Escola de Direito
Maio de 2018
ÍNDICE
Abreviaturas 2
Introdução 3
CAPÍTULO I
1.4. A responsabilidade dos gerentes de direito que não o são de facto. A questão da
delegação de funções 11
CAPÍTULO II
Conclusões 17
Referências Bibliográficas 19
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ABREVIATURAS
CC Código Civil
CP Código Penal
CRP Constituição da República Portuguesa
CSC Código das Sociedades Comerciais
DL Decreto-Lei
LGT Lei Geral Tributária
Pág. Página
Págs. Páginas
RGIT Regime Geral das Infrações Tributárias
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INTRODUÇÃO
1
Daqui em diante, por economia discursiva, referir-nos-emos apenas aos gerentes.
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empresa, será suscetível de responsabilidade jurídico-penal. A circunstância de o gerente
não exercer efetivamente as suas funções não o exime dos deveres que derivam do cargo
que legalmente exerce2, no entanto, deve ser valorada ao nível da culpa.
Outra problemática que importa trazer à colação, e que tem sido deficientemente
abordada pelos tribunais, liga-se com o fenómeno da comparticipação nos crimes
tributários. A prática de crimes tributários em comparticipação é frequente (pode
verificar-se nos casos de gerência plural ou entre colaboradores da empresa), no entanto
os operadores judiciários contentam-se em apontar um gerente como responsável,
descorando a necessidade de investigar a participação de cada um dos membros do órgão
e de outros sujeitos que na empresa exercem funções relevantes no domínio tributário.
Por fim, será analisado o princípio da responsabilidade “cumulativa” (artigo 7.º,
n.º 3 do RGIT), de acordo com o qual, a responsabilidade criminal das pessoas coletivas
e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes.
Este princípio justifica-se pelo facto de, no domínio penal, a circunstância de a infração
ser cometida por conta de terceira pessoa, não ser uma causa de irresponsabilidade do
agente biológico que efetivamente atuou.
2
Como escreve Paulo Marques, in Infrações Tributárias – Volume I, Investigação Criminal. 1.ª Edição.
Lisboa: Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direção-Geral dos Impostos (Centro de
Formação), 2007 (pág. 80), “o gerente (...) ao figurar no contrato de sociedade e respetivo registo na
Conservatória do Registo Comercial, vincula-se perante terceiros, criando legítimas expetativas no Fisco,
nos fornecedores, clientes, trabalhadores e na Sociedade Civil em geral”.
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CAPÍTULO I
A RESPONSABILIDADE FUNCIONAL DOS GERENTES PELA
PRÁTICA DE CRIMES TRIBUTÁRIOS
Resumo: neste título vamos analisar a responsabilidade dos gerentes pelos crimes
praticados no exercício da atividade societária ou, utilizando a terminologia do legislador
no artigo 12.º do CP, dos titulares dos órgãos ou representantes, e no artigo 6.º do RGIT,
“do titular de um órgão, membro ou representante” de uma sociedade. Por meio da
utilização destes conceitos jurídicos, o poder normativo refere-se à punição de pessoas
biológicas que exercem funções societárias. Assim, será abordada a responsabilidade dos
gerentes pelos crimes tributários cometidos no exercício das suas funções de gerência das
sociedades, ou seja, na prossecução dos interesses que lhes cumpre realizar enquanto
gerentes. Ficam, portanto, excluídos os crimes que as mesmas pessoas físicas
eventualmente pratiquem a título estritamente pessoal e, por isso, alheios às suas funções
na sociedade que integram.
3
A fórmula utilizada pelo legislador no artigo 12.º do CP é repetida, quase na íntegra, no artigo 2.º do DL
n.º 28/84, de 20 de janeiro e no artigo 6.º do RGIT, pelo que a análise daquele preceito é também válida
para estas normas. As alíneas do artigo 12.º do CP fazem referência a elementos do tipo incriminador e este
pode, como condição necessária e suficiente para a imputação, exigir apenas a verificação de um deles, o
que resulta da conjugação alternativa “ou” que foi introduzida na reforma legislativa de 1995. Assim, a
diferença entre as disposições do CP e da legislação extravagante reside no facto de estas terem mantido a
redação originária do CP, não contendo, por isso, a conjugação alternativa “ou”.
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A fórmula utilizada pelo legislador português no artigo 12.º do CP ancorou-se no
§14 StGB, que se baseia no esquema da dissociação pessoal dos elementos do tipo, o qual
pressupõe que todos os elementos do tipo legal estejam repartidos entre dois agentes,
estando, desta forma, dissociados ao nível dos sujeitos. Havendo esta dissociação pessoal,
os elementos pessoais objetivos da autoria verificam-se em relação ao sujeito que não
atuou, mas não se verificam naquele que concretamente realizou a ação típica.
Importa agora analisar cada uma das alíneas do artigo 12.º, n.º 1 do CP, sendo que
a alínea a) se refere à exigência, pelo tipo de crime, de “determinados elementos pessoais
e estes só se verifiquem na pessoa do representado”. Nas Sessões da Comissão Revisora
do CP, Eduardo Correia referia que a regra da impunidade das pessoas coletivas não
impedia a punição dos titulares dos seus órgãos ou representantes quando estes
praticassem um ilícito penal. Porém, acrescentada que esta circunstância poderia trazer à
colação uma dificuldade: “é que certos tipos legais prevêem a punição de crimes
próprios, isto é, crimes que exigem a verificação de determinados elementos pessoais ou
uma atuação no interesse próprio. Ora, nestes casos, há que ressalvar a possibilidade de
tais condições se não darem na pessoa do representante (agente do crime) mas na do
representado – casos em que deve ainda, apesar desta falta, efetivar-se a punição
daqueles.”4
Em consonância com a interpretação de Eduardo Correia, encontra-se a de
Figueiredo Dias, o qual encara o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) do CP como um mecanismo
que opera a extensão da punibilidade quando certos tipos legais de crime supõe
determinados elementos pessoais e estes não se verificam em relação àqueles agentes que,
embora não sendo destinatários próprios ou possíveis na norma incriminadora, atuaram
no exercício das suas funções numa sociedade que reúne aqueles elementos.
O artigo 12.º, n.º 1, alínea b) do CP alarga o conceito de agente do crime àquele
que o pratica no interesse do representado, apesar de a norma incriminadora exigir que o
ato criminoso seja praticado em observância a um interesse próprio. Caso assim não fosse,
como aquela norma exige uma particular motivação como elemento do tipo, a conduta do
representante não seria sequer típica, já que não levava a cabo o ato criminoso no seu
próprio interesse, mas no interesse do representado. Para obviar a estas dificuldades, em
ordem à alínea b) do preceito ora em análise, do ponto de vista do conteúdo da ilicitude
4
Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal (págs. 110 e 111).
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da conduta, a ação do representante equivale à ação do representado, tal como descrita no
tipo incriminador.
A introdução deste preceito justifica-se por razões político-criminais e tem como
objetivo o suprimento de lacunas de punibilidade, possibilitando a incriminação pessoal
dos agentes que atuam em nome das pessoas coletivas, mas em relação aos quais não se
verificam as qualidades pessoais que o tipo exige, ou quando o crime tenha como
finalidade a realização de um interesse próprio e o agente prossiga, através do ato
criminoso, um interesse coletivo.
Após algumas considerações introdutórias acerca do artigo 12.º do CP, as quais
valem para as disposições correspondentes noutros diplomas legais, designadamente,
para os artigos 6.º do RGIT e 2.º do DL n.º 28/84, de 20 de janeiro, importará, neste
momento, clarificar o âmbito subjetivo destas disposições. Para se referir aos agentes
abrangidos pelo normativo legal, o legislador utiliza tanto a expressão “titular de um
órgão”5, “órgão”6, bem como “membro ou representante de uma pessoa coletiva”7,
abrangendo, assim, os titulares de quaisquer órgãos das pessoas coletivas e os membros
das associações de facto que exerçam funções correspondentes. Com estes conceitos, o
legislador pretende que sejam abrangidos pelo disposto no artigo 12.º do CP todos os
membros da sociedade ou da associação de facto que, em virtude da lei ou dos estatutos,
estejam habilitados a agir em nome do ente coletivo. Em regra, esses membros são os
administradores ou os gerentes, enquanto titulares do órgão de administração ou de
gerência.
Para além disto, o texto legal exige que o agente atue voluntariamente como titular
de um órgão, membro ou representante da pessoa coletiva, ou em representação de
outrem. Posto isto, para que seja pessoalmente responsável, não basta que o agente se
limite a invocar a qualidade de titular do órgão ou de representante da sociedade, sendo
necessário que exerça efetivamente as funções correspondentes, ou seja, que atue
funcionalmente na qualidade de titular do órgão ou em representação da sociedade.
Porém, para que haja lugar à sua responsabilização pessoal, não basta que o agente
atue como titular de um qualquer órgão da pessoa coletiva: tem que agir na qualidade de
titular do órgão que, em virtude da lei ou dos estatutos societários, tem a obrigação de
5
Artigos 12.º do CP e 6.º do RGIT.
6
Artigo 2.º do DL n.º 28/84, de 20 de janeiro.
7
Artigos 2.º do DL n.º 28/84, de 20 de janeiro e 6.º do RGIT.
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agir ou de se abster de agir e, na maior parte dos casos, esse órgão é a administração ou a
gerência.
Importa, por fim, fazer referência à característica da voluntariedade exigida pelo
CP, pelo RGIT e pelo DL 28/84, de 20 de janeiro, a qual permite concluir que todos estes
preceitos não pretendem introduzir uma responsabilidade funcional-objetiva. Assim, ao
exigir a voluntariedade nas atuações criminosas dos agentes societários, o legislador
exclui qualquer responsabilidade objetiva que pudesse decorrer da mera titularidade da
posição de titular de um órgão ou de representante da sociedade. Desta forma, apesar de
atuar no âmbito das suas funções societárias os gerentes responsabilizados nos termos
destas disposições legais respondem pelo seu facto e não pelo facto de outrem.
A vontade dos entes coletivos é gerada pelos respetivos órgãos nos termos
prescritos na lei ou nos estatutos da sociedade, sendo composta pela junção da vontade
individual dos respetivos titulares. Quando o órgão é de composição singular, a sua
vontade corresponde inteiramente à vontade do respetivo titular, porém, o mesmo não
acontece quando o órgão é colegial, domínio em que se levantam algumas questões que
abordaremos em seguida.
Atendendo ao disposto no CSC, mais concretamente nos seus artigos 72.º e 73.º,
os membros do órgão colegial respondem solidariamente para com a sociedade pelos
danos a esta causados pelos atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais
ou contratuais, salvo se os mesmos conseguirem provar que agiram sem culpa. Porém,
não são responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os gerentes que
nela não tenham participado ou tenham votado vencidos – cfr. o artigo 72.º, n.º 3 do CSC.
Caso o gerente não exerça o seu direito de oposição, responde solidariamente pelos atos
a que poderia ter-se oposto – cfr. o artigo 72.º, n.º 4 do CSC.
A questão que se coloca consiste em saber a limitação de responsabilidade
prevista no n.º 3 do artigo 72.º do CSC vale também no âmbito criminal. Assim, perante
uma deliberação de um órgão colegial que seja preparatória de um crime, respondem por
ele todos os membros do órgão ou existe a possibilidade de exclusão de responsabilidade
de algum deles?
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Para responder a esta questão, a doutrina italiana, pela mão de Domenico Rende,
sugeriu a introdução da figura do “crime colegial”. Isto porque, tanto o Código de
Comércio, como o Código Civil italianos configuravam uma solução idêntica à descrita
acima acerca do CSC português e, bem assim, não cuidavam da questão da
responsabilidade penal dos gerentes que participassem numa deliberação colegial que
fosse constitutiva de um crime.
Com isto, Rende entendia que os ilícitos criminais praticados pelos gerentes
reunidos num órgão colegial de uma sociedade correspondiam a uma categoria própria
de crimes, denominada de “crimes colegiais”. Estes crimes apenas poderiam ser
perpetrados, nas palavras do autor8, não por indivíduos que se organizam com o intuito
de se dedicar à delinquência, mas por sujeitos que, integrando um órgão de uma pessoa
coletiva, praticam delitos no âmbito do exercício das suas funções.
No entanto, a configuração proposta por Rende, que tinha como finalidade atenuar
os problemas de prova relativos aos crimes praticados no âmbito de órgãos de composição
plural, foi alvo de uma forte resistência ao nível da restante doutrina italiana, atento o
caráter pessoal da responsabilidade criminal, o qual implica que se apure a concreta
contribuição de cada um dos membros do órgão para a efetivação da conduta criminosa.
A solução adequada não é, portanto, esta. Nestes termos, a imputação de
responsabilidade criminal aos membros dos órgãos colegiais não se pode afastar da
solução quanto à responsabilidade civil prevista no CSC. Posto isto, como os membros
que não votaram não manifestaram uma intenção criminosa, apenas os que votaram
favoravelmente podem ser responsabilizados pelo ilícito. Do mesmo modo, aqueles que
tinham o direito de oposição mas não o exerceram também devem ser responsabilizados,
já que, desse modo, viabilizaram a adoção da deliberação criminosa. Relativamente à
abstenção, na medida em que esta também contribui para a formação daquela deliberação,
equivale à adesão voluntária ao sentido de voto maioritário, dando, portanto, lugar à
assunção de responsabilidades.
Posto isto, sendo o facto criminoso imputável a uma pluralidade de agentes9,
aplicam-se as regras relativas à comparticipação, de acordo com as quais, o facto
8
RENDE, Domenico. Disposizioni penale in materia di societá e di consorzi. 1.ª Edição. Bolonha:
Zanichelli, 1947 (págs. 466 e seguintes).
9
Os quais votaram favoravelmente, não exerceram o seu direito de oposição ou se abstiveram no momento
da discussão da deliberação.
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criminoso que eventualmente resulte de uma deliberação colegial, é imputado a cada um
dos membros do órgão na medida da sua participação e da sua culpa.
Porém, atendendo ao facto se ser difícil que a adoção de uma deliberação, no
âmbito de uma entidade empresarial, constitua um ato preparatório punível jurídico-
penalmente, a responsabilidade penal só se efetivará quando a execução da deliberação
exteriorize a prática de um ilícito criminal. Neste caso, haverá lugar à aplicação dos
institutos da instigação e da co-autoria, a qual se pode configurar como mediata ou
imediata.
Em jeito de conclusão, a proposta apresentada por Domenico Rende é de rejeitar
atento caráter pessoal da responsabilidade criminal, o qual implica que se apure a concreta
contribuição de cada um dos membros do órgão para a efetivação da conduta criminosa.
Posto isto, a imputação de responsabilidade criminal aos membros dos órgãos colegiais
não se pode afastar da solução quanto à responsabilidade civil prevista no CSC,
aplicando-se as regras relativas à comparticipação, de acordo com as quais, o facto
criminoso que eventualmente resulte de uma deliberação colegial, é imputado a cada um
dos membros do órgão na medida da sua participação e da sua culpa. Importa, porém, ter
sempre presente a ideia de que apenas haverá lugar a responsabilidade jurídico-penal
quando a execução da deliberação exteriorize a prática de um ilícito criminal.
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responsabilidade. Seria, assim, uma forma de favorecer o gerente que viciou o respetivo
ato que o legitimaria a atuar em nome da sociedade, com o intuito de praticar ilícitos
criminais e de se eximir ao Direito Penal.
Relativamente ao conceito de “gerente de facto”, a doutrina propõe uma conceção
restrita e outra ampla. Em termos restritos, só estaríamos perante um “gerente de facto”
se este fosse nomeado para o cargo através de um ato válido, mas ao qual faltaria a
observância de um qualquer requisito formal ou, em relação ao qual, se verificaria uma
situação suscetível de ditar a sua anulação. Considerando, agora, a conceção ampla de
“gerente de facto”, para efeitos de responsabilização criminal, não seria relevante a
perfeição, em termos formais, da relação entre o gerente e a sociedade. Pelo contrário, o
que pode justificar aquela responsabilização penal do agente é a sua capacidade para, no
âmbito da sociedade, lesar os bens jurídicos tutelados. Esta conceção vincula a condição
de sujeito ativo à disponibilidade que o agente tenha sobre o bem jurídico tutelado, uma
vez que o gerente que, formalmente careça dessa qualificação, é capaz de realizar uma
ação típica e, com ela, produzir a lesão ou o perigo de lesão do bem jurídico, nos mesmos
moldes em que o faria um sujeito cujo ato jurídico fonte dos respetivos poderes de
representação seja perfeito.
Em suma, a responsabilidade do n.º 2 dos artigos 12.º do CP, 6.º do RGIT e 2.º do
DL n.º 28/84, de 20 de janeiro aplica-se aos “gerentes de facto”, sendo eles aqueles que
mantêm uma relação de facto com o bem jurídico penalmente relevante, ou seja, que
exercem uma função real no âmbito societário suscetível de constituir a prática de um
crime, independentemente da validade, em termos formais, do vínculo jurídico para com
o ente coletivo.
1.4. A responsabilidade dos gerentes de direito que não o são de facto. A questão
da delegação de funções
Quando os titulares dos órgãos não exercem efetivamente as funções para que
foram designados e que lhes competem por força da lei ou dos estatutos da sociedade,
diz-se que são órgãos meramente de direito. Assim, uma questão que se levanta consiste
em saber se o gerente de direito que, embora tenha assumido o seu cargo e os deveres
correspondentes, pode ser criminalmente responsabilizado. Independentemente da
solução que venha a ser apontada, importa referir que o gerente, ao figurar no pacto social
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e no respetivo registo da sociedade junto da Conservatória de Registo Comercial, vincula-
se perante terceiros, criando-lhes legítimas expectativas.
Atentas as legítimas as expectativas que criaram nos terceiros que contactam com
a sociedade, os gerentes de direito que não exercem, de facto, as suas funções, não ficam
eximidos dos deveres que resultam do cargo que legalmente exercem, porém, esta
circunstância deve permitir valorações ao nível da culpa. Como a aceitação do cargo de
gerente implica a assunção de deveres legais e estatutários perante terceiros, o
incumprimento desses deveres é imputável, em termos objetivos, aos gerentes meramente
de direito. Contudo, deve ser valorada perante o caso concreto se a delegação de funções
exclui o dolo ou a culpa do delegante.
Os fenómenos de delegação de funções são cada vez mais frequentes nas empresas
modernas em que, tendo em conta o respetivo volume de trabalho, o funcionamento das
mesmas se baseia, necessariamente, na divisão de tarefas. Como não é possível que a
gerência assegure a prática de todos os atos que legalmente lhe estão atribuídos, é comum
a delegação de funções nos funcionários da empresa ou em terceiros prestadores de
serviços concretos. Posto isto, a delegação de funções que fazem parte do âmbito de
competência dos gerentes de direito apenas permite uma valoração da responsabilidade
do delegante em termos subjetivos. Assim, o delegante não responderá a título de dolo
direto se não quis o facto criminoso concretamente verificado, nem a título de dolo
eventual se não o admitiu como possível, tendo-se conformado com a sua ocorrência.
Relativamente à responsabilidade do delegado, esta não pode deixar de ocorrer.
Posto isto, ele é responsabilizado em concurso com o delegante, sendo que cada um
responde em função da sua culpa, de acordo com o artigo 29.º do CP.
Se o recurso a estes delegados reveste uma forma de organizar a divisão do
trabalho dentro da empresa, por vezes torna-se necessária, atenta a complexidade das
tarefas em causa, a intervenção de pessoas com conhecimentos em áreas específicas,
como sejam a da Contabilidade e a do Direito Fiscal. Nestes casos, considerando a
complexidade das matérias envolvidas, os gerentes de direito delegam as respetivas
tarefas em técnicos dotados de conhecimentos específicos, de forma a minimizar o risco
de erro e, consequentemente, o risco de responsabilização, eventualmente criminal. Posto
isto, apesar de as declarações fiscais serem subscritas pelo gerente, se este delegou,
imagine-se, a organização dos registos contabilísticos no Técnico Oficial de Contas, não
pode ser responsabilizado porque não age sob qualquer forma de dolo. Isto pressupondo
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que o gerente forneceu ao técnico todos os elementos necessários para o cumprimento
dos respetivos deveres em conformidade com a lei.
Ora, exigir que o gerente controlasse a atuação do técnico, equivaleria a exigir que
tivesse o domínio da área científica que o técnico domina. Porém, o técnico atua fora do
poder de controlo do gerente, pelo que este não pode ser alvo de responsabilidade; pelo
contrário, o técnico, atuando em desconformidade com a lei, é responsável por atuação
em nome de outrem, já que interveio no facto em representação do gerente.
Em suma, por razões que se ligam com a proteção das legítimas expetativas de
terceiros, os gerentes de direito não podem deixar de ser responsabilizados se, em virtude
da delegação de funções, resultar a prática de um crime. Porém, também o delegado não
pode deixar de ser alvo de censura, sendo a responsabilidade de ambos valorada ao nível
da respetiva culpa. Quando se exigem especiais conhecimentos técnicos para a prática de
uma dada função, como o gerente de direito não os domina nem os pode dominar, apenas
há lugar a responsabilidade do técnico, caso da sua atuação resulte a prática de um crime.
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CAPÍTULO II
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Importa referir que o legislador, nas disposições em que consagra a
responsabilidade ora em análise, não estabelece que a ela seja sempre “cumulativa”,
limitando-se a ressalvá-la10. Posto isto, em certos casos é certo que possa existir
responsabilidade concorrente, mas também pode haver lugar à responsabilidade apenas
da pessoa singular e não do ente coletivo. Do mesmo modo, por vezes apenas se justifica
a responsabilização da sociedade, sendo o que acontece quando a deliberação social
resulta de um órgão plural, em que algum dos seus membros atuou sem culpa.
10
Aspeto este que justifica a utilização de aspas quando se faz referência a este tipo de responsabilidade.
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uma dupla culpabilidade. A vontade da sociedade não se confunde com a vontade dos
seus representantes, sendo esta um elemento indispensável para a formação daquela.
Contudo, em termos de grau de censurabilidade, a vontade do gerente é até mais
censurável do que a vontade do ente coletivo, uma vez que contribui para a imputação de
uma vontade censurável a um terceiro, neste caso, à sociedade. Além disto, o agente está
incumbido de agir como um gerente diligente e criterioso, violando também esta
incumbência ao contribuir para a formação de uma vontade viciada.
Por fim, a doutrina costuma apontar a consagração deste tipo de responsabilidade
como eficaz para garantir a prevenção da criminalidade, já que a não exclusão de
nenhuma das responsabilidades contribui para desincentivar a prática de crimes.
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CONCLUSÕES
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não sendo afastada mesmo nos casos em que o ato fonte dos respetivos poderes de
representação é ineficaz. No mesmo sentido, não é causa de exclusão de responsabilidade
o exercício de funções meramente de direito, exceto nos casos em que aquelas envolvam
a aplicação de especiais conhecimentos técnicos.
A consagração da responsabilidade dos gerentes permite, assim, dissuadi-los da
prática de crimes no âmbito da sociedade, já que os mesmos têm a garantia de que a
responsabilidade penal não vai recair apenas sobre ela, funcionando como uma espécie
de “escudo”, mas vai implicar a responsabilidade individual das pessoas biológicas que
atuam em nome do ente coletivo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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