das
Letras, 1989.
O que está em jogo em O mal-estar na civilização? Diferentemente dos dados clínicos, Freud
procurou reconstruir as origens da civilização a partir de materiais especulativos e escassos, algo
que escapava dos dados clínicos. Ele, ao contrário, misturou os dados psicanalíticos com outras
áreas: artes, política e, até mesmo, pré-história.
p. 477 – Freud, religião e ateísmo: “Fora um ateísta coerente e militante desde os dias de estudante,
zombando de Deus e da religião, não poupando o deus e a religião de sua família”. Acredita que não
era o ateísmo, mas a crença religiosa que deveria ser explicada.
“O Mal-estar na civilização é o livro mais sombrio de Freud, e em alguns aspectos também o mais
inseguro. Ele detinha-se constantemente para protestar que sentia, mais do que nunca, que estava
dizendo às pessoas coisas que eles já sabiam, desperdiçando seu material de escrita e, finalmente, o
tempo e a tina dos editores”.
“Freud estava abordando a miséria humana com absoluta seriedade. Como que aproveitando a
deixa, o mundo ofereceu uma confirmação espetacular de quão terrível podia ser tal miséria. Cerca
de uma semana antes que Freud enviasse o manuscrito de O Mal-estar na Civilização à gráfica –
em 29 de outubro, a 'Terça-Feira Negra' – a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, e as
repercussões espalharam-se rapidamente por todo o mundo. Havia começado o que logo passaria a
ser chamado de Grande Depressão”.
p. 494 – Os seres humanos, para Freud, são infelizes: os nossos corpos adoecem e decaem, a
natureza exterior nos ameaça com a destruição e as nossas relações com outras pessoas são fonte de
infortúnio e infelicidade. Fazemos, então, os esforços mais desesperados para escapar dessa
infelicidade.
A religião seria, então, apenas uma fonte pouco eficaz para escaparmos dessas afetações. Para
Freud, sob esse aspecto, o trabalho seria a fonte mais bem-sucedida, sobretudo a atividade escolhida
livremente. Todavia, argumenta que o trabalho não é visto pelos humanos como uma fonte de
caminho para a felicidade.
Época das explorações: os viajantes, não entendendo as culturas aparentemente não civilizadas, as
interpretaram equivocadamente, fazendo críticas ao modo de vida ocidental.
Inovações técnicas: o desenvolvimento técnico moderno não trazia felicidade, apenas tristeza por
nos tornar excessivamente neuróticos.
homo homini lupus: “o homem é o lobo do homem”. “A humanidade precisa ser domada pelas
instituições [porque, como argumentou Hobbes três séculos antes,] na falta de coerções irresistíveis,
a humanidade está fadada a mergulhar numa guerra civil perpétua, na qual a vida é solitária, pobre,
grosseira, brutal e de curta duração. A humanidade só entrou em relações humanas civilizadas por
meio de um contrato social que conferiu o monopólio da coerção ao Estado”.
Seguindo essa tradição hobbesiana, Freud argumentou que “o importante passo para a cultura foi
dado quando a comunidade assumiu o poder, quando os indivíduos renunciaram ao direito de fazer
justiça com as próprias mãos”.
Porém, o que ocorre quando essa renúncia faz parte do contrato social? É como se tudo se passasse
num quadro em que o mal-estar fosse presente em todas as sociedades, pois tal decisão implicava
no contingenciamento dos desejos individuais, produzindo a supressão e a repressão dos instintos
que, embora negados em sociedade, manifestam-se no inconsciente.
Freud refle sobre a política a partir da ideia das paixões reprimidas pela cultura.
Ponto: “Essa perspectiva dá a O Mal-estar na civilização sua força e originalidade: trata-se de uma
teoria psicanalítica da política, formulada de maneira sucinta”. Ou seja, uma análise das vidas social
e política nessa perspectiva estão vinculadas à teoria da natureza humana que é própria de Freud.
Uma teoria da civilização que considera a vida em sociedade como um compromisso imposto,
algo que é, portanto, um transe fundamentalmente insuperável.
Paradoxo dessa questão: As instituições que nós criamos, isto é, aquelas instituições que deveriam
proteger a sobrevivência humana, também geram o mal-estar.
Consequências: Consciente dessa questão, Freud mantinha poucas expectativas sobre o
aperfeiçoamento humano e, por isso mesmo, estava disposto a conviver com as imperfeições.
Questão histórica e contextual: Dito isso acima, é interessante que Freud, após o fim da Primeira
Guerra e o declínio do império germânico, manifestasse satisfação de ver o bolchevismo, ligado à
Revolução Russa de 1917, rejeitado na Alemanha que nascia.
Antiutopista (questão do radicalismo do pensamento de Freud): O socialismo não era atraente para
Freud porque, a seu ver, ele só se considera crítico da sociedade burguesa a partir do
questionamento do domínio da sexualidade.
p. 496-497 - “Mas invadir este domínio brandido manifestos revolucionários era um gesto
profundamente subversivo: os costumes sexuais, tanto em termos ideais como práticos, afetam a
quintessência da política. Ser um reformador da sexualidade era ser um crítico da sociedade
burguesa, tal como Freud a percebia, mas também, e ainda mais, das ditaduras ascéticas que
fincaram suas garras no mundo durante os últimos anos de vida de Freud”.
Cultura: reflexo, em grande escala, dos conflitos individuais. Dilema: os homens não podem viver
sem civilização, mas não podem viver felizes nela. Portanto, paz, serenidade e ausência de
conflitos estão fora de alcance, porque sempre haverá deslocamentos gerados entre as paixões mais
instintivas e as limitações culturais que criamos para reprimi-las.
Com isso, então, a felicidade não está nos planos da criação. O máximo que acontece é seres
humanos sensatos conseguirem criar uma trégua entre desejo e controle.
Movimento para fora de si: fundação da amizade e, também, de grupos de afeição e autoridades,
ambos tão fundamentais quanto a família. Ou seja, quando a força instintiva erótica impele os seres
humanos a buscarem fora si os objetos sexuais, mas que, ao ser restringida, produz laços outros que
constroem os fundamentos da civilização.
Dilema: o amor resiste aos interesses da cultura enquanto a cultura, com suas restrições, ameaça o
amor. Trata-se de proteger-se daquilo que vem de fora, pois famílias e casais sentem-se ofendidos
com intrusos que não foram convidados. Enquanto isso, a civilização e a cultura regulam as
relações afetivas, estabelecendo as regras sociais que as definem.
p. 497 – Amar o próximo como a ti mesmo: esse dito cristão, para Freud, soa irrealista. “Amar a
todos é não amar muito a ninguém”, diz Gay. Esse é um apelo cristão que, ao olhar de Freud,
mostra mais a predisposição dos seres humanos para a crueldade e a agressividade do que para a
compaixão. Uma tentativa, então, de estabelecer algo universal para barrar nossos princípios
destrutivos.
Exemplos: os hunos, os mongóis, os cruzados e a Primeira Guerra Mundial. Porém, algo que Freud,
como os demais europeus, parece esquecer propositalmente é a escravidão moderna.
No caso do comunismo, como a agressão não foi criada pela propriedade, não era abolindo esta que
os socialistas eliminariam aquela. Até porque, como vimos, a agressividade é uma fonte de prazer
e, nós, os seres humanos, relutam em renunciá-los ao experimentá-los.
Agressividade e amor combinam-se: “os laços libidinais que unem os membros de um grupo no
afeto e na cooperação serão fortalecidos, se o grupo tiver pessoas de fora a quem possam odiar”.
Esse ódio, em Freud, tem nome: narcisismo das pequenas diferenças. É como se tudo se passasse
numa tentativa de encontra um gosto especial pelo ódio e pela perseguição dos nossos vizinhos
mais próximos.
Por quê é tão difícil a vida em civilização? Imposição de sacrifícios da sexualidade e das
tendências agressivas.
Grandes antagonismos: “amor e ódio, lutam pelo controle da vida social do homem, de forma
idêntica à luta pelo seu inconsciente, de maneira parecida, com táticas muito semelhantes”.
p. 499 – Para Freud, a luta vital da espécie humana é a luta pela evolução cultural.
Questões paradoxais: pois indivíduos tratados brandamente têm, às vezes, superegos exigentes. O
fato é que os sentimentos de culpa, sobretudo, aqueles inconscientes, são fonte de angústia.
A ideia é que esse superego cultural permitisse falar em culturas neuróticas que pudessem, de
alguma forma, receber recomendações terapêuticas, mas, como advertiu, a analogia entre o
indivíduo e a sua cultura, ainda que profícua, é apenas uma analogia.