade, muitos deixavam os costumes a até mesmo
a fé, perdendo a própria identidade para se conformar a uma sociedade idólatra e injusta.
O autor, profundamente alimentado pelas Escrituras e pela consciência histórica do seu
povo, enfrenta a situação, escrevendo um livro que procura de todos os modos reforçar a fé
e ativar a esperança, relembrando o patrimônio histórico-religioso dos antepassados. Ele ensina
a verdadeira sabedoria que conduz a uma vida justa e a felicidade. Não se trata da cultura
que se conquista pelo pensamento, mas da sabedoria que vem de Deus, opondo-se à idolatria
e à vida injusta que nasce dela. Esta sabedoria divina guiou magistralmente a história do povo
de Deus, revelando que a verdadeira felicidade pertence aos amigos de Deus. Em outras
palavras, o autor quer mostrar que a sabedoria ou senso de realização da vida não é apenas
um fruto do esforço do homem, mas é em primeiro lugar um dom que Deus concede
gratuitamente aos seus aliados.
Sabedoria. Ela “é um tesouro inesgotável para o ser humano” (Sb 7,14). A origem do
conhecimento está em Deus (Sb 7,15-21). Depois de apresentar os atributos da Sabedoria, o
autor conclui: “Ela é emanação do poder de Deus” (Sb 7,25) e “tudo governa de maneira
correta” (Sb 8,1; cf. 7,22-8,1). Apresentando a Sabedoria como mulher, pela qual está
apaixonado e à qual sonha unir-se, o sábio ensina os jovens que estão se afastando da tradição
judaica (cf. Sb 8,2-16). Concluindo esta parte, temos uma ampliação de 1Rs 3,6-9: a oração de
Salomão. O rei pede a Deus, com insistência, a obtenção da Sabedoria: caminho para a
imortalidade (cf. Sb 8,17-9,18).
III. A Sabedoria na História de Israel (10,1–19,22): descreve-se a presença e a
atividade da sabedoria em toda a História do povo de Israel com especial incidência sobre o
Êxodo (11,1-19,17).
Destacando a libertação do justo, o autor apresenta o agir da Sabedoria na história da
humanidade, desde Adão até a história de José (cf. Sb 10,1-14). Em seguida, há longa
recordação da experiência do êxodo, enfatizando que os inimigos serão punidos e os justos
recompensados (cf. Sb 10,15-19,22). Em meio à história do êxodo, há extenso tratado contra a
idolatria nos capítulos 13-15. Assim como Deus defendeu o povo hebreu da opressão dos
egípcios, ele o fará em todos os tempos (cf. Sb 19,22).
O livro da Sabedoria é convite para reconhecer a presença da Sabedoria de Deus, que
conduz e protege a nossa vida. Nele encontramos forte apelo para que as pessoas, especialmente
os governantes, amem a justiça e busquem a Sabedoria, entendida como fidelidade a Deus e à
Lei. É a Sabedoria que age na história da humanidade, desde as origens até o momento presente,
e agirá em todos os tempos e lugares.
O estilo geral da obra inclui recursos estilísticos hebraicos (paralelismo, alusões a
motivos do AT) e gregos (abundância de sinônimos, adjetivação rebuscada, rimas e jogos de
palavras). Tudo isto faz do livro da Sabedoria um modelo do grego da Bíblia dos Setenta.
O livro da Sabedoria se dirige a um povo que está numa situação totalmente nova,
diferente da tradição histórico-religiosa vivida até então. As comunidades correm o risco de
desagregar-se, perdendo sua identidade e a fé no único Deus que tem um projeto de libertação.
Nesta situação, o livro da Sabedoria oferece importantes chaves de leitura:
1. Liberdade na releitura dos fatos passados;
2. Busca da identidade através da memória histórica;
3. Deus está sempre presente na caminhada do povo. Seu rosto se revela de forma nova
em cada situação.
Podemos assim ler e interpretar o livro da Sabedoria como porta de entrada para a
Boa Nova de Jesus Cristo no Novo Testamento.
Uma das principais mensagens que o livro da Sabedoria quer revelar é quem é Deus.
Diante da multiplicidade de deuses e de cultos, o autor responde evocando como Deus se
apresenta na história do povo de Israel. Deus é “Aquele que é” (13,1). É o “Criador” (13,3.5).
É justo e tudo dispõe com justiça (12,2.15-22). Mas além do rosto do passado, encontramos um
novo rosto de Deus: ele é o guia da Sabedoria e o orientador dos sábios e justos (7,15; 16,7). É o
Deus da vida que ama a todos (11,24-26) e usa de misericórdia para com todos (11,23). Pela
Sabedoria, todos têm a chance de se tornarem amigos de Deus (7,14-28).
Essa obra foi escrita em grego, no final do séc. I a.C., na colônia judaica de Alexandria.
O título do livro aponta para a “Sabedoria” como o tema principal. De fato, na primeira parte, o
autor destaca a importância da Sabedoria como caminho para a justiça e a vida (cf. Sb 1,1-6,21).
Na parte central do livro, há uma descrição da origem e da natureza da Sabedoria (cf. Sb
6,22-9,18); na última parte, o autor faz um resgate da ação da Sabedoria na história (cf. Sb
10-19).
Uma primeira ideia teológica do livro é a de que muitos judeus seriam tentados a
seguir o caminho dos “ímpios” e a renegar a sua fé, tanto pela perseguição ou pelo ridículo
a que eram sujeitos por causa das práticas dessa fé, como pela vida moral fácil que os
alexandrinos levavam, em contraste com as exigências apontadas pela Lei (2,1-20).
O autor resolve o problema da felicidade dos justos e infelicidade dos ímpios pela
retribuição ultraterrena para os justos. Face a um ambiente religioso, filosófico e cultural,
que apresentava um estilo de vida material e formalmente atraente, era imperioso dar razões
fortes da fé, mesmo em termos racionais e vitais, para que ela não aparecesse inferiorizada
como proposta ou estilo de vida.
Uma segunda ideia teológica fundamental deste livro é a personificação da Sabedoria
divina. Enquanto, para os gregos, a sabedoria era um meio para chegar ao conhecimento e
contemplação divina, para o autor, ela é uma proposta de vida, um alguém que está presente
em toda a vida e que preside à vida toda; que fala, estimula e argumenta.
A sabedoria é assim, porque é o reflexo da vontade e dos desígnios de Deus (9,13.17);
porque partilha da própria vida de Deus e está associada a todas as suas obras (8,3-4) e tem
a ver com o espírito de Deus (1,6; 7,7.22-23; 9,17); é ela que torna a religião judaica muito
superior às religiões idólatras (cap. 13-15). Numa palavra, a sabedoria é um outro modo da
revelação de Deus; isto é, o próprio Deus atua na História de Israel (cap. 11–12; 16–19) e no
mundo criado por meio da sua sabedoria. Ela prefigura o amor e a sabedoria de Deus que culmina
em Jesus Cristo, também chamado “Sabedoria de Deus” (ver 1 Cor 1,24.30).
Do ponto de vista doutrinário, Sb é de grande importância não só por apresentar tal
imagem da Sabedoria, mas também por desvendar um pouco a sorte póstuma do homem. A
concepção do Sheol (lugar subterrâneo, onde estariam, inconscientes, bons e maus depois da
morte) cede a noções mais próximas do Novo Testamento e mais exatas. Com efeito; segundo
Sb, o homem, criado por Deus com especial benevolência consta de corpo e alma.
A alma não é preexistente ao corpo, existe uma harmonia entre corpo e alma. Deus
fez o homem para a imortalidade, de acordo com a sua imagem, mas foi por inveja do diabo ou
tentador que a morte entrou no mundo. Acontece, porém, que as almas dos justos, depois de
vida reta levada na terra, gozam de plena felicidade ou do fruto de suas labutas. Assim o
problema do mal, tão tormentoso para Jó, Ecl, se resolve na teologia do AT; a prosperidade dos
maus e os sofrimentos dos bons já não são a última palavra de Deus; mas é após a vida
terrestre que se exerce plenamente a justiça de Deus, restabelecendo a reta ordem dos valores.
As perícopes de Sb 1,13-15 e 2,21-24 explicam Gn 1-3. A morte, mesmo aquela física,
não fazia parte do projeto divino de criação: Deus queria somente a vida e, para o homem, a
incorruptibilidade, a imortalidade. Foi o diabo, identificado com a serpente de Gn 3, que
introduziu no mundo a morte, como uma intrusa (2,24). Essa não é somente a morte física, mas
também aquela espiritual, porque distancia de Deus. Depois da morte física, haverá uma
averiguação conduzida por Deus sobre todo homem (1,9; 6,5-8). Todavia, o autor ignora a
distinção entre juízo súbito depois da morte e juízo final. No dia do juízo os ímpios se verão
acusados, até mesmo pela sua própria consciência (4,20; 5,3). Então a morte espiritual, que
tinham acolhido desde a terra (1,16), revelará toda a sua monstruosidade, maior que a
morte física (5,6-13). Também os justos padecerão da morte física, mas para permanecer junto
ao Senhor e receber, por graça, a coroa (5,4-5).
A natureza da Sabedoria é de tal pureza que penetra tudo em vista do bem (7,22-24). A
Sabedoria é efusiva, emanação, reflexo, o espelho, a imagem de Deus: tem origem desse
modo em Deus, do qual é inseparável (7,25-26). A sua ação é ao mesmo tempo de ordem
cósmica e de ordem moral, espiritual. Ela rege o Universo de modo benéfico, animando-o com a
sua presença e forma os santos (7,27–8,1).
O livro começa com a expressão “Palavras de Qohélet, filho de David, rei de Jerusa-
lém”, geralmente considerada como título da obra. Trata-se de um livro profundamente
crítico, lúcido e realista sobre a condição do povo na Palestina, por volta do século III a.C.
A Palestina era então colônia do império grego dos Ptolomeus, ao qual devia pagar
pesados tributos, que eram arrecadados pela família dos Tobíadas, que controlava o comércio, a
economia e a política interna. O autor escreveu durante esse tempo de exploração interna e
externa (250 a.C.), que não deixava esperanças de futuro melhor para o povo. Num mundo sem
horizontes, ele fez um balanço sobre a condição humana, buscando apaixonadamente uma
perspectiva de realização.
Quais os caminhos para realizar a vida e a felicidade? O autor desmonta as ilusões
que um determinado sistema de sociedade apresenta como ideal (riqueza, poder, ciência,
prazeres, status social, trabalho para enriquecer, etc.) e coloca uma pergunta fundamental: “Que
proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? (1,3)”.
Em vez de cair no desespero, o autor descobre duas grandes perspectivas: Primeiro,
descobre Deus como Senhor absoluto do mundo e da história, devolvendo a Deus a
realidade de ser Deus. Depois, descobre o Deus sempre presente, fazendo o dom concreto
da vida para o homem, a cada instante e continuamente. Isso leva o homem a descobrir que
a própria realização é viver intensamente o momento presente, percebendo-o como lugar de
relação com o Deus que dá a vida.
Intensamente vivido, o momento presente se torna experiência da eternidade,
saciando a sede que o homem tem da vida. O Eclesiastes é um convite para destruir e
construir. Destruir uma falsa concepção a respeito de Deus e da vida, muitas vezes justificada
por concepções teológicas profundamente arraigadas. Depois, construir uma nova concepção
de vida, que é dom gratuito de Deus, para que todos partilhem com justiça e fraternidade.
Só então todos poderão ter acesso à felicidade, que consiste em usufruir a vida presente que,
intensamente vivida, é a própria eternidade.
É muito difícil distinguir partes bem definidas neste livro. O pensamento vai e vem, se
repete e corrige. Trata-se mais de variações sobre um tema único: a vaidade das coisas
humanas, que é afirmada no começo (Ecl 1,2) e no fim do livro (Ecl 12,8). Ele parece ser o
discurso único de um sábio, reunindo ditos e provérbios, para fundamentar sua opinião e, ao
mesmo tempo, comentar o que observa da realidade. Entremeando provérbios e comentários,
ele vai costurando os mais diversos assuntos.
Podemos dividir assim o livro:
Prólogo (1,2-11): fala do retorno cíclico das coisas.
I. 1,12–2,26: O autor faz a sua autocrítica, constatando a inutilidade dos esforços do
homem para se libertar da condição humana. A conclusão a que chega é: “também isto é ilusão”
(2,26), princípio, aliás, solenemente afirmado logo em 1,2 e que dá o tom de fundo ao livro.
II. 3,1–6,12: demonstra o aspecto negativo e os limites de toda a realidade humana, ao
mesmo tempo que toma consciência de que tudo é dom de Deus.
III. 7,1–12,7: apresenta algumas reflexões sobre a sabedoria e a sua relação com a
justiça, a mulher, o exercício do poder, o problema da justiça e as anomalias do mundo.
Em forma tipicamente sapiencial de reflexão, de confissão, de máximas e de
considerações várias de matriz autobiográfico, o autor chama a atenção para a finalidade da
existência humana. Este não é pessimista, nem otimista, nem oportunista; mas sim realista,
lúcido, inconformista e franco, atento ao próprio ritmo da vida e consciente da radical
insuficiência do homem, face à realidade da morte, para resolver o mistério da existência.
Refletindo sobre a própria experiência o autor não orienta o seu pensamento segundo
um plano bem definido; vai seguindo a mesma dinâmica da vida, marcada por antinomias,
paradoxos, enigmas, dramas, repetições, correções, mistérios e por clareiras de felicidade. E
chega à célebre conclusão de que tudo é ilusão, isto é, inconsistente e incompreensível à razão
humana. Esta expressão aparece no princípio e no fim do livro (1,2 e 12,8), formando uma
inclusão literária, sinal da importância que o autor lhe quer conferir.
O livro é uma obra desconcertante, ao questionar valores que, na perspectiva da
sabedoria tradicional, gozavam de um estatuto especial. A morte é apresentada como o
absurdo de toda a existência, atingindo a todos igualmente (3,19-22).
Seguindo o exemplo de Jó, Eclesiastes também apresenta o problema da retribuição
do bem e do mal, contradizendo as posições tradicionais (8,9-15). No entanto, Eclesiastes é
um homem de fé. Perante situações absolutamente incompreensíveis para a razão humana,
reconhece que a Deus não se pode pedir contas (7,13); que o homem deve aceitar tanto as
provações como as alegrias (7,14) e que deve observar os mandamentos e temer a Deus.
Para Eclesiastes, a sabedoria vale mais do que a insensatez, mas apenas na ordem
prática, para um melhor adestramento nas tarefas da vida quotidiana. Cada homem e cada
mulher deve viver no temor de Deus, consciente de estar totalmente nas suas mãos. O temor
de Deus parece ser a atitude religiosa fundamental de Eclesiastes que, não rejeitando a prática
religiosa hebraica (4,17-5,6), não a considera uma garantia para a prosperidade e a felicidade.
Na linha do livro de Jó, Eclesiastes põe em causa as certezas da sabedoria tradicional,
mas ainda não tem soluções para as substituir. É uma obra de transição, situando-se na
encruzilhada do pensamento hebraico; e cria expectativa para uma nova luz que, sendo dom
de Deus, ilumina todo o homem que vem a este mundo (Jo 1,9).
É muito conhecida a primeira frase do livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, tudo
é vaidade!” (Ecl 1,2). Esta palavra ocorre 32 vezes neste livro, está em todos os capítulos,
exceto o capítulo 10. Talvez a palavra “vaidade” não seja a melhor tradução. No texto, mais de
uma vez, ela é explicada por “correr atrás do vento”. É possível que a palavra “ilusão” seja a
mais apropriada: “Ilusão das ilusões, tudo é ilusão!”
Pode-se dizer que o Qohelet, de certo modo, é pessimista. Mas por trás deste pessimismo,
nos aponta caminhos. A pergunta central do livro é: A vida humana tem sentido? O Qohelet
observa atentamente a realidade e nela percebe três valores indiscutíveis: a vida humana
tem suas limitações (Ecl 5,17-18; 6,12; 7,29); o pobre e o oprimido não têm vez (Ecl 4,1; 5,7;
9,14-16); o que Deus fez está feito (Ecl 3,14-15; 7,13) diante desses três valores, tudo é
relativizado: as gerações (Ecl 1,4), o poder (Ecl 2,9-11), a política (Ecl 4,13-16) o templo (Ecl
3,2-8), o trabalho (Ecl 6,7), o culto, a Lei (Ecl 4,17-5,6).
A felicidade é poder trabalhar e usufruir o produto do próprio trabalho (Ecl 2,24;
5,17-19). Aqui ecoa a pregação do III Isaías (cf. Is 65,21-22). A proposta básica do Qohelet é
o direito de todos à felicidade.
Mas o autor não deixa de apresentar os mecanismos que impedem essa felicidade.
Há, na sociedade, um mecanismo perverso que rouba do trabalhador os frutos do seu trabalho.
Esse mecanismo vem da exploração do poder econômico (Ecl 5,7), das estruturas injustas
(Ecl 3,16), da competição (Ecl 4,4).
Para superar, o autor propõe o trabalho de toda comunidade. Este trabalho solidário (Ecl
4,7-12) deve levar à partilha do produto entre todos (Ecl 11,1-2). O mutirão popular dá coragem
para enfrentar os problemas da vida (Ecl 4,7-12).
O livro discorre de falar da vaidade ou da deficiência dos bens. É um monologo, onde
o autor discute consigo mesmo a respeito da possibilidade de encontrar a felicidade no gozo
do prazer, no trabalho, no cultivo da sabedoria, nas riquezas, e verifica que em tudo existe
decepções para o homem; todos os bens se assemelham a vaidade; isto é, a sopro ou vento:
escapam quando alguém os quer segurar nas mãos.
O autor de Ecl. não tinha uma consciência de uma vida póstuma. Compartilhava a
ideia de que, após a morte, o ser humano entra em estado de torpor e se torna incapaz de receber
a retribuição de seus atos bons e maus; por conseguinte Deus exerce sua justiça aqui na terra
em todos os homens. Ora o autor de Ecl. tem um certo desânimo por ver que os ímpios são
sadios, ricos e os fiéis sofrem perseguições e miséria.
O título de Cântico dos Cânticos significa o mais belo dos cânticos ou o cântico maior
e coincide com as duas primeiras palavras do texto. Nessa espécie de introdução, muito sumária,
a autoria do livro é atribuída a Salomão, como acontece com os Provérbios e a Sabedoria.
Cântico dos Cânticos está na Bíblia. É Palavra de Deus! Esta é a nossa fé. Para os judeus,
este livro é tão importante que sua leitura oficial é feita no dia da Páscoa, a festa maior, a
principal do calendário litúrgico. Assim, através da celebração, o Cântico dos Cânticos é
associado à libertação de Deus no Êxodo.
Mas sempre houve problemas em relação a este livro, tanto entre judeus como entre
cristãos. A sua inclusão na Bíblia foi questionada mais de uma vez. De um lado, entusiasmo
que acolhe e aprecia; do outro lado, desconfiança que resiste e rejeita. Até hoje, essas mesmas
reações aparecem nos leitores e intérpretes do Cântico dos Cânticos.
A melhor tradução para o título seria “o cântico por excelência” ou “o mais belo
cântico”. Na verdade, o livro é uma coleção de cantos populares de amor, usados talvez em
festas de casamento, onde noivo e noiva eram chamados de reino e rainha.
O livro convida a descobrir e viver essa experiência, e com ela o cerne do grande
mistério: Deus se manifesta na pessoa de Jesus, como amor pelos homens (Jó 3,16). O
Cântico e o que ele descreve – o amor humano – podem e precisam ser lidos como parábola
incomparável que revela a paixão e ternura de Deus pela Humanidade.
Apesar do que dissemos acima, a leitura do Cântico dos Cânticos está sobretudo marcada,
desde sempre ou quase, por uma transposição de sentido que faz dele uma alegoria, em que o
amado é Deus ou o Messias, novo Salomão, e a amada é Israel ou a Igreja, como nova
comunidade de Israel. Deste modo, o Cântico dos Cânticos transformou-se no principal
veículo para exprimir uma antiga concepção bíblica da experiência religiosa, sobretudo
como uma relação amorosa com Deus.
Possivelmente, a grande dificuldade na leitura do Cântico residiu no desequilíbrio
instaurado por uma espécie de totalitarismo alegórico das interpretações.
A interpretação mais antiga, tanto na tradição judaica como cristã, é a de cunho
religioso. O Cântico dos Cânticos contém três temas de salvação: o tema do Gênesis do amor;
o tema do Êxodo e do Cativeiro. Mas não existe só a interpretação religiosa. Ao longo do tempo,
as interpretações orientavam-se basicamente em quatro direções diferentes:
a). Interpretação literal - Conforme a letra trata-se claramente de cânticos que
celebram o amor entre uma mulher e um homem. Proclama a legitimidade e exalta o valor
do amor humano. Não está preocupado com o casamento nem com a procriação. Por mais
profano que pareça este tema, tem a ver com Deus que imprimiu a sua “imagem e semelhança”
no casal e não nos indivíduos (Gn 1,27) e abençoou sua união afetuosa (Gn 2,23-24).
b). Interpretação cultural - O ambiente cultural circundante dos cananeus concebia a vida
sexual a imagem das relações míticas entre as divindades da fecundidade. Alguns estudiosos
acham que o Cântico dos Cânticos recebeu influência do culto de Ishtar e Tammuz do rito
de primavera da religião assírio-babilônica. Existem também semelhanças com a poesia
romântica do Egito antigo. De qualquer maneira, essas obras poéticas e românticas teriam
passado por um processo de revisão e depuração para serem usadas no culto a YHWH.
c). Interpretação histórica - Qualquer obra literária é produto de sua época. O Cântico dos
Cânticos, portanto, toma posição nos conflitos da época pós-exílica. Os personagens
representam o povo que ficou na terra, o pessoal que voltou da Babilônia, a monarquia, etc. Com
o livro de Rute e outros livros, reage contra a política oficial de Esdras e Neemias e faz uma
proposta de reconstrução a partir do clã e do campo.
d). A interpretação simbólica - O amor descrito no Cântico dos Cânticos seria o símbolo
de outras realidades. Como no profeta Oséias, simbolizaria o amor de YHWH como esposo de
seu povo eleito. Pode também simbolizar o primeiro casal no paraíso terrestre. Os cristãos veem
no Cântico dos Cânticos o símbolo da relação entre Cristo e sua Igreja. E alguns místicos o
consideram como o símbolo da relação entre o Cristo e a alma.
O Cântico dos Cânticos fala de Deus uma única vez para dizer que a “paixão humana”
é como “uma faísca de YHWH” (Ct 8,6), isto é, como um raio no meio da tempestade. Pelo
resto, só fala do amor humano e dele fala de maneira bem profana. Usa uma linguagem
fortemente erótica de grande beleza poética: descreve com arte o jogo do amor (Ct 4,9-15; 5,2-
8); com naturalidade, evoca a relação sexual (Ct 2,4); não fala da mulher como esposa ou mãe
mas simplesmente mulher enamorada que busca ansiosamente o seu amado até encontrá-
lo (Ct 3,1-4); descreve o corpo da mulher em todas as minúcias (Ct 4,1-7); descreve igualmente
a beleza do corpo do homem (Ct 5,10-16); fala do amor humano não enquanto fonte de procriação
mas só enquanto busca amorosa e entrega mútua. (Ct 2,16-;6,3).
O Cântico dos Cânticos sempre provocou e provoca polêmicas. O amor contido no
livro é um amor humano autêntico, radical e total, pessoal e encarnado, delicado e puro. É, antes
de tudo, ressaltada a paridade do homem e da mulher em dignidade de valor.
3.2 A retribuição
Há uma espécie de “dogma”, na sabedoria israelita, que afirma que a vida corre bem aos
bons e mal aos maus. Não acreditavam em outra vida, por isso acreditavam que Deus premia os
bons e castiga os maus, ainda nessa vida (Prov. 2, 21-22; 3,33).
Quem é reto a Deus (moral e religião) tem sua recompensa (riqueza, saúde), quem é
infiel tem seu castigo (pobreza, doença, maldição). O sucesso do ser humano depende de sua
fidelidade a Deus. Porém, essa teologia não responde ao sofrimento do justo e do inocente (cf.
Jó e Ecle), enfim ao próprio drama da vida humana.
Após o exílio constata-se uma aproximação entre os conceitos de sabedoria e Lei, talvez
em consequência da importância crescente que ambas adquiriram. Esta tendência nota-se,
sobretudo, no Sirácida (Eclo 24,32; 39,1), embora a sabedoria continue sendo misteriosa (Eclo
1,8s): “O princípio da sabedoria é temer o Senhor” (Eclo 19,20). O Eclo procura unir a
observância da lei com o ideal da disciplina do sábio. Para ele, quem obedece à Lei é homem
disciplinado e sábio. É ela que deve guiar a conduta humana. O temor a Deus é o princípio de
toda Sabedoria. A Sabedoria capacita o homem para a Obediência.
Nos livros mais recentes a sabedoria passa por uma formulação de conceito e é mais
diretamente relacionada com Deus. Ela torna-se um predicado divino (Jó 12,13). É
compreendida como um apelo divino ao homem, como um intermediário divino da revelação,
como a grande educadora das nações em geral e de Israel em particular, e até mesmo como o
princípio divino por ocasião da criação.
Esta teologização da sabedoria talvez tenha começado a partir das afirmações sobre
sua inacessibilidade: “Só Deus conhece o caminho de acesso, só ele sabe de sua morada” (Jó
28,23). Ele a comunicará àquele que a procurar (Pr 8,22-31; Sb 9,9). Citações que sugerem a
teoria que leva a considerar a sabedoria como pessoa, ou ao menos como personificação da
sabedoria para mostrar a proximidade do Criador junto a suas criaturas. Esta personificação
chegou ao cume na pessoa do Verbo. A sabedoria é neste sentido identificada com o espírito
de Deus (Sb 1,5; 9,17s). É mostrada salvando Noé, os patriarcas e o próprio povo de Israel (Sb
9,18–10,13; cf. Cl 1,6).
Neste sentido, a sabedoria é o modo como Javé quer acompanhar e aproximar-se do
homem (salvação). O mais importante é que a sabedoria não se volta para o homem como algo
que ensina, guia para a salvação, mas como uma pessoa que o admoesta, como um ‘Eu’. Assim,
a sabedoria, na verdade, seria a forma como Javé se torna presente e o modo como quer
ser visto pelo homem.
4 OS LIVROS POÉTICOS
4.1 Os Salmos
O nome atual do Livro dos Salmos, ou simplesmente Salmos, está diretamente ligado à
mais antiga designação utilizada para esta coleção de poemas ou cânticos religiosos. O nome
português deriva da palavra grega “Psalmoi”.
O livro dos Salmos, com cento cinquenta orações, é o coração do Antigo Testamento.
É a grande síntese que reúne todos os temas e estilos dessa parte da Bíblia. A palavra salmo
quer dizer oração cantada e acompanhada com instrumentos musicais. Assim, na oração e
no canto de Israel, podemos ver como a história, a profecia, a sabedoria e a lei penetram a vida
do povo e a transformaram em oração viva, marcada por todo tipo de situações pessoais e
coletivas. Temos nos salmos um exemplo de como as situações podem tornar-se oração.
Os salmos são também poesia, que é a forma mais apropriada para expressar os
sentimentos diante da realidade da vida. Esta é permeada pelo mistério de Deus, o aliado que se
compromete com o homem para com ele construir a história. Nelas descobrimos o Deus sempre
presente e disposto a se aliar, para caminhar conosco na luta pela construção do mundo novo.
Os salmos supõem o contexto maior de uma fé que nasce da história e constrói história.
Seu ponto de partida é o Deus libertador que ouve o clamor do povo e se torna presente,
dando eficácia à sua luta pela liberdade e vida (Ex 3,7-8). Por isso, os salmos são as orações
que manifestam a fé que os pobres e oprimidos têm no Deus aliado. São orações que nos
conscientizam e engajam na luta dentro dos conflitos, sem dar espaço para o pieguismo, o
individualismo ou a alienação.
Os salmos foram compostos e depois burilados para uso repetido. Não se esgotam
com a experiência do indivíduo que os criou, nem se restringem à história de um só povo. Pelo
contrário, estão sempre abertos para exprimir situações de outros povos e indivíduos, já que as
estruturas das situações se repetem.
O livro do Salmos é um dos mais citados pelos escritores do Novo Testamento. O
próprio Jesus rezava os salmos, e sua vida e ação trouxeram significado pleno para o sentido
que essas orações já possuíam a vida de Israel. Depois dele, os salmos se tornaram as orações do
novo povo de Deus, comprometido com Jesus Cristo para a transformação do mundo, em vista
da construção do Reino.
A tradição hebraica e cristã sempre atribuiu uma grande importância a Davi, como
estando na origem dos Salmos.
Na vida religiosa, os Salmos representavam um patrimônio muito utilizado e um elo
fundamental de transmissão da fé; alguns deles são, seguramente, dos textos mais repetidos de
toda a Bíblia.
Do judaísmo ao cristianismo, a vivência religiosa de grande parte da humanidade teve o
seu alimento e a sua expressão mais natural no texto dos Salmos. Se pensarmos que o modelo
básico e até um ou outro salmo podem ter vindo diretamente da cultura religiosa de Canaã
anterior aos hebreus, maior é o seu percurso e a sua representatividade. Cantar um salmo, hoje‚
é um ato de comunhão religiosa e humana que atravessa milênios de experiência.
O livro dos Salmos engloba, na atual Bíblia Hebraica, um conjunto de 150 cânticos de
que os Sl 1 e 2 constituem a abertura e o Sl 150 representa o encerramento. Mas, na história
antiga do texto bíblico, as numerações dos Salmos variaram bastante, sem que se modificasse
o seu conteúdo literário. Este conjunto de cânticos era dividido de maneiras diferentes, de tal
modo que resultava um número umas vezes inferior e outras superior ao de 150, que se tornou o
número canônico no texto hebraico.
Um resto desta antiga variedade na numeração dos Salmos é aquela que ficou na
tradução grega dos Setenta, de onde transitou para as traduções latinas dela dependentes e ainda
se encontra em antigas traduções portuguesas. Nestas, os Salmos que se encontram entre o 9 e
o 147 levam um número a menos. Esta segunda numeração é adotada pelas edições litúrgicas
e vai entre parênteses.
A numeração nas duas Bíblias é a seguinte:
O conteúdo e o contexto dos Salmos fazem com que todos tenham um aspecto
semelhante. São expressões de vivência religiosa e de oração. Mesmo assim, existem gêneros
literários que identificam todo um grupo de Salmos, com temas, processos, fórmulas e
estruturas semelhantes.
O mais normal é existir certa mistura de gêneros literários, de modo que cada salmo
pode partilhar elementos provenientes de vários gêneros. Podem-se destacar, no entanto, os
seguintes gêneros literários:
Salmos de louvor ou hinos – São hinos de louvor utilizados com muita frequência na
liturgia das festas, e dos quais se conhecem muitos outros exemplos dispersos pela Bíblia, tal
como o Magnificat e outros, no Novo Testamento. Veja-se Sl 8, 19, 29, 33, 100, 103, 104, 111,
113, 114, 117, 135, 136, 145, 146, 147, 148, 149, 150.
Semelhantes a estes são os ”Salmos da realeza de Javé”, que celebram a Deus como
rei: Sl 47, 93, 96, 97, 98, 99; e os “Cânticos de Sião”, que celebram Sião ou Jerusalém como
cidade de Deus: Sl 46, 48, 76, 84, 87, 122.
Salmos individuais de súplica, confiança ou ação de graças. São claramente os mais
numerosos de todos, o que revela bem a atenção à experiência e aos problemas pessoais da fé,
no âmbito da liturgia do povo bíblico. As três categorias traduzem um conteúdo específico: de
súplica: Sl 5, 6, 7, 13, 17, 22, 25, 26, 28, 31, 35, 36, 38, 39, 42, 43, 51, 54, 55, 56,57, 59, 61, 63,
64, 69, 70, 71, 86, 88, 102, 109, 120, 130, 140, 141, 142, 143; de confiança: Sl 3, 4, 11, 16, 23,
27, 62,121, 131; e de ação de graças: Sl 9, 10, 30, 32, 34, 40, 41, 92, 107, 116, 138. Deste
conjunto, os Salmos 6, 32, 38, 51,102, 130 e 143 costumam ser designados também como
“Salmos penitenciais”, dado o seu espírito e o uso litúrgico tradicional.
Salmos coletivos de súplica, confiança ou ação de graças. Partem de uma experiência
humana coletiva e exprimem a vivência comunitária que se realiza no culto. São claramente
menos numerosos do que os individuais. Exemplos de súplica: Sl 12, 44, 58, 60, 74, 79, 80, 82,
83, 85, 90, 94, 106, 108, 123, 126, 137; de confiança: 115, 125, 129; de ação de graças: 65, 66,
67, 68, 118, 124.
Salmos reais. Têm como tema a importante função exercida pelos reis dentro da
comunidade de Israel. Sendo embora um tema diferente do dos “Salmos da realeza de Javé”, têm
certamente algumas analogias com as esperanças messiânicas, porque estas voltam-se para
uma figura com alguns contornos de rei. Exemplos: Sl 2, 18, 20, 21, 45, 72,89, 101, 110, 132,
144.
Salmos didáticos. Tal é o título que se pode dar a um certo número de Salmos que ajudam
a refletir sobre temas, acontecimentos e valores importantes. Podem subdividir-se em: ”Salmos
sapienciais” ou de meditação: 1, 37, 49, 73, 91, 112, 119, 127, 128, 133, 139; ”Salmos
históricos”: 78, 105; ”Salmos de exortação profética”: 14, 50, 52, 53, 75, 81, 95; e ”Salmos
rituais”: 15, 24, 134.
5 NARRATIVA DIDÁTICA
5.1 Ester
O livro de Ester é uma apaixonada descrição das experiências dramáticas por que
passou a comunidade hebraica de Susa, quando esta cidade era capital do império persa. O
texto sugere que esses acontecimentos afetariam a vida de todos os judeus residentes dentro das
fronteiras daquele imenso império. Quer dizer que os episódios narrados atingiam todos os
judeus do mundo e as consequências diziam respeito à sua sobrevivência.
As figuras centrais são um judeu de nome babilónico Mardoqueu e uma sua parente
e protegida, chamada Ester. Mardoqueu surge como chefe da comunidade judaica; Ester é a
personagem decisiva no desenrolar dos acontecimentos. O livro descreve uma ameaça de
morte que se transformou numa afirmação de triunfo. Semelhante sucesso merece ser cele-
brado e recordado. E, de fato, o livro de Ester culmina numa festa anual, ainda hoje celebrada
entre os judeus: a festa de “Purim”, ou das “sortes” lançadas e transformadas.
que dependiam diretamente da Vulgata. No entanto, esta solução tornava mais difícil a leitura
dos suplementos, que não representavam uma sequência completa.
Os problemas quanto ao seu conteúdo vão desembocar na data de composição deste
livro. A opinião mais aceita é a de que o texto hebraico teria sido escrito durante o séc. III ou
II a.C. Nessa altura, o império persa já tinha terminado. Significaria isto que as situações
descritas se referiam ao tempo dos persas, mas os problemas e as preocupações reais que,
naquele momento, levavam a escrever este livro, podiam ser confrontações com outros inimigos.
De fato, no séc. III a.C. ou depois, os conflitos do judaísmo eram sobretudo com o helenismo. E,
se assim foi, o livro de Daniel e o de Judite dão testemunho de um recurso literário muito
semelhante: servir-se de uma história referente a épocas do passado para enfrentar e combater
dramas próprios do momento presente.
O Novo Testamento não deu muita importância a este livro, pois não se refere a ele.
O judaísmo, pelo contrário, sempre o valorizou bastante. A festa de Purim, aqui iniciada,
também não consta no calendário de Qumrân, nem o livro é referido na biblioteca da seita. Mas,
para o judaísmo, Ester foi sempre um dos mais importantes dos cinco “rolos” ou “livros”
cuja leitura ocorria regularmente em certas festas. O Cânon hebraico ou judeo-palestinense
inclui só o texto hebraico de Ester, classificando-o na categoria dos “Escritos” ou “Literatura”.
O Cânon grego ou judeo-alexandrino inclui também os suplementos gregos, considerando-os
igualmente canônicos, aparecendo Ester entre os livros históricos.
A divisão geral do livro é aquela que se nos apresenta através da narrativa em hebraico:
I. Ester torna-se rainha: 1–2,23;
II. Conspiração contra os judeus: 3,1–5,14;
III. Haman é condenado à morte: 6,1–7,10;
IV. Os hebreus vingam-se dos inimigos: 8–11.
5.1.3 Teologia
É, sobretudo, na teologia que se nota a diferença mais sensível entre o texto hebraico e os
textos em grego. No texto hebraico não existe sequer referência ao nome de Deus. Seja qual
for a razão que levou a uma narrativa de aspecto aparentemente laico, pressupõe-se que, por
detrás das vicissitudes da experiência histórica, existe uma outra instância da qual poderá vir a
resposta para os problemas, se os humanos não forem capazes de os resolver (ver 1,14). É uma
evidente referência a Deus, implícita, mas forte. Além disso, toda a narrativa se desenvolve
num ambiente e com uma ressonância sapiencial clara. Ora toda a sabedoria oriental, mesmo
quando expressa numa linguagem aparentemente profana, está imbuída de um profundo
humanismo religioso.
Uma das evidentes novidades do texto grego é a maneira como sublinha os vários
aspectos teológicos, em concreto a intervenção de Deus como providente condutor dos acon-
tecimentos históricos. À primeira vista, pareceria que foi esta a razão que levou aos acréscimos
gregos. Mas, fosse ou não essa a intenção principal, o fato é que o texto grego enquadra toda a
história no contexto de um sonho, que é contado no princípio e explicado no fim. Tudo o que
acontecera já tinha sido revelado a Mardoqueu por meio daquele sonho: estava previsto e
cumpriu-se tal qual.
O livro de Ester ensina alguns princípios fundamentais para nossa vida cristã. Nele
aprendemos que em determinados momentos o povo de Deus sofre intensas perseguições de
seus inimigos, porém Deus preserva o seu povo durante os períodos difíceis.
No livro de Ester também aprendemos que, como povo escolhido do Senhor, devemos
exaltá-lo por todas as suas maravilhas. Devemos permanecer fieis a Deus esperando sua
provisão a nosso favor, confiando que Ele derrotará definitivamente todos aqueles que se
levantam contra sua obra.
5.2 Judite
Este livro, cujo nome é o da sua figura principal, mostra-nos como Israel domina todas
as dificuldades quando obedece ao Senhor. As pessoas e os lugares nele descritos fazem crer
que o autor pretendeu dar-lhes nomes fictícios, embora não se saiba exatamente porquê. O
significado de alguns deles enquadra-se bem no próprio conteúdo do livro. O nome da heroína,
Judite, que lhe serve de título, simboliza “a judia”, expressão frágil e desamparada do próprio
Israel, sob a ameaça dos inimigos. O importante, contudo, é a lição que nos é dada pelo seu
cântico: só os que temem o Senhor podem ser grandes em todas as coisas.
5.2.1 Texto
Aquele que terá sido o texto original hebraico ou aramaico do Livro de Judite há
muito que desapareceu. O testemunho escrito que nos chegou era constituído por três recensões
gregas, uma versão siríaca, a antiga versão latina e a tradução latina feita por São Jerônimo. As
poucas recensões hebraicas que se conhecem são consideradas pouco fidedignas para nos derem
a conhecer o texto original, uma vez que se apresentam como elaborações livres feitas sobre o
mesmo texto.
Segundo Orígenes e São Jerônimo, este livro não era considerado canónico pelos judeus
da Palestina. Entretanto, foi traduzido pelo Targum, e o Talmude atribuiu-lhe um grau inferior
de inspiração. Contudo, no séc. I d.C. o livro fazia parte do cânone dos judeus de Alexandria.
Tudo isto contribuiu para o fato de alguns Padres da Igreja terem posto em causa, e mesmo ne-
gado, a sua inspiração.
5.2.3 Teologia
5.3 Rute
5.3.1 Divisão
A narração desenvolve-se numa harmonia notável de quatro cenas (1,7-22; 2,1-23; 3,1-
18; 4,1-12), precedidas de uma introdução (1,1-6) e seguidas de uma conclusão (4,13-17).
Mais do que no amor, o livro de Rute centra o seu enredo no motivo legal do levirato
e do resgate: quando um homem morre, sem deixar descendência, o irmão ou o parente mais
próximo deve receber a viúva e gerar filhos, que perpetuarão a memória do defunto; e deve ter
igual atenção em relação aos bens patrimoniais. Assim se cumpria a lealdade familiar no quadro
da legislação antiga (Dt 25,5-10). É esta lealdade que torna exemplar, mesmo admirável, o livro
de Rute.
As suas personagens têm nomes carregados de simbolismo: Elimélec = “o meu Deus
é rei”; Noemi = “minha doçura”; Mara = “amargurada”; Maalon = “enfermidade”; Quilion =
“fragilidade”; Orpa = “a que volta as costas”; Rute = “a amiga”. Estes nomes representam, no
cenário de uma sociedade agrícola, o drama do infortúnio e do luto, mas também a força
triunfante da solidariedade e da vida.
5.3.2 Teologia
Rute é uma história bíblica em que Deus se faz presente, não através de
acontecimentos extraordinários, mas no cumprimento das normas sociais mais comuns.
Este Deus discreto, quase silencioso, não é, porém, menos atuante e surpreendente na
manifestação da sua fidelidade.
Em linguagem aparentemente inofensiva, o livro parece conter um protesto muito hábil
contra o rigor exagerado da época de Esdras e Neemias, relativamente aos casamentos mistos
(Esd 9-10; Ne 13,1-3.23-27). Na história de Rute pode ver-se como o Deus de Israel, que
permitiu a uma moabita entrar na genealogia de David (e por isso mesmo, na do próprio
Jesus Cristo: Mt 1,5-17), não podia ser tão rigoroso que excluísse as estrangeiras do seu
povo.
5.4 Tobias
Escrito sob a forma de um romance de matriz sapiencial, este livro narra-nos a história
de Tobit, de Sara, mulher de seu filho Tobias, e das respectivas famílias. Apresentados como
israelitas piedosos, que sempre permaneceram fiéis ao Senhor seu Deus, mesmo no meio das
piores tribulações, constituem, por isso mesmo, um paradigma de comportamento nas
circunstâncias normais da vida. Dentro desta perspectiva, toda a trama se desenrola em torno
de questões práticas que vão sendo resolvidas sempre com uma fé inabalável em Deus e
dentro da fidelidade absoluta à sua vontade. Atribuindo-lhe uma linguagem dos nossos dias,
poderíamos dizer que se trata de um tema de amor. Amor de dois jovens esposos; amor das
diversas personagens dentro do quadro das respectivas famílias; amor dos fiéis pelo seu
Deus que, através dos séculos e do suceder-se aparentemente inocente dos acontecimentos,
guia o seu povo em direção ao cumprimento do seu destino de realização plena.
Depois do Exílio, enquanto uma parte do povo judeu se reuniu à volta de Jerusalém, um
grande número permaneceu na Babilônia e nos outros territórios em redor de Israel: no Egito, na
Assíria e nos territórios que atualmente constituem a zona norte do Irã.
Muito provavelmente, o livro de Tobit nasce dentro deste ambiente linguístico e
geográfico. Ao ser um texto narrativo de caráter “romanceado”, a atenção do leitor é levada a
centrar-se nas personagens, nas suas genealogias escrupulosamente israelitas e na forma fiel e
piedosa segundo a qual orientam as suas vidas. Estas caraterísticas, típicas dos intervenientes,
são ainda postas em relevo graças ao recurso sistemático a comparações, quer com os outros
membros do povo de Israel, quer com as personagens reais com as quais cada um deles se vai
relacionando.
Assim, o texto avança claramente em dois níveis paralelos e concêntricos de
desenvolvimento: por um lado, o nível da fidelidade e piedade de Tobit e dos seus familiares
diretos; por outro, a infidelidade do povo e a impiedade dos governantes. Todo o enredo, na
sua forma simplista, está impregnado de um inconfundível sabor sapiencial e de referências indis-
farçáveis, por exemplo, à História de José e à personagem de Jó.
Nesta simplicidade linear, o texto não é capaz de criar qualquer tensão dramática. Desde
o início, o leitor tem a sensação de já saber o que vem a seguir. Seguindo as regras típicas
deste gênero, o texto avança num crescendo de complicação com sucessivos momentos de
resolução, atingindo o clímax ou ponto de viragem quando ficam resolvidas as duas dificuldades
principais ligadas à questão da herança: o aspecto financeiro e a descendência, que se supõe
venha a seguir-se à conclusão feliz do casamento de Sara e Tobias.
Apesar disto, e na sua ingenuidade, o livro de Tobit respira um ambiente de fé
incondicional em Deus. Para além das tribulações e dificuldades sofridas, as personagens
centrais vivem com a certeza inabalável da presença de Deus, como condutor da História, e da
recompensa que hão de ter pela sua fidelidade.
O próprio nome de Tobit (abreviatura hebraica de “Tôbiyyâh”, que quer dizer “Deus é
bom”, ou “o meu bem está em Deus”) confirma a ação da divina Providência, que vela por
aqueles cuja fé é inabalável e os ajuda a vencer as provações, acabando por lhes dar uma
recompensa muito acima de toda a expectativa, como no caso do próprio Tobit.
CONCLUSÃO
A literatura sapiencial mostra Deus se manifesta na experiência que o ser humano faz no
tempo (Kairós). Deus se revela no nascimento, no plantar, no amar, no viver, nas coisas mais
simples da vida, não somente nos grandes acontecimentos.
Deus se revela também na morte, na crise existencial, na perda, no sofrimento, nas
contrariedades que a própria condição humana traz em si. O conceito de sabedoria emerge no
cotidiano da vida e Deus se mostra como um Deus misericordioso, providente e sábio.
BIBLIOGRAFIA
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São Leopoldo: Oikos, 2011.
STORNIOLO, Ivo. Como ler o Livro de Jó: o desafio da verdadeira religião. São Paulo:
Paulinas,
1992.
GRUPOS DE ESTUDO
Cada grupo estudará de modo comparado os textos indicados, tendo como material básico de
pesquisa as referências bibliográficas indicadas neste plano de ensino.
Cada grupo fará a sua pesquisa. Depois, se encontrará com o seu respectivo grupo para confrontar
o resultado do estudo. A apresentação será única dos dois grupos:
Grupo 1a
Ler os livros de Provérbios e Eclesiástico. Identificar os temas sapienciais. Interpretar, atualizar
e comparar: Pr 1,7 e Eclo 1,14; Pr 3,5-6 e Eclo 2,6-9; Pr 3,34 e Eclo 3,18; Pr 8,18-19 e Eclo 1,16-
17; Pr 8,22 e Eclo 1,14; Pr 17,3 e Eclo 2,5; Pr 17,5 e Eclo 4,1-6. Elaborar um trabalho
monográfico.
Grupo 1b
Ler os livros de Provérbios e Eclesiástico. Identificar os temas sapienciais. Interpretar, atualizar
e comparar: Pr 1,7 e Eclo 1,14; Pr 3,5-6 e Eclo 2,6-9; Pr 3,34 e Eclo 3,18; Pr 8,18-19 e Eclo 1,16-
17; Pr 8,22 e Eclo 1,14; Pr 17,3 e Eclo 2,5; Pr 17,5 e Eclo 4,1-6. Elaborar um trabalho
monográfico.
Grupo 2a
Comparar Eclo 44-50 e Sab 10-19 e descobrir em coincidem, complementam e divergem os
autores de ambas as obras em relação à função da Sabedoria na história. Identificar nos livros
sapienciais os elementos teológicos que identificam a sabedoria mais antiga (Prov 10-29), a crise
de sabedoria (Jó e Eclesiastes) e a última sabedoria (Eclesiástico, Prov 1-9;30-31, Sabedoria)
produzida em Israel. Elaborar um trabalho monográfico.
Grupo 2b