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Mapas, Cartogramas e Genealogias

Ana Margarida Santos Pereira (Genealogias e Mapas)


José Ferrão Afonso (Cartograma do Porto)
José Luiz Mota Menezes (Cartogramas de Olinda, Recife e Salvador)
Lodewijk A. H. Christiaan Hulsman (Planta de Amsterdã)
Luciano de Paula Almeida (Ilustração)
Victor Bertochi Ferreira (Tabelas, Histogramas e Revisão dos Cartogramas)

Ilustração da Capa
6B Estúdio

Caligrafia
Andréa Branco

Revisão de Texto
Karine Fajardo
Vitoria Davies

Tratamento de Imagens
Daniel Silvany Tavares

CTP, Impressão e Acabamento


Pancrom Indústria Gráfica

Arquivo ePub
Simplíssimo Livros

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Strum, Daniel
O comércio do açúcar : Brasil, Portugal e Países Baixos (1595-1630) / Daniel Strum. – Rio de Janeiro; Versal : São Paulo :
Odebrecht, 2012.

il.
Vencedor do Prêmio Odebrecht de Pesquisa Histórica – Clarival do Prado Valladares
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-89309-46-2

1. Açúcar – Comércio – História. 2. Brasil – História 3. Portugal – História 4. Países Baixos – História. I. Odebrecht S.A. II. Título.

29.08.12 10.09.12 038611 12-6220. CDD: 981.03


Vista do Engenho Real no Brasil (detalhe), Frans Post (ca. 1650-1655).
Stuart B. Schwartz

O açúcar criou o Brasil e deixou marcas que perduraram mesmo depois que o produto perdeu uma
posição de proeminência na sua economia. Foi o açúcar o agente principal na transformação do
relacionamento dos europeus com os povos indígenas, com a passagem do sistema de escambo para
o de escravidão. Foi o açúcar que engendrou o tráfico de escravos africanos e todo o impacto
demográfico, cultural e social que isso implicou. Foi ainda o açúcar que acabou atraindo os
holandeses, rivais de Portugal, que dominaram Pernambuco e o Nordeste durante algumas décadas
do século XVII. Entretanto, foi também esse produto que incitou o levante da colônia contra a
ocupação holandesa, pagou pela guerra que expulsou os invasores e depois financiou a luta pela
independência de Portugal frente aos Habsburgos espanhóis. "Sem Angola não há escravos, sem
escravos não há açúcar, sem açúcar não há Brasil" era uma expressão comumente repetida, em suas
muitas variações, no Atlântico Português.

A historiografia moderna há muito reconheceu a importância do açúcar no desenvolvimento do


Brasil. Estudos importantes foram realizados acerca das economias açucareiras de Pernambuco, da
Bahia e do Rio de Janeiro, das estruturas tecnológicas e socioeconômicas dos engenhos, do papel dos
lavradores de cana e dos mecanismos da escravidão, além da vida, do trabalho e da resistência dos
escravos. Ainda que haja toda uma outra historiografia bem desenvolvida sobre o tráfico de escravos
e suas implicações, o comércio de açúcar, que foi igualmente importante, nunca recebeu a devida
atenção.

Todavia, foi nos cais dos portos europeus que o sucesso desse produto e da colônia brasileira se
deci​diu. E aí está o motivo para a lacuna nos estudos sobre o tema: a natureza multinacional do
comércio, que envolvia não apenas Brasil e Portugal, mas também Londres, Amsterdã, Antuérpia e
Hamburgo. Era um comércio verdadeiramente multidimensional, que cruzava fronteiras nacionais e
imperiais e unia circuitos mercantis que incluíam católicos, protestantes e judeus. Entendê-lo e
analisá-lo são tarefas que vêm desafiando a competência linguística e a habilidade para decifrar
arquivos de muitos pesquisadores. Ainda que vários estudos pioneiros tenham sido publicados até a
década de 1980, como os de Frédéric Mauro, Hermann Kellenbenz e Vitorino Magalhães Godinho,
que lidavam basicamente com o volume do comércio de açúcar, sua rentabilidade e as mudanças
pelas quais passava o mercado, foi nas duas últimas décadas que importantes artigos e monografias
começaram a nos dar uma base sólida para o entendimento da estrutura desse comércio, como era
organizado e financiado, que papel desempenhavam os estados nacionais, quais eram seus principais
agentes e que objetivos sociais e políticos tinham esses agentes.
Na história do nascimento da economia açucareira, os anos cruciais foram aqueles do final do século
XVI e início do século XVII, quando o número de engenhos disparou de sessenta no ano de 1570 para
350 em 1630. Portugal não tinha uma frota grande o suficiente para lidar com esse volume crescente,
e começou a depender das embarcações dos Países Baixos, com os quais vinha mantendo relações
comerciais desde a Idade Média. Em 1612, a produção anual de quase 700.000 arrobas era
transportada por uma frota que variava entre 150 e 200 navios. Essa expansão começou a se
transformar em um problema em 1580, quando uma crise na sucessão dinástica levou Filipe II da
Espanha ao trono de Portugal. Com o poder nas mãos de uma nova dinastia, a venda do açúcar
brasileiro ficou sujeita às decisões políticas tomadas pelos reis Habsburgos e ameaçada pelos
inimigos de seu império, principalmente pelos rivais ingleses e oponentes holandeses, esses ainda
lutando para se livrar do domínio Habsburgo. Os ataques holandeses à Bahia, em 1624, e a ocupação
de Pernambuco, depois de 1630, acabaram por ser um resultado direto dessas políticas.

Na década de 1980, quando eu estava escrevendo Segredos internos: engenhos e escravos na


sociedade colonial {*}, que é um estudo abrangente sobre a economia açucareira no Brasil,
considerei incluir um capítulo sobre o comércio do açúcar. Acabei optando por não fazê-lo, uma vez
que a documentação era tão abundante e os temas – economia, política, religião, sociedade – tão
complexos que escrevê-lo significaria perder completamente o foco do meu objetivo principal.
Mesmo assim eu sabia que essa era uma parte essencial da história do Brasil, e que merecia uma
atenção especial. Nos últimos trinta anos, muitos estudiosos começaram a escrever essa história. Boa
parte desse trabalho encontra-se incorporado neste livro.

Daniel Strum se junta agora a essa nova onda de pesquisadores, trazendo para os leitores brasileiros
uma descrição minuciosamente pesquisada e uma análise cuidadosamente construída do comércio do
açúcar no início da colonização do Brasil, chamando a atenção para suas dimensões sociais,
econômicas, políticas e religiosas. Sua tese sobre o envolvimento dos novos cristãos e judeu-
portugueses no comércio de açúcar, escrita na Universidade Hebraica de Jerusalém, preparou-o bem
para tratar deste tópico mais amplo. O domínio de diferentes línguas, seu trabalho com arquivos
portugueses, holandeses, ingleses e espanhóis, o alcance de sua erudição e sua habilidade em
sintetizar uma ampla gama de fontes fazem deste livro um ponto de partida imprescindível para o
entendimento da atividade que possibilitou o crescimento do Brasil em um período em que se
transformou no líder mundial na produção de açúcar, bem como na primeira grande colônia de
exploração agrícola. Este livro não é só um estudo sobre o comércio do açúcar, mas, também, uma
excelente introdução à história do Mundo Atlântico e a uma parte essencial da​ história econômica
global e ao papel que o Brasil desempenhou dentro dela.

Stuart B. Schwartz, Ph.D


Professor de História na Universidade de Yale, especialista em estudos da América Latina Colonial.
Casa de purgar do Engenho Jundiá: construção do século XIX, em Vicência (PE).
Daniel Strum

Os dois touros, tapeçaria de François Desportes (1661-1743), a partir de cena brasileira retratada por Albert Eckhout, membro
da Missão Holandesa no Brasil.

Nos séculos XVI e XVII, a produção do açúcar transformou o espaço brasileiro de modo dramático e
indelével. Seu plantio e sua fabricação exigiram extensos campos férteis, muita lenha, proteção contra
ataques de nativos e estrangeiros, numerosa mão de obra e vultosos capitais. Em consequência, o
açúcar fez desaparecer boa parte dos indígenas e grandes extensões de Mata Atlântica nas áreas
colonizadas. Acarretou a transferência maciça de escravos africanos para servirem na sua produção,
ao lado ou em lugar dos nativos cativos ou constrangidos a trabalhar para os portugueses. Imigrantes
europeus foram atraídos, incentivados e mesmo forçados a tentar a sorte na colônia, com maior ou
menor sucesso. Capitais de diferentes origens concorreram para esse processo, que fez emergir uma
sociedade colonial e escravocrata na América Portuguesa.
Carta do litoral do nordeste brasileiro, da capitania do Rio Grande à de Sergipe, realizada pelo cartógrafo neerlandês Joan
Blaeu, em 1647, com o título "A parte do Brasil que cabia aos belgas [neerlandeses]".

Se a produção do açúcar transformou o território, ela foi, por sua vez, impulsionada por sua ampla e
extremamente bem-sucedida comercialização. No final dos anos 1500 e início dos 1600, o Brasil
sobressaiu como o principal centro produtor de açúcar. O açúcar produzido no seu litoral era
geralmente canalizado por Portugal, no sudoeste da Europa, e distribuído, em grande medida, nos
Países Baixos, na margem nordeste do Atlântico, onde, muitas vezes, era refinado antes de ser
reexportado para seus mercados finais. Portanto, o comércio açucareiro abarcava toda uma cadeia
atlântica [nota 1], se não global, já que, embora fossem mercados reconhecidamente menores, frutas
em conserva e marmeladas fabricadas no Brasil subiam a ​bacia do Rio da Prata, cruzavam os Andes e
chegavam até o litoral do Pacífico, no Chile [nota 2], enquanto confeitos atravessavam o Atlântico e o
Índico para irem de Lisboa à Índia. [nota 3]

Ao integrar o centro produtor emergente aos centros consumidores ávidos pela commodity, o
comércio deu azo a uma transformação nos padrões do consumo do produto e nos hábitos sociais
que o doce ​ensejava. Contribuiu significativamente para a vitalidade da economia brasileira,
portuguesa e neerlandesa, apesar de padecer com tantos perigos e incertezas, que, à primeira vista,
pode parecer a um ​o bservador do século XXI ter sido uma atividade destinada apenas a aventureiros
e desbravadores. Essas dificuldades, contudo, eram contornadas, na medida do possível, por meio de
diferentes técnicas, convenções, organizações e instituições – mercantis, legais e sociais –, algumas
recém-emergidas. Este livro pretende dar ao leitor uma visão panorâmica do funcionamento do
comércio do açúcar entre Amsterdã, o Porto, Pernambuco e Bahia na sua época áurea, entre 1595 e
1630. Procura contextualizá-lo em seu período, expor seu funcionamento e explorar os desafios e
riscos que enfrentava, bem como os meios usados para mitigá-los.

O Boom
O boom do açúcar brasileiro iniciou-se em meados do século XVI, portanto, algumas décadas antes
do período aqui coberto (1595-1630). Todavia, foi ao longo desse lapso que o Brasil se tornou o
principal fornecedor do artigo ao mercado europeu. [nota 4] Também foi nessa época que o açúcar
brasileiro, se não desbancou, ao menos sombreou os produtos exóticos do Oriente – especiarias,
panos, louças, mobiliário etc. – como principal vetor da economia portuguesa em geral e, em
particular, do norte do Reino, onde seria vital. O Brasil ia tornando-se a principal possessão da
Coroa portuguesa. [nota 5]

A produção sacarina na colônia sul-americana havia sido experimental até meados do século XVI. A
partir de então, cresceu extraordinariamente, em boa medida graças aos esforços da Coroa. O
número de engenhos aumentou quase sem parar até o fim do período aqui tratado, e o Brasil veio a
satisfazer o que parecia ser uma inesgotável demanda europeia por doces. Produzia uma qualidade
um tanto inferior à de alguns competidores, particularmente a Ilha da Madeira, mas a custo baixo,
fruto das condições geográficas apropriadas.

É certo que, na década de 1610, a lucratividade da produção de açúcar dava sinais de contração em
decorrência do aumento de custos engendrado pelo uso intensivo da mão de obra africana, mais cara,
e pela ocupação e o desgaste dos solos nas regiões com mais fácil acesso aos principais portos, o que
impunha a escolha entre uma produtividade menor e maiores custos de transporte. Os senhores de
engenho mostram maior dificuldade em saldar seus débitos e procuram eximir-se da execução de
dívidas. A partir de 1618, a crise econômica europeia reduz a procura pelo açúcar e, na década
seguinte, o recrudescimento do acosso à navegação portuguesa e a tomada de Salvador pelos
neerlandeses (1624-1625) vêm dificultar seu escoamento. Ainda assim, o quadro geral da produção
açucareira no Brasil manteve-se positivo durante o período.
Engenho de açúcar no Brasil, Frans Post (1640).

Ao longo dos anos aqui explorados, Amsterdã passou de praça mercantil mediana a principal
entreposto mercantil e financeiro da Europa, ainda que ocasionalmente eclipsado por Hamburgo,
Londres e outros centros. Parte significativa da primeira etapa da expansão econômica das Províncias
Unidas dos Países Baixos (atual Reino dos Países Baixos, a que popularmente chamamos Holanda,
sua principal província) rumo à primazia no comércio mundial situa-se nesse período – ao menos até
os anos 1618-1621, quando o recrudescimento dos conflitos europeus lesaria o comércio e a
navegação neerlandeses. [nota 6]

É certo que o açúcar não teve um papel vital na economia da República Neerlandesa como no Brasil e
em Portugal, não obstante o produto lhe brindava pujança e prosperidade. A importância do açúcar
para a economia neerlandesa – e ibérica – mostra-se mais claramente na mobilização de esforços e
capitais para a conquista das áreas de produção, com intuito de apropriar os ganhos de toda a cadeia e
retirá-los da Casa de Habsburgo, sua inimiga, à qual Portugal esteve dinasticamente unida de 1580 a
1640.

No decorrer desse período, o uso do açúcar no Ocidente foi-se modificando. [nota 7] ​De condimento
caro e elemento de decorações suntuosas em exibições de fausto e glória, foi se tornando ingrediente
cada vez mais corriqueiro na culinária das camadas médias, e mesmo populares. Doces, geleias,
compotas, frutas cristalizadas, bolos etc. foram alcançando estratos cada vez mais humildes, em
quantidades crescentes e a preços decrescentes.
Essa maior acessibilidade fez com que o doce migrasse, progressivamente, dos pratos de carne,
peixe e legumes, para os de frutas, farinha, leite e ovos. As velhas advertências para a sensação de
saciedade provocada pelo doce ganharam força, e ele foi se transferindo para o final das refeições e
para as refeições mais leves. Na medicina e na farmacologia, além de princípio ativo, passou a
prestar-se também como veículo de outros elementos, enquanto despontavam as primeiras críticas ao
seu consumo exagerado, fundadas em uma nova visão da fisiologia e da química.

A produção e comercialização de confeitos e doces finos criaram todo um novo estatuto profissional,
o dos confeiteiros. E o refino de açúcar consolidou o dos refinadores. Ambos pertenceriam ao
estrato médio-alto e masculino da população urbana. Entrementes, a doçaria mais popular ajudava a
complementar e mesmo sustentar cada vez mais famílias menos afortunadas e permitia-lhes também
consumir parte da plêiade de artigos que o avultante comércio internacional ofertava. Nela,
predominariam as mulheres. Com o incremento da produção e do consumo do açúcar, crescia a
importância econômica e social dessas atividades.

O doce configurava-se em um mimo, um regalo, e, como tal, teve grande papel nas ações de
fortalecimento das relações interpessoais e familiares e também nas de subordinação e clientela,
como aquelas entre senhores e escravos, nobres e servos, patrões e empregados, poderosos e
dependentes. Dava ensejo a novos espaços de sociabilização, integrava-se aos antigos e associava-se
a múltiplos rituais, públicos e reservados, das mais diversas instituições laicas e religiosas, e certas
guloseimas se atrelaram a determinadas datas dos calendários sacros e seculares.
Mesa com doces, Tomás Hiepes (1624).
As naturezas-mortas com doces foram um tema comum na arte europeia dos séculos XVI e XVII. A composição pictórica aqui
apresentada é, no entanto, bastante rara pela presença da cana-de-açúcar.

Todos esses processos foram, no entanto, lentos, irregulares e geograficamente heterogêneos.


Haviam se iniciado antes do período tratado e só se completariam bem depois dele. Não obstante, são
claras as modificações neles decorridas, bem como o impacto desses novos hábitos nas práticas
sociais.

A economia do Brasil do final do século XVI e início do XVII girava em torno do negócio do açúcar
– o cultivo da cana, sua produção e comércio. O Brasil exportava também confeitos, conservas,
compotas e marmeladas preparadas com açúcar e melaço – baratos e fartos – e com frutas tropicais e
temperadas aclimatadas. A cachaça ainda era produzida em quantidades relativamente pequenas. [nota
8] O segundo principal produto de exportação do Brasil para a Europa era o pau-brasil. No entanto,
sua exportação era monopólio régio, usualmente arrendado a consórcios de ​homens de negócio [nota
9]. O tabaco, que ainda tinha expressão limitada, cresceria a passos firmes até eclipsar o pau-
brasil [nota 10]. Ademais, a colônia exportava algodão [nota 11], gengibre [nota 12] (com o qual
também se faziam conservas), couros [nota 13] e uma série de produtos silvestres, como plantas
medicinais, animais tropicais, peles e plumas. [nota 14] Contudo, o volume das exportações desses
outros produtos era relativamente pequeno.

Publicado em 1624, nos Países Baixos, o Livro de viagem ao reino brasileiro... apresenta a estampa "Pernambuco", na qual
estão representadas a preparação da mandioca e do açúcar nos engenhos.

O comércio não apenas dava saída ao açúcar e propiciava ganhos com sua venda, mas também
proporcionava à diminuta população europeia ​(e europeizada) da colônia acesso a uma série de
artigos produzidos fora. O principal produto importado – ao menos em termos de volume, e com a
possível exceção dos escravos africanos, dos quais não tratamos aqui – era o vinho. Alguns vinhos
tinham origem em Portugal [nota 15], mas a maioria era das Ilhas Atlânticas, da Madeira e,
sobretudo, das Canárias. Suas propriedades licorosas adaptavam-se melhor às viagens para além do
Equador, e a maior parte das viagens ao Brasil incluía uma escala nas ilhas, como veremos em
breve. [nota 16]
O catavento que identificava a célebre casa de correção de Amsterdã, fundada em 1596, conhecida como Casa de Raspar
(Rasphuis).
A serragem e a raspagem de madeiras para delas extrair-se tintura estavam entre os trabalhos executados pelos internos, e o
pau-brasil, entre as madeira sutilizadas para esse fim.

O tabaco esculpido na tabuleta de pedra despontava como importante produto de exportação do Brasil Colônia.

Outro produto importante era o azeite, em geral produzido no Reino. Os cereais, o item importado
por Portugal em maior volume, tinham menos saída no Brasil, onde a dieta se baseava na mandioca.
Os custos de frete tornavam os grãos caros demais para que funcionassem como alimento básico, o
que não significa que não fossem importados e consumidos em menor escala e, particularmente,
pelos estratos médios e altos da sociedade. ​Boa parte do trigo vinha dos Açores. O consumo de
cereais importados, assim como do vinho, devia-se a questões culturais e religiosas. Com mais razão
ainda, pode-se atribuir à tradição culinária a importação do bacalhau, pescado junto à distante Terra
Nova (no atual Canadá) e, por vezes, trazido diretamente para o Brasil [nota 17], já que a população
luso-brasileira vivia quase toda na costa ou à beira dos rios, fartos em peixes. De resto, em maior ou
menor proporção, o Brasil demandava do Velho Mundo os mesmos produtos que Portugal, com a
exceção da madeira, copiosa em suas florestas tropicais.

Interior doméstico com duas mulheres junto a um armário de linho, Hooch (1663).
Os têxteis de linho e lã eram os principais produtos da República Neerlandesa exportados para Portugal, as Ilhas Atlânticas
e o Brasil.

A economia neerlandesa, em geral, e a de Amsterdã, em particular, estavam em franco crescimento, e


o comércio do açúcar veio agregar-lhes ainda mais dinamismo. [nota 18] A importação, a
reexportação e o refino do ​produto repercutiam em vários setores. { A } O número de refinarias e
refinadores aumentou vertiginosamente. [nota 19] Além das refinarias de açúcar, as manufaturas
neerlandesas de tecidos de linho e lã também saíam fortalecidas com as exportações para o Brasil e
Portugal em troca do artigo doce. Importava-se açúcar também contra a revenda de produtos trazidos
do Báltico e da Escandinávia, tais como cereais, madeira, cobre, breu, chumbo e cordoaria. Navios
neerlandeses levavam bacalhau e outros peixes salgados dos portos ​ingleses e franceses para
Portugal. No sentido inverso, a República Neerlandesa reexportava açúcar para o norte da Europa e
mesmo para o Mediter​r âneo. Assim, o açúcar estimulava o transporte marítimo e a construção naval,
bem como a produção de equipamentos náuticos, a tanoaria (o ofício de fazer barris, tonéis e pipas),
o suprimento de provisões para as tripulações etc. Indiretamente, toda a cadeia de produção desses
setores era aquecida.​ [nota 20]

O azeite era possivelmente o produto do Reino enviado à América Portuguesa em maior volume.
À direita, a gravura, datada já do início do século XVIII, mostra a pesca e a secagem do bacalhau. A indústria pesqueira, a
culinária e os períodos de abstinência de carne para os católicos acabaram por promover o bacalhau dos mares
setentrionais a importante artigo de consumo em Portugal e no Brasil.

A importância do comércio açucareiro foi ainda maior para Portugal, centro intermediário e
canalizador da principal parte do fluxo do açúcar para o norte da Europa e o Mediterrâneo. Esse
impacto foi mais forte na costa norte do país, sua região mais populosa, mas cujo solo, montanhoso
e pedregoso, resultava em uma produção cerealífera pobre. ​O comércio externo era-lhe essencial
não apenas para o abastecimento de grãos, especialmente nos anos de más colheitas, mas também
para a aquisição de outros itens estrangeiros diversos: têxteis, matérias-primas e instrumentos para
vários ofícios e mesmo para uso caseiro. O comércio internacional também dinamizava o interno, o
artesanato, a agricultura e a pesca, que chegavam aos principais portos atraídos pelos artigos
estrangeiros.​ [nota 21]
Três placas de identificação decoradas, esculpidas em pedra no século XVII e utilizadas em fachadas de Amsterdã: na
primeira, a venda de açúcar a varejo; na segunda, um armarinho e a venda de passamanes; e, na terceira, a fabricação de
papel.

A cidade do Porto era o maior centro do norte de Portugal. Suas importações de outras regiões do Velho Mundo, particularmente
do norte da Europa, incluíam, além dos cereais, metais brutos e lavrados, madeira, peças para a construção naval e civil,
instrumentos de carpintaria e tanoaria, materiais de calafetagem, cordoaria, ourivesaria etc. Todos os habitantes do Porto
consumiam, em maior ou menor quantidade e qualidade, tecidos, vestimentas e roupas de cama, mesa e banho importadas. Aos
produtos têxteis, somavam-se outros manufaturados, como móveis, talheres, louça, pinturas, papel etc. Como o resto de Portugal
e, embora menos, também o Brasil, os portuenses importavam sistematicamente o pescado, especialmente o bacalhau e a sardinha.
[nota 22] As fontes pesquisadas não nos oferecem subsídios suficientes para determinar em que proporção os produtos do norte da
Europa vendidos no Porto procediam da República Neerlandesa – e menos ainda em que proporção eram importados de
Amsterdã. { B } No entanto, permitem-nos inferir que a República, em geral, e Amsterdã, em particular, tinham papel de destaque,
quando não nas exportações, ao menos no transporte dessas mercadorias. [nota 23]

No entanto, como sua produção exportável era limitada, a expansão de suas importações dependia da
reexportação de artigos coloniais, e o Atlântico Sul veio a oferecer-lhe novas oportunidades, uma
vez que a Ásia era prerrogativa de Lisboa. [nota 24] Assim, durante os séculos XV e XVI, a
reexportação de produtos trocados, colhidos e cultivados na Madeira, nos Açores, na África
Ocidental, na América Espanhola e no Brasil, preeminentemente do açúcar, garantiram a subsistência
sem crises graves e o atendimento de grande parte da demanda local por produtos importados e
nacionais.
Assim como nos Países Baixos, o açúcar dinamizava a construção naval e o transporte marítimo dos
portos do norte de Portugal, incluindo-se a cordoaria e a tecelagem de velas, bem como a tanoaria.
Muitos vinhos carregados nas ilhas eram envasilhados em contentores vazios fabricados em
Portugal. A confeitaria, por sua vez, estimulava a fabricação das caldeiras e dos tachos em que se
preparavam os quitutes. [nota 33]

Gravuras do Livro dos ofícios, publicado em Amsterdã, em 1694: acima, a produção de pipas, tonéis e barris, uma das
principais atividades manufatureiras de exportação do Porto; e, ao lado, a fabricação de tachos e caldeiras de cobre,
essenciais para os engenhos de açúcar, os confeiteiros e as doceiras.

O principal produto de exportação da região do rio Douro, em cuja foz fica a cidade do Porto, era o sumagre, planta hoje usada
como condimento (summāq, em árabe e siríaco) e, na época, empregada no curtume de couros. Crescia naturalmente no Alto
Douro, de onde era trazida à cidade. [nota 25] Os mercadores do Porto eram também responsáveis pela exportação de parte do
sal produzido no segundo maior salgado (zona produtora de sal) de Portugal, situado no entorno da ria de Aveiro, algo entre
lagoa e braço de mar, a menos de cem quilômetros ao sul do Porto. [nota 26] Além do sumagre e do sal, o Porto provavelmente
exportava algum vinho e azeite produzido no norte do país. [nota 27] Também dava saída a outros produtos agrícolas, alguns
processados e outros reexportados de regiões mais ao sul do Reino, como o pescado, frutos mediterrâneos, como amêndoas, figos
secos e uvas-passas [nota 28], e cítricos, como limões e laranjas. Reexportava, ainda, todos os demais produtos brasileiros, além
do açúcar [nota 29], com a possível exceção do pau-brasil, que deveria, em princípio, passar por Lisboa [nota 30]. Das outras
possessões atlânticas no período aqui coberto, tinham relevo as exportações do pastel açoriano, importante tintura têxtil. [nota 31]
A cidade também ofertava confeitos, geleias e marmeladas fabricados com frutos e frutas do Mediterrâneo e açúcar da Madeira e
do Brasil, exportados juntamente​ com outros confeitos vindos dessas mesmas colônias. [nota 32]
As Vicissitudes
No entanto, nem tudo eram flores nesse tráfico. O transporte do açúcar, solúvel, era feito em navios a
vela, fabricados com madeira e guiados segundo os astros e sinais visíveis. Da mesma forma
viajavam os outros produtos, os passageiros, os meios de pagamento e as cartas. Enfrentavam
intempéries, falhas humanas e, principalmente, agressões.

Com efeito, esse período foi marcado pelo conflito entre as Províncias Unidas dos Países Baixos e as
Coroas dos Filipes, que incluíam Portugal. Com exceção do período de vigência das Tréguas dos
Doze Anos (1609-1621), a rota do açúcar foi palco de manobras bélicas, corso mútuo, embargo
comercial e confisco de navios e mercadorias. A evolução desse conflito para as possessões
ultramarinas de ambas as potências, na África, Ásia e América encetaria a primeira guerra em escala
mundial. Os Filipes também estiveram em guerra com a França e a Inglaterra até 1598 e 1604,
respectivamente. Além disso, a pirataria perpetrada sob a bandeira do islã a partir do norte da África
acossava as embarcações que partiam ou chegavam à Península Ibérica e às ilhas da Macaronésia –
Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde –, com particular ímpeto a partir da segunda década do
século XVII.
Cotação oficial de produtos na Bolsa de Amsterdã, em março de 1636; entre eles, o pau-brasil (Fernemboucq), o pastel
açoriano (Pastel van S. Michiel) e o sumagre do Porto (Smack de Port a Port).

Experiência, treinamento, rotinas e cuidados especiais, dispersão de cargas, grandes navios bem
armados, navegação em frota, frotas escoltadas por navios de guerra; tudo isso prevenia prejuízos e
ajudava a mitigar os riscos. Essas medidas, porém, geravam custos, da mesma maneira que os
seguros, cujo uso se alargava e aperfeiçoava, implicavam prêmios. O transporte também exigia a
escolha entre diferentes estratégias que equacionavam as oportunidades de negócio oferecidas, os
itinerários, a coordenação de viagens, a disponibilidade e os tipos de embarcações, os fretes e os
outros custos envolvidos, bem como as restrições legais e políticas à navegação.
Além de gerenciar a logística e os riscos com o transporte, os mercadores tinham de administrar as
finanças. Pagamentos antecipados, a prazo ou a termo, envolviam ônus e bônus a serem
criteriosamente gerenciados. O dinheiro era feito de metais preciosos amoedados, o que redundava
em uma infinidade de problemas com falsificações e depreciações. O açúcar era uma commodity e,
portanto, soía substituir as moedas como meio de pagamento, o que nem sempre diminuía a
complexidade, antes pelo contrário. Às moedas e mercadorias juntavam-se diferentes instrumentos de
crédito avivados pelo desenvolvimento que então experimentavam. Os títulos de crédito foram
consolidando sua negociabilidade, aumentando a liquidez dos mercadores e ampliando o volume e a
velocidade de suas transações. Em paralelo a suas próprias atividades comerciais e financeiras, os
mercadores realizavam e recebiam pagamentos por ordem de seus correspondentes e de terceiros,
engendrando um protossistema bancário.
Pátio do edifício da Bolsa de Amsterdã, Emanuel de Witte (1653).

Nesse período, quando os capitais se avolumavam em Amsterdã, juntamente com seus réditos, uma
série de organizações se desenvolvia na cidade com base em predecessoras instituídas em Veneza,
Bruges, Antuérpia e Londres, proporcionando maior segurança e eficiência a seu mercado
financeiro. O Banco de Câmbio, uma espécie de embrião de banco central, que aumentou a solvência
do mercado e conteve a oferta monetária. A Bolsa diminuiu o custo das informações e deu ensejo ao
desenvolvimento dos derivativos. A Câmara de Seguros regulava o setor, reduzindo os riscos e
custos para seguradores e segurados. Por fim, as ações da Companhia das Índias Orientais (VOC),
que prosperava escudada pelo governo central, permitiriam a germinação do mercado de valores.
Suas ações serviriam de garantia ao emergente mercado secundário de títulos emitidos por
mercadores. Em certa medida, esses progressos repercutiam na redução das taxas de juros e dos
seguros ao longo da rota do açúcar.

Mercadores dependiam de seus agentes para não terem de viajar, eles mesmos, a outras praças e lá
vender e comprar mercadorias, receber e pagar, cobrar dívidas e liquidar contas, contratar
transportes e outros serviços. Todavia, ao confiar em um agente, o mercador sujeitava-se ao risco de
ser prejudicado por suas ações. As vantagens e os perigos do emprego de agentes eram gerenciados
por meio de diferentes tipos de associações mercantis.

Os riscos da má conduta advinham não só dos agentes, mas também de devedores, transportadores,
fornecedores, seguradores etc. Entretanto, a considerável capacidade dos tribunais de diferentes
alçadas e das arbitragens voluntárias de fazer valer as normas e obrigações geralmente os dissuadia
de comportamentos oportunistas. Além disso, os usos e costumes mercantis tinham se difundido pelas
diferentes praças e formavam um código comum, que, ainda que muitas vezes informal, era tido e
reconhecido como vinculante, usado até mesmo nas sentenças judiciais e arbitrais e considerado
como baliza para punições sociais e econômicas impostas pelos pares em resposta a deslizes ou má
reputação. À medida que as rotinas comercias eram padronizadas e universalizadas, as sanções
informais baseadas na reputação ganhavam um alcance mais abrangente e contribuíam para a
integração e a expansão dos mercados. É possível que uma moralidade mercantil tivesse sido
incorporada pelos comerciantes a ponto de inibir relativamente o comportamento oportunista.

Os mercadores dependiam de informação tanto para assegurar que as obrigações e regras fossem
cumpridas como para gerir seus negócios. Diferentes práticas e estratégias de correspondência,
navegação e associação mercantil buscavam garantir um intenso trânsito de informações de uma
praça à outra. Em cada qual, as notícias circulavam em grande volume e rapidez devido às pequenas
dimensões das cidades, suas populações reduzidas e suas intrincadas tramas, sobretudo nas áreas
onde se davam as atividades vinculadas à mercancia, e às instituições e aos hábitos que estreitavam o
contato entre seus cidadãos.

Os Cortes
A produção açucareira nesse período tem sido objeto de inúmeras obras, justamente por ter ela
lançado, em grande medida, as bases para a formação do Brasil contemporâneo. Já o consumo do
açúcar tem atraído interesse crescente sob vários ângulos, como o da gastronomia, da medicina, dos
estudos sobre gênero e as práticas cotidianas. [nota 34] Seu comércio, contudo, tem sido objeto de um
número significativamente menor de pesquisas. [nota 35] Os trabalhos sobre as economias
brasileira [nota 36], portuguesa [nota 37] e neerlandesa [nota 38] fazem-lhe menção, mas as
contribuições mais expressivas para a compreensão dos meandros desse comércio talvez provenham
das monografias sobre a história local e regional [nota 39] e das obras sobre o transporte marítimo,
as atividades portuárias [nota 40], as finanças [nota 41] e a aritmética mercantil [nota 42]. O mesmo se
pode dizer com relação aos estudos acerca dos grupos de mercadores com origem comum – naturais
de certas vilas portuárias portuguesas [nota 43], oriundos dos Países Baixos [nota 44] ou de raízes
judaicas. [nota 45]

Nos últimos cinquenta anos, poucos são os trabalhos que abordam o tópico aqui proposto, ou seja, o
comércio açucareiro entre o Brasil, Portugal e os Países Baixos durante as décadas que precederam a
invasão neerlandesa a Pernambuco. Em menor número ainda são aqueles que combinam o exame das
fontes e das literaturas brasileiras, portuguesas e neerlandesas. Entre os raros estudos integrativos
sobre o tema, fundados em documentos relativos a pelo menos duas dessas regiões, cabe ressaltar as
obras de Eddy Stols, Frédéric Mauro, David Grant Smith, Leonor Freire Costa e José Antônio
Gonsalves de Mello. [nota 46] Nos últimos anos, os trabalhos de Christopher Ebert e o nosso
tentaram retomar os esforços pioneiros de pesquisadores como Stols e Mello e examinar o comércio
de açúcar com base nas fontes e na literatura relativas aos três centros em questão. A tese doutoral de
Ebert, depois publicada em livro, estudou o comércio do açúcar entre o Brasil, Portugal e o norte da
Europa, sob diferentes aspectos, entre 1550 e 1630. De nossa parte, reexaminamos a importância do
parentesco e da etnia comum nas relações dos mercadores de origem judaica em Amsterdã, no Porto,
em Pernambuco e na Bahia com agentes mercantis no ultramar, entre 1595 e 1618. [nota 47]
Salvador, com a Baía de Todos os Santos em primeiro plano (1625).

A presente obra vem dar continuidade a nosso primeiro trabalho integrativo, porém em uma visão
mais ampla, agregando novas temáticas, fontes e leituras, além de rica pesquisa iconográfica, que,
mais do que ilustra, informa. Baseia-se fundamentalmente nos registros notariais do Porto e de
Amsterdã e nos documentos resultantes das visitações inquisitoriais ao Porto, à Bahia e a
Pernambuco. [nota 48] A eles agregamos documentação governamental portuguesa (ou, mais bem,
ibérica) e neerlandesa, algumas escrituras notariais de Roterdã e o único livro de contas
remanescente de um mercador do período, o de Miguel Dias Santiago. Esses documentos encontram-
se conservados em diferentes arquivos e bibliotecas de Portugal, da Espanha, dos Países Baixos e do
Reino Unido.

Com relação ao Brasil, examinamos particularmente as capitanias da Bahia e de Pernambuco; nos


Países Baixos, a cidade de Amsterdã; e em Portugal, o Porto. Pernambuco e Bahia eram as regiões
com maior população e produção açucareira [nota 49], e Amsterdã, de longe, o principal centro
comercial da República ​Neerlandesa. Ao que parece, boa parte do açúcar brasileiro que chegava a
Amsterdã passava pelos portos do norte de Portugal, na região de Entre-Douro-e-Minho, entre os
quais o do Porto era o mais importante. [nota 50]

Além disso, a escolha do Porto brinda-nos com uma preciosa fresta perante as atividades mercantis
na cidade, palco de uma extensa onda de prisões perpetrada pela Inquisição entre 1618 e 1621 [nota
51] e cuidadosamente direcionada contra os mercadores de origem judaica, que, com efeito, foram,
em sua maioria, presos e julgados. Seus processos oferecem informações, únicas em sua riqueza de
detalhes, sobre as práticas da mercancia. A elas casam-se bem outras, extraídas de escrituras notariais
em que os mesmos mercadores são referidos, delineando um quadro mais completo de suas
operações e técnicas. Por isso, selecionamos o Porto para escrutinar seus livros notariais, como uma
espécie de estudo de caso. Em menor grau, o mesmo se pode dizer sobre a Bahia e Pernambuco,
cujos habitantes (os de origem judaica, em particular) também foram acossados pela Inquisição
durante o período e pouco antes. [nota 52]

O intervalo examinado por este livro começa em 1595, quando Amsterdã começou a substituir a ​-
Antuérpia como principal distribuidora do açúcar no norte da Europa. Na última década daquele
século, os mercadores que se dedicariam à importação do artigo tropical passaram a chegar em
número cada vez maior. Eram imigrantes de Portugal, do Brasil, do restante do mundo ibérico e das
províncias dos Países Baixos que remanesciam sob domínio espanhol, como a Flandres e o Brabante,
onde ficava a Antuérpia. [nota 53] Este estudo vai até 1630, quando a conquista de Pernambuco pelos
neerlandeses viria a transformar radicalmente a estrutura do comércio açucareiro.
Perfil de Amsterdã, Claes Jansz. Visscher e Hermanus Allardi Coster (1611).

Dividido em quatro blocos, este livro aborda em seus três primeiros capítulos os fatores que
antecedem, sucedem e envolvem o comércio do açúcar: o contexto político-militar, a produção e o
consumo. ​O capítulo um apresenta um esboço do contexto geopolítico em que as potências europeias,
e não só elas, moviam-se sobre o globo. O capítulo dois descreve o percurso da cana-de-açúcar até
radicar-se no Brasil, o método semifabril de sua conversão em açúcar e o desenvolvimento da
produção brasileira. O capítulo três trata das transformações e os impactos na sociedade e na cultura
decorrentes da disseminação do consumo do açúcar para variados fins e propósitos.

Os três capítulos seguintes formam um segundo bloco, que versa sobre a navegação, o transporte
marítimo e a articulação entre os portos. Os riscos no mar e as medidas para contorná-los são o tema
do capítulo quatro. As estratégias para tornar os itinerários mais eficientes em relação ao comércio,
os custos de transporte e a integração das praças são o objeto do capítulo cinco. No capítulo seis,
descrevem-se os procedimentos do transporte de cargas e a composição dos encargos que incidiam
sobre eles.

O terceiro bloco foca o aspecto financeiro do comércio: no capítulo sete, as formas de pagamento e
os meios reais; no capítulo oito, os meios fiduciários e o crédito. O último bloco trata das relações
de confiança: os agentes ultramarinos e seu relacionamento com os mercadores, no capítulo nove; e
a transmissão e o acesso a informações e os mecanismos para garantir o cumprimento das normas,
no derradeiro.
O Porto e a barra do Douro, em carta náutica datada de 1634 e elaborada por Pedro Teixeira Albernaz, membro de uma
célebre família de cartógrafos portugueses.
{ A } Em 1622, alguns mercadores sediados na República Neerlandesa apontavam para isso – com razão, ainda que com exagero – ao
defender a liberação do comércio com o Brasil via Portugal, a despeito do reinício da guerra com a Espanha e, consequentemente,
com Portugal e suas colônias, no ano anterior. Os setores que se beneficiaram mais diretamente do comércio do açúcar brasileiro
foram as refinarias e as reexportações.

{ B } É certo, porém, que os neerlandeses não estavam sós nas exportações para o Porto. A maior parte do bacalhau era pescado por
ingleses e franceses, ainda que navios neerlandeses fizessem escala nesses portos para carregar o peixe com destino a Portugal.
Muitos tecidos vinham da Inglaterra e da Alemanha, porém, provavelmente, boa parte em navios neerlandeses. Da Inglaterra, vinha
também couro e, da França, parcela considerável do papel. A Espanha, com destaque para o norte peninsular, dividia com o norte da
Europa o fornecimento de ferro e aço, breu para calafetagem – que também vinha das Ilhas Canárias — e madeirame. Têxteis
também chegavam da Espanha, da Itália e da Índia.
Introdução

[1] As profundas transformações levadas a cabo pela produção do açúcar no espaço atlântico (e não
só) encontram-se destacadas, entre muitos outros, em:
LIPPMANN, E. O. von. História do açúcar;
DEERR, N. The history of sugar;
FREYRE, G. Açúcar;
FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização;
MINTZ, S. W. Sweetness and power;
GALLOWAY, J. H. The sugar cane industry; e
SCHWARTZ, S. (org.) Tropical babylons.

[2] CANABRAVA, A. P. O comércio português no Rio da Prata, p.143.

[3] BRANDÃO, J. Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, p.214.


GOUVEIA, D. F. Açúcar confeitado na Madeira, p.35.
STOLS, E. The expansion of the sugar market in Western Europe, p.243.

[4] Veja o capítulo "O pé".

[5] AZEVEDO, J. L. de. Épocas de Portugal económico, pp.233-269.


MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, p.243.
MAGALHÃES, J. R. A estrutura das trocas, pp.314-6.
Examinando apenas as receitas da Coroa auferidas diretamente da Índia e do Brasil, Francisco
Bethencourt concluiu que as orientais superavam as brasileiras. Todavia, em sua comparação,
não leva em conta o sistema de cobrança de impostos, terceirizado, e os outros setores
impulsionados pelo comércio com ambas as regiões: BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, Kirti
(orgs.).
História da expansão portuguesa, v.2, pp.315-318.
Veja o mesmo em: PEDREIRA, J. M. Costs and financial trends in the Portuguese Empire, p.56.

[6] ISRAEL, J. I. Dutch primacy in world trade, pp.30-42, 404-415.


VRIES, J. de e WOUDE, A. van der. The first modern economy, pp.368, 412-4, 425, 669-671.
LESGER, C. The rise of the Amsterdam market and information exchange, pp.85-92,133-8, 258.
Esses quatro autores estabelecem o início desse período entre a queda de Antuérpia diante das
forças leais ao rei da Espanha, em 1585, e a consolidação do poderio militar da República
Neerlandesa e a emergência manifesta de Amsterdã como grande praça internacional até o final
da década seguinte. Também concordam com o impacto negativo do fim das Tréguas dos Doze
Anos no comércio de Amsterdã. No entanto, De Vries e Van der Woude sugerem que o ponto de
inflexão se dera antes, com o início da Guerra dos Trinta Anos, em 1618.

[7] Veja o capítulo "À boca".

[8] LAVAL, F. P. Viagem de Francisco Pyrard de Laval, pp.229-231.


MELLO, J. A. G. de. Gente da nação, p.44.
HUTTER, L. M. Navegação nos séculos XVII e XVIII, pp.141, 145.
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations in the formation of Brazilian society, pp.162-3.

[9] SOUZA, B. J. O pau-brasil na história nacional, pp.106-153.


MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.176-180.

[10] NARDI, J. B. O fumo brasileiro no período colonial, pp.34-6.

[11] MAURO, F. Portugal..., v.2, p.104.


GÂNDAVO, P. de Magalhães. Tractado da terra do Brasil, fls. 6-7v.
MORENO, D. de Campos. Livro que dá razão do Estado do Brasil ​(1955), p.140.
SOUSA, G. S. de. Tratado descritivo do Brasil, p.102.
BRANDÃO, A. F. Diálogos das grandezas do Brasil, pp.85-127.

[12] MAURO, F. Portugal...., v.2, p.105.

[13] ADP, Cabido, l. 110, fl. 10v.; l. 134, fls. 26v., 41v.-42.
MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.99-100.

[14] OLIVEIRA, M. L. A História do Brazil de frei Vicente do Salvador, v.2, fl.46.


SIMONSEN, R. C. História econômica do Brasil, p.52.

[15] SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.2, p.891.

[16] SOUSA, G. S. de. Op. cit., p.101.


O padre Fernão Cardim frisou o comércio e o consumo de vinho no Brasil, inclusive pelos
indígenas: CARDIM, F. Tratados da terra e gente do Brasil, pp.220, (quanto aos índios) 223, 244,
256.
Veja também: FRANÇA, E. d’Oliveira; SIQUEIRA, S.A. Introdução, pp.277-8.

[17] Sobre a cesta de importações do Brasil, veja:


ADP, NOT, PO2, l. 4, fls.11 (1595-7-5), l. 35, fls. 191v.-192v. (1612-8-25), l. 37, fls.154v.-155
(1613-8-17). SR Nr. 593;
MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.379-380, v.2, pp.18-20, 24-5, 84-90, 95-7;
MELLO, J. A. G. de. Gente da nação, pp.44-6;
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580–
1663), v.1, pp.284-290; e
CARDIM, F. Op. cit., pp.250-1.

[18] Sobre a defesa da liberação do comércio com o Brasil via Portugal feita por mercadores da
República Neerlandesa e os benefícios do comércio do açúcar para refinarias e as reexportações
neerlandesas, veja:
IJZERMAN, J. W. Journael van de reis naar Zuid-Amerika (1598-1601) door Hendrik Ottsen,
pp.98-106;
VLESSING, O. New light on the earliest history of Amsterdam Portuguese Jews, pp.54-7; e
VLESSING, O. The Portuguese-Jewish merchant community in ​
seventeenth-century Amsterdam, p.233.
Sobre o efeito de linkage, veja: HIRSCHMAN, A. O. Essays in Trespassing: Economics to
Politics and Beyond, pp.59-97.

[19] POELWIJK, A. In dienste vant suyckerbacken, pp.39-40, 55-7.


ISRAEL, J. I. Dutch primacy…, p.34.
IJZERMAN, J. W. Journael van de reis naar Zuid-Amerika, p.103.
ISRAEL, J. I. Dutch primacy…, p. 116.
VRIES, J. de e WOUDE, A. van der. The first…, p.326.

[20] ISRAEL, J. I. Dutch primacy…, pp.35-6, 53-60, 80-101, 114-120, 190-6.


SWETSCHINSKI, D. M. The Portuguese Jewish merchants of seventeenth century Amsterdam,
p.150.

[21] IAHMP, Organização Antiga, A-PUB-350, fls.23v.-25v.


SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, pp.119-120.
MAURO, F. Portugal..., v.2, pp.13-17.
Veja o mesmo para o sul português: MAGALHÃES, J. R. O Algarve económico, pp.276-7.

[22] A região Norte de Portugal contava com maior oferta de madeira que o Centro e o Sul:
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.465-6.
Ainda assim, o Norte importava. Para as importações do Porto, em particular, e de Portugal, em
geral, veja:
ADP, Cabido, livs. 110, 113, 134, passim;
MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.137-141, 378-380.
SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, pp.112, 117-130, 163, 187-8, 226, 231-2121, 335, 539-
543, v.2, pp.627, 639, 673-4, 696-8, 708, 746-757, 801-4, 839, 879-881, 1078-9; e
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.88-9.
[23] COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.116-8.
STRUM, D. The Portuguese Jews and New Christians in the sugar trade, pp.25-7;
SILVA, R. Da O Porto e o seu termo, v.1, pp.120-5, 328-345; e
MOREIRA, M. A. F. Os mercadores de Viana e o comércio do açúcar brasileiro no século XVII,
p.185.

[24] BARROS, A. J. M. Vinhos de escala e negócios das ilhas, passim.


COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.81-111, 457-462.

[25] SR Nr. 362, 379.


SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, pp.124, 136, 180-3, 231-2, 331, 334, 462, v.2, pp.701,
1078-9.

[26] ADP, NOT, PO2, l. 40, fls. 195-195v. (1615-7-28).


RAU, V. Estudos sobre a história do sal português, pp.60-1.

[27] SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, pp.124, 146-162, v.,2 pp.696-702, 1078-9.

[28] ADP, NOT, PO2, l. 29, fls. 139-141 (1609-10-13).

[29] ADP, NOT, PO1, l. 143, s/n (1621-7-12).

[30] SOUZA, B. J. O pau-brasil na história nacional, pp.134-5.


MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.178-180.

[31] ADP, NOT, PO2, l. 23, fls.82v.-85v. (1605-4-2).


PO2, l. 25, fls.19-20v. (1606-3-3).
Idem, fls.64v.-65v. (1606-4-1).
ADP, NOT, PO2, l. 26, fls.238-239v. (1607-6-19).

[32] IANTT, STO, IC 2736, fl.24v.


O mesmo se dava em Viana: MOREIRA, M. A. F. Os mercadores..., pp.31-2.

[33] SR Nr. 1959.


LACERDA, S. A tanoaria, passim.
SILVA, F. R. da. O Porto..., v.I, pp.189-224.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.454-472.
POLÓNIA, A. Vila do Conde: um porto nortenho na expansão ultramarina quinhentista, passim.
BARROS, A. J. M. Porto, passim.

[34] Veja as obras mencionadas, respectivamente, nos capítulos: "O pé" e "A boca".
[35] Aqui nos limitaremos aos trabalhos publicados nos últimos cinquenta anos e àqueles que tratam
do período examinado nesta obra e de seu corte geográfico (Brasil, Portugal e República
Neerlandesa), o que não se deve tomar como descuido à grande contribuição dos estudos que
fogem a esses parâmetros. Tão-somente para não nos alongarmos demais, vamos deixá-los de
lado por ora. Dentre os trabalhos mais pioneiros, destacamos os aportes dos seguintes autores,
entre tantos outros: João Lúcio de Azevedo, Virgínia Rau, Roberto Cochrane Simonsen, Cáio
Prado Júnior, Herbert I. Bloom, Hermann Kellenbenz, Hans Pohl e Johannes Gerard van Dillen,
Engel Sluiter, Violet Barbour, António Sérgio. Há estudos recentes importantes que abordam
períodos adjacentes ao aqui tratado, como os de Amélia Polónia, Amândio Jorge Morais Barros,
Cátia Antunes e Denise Helena Monteiro de Barros Carollo. Suas obras vêem mencionadas na
bibliografia. Todos os autores mencionados neste subcapítulo "Os cortes" têm mais do que uma
obra relacionada ao tema, porém, por concisão, mencionamos apenas as mais relevantes.

[36] Para as obras sobre o Brasil, veja as citadas no capítulo "O pé".

[37] Podemos destacar, entre as obras que versam sobre a economia portuguesa no período e tratam
com mais detalhe do açúcar, aquelas dos autores que seguem. É importante ressaltar que o
período em que os Habsburgos ocuparam o trono português despertou, tradicionalmente, menos
interesse na historiografia portuguesa, resultando, portanto, em um número menor de estudos.
O historiador francês Frédéric Mauro aplicou uma abordagem braudeliana, em que se analisam
os processos de curta e longa duração, para descrever em detalhes a economia do Atlântico
português: MAURO, F. Portugal....
Vitorino Magalhães Godinho também integrou a corrente historiográfica conhecida como a
Escola dos Analles, que buscava aplicar a metodologia das Ciências Sociais (como a Economia e
a Sociologia) à História e da qual Mauro e Fernand Braudel participaram. Procurou esmiuçar a
história portuguesa e seu impacto no mundo nos séculos XV e XVI: GODINHO, V. M. Os
descobrimentos e a economia mundial. O britânico Charles Ralph Boxer, militar de carreira,
analisou as histórias entremeadas dos impérios ultramarinos português e neerlandês: BOXER, C.
R. The Portuguese seaborne empire, 1415-1825.
António Henrique Rodrigo de Oliveira Marques, originalmente medievalista, fez excelente
síntese da história de Portugal e seus senhorios, com grande ênfase em seus aspectos
econômicos, seu foco de interesse: MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal.
Vale ressaltar duas obras coletivas sobre a história de Portugal e da expansão portuguesa que
mais relevo dão ao tema do açúcar: MATTOSO, J. (dir.) História de Portugal; e
BETHENCOURT, F. e CHAUDHURI, K. (orgs.). História da expansão portuguesa.

[38] De Vries e van der Woude escreveram um apanhado abrangente sobre o desenvolvimento
econômico das Províncias Unidas, e Jonathan I. Israel fez um levantamento do comércio
neerlandês na Idade Moderna: VRIES, J. de; WOUDE,A. van der. The first modern economy; e
ISRAEL, J. I. Dutch primacy in world trade.
Sob a ótica da economia espacial, Clé Lesger analisou a ascensão de Amsterdã como principal
praça europeia na virada do século XVII: LESGER, C. Handel in Amsterdam ten tijde van de
Opstand.
Também cabe destacar algumas obras coletivas:
DAVIDS, K.; NOORDEGRAAF, L. (eds.). The Dutch economy in the golden age;
LESGER, C.; NOORDEGRAAF, L. (eds.). Entrepreneurs and entrepreneurship in early modern
times; e
GAASTRA, F.S. e BLUSSÉ, L. (eds.). Companies and trade.

[39] Francisco Ribeiro da Silva examinou as estruturas da cidade do Porto durante a União Dinástica
com a Espanha, fornecendo importantes aportes sobre as atividades mercantis da cidade: SILVA,
F. R. da. O Porto e o seu termo.
Joaquim Romero Magalhães investigou a economia algarvia sobre um lapso mais alargado,
1600-1773, com ênfase no período posterior: MAGALHÃES, J. R. O Algarve económico.
Talvez pudéssemos incluir nessa categoria a importante obra de Oscar Gelderblom sobre o papel
dos imigrantes nos Países Baixos Meridionais para a ascensão de Amsterdã ao posto de principal
mercado europeu: GELDERBLOM, O. Zuid-Nederlandse kooplieden en de opkomst van de
Amsterdamse stapelmarkt.
José Antônio Gonsalves de Mello publicou a cópia de um documento de 1607 que listava as
embarcações que haviam partido de Pernambuco desde 1595 sem cumprir a legislação fiscal.
Mello apresenta uma rica introdução ao documento, com dados sobre os interessados e
intervenientes e o modus operandidas transações subjacentes: MELLO, J. A. G. de. Os livros das
saídas das urcas do Porto do Recife.

[40] A economia do transporte marítimo entre Portugal e o Brasil foi o fulcro de um estudo de
Leonor Freire Costa que acabou por escrutinar as estruturas e as vicissitudes do comércio,
encontrando excelente equilíbrio entre a pesquisa arquivística exaustiva e a análise teórica
apurada: COSTA, L. F. O transporte no Atlântico....

[41] JONKER, J., M. t’ Hart, J. e ZANDEN, J. L. van. (eds.). A financial history of the Netherlands;
AYMARD, M. (ed.), Dutch capitalism and world capitalism.

[42] Analisando as obras de aritmética do período, António Augusto Marques de Almeida demonstra
como seus avanços teóricos foram respostas às exigências do desenvolvimento da mercancia:
ALMEIDA, A. A. Marques de. Aritmética como descrição do real (1519-1679).

[43] Manuel António Fernandes Moreira escreveu sobre o papel de Viana (do Castelo) no comércio
do açúcar brasileiro e o impacto desse comércio na economia e na sociedade da vila: MOREIRA,
M. A. F. Os mercadores....
[44] Eddy Stols estudou os mercadores e marítimos dos Países Baixos no comércio
com o Brasil, Portugal e o mundo ibérico: STOLS, E. De Spaanse Brabanders of
de Handelsbetrekkingen der Zuidelijke Nederlanden met de Iberische Wereld;
Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas; The
Southern Netherlands and the foundation of the Dutch East and West Indies Companies; Dutch and
Flemish victims of the Inquisition in Brazil.

[45] Entre os trabalhos sobre a participação dos judeu-portugueses no comércio de açúcar em


Amsterdã, enfatizaríamos os de Jonathan Israel, Daniel M. Swetschinski, E. M. Koen e Odette
Vlessing.
Koen (KOEN, E. M. Duarte Fernandes, koopman van de Portugese natie te Amsterdam) e
Vlessing (VLESSING, O. Thomas Nunes Pina) escreveram estudos de micro-história sobre as
atividades de dois importantes mercadores cristãos-novos e suas famílias; Duarte Fernandes
(Josua Habilio) e Tomas Nunes Pina (Josua Sarfati)
Em sua abrangente tese sobre os variados aspectos da vida dos judeu-portugueses de Amsterdã
no século XVII, Daniel M. Swetschinski explorou também suas atividades comerciais:
SWETSCHINSKI, D. M. The Portuguese Jewish merchants of seventeenth century Amsterdam.
Jonathan I. Israel examinou o papel desses judeus na vida econômica da República Neerlandesa,
da Europa Ocidental e do Novo Mundo: ISRAEL, J. I. The Sephardi contribution to economic life
and colonization in Europe and the New World (16th-18th centuries).
Vlessing aportou aos estudos anteriores o exame de novas fontes e a análise mais aprofundada de
outras: VLESSING, O. New light on the earliest history of Amsterdam Portuguese Jews; The
Portuguese Jewish merchant community in seventeenth-century Amsterdam.
Quanto a Portugal e ao Brasil, a tese doutoral de David G. Smith explorou a dinâmica do que
intitulou "classe mercantil" de Lisboa e da Bahia no século XVII. Ainda que a dissertação de
Smith não versasse apenas sobre cristãos-novos, explorou a fundo a questão e fez largo uso das
fontes inquisitoriais: SMITH, D. G. The mercantile class of Portugal and Brazil in the seventeenth
century.
David G. Smith tratou dos mercadores portugueses que não tinham origem judaica: SMITH,
David G. Old Christian merchants and the foundation of the Brazil Company, 1649.
Ao estudar as primeiras atividades do Santo Ofício no Brasil, Sônia Siqueira da Silva deu grande
atenção aos aspectos econômicos da vida na colônia e, em particular, às atividades mercantis
daqueles mencionados nos documentos inquisitoriais: SIQUEIRA, S. A. A Inquisição portuguesa
e a sociedade colonial.
José António Gonçalves de Mello analisou diversos aspectos da presença dos cristãos-novos em
Pernambuco e, depois, dos judeus no Brasil neerlandês, enfatizando suas atividades econômicas e
fazendo uso de uma grande variedade de fontes: MELLO, J. A. G. de. Gente da nação.
Mais recentemente, o Dicionário histórico dos sefarditas portugueses: mercadores e gente de
trato, obra coletiva dirigida por António Augusto Marques de Almeida, apresenta curtas
biografias de centenas de mercadores judeus e cristãos-novos em Portugal ou de origem
portuguesa nas colônias ou no estrangeiro: ALMEIDA, A. A. Marques de. (dir.), Dicionário
histórico dos sefarditas portugueses. Aí se encontram referências a outros trabalhos de micro-
história sobre mercadores cristãos-novos
Veja também o trabalho deste autor: STRUM, Daniel. Op. cit.

[46] Todos esses valeram-se de fontes portuguesas que se referiam tanto ao Brasil como ao Reino.
Mauro foi além e agregou fontes sobre ambos, preservadas nas bibliotecas e arquivos franceses,
espanhóis, ingleses e outros. Mello recorreu a fontes inglesas e neerlandesas, e Stols, a fontes
neerlandesas, belgas e outras mais.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico....
JOHNSON, H. Desenvolvimento e expansão da economia brasileira.
MAURO, F. Portugal....
MELLO, J. A. G. de. Gente da nação;
Idem. Os livros das saídas das urcas do Porto do Recife.
SMITH, D. G. The mercantile...
STOLS, E. De Spaanse...
Idem. Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas.
Idem. The Southern...
Idem. Dutch and...
Mais recentemente, Cátia Antunes ofereceu uma abordagem inovadora em um estudo integrativo
sobre o fenômeno da globalização na Idade Moderna através dos liames econômicos entre
Amsterdã e Lisboa e das articulações que emanavam de ambas as praças. Seu trabalho, contudo,
contempla apenas a segunda metade dos anos 1600: ANTUNES, C. Globalisation in the early
modern period.

[47] EBERT, C. The trade in Brazilian sugar.


Idem. Between empires.
STRUM, D. Op. cit.
Consultando muitas fontes coincidentes e tratando de temas afins, não surpreende que esses
autores tenham chegado a conclusões próximas. A tese de Ebert, porém, abarcou um período
mais longo (1550 a 1630) e um escopo geográfico mais amplo (todos os portos brasileiros,
portugueses, dos Países Baixos do Norte e do Sul, alemães e ingleses). Tratou de diferentes
fatores que concerniam à mercancia, e referiu-se a mercadores de todas as origens envolvidos no
comércio açucareiro: neerlandeses, flamengos, alemães e portugueses, de origem judaica ou não.
Devido à maior abrangência de sua pesquisa, Ebert teve de valer-se mais de literatura e fontes
secundárias, principalmente os registros notariais de Amsterdã, além de alguma documentação
inquisitorial e administrativa, tanto portuguesa como neerlandesa. Já nossa tese analisou a
questão das relações de agência ultramarina dos mercadores de origem judaica sediados em
Amsterdã, no Porto, em Pernam​buco e na Bahia entre 1595 a 1618. Além de também examinar a
maior parte das mesmas fontes consultadas por Ebert, relevantes para o nosso escopo, valemo-
nos de uma extensa pesquisa das fontes primárias portuguesas, esquadrinhando os registros
notariais portuenses, não consultados por Ebert, e aprofundando-nos na documentação
inquisitorial.

[48] No que diz respeito às escrituras notariais amsterdameses, vale ressaltar que, para alcançarmos
um número maior de ocorrências, utilizamos a série publicada por Wilhelmina Christina Pieterse
e E. M. Koen no periódico Studia Rosenthaliana, que contém um sumário em inglês das escrituras
notariais entre 1595 e 1627. As autoras vasculharam os livros notariais da cidade e publicaram os
registros em que figuram nomes de portugueses, residentes na cidade ou alhures, geralmente
indivíduos de origem judaica: PIETERSE, W. C. e KOEN, E. M. (eds.), Notarial records [deeds] in
Amsterdam relating to the Portuguese Jews in that town up to 1639.
O Apêndice I (p.549) apresenta uma tabela de correspondência entre os números dos registros e
os volumes, número e páginas em que foram publicados. Além desses sumários em inglês,
usamos as fichas com resumo em neerlandês organizadas por palavras-chave, boa parte delas
fruto do trabalho de Simon Hart: SAA, 30452.
Por fim, em alguns casos, consultamos os documentos originais do Arquivo Municipal de
Amsterdã, SAA, 5075: Archief van de Notarissen ter Standplaats Amsterdam
Quanto aos registros notariais do Porto, usamos principalmente as escrituras que fazem
referência a mercadores de origem judaica, às quais adicionamos outras mais, referentes a
estrangeiros que atuavam na urbe. Por fim, os documentos inquisitoriais, pela própria orientação
do tribunal, remetem especialmente a indivíduos de extração judaica.

[49] MAURO, F. Portugal..., v.1, pp.254-265.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations in the formation of the Brazilian society, pp.15-22.
JOHNSON, H. Desenvolvimento e expansão da economia brasileira, pp.240-251.

[50] Segundo os contratos de frete registrados nas escrituras notariais de Amsterdã (ao menos nas
que dizem respeito aos judeu-portugueses), a maior parte de suas viagens destinava-se a essa
região: SWETSCHINSKI, D. M. The Portuguese Jewish merchants of seventeenth century
Amsterdam, pp.142-4.
Um requerimento enviado às autoridades neerlandesas em 1622 alegava que três quartos do
açúcar e outros produtos brasileiros chegavam à República Neerlandesa por meio de Viana (do
Castelo) e do Porto, ambos em Entre-Douro-e-Minho;VLESSING, O. New light..., p.55.
Leonor Freire Costa apresenta um quadro diferente. Fundada em documentação portuguesa
variada, sustenta que Lisboa dominou o tráfico do açúcar com o Brasil ao menos até o final da
terceira década do século XVII. Parte dos desembarques feitos nos portos do norte de Portugal,
particularmente em Viana, representava o ponto final de viagens iniciadas em Lisboa e que
corriam direta ou indiretamente por conta de mercadores lá residentes. Ainda assim, os portos do
Norte, sobretudo do Porto e de Viana, reteriam uma porção substancial, e sua participação
cresceria a partir da década de 1620, quando Madri impôs um controle mais rígido à barra de
Lisboa contra a entrada de embarcações e produtos da República Neerlandesa camuflados com
falsa origem. É possível, segundo a autora, que, então, num momento de crise do comércio, os
portos do Norte tenham superado o de Lisboa: COSTA, L.F. O transporte no Atlântico..., v.1,
pp.91-111, 205, 333, 452-472. A autora, contudo, não crê que, passando-se por portuguesa ou não,
a navegação neerlandesa entre Portugal e o Brasil coordenada por mercadores sediados tanto no
Reino como na República tenha sido significativa. Tal modalidade poderia também ter
encontrado melhor acolhida nos portos do Norte e deixado poucos registros na documentação
reinol.

[51] MEA, E. C. de Azevedo. A rotura das comunidades cristãs novas do litoral – século XVII, passim.
Idem. Os portuenses perante o Santo Ofício – século XVI, passim.

[52] Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: confissões da Bahia 1591-1592.
Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: denunciações da Bahia, 1591-1593.
Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: denunciações e confissões de
Pernambuco: 1593-1595.
Segunda visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo inquisidor e visitador Marcos
Teixeira, livro das confissões e Ratificações da Bahia: 1618-1620.
SIQUEIRA, S. A. A Inquisição portuguesa e a sociedade colonial.

[53] GELDERBLOM, O. Zuid-Nederlandse…, pp.114-122.


ISRAEL, J. I. Dutch primacy..., pp.30-42.
VRIES, J. de e WOUDE, A. van der. The first…, p.368.
LESGER, C. The rise…, pp.85-92, 133-8, 258.
PIETERSE, W. C. e KOEN, E. M. (eds.), Notarial...
A cana e o açúcar, da Ásia à América

Cana da Índia, Charles Plumier (1688).

A cultura da cana e a produção do açúcar seguiram uma longa trajetória do Sudeste Asiático, na
Antiguidade, ao Mediterrâneo, na Idade Média, e ao Atlântico, na Idade Moderna. Esse percurso
seguiu o movimento solar até a América portuguesa tornar-se, durante o período aqui tratado, a
principal fornecedora de açúcar do mercado europeu, chegando a desbancar parte dos concorrentes.
O açúcar, por sua vez, engendrou a colonização europeia, consolidou a soberania de Portugal sobre
seu território em relação a outros pretendentes europeus, levou à morte e ao cativeiro boa parte dos
nativos das áreas colonizadas e acarretou a transferência maciça de escravos africanos para servirem
na sua produção. Surgiria uma nova sociedade, colonial e escravocrata.*

* Agradecimentos a Rodrigo Ricupero pelos valiosos comentários sobre este capítulo.

A Planta
Supõe-se que a cana-de-açúcar tenha se originado nas ilhas do Pacífico ou no Sudeste Asiático. [nota
1] O certo é que algum tipo de cristalização rudimentar de seu caldo já era produzido no norte da
Índia, na Antiguidade. Os primeiros indícios são linguísticos e sugerem a mudança do significado de
palavras em sânscrito e páli, antigos idiomas da Índia. A datação dessas transformações é difícil e
contempla uma margem de erro que se estende por vários séculos. Assim, entre os séculos VII e IV
a.C., a palavra guḋa passou a significar não apenas formar bolinhas ou conglomerar, mas também
coágulos açucarados formados com a fervura do caldo de cana. Antes da metade do último milênio
a.C., a palavra sânscrita para grânulos, śarkarã, passou a designar o açúcar em cristais e, com
diferentes variantes, entrou no léxico das civilizações a ocidente da Índia à medida que o açúcar se
propagou.

No final do século IV a.C., já há referências ao cultivo da cana, a prensas para a extração do caldo e à
produção de açúcar com diferentes graus de pureza, entre o guḋa e o śarkarã. Possivelmente, os
generais de Alexandre, o Grande, provaram essas variações do açúcar na Índia, e é provável que,
ainda no mundo clássico, o açúcar indiano chegasse a Roma em quantidades muito pequenas, para
fins medicinais, por meio da Arábia. No século III a.C., o açúcar já era produzido também no Vietnã,
de onde era levado para a China, que, depois do século VIII d.C., também receberia o açúcar da Pérsia
pela rota da seda, até, finalmente, produzir o seu próprio.

O sudoeste da Pérsia e a Mesopotâmia são, assim como o norte da Índia, regiões banhadas por
muitos rios perenes. Já antes da invasão árabe, o açúcar era produzido na Pérsia e na Mesopotâmia
Sassânida. ​(O Império Sassânida, predominantemente de língua persa e de religião zoroastrista,
dominou a região entre o leste da Síria e o vale do Indo, do século III até a conquista muçulmana no
sétimo século d.C.) Depois da Índia, a Pérsia teria sido a segunda principal escala do açúcar no seu
percurso rumo ao Novo Mundo.

Após a conquista islâmica, foram desenvolvidas algumas técnicas que permitiram o cultivo da cana
em regiões menos irrigadas naturalmente, como a Síria, a Palestina e o Egito, este último, dependente
das cheias do Nilo. Assim, a cultura do açúcar radicou-se nesses antigos territórios bizantinos. É
razoável acreditar na possibilidade de que a cana já fosse cultivada ali durante o império cristão, que
se sabe ter sido muito desenvolvido, embora disponhamos de poucas fontes sobre ele. Os
muçulmanos levaram o açúcar mais além, introduzindo, entre os séculos IX e XI, pujantes culturas
sacarinas nas Ilhas Atlânticas, em Chipre, na Sicília, no norte da África e na Península Ibérica. No Al-
Andaluz, a Península Ibérica sob domínio islâmico, a cana-de-açúcar já era plantada no século X,
talvez antes, e o açúcar, manufaturado desde o século XII, no mais tardar. O açúcar aproximava-se,
portanto, da Europa cristã, e, embora os venezianos já o importassem do Egito antes das Cruzadas,
foi depois delas que essa aproximação se tornou irreversível. Daí em diante, os próprios europeus o
fabricariam no Oriente Médio, sua exportação seria uma importante fonte de ingressos para os
senhorios cruzados, e os cavaleiros, peregrinos e mercadores difundiram o produto no Ocidente
cristão.

Paulatinamente expulsos do Oriente Médio, os latinos, isto é, os cristãos ocidentais, intensificaram a


produção açucareira nas ilhas mediterrânicas tomadas aos muçulmanos ou aos bizantinos, como
Chipre, Creta e Sicília. Ainda que no século XI, depois da conquista normanda, a produção siciliana
se retraísse, a partir do século XIII deu largos passos até a ilha tornar-se o principal fornecedor de
açúcar da Europa. Entretanto, a Europa católica continuava a importar do mundo islâmico, a leste e a
oeste, e mesmo do que restava do Império Bizantino. Nos séculos XIII e XIV, o Reino de Granada,
ainda muçulmano, exportaria para genoveses e florentinos, que distribuiriam na Europa.
À esquerda: Forma de pão de açúcar do final do século XV ou início do XVI, proveniente de escavação arqueológica na
Mata da Machada (Barreiro, Portugal), em 1985.

À direita: Forma de pão de açúcar proveniente de escavações arqueológicas efetuadas no Jardim do Mar, no sudoeste da
Ilha da Madeira, e no Palácio dos Cônsules, no Funchal.

Durante o século XIV, a produção de açúcar na costa oriental e muçulmana da bacia mediterrânea
cairia por várias razões: a peste negra, as invasões mongóis e turcas etc. Enquanto isso, intensificava-
se nas áreas cristãs. No final do século XIII, quando a Sicília entrava na crescente área de influência
da Coroa de Aragão no Mediterrâneo, as técnicas de cultivo e produção do açúcar foram
incorporadas por Valência, reino pertencente à mesma Coroa. Contudo, a produção valenciana só
tomaria corpo no início do século XV, expandindo-se ao longo dos anos quatrocentos, com
investimentos de banqueiros alemães.

Nos séculos XV e XVI, as principais cidades italianas investiriam na produção e manufatura fora de
seu território; Veneza, em Creta, e Genova, em Granada, na Sicília e também nos senhorios
portugueses. É possível que Portugal exportasse ou reexportasse açúcar no século XII, como parece
sugerir a listagem da carga de um barco português naufragado na costa flamenga. Talvez esse açúcar
fosse do Algarve, ainda muçulmano. Fosse como fosse, entre o final do século XIV e início do XV, o
Algarve, já anexado a Portugal, certamente se incluía entre as regiões de cultivo da cana e fabrico do
açúcar, que aí também contava com participação genovesa. Em meados dos anos 1400, plantava-se
cana bem mais ao norte, junto a Coimbra. O açúcar ibérico era exportado não apenas para a Itália e
os Países Baixos, mas também para o sul da Alemanha e para a Inglaterra.

Com a expansão ultramarina, o açúcar chegou às Ilhas Atlânticas no século XV. [nota 2] O
arquipélago da Madeira tomou a frente, e a cultura e produção sacarina experimentaram uma forte
expansão de meados daquele século ao início do seguinte, com ritmo mais forte no último quartel de
Quatrocentos. Também na distribuição do açúcar madeirense, os genoveses e os judeus, alguns
recém-imigrados de outros reinos peninsulares e, depois, convertidos em cristãos-novos, tiveram um
papel ativo, assim como os flamengos, franceses, ingleses e alemães.

A ocupação da Madeira foi facilitada pela ausência de um povo autóctone. Todavia, sua topografia
montanhosa e a pouca irrigação natural de sua área mais quente e propícia ao cultivo da cana
obrigaram os colonos portugueses a construir as chamadas "levadas", um sistema de canais que
conduzia a água das montanhas para as plantações. Na Madeira, a propriedade fundiária era
fragmentada, e os senhores de engenho não eram, necessariamente, os maiores proprietários de
canaviais. Muitas vezes, o cultivo da cana e o fabrico do açúcar eram atividades separadas. Nos
engenhos da Madeira, a produtividade das técnicas de moagem empregadas era bastante baixa,
comparada à que se obteria posteriormente em São Tomé, nas Canárias e nas Américas, e o trabalho
de escravos nativos das Canárias, da Berberia e da Guiné era utilizado em proporção muito inferior à
que se encontraria em São Tomé e nas Américas.
Gravura da série do catálogo Nova reperta, de Jan van der Straet (ca. 1620-1630).
Ao centro, em primeiro plano, o corte da cana e, ao fundo, da esquerda para a direita, a moagem, a prensa na gangorra e o
cozimento.

A partir do início do século XVI, a exaustão dos solos, a falta de fertilizantes e as mudanças
climáticas, entre outras razões, levaram a economia açucareira madeirense a experimentar um rápido
declínio. Nadécada de 1530, o açúcar estava em crise, e os canaviais foram dando lugar a vinhedos.
Ainda assim, a produção madeirense manter-se-ia devido à qualidade superior de seus açúcares,
comparados aos de São Tomé e mesmo aos do Brasil, [nota 3] e, durante a ocupa​ção do nordeste
brasileiro pelos neerlandeses, verificar-se-ia até um ressurgimento da atividade na Madeira. Fora
desse surto, seguiria uma produção modesta, dedicada primordialmente à confeitaria.

Quando o limite de produção da Madeira começou a aproximar-se, o açúcar buscou novas fronteiras
e encontrou-as em outros arquipélagos atlânticos. Embora a presença europeia nas ilhas Canárias
seja bastante anterior à ocupação da Madeira, a resistência de seus nativos, conhecidos como
guanchos, retardou a efetiva ocupação de suas terras mais férteis. Foi apenas na penúltima década do
século XV que o açúcar emergiu no arquipélago, com a ajuda de técnicos madeirenses e capital
catalão, castelhano, português e, mais uma vez, genovês. O uso do trabalho de escravos com a mesma
origem dos empregados na Madeira também foi limitado e maior nos engenhos do que nos canaviais.
O ápice da produção canária deu-se no segundo quartel do século XVI. O contínuo desflorestamento
das ilhas não apenas reduziu o estoque de combustível necessário para o fabrico, mas também
prejudicou a irrigação do solo. No último quartel do século, as Canárias também substituiriam os
canaviais pelas vinhas.

Os portugueses não conseguiram grandes avanços nos Açores, cujo clima era mais frio, nem em
Cabo Verde, pouco úmido. Em São Tomé e, em menor medida, Príncipe, tiveram mais sorte. A
colonização desse arquipélago no Golfo da Guiné encetara-se no final do século XV já vislumbrando
a fabricação de açúcar, mas sua produção só se tornou significativa no segundo quartel de
Quinhentos. Ali, o clima úmido não restringia o cultivo a escassos trechos de terra irrigada, mas o
plantio dependia mais da mão de obra escrava importada, pois o arquipélago era pouco atraente para
os portugueses. A produção são-tomense chegou ao ápice em meados do século XVI e decairia no
seu último quartel, por causa da dificuldade de se lidar com os escravos, cujas revoltas
desestruturavam a produção, e também em decorrência das tentativas holandesas de conquistar a ilha
e de sua área, bastante pequena, quando comparada com a quantidade de terras disponíveis para
plantio do seu novo concorrente, o Brasil. Ao final da primeira década do século XVII, a produção de
São Tomé já era marginal.

Finalmente, o açúcar foi introduzido na América tropical pelos espanhóis e portugueses. De início, o
progresso foi maior na ilha de Hispaniola, onde hoje estão o Haiti e a República Dominicana. [nota
4] Como em São Tomé, não havia ali maior dificuldade na irrigação de terrenos e não se requeriam
grandes investimentos como nas levadas e terraços da Madeira. Era mais fácil e barato abrir novos
campos que adubar os antigos. A tecnologia de manufatura foi levada por especialistas portugueses, ​-
canários e italianos. As restrições, porém, continuariam a ser a escassez de mão de obra e a
dificuldade de transporte.

Iniciada na segunda década do século XVI, a produção de Hispaniola fez grandes progressos no
segundo quartel. Todavia, a partir da penúltima década, o desvio da rota das frotas espanholas para a
América e, depois, o despovoamento forçado de parte da ilha, para evitar o contrabando feito por
estrangeiros, além das revoltas de escravos e da atividade de corsários e piratas, determinaram sua
decadência. A produção na Jamaica, em Porto Rico e em Cuba seria ainda pouco expressiva até a
invasão de Pernambuco pelos neerlandeses.
Aqui, outro desenho estilizado de Jan van der Straet apresenta as diversas etapas da produção do açúcar em um engenho
hispano-americano baseado em mão de obra escrava africana. (Frankfurt, 1595).

No Mediterrâneo, a produção manteve-se e, em alguns locais, até prosperou ao longo dos séculos
XV e XVI, apesar da concorrência das Ilhas Atlânticas e de Hispaniola. O mesmo se deu no Marrocos
atlântico, principalmente no nordeste, na fértil bacia do rio Suz. Houve até algumas tentativas,
fracassadas, por parte dos Médicis e dos Valoises, de aproveitar a tendência expansionista e
introduzir a produção na Toscana, no Languedoc e na Provença. No entanto, a agromanufatura
açucareira no Grande Mediterrâneo, incluindo as áreas atlânticas adjacentes, na Península e no
Marrocos, sucumbiu no último quartel do século XVI, frente aos preços do açúcar brasileiro. A
região dispunha de poucas terras fartamente irrigadas, seu clima não deixava a cana atingir a
maturação máxima, e, portanto, o volume de sacarose nela contido era inferior ao da cana cultivada
nos climas tropicais. Por fim, o crescente desflorestamento na bacia mediterrânica encarecia a lenha,
necessária à produção. Apesar disso, até a entrada do Brasil no mercado, a demanda europeia
comportava seu preço. Depois, as disputadas terras irrigadas do Medi​terrâneo dariam lugar a outras
culturas, mais interessantes na nova conjuntura, ainda que resquícios esparsos do cultivo da cana
tenham sobrevivido até o século XVIII. [nota 5]

Mulato, de Albert Eckhout (ca. 1610-ca. 1666). A obra apresenta a personagem do mulato ao lado de uma plantação de
cana-de-açúcar.
Ao fundo, na linha do horizonte, três naus remetem ao comércio atlântico.
Nenhum desses problemas existia no Brasil, antes pelo contrário. Em terras brasileiras, assim como
em Hispaniola e talvez em São Tomé, a cana encontrava clima propício para sua maturação plena,
produzindo muita sacarose, e não havia riscos de geada nem dificuldades topográficas ou de
irrigação. Em anos normais, a zona da mata tinha irrigação farta e natural. O solo fértil, coberto pela
mata nativa apelidada de massapé [nota 6] – termo já usado nos Açores e na Madeira – era muito
favorável ao plantio. [nota 7] As terras mais baixas, que perdiam menos nutrientes com as chuvas,
eram amplamente disponíveis, ao contrário do que ocorria nas Ilhas Atlânticas (Macaronésia e São
Tomé) ou no Caribe. Podia-se, assim, tanto estender a cultura, com aumento da escala de produção,
como trocar as terras desgastadas por outras, virgens, quando fosse o caso. Além disso, as vertentes
dos muitos cursos d'água existentes podiam ser exploradas para gerar energia motora. [nota 8]

O resultado é que o Brasil podia produzir açúcar de qualidade satisfatória a preço razoável. No
último quartel do século XVI, o açúcar brasileiro era muito mais barato que o madeirense, mas
bastante mais caro que o de São Tomé. Em termos de qualidade, porém, estaria mais próximo do
primeiro do que do segundo. Com efeito, o açúcar madeirense continuaria sendo o mais reputado, o
que, ao longo da última década dos anos 1500 e das três primeiras dos 1600, ensejou a exportação de
açúcar brasileiro para a Madeira, para que, lá, fosse revendido mais caro, passando-se por açúcar
ilhéu. [nota 9]
Pão de açúcar produzido no Marrocos segundo o mesmo processo conhecido no Atlântico durante os séculos XV e XVI.

O Brasil, contudo, apresentava outras questões. À exceção de São Tomé e Príncipe, todos os centros
produtores que o precederam ficavam mais próximos da Europa, inclusive os do mar do Caribe, o
que implicava incremento do custo de transporte e a necessidade de instituir uma nova rota marítima,
para que não ocorresse o mesmo que em Hispaniola e São Tomé, onde a baixa frequência do
transporte havia prejudicado a produção. Como no caso dessas ilhas, a produção brasileira também
requeria trabalhadores especializados e braçais, que deveriam ser atraídos, os primeiros, e
compelidos ao labor, os últimos, já que a pequena população portuguesa se mostrava mais propensa
a singrar rumo ao Oriente. Como as Canárias e o Caribe, e ao contrário da Madeira, o Brasil não era
desabitado, o que impunha dificuldades e facilidades; de um lado, a recorrente oposição e resistência
dos nativos e, de outro, a possibilidade de reduzi-los a trabalhadores, com maior ou menor grau de
coerção. Por fim, também seria necessário o investimento de somas significativas nas lavouras e,
particularmente, nos engenhos, para a compra de escravos, bestas, instrumentos de cobre e outros, a
construção de moendas e edifícios do engenho, carros e barcos, o desvio de cursos de rios, o
preparo dos canaviais, o pagamento de mão de obra especializada etc. [nota 10]

Engenho de açúcar espanhol de finais do século XVI, Pedro Juan de Lastanosa (anterior a 1576).
Note-se, à direita, a mó que moe a cana cortada, com a gangorra ao centro (letra "O"). Parece tratar-se de um invento que
pretendia aumentar a mecanização e eficiência dos engenhos, particularmente o corte e a moagem.

A Prensa
Antes de examinarmos a evolução da produção açucareira no Brasil, observemos como se produzia
o açúcar na colônia. Não entraremos aqui na etapa agrícola, limitando-nos a ressaltar que, assim
como a qualidade do vinho depende das características da uva e do seu preparo, a qualidade do
açúcar depende do clima, do solo e da altitude do lugar onde a cana é plantada, da vida pregressa do
vegetal, das intempéries e outras vicissitudes que o acometeram naquela safra e, por fim, da perícia e
do cuidado no preparo. As condições físicas eram determinantes, o que, como acontece com o vinho,
permitia uma reputação geográfica, vinculando certas qualidades a certas regiões, em virtude de seu
solo, clima e tradição.

Ainda que as informações mais detalhadas sobre esse processo datem do início do século XVIII,
[nota 11] elas são bastante consistentes, assemelhando-se muito aos relatos menos pormenorizados
do início do século XVII. [nota 12] O preparo do açúcar dividia-se em cinco fases: moagem,
cozedura, purga, secagem e encai​xotamento. A moagem e o cozimento geralmente se faziam em
recintos distintos do mesmo edifício, ao passo que a purga e o encaixotamento eram realizados em
outra edificação, e a secagem, ao ar livre. [nota 13]

Esquema do Engenho da Petinga, situado no Recôncavo da Bahia, que, em 1742, foi adquirido para o colégio de Santo Antão em
Lisboa, padre Luís da Rocha, (ca. 1742).

Inicialmente, utilizavam-se no Brasil as mesmas técnicas empregadas para a moagem da cana no


Mediterrâneo e nas Ilhas Atlânticas. [nota 14] A primeira reproduzia a prensa das azeitonas nos
lagares: as canas eram, primeiro, picadas, para depois serem espremidas por uma mó vertical que
corria circularmente sobre outra deitada. Como nem todo o sumo era extraído, o bagaço era levado a
uma gangorra onde era posto sob a extremidade de uma grande viga, que tinha, geralmente na outra
ponta, uma rosca transposta por fuso vertical. O bagaço era espremido pelo peso da viga e pela
pressão produzida pela torção do fuso na rosca por tração humana ou animal. Em vez da mó, também
se podia utilizar dois cilindros horizontais para moer a cana, evitando a necessidade de picá-la, o que
já era uma economia de tempo e mão de obra. Ainda assim, essa moenda também não terminava de
extrair o caldo, sendo necessária a espremedura na gangorra.

Em algum momento entre 1608 e 1613, introduziu-se um novo tipo de moenda. Também usava
cilindros, mas eram três, em posição vertical e bem justapostos. ​Com três cilindros, era possível
passar a cana em uma direção e, depois, repassar o bagaço na outra. A tarefa era realizada por dois
trabalhadores, um de cada lado, continuamente, sem que alguém tivesse de dar a volta no
equipamento para repassar o bagaço, como na moenda de dois cilindros. A dupla passagem e a
justaposição dos cilindros economizavam toda a etapa de trabalho que envolvia a gangorra. A
inovação seria introduzida aos poucos, convivendo com as formas mais antigas.

Todas essas moendas podiam ser movidas por tração animal, bovina ou equina, bem como por força
hidráulica. Imprimindo mais pressão e velocidade, a opção hidráulica permitia o processamento de
um volume de cana muito maior e dispensava a reposição de animais cansados ou já esgotados; de
partida, contudo, dependia da disponibilidade de cursos d'água em desnível a serem desviados e era
suscetível a estiagens, ao mesmo tempo que exigia maiores investimentos em equipamentos. [nota
15]

A cana era limpa da palha e da lama antes de entrar na moenda, onde era comprimida ao máximo,
para que se retirasse tanto mais caldo quanto possível, porém com o cuidado de evitar que o bagaço
se esfarelasse sobre ele. O caldo recolhido era levado à casa das caldeiras, geralmente um recinto
adjacente à área da moenda, mas sob o mesmo teto. Ali, era depurado, reduzido e aglutinado,
primeiramente em duas caldeiras ou tachos grandes, e, depois, em uma série de tachos menores,
dispostos lado a lado sobre suas respectivas fornalhas. Essa área também era conhecida como Casa
dos Cobres, material de que eram feitas caldeiras, tachos, bacias e tanques (ou paróis).

A primeira caldeira limpava as impurezas grossas, retiradas com a primeira escuma lançada fora
pela fervura. Em seguida, abrandava-se a fervura jogando água no caldo​ e, para fazê-lo lançar novas
escumas, deitava-se sobre a água uma solução alcalina chamada "decoada", que ajudava a fazer
flocular as impurezas do caldo na escuma. Mistura de cal e cinzas quentes, retiradas das fornalhas,
em água fervente, a decoada continha hidróxido de potássio e hidróxido de cálcio, substâncias ainda
hoje usadas nos processos de branqueamento. [nota 16]
Engenho de três cilindros verticais (1613).

As escumas não eram desperdiçadas. Eram depuradas em um duto em forma de viola, em cujas
reentrâncias ficavam retidas as bolhas com as impurezas, enquanto o líquido condensado escorria.
Eram, então, devolvidas à mesma caldeira de onde haviam sido retiradas. O processo de adicionar
água fria e decoada alternadamente, para abrandar a fervura e depois fazer flocular as impurezas,
assim como a retirada das escumas e sua lenta decantação, era repetido várias vezes. Depois de meia
hora, o caldo passava à segunda caldeira, na qual se repetia o processo por mais tempo, até que
engrossasse, reduzido pela evaporação, e fosse considerado limpo. Era, então, coado em panos sobre
uma grade.
Engenho e moenda, Zacharias Wagener, (1614-1668). Vê-se a primeira caldeira junto à parede da esquerda e, sobre ela, o
duto para reaproveitar as escumas. À direita, vê-se a segunda caldeira. Entre elas, um receptáculo para armazenar decoada
e, ao lado, outros para armazenar água e depositar escumas para serem reaproveitadas. Junto à outra parede, veem-se os
tachos em tamanho decrescente da esquerda para a direita.

Depois, seria processado em fogo mais intenso, nos tachos [nota 17], recipientes menores que as
caldeiras e mais espessos, para aguentar o calor. Neles, cozia-se o melado até sua saturação.
Recebiam e produziam cada qual uma solução de maior viscosidade e pureza, conforme a etapa do
processo em que eram utilizados. Dependendo do engenho, o número de tachos e, consequentemente,
de etapas podia ser maior ou menor. A fervura era controlada com adição de gordura animal, e as
escumas continuavam a ser retiradas.

O último dos tachos recebia uma solução já concentrada e começando a cristalizar-se naturalmente.
Nela, o melado era batido, cristalizava-se sobre o lume enquanto era mexido e amassado com uma
colher específica, chamada de batedeira, para que se mantivesse homogêneo, até soltar-se do tacho.
Com a mesma batedeira, o melado era raspado e levantado do tacho para impedir que se queimasse.
O processo prosseguia até que estivesse na consistência certa para ir para a forma.

As formas dos pães de açúcar eram feitas de cerâmica e tinham formato cônico, com um furo na
ponta e a base aberta. Antes que o melado fosse derramado na forma, o furo era tapado, e as laterais,
reforçadas com fibras para que não arrebentassem. As formas eram, então, invertidas, e o melado,
introduzido pela abertura da base em três etapas. A cada etapa, o melado introduzido apresentava-se
mais cristalizado do que na etapa anterior, já que ficara mais tempo sendo batido. Por isso, essas
etapas eram chamadas de "têmperas", como os metais em estado candente saindo do fogo. Antes de
acrescentar uma nova têmpera, o conteúdo da forma era remexido e comprimido com uma espátula
ou uma colher grande, de modo que a porção recém-inserida formasse um só corpo com a anterior
ou as duas anteriores.

As formas eram, depois, levadas para a casa de purgar, geralmente sob outro telhado. Retirava-se a
tampa do orifício no bico e perfurava-se o melado, à força, com um instrumento de ferro. Em
seguida, apoiavam-se as formas, com o bico para baixo, nas aberturas circulares de estrados
montados para recebê-las. Abaixo de cada estrado, uma canaleta recolhia o melaço que escorria dos
furos.

Forma de açúcar de cerâmica proveniente do engenho Cordeiro, em Pernambuco (século XX).

Começava, então, o barreamento. À força, o açúcar já resfriado e seco na parte superior era
revolvido e reenformado, socado e nivelado, e a forma era coberta de argila. Alguns dias depois,
umedecia-se a argila, aguardando ainda outros dias, até que secasse. A umidade que o barro liberava
percolava os cristais, fazendo o melaço escorrer entre eles. {A} Retirava-se o primeiro barro e
voltava-se a revolver a camada superior e cobri-la de nova argila, umedecida várias vezes, em um
processo que poderia durar mais de um mês. Tanto a introdução do melado nas formas em porções
com diferentes graus de cozimento como o revolvimento das camadas facilitavam a absorção da
água barreada e sua decantação sem dissolução dos cristais.
A produção de açúcar num engenho brasileiro,
Romeyn de Hooghe, Utrecht (1682).

Note-se o grande trabalho com retirada das escumas. Vê-se um recipiente com decoada entre as caldeiras e um vasilhame
com água. Do lado direito da gravura, a representação do aproveitamento do melaço que escorria da purga talvez também
pretendesse retratar, de modo estilizado e combinado, o reaproveitamento das escumas e a filtragem do caldo das caldeiras
antes de passarem aos tachos.
O cano que aparece alimentando um grande tanque ao lado das caldeiras possivelmente era o que trazia o caldo da moenda.
Casa de purgar do Engenho Jundiá, em Vicência (PE), construção do século XIX.

Conforme o melaço pingava, a camada de argila descia. Por fim, retirava-se a argila e deixava-se
purgar por mais uns dias. A proximidade da argila melhorava a qualidade dos açúcares. O açúcar que
lhe ficava adjacente, chamado de "caras", por entender-se que ficava junto à "cara" da forma, era o de
melhor qualidade. Já aquele mais próximo ao furo da extremidade afunilada era menos puro e mais
amarronzado, pois continha mais melaço, e menos cristalizado e seco. Era esse o açúcar mascavado.

O açúcar que saía da forma, branco ou mascavado, era chamado de "açúcar macho", devido a seu
formato fálico. {B} A proporção entre branco e mascavado era variável, ficando, em média, em 2:1.
{C} Os açúcares brancos podiam ser separados em três tipos: os mais alvos e cristalizados, graças
ao contato com a argila; aqueles extraídos de um ponto um pouco mais fundo da forma, sendo um
pouco menos brancos e cristalizados e mais granulados; e, por fim, o terceiro tipo, já um pouco
amarelado. {D} A extremidade do mascavado, a mais escura e úmida, por ficar junto ao bico da
forma, era submetida a uma nova purga.
No detalhe de Vista do Engenho Real no Brasil (ca. 1650-1655), de Frans Post, o açúcar é seco e triturado sobre toldo
estendido em plataforma.

Além do açúcar macho, havia o açúcar de panela, formado por cristais de açúcar, com bastante
melaço. Esse açúcar não fora barreado, quer por ter escorrido da forma durante a purga, quer por
não ter sequer passado por ela. {E} Era exportado nesse estado ou aproveitado para a produção de
açúcar batido, no próprio engenho, ou de aguardente. Para produzir o açúcar batido, o melaço era
cozido e novamente batido nos tachos e purgado nas formas. O resultado eram novos açúcares
brancos, mascavados e panela, aos quais se adicionava o adjetivo "batido" ou "remel", no caso do
panela. O processo podia ser repetido várias vezes, {F} e esses açucares corresponderiam a cerca de
um terço da produção. [nota 18] Embora a qualidade dos açúcares batido e de "retame", outro
método de processamento secundário, fosse considerada inferior, segundo o senhor de engenho e
mercador Ambrósio Fernandes Brandão, ela dependia da competência do mestre de açúcar: "quando
se sabe aproveitar este açúcar, costuma a ser um muito bom e outro somenos, e algum sumamente
mau, segundo os mestres que o fazem são bons ou ruins". [nota 19]

Também se podia produzir açúcar, ainda que de pior qualidade, purgando as escumas dos tachos, o
que não era possível fazer a partir das escumas das caldeiras. Ao longo de todo esse processo, outros
subprodutos imprestáveis para a produção de açúcar eram consumidos por animais, escravos e
trabalhadores livres como complemento alimentar, doce, bebida e matéria-prima para bebidas
alcoólicas e rapadura.

Finda a purga, retirava-se o pão de açúcar da forma, e só aí se tinha certeza de que o resultado de
todo o trabalho fora positivo. Cortava-se com um facão o açúcar mascavado. Os açúcares branco e
mascavado eram levados a plataformas de madeira, sobre as quais se estendiam toldos. Ali, os blocos
de açúcar eram quebrados em torrões cada vez menores e, entre um fracionamento e outro, postos a
secar para que não se pulverizassem. Para secarem uniformemente, os torrões eram alternadamente
amontoados no centro do toldo e espalhados em suas extremidades. Enquanto estavam amontoados,
as extremidades do toldo e da plataforma acumulavam o calor do sol, que ajudava a secar os torrões
quando eram novamente espalhados. Temendo o estrago irremediável que a umidade poderia causar
ao açúcar, recomendava-se que a quebra só fosse feita em dias de céu aberto, e, se durante a secagem
pairasse alguma ameaça de chuva, os trabalhadores acorriam a acudir.

Seco, o açúcar era posto nas caixas já preparadas, vedadas por dentro com folhas de bananeira e
barro socado por pilões, de modo que ficasse unido e homogêneo. Os diferentes tipos de açúcar
branco poderiam ser separados antes de serem fracionados em torrões e encaixotados. Não sabemos
se a pesagem e a marcação já eram regulares antes da segunda metade do século XVII, {G} como se
tentaria depois. [nota 20] Sabemos apenas, como veremos, que as caixas levavam a marca da pessoa
por cuja conta e risco seriam transportadas e o número que permitia identificar o contentor na
listagem das cargas remetidas em um mesmo carregamento, indicações que ajudariam a monitorar o
percurso da caixa e detectar fraudes ou identificar onde haviam ocorrido. As fraudes, aliás,
começavam já nos engenhos, quando se vendia açúcar batido por açúcar mais fino encaixotando o
primeiro e cobrindo-o com uma camada do segundo. Como veremos, em algum ponto do trajeto, o
mesmo ocorreria com o açúcar mascavado e com o panela. [nota 21]

Paisagem brasileira com engenho (detalhe), Frans Post, (1660).

Em lugar de quebrar os pães de açúcar em torrões e fazer o chamado "açúcar abatido", podiam-se
embalar os pães inteiros como "açúcar em pé". [nota 22] Por vezes, cortavam-se pedaços da parte
branca do pão para comercializá-los como doces. Mais valiosas, as chamadas caras, a base do pão,
representando menos da metade da massa branca, eram cortadas, aplainadas e embrulhadas em palha
ou couro. Também podiam ser quebradas para encher pequenas caixas denominadas "fechos". Toda a
parte branca, de preferência a mais alva, era, ainda, partida em sextos ou oitavos e vendida na forma
de lascas, cujas arestas eram aparadas formando hexaedros.

Caixas, fechos, caras e pipas de melaço eram então expedidos em barcos ou carros de bois até as
embarcações que os levariam à Europa ou aos armazéns – paços {H}, em Pernambuco, ou trapiches,
na Bahia –, junto aos portos, onde esperariam pelo transporte transatlântico. [nota 23] Nos engenhos,
as caixas eram armazenadas em local resguardado da chuva e onde tomassem sol, para defender o
açúcar da umidade, o maior risco a que estava sujeito depois de encaixotado. [nota 24]

Trava-se de um processo quase que fabril, que incluía maquinário com alguma complexidade,
divisão do trabalho e hierarquia entre os intervenientes. {I} Os trabalhadores especializavam-se nas
diferentes tarefas realizadas contínuas e repetidas vezes, usando instrumentos específicos. A linha de
produção exigia a coordenação entre diferentes tarefas. O corte da cana era determinado pela
capacidade de moagem, para que não acontecesse de a cana secar à espera da moenda. A moagem,
por sua vez, tinha de levar em conta a capacidade e o ritmo nas caldeiras, e essas, a dos tachos, para
evitar que o caldo ficasse parado e azedasse. O caldeireiro, que mexia e retirava a escuma do caldo, e
o alimentador da fornalha, que ficava fora do edifício, deviam trabalhar em coordenação, para que o
caldo ou o melado não transbordasse ou parasse de ferver. Não podia faltar decoada para depurar o
caldo. Quando o melado estava pronto, devia haver formas preparadas esperando por ele, e era
preciso que houvesse toldos suficientes para aproveitar os bons dias de sol para a secagem. [nota 25]

O caminho crítico passava pelos cobres menores, seriam eles a ditar o ritmo e o volume de trabalho
das fases que lhe antecediam e sucediam. Por isso, procurava-se manter a cozinha funcionando em
plena capacidade, para extrair a maior produtividade dos investimentos. No entanto, a pressão podia
vir do campo. Um verão mais quente exigia o corte antecipado e sobrecarregava o sistema. [nota 26]
Escumadeira e caneco de ferro e madeira usado para passar o melaço de um tacho a outro e tacho de ferro e cobre (século
XX).

Eram tarefas muito delicadas e de grande precisão, cujos resultados teriam grande impacto no
rendimento do processo e no retorno do investimento. No último tacho, por exemplo, não se podia
bater o melado demais, pois não se deixaria purgar na forma, nem de menos, pois escorreria com o
melaço pelo furo afora. Na purga tinha-se de levar em conta a qualidade da cana moída e o clima. A
cana mais doce e menos velha ou aguada era a que produzia o melhor açúcar. Seu melado, porém,
demorava mais tempo na purga: era distribuído em mais formas, pois ia se avolumando à medida que
se cristalizava. Deixava mais açúcar cristalizado, ainda que se tivesse de umedecer sua argila muito
mais vezes, ao passo que o açúcar de pior qualidade, se fosse mais umedecido, acabaria se
dissolvendo e evadindo com o melaço. O calor também cobrava que se umedecessem as formas mais
vezes. [nota 27]

No topo da hierarquia estava o feitor-mor. Exceto nos casos em que o senhor do engenho assumia
essas funções pessoalmente, era ele quem cuidava da parte financeira e gerencial; planejava,
coordenava e controlava todo o processo produtivo, distribuindo as tarefas e supervisionando os
trabalhos, e articulava as atividades do engenho com os outros setores a que estava ligado na cadeia
de oferta. Do lado técnico, sobrestava o mestre de açúcar, cuja perícia se assentava sobre sua
experiência. [nota 28] Era ele ou seus subordinados próximos que decidiam as questões mais críticas,
geralmente entre uma fase e outra do processo, como, por exemplo, se o caldo da segunda caldeira
estava limpo e pronto para ser coado, se o melado do penúltimo tacho estava pronto para ser batido
no último e como inserir nas formas o melado já batido nas distintas têmperas. Também era preciso
cuidar do equipamento, não sobrecarregar a moenda com muitas canas de uma vez e manter sempre
algum líquido nas caldeiras, para que o cobre não sofresse a ação do fogo.

Naturalmente, o grau de divisão, especialização e hierarquização do trabalho variava com o tamanho


do engenho e a complexidade de seu equipamento, que em geral andavam juntos. Um engenho podia
contar com mais jogos de caldeiras, mais de uma moenda, moendas hidráulicas, canos e dutos em
lugar do transporte manual, guindaste, para alçar o reservatório que recebia o caldo da moenda e
fazer seu conteúdo correr para outro reservatório na área sobre as fornalhas etc. As tarefas, por sua
vez, podiam ser separadas espacialmente em maior número de recintos e edifícios. Os engenhos com
moendas hidráulicas moíam mais, liberando o nó que ligava o campo à cozinha. Entretanto, a maior
vazão dada pelas moendas hidráulicas recomendava manter a proporção de dois jogos de cobres para
cada moenda. [nota 29]

Antes
Os primeiros anos após a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral à costa oriental americana
não produziram grande efeito. Os esforços portugueses estavam concentrados na lucrativa
empreitada asiática, que se encontrava em sua fase épica. Convinha mobilizar para ela os parcos
homens e recursos disponíveis. Com efeito, entre 1500 e 1530, as atividades lusas na América
resumir-se-iam às expedições de reconhecimento e patrulhamento da costa, ao escambo com os
indígenas para garantir o fornecimento de pau-brasil e à criação de alguns fortes e feitorias,
entrepostos comerciais. Ainda assim, tem-se registro de vendas de açúcar brasileiro em Antuérpia, já
em 1519, e de direitos aduaneiros pagos em Lisboa em 1526. Ao que parece, alguns engenhos já
estavam em atividade no Brasil na segunda e na terceira décadas do século, por iniciativa ou com
apoio da Coroa. Sua produção, contudo, seria diminuta. [nota 30]
A garantia da soberania lusitana no território que Portugal via como seu quinhão no continente
americano, contra as reivindicações e investidas francesas e, em menor medida, castelhanas, exigia
uma presença efetiva de portugueses vivendo ali. Para fazer frente ao desafio, sem descuidar de seus
interesses na Ásia, a Coroa delegou a empreitada à incitativa privada, por meio do sistema das
Capitanias Hereditárias, já utilizado com sucesso na Madeira, embora em escala muito menor. Assim,
dividiu o litoral brasileiro em quinze faixas, distribuídas a doze donatários, escolhidos entre os
funcionários régios que mais se haviam destacado na empresa ultramarina no Oriente, por meio da
qual tinham granjeado meios que agora se esperava ver investidos na colonização brasileira.

As doações foram feitas em meados da década de 1530 e, em apenas oito das quinze faixas,
encetaram-se esforços colonizadores. Nessas, os donatários criaram povoações e distribuíram terras
aos que se dispuseram a cultivá-las. A produção açucareira parecia natural para a Coroa, os
donatários, os colonos e os investidores, dada a experiência portuguesa em outras possessões e a
grande demanda verificada no mercado europeu. Muitos donatários erigiram engenhos com fundos
levantados junto com mercadores do Reino e estrangeiros, alguns residentes em Portugal. Houve
certos resultados promissores em Porto Seguro, em Ilhéus e no Espírito Santo. Construíram-se
também engenhos na Bahia e em São Tomé (ou Paraíba do Sul, no atual Norte Fluminense).

Os melhores resultados, porém, deram-se em São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo, e
em Pernambuco, possivelmente devido a um envolvimento maior dos donatários e de seus
representantes e a maiores esforços no levantamento de fundos e na relação com os nativos. Em São
Vicente, o donatário erigiu um engenho em sociedade com homens de negócio flamengos, que
depois encampariam o empreendimento, gerido por meio de seus feitores. Um segundo engenho
pertenceria a um genovês. O donatário de Pernambuco tratou da segurança da povoação – a vila de
Olinda –, buscou investidores em Portugal, alguns representantes das grandes casas bancárias do sul
da Alemanha. Ademais, trouxe, por sua conta, lavradores, técnicos e artesãos da Península Ibérica e
das Ilhas Atlânticas e auxiliou-os no cultivo.
Engenho com duas rodas movidas por animais, Frans Post (século XVII).

Como já acontecera na Madeira, nas Canárias, em São Tomé e no Caribe, o principal desafio era a
mão de obra que o açúcar tanto exigia. Terras virgens em sítios inóspitos e proveitos duvidosos eram
pouco convidativos. Àquela altura, os portugueses propensos a fazer a vida no ultramar preferiam o
Oriente. ​Os nativos podiam ser aliciados por meio do escambo, porém apenas provisoriamente, o
que era incompatível com o trabalho continuado exigido pela cultura e ainda mais pelo fabrico do
açúcar. Às tentativas de coagi-los ao trabalho ou mantê-los cativos reagiram agressivamente. Pior era
quando expedições de gente de uma capitania procuravam apresar os indígenas das terras de outra, e
estes descontavam sua ira sobre os colonos locais, ainda que eles nada tivessem a ver com o
ocorrido. Ao fim da década de 1540, os portugueses viam-se na iminência de serem expelidos pelos
nativos de toda a costa, como, de fato, foram de muitas partes, com destaque para a desastrosa perda
da Bahia e de São Tomé. No restante do território, foram confinados a pequenas áreas dentro de suas
povoações, e boa parte dos investimentos perdeu-se.

Ficava claro que, sem uma firme intervenção da Coroa, a empresa brasileira não iria muito longe.
Em 1548, então, ela assume a iniciativa, com a criação do Governo-Geral. Até aquele momento,
mantivera o monopólio da extração do pau-brasil, arrendada a particulares, e algum controle fiscal
para arrecadar seus direitos sobre a produção das capitanias. Agora, lideraria o esforço de defesa
contra os nativos resistentes ou insurgentes e os estrangeiros tidos como invasores. Ademais, trataria
de evitar desavenças entre os colonos e, sobretudo, de impedir conflitos desnecessários com os
gentios. O Governo-Geral deveria apoiar os esforços colonizadores, que já se viam associados com
a produção açucareira desde o Regimento que o criara, distribuindo terras a quem se propusesse a
erigir engenhos ou plantar cana. Em contrapartida, exerceria maior influência na administração das
capitanias e passaria a comandar ​algumas diretamente.
Portugal começou a mudar sua atitude em relação a suas possessões americanas nos anos de 1520 a 1530, mas ainda seriam mais
posicionamentos políticos que fatos concretos no território. As dúvidas acerca da demarcação do Tratado de Tordesilhas
ameaçavam excluir o rio da Prata do domínio português e, dessa forma, complicar o acesso ao ouro e à prata que se sabia estar
algures no alto curso do rio. Pior era a constante presença francesa no litoral brasileiro. A França encontrava-se às turras com
Carlos V, rei de Castela, o que lhe dava razão adicional para ignorar o tratado e incentivar avanços no ultramar. Na área
americana abrangida pelo acordo entre Portugal e Espanha, pretendiam, além de comerciar com os nativos, estabelecer bases
fixas. Ainda que Portugal procurasse manter-se neutro no conflito franco-habsburgo, os corsários franceses tomavam
embarcações lusas no Atlântico e resgatavam pau-brasil na costa brasileira. As tratativas diplomáticas de dom João III com o
monarca francês não surtiram efeito, e a repressão portuguesa à presença francesa em "suas" possessões acabava por dar pretexto
aos reis franceses para emitirem cartas de corso.
Tornou-se urgente garantir o controle sobre a costa para evitar a instalação de concorrentes na estratégica rota da Índia, na
extração do pau-brasil, no imenso potencial agrícola e nas possíveis minas que aguardavam no interior do continente. Tomaram-se
algumas medidas: captura de navios franceses, finca de padrões portugueses no Prata e a fundação da Vila de São Vicente, a meio
caminho entre o Rio da Prata e o Rio Grande (do Norte). Todavia, mostraram-se insuficientes. Se a conquista espanhola do Peru,
pelo Pacífico, diminuira o interesse português pelo Prata, a persistência francesa ao longo de toda a costa brasileira, estabelecendo
alianças com tribos nativas contra os portugueses e atacando as embarcações lusas, aumentava a inquietação – alarme que só se
agravou com os acordos concertados entre a França, o Império Otomano e o Marrocos.

O Governo-Geral mobilizou seus próprios recursos disponíveis e os que recebia da metrópole para
liderar as ações militares nas áreas mais estratégicas e defender o território dos índios e dos
concorrentes europeus. Esse foi seu maior contributo. No primeiro quartel, consolidou os bolsões
portugueses. Salvador, sua capital, serviu de base para a expansão no Recôncavo, e os portugueses
foram se assenhoreando do seu interior. O mesmo deu-se em Pernambuco e Itamaracá: a partir de
Olinda e Igaraçu, assegurou-se, primeiro, o controle da várzea do Capiberibe e da área entre as duas
vilas, para, depois, organizarem-se duas campanhas contra os índios que se haviam entrincheirado ao
sul, na área do cabo de Santo Agostinho e no rio Serinhaém. À medida que essas terras se tornavam
seguras, iam sendo ocupadas por engenhos.

Os avanços indígenas sobre São Vicente, a partir da baía de Guanabara, foram repelidos, e os
franceses, que haviam realizado sua primeira tentativa concreta de fincar pé na costa e estabelecer a
França Antártica em 1555, tiveram seu forte destruído em 1560. Cinco anos depois, o temor de que
voltassem a entrincheirar-se na baía determinou a fundação da cidade do Rio de Janeiro e levou à
repressão da resistência indígena, da qual participaram moradores de outras capitanias e tropas do
Reino.

Não obstante, os franceses continuariam a frequentar a costa brasileira e a resgatar o pau-brasil com
os indígenas em áreas não povoadas ou pouco habitadas pelos portugueses. Acossavam os navios
lusos e atacavam povoações e fortificações, como Ilhéus, no atual estado da Bahia, e Cabedelo, na
Paraíba. Fariam ainda algumas tentativas de constituir uma colônia – a França Equinocial – no
Maranhão, que teve curta duração e acabou desbaratada pelos portugueses (1612-1615), deixando
como legado a povoação de São Luís.

Se, no Rio de Janeiro, provavelmente devido ao acosso pelos nativos, a produção açucareira só teria
expressão no século seguinte, em Ilhéus, em Porto Seguro e no Espírito Santo a resistência indígena
realmente impediu sua expansão. Já a produção de São Vicente permaneceu estagnada, talvez pela
estreiteza da faixa litorânea e pela distância da Europa.

A Coroa comprou a capitania da Bahia, onde pretendia instalar sua capital, dos herdeiros do donatário, e as capitanias que não
haviam sido colonizadas ou tinham sido perdidas para os nativos voltaram para o rei. Permaneceriam privadas apenas Pernambuco,
Itamaracá, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo e São Vicente. Nessas, o Governo-Geral interviria na Justiça, na defesa e mesmo na
admi​nis​tração propriamente dita. Também arrogaria intermediar a relação entre os cristãos e os gentios.
O Governo-Geral transformou o amontoado de enclaves de colonização pouco articulados entre si em um conjunto cada vez mais
consistente. Criou uma representação da Coroa mais próxima e atenta às questões locais e pretendeu mesmo mediar as relações
entre os colonos e a metrópole. Salvador foi fundada justamente para ser a sede desse governo. Ficava quase no meio da costa da
área designada pelo Tratado de Tordesilhas, na entrada de uma baía que oferecia um excelente porto natural, e era facilmente
defensável contra ataques por mar. Além disso, as terras do Recôncavo eram propícias à cultura sacarina. Com o tempo, tornar-se-
ia a capital administrativa, judiciária e eclesiástica do Estado do Brasil.

No último quartel de Quinhentos, os colonos já estabelecidos em Pernambuco e na Bahia, liderados


ou apoiados pelo Governo-Geral e mesmo com ajuda de forças vindas da Europa, estenderiam a
fronteira da colonização às áreas adjacentes. Da Bahia, prolongaram-na para a região entre o
Recôncavo e o rio São Francisco, no atual território do estado de Sergipe, mais propícia ao gado. De
Pernambuco, levaram-na às capitanias da Paraíba e do Rio Grande (do Norte), sendo a primeira
rapidamente ocupada por engenhos. Não trataremos aqui da costa leste-oeste, que liga o rio Grande
ao Amazonas, dada a irrelevância de sua participação na economia açucareira no início do século
XVII.

As terras conquistadas foram distribuídas, primeiramente aos colonos que se destacaram nessas lutas.
Já no Regimento de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral, há orientações específicas sobre
como deveriam ser as doações de terras. Àqueles que tivessem não apenas o interesse, mas a
possibilidade, isto é, recursos, para erigir engenhos, dar-se-lhes-iam as terras e as águas para as
moendas necessárias ao serviço e manejo dos engenhos. Entretanto, não se poderiam dar terras além
das "possibilidades" do investidor, e parte delas deveria ser reservada para lavradores de cana, cuja
produção os senhores de engenho teriam a obrigação de processar em troca de uma parcela dos
resultados. Assim, os lavradores com menos recursos disponíveis podiam participar da produção. Ao
mesmo tempo, ao reter parte do açúcar produzido com a cana plantada pelos lavradores, os senhores
de engenhos distribuíam a amortização de seus investimentos e partilhavam seus riscos com eles.
Os que investiam em engenhos novos ou na reedificação dos destruídos ou abandonados eram
premiados com um período de isenção de impostos. A Coroa procurou incentivar a imigração para o
Brasil, a princípio franqueando a passagem aos moradores da Madeira, dos Açores e de São Tomé e
estendendo o benefício da isenção de impostos, embora por prazo mais curto, também aos imigrantes
que se dedicassem à cultura da cana. A própria Coroa investiu na conclusão da construção de um
engenho na Bahia, a ser manejado por técnicos enviados da Madeira. Por fim, haveria um esforço
para garantir a efetiva ocupação das terras e evitar o absenteísmo dos proprietários, tendo os
beneficiários de aproveitá-las dentro de certo prazo, sob pena de serem redistribuídas. A norma não
foi sempre praticada, mas o contínuo esforço da Coroa em normatizar a ocupação com vistas à
produção açucareira demonstra seu empenho no projeto.

Além das terras, os colonos que se destacavam nas campanhas militares eram recompensados com
cativos, pois os índios resistentes e insurgentes podiam ser legitimamente escravizados, e, com
efeito, eram-no, aos milhares. Não menos importantes foram as brechas que as autoridades locais,
muitas vezes com o aval da Coroa, abriram para permitir a exploração dessa mão de obra indígena, a
despeito dos esforços dos clérigos para excluir os nativos, particularmente os catequizados, do
trabalho escravo.

À medida que essa expansão da fronteira colonial portuguesa se processava, as bases de apoio aos
franceses, seus aliados nativos e atracadouros, diminuíam. Assim, no terceiro quarto do século XVI,
o paulatino aumento da área povoada por portugueses protegida de ataques indígenas ou incursões
estrangeiras criava condições para o florescimento da produção açucareira no Brasil, e todos esses
esforços sinalizavam o compromisso da Coroa com seu estabelecimento e expansão e com a
proteção dos investimentos na cultura da cana, nos engenhos e na comercialização do açúcar. Com
isso, aqueles que tinham interesse, capital e experiência sentiam-se encorajados a empreender.

A transição da mão de obra escrava indígena para a africana foi lenta, não linear e espacialmente heterogênea. O número potencial
de indígenas no litoral baiano e nordestino passíveis de serem escravizados foi diminuindo com as guerras, os apresamentos
iniciais, a migração de alguns grupos nativos e as doenças trazidas pelos europeus, que também passavam pela Ásia, e pelos
africanos. Conforme esse estoque de indígenas escravizáveis diminuía, seu preço aumentava. Por outro lado, o trabalho árduo e
sistemático nos engenhos era um sorvedouro de mão de obra, provocando altas taxas de mortalidade.
Os escravos africanos eram mais caros, mas talvez fossem mais resistentes às doenças. O principal, porém, era o fato de sua oferta
ser mais flexível, e a legitimidade de sua escravização, não questionada. Nos portos africanos, havia escravos esperando para
serem embarcados, trazidos por uma rede há muito constituída dentro das próprias sociedades africanas. A demanda do mercado
brasileiro veio estimular esse comércio, que cresceu exponencialmente e cobrou a busca de novas áreas de recrutamento; um
processo dinâmico com reflexos nos dois lados do Atlântico. Além de a escravização africana ser admissível em uma gama mais
ampla de situações do que a indígena, os portugueses recebiam os negros, no litoral da África, já escravizados. Como não tinham
meios de saber em que circunstâncias haviam sido apresados no interior, tanto a escravidão como o tráfico acabavam,
convenientemente, legitimados. Por fim, o tráfico de escravos era também fonte de receita para a Coroa por meio de
arrendamentos dos direitos de exportação (e importação) dos entrepostos portugueses na África.
Nem à Igreja Católica nem à Coroa interessava que no sertão do Brasil se formassem redes de fornecimento de escravos nativos
como na África. A Igreja, que via nos índios um rebanho a ser angariado, condenava sua escravização. Os missionários,
particularmente os jesuítas, procurariam tomá-los sob sua tutela. A Coroa visava a paz e a aliança com os nativos, para evitar
sedições contra sua soberania, uma ameaça estratégica à colonização, o que só bem mais tarde as rebeliões dos africanos
passariam a representar. Ao mesmo tempo, pretendia ganhar mais súditos com a catequização e europeização dos indígenas. O
Governo-Geral procuraria promover o aldeamento, assentando, ainda que à força, índios de diferentes origens, evangelizados e
aportuguesados. Esperava-se que ali formassem um estoque de mão de obra assalariada. Grosso modo, só se permitia o cativeiro
de índios quando o escravo fora resgatado de outros índios ou em caso de "guerras justas" contra os nativos; conceito cuja
definição tornar-se-ia cada vez mais estrita, mas ainda permitiria suficiente campo para interpretação e negociações.
De início, a presença de africanos foi marginal. No último quartel do século XVI, chegariam a um quarto ou um terço dos
escravos em Pernambuco e na Bahia e, na década de 1630, eram a grande maioria. Justamente quando já se havia consolidado
uma rotina de tráfico e emprego da mão de obra escrava africana em larga escala, o acirramento do corso forçou a redução da
oferta e a elevação do preço. Para compensar esse choque de oferta, as tentativas de intensificar a escravização de indígenas,
principalmente no sul da colônia, levaram a conflitos virulentos entre colonos e jesuítas. [nota 41]

Festejo no arraial, Frans Post (1643 ou 1645).

Como vimos, grandes homens de negócio estrangeiros, principalmente flamengos, genoveses e


alemães aportuguesados, já ligados às empresas ultramarinas portuguesas e à distribuição de seus
produtos na Europa, fizeram investimentos considerados de risco no Brasil e nas ilhas. Contudo, ao
passo que a segurança desses negócios aumentava e os lucros eram vislumbrados, investidores
menores, como senhores de engenhos ou lavradores, também começavam a aportar recursos.

Os Dedos
Com custos menores que os das regiões concorrentes, em razão das excelentes condições
topográficas, geológicas, hidrológicas e climáticas, além dos ganhos de escala obtidos em
decorrência da disponibilidade de grandes extensões, o número de engenhos no Brasil crescia quase
sem parar. As informações disponíveis provêm de relatos de missionários, funcionários régios e
empreendedores que tinham lá seus interesses, incumbências e focos; e, portanto, não surpreende
que, por vezes, omitam dados, descuidem de capitanias e regiões inteiras ou exagerem algum valor.
Seja como for, as tendências que indicam são claras: o número de engenhos cresceu constantemente,
a um ritmo mais forte, entre 1570 e 1585, e mais brando daí a 1610-1612. O crescimento concentrou-
se, inicialmente, nas capitanias da Bahia e de Pernambuco.

Seguimos aqui Stuart B. Schwartz, que tratou de filtrar os números mais representativos e confiáveis,
ainda que imprecisos. {J}
Desde [nota 31] o século XIX, vários autores enveredaram-se pela penosa empreitada de estimar a
produção total de açúcar na colônia. [nota 32] Os mais recentes tentaram ponderar a produtividade
média dos engenhos e multiplicá-la pelo número de engenhos e comparar o produto a algumas cifras
oferecidas por cronistas coevos ao período tratado.
O gráfico acima {K} apresenta três abordagens distintas na estimativa da produção açucareira global.
[nota 33] Os valores reais provavelmente estavam em algum ponto entre as projeções mais
conservadoras e as mais otimistas, ou em torno delas.

As diferenças devem-se às divergentes avaliações dos autores quanto ao tamanho e à produtividade


média dos engenhos, segundo a frequência do uso de força motriz hidráulica ou animal e, a partir da
segunda década século XVII, também conforme a proporção de moendas com dois ou três cilindros.
Além disso, a produção poderia variar de acordo com a insolação, o excesso ou a falta de chuvas, o
desgaste do solo, a idade da planta, a presença de pragas, a qualidade da administração, os ataques
indígenas e a demanda esperada.

Mesmo em um bom ano, só uns poucos e grandes engenhos a água chegariam à média de 6.000
arrobas (aproximadamente 90.000 kg), e um número ainda menor poderia chegar a 10.000 arrobas
(cerca de 150.000 kg), como estimam alguns autores da época (ver nota 40). A vasta maioria rondaria
entre 2.000 e 6.000 arrobas, equivalentes a 30.000 kg e 90.000 kg.

Os autores são unânimes em afirmar o surto positivo da economia açucareira no Brasil, até o início
dos anos 1610, com particular vigor entre 1570 e 1585. [nota 34] Foi nesse período que o Brasil
passou a ser o principal fornecedor mundial de açúcar. Como vimos, sua concorrência acentuou as
dificuldades endógenas do Grande Mediterrâneo, da Madeira, de São Tomé e Hispaniola. Além das
condições já mencionadas, esse crescimento teria sido impelido também pela conjuntura
internacional ou, mais bem, europeia, que fazia elevar os preços. Concorriam para isso
particularmente o afluxo de prata das Américas, o crescimento populacional, a urbanização da
Europa e a capacidade ociosa para suprir o abastecimento dessa população, a progressiva
estabilidade das instituições e a crescente integração e expansão dos mercados do Velho Mundo ​(e
também do Novo), cuja produção se voltava, cada vez mais, à comercialização. [nota 35]

Os dados sobre os preços são ainda mais problemáticos que os relativos ao número de engenhos e a
sua produção. Há poucas séries de preços consistentes, e as existentes não cobrem todos os anos. As
cifras normalmente não diferenciam os subtipos, a região de origem e o estado de conservação,
fatores de grande impacto no valor do açúcar. As dificuldades agravam-se quando há poucas
observações disponíveis para um mesmo ano, impedindo a identificação de sazonalidades que
podiam decorrer da oferta, da demanda, da disponibilidade de transporte etc. Quando os dados têm
origem institucional, registram preços pouco móveis ou mesmo tarifados. O principal problema é
que os preços oscilavam muito e muito rapidamente, até em um mesmo dia, o que dificulta a
avaliação da representatividade dos dados. [nota 36]

Mais uma vez, a despeito de suas deficiências, as cifras coligidas sugerem tendências. Reproduzimos
aqui os dados colhidos por Cristopher Ebert, para o Brasil, Portugal e o norte da Europa, por serem
os mais abrangentes, compreendendo quase todos os publicados anteriormente, com um maior
número de observações por ano. [nota 37]
Percebemos [nota 38] que, nos anos 1580, o nível de preços praticado na colônia já era o dobro do
que havia sido na metade da centúria. Até 1611, elevar-se-iam, mas, ao que tudo indica, mais
lentamente. Na segunda década dos 1600, decresceriam levemente, até voltar a níveis próximos
àqueles dos anos 1590, possivelmente em consequência da estagnação das exportações de prata da
América Espanhola. [nota 39]

As opiniões dividem-se quanto à prosperidade da economia açucareira na segunda década do século


XVII: os custos iam-se elevando, já que as boas terras junto aos cursos d'água e próximas aos centros
mercantis já haviam sido ocupadas. O trabalho era, cada vez mais, realizado por escravos africanos,
comprados a crédito, por altos preços. Com os custos em alta, incluindo o do capital, os senhores de
engenho ficavam mais vulneráveis a quebras nas safras, a contrações da demanda pelo açúcar e aos
prejuízos causados por revoltas, fugas e morte de seus escravos. [nota 40]

O Fôlego
Não há controvérsias, porém, quanto ao fato de que uma redução da prosperidade se iniciou entre
1618 e 1623 e persistiu até os primeiros anos da conquista neerlandesa do Nordeste, ainda que alguns
a tomem como conjuntural ou cíclica. [nota 42] Em 1618, os preços começaram a cair na Europa e
no Brasil, chegando aos níveis do século anterior. A demanda contraiu-se. Já vimos como, a Guerra
dos Trinta Anos, que eclodiu em 1618 entre as potências europeias, deu início a devastações em larga
escala e gerou quebras nos fluxos de mercadorias e fundos, além de consumir muitos recursos. Esse
período assistiu também a uma redução mais acentuada da chegada de carregamentos de prata
americana à Europa. Para cobrir os gastos, os governos compensaram depreciando fortemente o
conteúdo metálico das moedas e, depois, revalorizam-nas, semeando ainda mais incerteza nos
mercados. [nota 43]

Entrementes, a oferta aumentava, [nota 44] e a colônia sentia os efeitos. Já em 1618, funcionários da
Coroa informavam sobre a dificuldade de se encontrarem arrendatários para a arrecadação dos
dízimos no Brasil, devido às secas, à mortandade de escravos em epidemias e, possivelmente,
também em decorrência das isenções e imunidades concedidas aos senhores de engenho pela Coroa.
Ao que parece, a exaustão do solo comum em áreas há mais tempo cultivadas teria sido a causa de
um engenho régio na Bahia não encontrar compradores nem arrendatários, e de outros, adjacentes,
serem despovoados. Em Portugal, os revezes em outras licitações para arrecadação de impostos
refletiam as dificuldades. [nota 45]

Engenho Maciape, Zacharias Wagener (1614-1668).


Apesar das dificuldades de transporte e mão de obra, o número de engenhos no Brasil Colônia continuou a crescer durante a
guerra.

Enquanto oferta e demanda divergiam, o comércio padecia com a repressão religioso-social e a


guerra. Entre 1618 e 1621, uma forte e premeditada ação inquisitorial na cidade do Porto, centro
reexportador de açúcar, e no Brasil redundou na prisão de dezenas de mercadores de ascendência
judaica, principalmente na cidade portuguesa. As prisões e o sequestro dos bens dos presos e
prófugos sobressaltaram o comércio. [nota 46] Pior foi o fim da Trégua dos Doze Anos, em 1621. A
volta das hostilidades restaurou o embargo à navegação e ao comércio neerlandês em Portugal,
encarecendo a reexportação do açúcar em um contexto de retração do mercado. Os corsários
neerlandeses somaram-se aos piratas da Berberia, acossando o triângulo entre a Península Ibérica, o
Marrocos e as Ilhas Atlânticas. Para culminar, criou-se a Companhia das Índias Ocidentais (WIC),
que, em 1623 e 1624, realizaria ataques ousados de ambos os lados do Atlântico e tentaria conquistar
ao menos parte da região onde se havia implantado a agromanufatura açucareira no Brasil. Com
efeito, por um ano, entre 1624 e 1625, a Companhia dominou Salvador e aterrorizou o Recôncavo,
desestruturando a produção e o comércio da região. [nota 47]

A guerra encarecia o transporte e os escravos. [nota 48] Com a redução da oferta de transportes, os
açúcares estocados acumulavam-se, alguns engenhos ficavam a fogo morto; isto é, inativos,
diminuíam sua produção, eram vendidos ou tomados por credores. Em consequência, em 1623 e
1624, os valores ofertados para o arrendamento dos impostos eram expressivamente menores que na
década anterior. [nota 49] Não obstante a contração da demanda, os custos com os escravos e a
escassez de transporte, o número de engenhos continuaria aumentando na colônia, chegando a 346
em 1629 e expandindo-se especialmente nas regiões virgens, como já vimos. [nota 52]

Os dízimos eram o imposto de 10% sobre o valor da produção, que, em lugar de ser cobrado diretamente por quem de direito –
nesse caso e período, a Coroa –, era arrendado a terceiros em hasta pública. Os valores de que dispomos não são os dos dízimos
efetivamente auferidos, mas os dos lances pelos quais o direito de cobrá-los foi arrematado e que, naturalmente, indicam as
expectativas dos arrematadores quanto à arrecadação. Suas estimativas baseavam-se em sua avaliação da safra e da conjuntura
econômica. O imposto recaía sobre outros produtos, porém o açúcar constituía a maioria absoluta.
Como indício do valor das exportações de açúcar, o montante arrecadado como dízimo peca mais pelas omissões que pelas
inclusões, já que esse imposto não incidia sobre os açúcares de segunda qualidade – panelas, meles, batidos e retames – e muitos
produtores eram isentos de seu pagamento, tais como senhores de engenhos recém-construídos ou reconstruídos, membros de
ordens militares e eclesiásticas etc. Por conseguinte, nem a arrecadação nem sua expectativa refletiam o total do açúcar exportado.
Ademais, a arrecadação estava sujeita à sonegação. Por outro lado, os rendeiros tendiam a subavaliar a produção tributável, com
o fim de reduzir a maquia a ser paga à Coroa.
O arrendamento dos dízimos de algumas capitanias ora eram agrupados – Pernambuco com Itamaracá e Paraíba; e Bahia com
Sergipe, Ilhéus e Porto Seguro, por exemplo –, ora singularizados. Nem sempre há dados de todas as capitanias, e os totais
apresentados acima podem estar incompletos. Além disso, os pagamentos podiam ser feitos parte em mercadoria, parte em moeda,
o que complica ainda mais os cálculos. Por fim, os documentos em que as cifras são mencionadas têm natureza variada; são
relatórios oficiais, requerimentos e queixas dos arrendatários, propostas para melhoria das contas públicas etc. Ainda que o
montante pelo qual os dízimos foram arrematados fosse facilmente verificável, alguns dados poderiam chegar a ser enviesados
pelos autores desses documentos, que eram parte interessada, tais como os próprios rendeiros queixosos da arrecadação ou
arbitristas que pretendiam receber benesses da Coroa aludindo a grandes diferenças entre os valores ofertados pelos rendeiros e o
efetivo valor tributável. [nota 53]
Obs.: os trechos listrados correspondem a intervalos de preços encontrados para aquele ano. [nota 55]

Julgamos seguro afirmar que, multiplicada a produção pelo preço, a receita das exportações de
açúcar na colônia apresentou uma tendência positiva durante o período analisado, de 1595 a 1630, em
ritmo mais ou menos acelerado, com alguns altos e baixos. Vê-se esse entendimento reforçado nos
valores do arrendamento da cobrança dos impostos, dízimos, sobre a produção na colônia. Apesar de
sua problematicidade (veja o quadro da página anterior)​ e de quebras entre 1618 e 1626, os lances
pelo arrendamento chegaram a seu pico em torno de 1627, a despeito das queixas de produtores e
rendeiros. [nota 50] Interpretamos que isso se devesse à expansão da produção, que, como vimos, se
alargava, ainda que à custa de uma rentabilidade menor, e possivelmente também à expectativa de
anos agraciados com melhores condições climáticas e epidemiológicas. Valem aqui as críticas de
Ferlini à visão pessimista sobre a virada da terceira década, que observa que não só o ​r itmo de
produção continuou crescendo como as oscilações dos preços foram apenas conjunturais e
temporárias. {L} Para essa autora, a crise e a reordenação europeia só afetariam a produção da
colônia de modo definitivo na segunda metade do século. [nota 51]

Os valores de Lisboa apresentam tendência semelhante aos do Brasil: alta até 1610, ligeira queda até
1618-1619, forte depreciação a partir daí, e recupe​r ação após 1625. Também os dados para o norte da
Europa – Amsterdã, Antuérpia e Hamburgo –, ainda que poucos e relativamente esparsos,
demonstram um comportamento semelhante aos do Brasil e de Lisboa. [nota 54]

A principal diferença entre o comportamento dos preços no Brasil e na Europa é que, em períodos de
guerra, os distúrbios nos transportes redundavam em picos, para os preços europeus, e vales, para os
das colônias. Os preços no Brasil teriam se elevado muito suavemente a partir de 1625 – ou seja, a
partir da retomada da Bahia e da maior oferta de transporte –, enquanto, em Lisboa, os preços
apresentaram tendência inversa: alta, com a tomada da Bahia, e queda, com a sua recuperação. [nota
56] Todavia, a precariedade dos dados não permite inferências maiores. Cremos que são por demais
parcos e muitas vezes problemáticos, para gerar estimativas conclusivas quanto à lucratividade do
comércio açucareiro, tanto mais sem considerar outros aspectos que incidiam sobre seus custos para
além do transporte, como os gastos com agentes, serviços portuários e carreto, aluguel de armazéns
e, principalmente, tributação, incluindo as diferenças locais {M} – os portos do norte de Portugal
buscavam incentivar [nota 57] o comércio e a navegação –, isenções [nota 58] e o impacto dos
sistemas de arrendamento das receitas tributárias e os métodos de evasçao, elisão e fraude; fatores
que oscilavam no curto prazo e de caso para caso. [nota 59]
{ A } O barro era retirado do solo argiloarenoso de áreas próximas a manguezais, os chamados apicuns. Porosa, essa argila permitia o
fácil escoamento da água e não retinha o melaço. Para formá-la, deixava-se que o barro secasse sobre o cinzeiro no qual se
preparava a "decoada", o que talvez o tornasse uma barrela alcalina que branqueasse os cristais. (ANTONIL, A. J. Cultura e
opulência do Brasil por suas drogas e minas, pp.95-6, 113, 157-9, 157-8 n.37 e UCHA, J. M. et alia, Apicum, passim.)

{ B } As associações fálicas a que as formas e, portanto, os pães de açúcar se prestavam, não sendo em vão que os açúcares purgados
se chamavam machos, podem ser observadas em uma denúncia à visitação da Inquisição à Bahia em 1591. O denunciante
mencionava um episódio em que "estando hũm mestre de açuqueres emformando o açucare nas formas dise [sic.] que se alli
estivera Nosa [sic.] Senhora tambem a encorporara naquella forma". (Primeira visitação do Santo Offício às partes do Brasil, [...]
denunciações da Bahia, pp.331, 338.)

{ C } Em alguns casos, porém, parece que a relação se invertia. Podemos supor que a etapa de barreamento fosse, por vezes, abreviada
para atender às oportunidades de comercialização imediata ou à disponibilidade de transporte. (GONÇALVES, R. C. Guerras e
açúcares, pp.205-7.)

{ D } Ao menos na segunda metade do século XVII, esses subtipos de açúcar branco seriam conhecidos como "finos" ou "caras",
"redondo" e "baixo", respectivamente, e o mascavado da ponta da forma, mais úmido e escuro, era chamado de "cabucho" ou "pé
da forma". (ANTONIL, A. J. Cultura e opulência do Brasil..., p.167; e SCHWARTZ, S. B.​ Sugar plantations in the formation of
Brazilian society, pp.122-5, 163.)

{ E } Schwartz designa como "panela" o melado que não fora purgado nas formas, e não aquele que escorria delas. (SCHWARTZ, S. B.
Sugar plantations..., pp.120-1.) No entanto, Antonil, principal fonte para o processo de produção do açúcar, escreve: "O que pinga
nas formas do macho quando se purga chama-se mel; e o que escorre do batido branco chama-se remel. Do mel uns fazem
aguardente destilando-o; outros o tornam a cozer para fazerem batidos, e outros o vendem a panelas aos que o destilam ou cozem.
E o mesmo digo do remel". (ANTONIL, A. J. Op. cit., p.167.)

{ F } Segundo Schwartz, até seis vezes, dependendo da qualidade do açúcar. (SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., p.119.)

{ G } A pesagem serviria para calcular a parte que caberia a um lavrador de cana, arrendatário do senhor de engenho ou não, e o valor
dos impostos, bem como para informar aos futuros compradores. Antes de serem encaixotados, os açúcares seriam levados nos
toldos em que haviam sido secos, para serem pesados. A partir da segunda metade do século XVII, as autoridades tentariam impor a
obrigatoriedade de marcar as caixas a ferro nos engenhos, de modo que se pudesse identificar o peso, a qualidade e a procedência
do açúcar e a pessoa por cuja conta e risco seria transportado. Essas indicações facilitavam a avaliação do produto, já que indicavam
os três principais elementos para seu cálculo: massa, sorte e origem. (SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.121-5)

{ H } Na Paraíba, também se usaria o termo paço, mas, ao que parece, funcionaram em período posterior: GONÇALVES, R. C. Op. cit.,
pp.208-9.

{ I } Valendo-se do arcabouço conceitual marxista, Vera Ferlini descreve o processo de trabalho nos engenhos como realizado por
trabalhadores parciais e específicos em atividades sequenciais e conexas, em um processo contínuo, com um ritmo de trabalho
coletivo, e não individual. A divisão e especialização do trabalho, bem como sua separação espacial, aumentavam a produtividade
do trabalho, ao passo que diminuíam as lacunas na jornada de cada trabalhador. A maior parte dos trabalhos simples tendia a ser
realizada por escravos, sendo os trabalhadores livres designados para os cargos técnicos mais complexos e para a supervisão e a
gerência. À medida que o trabalho era simplificado pela subdivisão das tarefas, podia ser delegado aos escravos. (FERLINI, V. L.
A. Terra, trabalho e poder, pp.135-213.)

{ J } Schwartz vale-se dos seguintes cronistas para os respectivos anos: Pero Magalhães Gândavo, para 1570; o padre Fernão Cardim,
para 1583; o sargento-mor Diogo de Campos Moreno, para 1612 (sendo os dados sobre as capitanias do Espírito Santo e Rio de
Janeiro relatados pelo jesuíta Jácome Monteiro, em 1610); e, muito provavelmente, do provedor-mor Pedro Cadena de Vilhasanti,
para 1629. Outros poderiam ser incluídos, mas seriam ainda mais lacunares e imprecisos. (Para bibliografia concernente, ver nota 31
no fim deste capítulo.) Frédéric Mauro escolhe aqueles que considera os dados mais fiáveis e os resume estimando os seguintes
valores: 1570 (60 engenhos); 1585 (130); 1610 (230); e 1629 (346). (MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, p.257.)

{ K } Na primeira abordagem do gráfico, agrupamos três autores que, cremos, de certa forma, complementam-se – Roberto Cochrane
Simonsen, Mircea Buescu e Frédéric Mauro –, enquanto as outras duas, de Stuart B. Schwartz e Leonor Freire Costa, questionam os
totais calculados por seus antecessores. (Para mais detalhes, ver nota 32 no fim deste capítulo.)

{ L } Regina Célia Gonçalves, por sua vez, ressalta que, no Rio de Janeiro, os negócios do açúcar continuavam a ser extremamente
vantajosos. (GONÇALVES, R. C. Guerras e açúcares, pp.183-4.)

{ M } Não tratamos nesta obra do aspecto tributário do comércio do açúcar, que merece um estudo mais aprofundado.
Capítulo Dois // O Pé

[1] Sobre a difusão da produção sacarina do Sudeste Asiático ao Mediterrâneo, entre a Antiguidade e
a Idade Moderna, ver:
DEERR, N. The history of sugar, v.1, pp.69-87;
GALLOWAY, J. H. The sugar cane industry, pp.19-47;
PHILLIPS JR., W. D., Sugar in Iberia, pp.28-34; e
GODINHO, V. M. Os descobrimentos e a economia mundial, v.4, pp.71-3.

[2] Sobre as Ilhas Atlânticas, ver:


MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.243-253;
RAU, V. O açúcar de S. Tomé no segundo quartel do século XVI, pp.3-6;
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.7-15;
VIEIRA, A. Sugar islands, pp.42-84;
GALLOWAY, J. H. Op. cit., pp.48-61; e
TAVARES, M. J. P. F. Os judeus em Portugal no século XV, vol.1, pp.283 e 289-290.

[3] RAU, V. O Açúcar de S. Tomé no segundo quartel do século XVI, p.6.

[4] Para Hispaniola e Cuba, ver:


GALLOWAY, J. H. Op. cit., pp.61-70;
MOREL, G. Rodríguez. The sugar economy of Española in the sixteenth century, pp.85-114; e
FUENTE, A. de la. Sugar and slavery in early colonial Cuba, pp.114-157.

[5] GALLOWAY, J. H. Op. cit., pp.33-4, 61.


PHILLIPS JR., W. D. Op. cit., p.27.
DEERR, N. Op. cit., v.1, pp.78-9, 81, 87, 95.

[6] Sobre a origem madeirense do termo massapé, veja a nota de Andrée Mansuy em: ANTONIL, A.
J. Cultura e opulência do Brasil, p.111, n.1.

[7] "The Recôncavo of Bahia and the várzea (riverside lowlands) of Pernambuco had both the
appropriate soils with large areas of massapé and the advantage of rivers [...] that supplied water
to power the mills and provided for easy transport to the port": SCHWARTZ, S. B. A
commonwealth within itself, p.159.
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho e poder, pp.221-222.

[8] MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, p.254.


GALLOWAY, J. H. Op. cit., pp.45-6.
Sobre o impacto desses fatores limitantes na Madeira e nas Canárias, ver:
VIEIRA, Alberto. Sugar islands, pp.44-45, 48.

[9] MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.248-251.


EBERT, C. The trade in Brazilian sugar, p.187.
VIEIRA, A. Sugar islands., p.71.

[10] Veja, entre outros:


SIMONSEN, R. C. História econômica do Brasil, p.98;
MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.279-298;
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.202-241;
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., pp.215-285; e
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil, pp.43-45.

[11] ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.111-170.

[12] BRANDÃO, A. F. Op. cit., pp.98-9.


OLIVEIRA, M. L. A História do Brazil de frei Vicente do Salvador, v.2, fls. 155-6.
Veja também:
GAMA, R. Engenho e tecnologia, pp.72-9, 163-4, 171;
MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.265-277;
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations in the formation of Brazilian society, pp.116-121;
GALLOWAY, J. H. The sugar cane industry, pp.37-40;
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho e poder, pp. 135-213; 215-285.

[13] GOMES, G. Engenho e arquitetura, pp.92-104, 182-5.

[14] VIERA, A. Sugar islands, p.50.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.122-3, 26.

[15] Especificamente sobre as moendas, ver:


GÂNDAVO, P. M. Tractado da terra do Brasil, fl. 5v.;
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil, pp.244-5;
BRANDÃO, A. F. Op. cit., pp.97-8;
OLIVEIRA, M. L. Op. cit., v.2, fls. 155-6;
ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.121-136;
GAMA, R. Op. cit., pp.91, 97, 105, 107, 119, 123, 125-7, 130, 133;
MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.268-271;
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.3-4, 22-3, 125-9; e
FERLINI, V. L. A. A. Terra, trabalho e poder, pp.151-3.

[16] Agradeço as informações técnicas, incluindo a terminologia, prestadas pelo engenheiro químico
Antonio Marcos Furco, Diretor de Tecnologia Industrial da ETH.

[17] Chamados por Antonil de "tachas". Utilizamos aqui a forma mais comum para o leitor
contemporâneo.

[18] GONÇALVES, R. C. Op. cit., pp.207.

[19] BRANDÃO, A. F. Op. cit., pp.99-100.

[20] SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.121-5.

[21] ANTONIL, A. J. Op. cit., p.166; PRO, SP, 9/104, fl. 126.

[22] ADP, NOT, PO1, l. 132, fls. 18v.-20v. (1611-8-2).

[23] MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.306-7.


COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.3301, 332-3.
GONÇALVES, R. C. Op. cit., pp.208-9.

[24] "[...] se o açúcar se umedecer, ainda que o tornem a pôr ao sol, nunca mais se torna a ser perfeito
como era: assim como o que ficou de um ano para outro perde de tal sorte o vigor e alvura, que
nunca mais a torna a cobrar": ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.155, 163-5

[25] BRANDÃO, A. F. Op. cit., pp.100-101;


ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.163-5.

[26] ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.128-9.


GAMA, R. Op. cit., pp.74, 77-9; e
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…., pp.109-110

[27] ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.159-162.

[28] FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., pp.180-200.

[29] ANTONIL, A. J. Op. cit., pp.128-9.


GAMA, R. Op. cit., pp.74, 77-9.
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.109-110

[30] Sobre o início da colonização e a produção açucareira no Brasil, veja:


SOUSA, G. S. Tratado descritivo do Brasil, passim;
OLIVEIRA, L. M. Op. cit., vol.2, passim;
Regimento de 17 de dezembro de 1548 do Governador Geral do Brasil, In: Documentos para a
história do açúcar, vol.1., pp.45-62;
Alvará de 23 de Julho de 1554 de Isenção dos Tributos sobre Açúcar, In: Documentos para a
história do açúcar, v.1, pp.111-113;
Alvará de 5 de Outubro de 1555 sobre Construção de Engenho de Açúcar pela Fazenda Real, In:
Idem, pp.121-123;
VARNHAGEN, F. A de História geral do Brasil, tomo I, pp.106, 168, 175-181. 198-202;
MAURO, F. O Brasil, Portugal e o Atlântico, pp.202-6, 254-264;
BERGER, P.; WINZ, A. P.; GUEDES, M. J. Incursões de corsários e piratas na costa do Brasil, In:
História Naval Brasileira, v.1, t.II, pp.480-1, 486-7;
BONNICHON, P.; FERREZ, G. A França Antártica, pp.404-441, 447-470;
BONNICHON, P.; GUEDES, M. J. A França Equinocial, pp.525-541;
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., pp.15-22, 165-6;
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., pp.22, 84-5;
JOHNSON, H. Das feitorias às capitanias, pp.237-238;
JOHNSON, H. A Indústria do açúcar, 1570-1630, pp.259-260;
SILVA, M. B. N. A Sociedade, pp.422-428;
ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes, pp.117-120, 122, 125-7, 129;
RICUPERO, R. A formação da elite colonial, pp.93-125, 243-322;
GONÇALVES, R. C. Op. cit., passim;
STOLS, E. Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas,
passim;
FERREIRA, A. M. Problemas marítimos entre Portugal e a França na primeira metade do século
XVI, passim;
COUTO, Jorge. O conflito luso-francês pelo domínio do Brasil até 1580, pp.114-117;
MERÊA, P. A solução tradicional da colonização do Brasil, p.167;
CARVALHO, F. N. Da instituição das capitanias-donatárias ao estabelecimento do Governo-
Geral, p.115; e
SALDANHA, A. V. de. As capitanias do Brasil, pp.21-22.

[31] BUESCU, M. História econômica do Brasil, p.66.


MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.254-265.
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., pp.164-7.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp. 166-167.
FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização, pp.75-76.
GONÇALVES, R. C. Op. cit., pp.186-194.

[32] VARNHAGEN, F. A. de. História geral do Brasil, tomo 2, pp.21-2.


[33] Roberto Cochrane Simonsen estimou a produção global do açúcar brasileiro a partir dos valores
apresentados pelas fontes, ora prima facie, ora por interpolações, ora por projeções pouco claras
ao leitor. Simonsen aponta os dados que lhe parecem mais fiáveis e representativos, sem, todavia,
justificar suas escolhas nem comparar os valores para o número de engenhos e a produção
global com a capacidade produtiva dos engenhos: SIMONSEN, R. História econômica do Brasil,
pp.112-3, quadro fora do texto, p.382.
Celso Furtado considerou as cifras escolhidas por Simonsen demasiado conservadoras e seguiu
estimativas anteriores para afirmar categoricamente, que
"Ao terminar o século XVI, a produção de açúcar muito provavelmente superava os
2 milhões de arrobas": FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil, pp.42-43.
O primeiro estudo mais crítico sobre a produção e a produtividade açucareiras foi o de Mircea
Buescu, que chamou a atenção para a incongruência desses dados: ou o número de engenhos era
maior ou a produção total menor, pois a produtividade média não poderia ser de 10.000 arrobas
e muito menos as extrapoladas por Furtado e outros. Interpolando os dados oferecidos pelos
cronistas, estima, para o ano de 1600, um número entre 160 e 200 engenhos, o que será acatado
pelos pesquisadores sucedâneos, em lugar dos 120 de Simonsen.
No entanto, Buescu julgou que esses engenhos produziriam entre 6.000 e 7.000 arrobas cada um,
totalizando uma produção anual entre 960 mil e 1,4 milhão de arrobas, com a mesma média de
1,2 milhão de arrobas apresentada por Simonsen. A produtividade média calculada por Buescu
nada mais representa que uma média simples entre as 3.000 e 4.000 arrobas, para os engenhos
menores, e as 10.000 arrobas oferecidas pelos mesmos cronistas, para os maiores. O autor não
ponderou ponderou a variação do tamanho das unidades nem a maior ou menor produtividade e
subutilização dos engenhos, como fizeram seus sucessores: BUESCU, M. História econômica do
Brasil, pp.83-4, 92-3.
Frédéric Mauro segue os números de Simonsen, aos quais adicionou outros, das novas fontes
que coligiu; cifras que cobrariam uma produtividade muito alta do número de engenhos que
arrola: MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.320-1.
Veja também a crítica de Costa a Simonsen, Mauro e Buescu em: COSTA, L. F.
O transporte no Atlântico..., v.1, pp.168-9.
Baseado em alguns dos procedimentos de Buescu, Stuart B. Schwartz estipula que haveria entre
190 e 200 engenhos em 1600, ponderando que a produtividade média anual estaria mais próxima
de 4.700 arrobas por engenho, antes de 1612, e 3.700 arrobas, com a difusão das moendas de três
cilindros, que, segundo ele, eram mais baratas e teriam incentivado a construção de unidades
pequenas, que produziam um volume menor. Os volumes anuais entre 10.000 e 12.000 arrobas
seriam privilégio de poucos engenhos, em bons anos. Além da reavaliação da média de produção
por engenho, Schwartz apresentou outras estimativas da produção total, a partir da revisão das
fontes utilizadas pelos estudos anteriores e da análise de nova documentação: SCHWARTZ, S. B.
Sugar plantations..., pp.167-8, 176; MORENO, D. C. Livro que dá razão do Estado do Brasil,
p.116, 212; AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 2, D. 100 - [Bahia, posterior a 1614, Agosto, 6].
Leonor Freire Costa reviu e discutiu os argumentos desses autores, apontando as discrepâncias e
inconsistências. Apresentou uma visão mais próxima de Schwartz, porém ainda mais
conservadora. Assentada em crônicas, relatórios e informes do período neerlandês, para as
capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, chegou a um valor médio de
produção por engenho de 3.500 arrobas anuais. Entretanto, sua ênfase nas capitanias ao norte da
Bahia, onde, em média, os engenhos provavelmente eram menores que os do Recôncavo – ao
menos assim parece ter sido na segunda metade de Seiscentos – pode ter resultado em uma média
um pouco conservadora demais.
É verdade que a autora ressalva que os grandes engenhos hidráulicos não eram desconhecidos
em Pernambuco, mas que mesmo os maiores engenhos baianos teriam uma grande margem de
subutilização. Recomenda, portanto, a prudência ao estimar-se sua produtividade efetiva. A autora
toma essa média, de 3.500 arrobas/engenho/ano, como uma constante em todo o final do século
XVI e início do XVII, multiplicando-a pelo número de engenhos indicado por Schwartz para o
período. Assim chega a suas estimativas de produção total: COSTA, L. F. O Transporte no
Atlântico...., v.1, pp.166-174; e SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations...., p.167.
É interessante notar que, em um estudo mais recente, Schwartz adota estimativas mais otimistas
para a produção dos engenhos brasileiros. Um memorial com informações transmitidas à
Companhia das Índias Ocidentais implicava 4.800
arrobas por engenho em 1623, quando, em cálculo anterior do autor, a média deveria andar
próxima às 3.700. Essa nova avaliação, porém, não o fez alterar significativamente sua estimativa
para a produção total do Brasil, que, segundo ele, seria de cerca de 680 mil arrobas até 1610, e
entre 1 e 1,5 milhão de arrobas nos anos 1620: SCHWARTZ, S. B. A commonwealth within itself,
p.162-4. Com razão, Regina Célia Gonçalves ressalta que os dados desse memorial bem
poderiam estar inflados com o intuito de encher os olhos dos diretores da Companhia:
GONÇALVES, R. C. Op. cit., p.213.

[34] SCHWARTZ, S. B. A commonwealth…, pp.162.


GONÇALVES, R. C. Op. cit., pp.202, 212-3.

[35] O tema é objeto de grande controvérsia. Veja, por exemplo, as sínteses de:
HAMILTON, E. J. American treasure and the price revolution in Spain, passim;
BRAUDEL, F. O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II, v.1, pp.564-585,
v.2, pp.262-5;
VRIES, J. de. A economia da Europa numa época de crise, pp.30-40; e
CAMERON, R. Concise economic history of the world, pp.95-129.

[36] SR Nr.1600.
SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.167-9.
EBERT, C., The trade in Brazilian sugar, pp.183-5, 187-189.

[37] EBERT, C. The trade in Brazilian sugar, pp.189-199.

[38] Baseado em: SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., pp.498-9, e MAURO, F. Portugal, o Braisl e
o Atlântico, v.1, Apêndice, Preço do açúcar no Brasil.
Para os anos 1621-1624, inclusive, Vera Ferlini apresenta números díspares, apesar de basear-se
nas mesmas fontes que Schwartz, de quem Ebert bebeu:
1621 955
1622 556
1623 518
1624 518
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., p.89.

[39] HAMILTON, E. J. Op.cit., pp.34-5.

[40] Para Frédéric Mauro, haveria uma estabilização da rentabilidade da economia açucareira
colonial entre 1600 e 1625. Mauro, contudo, especula que a introdução da moenda de três
cilindros tenha reduzido o custo de produção do açúcar e, desta forma, seu preço na colônia:
MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.314-7.
O especialista na economia dos engenhos baianos Stuart B. Schwartz também não se afasta muito
dessa avaliação. Para ele, teria havido um período de desaceleração a partir de 1585, e um novo
surto de crescimento depois de 1612. A intensidade desse segundo surto seria menor que a do
primeiro (1570-1585) e não se deveria aos preços, mas à inovação tecnológica da moenda de três
cilindros verticais, que, como vimos, acelerava a amortização do capital investido e propiciava
economias de custos e escala. Nessa fase, o crescimento foi menor nas capitanias produtoras
tradicionais, Pernambuco e Bahia, e mais intenso no Rio de Janeiro e no norte de Pernambuco,
em Itamaracá e na Paraíba. A prosperidade teria sido beneficiada pelas Tréguas dos Doze Anos,
de 1609 a 1621, que contiveram as hostilidades entre a República Neerlandesa e a Espanha, à qual
Portugal (e o Brasil) se havia unido: SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations...., pp.166-172.
Entendimento diferente tem Evaldo Cabral de Mello, pesquisador da recuperação de Pernambuco
aos neerlandeses. Para ele, já havia sinais de crise na segunda década do século, quando a mão de
obra indígena dera lugar à africana, mais cara, aumentando o endividamento dos senhores de
engenho, que compravam escravos fiado e ficavam mais suscetíveis à retração da demanda do
açúcar e às adversidades que recaíssem sobre seus escravos, ou deles adviessem. Em 1614, uma
epidemia teve efeitos perversos. Nessa década, os senhores de engenho pediram moratória de
suas dívidas, e o comércio ressentiu-se da pirataria praticada a partir das costas norte-africanas:
MELLO, E. C. de. Olinda restaurada, pp.88-9.
Leonor Freire Costa, estudiosa do transporte do açúcar, vai além. Enfatiza as dificuldades
alegadas pelos produtores ao pedirem à Coroa a moratória de suas dívidas com mercadores, bem
como nos decorrentes embates entre os senhores de engenho e os lavradores de cana, de um
lado, e os mercadores e arrendatários de impostos, de outro. Já em 1612, a Coroa determinou
que a execução das dívidas de senhores de engenho seria limitada a dois terços de seus réditos e
as dos lavradores, ao equivalente à metade de suas safras. A despeito da contestação dos
mercadores e dos rendeiros dos impostos, a Coroa estendeu a vigência da proteção aos
inadimplentes. Se, de início, eram os mercadores que investiam na produção, agora, produção e
tráfico seriam setores independentes: COSTA, L. F.
O transporte no Atlântico..., v.1, pp.59-61, 218-219. Veja também: IANTT, CC 1-115-107;​-
Correspondência do Governador Dom Diogo de Meneses - 1608-1612, pp.67-68;
AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 1, D. 52 - [Lisboa, anterior a 1613, Novembro, 28]; e
MENDES, C. M. M. A Coroa portuguesa e a colonização do Brasil, passim.
Vera Ferlini, também especialista na economia dos engenhos, nota as queixas dos produtores,
mercadores e rendeiros. Não obstante, ao observar a evolução de longo prazo do volume da
produção, dos preços do açúcar e dos escravos e da conjuntura internacional, ressalta: "E mesmo
se, a partir de 1611, notamos declínio dos preços de açúcar branco na Bahia, a tendência geral
continuava em ascensão. [...] Até 1650, entretanto, o quadro geral seria positivo": FERLINI, V. L.
A. Terra, trabalho..., pp.86-87. Veja também: FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização, pp.76-77.
Por fim, a pesquisadora do açúcar na Paraíba Regina Célia Gonçalves frisa o surto de
crescimento nessa região ainda periférica, mas o matiza. O crescimento do número de engenhos
da Paraíba teria sido particularmente forte nos anos 1610 e envolvia, em geral, a instalação de
unidades movidas a água e, portanto, mais caras, embora mais produtivas. Além disso, eram
terras novas que geravam muito mais açúcar. Todavia, a despeito de sua produtividade mais alta,
ressalva a autora, a produção da Paraíba era pouco expressiva no total da produção da colônia. A
autora chama a atenção para o fato de que, mesmo antes das invasões neerlandesas, havia
engenhos inativos nas capitanias do Norte, em umas mais, em outras menos: GONÇALVES, R. C.
Guerras e açúcares, pp.192-203, 213-4, 230.

[41] MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.202-6, 213-241.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.55-72.
JOHNSON, H. Das feitorias às capitanias, pp.237-238.
JOHNSON, H. A indústria do açúcar, 1570-1630, pp.259-260.
ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes, pp.117-120, 122, 125-7, 129.

[42] SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.171-6.


FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., pp.88, 90-5, 98.

[43] HAMILTON, E. J. Op. cit., pp.93-103, 211-221.

[44] FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho..., pp.90-2.


[45] AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 1, D. 71 – Bahia, [anterior a 1614, Junho, 26]; Cx. 2, D. 172 – Bahia,
1618, Agosto, 6; D. 173 – Bahia, 1618, Agosto, 4; D. 205 – 207 – Lisboa, 1619, Julho, 3.
COSTA, L. F. O Transporte no Atlântico..., v.1, pp.61-2, 215-216.
FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização, pp.76-77.

[46] STRUM, D. The Portuguese Jews and New Christians in the sugar trade, passim.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.61-2.
MEA, E. C. de Azevedo. A rotura das comunidades cristãs novas do litoral, passim.
MEA, E.C. de Azevedo. Os portuenses perante o Santo Ofício, século XVI, passim.
Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: confissões da Bahia 1591-92.
Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: denunciações da Bahia, 1591-59.
Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, denunciações e confissões de
Pernambuco: 1593-1595.
Segunda visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo inquisidor e visitador Marcos
Teixeira, livro das confissões e ratificações da Bahia: 1618–1620.
SIQUEIRA, S. A. A inquisição portuguesa e a sociedade colonial.

[47] SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, p.173.


MELLO, E. C. de. Olinda restaurada., pp.91-2.

[48] FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho e poder, pp.92-4.

[49] AHU_ACL_CU_005-02, Cx. 3, D.283, 371, 372 e 373.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.173-5.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico...v.1, pp.220.
SCHWARTZ, S. B. Sugar..., pp.173-5.
MELLO, E. C. de. Olinda restaurada, pp.92-4, 220-1.

[50] MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, pp.316-7, 323-5.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.173-177.
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.59-60.
GONÇALVES, R. C. Op. cit., pp.212-3.
FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho e poder, p.86.
FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização, pp.76-77.
MELLO, E. C. de. Olinda restaurada, p.90.

[51] FERLINI, V. L. A. Terra, trabalho e poder, pp.87-8, 98.


FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização, pp.76-77.
Sobre a evolução da produção do açúcar brasileiro, veja também:
MELLO, J. A. G. de. Os livros das saídas das urcas do porto do Recife, pp.24-5;
MOREIRA, M. A. F. Os mercadores de Viana e o comércio do açúcar brasileiro, pp.24-9, 135-
140.

[52] Os dados apontados por Stuart B. Schwarz em seu gráfico dos dízimos das capitânias da Bahia,
de Ilhéus, Sergipe e Porto Seguro não coincidem com os apresentados por Frédéric Mauro, em
alguns casos, talvez pela forma como o gráfico foi diagramado: SCHWARTZ, S. B. Sugar
plantations..., p.175.

[53] SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, pp.173-7.

[54] Também aqui seguimos os dados de Ebert: EBERT, C. The trade..., pp.192-8.

[55] Os dados de Ebert sobre Lisboa baseiam-se principalmente nos valores da alfândega lisboeta,
publicados por Leonor Freire Costa, e nos mencionados na correspondência de um mercador
dos Países Baixos em Lisboa, Pedro Clarisse, publicada pelo historiador belga Eddy Stols,
especialista no comércio entre os Países Baixos meridionais e a o mundo ibérico. Aos dados de
Costa e Stols, Ebert agrega algumas observações publicadas por Frédéric Mauro e outras
publicadas por J. Nanninga Uitterdijk para os anos 1570-1580, além de duas fontes primárias que
ele mesmo pesquisou: UITTERDIJK, J. N. Een Kamper handelshuis, pp.40, 49, 57, 72, 94, 130,
250, 262, 310, 323, 374;
MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, v.1, Apêndice, Preço do açúcar em Lisboa;
STOLS, E. De Spaanse Brabanders..., pp.203-7;
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, p.241; e
IANTT, STO, IL, 3148.
Ebert ainda acrescenta uma fonte neerlandesa para o ano de 1610, que informa 1.850 réis, para
açúcar branco, e 1.200 réis, para o mascavado no Porto, açúcar que poderia ter chegado no ano
anterior: SR Nr.396; SAA, 30452: e Archief van S. Hart, 873, l. 258, fl. 5v.
Para a Antuérpia, Ebert utlizou os dados publicados por Stols com base na mesma
correspondência, aos quais adiciona uma outra fonte que consultou e duas observações sobre o
século XVI publicadas por Hans Pohl e Uitterdijk. Ebert, contudo, afirma estar convencido de que
Stols se confundiu na moeda para a Antuérpia, utilizando Stuivers em vez de Groten, o que
produziu cifras muito mais vultosas. Ebert também calcula a arroba a 28 libras flamengas, em
lugar das 32 utilizadas por Stols: POHL, H. Die Zuckereinfuhr nach Antwerpen durch
Portugiesische Kaufleute während des 80jährigen Krieges, pp.348-373;
UITTERDIJK, J. N. Op. cit., p.348; e
STOLS, E. Spaanse Brabanders, pp.203-7; SR Nr.954.
Também para Hamburgo, Ebert usa os dados de Stols. Sobre Amsterdã, Ebert utilizou as listas de
preços da guilda de corretores de Amsterdã publicadas por Nicolaas Wilhelmus Posthumus e
outras cinco fontes que coligiu. Ebert, contudo, converte os dados de Posthumus de gulden para
groten (um groot = 0,025 gulden): POSTHUMUS, N. W. Nederlandsche prijsgeschiedenis, v.1,
pp.119, 122; e SR Nrs.387, 456, 1150, 1259, 1417.

[56] EBERT, C. The trade in Brazilian sugar, pp.186, 190.

[57] Sobre os incentivos fiscais nos portos do Norte veja: MOREIRA, M. A. F. Os mercadores...,
pp.181-8; e SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, p.331, v.2 p.867;

[58] Sobre algumas isenções, veja: SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., p.173-7.

[59] Leonor Costa e Christopher Ebert procuram calcular a lucratividade do comércio. A autora
contrasta suas estimativas para a diferença de preços entre a colônia e a metrópole com seus
dados sobre a evolução da taxa de frete. Entendeu que os prêmios da arbitragem – diferença entre
o valor do açúcar no Brasil e em Portugal – fossem se estreitando progressivamente a partir de
1605, e em ritmo mais forte entre 1610 até 1614. Sugere que o período das Tréguas teria
aumentado a integração dos mercados, reduzindo a disparidade de preços, e a guerra teria
provocado o efeito inverso. Conclui que, de 1613 até 1625, haveria poucos ganhos, uma vez que
os fretes – "um dos custos mais elevados da trazida do açúcar" – não baixavam e até tendiam a
elevarem-se, graças à redução da oferta de embarcações e ao aumento dos custos com proteção
acarretados pela pirataria berbere e, depois, também pelo corso neerlandês e, por fim, pelos
ataques da WIC. A partir de 1618, com a contração da demanda, além de auferir menor
lucratividade, os mercadores também mercadejariam volumes menores e, se houvesse lucros,
dar-se-iam apenas na reexportação de Portugal ao norte da Europa. Infere que os grandes
mercadores fossem perdendo o interesse pelo comércio açucareiro e que, para fazer frente a
esses desafios e dar vazão à produção de seus engenhos, os novos empreendedores buscaram
distribuir, eles próprios, seus produtos no Reino, reintegrando verticalmente a produção ao
comércio. Se, por um lado, apropriavam-se dos ganhos com a intermediação, por outros
assumiam os riscos, que, à altura, ascendiam, e pressionariam para que uma frota escoltada fosse
organizada. Com a tomada da Bahia em 1624, as margens de ganho voltariam a alargar-se, com
oscilações, devido à presença neerlandesa no solo colonial e junto a seus portos. A perturbação
nos transportes ampliaria as diferenças de preços entre o Brasil e a Europa, incrementada pelos
ataques às embarcações e aos armazéns, que reduziam a oferta do produto suficientemente para
compensar as altas taxas de frete: COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.61, 89, 179,
204-6, 220-1, 239-248, 370-2, 379-380. Veja também: AHU_ACL_CU_CONSULTAS SERVIÇO
REAL, COD. 35, fls. 187-188– 1623, outubro 14;
MELLO, E. C. de. Olinda restaurada, pp.92-4, 220-1;
EBERT, C. The trade…, pp.201-2; e
MOREIRA, M. A. F. Os mercadores..., p.64.
Ebert revê a análise de Costa e ressalta que as cifras fornecidas pela correspondência de Pedro
Clarisse, comerciante flamengo atuante em Lisboa (ver nota 65), publicada por Eddy Stols, são
superiores às da alfândega, utilizadas por Costa. Ebert julga que os valores da alfândega foram
subestimados e indica uma margem para lucratividade do comércio no trecho entre o Brasil e
Portugal superior à calculada pela autora. Os números do mercador também apontam uma
inflexão um pouco posterior: 1619, em lugar de 1618. Ebert lamenta a falta de dados para o
açúcar mascavado e o panela no Brasil e especula que a margem para esses poderia ser maior
ainda. Procurando adicionar os impostos e omitindo os seguros, que considera terem sido
raramente usados, Ebert estima resultados mais favoráveis aos mercadores, tanto no trecho entre
o Brasil e Portugal como no trecho entre Portugal e o norte da Europa, cuja lucratividade era
relativamente proporcional à distância. Conclui dizendo que os mercadores não se dariam ao
trabalho desse comércio se não tivessem expectativas de ganhos significativos, mesmo durante as
Tréguas, quando os riscos e as margens eram menores: EBERT, C. The trade..., pp.188-189, 198,
205-8, 213.
De remédio a merenda

Natureza-morta com papagaio, Georg Flegel (1566-1638).

O consumo do açúcar seguiu em grande medida a sua disponibilidade e a possibilidade que os


consumidores tinham de adquiri-lo. O tipo de consumo, contudo, variou conforme o preço, a escassez
ou a fartura, as concepções medicinais e dietéticas, as preferências gastronômicas e os significados
sociais a ele atribuídos. Ao longo dos séculos, o açúcar foi usado como remédio, condimento, material
decorativo, adoçante e conservante, funções não excludentes que muitas vezes conviviam ou se
mesclavam. Com o tempo, mas não em um processo linear, alguns usos foram perdendo força, e outros,
ganhando. [nota 1]

O período que cobrimos aqui marca uma extensão da popularização do açúcar na Europa Ocidental,
quando seu consumo como adoçante suplanta o do mel e chega ao ápice seu uso como condimento
em pratos diversos, tanto para fins gastronômicos como terapêuticos. A doçaria consolida-se como
uma área especializada da culinária e ganha espaço nas práticas de socialização e lazer. Como
presente ou agrado, afirma-se nos rituais das instituições religiosas e laicas, nas relações
interpessoais, familiares e de dependência. Ao mesmo tempo, encetavam-se as críticas à sua aplicação
medicinal e iniciava-se o processo de redução de seu uso como tempero em pratos de carne, peixe e
legumes, ficando mais reservado aos doces e bolos servidos ao final das refeições ou nas merendas e
nos desjejuns. A crescente oferta do produto permitia seu consumo mais frequente, em maior
quantidade e por mais pessoas, o que acabou obrigando à revisão de seus efeitos no apetite, no
paladar e na saúde.

As informações que temos sobre o consumo de açúcar e doces na Idade Média, e mesmo na Moderna,
além de geralmente dizerem respeito aos estratos superiores da sociedade, são exíguas e
fragmentárias, descontínuas no tempo e no espaço. Procuramos fazer uma descrição cronológica,
interrompendo-a para nos aprofundarmos em certas temáticas e, por vezes, retrocedendo para
apresentar os precedentes de fenômenos que só mais adiante tomaram vulto.
Homem atacado por abelhas que saem de uma colmeia, ilustração de Bestiário e outros textos (ca. 1450). Os livros de receita
dos séculos XIII e XIV atestam o início da substituição do mel pelo açúcar. Até 1630, o açúcar se tornaria o adoçante mais
usado na Europa Ocidental.

O Sangue
No mundo romano, os principais adoçantes eram o mel e as frutas secas. Não é certo que o açúcar
feito da cana fosse conhecido pelos romanos, mas, se o era, vinha da Índia, através da Península
Arábica, em ínfimas quantidades e para fins medicinais. [nota 2] Sabe-se menos ainda o que ocorreu
com o consumo do produto entre o fim do Império do Ocidente e o início do Medievo. Como vimos,
o açúcar da cana chegou à Europa católica por meio do mundo muçulmano por três vias: pelas
regiões de contato, como a Península Ibérica, o sul da Itália e as Ilhas Mediterrâneas; pelas áreas
conquistadas aos maometanos nas Cruzadas e na "Reconquista"; e pelo comércio realizado pelas
cidades italianas e, mais tarde, pelas catalãs e francesas.

Na Inglaterra do século XII, os róis de receita e despesa da Casa Real registram a compra de açúcar
para ser usado na corte como condimento. No século seguinte, açúcares do Egito, do Chipre, da
Sicília e do Magreb eram comprados pela Casa Real e pelos mais abastados, mesmo em localidades
inglesas mais recônditas. Os volumes de açúcar adquiridos pela corte cresciam exponencialmente, e
seu uso também era corrente nas casas senhoriais e episcopais inglesas. Compram-se em pães e em
torrões, rosados e violetas, misturados na essência (água) das pétalas dessas flores – utilizadas até
hoje na culinária asiática. [nota 3] ​Também em Portugal, diferentes tipos de açúcares vêm listados ao
lado de especiarias e frutas no Inventário e contas da casa do rei D. Dinis dos anos entre 1278 e 1282.
Entre eles, aparecem o açúcar rosado e os açúcares importados do Egito e de outras terras de
sarracenos. [nota 4]
Como vemos, não só o açúcar, mas toda uma série de hábitos alimentares aportaram na Europa por
intermédio dos mulçumanos. De modo geral, na Idade Média, o mundo muçulmano era
significativamente mais urbanizado, com cidades muito maiores que a média europeia –
predominantemente rural – e uma vida cortesã e intelectual de muito mais tradição e requinte. Sua
culinária sofreu influência dos diferentes ingredientes, hábitos e tradições científicas das regiões que
vieram a integrar-se sob o Islã. Lembremos que, além da originária Península Arábica, os
muçulmanos haviam conquistado aos bizantinos a Palestina, a Síria, o Egito e o Maghreb, onde as
tradições da Antiguidade haviam se mesclado ao passado helenístico, romano e bizantino,
predominantemente cristão e com diferentes influências locais. Mais a oriente, conquistou aos
sassânidas a Mesopotâmia e a Pérsia, região majoritariamente zoroastrista e com requintado
cerimonial cortesão e domínio das técnicas de fabricação do açúcar. Sua área de influência veio a
compreender também parte da Índia, que tinha longa tradição açucareira, a Malásia e a Insulíndia, a
Ásia Central, o norte da África Subsaariana e da África Oriental.

A colheita da cana e a venda de pães de açúcar e cristais de açúcar candil nas Tábuas da saúde, tratado do médico árabe
cristão Ibn Butlan, aqui em versão manuscrita latina proveniente de Veneza e datada de 1490.

Homem purgando açúcar, bebendo do melaço que pinga da forma e exibindo os pães alvos em ilustração de versão do
século XV do Tratado das ervas, do farmacologista greco-romano Pedanius Dioscórides (40-90).
Em um período em que não havia muitos outros recursos, a dieta, que se acreditava influir inclusive
sobre o espírito, era um dos principais meios terapêuticos da medicina. A culinária, envolvendo não
só o paladar, mas também a visão, o olfato e o tato, podia acionar os poderes transcendentais dos
ingredientes utilizados, emular o paraíso e elevar o comensal. Dentro dessa lógica, no mundo
islâmico, a combinação do açúcar com as especiarias era considerada benéfica, pois o primeiro
nutria o corpo, e as segundas, o espírito. [nota 5]

Pelo que os livros de receitas dos séculos XIII e XIV permitem entrever, a culinária cortesã medieval
europeia, assim como a árabe, preocupava-se não menos com a aparência dos pratos que com seu
paladar, em que predominava o sabor forte das especiarias, ora o ácido, ora o doce. Os adoçantes
tradicionais, sobretudo o mel, e também as tâmaras e uvas-passas, iam cedendo lugar ao açúcar.
Seguindo a culinária árabe, adicionavam-se água de rosas, leite de amêndoas e sucos de cítricos. O
uso de corantes, como o açafrão, e especiarias tomava relevo, e os pratos ficavam dourados. O
açúcar também era utilizado para atenuar o ardor das especiarias, realçar o sabor da água de rosas e
do leite de amêndoas e cortar a acidez dos cítricos. Costumava-se, ainda, polvilhar açúcar, canela e
outras especiarias sobre os alimentos, para obter cor dourada, fragrância e sabor adocicado. O
açúcar e as especiarias tinham posição de destaque quando adicionados às massas (pastelaria) e ao
vinho, tanto mais se fosse bebido quente. [nota 6]
Frontispício de edição de 1586 da obra Sobre a natureza do corpo humano, do médico romano Cláudio Galeno (ca.129-217),
que sistematizou a farmacopeia de Dioscórides e a ciência de Aristóteles.
Para ele, os graus de calor e unidade dos alimentos podiam ser aferidos; uma ideia desenvolvida na Idade Média. Embora
muitos de seus ensinamentos tenham sido refutados, até o século XIX Galeno foi considerado por muitos como uma das
maiores autoridades em medicina.

O gosto pelo doce não era geograficamente uniforme no Medievo. Mostra-se mais presente na Itália,
no Languedoc (sul da França) e na Inglaterra, e menos no norte da França, junto a Paris. Segundo
Bruno Laurioux, pesquisador da dieta medieval, era uma questão de gosto – já que a França não
distava menos das áreas produtoras do que a Inglaterra, onde o antropólogo Sidney Wilfred Mintz
nota que a combinação de açúcar e mel condimentava os pratos. [nota 7] Os franceses, no entanto,
eram e continuariam menos afeitos ao doce. Ainda assim, as receitas agridoces difundiam-se entre
eles.
A ilustração do século XIII ou XIV apresenta a vida mercantil de um núcleo urbano medieval. À direita, a botica oferece
açúcar em pão e anuncia a venda de hipocraz, uma infusão preparada com vinho quente adoçado e especiarias.

Essa culinária dourada, temperada e adocicada não era ditada apenas pelo gosto, pela tradição ou
pelo status, mas também muito pela medicina. Na base dessas tradições médicas estavam os conceitos
elaborados até o século V a.C. e integrados na Coleção Hipocrática. A eles somaram-se a
farmacopeia de Dioscórides e a ciência de Aristóteles, depois sistematizadas pelo médico romano
Galeno, no século II, e outras influências, sobretudo vindas da Índia. Todo esse conhecimento foi
reelaborado por doutores da cultura de matriz árabe, como o célebre médico da Ásia Central Abū
`Alī al-Ḥusayn ibn `Abd Allāh ibn Sīnā (conhecido na Europa como Avicena). Mais tarde, essas obras
foram traduzidas do árabe, diretamente ou por via do hebraico, e estudadas e adaptadas pelos
europeus no século XII. Posteriormente, com o humanismo, no século XV, a tradição clássica começa
a ser resgatada diretamente dos textos gregos e latinos recuperados, para, no século seguinte, passar
a ser refutada, com base nos conhecimentos químicos resultantes dos experimentos da alquimia.
[nota 8]

Farmácia, Mestre Colin (século XV/XVI).


Na Europa cristã, o açúcar teria surgido simultaneamente para fins médicos e culinários e talvez tenha se difundido mais
rapidamente como fármaco do que como tempero.

Assim, na Europa cristã, as especiarias e o açúcar teriam surgido juntamente como medicamento e
condimento. É possível que, inicialmente, tenham se difundido mais como fármaco do que como
tempero. O açúcar da cana – que, se de fato foi o receitado pelos médicos da Antiguidade, só o foi
marginal e abstrusamente – passava a ter papel de relevo na farmacologia. [nota 9] No final do
século XIII, um professor da Universidade de Bolonha [nota 10] desenvolveu o receituário prescrito
por Avicena para curar a melancolia. Esses remédios para confortar o coração, que incluíam pedras e
metais preciosos, corais e pérolas, seda etc., agora deveriam conter açúcar e ser ingeridos com
vinho. A importância da função do açúcar como fármaco depreende-se da expressão do francês
medieval 'apothicaire sans sucre' (boticário sem açúcar), utilizada para denotar o desespero e o
desamparo absolutos. [nota 11]
Os médicos também aconselhavam os pacientes sobre dietas, atividades físicas, descanso, estado
emocional, clima, salubridade do ar etc. Seus clientes eram os mais abastados, aqueles para quem os
livros de receita eram escritos. E a literatura dietética e a culinária confundiam-se. A concepção
fisiológica corrente na Idade Média e em boa parte da Idade Moderna era de que a digestão, assim
como a vida de modo geral, era uma forma de cozimento. Pela "cozedura" a natureza produzia os
alimentos crus, que, por sua vez, tornavam-se comestíveis pelo cozimento e, ingeridos, eram
digeridos com o calor do corpo. As fezes eram a parte não digerível, que voltava ao ciclo da vida.
Todo alimento seria, portanto, levemente quente, assim como se acreditava ser o sabor doce.
Recomendava-se adoçar os ingredientes básicos que não fossem naturalmente doces, para torná-los
edíveis. Os condimentos facilitariam o cozimento digestivo, ajudando a aquecer os alimentos.
O "diagrama elementar" da Etymologiae De natura rerum ad Sisebutum, de Isidoro de Sevilha (560-636), apresentando as
variações de calor, frieza, secura e umidade, em manuscrito do século XIII.

Os indivíduos eram divididos em quatro temperamentos — sanguíneo, colérico, fleugmático e


melancólico —, determinados pela maior ou menor presença dos fluidos corporais, os humores.
Entre os sanguíneos, predominava o sangue; nos flegmáticos, a fleuma (muco); nos coléricos, a bile
amarela; nos melancólicos, a bile negra. Os humores eram divididos segundo sua temperatura – frios
ou quentes – e umidade – secos ou úmidos –, sendo também ligados aos elementos aristotélicos –
terra, água, fogo e ar. [nota 12]

Os alimentos podiam ser divididos da mesma forma: quentes ou frios, secos ou úmidos. A
intensidade dessas qualidades era baixa quando mal se as sentia. Quando demasiadamente fortes,
podiam ser tóxicas. [nota 13] Segundo o historiador da alimentação Jean-Louis​ Flandrin, acreditava-
se que o indivíduo deveria comer seguindo o seu desejo, que refletia aquilo que era adequado ao seu
temperamento. Eram simpatias e antipatias. Os temperamentos seriam imutáveis e, portanto, não
deveriam ser contrariados. Assim sendo, os banquetes teriam de prestar-se às simpatias de todos os
comensais.

No entanto, os desequilíbrios nos humores provocados pelo clima, pela idade e, principalmente,
pelas doenças precisavam ser reequilibrados pelo método dos contrários. Isso se fazia com os
condimentos e os molhos, que alteravam a natureza (grau de umidade e calor) dos ingredientes
básicos, como carnes, aves, peixes, legumes e frutas, e deveriam ser usados para aproximar os
alimentos básicos distantes do temperamento do comensal – daí surgiria o termo "tempero". A
correção efetuada pelos condimentos também diminuía o risco na ingestão de alimentos tidos como
perigosos devido a seu excesso de calor ou umidade. As especiarias e os ácidos eram muito quentes
ou frios e, por conseguinte, tinham um efeito corretivo muito maior que o açúcar e o mel, só
levemente quentes. {A} Por outro lado, esse excesso de calor ou frio das especiarias e dos ácidos
eram, frequentemente, abrandados com açúcar. Boa parte das receitas que levavam açúcar destinava-
se, com efeito, aos doentes ou a amenizar as especiarias, sem tolher-lhes as virtudes. [nota 14]

O Manjar
No final da Idade Média e início da Moderna, a cozinha servida às elites dos mundos cristão e
islâmico entre o noroeste da Índia e o noroeste europeu era, grosso modo, similar e, segundo a
historiadora Rachel Laudan, incluía purês grossos, muitas especiarias, molhos agridoces, vegetais
cozidos e vinhos quentes – esses, em proporção muito menor no mundo islâmico. O açúcar fazia-se
presente em todo o cardápio de uma refeição, não apenas em bolos e receitas com frutas, mas
também em carnes, aves, peixes e vegetais. Considerava-se que não podia estragar nenhum prato, e as
receitas visavam combinar o sabor ao valor dietético dos ingredientes e facilitar sua digestão. [nota
15]

A quantidade e a proporção de açúcar empregadas na culinária cortesã intensificavam-se, como


mostra T. Sarah Peterson, também historiadora da culinária. Ainda que as medidas não sejam exatas,
dão-nos alguma dimensão: a receita de manjar branco para doze pessoas de um livro italiano do
século XIV indicava 1,5 libra (aproximadamente 680,3 g) {B} de açúcar para cada quatro galinhas.
No século seguinte, um livro francês pede uma libra de açúcar para um leitão. No final dos anos
1500, duas libras de açúcar seriam aplicadas a cada dez de carne. Chegava-se, assim, a proporções
semelhantes às da cozinha do ocidente islâmico do século XIII, onde uma galinha era preparada com
três libras de açúcar. [nota 16] Esse consumo crescente era alimentado com a expansão das áreas
produtoras, algumas novas, no Mediterrâneo e no Atlântico, sobretudo a Madeira.

É certo que havia diferenças regionais, tendo o açúcar firmado sua posição nas penínsulas Ibérica e
Itálica e na Inglaterra no alvor da Idade Moderna. [nota 17] Mesmo na França, mais reticente ao
condimento durante o Medievo, seu uso começou a ser estimado, até que, no final do século XVI, já
era empregado em grandes quantidades na corte. [nota 18]

Os conhecimentos dietéticos básicos sobre os humores foram sendo incorporados nos círculos das
elites, compartidos pelos cozinheiros, médicos e comensais. Como o arsenal médico era limitado, a
terapêutica enfatizava a profilaxia. Em meados do século XVI, reforça-se o princípio do equilíbrio
pelos contrários. O ideal seria que o corpo humano fosse levemente quente e úmido, ou seja,
moderadamente sanguíneo. Em lugar de respeitar o temperamento individual, ditado pelo desejo, era
mister equilibrar o indivíduo conforme o padrão do temperamento sanguíneo, para evitar que
adoecesse. Os médicos passam, então, a receitar dietas preventivas individuais, para além das
alterações conforme idade, sexo, clima etc. que se faziam antes.​ [nota 19]
Forma de pão de açúcar (século XV-XVI) encontrada no Mosteiro de Jesus de Aveiro, em Portugal.
Ilustração de versão do século XIV do tratado Theatrum sanitatis, de Ibn Butlân, retrata a venda de açúcar a varejo.

Ainda assim, a refeição ideal também teria de ser levemente úmida e quente. Nesse sentido, o prato
perfeito do século XVI era o manjar branco: um mingau feito de arroz ou farinha de arroz, frango e
leite de amêndoas e polvilhado de açúcar. Todos eram ingredientes levemente úmidos e quentes, e
assim o manjar deveria ser servido. A consistência de mingau facilitava a digestão. [nota 20] O
regrado Filipe II comê-lo-ia três vezes por semana. [nota 21] As frutas e verduras, por outro lado,
eram muito frias e úmidas e, por isso, apodreciam facilmente, portanto era recomendável consumir
as frutas secas ou cozidas, de preferência adicionando açúcar, como na marmelada, a menos que se
quisesse aproveitar de sua frieza e umidade para fins médicos. [nota 22]

No decorrer do século XVI, o açúcar segue com sua função farmacológica, ainda que, já no final do
XV, sua maior disponibilidade e a extensão de seu uso tivessem feito com que sua venda deixasse de
ser privilégio dos boticários nos Países Baixos. [nota 23] O cirurgião do imperador Carlos V
receitava pílulas de açúcar, com moderação, em caso de febre ou para temperamentos coléricos,
ambos quentes. [nota 24] Gil Vicente menciona o uso de açúcar rosado para males de amores. Um
remédio à base de açúcar chamado "mezinha" era aplicado como emplastro em Portugal e em suas
colônias. No Brasil, os jesuítas prescreviam polvilhar açúcar branco para tratar de ulcerações na
córnea. [nota 25] Como veremos, em Portugal, o açúcar vendido pelos confeiteiros seria sujeito ao
controle dos boticários. Parte dos açúcares e doces deveria ser reservada para a venda a varejo para
pessoas de menos recursos. [nota 26]

Ao estudar os textos da Antiguidade, os humanistas impuseram algumas críticas à tradição culinária


de matriz árabe, mas não romperam com ela nem rejeitaram a tradição médica recebida dos árabes,
antes o contrário. [nota 27] Criou-se, na Itália, a salada, compreendida, então, como qualquer prato,
incluindo aqueles à base de carne, temperados com sal e ácidos, como vinagre, cítricos, vinho,
agraço, mostarda etc. Seguiam, assim, as recomendações dos antigos que preconizavam que o
primeiro serviço fosse muito salgado, de modo a abrir o apetite. As saladas não deveriam ser
adoçadas, pois, segundo outros autores da Antiguidade, o mel tinha o poder de atenuar os demais
sabores – entre eles, o do sal. Como o açúcar era ainda mais forte que o mel, minaria a capacidade do
sal e do vinagre de estimular o apetite. [nota 28] A percepção do açúcar como moderador do apetite e
os escrúpulos dos renascentistas em relação ao seu uso talvez não se devessem apenas ao estudo dos
clássicos, mas principalmente à crescente vulgarização do produto no decorrer da Idade Moderna.
{C}

Na prática, porém, as saladas eram servidas com pratos adocicados e a algumas adicionava-se não
pouco açúcar. Era uma cozinha que ainda permaneceria eclética por bastante tempo. Das cortes
principescas italianas, essas novas tendências renascentistas iriam para a França, a principal arena
cortesã da Europa, onde a toscana Catarina de Médici teria um papel dominante por quase meio
século. De Paris, difundir-se-iam para o restante do continente. [nota 29]

Esse ecletismo do século XVI é claramente percebido no manuscrito de receitas português


supostamente elaborado para a infanta D. Maria. Ao analisá-lo, Antonieta Buriti de Souza Hosokawa
aponta a tendência agridoce, uma vez que o manuscrito incluía o açúcar em 42,3% de suas receitas de
carne, juntamente com ácidos como o vinagre e o limão, o sal e a pimenta. As especiarias, como
cravo, açafrão, pimenta e gengibre, também aparecem com relativa frequência. O açúcar e o sal são
mencionados na mesma proporção no caderno dos manjares de carne, onde se receitam pedaços de
carne servidos sobre fatias de pão passadas no açúcar. Já entre os manjares de ovos, que incluíam
desde ovos mexidos a tortas, o açúcar é o ingrediente mais usual. No terceiro caderno do códice
agrupavam-se os manjares de leite. Quase todos, incluindo o onipresente manjar branco, levavam
açúcar, além de farinhas, ovos e leite, claro. Por fim, o açúcar reina soberano no "caderno das cousas
em conserva", que se refere, sobretudo, a confeitos de frutos e a alguns bolos e doces. Uma torta
(pastel) recheada de fígado de cabrito era polvilhada com açúcar e canela, e outra, recheada de carne
de carneiro ou porco cozidos, levava manteiga e açúcar... [nota 30]

Mesa de desjejum com torta de mirtilos, Willem Claesz. Heda, (1631).

A Cena
Usava-se o açúcar também na decoração, de diversos modos: misturando-o a gomas – como o
tragacanto (de alcatira) e a arábica –, a nozes – especialmente a amêndoa, para fazer marzipã ou
maçapão –, ou a amidos – particularmente arroz –; cristalizando-o em moldes; ou, ainda, batendo-o
em ponto de cozimento. Obtinham-se, assim, massas com que se moldavam figuras. Depois, podiam
ser pintadas e expostas, às vezes, em requintadas composições. E, como vimos, o açúcar podia ser
adquirido já colorido com rosas ou violetas. Conheciam-se essas práticas na Europa ao menos desde
o final do século XII. Contudo, segundo Sidney Wilfred Mintz, na Idade Média, o custo das grandes
quantidades de açúcar que elas exigiam restrin​g ia-nas aos círculos da realeza, da nobreza, do clero e
da fidalguia. Essas figurinhas de guloseimas eram símbolo de distinção social usado em cerimoniais
de ostentação e objeto de desejo e encanto. [nota 31] Com efeito, até a segunda metade do século
XVII, os grandes banquetes procuravam impressionar mais pelo engenho de sua decoração do que
pelo sabor de seus pratos. [nota 32]

Mesa decorada com animais e plantas moldados em pasta de açúcar para o banquete de casamento do duque de Jülich-
Cleves-Berg com a margravina de Baden, em 1585.

O uso decorativo do açúcar avultou-se no final do século XV {D} e no início do XVI, quando
grandes cenas históricas, mitológicas e religiosas compostas por essas esculturas de figuras humanas
e de animais, plantas e personagens míticas passaram a decorar as mesas das bodas das famílias
principescas italianas, conforme relata Eddy Stols. Nos anos 1530, a moda foi importada pelos Países
Baixos, e os banquetes da corte dos Borgonhas, até então decorados com figuras e cenas feitas em
materiais não comestíveis, como cera ou sebo, passaram a contar com imagens realizadas em massas
à base de açúcar. [nota 33]

Os arranjos mais espetaculares talvez tenham sido promovidos pelos representantes portugueses ou
membros de sua Casa Real nos Países Baixos, para ostentar abundância do caro condimento. É
possível que o ápice tenha ocorrido em Bruxelas, em 1565, no casamento da infanta D. Maria de
Portugal – a mesma a quem se dirigia o livro de receitas analisado por Antonieta​ Buriti de Souza
Hosokawa – com Alexandre Farnese, o futuro duque de Parma, que retomaria o sul dos Países Baixos
e da Antuérpia aos Habsburgos. Nesse festim, até os candelabros e serviços de mesa seriam feitos de
açúcar. Contava com uma composição gigantesca, que apresentava de modo teatral o percurso feito
pela princesa até Bruxelas. Entre várias maravilhas, incluía miniaturas de edifícios e cenas da cidade,
de animais exóticos dos senhorios portugueses na África e no Oriente. As peças maiores tinham de
ser carregadas por vários homens.

A própria mãe do noivo, a governadora-geral dos Países Baixos, Margarida de Parma, filha ilegítima
de Carlos V, já contara com uma faustosa instalação de açúcar em suas bodas, vinte anos antes, em
Nápoles. Logo a moda chegou à corte de Henrique VIII da Inglaterra, e as pièces montées incorporar-
se-iam às recepções de Elisabeth e James I. No final do século XVI, há menções de suntuosidades
semelhantes na França em diferentes ocasiões festivas. Artistas renomados eram contratados para
esculpi-las. [nota 34]

Segundo Sidney Wilfred Mintz, no século XVI, o emprego do açúcar em composições decorativas já
não se restringia à nobreza, mas se estendia aos meios mais abastados da população urbana. Constava
em livros de receitas cujo público-alvo era provavelmente mais amplo. {E} Mintz afirma que o status
social atribuído ao açúcar caía à medida que aumentava sua importância econômica e dietética. O
crescimento da oferta solapou seu capital simbólico, ao mesmo tempo que seu peso econômico
crescia com sua produção, comércio, transporte, refino e tributação. Não obstante, ainda que na
segunda metade do século XVII essas composições já fossem exibidas por indivíduos de menor
estatura, como os mercadores, seria justamente nessa altura que as instalações de açúcar teriam
chegado a seu apogeu nas cortes europeias, particularmente em Roma. [nota 35] Além das
miniaturas, figuras e estátuas, esses aparatos incluíam iguarias doces: frutas cristalizadas, em
conserva ou compota, desmanchadas em pasta ou secas ao sol, a que poderíamos chamar,
genericamente, confeitos.
Natureza-morta com peças de cerâmica, fruta cristalizada, biscoitos e outros confeitos, Juan van der Hamen y León (1627).

Na falta de meios mais sofisticados para preservar alimentos, a conservação em açúcar vinha juntar-
se ao arsenal de técnicas já conhecidas, como a secagem ao sol, o salgamento, as conservas em
vinagre, o isolamento com sebo etc. Em alta concentração, o açúcar reduz o metabolismo dos
micróbios, dificulta sua reprodução e pode até matá-los. Cobertas ou cozidas com açúcar até o ponto
de cristalização, ou passadas por um xarope muito concentrado, as frutas perdem sua umidade interna
e são cobertas por uma camada protetora, à qual se junta a pectina da fruta. O mesmo se dá com
aquelas guardadas e servidas em calda ou pasta, como marmeladas e geleias. A secagem ao sol
também diminuía a umidade interna e aumentava a concentração de açúcar das frutas, e a fervura
matava ou debilitava os microorganismos. Todavia, o fabrico de confeitos era um processo
trabalhoso, que exigia a cuidadosa limpeza dos frutos e, muitas vezes, vários cozimentos, sempre
atentando aos pontos de cozedura. [nota 36]

Desde o século IX, já se conheciam confeitos de açúcar na Pérsia e, na Europa, eram apreciados
desde o Medievo. A corte inglesa consumia confeitos pelo menos desde o século XV [nota 37] e, até
meados daquele século, o arquipélago da Madeira já teria depurado as técnicas da confeitaria. A
partir da centúria seguinte, a confeitaria da Maderia se desenvolveu ainda mais. A concorrência com
outras áreas produtoras fez com que os ilhéus buscassem novos nichos de mercado. Seus confeitos
combinavam as frutas mediterrâneas ali plantadas, como limão, cidra, abóbora, pera, pêssego e
laranja, com o açúcar ilhéu, cuja qualidade era considerada a melhor ou uma das melhores.
Destacaram-se particularmente as "casquinhas" de cidra e diacidrão, curtidas em salmoura,
confeitadas, secas ao sol e cortadas em formas humanas e animais, que tanto agradavam aos nobres
consumidores.

A Coroa portuguesa comprava confeitos, conservas e frutas secas do arquipélago em copiosas


quantidades. Entrementes, no início dos anos 1500, D. Manuel valeu-se dessas singelas iguarias como
instrumento diplomático, tornou-as regalo com que comumente presenteava autoridades estrangeiras,
entre elas o papa e o xeique de Moçambique. No primeiro quartel daquele século, os confeitos e as
rapaduras madeirenses acondicionadas em barris, caixas, caixões, caixotes, bocetas, porrões e cestas
eram exportados para a Flandres e a Itália, de onde eram provavelmente reexportados para o resto da
Europa e o Levante. No início do século seguinte, a Madeira também exportaria conservas com frutas
exóticas como cocos, tamarindos e ananases. [nota 38] Nas cortes europeias, os confeitos se faziam
acompanhar nas já referidas composições faustosas de figuras de açúcar. Nas mesmas bodas da
infanta D. Maria, serviram-se frutos cristalizados de diversas partes do Mediterrâneo, da África e da
Índia. Mais de três décadas antes, confeitos da Madeira tinham sido servidos na festa oferecida pelo
embaixador português ao imperador Carlos V e à sua irmã Maria de Áustria, rainha da Hungria,
então governadora-geral dos Países Baixos, em honra do nascimento do infante Manuel, futuro rei de
Portugal. Anos depois, Maria de Áustria presentearia seu sobrinho, futuro Filipe II, com uma "câmara
encantada", ricamente decorada com confeitos. {F} Stols menciona ainda outros desses excessos
sacarinos nos Países Baixos, na Catalunha e em Milão em meados do século XVI.

Ao que parece, ao menos nos séculos XV e XVI, rainhas, infantas e senhoras nobres influentes como D. Beatriz, duquesa de Viseu,
cunhada, tia e mãe de monarcas, traziam confeiteiros em seus dotes e séquitos. [nota 39] D. Catarina de Áustria, esposa de D. João
III, levou para Portugal um confeiteiro flamengo a quem se davam fartas quantidades de açúcar. Anos depois, intercederia por
outro confeiteiro seu, esse luso, contra as autoridades lisboetas que o queriam juntar aos demais confeiteiros na Rua do Saco. D.
Maria Manuela, primeira mulher do futuro Filipe II, levou seu confeiteiro de Portugal. O mesmo fez a princesa D. Joana de Áustria,
irmã de Filipe II e mãe de D. Sebastião, ao voltar para Castela, viúva, para assumir a regência até a chegada de seu irmão da
Flandres. [nota 40]
Também os reis portugueses {G} tinham seus confeiteiros. Já em 1478, D. Afonso V contava com um, tradição que se prolongaria,
não sabemos se ininterruptamente, ao menos até Filipe II. [nota 41]
Natureza-morta com frutas (secas e cristalizadas) e confeitos, Georg Flegel (1566-1638).

O aumento do consumo de açúcar nos anos 1500 levou a uma especialização. [nota 42] Ainda que
desde o século XIV livros especializados em confeitaria circulassem na Catalunha e na Itália, apenas
em meados do século XVI os livros de receita de confeitos se consolidariam como um gênero em
particular, especialmente na França. Entre as edições desse tipo, incluía-se um exemplar escrito pelo
místico Michel de Nostradamus, influenciado pela alquimia.

Dado o caráter medicinal da culinária, as receitas de confeitos incluíam não apenas compotas,
xaropes, conservas em vinagre, mostarda e outros conservantes, mas também cosméticos como
sabões, pomadas e perfumes, além de recomendações sobre o consumo, as indicações de cada qual e
os cuidados que se devia ter com eles. Segundo Philip e Mary Hyman, historiadores especializados na
cozinha francesa, o vínculo entre os doces e os cosméticos era perfeitamente lógico: como o açúcar
facilitava a digestão, era bom que os doces, de frutas e outros, ficassem para a última etapa do jantar,
logo antes da lavanda, quando os cosméticos seriam usados. [nota 43]

A mesma tendência de especialização da confeitaria apareceria em Castela, onde quatro volumes


sobre o tema foram publicados no final do século. Livros sobre agronomia, farmácia e química,
incluída aí a alquimia, publicados na Itália, na França e nos Países Baixos também tratavam da
confeitaria, haja vista sua importância medicinal. [nota 44]

O Tabuleiro
As fontes disponíveis não permitem precisar como nem a partir de quando as camadas mais
populares começaram a consumir doces e, menos ainda, os doces feitos com açúcar. Não seria de
espantar que esse consumo tivesse começado pelas regiões onde a oferta de edulcorantes era maior,
como Itália, Espanha e Portugal. [nota 45]

Na Península Ibérica, doces de tradição árabe eram consumidos pelas camadas mais populares desde
o Medievo. Eram as alféloas – termo a princípio genérico, derivado da palavra árabe para doce,
halwā, e que, depois, viria a designar especificamente uma pasta de mel ou açúcar cozida em ponto
forte, que, ao esfriar, podia ser moldada e alvejava, ficando com a consistência de caramelo. [nota
46] Ainda antes da metade do século XIV, o rei D. Afonso IV proibia [nota 47] apostas em jogos de
dados em que se prometesse pagar com alimentos – carnes, pescados, cereais, nozes, sal, água,
vinagre e alféloa! [nota 48]

Vale aqui citar a comparação que fez Gilberto Freyre entre a Lisboa quinhentista e as capitais brasileiras do século XX: "Um
costume conservado de Lisboa do século XVI foi o de negras com panelas, balaios e tabuleiros de doce, que saíam pelas ruas do
Rio, da Bahia, do Recife apregoando sua alféloa, seu alfenim, seu doce. Também o de venderem cuscuz ou seu arroz-doce – no
Brasil, à sombra de alguma gameleira grande, sobre tabuleiros apoiados em armações de pau abertos em X. Um manuscrito
português do século XVI [Grandeza e Abastança de Lisboa em 1552, atribuído a João Brandão] fala de vendedoras de doces
acordando os meninos de Lisboa com seus pregões: ‘Como os meninos as ouvem da cama, se levantam chorando por dinheiro a
seus pais e mães’. Exatamente isso se repetiria no Brasil, geração após geração, até os nossos dias. As negras cantando: ‘Eh!
Alfenim’ ou ‘Eh! Bolo’; os meninos chorando por dinheiro para comprar alfenim e bolo". [nota 53]

A crer no cronista Fernão Lopes, parece que essas guloseimas não eram tão caras nem tão raras.
Afirmava que, ao final daquele século, podia-se comprar alféloa por uma moeda das menores que
havia {H} e que, durante o cerco de Lisboa, imposto pela rainha D. Leonor e pelos castelhanos na
Revolução de Avis, em 1384, alguns dos moradores, na falta de pão, comiam alféloa! {I} Do lado dos
sitiantes, seus médicos, cirurgiões e boticários contavam com confeitos, açúcares e conservas para
tratar das tropas {J}. [nota 49] Muito provavelmente, essas primeiras referências ao baixo preço e à
grande disponibilidade das guloseimas são exageradas, ao menos se feitas de açúcar, em vez de mel,
pois na primeira metade do século o açúcar pagaria os mesmos impostos cobrados à pimenta, ao
açafrão e a outras especiarias ou metais, o que indica sua escassez, corroborada por fontes que
arrolam as contas de diversas instituições. [nota 50]

Passado um século, a questão das alféloas voltou a ser tratada pelo monarca. Nas Cortes (espécie de
parlamento extraordinário) que se reuniram em 1490, o povo queixava-se de certos castelhanos que
perambulavam pelo reino vendendo alféloa. O primeiro dano que faziam era encarecer o mel, e o
segundo, "causar os meninos chorar, e pedir a seus pais e mães dinheiro para comprarem dela dita
alféloa, e a outros causa furtarem dinheiro para comprar dela" [nota 51]. Ao que parece, o quitute
tinha um grande vínculo com os jogos de azar, pois se acusavam os alfeloeiros de ensinarem jogos
de cartas e dados aos moços. É possível que o doce fosse o prêmio. Pede-se que se proíba a venda​ de
alféloa no Reino. O rei negou, acedendo apenas que não jogassem dados... Vemos que o mel
continuava sendo usado junto com o açúcar; porém, agora, o doce parecia mais farto entre os
populares, para o que certamente contribuiu a produção algarvia e a madeirense. [nota 52]

No início do século seguinte, as Ordenações Manuelinas voltam a tratar dessa tentação. Seria
proibida aos homens, vagamundos que desvirtuavam os meninos e moços, mas permitida às
mulheres que "quizerem vender alfeloa, assi nas ruas, ou praças, como em suas casas, ou pousadas,
pode-lo-ham fazer sem pena" [nota 54]. Como bem aponta Salvador Dias Arnaut, talvez ainda não
fosse o mesmo doce, que viria a popularizar-se mais tarde no nordeste brasileiro. O autor ressalta
como se definia, assim, uma profissão feminina: a alfeloeira. [nota 55]

A doçaria madeirense era importante para a economia de muitas famílias da ilha, sobretudo para as
mulheres, e não apenas para as mais humildes, que, além de conservas e confeitos, fabricavam o
alfenim e a alféloa. Devido à relevância social da atividade, já destacada em 1469, o fabrico de
conservas, alfenins, confeitos e frutas cristalizadas foi, até o final do século XV, reservado aos ilhéus
naturais e vedada aos mestres de açúcar. A maior parte dessa produção, em especial a de melhor
qualidade, destinava-se à exportação e terminava consumida fora dos domínios portugueses, pois,
como dissemos, o açúcar madeirense e o canário eram considerados, em toda a Europa, dos
melhores para a doçaria. Outra parte destinava-se aos domínios ultramarinos portugueses e às
viagens marítimas. Em lugar de minar a doçaria local, a crise da indústria açucareira da Madeira
levou à especialização no fabrico de doces, dirigindo para esse fim parte expressiva do açúcar que
ainda produzia e, no século XVII, não pouco açúcar importado do Brasil. [nota 57]

O alfenim – do persa, por intermédio do árabe, al-fānid – era quitute que se prestava em especial à moldagem, feito com clara de
ovos e açúcar, que, batidos até o ponto de bala (rebuçado), tornavam-se uma massa seca e alva. Na Península, alfenins foram
consumidos na Alhambra granadina, na festa do nascimento do profeta Maomé em 1362, quando continham óleo de amêndoas.
Teriam também constado em mimos regalados pela Coroa portuguesa à Cúria romana. Gilberto Freyre cantou com muita prosa esse
doce, em que dizia "não se pode tocar com o dedo assim", por ser muito quebradiço, e, por isso, segundo ele, serviria para
designar as moças dengosas do seu Pernambuco. [nota 56]

Natureza-morta com ostras, confeitos e frutas, Osias Beert (1610).


Na borda da mesa, vê-se um alfenim partido.

Também em Lisboa, a abundância de açúcar permitiu que a doçaria "popular" viesse a expandir-se e
aperfeiçoar-se. Mais uma vez as mulheres teriam papel de destaque. Ao enaltecer a cidade, o cronista
João Brandão, a quem se atribui a autoria do manuscrito Grandeza e abastança de Lisboa em 1552,
fornece importantes informações econômicas e sociais. Descreve as mulheres, brancas e negras,
escravas e livres, que vendiam quitutes na ribeira, a área movimentada onde entravam e saíam
mareantes, estivadores, calafates, soldados e comerciantes:
E digo que nesta cidade há cinquenta mulheres, entre brancas e pretas, forras e cativas, que amanhecendo saem na
Ribeira com panelas grandes cheias de arroz, cuscuz {K} e chícharos, apregoando. E como os meninos as ouvem da cama,
se levantam chorando por dinheiro a seus pais e mães. E na verdade não é muito mau, por que com isto são almoços [i.e.,
desjejum] às crianças. E o mesmo fazem os moços que andam a ganhar, assim brancos como negros, com isso fazem seus
almoços e quentam suas barrigas. E desta maneira gastam mui presto suas panelas; em que fazem duzentos rs [réis] cada
uma, e daí para cima, que posto a cento e cinquenta rs cada huma, são por dia sete mil e quinhentos rs, que valem por ano
em trezentos dias, por que só aos domingos deixam de vender, cinco mil e seiscentos e sessenta cruzados. [nota 58]
Mais uma vez, vemos aqui os quitutes, mesmo os saídos das panelas das mulheres, a induzir os
moços assalariados e os meninos, filius familiae, à prodigalidade. A venda de guloseimas avivava-se
próximo às festividades, principalmente do Natal. Assim, narra o cronista:
E digo que nesta cidade quinze dias antes do Natal até dia dos Reis se põem 30 mulheres na Ribeira e Pelourinho Velho
com suas mesas cobertas de toalhas e mantéis muito alvos, e em cima delas gergelim, pinhoada, nogada, marmelada,
laranjada, sidrada [sic.] e farteis [bolos de açúcar e amêndoas, possível desenvolvimento dos fartalejos
supramencionados], e toda outra sorte e maneira de conservas. [nota 59]

Aqui o cronista aponta a diferença entre a doçaria popular e a nobre, de frutas mais caras e preparo
mais cuidadoso. Mas tudo era, ao final das contas, uma prova da fartura da urbe:
Ora, quando a gente extravagante gasta tanto nestas gulodices, que fará todo o mais povo nobre, em cujas casas se gasta
em grandíssima quantidade frutas e conservas de muitas maneiras, e custosas, que segundo as muitas diferenças das
frutas, parece-me que muito bem se podem gastar mais de vinte mil cruzados. E não causa este grande gasto senão a
grande grossura da terra e grandeza. [nota 60]

Segundo o cronista, aquelas trinta mulheres venderiam durante todo o ano, ou a maior parte dele,
fruta de mel, denominação que dá às girgiladas e pinhoadas – doces à base de gergelim e de pinhão
(semente do pinho, o mesmo que os pignoli italianos ou o snobar árabe) – alféloas e "outras coisas de
mel" [nota 61]. Contemplariam esses "doces de mel", apesar do nome, também doces feitos com
açúcar? E em que proporção?
O vendedor de bolos, Abraham Bosse (ca. 1638). Em uma tradução livre da legenda francesa: "Esse confeiteiro é fino e de
humor agradável, para espoliar o dinheiro do menininho, que, por seu lado, de boa vontade engole os bolos que sua mão lhe
apresenta".

Bem, se a venda de doces empregava trinta mulheres, a venda do mel empregava outras vinte. [nota
62] Haveria outras cinquenta que se dedicavam ao fabrico de marmelada, açúcar rosado e laranjadas
– provavelmente confeitos da casca da fruta –, "que vendem às pessoas que vão à Índia e Guiné"
[nota 63]. {L} Em seu afã de inventariar, João Brandão tenta calcular quantas caixas seriam
produzidas apenas para guardar marmelada e estima quinhentas caixas ao ano. Também trata do
açúcar de rosas, que redundaria em bastante dinheiro. [nota 64]
Na mesma época do manuscrito de Brandão, o arcebispado de Lisboa mandou escrever um
inventário para informar-se dos rendimentos de todas as instituições religiosas da cidade, bem como
sobre o número de casas, de habitantes e seus ofícios e ocupações. Esse Sumário, escrito por
Cristóvão Rodrigues de Oliveira, indica um número ainda maior de mulheres doceiras. Oliveira
classificou-as segundo os doces que faziam. [nota 65]
Mulheres que fazem fruta de açúcar – 60
Mulheres que fazem alféloas– 23
Mulheres que fazem zezevinhos – 24
Mulheres que fazem aletria – 28
Farteleiras – 26
Cuscuzeiras – 23
Mulheres que fazem arroz {M} – 27

As laranjadas e os outros confeitos não apenas conservavam a fruta nas longas viagens à Índia e à
África, mas, ao que parece, os viajantes até faziam umas economias vendendo as guloseimas no
Oriente. {N} Na mesma época, o humanista Damião de Góis também destacou a presença dos
confeitos entre os produtos vendidos no movimentado Terreiro do Paço, junto às embarcações no
Tejo, aos estaleiros e ao Paço (palácio) da Ribeira. [nota 66]

O fabrico popular de conservas não foi privilégio de Portugal e da Madeira. Também ocorria em
outras áreas produtoras de açúcar, como Valência e Sicília, e mesmo em regiões em que não se
plantava a cana, como Lorena, onde, desde o século XIV, também sobressaía o trabalho feminino.
Embora a venda exigisse a exposição da mulher, a fabricação, não. A atividade, portanto, coadunava-
se com o recato do lar, da mesma forma que a fiação e a tecelagem. Além de complementar a renda
familiar, {O} ou mesmo sustentar a família (principalmente em uma sociedade de homens que
partiam ao ultramar) e ocupar o tempo, permitia à filha e à esposa agraciarem os visitantes, receber
os parentes, cativar seus esposos e mimar seus pais. [nota 67]

O Andor
Tendo em vista a presença feminina no preparo de doces, particularmente para o consumo popular,
não surpreende o papel dos conventos em sua difusão entre as camadas mais populares e no
aperfeiçoamento de sua arte e técnica. Assim foi em Portugal, na Espanha e em seus senhorios. As
freiras tinham mais tempo livre, e os doces podiam ser fabricados no interior do claustro, sem
prejuízo do recato das monjas. [nota 68] Com o seu fabrico, os conventos e as próprias freiras
teriam uma renda adicional. Além do mais, podiam combinar a culinária com o calendário religioso,
vendendo ou distribuindo certos doces em feriados específicos. Uniam-se as delícias sensoriais aos
tempos sagrados, o dom com o doce, a guloseima com o ritual.
As freiras madeirenses dedicavam-se à doçaria no século XVI, quando os livros de contas dos
conventos mostram compras frequentes de frutas e açúcar da ilha e do Brasil, além das doações que
recebiam em açúcar. Parte de seus quitutes destinava-se à venda ou à distribuição em diferentes
festividades religiosas, particularmente nas procissões. Certos doces estavam vinculados a
determinados feriados. Segundo Alberto Vieira, "a batatada pelo Natal, os coscorões no Entrudo, as
talhadas na Páscoa e no dia de Nossa Senhora da Encarnação" [nota 69].

Em Portugal continental, porém, só a partir do século XVII a doçaria e a conservaria se


desenvolveriam nos conventos e nos recolhimentos, locais onde mulheres viúvas, solteiras ou cujos
maridos estavam ausentes recolhiam-se, sem, contudo, fazer todos os votos da vida religiosa. A
subsequente evolução da doçaria portuguesa deveria muito à tradição conventual. {P} Como, na
época, a vida monástica devia-se menos à vocação que ao planejamento das ligações matrimoniais e
aos investimentos dos dotes da família, os doces serviam também às freiras para mimar seus amores
que viviam fora do claustro. [nota 70]

Também fora do mundo ibérico, as freiras teriam um papel de destaque na doçaria. Stols o ressalta na
França e na parte dos Países Baixos sob controle espanhol, onde a Contra-Reforma teria aumentado o
número de conventos nas áreas católicas, enquanto outros eram fechados nas regiões protestantes.
Muitas freiras espanholas foram levadas para os mosteiros novos e antigos das províncias leais e
católicas, e o autor aventa que essas tivessem ao menos enriquecido a doçaria conventual flamenga.
Nos Países Baixos, onde os recolhimentos urbanos tinham uma tradição ainda mais sólida, reforçada
pela Contra-Reforma, as recolhidas, begijntjes, também associavam seus doces ao calendário
religioso. [nota 71]

Os hospitais e as Santas Casas portuguesas, no Reino e nas ilhas, também recebiam doações em
açúcar e doces e as davam a seus doentes ou vendiam para aumentar suas receitas. [nota 73] Também
as recolhidas flamengas ofereciam seus doces aos enfermos e às crianças.

Nos Países Baixos, os doces também teriam um papel significativo na sociabilização na esfera
pública. Eram consumidos nas reuniões das câmaras de retórica, sociedades literárias que
promoviam peças teatrais, declamação de poesias etc., bastante populares nos Países Baixos. Os
gastos com as guloseimas teriam um peso não desprezível nos livros de contas dessas confrarias.
Ainda que possivelmente em uma medida menor que a lisboeta, também em Antuérpia vendiam-se
doces ao ar livre, no final do ano, sobre o rio Escalda congelado. [nota 74]

As Santas Casas de Misericórdia eram confrarias caritativas voluntárias que se tornaram predominantes na assistência social
portuguesa durante a Idade Moderna. Sua missão secular era redimir os cativos, tratar os doentes e os insanos, dotar as órfãs –
fosse para o casamento ou para o convento –, amparar os pobres, ajudar os presos e libertar os encarcerados por dívidas. Ao
longo dos séculos XVI e XVII, muitas Santas Casas foram estabelecidas nas cidades e vilas portuguesas e nas colônias. A
irmandade na Misericórdia era sinal de status social, demonstrando participação no patriciado urbano. [nota 72]

Os doces prestavam-se bem aos rituais de distribuição, afirma Stols. Assim, os nem sempre bem
quistos soldados espanhóis os distribuíam, junto com frutas, nos entrudos carnavalescos dos Países
Baixos meridionais. [nota 75] O que as crianças tentavam ganhar, lamuriando-se ou roubando aos
pais, recebiam de graça durante eventos familiares, sociais e religiosos, criando laços positivos com
as instituições que os promoviam. Associados a ocasiões específicas, locais ou regionais, periódicas
ou extraordinárias, os quitutes tornavam-se um signo dessas celebrações.

Também no Brasil, o doce teria, desde muito cedo, função nos rituais religiosos e de distribuição. Na
primeira visitação do Santo Ofício à colônia, em 1591, o jesuíta Luiz da Grã denunciou um mestre de
açúcares da capitânia de São Vicente, cristão-novo e já falecido, sobre quem havia ouvido de
terceiros. Em uma procissão na quinta-feira de endoenças, celebrando-se a Paixão de Cristo, levavam
imagens de Jesus com uma cruz às costas e de fariseus. O mestre de açúcares carregava uma caixa de
coisas doces fornecida pela Santa Casa da Misericórdia local para consolar os penitentes. {Q} No
entanto, o denunciado "sempre dava consollação e cousas doces aos fariseus e nada ao da figura de
Christo". [nota 76]

As ligações sacro-profanas dos doces também são notadas por Eddy Stols, que aponta uma espécie de
doce ora designada como "flátulos de freira", ora como "flátulos de puta", na França e na Flandres.
Esse autor, assim como Gilberto Freyre, destaca as designações seráficas e celestiais dadas às
guloseimas dentro e fora da doçaria conventual. [nota 77]
Pães de açúcar para venda em uma loja na Escócia de finais do século XVIII.

A Tenda
Ao lado das doceiras humildes, havia os confeiteiros bem estabelecidos, que faziam os confeitos e as
conservas mais custosos e tinham "tendas" (lojas) próprias. Na Lisboa de meados do século XVI,
João Brandão lista trinta tendas de confeiteiros. Em cada uma trabalhariam cerca de quatro ou cinco
pessoas. [nota 78] Tentava-se concentrá-los em uma só rua, por força das queixas dos moradores,
que não queriam os melados atraindo moscas e abelhas junto a suas casas e nas áreas mais nobres da
cidade. Já em meados do século, havia uma rua designada "Rua dos Confeiteiros", que permaneceria
até as reformas pombalinas após o terremoto de 1755. {R} Porém, certamente também se fabricavam
confeitos em outros lugares. [nota 79]
A difusão da atividade, tanto em uma camada média e masculina da população urbana como em uma
mais baixa e feminina, levou à precoce regulamentação do ofício de confeiteiro por um regimento
em 1575. {S}

A regulamentação dos ofícios era determinada pela Coroa ou pela localidade e visava limitar o
ingresso nas profissões, por meio de exames e outros processos seletivos, estabelecer uma
hierarquia dentro do mester e impor padrões de conduta e qualidade pelos quais os profissionais
deveriam zelar. [nota 80] No Porto, foi somente no período que abordamos aqui que os confeiteiros
passaram a ser reconhecidos como um mester, com seu próprio juiz e escrivão, e a serem
representados na procissão do Corpo de Deus, na qual deveriam dar um canto de seis vozes
acompanhado de alaúdes e pandeiros. Entre os confeiteiros portuenses, havia quatro estrangeiros,
demonstrando a ligação do mester com as exportações. [nota 81]

Em 1610, o Senado de Lisboa pretendeu controlar mais a prática do ofício. Proibiu a venda de doces
nas ruas, limitando-a aos confeiteiros estabelecidos em lojas, também os únicos autorizados a fazer
alféloas, coscorões etc., "por não ser mantimento necessário e fazer os moços mal acostumados"
(sic). As penas seriam menores para a venda irregular dessas gulodices: mil réis; e maiores, 8.000
réis, para os doces de frutas, consumidos para fins medicinais e mais caros que os outros.

A regulamentação da profissão não levou à exclusão das confeiteiras humildes que vendiam suas
guloseimas nas ruas e nos largos. É possível, contudo, que, tendo se fortalecido o segmento
regulamentado, o número de tendas de confeiteiros tenha aumentado, enquanto o de doceiras
ambulantes diminuía. Em 1620, o frei Nicolau de Oliveira, em mais um livro do gênero dos que
exaltavam as qualidades lisboetas, agora com o objetivo de persuadir os Filipes a transferir a capital
para junto da barra do Tejo, afirmava que havia, então, 54 confeiteiros, ao passo que as "molheres
que fazem doces pêra vender, assi em suas casas como polas Ruas, fora da Confeitaria" eram
sessenta. Haveria também quinze "moças que vendem doces pellas portas" [nota 84] e quarenta
pasteleiros. [nota 85] Também entre os confeiteiros lisboetas a concorrência devia ser grande. Em
1626, adita-se o regimento com uma cláusula determinando que não se poderiam comprar amêndoas
sem ordem do juiz do ofício, que cuidaria de promover distribuição equânime do ingrediente. Nos
anos 1640, voltavam as queixas contra as vendedoras ambulantes de doces, e reiteraram-se as
proibições. [nota 87]

O regimento que regulamentou o ofício de confeiteiro estabeleceu que, para sua prática pública, seria exigido exame que
comprovasse a perícia do postulante no fabrico de confeitos de rosas, da ilha, de diacidrão e de talos e em cobri-los com açúcar,
bem como no preparo de amêndoas marquezinhas, conservas de peras e pêssegos, açúcar rosado e marmeladas, marzipã e
alfenim, entre outros. Para evitar a especulação com o açúcar, os confeiteiros não o poderiam comprar ainda a bordo nem levá-lo
diretamente a suas lojas, e eram também obrigados a declarar as caixas que compraram ao juiz do ofício, que repartiria o açúcar
entre os outros confeiteiros.
O regimento também determinava boas práticas. Só se admitiam balanças fixas. Parte do açúcar, do alfenim e dos confeitos deveria
ser reservada para venda a miúdo àqueles que não pudessem comprá-los no atacado e precisassem deles para fins terapêuticos.
Apenas o açúcar de qualidade superior podia ser utilizado na produção de confeitos frios, contra doenças de quenturas. O
município, o juiz e os boticários fiscalizariam as tendas.

A escassez de amêndoas vedava aos confeiteiros vendê-las cozidas no mel. Já as gergiladas e pinhoadas, fabricadas com mel, só
poderiam ser vendidas no mês do Natal; ou seja, confirmava-se a prática já descrita por Brandão, mas se restringia a gulodice
perigosa e o desperdício do mel. Para Carlos Consiglieri e Marília Abel, havia uma continuidade da tradição de doçaria à base de
mel. No entanto, a fabricação e a venda de marmeladas, com mel ou açúcar, eram livres para todos. [nota 82]

A pastelaria, Abraham Bosse (ca. 1638).


A popularização do açúcar refletiu-se nas artes plásticas e na literatura, particularmente em regiões reexportadoras, mas
também na Itália, na Alemanha e na França. Nessas representações, o doce aparece muitas vezes associado à infância e
à inocência, à fartura e ao exotismo, ao amor ou ao consolo, como apontou Eddy Stols. [nota 83]

A profissionalização e a masculinização do ofício de confeiteiro, incluindo a pastelaria, em paralelo


à ocupação feminina com o fabrico e a comercialização da doçaria popular, não foi um fenômeno
exclusivamente português. Também se deu nos Países Baixos, sem que para isso fosse necessário
criar-se uma corporação de ofício, como bem frisou Eddy Stols. [nota 88] Ainda assim, deve-se
ressalvar que também havia homens entre os doceiros mais populares. [nota 89] ​Popular ou
profissional, a especialização da doçaria no século XVI fez surgir doces regionais em várias partes
da Europa {T}, especialidades de localidades que os tinham como um símbolo de sua identidade.
[nota 90]

Em Castela também se procurou cercear a venda pública de doces. Em 1573, uma petição levada às Cortes, espécie de parlamento
de então, chamava seus vendedores de "vagamundos y holgazanes" [folgazões ou preguiçosos]. A petição queixa-se
especificamente da venda de canutillos de suplicaciones, espécie de biscoito ou hóstia enrolado em forma de canudo ou
barquinho, que Cervantes menciona, em Dom Quixote, ser bom para a digestão junto com pedaços de marmelada. Em 1585, sua
venda acaba proibida em Madri. Ao longo da Idade Média, as autoridades tentaram, sem sucesso, limitar a venda desses canudos
em Paris ao período natalino e a outras épocas de procissão. A disseminação da guloseima foi tal, que sua fabricação se
especializou como ofício independente dos padeiros, até serem unidos ao outro ofício especializado, o mester dos pasteleiros,
fabricantes de bolos e tortas, em 1566. [nota 86]

Natureza-morta com doces e frutos secos, Tomás Hiepes (1610-1674).

Outra atividade que se especializou e caracterizou como masculina no início da Idade Moderna foi o
refino do açúcar. Para ser transportado e, portanto, comercializado, o açúcar devia ser, primeiro,
cristalizado, nem que fosse na sua forma mais bruta. Depois, esses cristais podiam ser refinados para
retirar mais impurezas. O refino do açúcar era um processo parecido com o de sua produção,
consistindo basicamente da dissolução, do recozimento e da purga do açúcar. Extraíam-se mais
impurezas através da floculação das substâncias estranhas com a decoada, a aglutinação com clara de
ovos ou sangue de boi, a cristalização do açúcar por meio da saturação e a percolação dos cristais
com a nova purga.

O refino agregava maior valor aos tipos de açúcar mais amarronzados, como o mascavado e o
panela. Já o açúcar branco brasileiro não precisava ser refinado para ser consumido ou usado em
confeitaria, [nota 91] ainda que o refino pudesse lhe deixar mais puro, alvo e seco. De qualquer
modo, o refino propiciava maior variedade de sortimento ao açúcar, com opções diversificadas,
conformes ao gosto e o bolso do consumidor.

No entanto, assim como a produção, o refino era um processo caro, exigia investimentos em
equipamentos, como tachos de cobre e formas de cerâmica, entre outros, e em instalações, incluindo
espaço para armazenamento, além de grandes gastos com combustível e emprego intensivo de mão
de obra especializada, ainda que, é verdade, houvesse algumas oficinas pequenas, caseiras, e o açúcar
pudesse até ser refinado domesticamente, pelos próprios consumidores finais. [nota 92] Era
recomendável que as refinarias fossem estabelecidas em áreas com acesso a combustível barato e
convinha a proximidade do mercado consumidor. {U} Não valia a pena arriscar tanto investimento
ao mar, e terminar com os cristais grumados pela umidade, salgados ou, pior, dissolvidos, fosse por
estarem mal acondicionados ou porque o navio houvesse feito água; e, isso, sem falar no risco de
apresamento por piratas e corsários ou de naufrágio. [nota 93] Além disso, o refino próximo ao
mercado consumidor podia corrigir danos sofridos no transporte, como os causados pela infiltração
da água. [nota 94] Por fim, acreditamos que, com a refinaria próxima ao mercado consumidor, era
mais fácil ajustar a qualidade do açúcar à demanda local e evitar incorrer previamente em altos
custos que poderiam não vir a ser compensados, caso o mercado estivesse mais propenso a absorver
produtos de menor qualidade e preço.
Em ilustração da famosa Enciclopédia dirigida por Denis Diderot e Jean Le Rond d'Alembert, o interior de uma refinaria de
açúcar, sua planta baixa e detalhes de seus equipamentos (1762).

Assim, a partir do último quartel do século XV, o refino do açúcar tornou-se um setor emergente em
algumas das principais praças italianas e flamengas, como Veneza, Bolonha e Antuérpia. {V} O norte
da Itália e o noroeste da Europa eram as áreas mais povoadas, ricas e urbanizadas do continente {W}
e tinham acesso a combustível a custos menores do que no sul do Mediterrâneo ou nas Ilhas
Atlânticas, para onde a produção de açúcar se estendeu. [nota 95] O refino possivelmente fora
introduzido em Antuérpia por mestres italianos. Em meados de Quinhentos, quando se firmou como
a principal praça mercantil, polo distribuidor de produtos de luxo e centro de refino do norte do
continente, senão de todo ele, a cidade já contava com um número significativo de refinadores, cerca
de 25, e, em 1575, com 28. [nota 96]

Mesmo assim, pela metade do século XVI, também funcionou em Lisboa por certo tempo uma
refinaria de açúcar, empreendimento de italianos, [nota 97] que teria empregado de oito [nota 98] a
vinte [nota 99] mestres de açúcar. [nota 100] O refino em Lisboa não se desenvolveu oficialmente,
porque o grande consumo de combustível escasseava a oferta na cidade. Em 1620, o frei Nicolau de
Oliveira ainda registrava a presença de oito refinadores de açúcar em Lisboa. [nota 101] Contudo, o
refino em Portugal é tema que ainda demanda investigações mais aprofundadas. A refinaria lisboeta
provavelmente voltava-se ao mercado reinol ou peninsular, pelas razões já aludidas.

Refinador e refino, em ilustração do Livro dos ofícios, de Jan e Caspar Luyken (1694).

Com a expansão da produção e difusão do consumo, o refino estendeu-se a várias outras grandes
praças europeias. Na virada do século XVI para o XVII, experimentou um breve surto em Londres,
alimentado pelo corso elisabetano contra os navios ibéricos, principalmente os carregados de açúcar
do Brasil. [nota 102] Também foram estabelecidas refinarias nos principais portos atlânticos
franceses, de La Rochelle e Rouen, entre a última década do século XVI e a segunda do XVII. A
expansão das refinarias chegaria a Livorno, porto emergente da Toscana na terceira década de
Seiscentos. Outras mais já vinham sendo criadas nas grandes praças mercantis da Alemanha –
Augsburg, Nuremberg, Leipzig etc. – desde meados do século XVI. [nota 103]

Juntamente com todos os infortúnios que a Antuérpia padeceu por conta das turbulências religiosas,
políticas e militares, ao final do século XVI, centros ascendentes fariam-lhe uma concorrência cada
vez mais acirrada no refino e na distribuição do açúcar, até que Amsterdã e Hamburgo a
suplantassem nos anos 1630. [nota 104] O número de refinarias ativas em Amsterdã indica a
influência crescente do comércio açucareiro na economia da cidade. ​Os autores de uma petição de
1622 em defesa da liberação do comércio com o Brasil via Portugal, a despeito do reinício da guerra
com a Espanha (e, em consequência, com Portugal e suas colônias) no ano anterior, afirmavam que,
ao final do Quinhentos, havia apenas três ou quatro refinarias na cidade, tendo chegado a 25 até
aquela data. Duas mais haveria em Midelburgo, na Zelândia, outra em Delft e uma quarta na aldeia de
Wormer, ambas na Holanda. [nota 105] Se contarmos os refinadores de açúcar ativos em Amsterdã,
estudados por Arjan Pelwijk, encontraremos números maiores {X} e um crescimento mais acentuado
do que os alegados na petição. [nota 106]

O Prato
A popularização do doce não se vê somente nas guloseimas compradas ou recebidas fora de casa,
mas também no seio do lar. Há, porém, divergências entre os historiadores quanto ao momento em
que o consumo do açúcar teria se popularizado e massificado, tornando-se ingrediente básico, de uso
quotidiano, entre as camadas médias e mais humildes da sociedade.

A visão tradicional da história culinária, muito centrada na França e na Inglaterra, sustenta que a
popularização só teria ocorrido no século XVIII ou, na melhor hipótese, em fins do século XVII, com
a entrada em voga das bebidas quentes, estimulantes e exóticas, como o chá, o café e o chocolate,
bem ​acompanhadas de um bolo ou outro doce. Quem talvez melhor sintetize a argumentação dessa
corrente é Sidney Wilfred Mintz, que afirma que só então o uso do açúcar se estendia a um número
cada vez maior de pessoas, que o consumiam com frequência crescente, até tornar-se diária. O açúcar
perdia, assim, sua aura nobre e entrava nos rituais dos homens comuns. [nota 107]

Pesquisas mais recentes, em particular com um olhar sobre as regiões que mais precocemente
exportaram ou reexportaram açúcar, têm revisto essa narrativa. Estudando o impacto social da
doçaria luso-brasileira, a historiadora Leila Mezan Algranti afirma que os doces já teriam presença
consolidada nas mesas das diversas camadas sociais em Portugal, nas ilhas e no Brasil, no século
XVI. Entretanto, não seria ainda alimento básico, mas supérfluo e excepcional, com um papel
comemorativo, vinculado aos eventos das esferas pública (feriados religiosos e festejos laicos) e
privada (casamentos e batizados). Em um plano mais íntimo, tinha o papel social de mimo e regalo,
conforto e alento, hospitalidade e entretenimento. A autora conclui, dizendo: "Assim, símbolo de
status, de amor, de festa e de sociabilidade, o doce conquistou muitos significados sem perder seu
valor medicinal e nutritivo original" [nota 108]. Portanto, o papel do doce na mesa de casa não
ficaria muito longe daquelas guloseimas compradas aos confeiteiros, às doceiras e às freiras ou
distribuídos em eventos públicos.

Eddy Stols [nota 109] vai além e sustenta que o açúcar teria se popularizado muito antes e, desde o
final do Medievo, tornara-se uma importante mercadoria. Em meados dos anos 1500, já se
vulgarizara por toda a Europa Ocidental e ganhara um espaço destacado como ingrediente alimentar.
Sua participação na expansão do comércio capitalista não seria menor que a da pimenta, dos cereais,
da lã e dos têxteis, mercadorias ressaltadas pelos teóricos clássicos. {Y} O autor mostra a
popularização dos doces nos Países Baixos, centro de distribuição do açúcar nos século XVI. Teriam
grande peso nas contas das famílias de mercadores, e, nas mais abastadas, foram introduzidos novos
utensílios de louça, cobre e prata para acomodar e manipular o açúcar, os doces e os bolos: tachos,
escumadeiras, formas e assadeiras, raladores, colheres e açucareiros. Não surpreende que o mais
antigo açucareiro de que se tenha notícia pertencesse a uma cristã-nova residente em Antuérpia, em
1617, proprietária também de vários outros serviços relacionados à doçaria.
Banquete em casa do burgomestre Rockox, Frans Francken, o Jovem (ca. 1630-1635).

Como Antuérpia tornara-se o principal centro de refino do açúcar no Quinhentos, há indícios de que,
nos meios mais humildes, usassem como edulcorante os melados que escorriam no processo da
purga. Também há sinais de que alguns dos mais populares tivessem em casa açúcar de qualidade
inferior, talvez na forma de pães de açúcar, que consumiam com parcimônia. Também na Flandres,
os doces desempenhavam um papel importante nas relações interpessoais e familiares. Apareciam
nas doações às ordens religiosas e eram ofertados pelos mais abastados a seus dependentes e criados,
reforçando suas relações de clientelismo, que, como Stols observa cuidadosamente, figuram na
imagem dos visitantes à fazenda retratada em pinturas e gravuras pelos mestres da família Brueghel.
{Z}
Açucareiro de prata (Londres, 1683-1684).

Para Stols, essa popularização não teria sido exclusiva dos centros distribuidores, e a prescrição de
conservas, açúcar e xaropes em um livro de Medicina dedicado aos pobres – Les oeuvres charitables,
de Philbert Guybert –, publicado em 1630, bem como a recomendação de outro autor francês, Pierre
Belon, de que grandes animais marítimos fossem condimentados com açúcar sugerem que o produto
era usado pelas camadas mais populares. [nota 110] No entanto, no início do Seiscentos, o agrônomo
francês Olivier de Serres ainda via no uso do mel ou do açúcar um sinal de distinção social, sendo o
primeiro usado por pessoas de meios módicos, e o último, pelos mais distintos. [nota 111] Alain
Huetz de Lemps também aponta para uma evolução mais lenta da popularização do açúcar na França.
[nota 112]
Placa de identificação de uma refinaria em Amsterdã ​(século XVIII).

Quanto a Portugal, a julgar por relatos de contemporâneos, o açúcar ainda era gulodice para os mais
abastados no último quartel do Quinhentos. O arcebispo de Goa, frei Gaspar de Leão, queixava-se e
atribuía justamente à gula e às invenções dos confeiteiros, das doceiras e dos lares mais abastados a
culpa por a demanda aumentar além da oferta, elevando o preço do açúcar e dificultando o acesso
àqueles que dele precisassem apenas para fins medicinais:
Assim vinham elas, mas com suas invenções estragadoras do bem comum, se alevantou tanto o preço do açúcar que o
coitado do pobre doente não pode comprar uma onça para alívio das febres. Contarei um caso com que pasmarás.
Lembra-me que, quando moço, na Espanha não havia mais açúcar, a não ser em Valencia e o que vinha de uma pequena
ilha nossa que se chama Madeira. Embora não houvesse mais do que esse, o seu preço não passava de quinhentos réis a
arroba. Agora, que muito açúcar vem da Índia e naus carregadas do Brasil, chega a dois mil réis a arroba. Este mal é
resultado da gulodice, irmã carnal da gula incansável de ovos doces, trutas, empanadilhas e infinitas invenções que esta
gulosa rapariga tem inventado, com as quais vai de mesa a mesa, para que não haja tempo vago ao deleite do gosto, e
para a continuidade do sacrifício e do holocausto do ventre, outro pagode desta gente mui adorado. [nota 113]
(Atualização do editor.)
Visita à quinta, Jan Brueghel, o Velho (ca. 1597).

Se no final do Quinhentos o doce ainda era luxo, a situação transformava-se rapidamente, a ponto de,
na primeira década do século seguinte, o jurista, linguista e historiador Duarte Nunes de Leão
afirmar que aquilo, que antes era um símbolo de distinção social dos estratos mais altos, era agora o
diferenciador entre os simples artesãos que ganhavam por seu trabalho. Possivelmente com certo
exagero, dizia que a qualidade das marmeladas – de açúcar, com âmbar e almíscar – era motivo de
inveja entre eles:
Mas porque em Portugal se veo a regalar a gente tanto com a inuenção das ilhas da Madeira, do Cabo Verde, de Sam
Thomê, & do Brasil, de que vem cada anno tanta carregação de açucares, não curão de gastar mel, se não onde os
materiaēs que seguisaõ [se guisam.] o requerē de necessidade. Porque as marmeladas q os antigos fazião de mel, em casas
mui honradas, não quer agora qualquer macanico [mecânico] comelas [comê-las], se não de açúcar, & tocadas de ambar
& almiscre [almíscar]: que tambem nisto há agora ambição, & pontos de honrra [...] [nota 114]

Na República Neerlandesa, em meio à guerra para consolidar o domínio sobre o nordeste brasileiro,
um poeta cantava, com algum floreio:
O que pende de uma árvore ou cresce no campo
vem aqui e cai na boca do povo.
Quantos duros golpes padecem hoje no tórrido Brasil
para trazer seus frutos a essa terra longínqua!
Aqui nenhuma cana-de-açúcar cresce nos vales,
mas, mesmo assim, a mocidade aqui está empanturrada com açúcar. [nota 115] (Tradução nossa.)

No Brasil, as tradições da doçaria ibérica e madeirense uniram-se às frutas tropicais e europeias


aclimatadas e à abundância do açúcar. [nota 116] Além disso, tentam adequar suas descobertas sobre
a botânica tropical ao arcabouço médico humoral. No final do século XVI, Gabriel Soares de Sousa
descreve longamente as árvores da costa e do sertão, comparando-as às europeias e indicando suas
qualidades, particularmente as médicas. Do caju, por exemplo, dizia: "Fazem-se estes cajus de
conserva, que é muito suave, e para se comerem logo cozidos no açúcar cobertos de canela não têm
preço"; de certo tipo de bananas "cozidas no açúcar com canela são extremadas, e passadas ao sol
sabe a pêssegos passados", e as mangabas "quando estão inchadas são boas pra conserva de açúcar,
que é muito medicinal e gostosa"; o cajá, "cuja natureza é fria e sadia", "dão esta fruta aos doentes de
febres, por ser fria e apetitosa, e chama-se como a árvore, que se dá longe do mar". [nota 117]

Na segunda década do século XVII, Ambrósio Fernandes Brandão explica como fazer um marzipã
com pinhões brasileiros, da araucária e, portanto, diferentes dos reinóis, do pino, e das goiabas ou
araçás, tropicalíssimos, para tratar problemas digestivos.
Muitas pessoas usam dêles [os pinhões] com, depois de esbrugados, lhes tirarem uma pelinha que têm de fora e juntamente
outra do meio, para o que é necessário ser aberto, e logo o tornar a ajuntar e o encerram dentro em uma fruta que
chamam goiaba, e, em falta, em outra que chamam araçá, e os põem a assar juntamente com a fruta sôbre o borralho, e
como está assada os tiram dela, porque com o calor do fogo largam dentro na fruta a malinidade que tinham, e, botada a
fruta fora, pisam os pinhões em um gral com um pouco de açúcar branco, no qual se incorporam, e depois de tudo
incorporado fazem um pequeno bolinho que se torna a assar sôbre um têsto nas brasas, ficando do modo de massa de
maçapão, com se advertir que se há de fazer sòmente de cinco pinhões a purga, que o enfêrmo há de tomar uma hora
antemanhã, e com ela obra maravilhosamente até se lhe dar o caldo de galinha que lhe restringe as câmaras [nota 118].

Brandão também recomenda substituir o manjar branco por uma mistura de farinha de mandioca,
caldo de galinha e de peixe e açúcar, ao qual no Brasil denominavam "mingau". Alguns anos depois,
frei Vicente do Salvador também recomenda a farinha de mandioca com açúcar para os doentes.
[nota 119] Brandão ainda ressalta as qualidades da abóbora, a que, no Reino, chamavam de "guiné" e,
no Brasil, de "jerimu", que duravam muito em conserva de açúcar. [nota 120]

Algranti destaca que, também na colônia, os doces tinham um impacto nas relações sociais: para os
livres mais abastados, distinção; para os escravos, equiparação social, quando o doce lhes era
ofertado, ou suplemento alimentar (no caso daqueles subprodutos inferiores do processo de
produção do açúcar, que, como vimos, eram-lhes dados). [nota 121]

O Sal
No século XVI, começam as primeiras dissidências da longa tradição médica. O místico e alquimista
Paracelso, que questionou a medicina humoral, via a causa das doenças não no desequilíbrio interno
dos humores, mas em intoxicação causada por uma agressão exógena, a ser curada com pequenas
doses do mesmo tóxico. Os remédios seriam à base de minerais. Era uma medicina fundada na
tradição árabe e europeia da alquimia, nos conhecimentos de mineralogia que vinham desde a
Antiguidade, na cosmologia do neoplatonismo, no hermetismo renascentista e, não menos
importante, na medicina popular. No entanto, dada a força da autoridade clássica, sobretudo nas
universidades europeias, a personalidade pernóstica de Paracelso e a heterodoxia de suas ideias com
relação à cosmologia, seus adeptos foram de início poucos e ficaram à margem do establishment
médico. Alguns encontraram abrigo como médicos da corte e em academias médicas que se
formavam ao largo das universidades. Davam grande importância às experiências laboratoriais, que
viam como uma forma de desvendar o cosmo. [nota 122]

Um desses discípulos de Paracelso foi Joseph du Chesne, que, no final de sua carreira, tornou-se
médico de Henrique IV da França. Foi justamente durante o surto de produção açucareira do Brasil,
em 1606, que Du Chesne fez a primeira crítica "científica" ao consumo do açúcar: sob sua brancura,
esconderia um grande negror e, sob a doçura, uma grande acrimônia, que se equipararia à da água
forte; isto é, o ácido nítrico ou sulfúrico. Possivelmente, aludia ao sabor restante após seu consumo,
ao enegrecimento dos dentes e às cáries que os comiam. Seguindo os passos e a prepotência de
Paracelso, dizia que se poderia encontrar no açúcar um solvente que dissolvesse o ouro, e que os
médicos tradicionais não o entendiam porque tinham um conhecimento superficial.

À mesma altura, o botânico alemão Jakob Theodor, conhecido como Tabernaemontanus, louvava as
qualidades do açúcar da Madeira e das Canárias, mas advertia que poderia prejudicar os dentes, ao
menos dos que tinham temperamento bilioso. Outro discípulo de Paracelso, o italiano Leonardo
Fioravanti, condenava o consumo excessivo de marzipã e conservas. Ainda seriam necessárias mais
andorinhas para fazer verão. [nota 123]

Segundo Flandrin, o momento de maior influência da medicina humoral sobre a culinária teria se
dado justamente na segunda metade do século XVI e na primeira do XVII. [nota 124] A partir de
então, a gastronomia tendeu a distanciar-se dos princípios que a nortearam por séculos, o que se faz
sentir nos livros de receita franceses. Ainda que o consumo do açúcar fosse crescente, a proporção
de receitas que o continham se reduziu. Listavam cada vez menos o açúcar em receitas à base de
carnes, aves, peixes e legumes, que passavam a ver como menos compatíveis. Teve início a antinomia
doce-salgado.
Açucareiros de botica provavelmente pertencentes ao convento de Nossa Senhora do Vencimento do Monte do Carmo de
Lisboa (ca. 1755 - 1785).

O doce foi ficando para o almoço, nosso atual desjejum, a merenda e outras refeições leves. No
jantar e na ceia, equiparáveis ao almoço e ao jantar dos dias de hoje, os doces foram relegados ao
final da refeição, juntamente com o leite de amêndoas e a água de rosas. A tradição árabe começava a
fender. A maior parte dos pratos deveria ter a função da salada renascentista para estimular o apetite.
As frutas passaram da entrada para a sobremesa e, quando ficavam na entrada, eram acompanhadas
de um estimulador de apetite salgado. Em refeições mais sofisticadas, doces eram servidos não
apenas ao final, mas também ao fim de cada serviço, que continha vários pratos. Quando se desejava
que os comensais continuassem a bebericar após a refeição, servia-se uma salada como sobremesa
ou depois dela. Ao mesmo tempo, aumentava a frequência do açúcar em receitas com cereais, ovos e
laticínios, além das frutas, limonadas e as novas bebidas doces coloniais — café, chá e chocolate. As
bebidas coloniais, as frutas e parte da confeitaria fariam merendas e refeições leves. A confeitaria se
consolida amalgamada à pastelaria. [nota 125]

Essa tendência tardaria mais a adentrar outras regiões da Europa e mesmo em áreas mais periféricas
da França, como verifica Flandrin ao analisar o relato de viajantes franceses no estrangeiro, no final
do século XVII. Queixavam-se do excesso de açúcar e do perfume de âmbar na Biscaia, das saladas
doces na Flandres e, ainda mais, na Irlanda. [nota 126]

A tendência também seria sentida em Portugal, mas a transformação não se completaria até o fim do
século XVII. O mais antigo livro de cozinha impresso no país que chegou a nossos dias, o Arte de
cozinha, foi publicado em 1680. {AA} O autor, Domingos Rodrigues, serviu à rainha D. Maria
Francisca de Saboia, cujos pais haviam sido servidos pelo autor do clássico Le cuisinier françois,
marco das novas tendências. Segundo Alfredo Saramago, o livro de Domingos Rodrigues seria uma
referência para a cozinha lusa das elites, que, até então, haviam se preocupado mais em sofisticar pela
ostentação do que pelo paladar, de modo que o excesso de açúcar e especiarias distorcia o sabor
natural dos alimentos.

O livro introduz os vegetais, aumenta a frequência das especiarias (70% das receitas), mas,
curiosamente, reduz bastante as suas quantidades. O indefectível manjar branco não falta em fazer-se
presente. As menções ao açúcar, contudo, apresentam uma significativa queda e aparecem em uma
proporção muito menor de receitas de carne do que naquele manuscrito quinhentista supostamente
escrito para a infanta D. Maria. Agora, o açúcar é mencionado em somente 14% das receitas e tende a
trasladar-se para o final da refeição. Os doces dividem-se entre os de colher, em geral para
sobremesa, e os de merenda, mais secos. No entanto, o processo de transformação mostrou-se lento,
com a coabitação pacífica entre a tradição e a inovação. A cobertura de açúcar e canela permanece,
bem como o ácido e o agridoce (50% das receitas). A tradição popular, com o cuscuz e a aletria, e a
conventual, com os ovos moles e os pastelinhos, mesclam-se com estrangeirismos como os folhados
à francesa. [nota 127]

Para Flandrin, a concentração do açúcar no final das refeições teria sido parte de um processo que
libertou a gastronomia da medicina, ao menos na França. Os franceses teriam se preocupado mais
com o sabor que com a função dietética de seus pratos. Peterson enfatiza que se ia apercebendo de
que o açúcar inibe o apetite e mascara o paladar não apenas pela leitura dos antigos, mas também pela
experiência prática, para a qual a crescente oferta e consumo certamente contribuíram. Já a
historiadora das dietas Rachel Laudan sustenta que a transformação por que passou a dieta europeia
em meados do século XVII só foi possível graças às novas teorias que se desenvolviam na medicina,
pois, de outra forma, as alterações seriam consideradas perigosas para a saúde. As novas teorias não
apenas autorizavam essas transformações dietéticas, mas veriam o açúcar com olhos menos
favoráveis. [nota 128]

A medicina baseada na química (ou alquimia), a iatroquímica, desenvolveu-se ao longo do século


XVII, com pesquisadores como Jan Baptista van Helmont, Franz de la Boë (Franciscus Sylvius) e
Thomas Willis, nos Países Baixos meridionais, na República Neerlandesa e na Inglaterra. Os
iatroquímicos comparavam a digestão, assim como todo o ciclo da vida, à fermentação e à
destilação, em lugar do cozimento, como fazia a medicina humoral. A crítica mais forte ao açúcar
veio no final do século, quando a iatroquímica já não era tão controversa. [nota 129] Analisando a
urina açucarada dos pacientes que sofriam de diabete, Willis, prestigioso médico britânico, concluiu
que:
[...] o açúcar, destilado por si mesmo, produz um líquido (liquor) pouco inferior à água forte... Portanto, é muito provável
que, misturado com quase qualquer de nossos alimentos e consumido em tamanho grau no seu uso diário, deixe o sangue
e humores salgado e acre {AB}; e, consequente​mente, escorbútico. [nota 130] (Tradução nossa.)

O escorbuto fazia perder os dentes. O açúcar já não era a panaceia de antes. Pior, seu consumo
excessivo já era percebido como nocivo.

Segundo Rachel Laudan, essa nova visão do açúcar teria inibido os cozinheiros de polvilhá-lo sobre
os pratos e o levou à margem do cardápio, servido apenas na sobremesa, preparada em outra
cozinha. O açúcar tornou-se objeto de um novo gênero de livros, dedicado a suas propriedades
decorativas, e não médicas. [nota 131] Ainda assim, ao menos no mundo português, o açúcar
continuaria sendo usado, senão como princípio ativo, como veículo*, no preparo de remédios do
tipo xarope ou eletuário, composto de extratos em pó veiculados em xarope de açúcar ou de mel.
[nota 132]
Natureza-morta com doces, Josefa de Ayala, dita Josefa de Óbidos (1676).
Em meados do século XVII, criações da doçaria conventual e da culinária popular conviviam com inovações francesas nas
sobremesas e merendas.

Para Mintz, essa transformação seria resultado da mutação do significado social atribuído ao açúcar,
que deixara de ser uma suntuosidade da realeza. À medida que seu poder simbólico se esvaziava, "os
ricos e poderosos começaram a repudiar seu consumo". Teria sido a crescente oferta, segundo esse
autor, o que fez com que a função de condimento do açúcar se esvaecesse: "Não é surpreendente que
o uso do açúcar como especiaria tendesse a desaparecer à medida que o próprio açúcar ficava mais
abundante". [nota 133] (Tradução nossa.)

Em suma, a expansão da oferta e a disseminação do consumo engendraram, dialeticamente, uma


redefinição do uso do açúcar, agora mais circunscrito, ainda que mais difundido e abundante.

"Mamjar braquo
R. tomareis ho peito de hũa galynha preta e poloeis a cozer Sem Sal Senão na agoa tal e a de ser não mujto cozida por que Se
posão tirar As feuaras emteiras/ E depois de tiradas deitalas hão em hũa escudela dagoa frya e dahy falaseis em ffios porque os
mais delgados Sam milhores/. E pera este peito ha mister hũ aRatal da Roz muyto bem limpo e lauado e Sequo e limpo com hũ
pano/ e pisado e peynejrado por hũa pinejra de Seda basta e hũa canada de leite deitada no tacho e Sete onça dacuquar E tomarejs
A galinha e darlheis tres machoca duras em hũ gral e deitalaeis no lejte que ja estara no tacho emtão deitar lheis a ffarjnha do
aRoz/ e deitar lheis Sal com que Se tempere muyto bem mexido emtam poloeis no ffogo de ffogarejro e Seja bramdo e mexereis
Sempre e como for basto não ja muyto comecareis a bater Rijo e tiraloeis ffora do ffoguo a tempos e bateloeis Sempre muyto
batido/ E quamdo estiuer meio cozido deitar lheis o acuquar e proualoeis e Se não ffor mujto doce poderlheis lamcar mais e como
for cozido tirem o tacho fora e enchão as escudelas e deitemlhe Acuquar pisado por cima//."

Fonte:
HOSOKAWA, A. B. S. O tratado da cozinha portuguesa – códice i.e. 33: aspectos culturais e linguísticos, pp.298-300.

– Manjar Branco –
"Depois que um peito de galinha estiver meio cozido, desfiado e desfeito em um tacho, com a colher deitem-lhe 2 canadas de leite,
2 arráteis de açúcar e 1 arrátel e ¼ de farinha de arroz, mexendo-se para cozer. Enquanto se vai cozendo, deitem-se lhe pouco a
pouco ½ canada de leite para refrescá-lo e 1 arrátel de açúcar. Quando estiver cozido, (o que se pode verificar metendo-lhe a
ponta de uma faca, e esta se despegar lisa), deitem-lhe água de flor, tire-se do fogo, e corte-se em pedaços. Do mesmo modo se
faz manjar de peixe ou de lagosta em lugar de galinha."

Fontes:
RODRIGUES, Domingos. Arte de cozinha. 1680 (grafia e escrita modernizadas).

COUTO, C. Arte de cozinha: alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII-XIX), p.61.

– Manjar do Céu à Pernambucana –


"Leite de 1 coco, 3 colheres (60 g) de maisena. Açúcar a gosto. 1 colherinha de sal. Vai ao fogo numa caçarola até ficar bem
cozinhado. Molha-se a fôrma e despeja-se o mingau até ficar frio para tirar sem quebrar."

Fonte:
FREYRE, G. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil, p.143.

Natureza-morta: cesta com flores e doces de vários tipos, Josefa de Óbidos (1630-1684).
{ A } Segundo Alfredo Saramago, historiador da culinária portuguesa, o mel e o açúcar eram ambos quentes, mas, diferentemente do
açúcar, o mel era seco, exigindo, portanto, mais cuidado no seu uso. (SARAMAGO, A. Para a história da doçaria conventual
portuguesa, p.23.)

{ B } As medidas tinham grande variação regional e alteraram-se ao longo do tempo. O valor aqui indicado serve apenas para sugerir
uma ordem de grandeza.

{ C } Veja a opinião de Felipe Fernández Armesto: "A maioria das novas receitas do Renascimento não era particularmente salgada,
embora representassem [sic] um repúdio à doçura enjoativa apreciada na Idade Média. Acho que isso não teve muito a ver com a
inspiração romana, mas sim com o fato ao qual voltaremos no próximo capítulo – de que o açúcar, anteriormente um luxo exótico,
se tinha [sic] tornado um produto cotidiano e abundante naquele mesmo período". (ARMESTO, F. Fernández. Comida, p.186.)

{ D } No final do século XV, em Évora, nas bodas do malfadado príncipe dom Afonso, herdeiro de dom João II e de quem se esperou
ver o primeiro monarca de toda a Península Ibérica, já haviam sido servidos açúcares e conservas, porém não sabemos se revestidos
com toda essa arte cenográfica. (ARNAUT, S. D. A arte de comer em Portugal na Idade Média, p.103; RESENDE, Garcia de.
Crónica de D. João II e miscelânea, cap. CXVII, pp.156, 160.)

{ E } Possivelmente, Mintz referia-se aos livros que ensinavam o preparo de gomas com açúcar, e não das pastas para esculpir ou do
alfenim, que continham muito mais açúcar e, quebradiças, precisavam ser recobertas de algodão antes de serem transportadas.
(MINTZ, S. W. Sweetness and power, pp.87, 90-1, 95.)

{ F } Confeitos também eram dados de presentes a membros das Casas Reais. (STOLS, E. The expansion of the sugar market in Western
Europe, pp.237-8, 243-4.)

{ G } Também as grandes casas senhoriais manteriam essas práticas, como os duques de Bragança, em seu palácio em Vila Viçosa.
(SEQUEIRA, G. M. Depois do terramoto. v.3, p.415.)

{ H } "E destes dinheiros velhos, quem quiria fazer moeda mais pequena, corava huum dinheiro pella meatade com huuma tesoira,
ou o britava com os dentes, e a ameatade daquel dinheiro chamavom mealha ou pogeja, e compravom com ella huuma mealha
de mostarda, ou dalfelloa, ou de tramoços, e semelhamtes cousas[...]."(LOPES, Fernão. Crónica de D. Fernando, cap. LV, p.146.)

{ I } "Na çidade nom avia triigo pera vemder, e se o avia, era mui pouco e tam caro, que as pobres gemtes nom podiam chegar a
elle; ca vallia ho alqueire quatro livras; e o alqueire do milho quareemta solldos; e a canada do vinho tres e quatro livras; e
padeçiam mui apertadamente ca dia avia hi, que, aimda que dessem por hũu pam hũua dobra, que o nom achariam a vemder;
e começarom de comer pam de bagaço dazeitona, e dos queyjos das mallvas e rraizes da natureza; e taaes hi avia, que sse
mantiinhã em alfelloa." (LOPES, Fernão. Crónica de D. João I, v.1, cap. CXLVIII, p.306.)

{ J } "De Sevilha viinham muitas barcas e baixees com mamtiimentos e armas, e quaes quer outras cousas que lhe neçessarias
eram; e nom cuidees que ssomente de mantiimẽtos, mas espeçiarias de muitas e desvairadas maneiras achariees em elle em
gramde avomdamça a vemder. Alli havia fisicos e çelurgiaães e buticairos, que nom ssomente tinhã prestes as cousas
neçessarias pera comservar a saude do corpo, mas desvairados modos de comfeitos e açucares e comservas, lhe achariees em
muita fartura." (LOPES, Fernão. Crónica de D. João I, v.1, cap. CXIV, p.220.)

{ K } Ainda que o autor não dissesse serem doces o arroz e o cuscuz, assim têm entendido os pesquisadores, como José da Felicidade
Alves, organizador da edição que utilizamos, que atribuiu ao trecho supracitado o título 166 "Das mulheres que vendem arroz
doce". (BRANDÃO, J. Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, p.13.)

{ L } Ainda que se fabricassem confeitos também em Bengala, na Índia, e em Goa, a doçaria portuguesa e a indiana haviam se
desenvolvido significativamente até o final dos anos 1530. (GODINHO, V. M. Os descobrimentos e a economia mundial, v.4,
p.357.)
{ M } Não é certo que o arroz e o cuscuz eram doces.

{ N } Os confeitos teriam sido levados à África e à Índia já por Vasco da Gama. Mais tarde seriam vendidos no Japão e, ainda que
pudessem ser fabricados no Oriente, tinham receita ou influência portuguesa. (GOUVEIA, D. F. Açúcar confeitado na Madeira, p.35.)

{ O } Aqui vemos uma ocupação doméstica, predominantemente feminina, voltada ao mercado, visando a obtenção de recursos para a
compra de produtos, particularmente os exóticos e de luxo, que se tornavam acessíveis a camadas mais extensas da população. A
esse processo Jan de Vries chama "Revolução Industriosa", e, segundo ele, teria ocorrido de modo consistente, profundo e
duradouro apenas no "longo século XVIII", i.e., entre 1650 e 1850, e aberto caminho para a Revolução Industrial, ainda que o
autor encontre precedentes na República Neerlandesa de Setecentos. Todavia, em sua lista de setores da protoindústria, Vries deixa
de incluir o alimentício. (VRIES, J. de. The industrious revolution, pp.10, 44, 52, 71-2, 78, 92, 96-7, 104, 140-1, 177.)

{ P } Também a poesia portuguesa da segunda metade do século XV e início do XVI fala na oferta de doces, como trutas, fabricadas
por freiras, e fartalejos. (ARNAUT, S. D. A arte de comer..., pp.103,104). Recolhida no Cancioneiro geral, a trova "D’Anrrique de
Saa a Dyoguo Brandam, Mandando.lhe hũmas Trutas de Freyra" faz menção à preparação por uma freira de um doce chamado
truta: "Estas trutas são daquella / a quem vós dizeis – a ponto!/ leuãm ouos e canella,/nem co ellas nem par’ella/nunca se vos põem
em ponto./Ysto soube per hũm conto/C’uma doona me contou,/Em que pouco vos gabou". (RESENDE, Garcia de. Cancioneiro
geral, p.355 (no. 426)).
A doçaria conventual propriamente dita foi, entretanto, um fenômeno que só teria emergido
muito mais tarde.
{ Q } Em Lisboa, era costume distribuir fruta doce nas procissões de quinta-feira de Endoenças, ao menos desde 1562. (SEQUEIRA, G.
M. Depois do terramoto, v.3, pp.413-4.)

{ R } Os confeiteiros teriam sido originalmente concentrados na freguesia de Nossa Senhora dos Mártires e, depois, na paróquia de São
Nicolau, onde ficava a rua que tomou o seu nome. Em 1580, viajantes venezianos mencionam a venda de doces, frutas secas e
cristalizadas em lojas na rua Nova, região nobre da cidade, o que reforça o entendimento de que ao menos a venda de confeitos se
dava em zonas mais valorizadas do que a reservada ao fabrico. (Para referências, ver nota 77 deste capítulo.)

{ S } De fato, ainda antes disso, em 1539, os confeiteiros já se encontravam reconhecidos como profissão especializada, tomando a
bandeira do Arcanjo São Miguel. (LANGHANS, F. P. As corporações dos ofícios mecânicos, p.564.) Sob esse estandarte,
marchariam nas procissões, com destaque para a de Corpus Christi, em que cada mester tinha o seu lugar próprio no corso. Em 1563,
formam uma confraria sob o padroado de Nossa Senhora da Oliveira. As confrarias eram organizações voluntárias, não
necessariamente vinculadas a um mester, que se centravam em algum fim social, religioso e/ou assistencial, envolvendo a ajuda
mútua entre seus membros. Eram definidas por um regimento ou compromisso, que estipulava o seu funcionamento regular, as
condições de ingresso e os direitos e deveres individuais e coletivos dos que a elas pertenciam. (OLIVEIRA, E. F. Elementos para a
história do município de Lisboa, v.5, p.581, nota.)

{ T } T. Sarah Peterson menciona a venda de confeitos, bolos, pastéis, geleias e gelatinas por mercadores, também na Inglaterra, no
final do século XVI. (PETERSON, T. S. Acquired taste, p.5.)

{ U } Para Stuart B. Schwartz, a ausência de refinarias no Brasil ou em Portugal se devia à falta de competição entre os confeiteiros
portugueses, que atuariam em um mercado de menor complexidade. (SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations..., p.162; STOLS, E. The
expansion..., pp.260, 270.)

{ V } Dado o escopo deste trabalho, preferimos uma abordagem mais qualitativa. Dados quantitativos sobre o consumo de açúcar,
sobretudo relativos aos Países Baixos Meridionais e à Alemanha, ainda que fragmentários, podem ser encontrados nas fontes
listadas na nota 93 deste capítulo.

{ W } Vale lembrar que as regiões de maior consumo e produção foram ligadas desde o início: mercadores flamengos, italianos e
alemães, além de outros estrangeiros e ibéricos, é claro, tiveram participação ativa na implantação da produção açucareira no
Atlântico – Madeira, Canárias, Hispaniola – e no Brasil. Participaram ainda mais intensamente de sua distribuição na Europa, que se
fazia juntamente com outros produtos exóticos e de luxo: especiarias, roupas finas, pedraria, joalheria etc. Refinado ou não, a partir
da segunda metade de Quinhentos, o açúcar era reexportado de Amsterdã, Antuérpia e Hamburgo ao Báltico, para o interior da
Alemanha e da França, bem como para a Itália e o Mediterrâneo. Também chegava a esses mercados a partir da própria Península
Ibérica, que comumente integrava a navegação, se não o comércio, entre o noroeste europeu e o Mediterrâneo. A integração das
praças e de seus agentes dificulta estabelecer hierarquias. (STOLS, E. The expansion..., pp.265-6, 273; COSTA, L. F. O transporte no
Atlântico..., v.1, pp.98-100.)

{ X } Poelwijk atribui a diferença aos pequenos empreendedores que se autoempregavam como refinadores, ignorados na contagem das
plantas de caráter mais fabril. (POELWIJK, A. In dienste vant suyckerbacken, pp. 55-6.)

{ Y } Immanuel Wallerstein, porém, refere-se a outros produtos alimentícios básicos, como o pescado e a carne, além dos combustíveis,
e menciona até mesmo o açúcar como motor para a colonização. Para Fernand Braudel, o açúcar seria produto de luxo de
disseminação tardia, juntamente com as bebidas exóticas. (Para referências, ver nota 107 deste capítulo.)

{ Z } Primeiro por Pieter Brueghel, o Velho, e, depois, por Jan Brueghel, o Velho, e Pieter Brueghel, o Novo, entre 1597-1625.
(STOLS, E. The expansion..., pp.249-251.)

{ AA } Ao que parece, teria havido ainda outro manuscrito quinhentista que não sobreviveu. Eddy Stols atribui a ausência de livros de
receita impressos não à falta de interesse dos portugueses, mas à vitalidade de sua prática, que envolvia a transmissão oral e
manuscrita das receitas. (STOLS, E. The expansion..., p.245.)

* Agradeço a Márcia Moisés Ribeiro pela informação sobre a utilização do açúcar como veículo no preparo de remédios e pela
indicação da obra aqui referida.

{ AB } Laudan sugere que a ligação entre o açúcar e o ácido pudesse ter sido feita devido ao uso de claras no refino. (LAUDAN, R. A
kind of chemistry, p.17.)
Capítulo Três // À Boca

[1] Veja a discussão sobre as funções do açúcar em: MINTZ, S. W. Sweetness and power, p.78.

[2] PETERSON, T. S. Acquired taste, pp.1-3.


MINTZ, S. W. Op. cit., pp.96-7.
GALLOWAY, J. H. The sugar cane industry, p.23.

[3] MINTZ, S. W. Op. cit., pp.82-3.


BARBIERI, R. L.; STUMPF, E. R. T. Origem, evolução e história das rosas cultivadas, p.270.

[4] INVENTÁRIOS e Contas da Casa de D. Denis (1278-1282), pp.48-51.


ARNAUT, S. D. A arte de comer em Portugal na Idade Média, pp.44-5.

[5] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.15-8.


LAUDAN, R. Birth of modern diet, p.11.

[6] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.1-3.


MINTZ, S. W. Op. cit., pp.85-6.

[7] LARIOUX, B. Cozinhas medievais, pp.454-6, 458.


MINTZ, S. W. Op. cit., pp.84-5.

[8] DEBUS, A. G. Man and nature in the Renaissance, pp.16-17.


LAUDAN, R. A kind of chemistry, pp.9-10.
LAUDAN, R. Birth of modern diet, pp.11-3.
COUTO, C. Arte de cozinha: alimentação e dietética em Portugal e no Brasil (séculos XVII-XIX),
p.52.

[9] FLANDRIN, J. L. Tempero, cozinha e dietética nos séculos XIV, XV e XVI, p.481.
MINTZ, S. W. Op. cit., pp.96-7.

[10] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.24-5.

[11] FLANDRIN, J. L. Da dietética à gastronomia, p.675.


MINTZ, S. W. Op. cit., pp.101.

[12] LAUDAN, R. Birth of…, p.11, 13.


FLANDRIN, J. L. Tempero..., pp.481-2, 487-8.
[13] LAUDAN, R. A kind of chemistry, p.11.

[14] FLANDRIN, J. L. Tempero..., p.486-8, 493.


FLANDRIN, J. L. Da dietética..., p.668-9, 675-7.
COUTO, C. Arte de cozinha..., pp.52-3.
SARAMAGO, A. Para a história da doçaria conventual portuguesa, p.23.

[15] LAUDAN, R. Birth..., p.11.


FLANDRIN, J. L. Preferências alimentares e arte culinária, p.654.
FLANDRIN, J. L. Tempero..., p.495.

[16] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.4-5.

[17] LARIOUX, B. Cozinhas medievais, pp.455-6.

[18] PETERSON, T. S. Op. cit., p.4.


FLANDRIN, J. L. Preferências..., p.655.

[19] LAUDAN, R. A kind of…, pp.9-11.


LAUDAN, R. Birth of..., pp.11-3.
FLANDRIN, J. L. Tempero..., p.486.
FLANDRIN, J. L. Da dietética ..., pp.668-9, 676.
COUTO, C. Op. cit., pp.53.

[20] LAUDAN, R. Birth of…, p.14.


LAUDAN, R. A kind of …, p.11.

[21] STOLS, E. The expansion of the sugar market in Western Europe, p.244.

[22] LAUDAN, R. A kind of…, pp.11-12.


MINTZ, S. W. Op. cit., p.103.

[23] COOK, H. J. Matters of exchange, 420, n.91.

[24] STOLS, E. The expansion…, pp.239-240, 244-5.


LEMPS, A. H. As bebidas coloniais e a rápida expansão do açúcar, p.612.

[25] GODINHO, V. M. Os descobrimentos e a economia mundial, v.4, pp.69-70.


SANTOS FILHO, L. C. História geral da medicina brasileira, v.1, p.123.

[26] OLIVEIRA, E. F. Elementos para a história do município de Lisboa, v.15, pp.379-385, nota.
[27] PETERSON, T. S. Op. cit., p.53.

[28] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.184-187.

[29] FLANDRIN, J. L. Preferências..., pp.654, 656, 666.


SARAMAGO, A. Prefácio. In: RODRIGUES, D. Arte de cozinha, p.11.
STOLS, E. The expansion…, pp.247-8, 250.

[30] HOSOKAWA, A. B. S. O tratado da cozinha portuguesa, pp.79, 82, 87-9, 93.


COUTO, C. Op. cit., pp.41-2, 44.

[31] MINTZ, S. W. Op. cit., pp.79, 87-91.

[32] COUTTS; Howard, DAY, I. Sugar sculpture, porcelain and table layout 1530-1830, p.2.

[33] STOLS, E. The expansion…, p. 238.

[34] Idem, pp.237-240.


COUTTS, Howard; DAY, I. Op. cit., pp.1, 5.
LEMPS, A. H. As bebidas..., p.612.

[35] COUTTS, H.; DAY, I. Op. cit., pp.3-5.


GOUVEIA, D. F. Açúcar confeitado na Madeira, pp.40-1.
STOLS, E. The expansion..., p.252.

[36] ALGRANTI, L. M. Alimentação, saúde e sociabilidade, p.47.


ALGRANTI, L. M. Os doces na culinária luso-brasileira, p.149.
VIEIRA, A. Açúcares, meles e aguardente no quotidiano madeirense, p.3.

[37] MINTZ, S. W. Op. cit., p.123.

[38] GOUVEIA, D. F. Op. cit., pp.35-7, 39-40, 45.


STOLS, E. The expansion…., p.241.
ARNAUT, S. D. A arte de comer..., p.48.
VIEIRA, A. Açúcares..., pp.2, 6-7.
GODINHO, V. M. Os descobrimentos e a economia mundial, v.4, p.80.

[39] A duquesa também deixou em seu espólio doces diversos: ARNAUT, S. D. Op. cit., p.50, 104.

[40] STOLS, E. The expansion…, p.243-4.


CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. A tradição conventual na doçaria de Lisboa, p.20-21.
[41] VITERBO, F. M. S. Artes industriaes e industrias portuguezas. A industria sacharina, pp.11-2.

[42] STOLS, E. The expansion…, pp.244-5, 247.


ALGRANTI, L. M. Alimentação..., pp.39-43.
FLANDRIN, J. L. Preferências..., pp.654-5.
HYMAN, P.; HYMAN, M. Os livros de cozinha na França entre os séculos XV e XIX, p.629.

[43] HYMAN, P.; HYMAN, M. Op. cit., p.630.

[44] STOLS, E. The expansion…, p.244-6, 249.

[45] LEMPS, A. H. Op. cit., p.613.


LAUDAN, R. Birth of…, pp.11, 16.
COUTO, C. Op. cit., p.23.

[46] GOUVEIA, D. F. Op. cit., p.45.


ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.37.

[47] ORDENAÇÕES do Senhor Rei D. Afonso V, Liv. V, Coimbra, 1792, tit. 41.

[48] Consiglieri e Abel, no entanto, entendem essa proibição como uma media protecionista contra
doceiros castelhanos, o que não nos parece ser o caso
(CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. A tradição conventual na doçaria de Lisboa, pp. 31-2.)

[49] Veja também: ARNAUT, S. D. A arte de comer em Portugal na Idade Média, pp.101, 103.

[50] ARNAUT, S. D. Op. cit., pp.22, 44-45.

[51] BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Ms. 696, pp.270-271, Apud:


ARNAUT, S. D. Op. cit., pp.101-2.
Veja também: STOLS, E. The expansion…, pp.239-240.

[52] ARNAUT, S. D. Op. cit., pp.101-2.


CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. Op. cit., pp.31-2.

[53] FREYRE, G. Açúcar, p.93.

[54] ORDENAÇÕES MANUELINAS, l. V, tít. CI.

[55] ARNAUT, S. D. Op. cit., pp.32, 104.

[56] TRILLO SAN JOSÉ, Carmen. Los aranceles de la ciudad de Granada al final de la Edad Media,
p.256.
GOUVEIA, D. F. Op. cit., pp.37, 39, 45.
FREYRE, G. Açúcar, p.49.

[57] GOUVEIA, D. F. Açúcar confeitado na Madeira, p. 39, 42;


VIEIRA, A. Açúcares, Meles e Aguardente no Quotidiano Madeirense, pp. 2-5.

[58] BRANDÃO, J. Grandeza e abastança de Lisboa em 1552, p.72.


Veja também:
STOLS, E. The expansion…, pp.242-3; e
FREYRE, G. Açúcar, p.93.

[59] BRANDÃO, J. Op. cit., p.87.

[60] Idem, Ibidem.

[61] Idem, p.210.

[62] Idem, p.212.

[63] Idem, p.214.

[64] Idem, p.71. (Para os dados de Brandão.)


Veja também: STOLS, E. The expansion…., pp.242-3.

[65] OLIVEIRA, C. R. Lisboa em 1551. Sumário em que brevemente se contêm..., p.99.


CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. Op. cit., p.22.

[66] STOLS, E. The expansion…, p.243.


CASTELO-BRANCO, F. A influência portuguesa na culinária japonesa.

[67] ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.37.


STOLS, E. The expansion…, pp.240, 5.
VRIES, J. de. The industrious revolution, pp.10, 44, 52, 71-2, 78, 92, 96-7, 104, 140-1, 177.

[68] STOLS, E. The expansion…, p.242.

[69] VIEIRA, A. Açúcares, meles..., pp.5-6.

[70] Ainda que se refiram sobretudo a períodos mais tardios, veja:


ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.37;
STOLS, E. The expansion…, p.242;
ALMEIDA, S. C. de. Noivas de Adão e noivas de Cristo, pp.231-235;
BRAGA, I. M. D. Vaidades nos conventos femininos ou das dificuldades em deixar a vida
mundana (séculos XVII-XVIII), pp.306, 315-316; e
TAVARES, P. M. Doces e amores no sec. XVII português, pp.36-9.

[71] STOLS, E. The expansion…, pp.248-9.

[72] MEA, E. C. de Azevedo. A Igreja em reforma, pp.441-444.


ALMEIDA, A. Ferrand de. As misericórdias, pp.169-176.

[73] VIEIRA, A. Açúcares, meles..., pp.1, 5-6.

[74] STOLS, E. The expansion…, pp.248-251.

[75] Idem, p.249.

[76] PRIMEIRA VISITAÇÃO do Santo Offício às partes do Brasil: denunciações da Bahia, p.331.
Veja também:
FREYRE, G. Açúcar, p.87;
TINHORÃO, J. R. As festas no Brasil Colonial, p.69; e
SEQUEIRA, G. M. Depois do terramoto, v.3, pp.413-4.

[77] STOLS, E. The expansion…, pp.241, 248.


FREYRE, G. Açúcar, p.72.

[78] BRANDÃO, J. Op. cit., p.196.

[79] CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. Op. cit., pp.16-8, 20-1.


BRANDÃO, J. Op. cit., p.218.
SEQUEIRA, G. M. Op. cit., v.3, p.415.

[80] TAVARES, M. J. P. F. Pobreza e morte em Portugal na Idade Média, p.112.


MARQUES, A. H. de Oliveira. A sociedade medieval portuguesa, pp.136-150.
COSTA, M. Os ourives na Lisboa de Quatrocentos, pp.288-314.
PEREIRA, F. Ofícios do couro na Lisboa medieval, passim.

[81] SILVA, F. R. da. O Porto e o seu termo, v.1, pp.199, 207, 345.
CRUZ, A. Os mesteres do Porto, v.1, p.138.

[82] OLIVEIRA, E. F. Op. cit., v.15, pp.373-385, 379-385, nota.


CONSIGLIERI C.; ABEL, M. Op. cit., pp.18-9, 23.

[83] STOLS, E. The expansion…, pp.251-6.


[84] OLIVEIRA, N. Livro das grandezas de Lisboa, pp.95, 97, 98.

[85] CONSIGLIERI C.; ABEL, M. Op. cit., pp.23-5.

[86] CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha, parte II,
t.5, cap. XLVII, p.436.
DESPORTES, F. Os ofícios da alimentação, pp.429-430.

[87] LANGHANS, F. P. As corporações dos ofícios mecânicos, pp.566-567, 568-571.

[88] STOLS, E. The expansion…, p.249.

[89] >ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.37.


GOUVEIA, D. F. Op. cit., p.38.
PETERSON, T. S. Op. cit., p.5.

[90] STOLS, E. The expansion…, pp.256-7.

[91] SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, p.162.

[92] STOLS, E. The expansion…, pp.268-9.

[93] POELWIJK, A. In dienste vant suyckerbacken, pp.63-4.


SCHWARTZ, S. B. Sugar plantations…, p.162.
STOLS, E. The expansion..., pp.260, 270.

[94] GALLOWAY, J. H. The sugar cane industry, pp.37-40.


STOLS, E. The expansion..., p.260.

[95] Para dados quantitativos sobre o consumo de açúcar, veja:


STOLS, E. The expansion..., pp.258-260;
HARRELD, D. J. Atlantic sugar and Antwerp’s trade with Germany in the sixteenth century,
pp.148-163;
POHL, H. Die Zuckereinfuhr nach Antwerpen durch Portugiesische Kaufleute während des
80jährigen Krieges, pp.348-373;
STOLS, E. The expansion..., pp.265-6, 273; e
COSTA, L. F. O transporte no Atlântico..., v.1, pp.98-100.

[96] STOLS, E. The expansion..., pp.260-5, 268-9.

[97] BRANDÃO, J. Op. cit., p.215.


[98] OLIVEIRA, C. R. Lisboa em 1551. Sumário em que brevemente se contêm..., p.98.

[99] BRANDÃO, J. Op. cit., p.215.

[100] Veja também: CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. Op. cit., p.22.

[101] OLIVEIRA, E. F. Elementos para a história do município de Lisboa, v.15, pp.245-250, nota 3
(nota da p.479 do v.11).

[102] ANDREWS, K. R. Elizabethan privateering, pp.208-9, 230-233.

[103] STOLS, E. The expansion…, pp.270-4.

[104] POELWIJK, A. In dienste vant suyckerbacken, pp.39-40.


ISRAEL, J. I. Dutch primacy in world trade, p.34.

[105] IJZERMAN, J. W. Journael van de reis naar Zuid-Amerika, p.103.


ISRAEL, J. I. Dutch primacy…, p.116.
VRIES, J. de; WOUDE, A. van der. The first modern economy, p.326.

[106] POELWIJK, A. Op. cit., pp.55-6.

[107] MINTZ, S. W. Op. cit., pp.108, 121-3, 140.

[108] ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.36.


ALGRANTI, L. M. Os doces na culinária luso-brasileira, p.141.

[109] STOLS, E. The expansion..., pp.237-240, 249.


Stols menciona Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein: BRAUDEL, F. Civilização material,
economia e capitalismo, v.1, pp.89-160, 161-236, 237-301, v.3, pp.75-155, 157-254.
WALLERSTEIN, I. El moderno sistema mundial, v.1, pp.59-73.

[110] STOLS, E. The expansion..., pp.247, 250-1.

[111] PETERSON, T. S. Op. cit., p.5.

[112] LEMPS, A. H. As bebidas..., p.613.

[113] Assi viuão ellas, mas cõ suas inuenções estragadoras do bem comum, se aleuantou tanto o preço
do açuquere, que o coitado do pobre doente não póde comprar hūa onça, pera aliuio das febres.
Dirtey hum caso que pasmarás. Lembrame quando moço, q ẽm Espanha não hauia mais açuquere
que em Valença, & o que vinha de hūa pequena ilha nossa, que se diz da Madeira: não auēdo
mais, o seu preço, não passaua a arroba de quinhentos reis: & agora indo da India muito, & do
Brasil naos carregadas, vay pera dous mil reis a arroba: este mal faz a golodiçe hirmaã carnal da
Gula incãsauel de ouos doçes, trutas, & empanadilhas, & infinitas inuenções, que esta golosa
rapariga tem inuētado, com as quais acode antre mesa & mesa: pera que não aja tempo vago ao
deleite do gosto, & á continua fazer sacrifício, & holocausto ao vētre, outro pagode desta gēte
muy adorado. LEÃO, G. de Desengano de perdidos, cap. VII, p.149.
Veja também: GODINHO, V. M. Os descobrimentos e a economia mundial, v.4, pp.69, 75.

[114] LEÃO, D. N. Descripção do Reino de Portugal, p.42v.


GOUVEIA, D. F. Op. cit., p.35.

[115] HOCHSTRASSER, J. B. Still life and trade in the Dutch golden age, Apêndice I, pp.281-2.
Veja também: STOLS, E. The expansion..., p.253.

[116] ALGRANTI, L. M. Alimentação..., p.37.


ALGRANTI, L. M. Os doces..., p.150.

[117] SOUSA, G. S. Tratado descritivo do Brasil, pp.147-163.


FREYRE, G. Açúcar, p.70.

[118] BRANDÃO, A. F. Diálogos das grandezas do Brasil, p.77.

[119] OLIVEIRA, M. L. A história do Brazil de frei Vicente do Salvador, v.2, fl. 15v.

[120] BRANDÃO, A. F. Op. cit., p.135.

[121] ALGRANTI, L. M. Os doces..., p.156.

[122] DEBUS, A. G. Man and nature in the Renaissance, pp.17-8, 20-1, 27, 29, 31-2.
LAUDAN, R. A kind of …, pp.13-4.
LAUDAN, R. Birth of..., pp.14-5.
COUTO, C. Op. cit., pp.53-5.

[123] MINTZ, S. W. Op. cit., p.103.


STOLS, E. The expansion…, pp.257-258.
LAUDAN, R. A kind of …, p.13.
LAUDAN, R. Birth of…, p.15.
FLANDRIN, J. L. Da dietética..., pp.678-9.
COUTO, C. Op. cit., p.55.

[124] FLANDRIN, J. L. Da dietética..., pp.667, 675-676.

[125] PETERSON, T. S. Op. cit., pp.184-7, 189-190.


FLANDRIN, J. L. Preferências..., pp.654-5.
FLANDRIN, J. L. Da dietética..., pp.675, 687.
HYMAN, P.; HYMAN, M. Os livros de cozinha na França entre os séculos XV e XIX, pp.632-633.

[126] FLANDRIN, J. L. Preferências..., pp.656, 666.


STOLS, E. The expansion…, pp.250-1.

[127] SARAMAGO, A. Prefácio. In: RODRIGUES, D. Arte de cozinha, pp.11-23, 26-7, 29.
COUTO, C. Op. cit., pp.31, 37-9, 45, 61-3.
CONSIGLIERI, C.; ABEL, M. Op. cit., p.38-40.
STOLS, E. The expansion…, p.245.

[128] FLANDRIN, J. L. Preferências..., pp.654-5.


FLANDRIN, J. L. Da dietética..., pp.675, 687.
PETERSON, T. S. Op. cit., pp.184-7, 189-190.
LAUDAN, R. A kind of…, pp.12-13.
LAUDAN, R. Birth of…, p.11.

[129] DEBUS, A. G. Man and nature in the Renaissance, p.27.


LAUDAN, R. A kind of…, pp.13-4.
LAUDAN, R. Birth of…, pp.14-5.

[130] Apud: LAUDAN, R. Birth of…, p.15.


Veja mais sobre o debate médico em torno do açúcar em: SARAMAGO, A. Para a história da
doçaria conventual portuguesa, pp.24-31.

[131] LAUDAN, R. A kind of…, p.17.


LAUDAN, R. Birth of…, p.15.

[132] SANTOS FILHO, L. C. História geral da medicina brasileira, v.1, pp.332-333.

[133] MINTZ, S. W. Op. cit., pp.86, 96.

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