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A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

André Demarchi *

O presente artigo propõe um estudo etnográfico do evento denominado « Miss


Kayapó », um concurso de beleza cujas participantes são moças que pertencem ao
grupo indígena Mebêngôkre (Kayapó), localizado na floresta amazônica e falante de
uma língua Jê. Realizado na cidade de São Félix do Xingu, estado do Pará (Brasil) e
com um grande público indígena e não indígena, o concurso de beleza é um impor-
tante ritual para se compreender as relações interétnicas contemporâneas existentes
entre os Mebêngôkre e os outros brasileiros habitantes da região. Trata-se de analisar
os regimes de apropriação estética e ritual mobilizados pelo grupo, bem como as
formas de controle imagético exercidas pelos indígenas no âmbito do concurso. Para
tal, descreve-se as diferentes edições do concurso, evidenciando as transformações
ocorridas tanto nas técnicas corporais apreendidas pelas candidatas, quanto na criação
e composição da indumentária das diversas participantes. Finalmente, compreende-se
a produção ritual da Miss Kayapó enquanto um personagem complexo, capaz de
aglutinar em si perspectivas estéticas distintas. [Palabras-chave: ritual, espetáculo,
concurso de beleza, técnicas corporais, Mebêngôkre (Kayapó).]

The Miss Kayapó: ritual, spectacle and beauty. The present article proposes an
ethnographic interpretation of the event called « Miss Kayapó », a Beauty Contest,
whose participants are indigenous women from the Mebêngôkre (Kayapó) people,
located in the Amazon forest, who speak a Jê language. Held in the city of São
Félix do Xingu, in the State of Pará (Brazil), before a large number of indigenous
and non-indigenous people, the Beauty Contest is an important ritual to understand
the inter-ethnic relations between the contemporary Mebêngôkre and the other
Brazilian inhabitants of the region. The idea here is to analyze the aesthetical and
ritual forms of appropriation mobilized by the group, as well as the ways by which
imagery control is exerted by indigenous peoples in the Contest. Another aim is to
ethnographically describe the different editions of the Contest, in order to highlight
the transformations occurred both in the body techniques apprehended by the can-
didates, and in the creation and composition of their costumes. The final proposal
is to understand the ritual production of Miss Kayapó as a complex character, who

* Universidade Federal do Tocantins (UFT), Porto Nacional, TO/Brasil [andredemarchi@


gmail.com].

Journal de la Société des américanistes, 2017, 103-1, p. 85-118. © Société des américanistes.

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holds the ability to embody different aesthetic perspectives. [Key words: ritual,
spectacle, beauty contest, corporal techniques, Mebêngôkre (Kayapó).]

Miss Kayapó : rituel, spectacle et beauté. Cet article propose une étude eth-
nographique de l’événement « Miss Kayapó », un concours de beauté dont les
participantes sont Mebêngôkre (Kayapó), un groupe de la famille linguistique Gê
d’Amazonie brésilienne. Organisé dans la ville de São Félix do Xingu (État du Pará)
devant un public nombreux d’Indiens et de non-Indiens, le concours de beauté est
un rituel clé pour comprendre les relations interethniques contemporaines entre les
Mebêngôkre et les autres Brésiliens qui habitent la région. Il s’agit d’analyser les
régimes d’appropriation esthétique et rituelle mobilisés par les Mebêngôkre, ainsi
que les formes du contrôle sur l’image de soi qu’ils exercent dans le cadre de cet
événement. Pour cela, on décrit les différentes éditions du concours afin de mettre
en lumière les transformations observées à la fois dans les techniques du corps
adoptées et dans les manières de créer et de composer les costumes des partici-
pantes. Enfin, la production rituelle de Miss Kayapó est analysée en tant que figure
complexe, capable d’incorporer différentes perspectives esthétiques. [Mots-clés :
rituel, spectacle, concours de beauté, techniques corporelles, Mebêngôkre, Kayapo.]

Para Terence Turner


(In memoriam)

Apresentação

É noite em Môjkarakô. Preparo a janta na cozinha da far-


mácia da aldeia onde estou hospedado, quando escuto a
voz metálica do cacique Akjabôro saindo do « boca de
ferro » (alto-falante). Ele faz um discurso habitual de des-
pedida. Pede que tudo permaneça em paz na aldeia, pois
amanhã está partindo para mais uma viagem à Brasília,
para continuar a luta pelo seu povo mebêngôkre. Encerrado
o discurso, o alto-falante toca o « Rebolation », o último
sucesso musical do carnaval baiano, seguido de um vozerio
de crianças. Acabo o jantar e sigo o som. Chego até a casa
de Jàtire (filho do cacique velho Moté) que está repleta de
crianças e jovens. Sou o único kuben (não indígena) ali.
Bepdjá, o mestre de cerimônias, improvisa um corredor
no centro do pequeno salão, à guisa de passarela, para que
duas meninas de aproximadamente cinco anos desfilem
ao som do funk que agora contagia o ambiente. As meni-
nas andam na passarela rebolando e imitando o jeito das
modelos vistas na programação televisiva. A cada parada
delas, o público amontoado grita, aplaude, tira fotos com

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celulares e câmeras digitais. Num canto do salão o pai e


a mãe de uma das meninas sorriem e acenam para ela,
comentando e elogiando a performance. Depois do desfile,
dois meninos mais velhos de aproximadamente sete e oito
anos entram em cena dançando complexas combinações de
passos de dança ao som de música eletrônica. Continuando
a programação da noite, três meninas mekurerere (adoles-
centes) entram pela « passarela » rebolando e dançando
os passos coreografados do ritmo tecnobrega tocado pela
banda D’Javu, grande sucesso no norte e nordeste do
país. Com os cabelos cortados à moda kayapó e trajando
o tradicional vestido das mulheres mebêngôkre, elas se
requebravam, subindo e descendo diante dos gritos dos
meninos. Ao fim da apresentação das mekurerere, o local
se transformou em salão de forró. Quando se apagou a
luz, casais se formaram para dançar ao som dos ritmos
paraenses « tecno-melody » e « pisadinha ». Do lado
de fora da casa jovens flertavam no escuro. Dentro do
salão, uma índia, mulher casada, me tirou para dançar.
Sem graça, fitei seu marido, que concordou com um aceno
de cabeça. Nhak-ê me disse algo no ouvido que eu não
entendi por causa do alto volume do som. Ela repetiu e
eu entendi apenas quatro palavras: mebêngôkre, metoro,
nhipêjx, forró. Algo que poderia ser traduzido como « nós
mebêngôkre também sabemos fazer festa de forró ».
(Diário de campo1, setembro de 2010).
Esse trecho do meu diário de campo descreve uma breve cena da incessante
produção cultural contemporânea do grupo indígena Mebêngôkre (Kayapó),
localizado na floresta amazônica. Dentre os personagens que estão em cena
nesse « forró mebêngôkre », merecem destaque as duas pequenas meninas
que desfilam na passarela improvisada. Lembro-me que, embora já tivesse
visto outros concursos de beleza, foi naquela noite que percebi a dimensão da
importância destes eventos para os Mebêngôkre2 da aldeia Môjkarakô, afinal,

1. O presente trabalho não seria possível sem o apoio financeiro para a pesquisa de campo
concedido pelo Museu do Índio (FUNAI – RJ), no âmbito do Projeto de Documentação das
Línguas e Culturas Indígenas Brasileiras, realizado em convênio com a Unesco. Durante a
realização da pesquisa também recebi bolsas da FAPERJ e do CNPq. O desenvolvimento
dessa pesquisa também contou com benefícios do « Programa Novos Pesquisadores », da
Universidade Federal do Tocantins (UFT/PROPESQ). Agradeço à Els Lagrou, Suiá Omim,
Magda Dziubinska, Gregóry D., e também aos pareceristas anônimos do Journal de la Société
des américanistes, pelos comentários às versões anteriores desse artigo.
2. Embora o grupo indígena conhecido na literatura etnológica como Kayapó se autode-
nomine Mebêngôkre, utilizo estes termos como sinônimos neste artigo.

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estavam ensinando e incentivando suas crianças a desfilar como as candidatas


do concurso de Miss Universo e as modelos das passarelas de moda.
Naquela noite de verão amazônico, percebi com clareza a oportunidade de
pesquisar o processo de aquisição e performatização de uma cerimônia que
passava a fazer parte do vasto corpus ritual mebêngôkre e por isso, talvez,
de seu kukràdjà (patrimônio cultural3). O concurso de beleza Miss Kayapó,
por mais exótico que possa parecer aos olhos « ocidentais », encontra um
sentido de coerência com as concepções nativas de beleza e mimesis. Talvez
seja por causa dessa estranha coerência que a ideia de fazer um concurso de
beleza kayapó, vinda da Secretária de Educação do município de São Félix
do Xingu, tenha sido aceita tão rapidamente e se espalhado por várias aldeias
com a mesma velocidade.
Neste artigo, proponho uma etnografia desse concurso de beleza, considerando,
antes de tudo, os processos próprios dos Mebêngôkre de produção ritual, de
produção de beleza e de suas formas de apreciação, o que, como veremos, está
relacionado com as formas mebêngôkre de fazer política intra e interétnica.
Argumento, seguindo os trabalhos de Terence Turner, que a disputa do prêmio
de Miss Kayapó envolve o poder de controlar, política e imageticamente, esse
grande espetáculo interétnico. Como afirma Turner,
a auto-representação dramática kaiapó, em contextos atuais de confrontação
interétnica, dá continuidade às formas culturais tradicionais de representação
mimética. É importante reconhecer esta continuidade para entender como a crescente
objetivação da consciência que os kaiapó têm de sua cultura e identidade étnica,
no contexto interétnico contemporâneo, não é meramente um efeito dos meios
de comunicação ocidentais ou de influências culturais, mas se relaciona a fortes
tradições culturais nativas de representação e objetivação mimética. (1993a, p. 99)
Com essa citação quero dizer que me afasto das afirmações que diminuem a
agência e o interesse dos Mebêngôkre em relação ao concurso de beleza. Ouvi,
por exemplo, de um funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio), que
« os índios só fazem esse concurso por causa da Secretaria de Educação ».
Acredito que, para compreender esse complexo ritual interétnico, há que se ter
uma visão menos passiva das motivações e da participação dos Mebêngôkre no

3. O conceito complexo de kukràdjà, a forma como os Mebêngôkre traduzem o nosso


conceito de cultura, foi descrito por Terence Turner da seguinte maneira: « [Kukràdjà] é
todo conhecimento de qualquer tipo, desde cantos cerimoniais até instruções para dar partida
em motor de popa » (1991, p. 299). Gordon por sua vez afirma que « sendo um conjunto
de partes de um todo não finito, kukràdjà pode ser entendido como um fluxo de conheci-
mentos, saberes e atribuições que povoam o cosmo e podem ser adquiridos e apropriados
em diversos níveis, do indivíduo a uma coletividade mais larga. Pode, portanto, receber
sucessivos aportes (ou perdas), isto é, novas partes, novos conhecimentos ou atribuições,
que passam a compor, então, uma nova parte de alguém (o apropriador: xamã, guerreiro,
chefe) e, eventualmente, uma nova parte de todos os Mebêngôkre » (Gordon 2009, p. 11).

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A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

processo. Afasto-me também de uma abordagem que entende esse fenômeno


como hibridismo4 ou como colagens pós-modernas, embora todo o contexto
dos concursos da Miss Kayapó possa parecer tema de certo « surrealismo etno-
gráfico » (Clifford 1998). Seguindo Turner, acredito que a chave para entender
o concurso de beleza está em reconhecer que « a autorrepresentação dramática
kaiapó, em contextos atuais de confrontação interétnica, dá continuidade às formas
culturais tradicionais de representação mimética ». Assim, sigo a hipótese de que
no concurso de beleza ocorre uma incessante produção mebêngôkre de imagens
belas e poderosas que capturam os espectadores indígenas e não indígenas,
envolvendo-os na disputa e estabelecendo um perspicaz controle dos padrões e
imagens de beleza apresentados durante o ritual e em suas várias edições.
Os dados etnográficos apresentados neste artigo advêm de uma sequência de
concursos de beleza da Miss Kayapó ocorridos nos anos de 2009, 2010, 2011,
2012 e 2013, como parte da programação da festa do dia do índio, realizada
no mês de abril, na cidade de São Félix do Xingu. Esse aspecto cronológico
não deve esconder, contudo, a natureza fragmentária desses dados. Presenciei
somente o concurso de 2010 sem, contudo, estar pesquisando diretamente este
tema. Em 2011 e 2013, o concurso foi fotografado e gravado em vídeo por
cinegrafistas kayapó5, o que me permitiu ter acesso a esse material fílmico.
Quando retornei ao campo, em abril de 2012, com o objetivo principal de
acompanhar o concurso, ele não ocorreu6. Contudo, como o cancelamento do
evento gerou alguma repercussão entre as aldeias participantes, considero o
concurso de 2012, mesmo que ele não tenha ocorrido. Busquei preencher essas
lacunas com dados etnográficos coletados na aldeia Môjkarakô7, tanto sobre
a preparação de uma das candidatas que iria concorrer como representante da

4. Neste ponto diferencio minha abordagem daquela proposta por Glenn Shepard e Richard
Pace no artigo « Miss Kayapó: Filming Through Mebengokre Cameras ». Ao fim do artigo,
os autores concluem: « Miss Kayapó […] é um exemplo rico e fascinante de uma cultura
híbrida em construção » (Sheppard e Passe 2012, p. 3).
5. Essas gravações não foram editadas e fazem parte do acervo audiovisual do « Projeto
de documentação da cultura Kayapó », realizado pelo Museu do Índio (FUNAI – RJ) em
parceria com a Unesco e coordenado por mim entre os anos de 2008 e 2014, em parceria
com os cinegrafistas Bepunu Kayapó, Mokuká Kayapó, Pawire Kayapó e Axuapé Kayapó.
Existe, contudo, um filme sobre o concurso de beleza Miss Kayapó, realizado por cinegrafistas
indígenas em parceria com pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (cf. Shepard e
Pace 2012), ao qual eu não tive acesso.
6. Não posso deixar de me referir aqui à dificuldade de conversar sobre o tema do concurso com
os Mebêngôkre durante o evento de 2012, o que justifica a ausência de narrativas das candidatas
a miss. No último tópico do artigo trato das razões pelas quais eles resolveram não participar do
concurso nesta ocasião específica e as consequências dessa escolha para as próximas edições.
7. A aldeia Môjkaràkô, onde realizei dez meses de pesquisa de campo entre 2009 e 2011,
está localizada ao sul do estado do Pará, próxima à cidade de São Félix do Xingu, às margens
do Riozinho, um afluente do rio Fresco, por sua vez um afluente do rio Xingu. Sua população
é de aproximadamente 700 pessoas. Realizei também curtos períodos de trabalho de campo

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aldeia na cidade, quanto sobre o que denomino as « prévias do concurso »:


momentos em que garotas de uma determinada aldeia disputam internamente
o direito de representar essa aldeia no concurso que se realizará na cidade.

Os Mebêngôkre e seu contexto relacional


Falantes de uma língua do tronco linguístico Jê, os Mebêngôkre habitam
territórios ao sul do estado do Pará e ao norte do estado do Mato Grosso8.
Estão divididos em diversas aldeias que se por um lado constituem universos
políticos relativamente autônomos (Turner 1992; Gordon 2006), por outro
estão conectadas por extensas redes de relações. Como afirma Gordon, existem
entre as aldeias « profundas conexões de todas as ordens que indicam a neces-
sidade de pensá-las não isoladamente, porém compondo um regime relacional
mebêngôkre » (2006, p. 40).
Tomados em conjunto, os Mebêngôkre somam quase dez mil indivíduos. É
difícil precisar a quantidade de aldeias existentes atualmente devido à contínua
dinâmica faccionária mebêngôkre que leva a também contínuas cisões entre
aldeias. No mapa que se segue (ver Figura 1) apresentam-se as aldeias locali-
zadas ao sul do estado do Pará, bem como as cidades presentes no entorno da
Terra Indígena Kayapó, dando destaque para a aldeia Môjkarakô.
Para compreender o concurso da Miss Kayapó deve-se ter em mente que as
relações existentes entre as aldeias mebêngôkre são marcadas por rivalidades
mútuas, muitas vezes decorrentes dos processos de cisão característicos desse
povo. Assim, é preciso lembrar que as fissões intergrupais ocorreram, histori-
camente, com a concomitante deflagração de guerra entre grupos que outrora
habitavam uma mesma aldeia. O concurso de beleza, bem como a própria festa
do dia do índio, apontam para uma transformação nas relações de rivalidade
entre as aldeias9. Se « no tempo dos antigos » o processo de cisão redundava
necessariamente em guerra (Verswijver 1992; Turner 1991; Gordon 2006;
Cohn 2005), agora ele é feito por outros meios: performáticos, imagéticos, esté-
ticos. Ao invés do enfrentamento bélico como recurso para aquisição de glória e
para demonstração de beligerância e bravura (Verswijver 1992; Gordon 2006),
os modernos Mebêngôkre se enfrentam em eventos culturais, competições
esportivas, associações indígenas10 e concursos de beleza.

nas aldeias Kikretum e Kokrajmoro, a primeira no rio Fresco, e a segunda às margens do


rio Xingu, além de entrevistas com moradores da cidade de São Félix do Xingu.
8. Nota-se que somente as aldeias do sul do Pará participam do concurso de beleza na cidade
de São Félix do Xingu. Não há notícia de evento semelhante na região do norte do Mato Grosso.
9. Para uma análise dessas transformações, ver Demarchi (2014).
10. Sobre o deslocamento das antigas guerras internas para os movimentos associativos
atuais e suas alianças com não indígenas, ver Robert (2004).

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A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

Fig. 1 – Mapa com
a localização das
aldeias do sul do estado
do Pará e das cidades
do entorno da Terra
Indígena Kayapó
(Robert et al. 2012,
p. 343).

Assim, o concurso da Miss Kayapó é um evento de disputa política e simbólica


intra e interétnico envolvendo, por um lado, as tensões e conflitos relativos ao
processo histórico de cisões existentes entre os Mebêngôkre e, por outro, as
relações históricas estabelecidas com os habitantes da cidade de São Félix do
Xingu. O fato de que apenas indígenas dessa etnia participem tanto do concurso
quanto da festa do dia do índio expõe a amplitude das relações interétnicas
constituídas pelos grupos mebêngôkre do sul do Pará com os habitantes da cidade
e os políticos locais, o que se nota na própria história da festa e do concurso,
ambos os eventos sendo mediados por autoridades locais.
As origens míticas da festa do dia do índio11 remontam, assim, à violenta
história de contato entre os diversos subgrupos Mebêngôkre e os moradores do
vilarejo outrora chamado, em fins do século xix, de São Félix da Bôca do Rio
(Nimuendaju 1952; Turner 1993b; Verswijver 1992). Conta-se na cidade que
os ataques mútuos e as escaramuças entre moradores e indígenas perduraram

11. No Brasil, o dia do índio, na data de 19 de abril, foi promulgado pelo presidente
Getúlio Vargas, no ano de 1943, em referência à participação dos povos indígenas no « I
Congresso Indigenista Interamericano », realizado em 1940, no México. Além do Brasil,
vários países da América Latina adotaram essa data como referência.

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André Demarchi

durante praticamente todo o século xx, até que, na década de 1980, um prefeito


decidiu fazer uma festa para os Kayapó, em um ato de diplomacia. E não haveria
melhor forma de fazer diplomacia, senão por meio de uma festa paga pelo prefeito.
Aqui é preciso lembrar, com Terence Turner, que a política mebêngôkre,
tal como realizada a partir da pacificação de « índios » e « brancos », é uma
política interétnica, cujo cerne está « na habilidade dos líderes kayapó […]
[em] obter presentes e concessões políticas da sociedade envolvente externa »
(Turner 1992, p. 334).
A festa continua sendo uma concessão política, eivada de presentes. A contar
por suas últimas edições, ela pode ser considerada um grande evento, pois recebe
na cidade aproximadamente dois mil indígenas. Toda a estrutura de transporte,
alimentação e alojamento de cada uma das dez aldeias12 participantes é paga pela
prefeitura. Durante os quatro dias de festa, a cidade recebe turistas vindos de longe,
bem como equipes de reportagem dos principais jornais do estado do Pará e de
algumas redes nacionais de televisão, além de visitas de autoridades políticas,
como deputados, senadores e governadores. Todos estão ali por causa dos índios.
E isso demonstra a clara consciência que os Mebêngôkre têm do impacto de
sua presença na cidade e dos ganhos políticos que ela produz no contexto local.
Não por acaso, desde 2009, o concurso de beleza é a principal atração noturna
da festa, assistido por uma vasta plateia de indígenas e não indígenas e por um
corpo de jurados. O concurso foi proposto aos indígenas de diversas aldeias
por Viviane Cunha, então secretária de educação do município, como parte da
programação da festa do dia do índio. Em entrevista, a secretária afirmou que
se inspirou nos concursos de beleza « ocidentais » como Miss Universo, com
o intuito de dar visibilidade à « beleza kayapó »13. Sua proposta teve imediata
adesão das lideranças indígenas, um posicionamento que, como veremos, se
transformou com o decorrer dos concursos.
Para vencer o concurso, como de praxe entre os Mebêngôkre, é necessário um
longo processo de preparação da candidata; é preciso produzir e aperfeiçoar as
técnicas corporais (Mauss 2004) e a tecnologia do encantamento (Gell 2005)
que serão postas em prática durante o concurso. É desse processo corporal
que falo agora.

12. São elas, Kôkraimôro, Kremaiti, Kawatire, Môjkarakô, Apêxjti, Kikretum, Ngômejxti,


Gorotire, Pykararãkre e Aùkre. É importante mencionar que a festa do dia do índio tem
participação tão somente dos grupos kayapó, ou seja, não há participação de outros grupos
indígenas na festa.
13. Embora a Secretária tenha mencionado sua inspiração no concurso de Miss Universo,
não se pode deixar de notar que concursos de beleza indígena têm sido realizados em diversas
cidades da Amazônia brasileira e também da América Latina. Enquanto no Brasil a literatura
etnológica sobre esses concursos ainda é tímida e praticamente inexistente (excetuando-se o
trabalho de Reis e Silva (2012) que trata brevemente do concurso de beleza entre os Paresi),
na América Latina existem diversos estudos sobre concursos de beleza indígena, dentre os
quais destaco: Rogers 1999; Shackt 2005; Wroblewski 2014.

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A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

A preparação de uma candidata a Miss


Antes de tudo é preciso destacar que não são quaisquer mulheres que podem
ser candidatas a Miss Kayapó. Existem restrições muito específicas a respeito
daquelas que disputarão o concurso. Em primeiro lugar, elas devem ser mekure-
rere, isto é, moças púberes e pós-púberes, que ainda não possuem filhos. Mas a
escolha da candidata parece não estar vinculada apenas a uma questão de idade.
Trata-se, sobretudo, de uma questão de beleza14. Como alguns autores já regis-
traram (Vidal 1977; Gordon 2006), as mekurerere, assim como os menoronure
(sua contraparte masculina), « são a epítome do corpo mebêngôkre », o ápice da
beleza kayapó, « a mais perfeita tradução corporal, a forma mais plena de um
corpo humano » (Gordon 2006, p. 321). Elas são o auge do processo de corpori-
ficação, e por isso são consideradas bonitas, atraentes e sexualmente desejáveis.
Como se sabe, entre os ameríndios não existe automatismo biológico ou natu-
ral (Viveiros de Castro 2002). Corpos são produtos de ações de pessoas e a
beleza nada mais é que o resultado da fabricação corporal da pessoa (Viveiros
de Castro 1979), não sendo considerada inata. Não existe a possibilidade, para
os Kayapó, de uma pessoa nascer bonita. Antes, ela é feita bela por meio de uma
série de ações que se iniciam antes mesmo de seu nascimento e se prolongam
por diversas fases da vida (Vidal 1992; Demarchi 2013). Gordon (2006, p. 320),
qualifica esse processo como um movimento de constituição e desconstituição
corporal, segundo o qual « a primeira fase da vida de uma pessoa é aquela em
que, a partir de um estágio informe, ela vai ganhando um corpo, e literalmente
encorpando ». Simultaneamente a este processo de corporificação, ocorre o
processo de endurecimento corporal, que não é coetâneo ao anterior. Assim, se as
mekurerere e os menoronure são a epítome da beleza corporal, isso não quer dizer
que seus corpos estejam plenamente (ma)duros. […] Se eles, de um lado, são o
ápice do ideal de corpo, de outro, ainda não atingiram a maturidade e a dureza neces-
sárias para estabelecer e operar diversos tipos de relação e ação, sobretudo quando
essas relações envolvem possíveis contatos com agências não mebêngôkre (animais,
espíritos, inimigos). Já os mekrare, adultos com filhos, são mais maduros e capazes
dessas operações, porém não mais estão no auge corporal. (Gordon 2006, p. 321)

14. O conceito de beleza mebêngôkre é expresso pela palavra mejx. Segundo Gordon:
« mejx […] não exprime somente valores estéticos, senão igualmente valores morais ou
éticos. O campo semântico da palavra cobre uma série de atributos que poderíamos glosar
como bom, bem, belo, bonito, correto, perfeito, ótimo. Além disso, mejx pode ser contraposto,
dependendo do contexto de enunciação, aos seguintes termos antonímicos: punure (“ruim,
feio, mau, errado”) e kajkrit (“comum, ordinário, vulgar, trivial”), ou simplesmente mejx kêt
(onde kêt = partícula de negação). De todo modo, mejx (belo, o bom, a perfeição) designa
um conjunto de valores essenciais […]. Produzir ou obter coisas, pessoas e comunidades
(enfim, a sociedade) mejx parece ser a finalidade última da ação no mundo, que se revela
tanto no plano individual quanto no coletivo » (2009, p. 8).

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Certa vez, em uma conversa na casa dos homens, Bepunu me explicou que
as mekurerere são consideradas belas porque seus corpos ainda não foram
modificados pela gravidez, seu corpo expressa proporções e formas valorizadas
socialmente15, seus seios são firmes e pequenos e não moles e grandes como os
das mulheres mais velhas. Isso porque a gravidez e a produção de filhos podem
ser entendidos como um processo de descorporificação, cujo auge é a velhice,
quando homens e mulheres velhos já criaram muitos filhos e netos, e « foram
como que se excorporando progressivamente ao longo da vida, fazendo filhos
e transferindo sua substância aos filhos e aos netos » (Gordon 2006, p. 321).
É esse fato (não ter filhos) que faz de uma mekurerere uma possível candidata
a miss. Tanto que no concurso ocorrido em 2010, a vencedora foi acusada por
pessoas de outras aldeias de já estar grávida durante o desfile, não podendo,
portanto, receber o título de miss naquelas condições, com seu corpo já alte-
rado. A gravidez invalidava sua participação e, consequentemente, o título a
ela concedido. Seguindo o mesmo princípio, em 2011, a candidata da aldeia
Môjkarakô não pôde desfilar na cidade e teve de ser trocada às pressas depois
que se descobriu que ela estava grávida.
Inicialmente suspeitei que outro critério para a escolha das candidatas pudesse
estar relacionado ao fato de elas serem escolhidas entre aquelas mekurerere
que já haviam sido homenageadas em determinado ritual de nominação16.
Assim, suspeitava que somente as mekurerere honradas cerimonialmente,
ou seja, consideradas pessoas belas (mereremejx) e cujos nomes tivessem
sido confirmados nos rituais, é que poderiam ser escolhidas como candidatas.
Essa suspeita foi desfeita por meus interlocutores, que disseram que qualquer
mekurerere poderia se candidatar a miss, desde que fosse considerada bonita
e não tivesse vergonha de se mostrar publicamente.

15. Tanto Vidal (1992) quanto Gordon (2009) ressaltam a valorização da simetria e da


proporção na conceituação da beleza mebêngôkre.
16. Os rituais de nominação mebêngôkre já foram amplamente descritos na literatura
etnográfica deste povo (Ver, por exemplo: Turner 1965; Vidal 1977; Lea 1986, 2012;
Verswijver 1992; Gordon 2006; Cohn 2005; Demarchi 2014). Entre os Mebêngôkre, nota-se
a existência de uma diferenciação entre duas categorias de nomes: os nomes comuns (nhidji
kakrit) e os nomes bonitos (nhidji mejx). Os últimos são destacados por serem formados
por oito classificadores cerimoniais: Bep e Takáak, de uso exclusivo dos homens, e Kokô,
Ngrenh, Bekwynh, Iré, Nhàk e Pãnh, utilizados majoritariamente por mulheres e, com
menos frequência, pelos homens (Lea 1986). Para cada um desses nomes existe um ritual
de nominação específico. Outra constante na literatura é o caráter de embelezamento que o
ritual proporciona à pessoa que tem seu nome confirmado em uma festa. Tanto Lea (1986,
2012) quanto Turner (1965, 2009) afirmam que a confirmação cerimonial de nomes e prer-
rogativas divide internamente as pessoas de uma determinada comunidade entre aquelas
que são consideradas belas (merereméxj), pois que tiveram seus nomes e prerrogativas
confirmados em uma determinada cerimônia, e aquelas consideradas comuns (mekakrit),
pois que não tiveram seus nomes e prerrogativas confirmados cerimonialmente.

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A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

No que tange à beleza física, é preciso dizer que existe uma preocupação e
uma apreciação constante dela no cotidiano da aldeia. Como entre os Xikrin,
descritos por Gordon,
aqui também os critérios da harmonia, simetria e proporção estão presentes.
Preza-se a distribuição harmoniosa dos órgãos pelo corpo: membros superio-
res e inferiores não podem ser excessivamente curtos, tampouco longos demais.
Observa-se atentamente as proporções corporais e, até mesmo, um jeito de caminhar
ou mover-se pode ser considerado bonito ou feio, correto ou impróprio (mejx ou
punure). (2009, p. 14)
Destaque-se a afirmação do autor a respeito da apreciação estética do jeito
de caminhar, também de suma importância para a apreciação das candidatas
a miss. Ele pode ser relacionada à desinibição17, o segundo critério definido
pelos interlocutores indígenas como fundamental para que uma mekurerere
se torne uma candidata a miss. Pois que os desfiles são momentos em que é
justo o jeito de caminhar, não apenas corretamente, mas com desenvoltura, que
está, também, sendo avaliado. A vergonha, ou a « falta de jeito », são avaliados
negativamente; as candidatas devem se mostrar seguras no seu caminhar e,
além disso, demonstrar alegria. Deve-se, enfim, seduzir18 a plateia, por meio
não somente da beleza física, mas também da desenvoltura no caminhar, da
desinibição, da demonstração de alegria.
Essas eram qualidades caras à Nhak’tyk19, a moça que havia ganhado o
concurso na aldeia Môjkarakô, durante os Jogos Tradicionais20. Ali ela já havia

17. Em Mebêngôkre vergonha ou respeito se diz pi’am e pode ser definido como uma
categoria de evitação. Diz-se que os genros têm respeito pelos sogros, dirigindo a palavra a
eles somente em momentos específicos. O mesmo se diz dos amigos formais que se respeitam
mutuamente. Em relação às gerações tanto as mekurerere quanto os menoronure, possuem
muito mais pi’am do que os adultos e velhos dos dois gêneros. Assim, se são o ápice da beleza
feminina mebêngôkre, as mekurerere também são seres tímidos por excelência. Durante os
rituais, são as únicas a terem vergonha de mostrar os seios, sendo continuamente exortadas
pelas mulheres mais velhas a descobrir essa parte do corpo no momento de dançar. Sua timi-
dez torna-se ainda mais evidente quando estão diante dos kuben (não indígenas). Durante a
pesquisa de campo, foram raras as ocasiões em que as mekurerere dirigiram a palavra a mim,
como faziam as mulheres que já possuíam filhos. Por isso, ser desinibida, ou seja, não ter
vergonha de se mostrar publicamente, conta e muito para ser escolhida como candidata a miss.
18. Falando das qualidades das mekurerere, Vidal (1977, p. 163) evoca a imagem da
coquetterie, afirmando que em conjunto com o charme e a ternura, a coquetterie é uma qua-
lidade feminina apreciada pelos Xikrin. Em outra passagem de seu livro, Vidal se pergunta:
« o que é a coquetterie? Pode talvez dizer-se que é um comportamento que deve sugerir que
a aproximação sexual é possível, sem que essa eventualidade possa ser tida como certa ».
19. Todos os nomes das candidatas a Miss Kayapó mencionados neste artigo são pseudônimos.
20. Os Jogos Tradicionais consistem em um torneio esportivo e cultural realizado pelos
moradores da aldeia Môjkarakô. Durante os jogos, os habitantes da aldeia se dividem em
quatro equipes compostas pelos moradores de cada uma das quatro linhas de casas que
compõem a planta retangular da aldeia. As equipes disputam competições de futebol,

95
André Demarchi

mostrado sua graça ao sorrir para os jurados e para o público, diferentemente


de suas concorrentes que pareciam estar com vergonha de desfilar. Nhak’tyk
mostrava desenvoltura também no caminhar molejado e ritmado, concretizando
em seu desfile um dos critérios anotados pelo júri, que dizia respeito ao « jeito »
das candidatas. Pelo menos, foi com essa palavra que Bepdjá afirmou aos dois
jurados não indígenas (a enfermeira da aldeia e um antropólogo), quando estes
lhes perguntaram sobre como deveriam julgar as candidatas. « É para olhar o
jeito delas », respondeu Bepdjá, sucintamente, em português.
No contexto dos discursos cerimoniais ouvi diversas vezes a palavra « jeito »
como tradução de kukràdjà, a forma como os Mebêngôkre denominam « cul-
tura ». Ao referir-se à aldeia Môjkarakô, um dos meus interlocutores traduziu
o termo kukràdjà como o « jeito » de uma coletividade, como sendo aquilo que
diferenciava Môjkarakô das demais aldeias, no sentido da produção de uma
comunidade (Demarchi 2014). No caso da apreciação das candidatas a miss,
o jeito, o kukràdjà de cada candidata, também as distingue umas das outras,
mas ele o faz por outros princípios estéticos. Aqui, como em quaisquer rituais,
o kukràdjà mostrado é também de outro, nesse caso, o das kubenire (mulheres
não indígenas), aquelas que desfilam nos concursos de Miss Universo, ou nas
passarelas de moda. É essa a ação mimética performada durante os concursos
da Miss Kayapó. Mas os desfiles das candidatas não são pura imitação das
formas de desfilar das kubenire: o jeito delas não se constitui somente disso. O
desfile é, antes de tudo, uma interpretação pessoal desse « jeito » de caminhar
característico das modelos ocidentais. Assim, o título de Miss não é concedido
àquela menina kayapó que imita mais perfeitamente essa forma de andar, mas
àquela que melhor personifica o desempenho dessa técnica corporal21.
Foi para apurar o seu « jeito » que Nhak’tyk passou a ter aulas de desfile
com uma professora, justamente no período em que toda a aldeia se preparava
ritualmente para a festa do dia do índio. Durante todo o mês de março e o início
do mês de abril, a professora Ilda22 se encontrava com Nhak’tyk de noite, na
escola da aldeia, para treinar o seu desfile a ser realizado na cidade. Em muitos
desses ensaios, fui solicitado a colocar o som para que elas treinassem e pude
assistir a algumas aulas.

voleibol, atletismo, dentre outros. É durante a programação noturna dos jogos que ocorre
o concurso de miss da aldeia.
21. Falando sobre o processo mimético levado a cabo pelos Mebêngôkre durante o ritual
de nominação Kôkô, quando as máscaras do Tamanduá bandeira se fazem presentes no pátio
de dança, Turner faz uma afirmação bastante interessante para o caso em questão. Segundo
o autor « a dança das duas máscaras de tamanduá imita, supostamente, os movimentos reais
do tamanduá. A imitação aqui precisa ser entendida no sentido aristotélico de mimesis,
como a imitação da essência, ao invés de cópia naturalista. Os movimentos das máscaras
representam a ideia kaiapó da essência do movimento do tamanduá » (Turner 1993a, p. 96).
22. Ilda era professora na escola da aldeia há mais de um ano e se dizia especialista em moda
devido a trabalhos anteriores realizados « quando era mais jovem » na cidade de Belém (PA).

96
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

Os ensaios eram vedados a todas as pessoas da aldeia, estando somente pro-


fessora e aluna (e às vezes eu) na sala de aula. Primeiro, Ilda solicitava, à guisa
de aquecimento, que sua aluna desfilasse sem som e de olhos fechados, para que
imaginasse seu desempenho. Outra parte da aula era dedicada somente às poses,
ou ao que a professora denominava « paradinha ». Trata-se dos movimentos
que Nhak’tyk iria fazer diante dos jurados e do público, depois de caminhar
pela longa passarela montada na quadra da cidade. Esses movimentos eram
treinados exaustivamente durante os ensaios. Segundo ouvi da professora, sua
aluna deveria fazer « paradinhas » em três momentos de seu percurso: ao meio
da passarela, ao fim dela, e mais uma vez ao início, diante dos jurados. Em
todas as paradas ela deveria sorrir para o público e, na última, reverenciar os
jurados com um leve movimento do corpo. Na passarela, a aluna não deveria
simplesmente andar, mas caminhar com rebolado. A professora então execu-
tava o que julgava ser o caminhar correto para a aluna assistir e depois imitar.
Quando o som era ligado, a professora incentivava sua pupila com afirmações
do tipo: « muito bom », « rebola mais », « olha o sorriso », « agora, paradinha
para o público », « os jurados estão te olhando », « lembra do molejo », « isso,
agora é a paradinha final, sorriso para os jurados », « muito bom, muito bom,
agora vamos fazer de novo ». E assim o ensaio se repetia por mais de uma hora.
O aprendizado desse kukràdjà (conhecimento), o desempenho pessoal de
Nhak’tyk, seu jeito, e a eficácia dessa tecnologia do encantamento produzida
durante o ensaio foram postos à prova alguns dias antes da partida para a cidade.
A professora combinou com os chefes da comunidade uma apresentação a ser
realizada na casa dos homens, para toda a aldeia. O som fora instalado e luzes
iluminavam o local. Uma passarela foi improvisada com palha de babaçu. Por
volta das sete da noite, para um grande público de crianças, jovens e adultos,
Nhak’tyk, amparada pela professora, fez seu desfile arrancando salvas de
palmas e gritos da plateia a cada « paradinha ». Ela estava pronta para desfilar
na cidade (ver Figura 223, página seguinte).

Sobre a evolução da indumentária ritual: da rainha à miss


Propositalmente, deixei para analisar em separado a composição da indu-
mentária ritual das candidatas a miss, com suas combinações e relações entre
conjuntos de enfeites e de elementos de vestuário como as calcinhas, e também
com o corte de cabelo e os padrões de pintura corporal. Isso porque, e como não
poderia deixar de ser, a indumentária ritual das candidatas é uma transformação
de outros trajes rituais, mais propriamente daqueles vestidos pelas « rainhas ».

23. As fotos das candidatas a miss presentes neste artigo foram capturadas das gravações
em vídeo produzidas pelos cinegrafistas indígenas do Projeto de Documentação da Cultura,
mencionado acima.

97
André Demarchi

Fig. 2 – Nhak’tyk desfila na cidade durante o concurso de beleza de 2010.


Foto capturada da gravação em vídeo produzida por Bepunu Kayapó
(São Félix do Xingu, Pará, Brasil, 2010).
A rainha, assim nomeada em português, é uma personagem ritual contempo-
rânea que se faz presente nos encontros interculturais e políticos vivenciados
pelos Mebêngôkre. As rainhas são responsáveis por recepcionar na aldeia os
convidados ilustres que chegam de avião, transformando a pista de pouso em
espaço ritual. Suas aparições têm a ver com a produção de uma grande e bela
recepção para estes convidados, uma forma de envolvê-los no ritual, fazê-los
participantes do estado emocional que o ritual mebêngôkre proporciona.
As rainhas são, assim, personagens que trazem à cena ritual certos estran-
geiros de prestígio, por isso, para assim fazê-lo, elas devem portar a máxima
beleza mebêngôkre, em termos de enfeites e da produção de sua indumentária,
concretizados em uma abundância de enfeites de miçanga simetricamente
sobrepostos ao corpo, sobre a pele pintada de jenipapo, tudo isso envolvido no
grande arco de penas que conforma o diadema krokroti24 (ver Figura 3, contra).
A indumentária ritual das rainhas é similar àquelas usadas pelas meninas
que estão sendo honradas em uma cerimônia de nominação. Digamos que
não há somente uma relação de semelhança entre as roupas, mas também de
contiguidade entre os personagens, pois as meninas honradas naquele contexto
de nominação personificam o ápice da beleza mebêngôkre, concretizada pela

24. O diadema krokroti é um grande cocar de penas de araras utilizado por homens e
mulheres, principalmente, durante os rituais de nominação e, mais contemporaneamente,
nos rituais interétnicos como a festa do dia do índio e o concurso de Miss Kayapó.

98
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

Fig. 3 – As rainhas à espera do diretor do Museu do Índio.


Foto: André Demarchi (Aldeia Môjkarakô, Pará, Brasil, 2012).
transformação ritual. E não seria o caso de transfigurá-las para os contextos
interétnicos, de fazer das meninas ritualmente belas aquelas que trazem as auto-
ridades não indígenas para o ritual? As rainhas são, assim, a personificação da
beleza mebêngôkre, dentro da aldeia, cuja eficácia está garantida na captura dos
kuben (não indígenas) para a cena ritual, engajando-os emotivamente naquele
contexto. Seguindo essa lógica, não é por acaso que as rainhas, diferentemente
das candidatas a miss, são escolhidas dentre aquelas meninas que já foram
honradas em um ritual de nominação, podendo ser mekurerere ou meninas
mais novas, ainda crianças.
No primeiro concurso da Miss Kayapó, realizado em abril de 2009, as can-
didatas se vestiam como rainhas, ou, se preferirem, como garotas cujos nomes
estão sendo confirmado nas cerimônias de nominação. Não presenciei esse
primeiro desfile. O único registro que possuo do concurso são duas fotografias
presentes no folder da festa de 2010 (ver Figura 4, página seguinte).
Na primeira foto observa-se em primeiro plano a candidata da aldeia
Môjkarakô, reconhecível graças ao fato de a bandeira da aldeia25 estar tecida
no pingente do colar. Não há dúvidas que sua indumentária é similar à das
rainhas. Na segunda foto, nota-se um plano mais aberto, onde quatro candidatas
desfilam no ginásio da cidade para um grande público. Como nota-se, somente
a candidata de Môjkarakô porta o diadema krôkrôti. Fora esse elemento de

25. A bandeira da aldeia Môjkarakô foi produzida por Mokuká Kayapó com o intuito de
divulgar a aldeia em eventos internos e externos à Terra Indígena Kayapó. Rapidamente as
mulheres de Môjkarakô reproduziram este desenho em diversos enfeites de miçanga. Sobre
o contexto da criação da bandeira da aldeia, ver Robert (2004).

99
André Demarchi

Fig. 4 – O concurso da Miss Kayapó em 2009


(folder da festa do dia do índio de 2010. São Félix do Xingu, 2010).
destaque, intencionalmente inserido na indumentária, os demais adornos das
diferentes candidatas são similares uns em relação aos outros, tendo a combi-
nação de cores como elemento diferenciante.
Em fins de 2009, uma nova indumentária fora produzida para uma candidata
e sua disseminação entre as aldeias deve-se ao circuito imagético existente
atualmente entre as aldeias do sul do Pará e à posição privilegiada que a aldeia
Môjkarakô ocupa neste circuito. O novo traje fora criado pelas mulheres da
aldeia Kikretum durante as prévias do concurso de 2010, realizadas naquela
aldeia. Os moradores de Kikretum realizaram o concurso durante a programação
de uma reunião política sobre os territórios etnoeducacionais implementados
pelo Ministério da Educação (MEC). Além de representantes do Ministério,
estava presente na reunião Viviane Cunha, secretária de educação de São Félix
do Xingu, e criadora do concurso da Miss Kayapó. Os moradores de Kikretum
acharam por bem realizar o concurso naquele contexto para homenagear a
secretária, apresentando as quatro candidatas da aldeia, para que ela e os demais
convidados julgassem qual seria a representante da aldeia na cidade. Quando as
candidatas entraram na passarela, uma delas se destacava das outras pela indu-
mentária diferenciada. As pesadas tipoias trançadas de miçanga, item primordial
das rainhas e das meninas honradas em cerimônias de nominação, haviam sido
removidas, e seu corpo estava coberto apenas com a pintura corporal feita de
tinta de jenipapo. Um único colar se destacava sobre o busto da candidata, tendo
seus pingentes característicos alongados até a cintura. Por cima da calcinha
colorida um cinto de miçangas fora meticulosamente amarrado. Outro elemento
de destaque eram os longos brincos de miçanga que pendiam de suas orelhas.

100
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

Braçadeiras, pulseiras, jarreteiras e tornozeleiras também de miçangas e de cores


homogêneas completavam o traje da candidata. Perto das outras, que se vestiam
como rainhas, seu traje era visivelmente minimalista. E, além disso, desfilava
com desenvoltura, sorria para a plateia e para os jurados, fazendo « paradinhas »
na frente deles. A secretária ficou visivelmente empolgada com o desfile da
moça e ao fim do concurso ela foi decretada vencedora. Depois deste evento,
as indumentárias das candidatas a miss não seriam mais as mesmas.
Todo este evento descrito acima foi filmado por Axuapé, um dos cinegrafis-
tas de Môjkarakô, solicitado pelos chefes de Kikretum a trabalhar no registro
audiovisual do encontro com as autoridades. Tão logo Axuapé retornou à aldeia
Môjkarakô, as imagens foram exibidas para um grande público, na casa de Jàtire,
o filho do cacique velho Moté. O resultado do visionamento das imagens do
concurso realizado em Kikretum se fez notar, muito rapidamente, nas prévias
realizadas em Môjkarakô, em janeiro de 2010.
Nesta ocasião, como que para testar o público e os jurados diante da novidade,
o concurso fora organizado em duas partes. Na primeira etapa, as candidatas
desfilaram com o traje das rainhas, similares àqueles exibidos na primeira versão
do concurso na cidade. Na segunda parte, elas exibiam versões distintas da indu-
mentária da vencedora do concurso de Kikretum que elas tinham visto na televisão.
Momentos antes de o desfile começar, Bepdjá, o organizador do concurso,
convocara os jurados, em sua composição interétnica, ao palco, cujo chão
estava coberto com uma lona azul, à guisa de passarela. Compunham o júri:
os dois caciques da aldeia e o presidente de uma associação; uma enfermeira,
e um antropólogo26. Os jurados tomaram assento na extremidade direita do
palco, onde estava também o cinegrafista Bepunu, com sua inseparável câmera
no tripé. Logo abaixo do palco várias pessoas da aldeia com suas máquinas
digitais e celulares em punho esperavam o início do desfile. O clima era de
grande expectativa.
Enquanto isso, a casa do cacique Akjabôro, atrás do palco, havia se trans-
formado num salão de beleza mebêngôkre. Ali estavam as quatro meninas
candidatas a miss, sendo produzidas e enfeitadas por suas mães, avós, tias e
irmãs. Enquanto uma passava óleo de babaçu no cabelo de uma das meninas, as
outras debatiam qual motivo iriam desenhar com urucu no rosto dela. Faziam
isso e, ao mesmo tempo, enrolavam linha de algodão amarela nos antebraços,
para depois dispor em camadas diversas tipoias de miçanga, com suas intermi-
náveis voltas coloridas, colocadas em diagonal, transpassando e encobrindo os
seios, para alcançar as coxas, sem cobrir por inteiro a calcinha. Nos braços e

26. Aqui nota-se claramente a preocupação dos organizadores do evento em constituir


um júri interétnico com apreciações distintas sobre as candidatas, vislumbrando o concurso
realizado na cidade que conta com um júri predominantemente não indígena. Para uma aná-
lise das diferentes apreciações dos jurados indígenas e não indígenas ver o próximo tópico.

101
André Demarchi

pernas foram dispostos pulseiras, braçadeiras e pesados braceletes de miçanga,


enfeitados com penas de arara. O traje se encerrava com o grande diadema
krokroti de penas de arara preso na cabeça por um fio de corda delicadamente
escondido por uma tiara de miçanga amarela.
Lá fora, Bepdjá aumentara o som, e a música eletrônica, típica dos desfiles de
moda, ecoou pela aldeia. Se colocando no centro do palco e com o microfone em
punho, ele anunciou a primeira candidata. Ela subiu ao palco por uma escadinha
com a ajuda de um dos jovens organizadores e iniciou sua performance total-
mente paramentada da cabeça aos pés, portando o grande diadema nas costas,
« vestida » com toda a riqueza mebêngôkre, como se estivesse saindo de um
ritual de nominação. A garota andou até a frente do palco e parou fazendo pose
com as mãos na cintura. Andou novamente na direção dos jurados para mais
uma pose, fez a volta e dirigiu-se ao centro, virando-se para o público e para
os jurados antes de sair do palco. Tanto a segunda a ser chamada para desfilar
quantos as outras duas que viriam a seguir repetiram um percurso similar ao da
primeira candidata. Se o percurso foi o mesmo, cada uma, contudo, impôs um
« jeito » de desfilar diferente. Um desempenho específico e pessoal, imitando
o caminhar das modelos profissionais na passarela dos desfiles de moda.
Depois que todas haviam saído, Bepdjá anunciou que elas voltariam uma
vez mais. Atrás do palco, mulheres retiravam das meninas cada um dos bens
cerimoniais que compunham sua indumentária. Permaneceram como enfeites
apenas um colar de miçanga, além dos brincos e braçadeiras. Era assim, com o
corpo totalmente pintado com grafismos e realçado pelo colorido da calcinha, que
as meninas, uma a uma, faziam o mesmo trajeto, novamente desempenhando,
cada uma a seu modo, o caminhar das modelos não indígenas, o kukràdjà
apreendido das kubenire. Dessa vez, o público vibrava ainda mais a cada pose.
A empolgação do público parecia ser inversamente proporcional à vergonha
das meninas. Depois dos desfiles, elas foram chamadas ao palco uma vez mais
para que desfilassem em conjunto. Haviam ensaiado essa apresentação, pois
executavam movimentos coordenados no momento da pose, virando o corpo,
sincronizadamente, ora para um lado, ora para o outro. Após essa última apre-
sentação, as meninas desceram do palco. Era a hora de saber o resultado final.
Mas não era apenas a candidata que iria representar Môjkarakô no concurso
da cidade que estava sendo escolhida naquele contexto. Também a indumentária
que ela usaria na cidade estava sendo decidida. Pela animação do público e pelas
notas dos jurados, ficou claro que na próxima festa do dia do índio Nhak’tyk seria
a candidata de Môjkarakô, e que ela desfilaria como Miss e não como Rainha.

Sobre algumas formas cruzadas de apreciação


Antes de chegar ao concurso realizado na cidade, como grande atração da
festa do dia do índio, permitam-me fazer um pequeno exercício argumentativo

102
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

sobre as possíveis formas de apreciação estética mobilizadas pelos integrantes


do júri do concurso na aldeia, quando as candidatas desfilaram, primeiro com o
traje de rainhas e depois com aquele que se fixou como a forma de apresentação
das misses. Utilizo nesse exercício as categorias de cultura e « cultura », tal
como definidas por Carneiro da Cunha (2009), a primeira enquanto um esquema
interiorizado particular a cada povo; e a segunda enquanto efeito da apropriação
pelos povos nativos do conceito antropológico de cultura nos embates políticos
e interétnicos contemporâneos.
Citando o crítico literário Lionel Trilling, Carneiro da Cunha formula « uma
definição simples e prática de cultura sem aspas », como sendo
[…] um complexo unitário de pressupostos, modos de pensamento, hábitos e
estilos que interagem entre si, conectados por caminhos secretos e explícitos com
os arranjos práticos de uma sociedade, e que, por não aflorarem à consciência, não
encontram resistência à sua influência sobre as mentes dos homens. (Trilling, s/d,
apud Carneiro da Cunha 2009, p. 357)
Sobre a relação entre cultura e « cultura », a autora afirmara algumas páginas antes:
Acredito firmemente na existência de esquemas interiorizados que organizam a
percepção e a ação das pessoas e que garantem um certo grau de comunicação em
grupos sociais, ou seja, algo no gênero do que se costuma chamar de cultura. Mas
acredito igualmente que esta última não coincide com « cultura », e que existem
disparidades significativas entre as duas. Isso não quer dizer que seus conteúdos
necessariamente difiram, mas sim que não pertencem ao mesmo universo de
significação, o que tem consequências consideráveis. (2009, p. 313)
São essas consequências que serão consideradas no exercício que se segue.

***
O fato de as meninas desfilarem na aldeia primeiro com os bens cerimoniais
mebêngôkre e depois sem eles, com os corpos cobertos apenas com os grafismos,
e de calcinha, decorre certamente da intenção de apresentar ao público e aos
jurados duas possibilidades distintas de apreciação das candidatas. Nota-se,
assim, a conformação de dois contextos diferentes de julgamento: um onde as
meninas desfilam com o corpo enfeitado pelos bens cerimoniais, outro onde
seus desempenhos são realizados com o corpo à mostra. O que há em comum
aos dois contextos é o andar mimetizado das modelos profissionais, suas poses
e seus rebolados.
Considerando a formação interétnica do júri – formado por dois não indígenas
e três indígenas –, são acionados no momento da apreciação valores culturais
diversos que conformam um interessante cruzamento de pontos de vista. Assim,
no caso do primeiro desfile, do ponto de vista dos jurados mebêngôkre trata-se
de avaliar a miss a partir de valores dados pela sua cultura, sem aspas, pois

103
André Demarchi

embora estejam diante de sua « cultura » (com aspas), não podem escapar da sua
própria cultura na hora de julgar. Algo semelhante ocorre com os jurados não
indígenas: a avaliação da « cultura » mebêngôkre é realizada segundo valores
da sua cultura referentes às concepções de indianidade. No segundo desfile,
outros elementos embasam o julgamento, pois a apreciação das garotas desliza
dos bens cerimoniais para seu corpo e seu desempenho na passarela. Para os
jurados não indígenas, não se trata mais de julgar a « cultura » mebêngôkre
segundo os critérios ocidentais de indianidade e autenticidade, mas de escolher
a miss, mobilizando suas concepções de beleza. Também neste contexto, a
apreciação dos jurados mebêngôkre passa da apreciação dos bens cerimoniais
para o julgamento do corpo, da pintura corporal sobreposta à pele e do caminhar
das meninas segundo os padrões de beleza mebêngôkre.
No primeiro desfile, os jurados mebêngôkre olham para as meninas com
olhos de mebêngôkre, julgam seu desempenho, e julgam também os bens
cerimoniais e sua distribuição ordenada pelo corpo, não apenas no sentido de
suas quantidades, mas também e, sobretudo, de suas qualidades: do material
de que foram feitos, da habilidade das artistas que os fizeram, da disposição
ordenada nas partes corretas do corpo. O julgamento desses aspectos só pode
ser feito pelos Mebêngôkre, segundo sua cultura. Esta entendida como esquema
interiorizado que organiza a percepção e a ação das pessoas e que garante « um
certo grau de comunicação, em grupos sociais » (Carneiro da Cunha 2009: 313).
A apreciação dos jurados não indígenas, por sua vez, parece mostrar a outra
lâmina da « faca de dois gumes » que é a « cultura », em sua versão com aspas,
objetificada. Nos termos « marxistas » propostos por Carneiro da Cunha (2009,
p. 313), trata-se, no primeiro desfile e do ponto de vista dos jurados mebêngôkre,
de um julgamento segundo a « cultura em si ». Do ponto de vista dos jurados
não indígenas, trata-se diferencialmente de um julgamento da « cultura para si ».
Esta última é, justamente, a forma objetificada (patrimonializada) da cultura,
o modo como os Kayapó escolheram exibi-la performaticamente diante do
mundo. Como os não indígenas não têm elementos para julgar a miss a partir da
cultura mebêngôkre, eles o fazem acionando as categorias de autenticidade, de
« indianidade » que embasam nossa cultura quando se trata de apreciar índios
e julgá-los, muitas vezes, como « verdadeiros » ou « falsos ».
Quando as meninas voltam ao palco sem os bens cerimoniais, surge um interes-
sante encontro de perspectivas, onde outras ênfases são dadas. Pois agora, livres
dos bens cerimoniais, a beleza física e o desempenho das candidatas tornam-se
mais evidentes. Prestar-se-á muito mais atenção ao seu corpo, aos grafismos e
à sua performance. Sugiro que os jurados não indígenas não têm outra opção
senão a de julgarem a miss segundo sua concepção específica de beleza. Esta
concepção, se possui, sem dúvida, um lado pessoal, possui certamente também
outro lado, formado por um esquema interiorizado distinto daquele mobilizado
pelos Mebêngôkre. Os jurados mebêngôkre mobilizam, por sua vez, os valores

104
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

e princípios estéticos de sua própria cultura, que se são diferentes daqueles


dos não indígenas, levam a um resultado similar: jurados, brancos e índios,
deram, no concurso em questão, praticamente as mesmas notas para Nhak’tyk,
a candidata que naquele contexto ficara em primeiro lugar.
Aqui, como já salientava Bateson (1972, p. 101), a graça, enquanto forma
de expressão, « puede ser percibida por encima de las barreras culturales ».
Pois que toda tecnologia do encantamento (Gell 2005) mobilizada na prepa-
ração da miss visa produzir, justamente, esse encontro de perspectivas, uma
vez que é composto para ser executado em um contexto interétnico, para que
públicos diversos possam apreciar as candidatas. A eficácia do desfile, tal como
apropriado pelos Mebêngôkre, parece estar em fazer coincidir, em um mesmo
corpo e em uma mesma performance, elementos que possibilitam julgamentos
estéticos baseados em lógicas culturais distintas27.
Os concursos da Miss Kayapó evocam, neste sentido, a noção de conden-
sação ritual, tal como formulada por Severi (2007) e segundo a qual sujeitos
(mas também objetos) são eficazes por serem constituídos no contexto ritual
formando figuras complexas, denominadas pelo autor como seres quiméricos.
Seguindo Severi, Fausto (2008, p. 343) afirma que a fonte mesma da eficácia
desses personagens está no fato de que nestes contextos contraintuitivos « ele-
mentos antagônicos condensam-se na forma de uma imagem ao mesmo tempo
singular e múltipla ».
A meu ver, não existe forma melhor para caracterizar essa figura singular
e múltipla que é a Miss Kayapó. Ela é de tal modo quimérica que consegue
reunir em torno de si formas de apreciação culturalmente distintas que se
cruzam, se somam e se tocam justo no contexto ritual do concurso. A beleza
da miss, da forma como é produzida; seu jeito, do modo como é apreendido e
treinado; sua graça, do jeito que é mostrada pelos sorrisos e paradinhas, visa à
interculturalidade, visa à justaposição de pontos de vista e formas de julgamento
distintas. Talvez, nesse sentido bem especifico, e para evocar um famoso debate
no campo da antropologia da arte (Overing 1996), a estética possa ser pensada
não como uma categoria, mas como uma forma de apresentação transcultural,
como uma « indumentária quimérica » que captura olhares diversos.
Completando esse ciclo de pontos de vistas cruzados, poderíamos nos pergun-
tar: como veriam os jurados kayapó certos elementos da cultura dos « brancos »
sendo imitados por suas meninas? Não seria errado dizer que estariam julgando
a « cultura » dos kuben, em sua forma objetificada pela performance da miss.
Não seria, não fosse pelo fato de que a « cultura » kuben (não indígena), em
seu estado performado pelas candidatas, passa a fazer parte da própria cultura

27. Corroborando esse argumento, é preciso dizer que as normas para a avaliação das
candidatas não são explicitadas durante o concurso, ou seja, não há quesitos específicos de
avaliação que os jurados deveriam responder, como ocorre nos concursos de Miss Universo.

105
André Demarchi

mebêngôkre. Em outros termos, a cultura mebêngôkre, aquilo que denominam


seu kukràdjà, seu « patrimônio cultural », parece ser a soma do que é a « cultura »
(com aspas, objetificada) dos outros. Isto porque além de absorver elementos da
cultura dos outros, os Mebêngôkre parecem ter uma predileção por aquilo que
esses outros mostram ritualmente, suas formas objetivadas de beleza. Assim
o fazem não apenas com os concursos de Miss Universo, onde as mais belas
candidatas de todo o mundo mostram sua beleza em uma grande cerimônia
pública e internacional, onde os padrões de beleza ocidentais são objetificados;
mas o fazem também com outras formas expressivas dos não indígenas como os
forrós e bailes de sábado à noite, vistos e apreendidos por diversas gerações nos
mais variados contextos e épocas (Demarchi 2014); ou como o kwôre kangô,
o já famoso ritual apreendido dos Juruna (Vidal 1977); ou mesmo como o são
praticamente todos os seus rituais de nominação, apreendidos, segundo contam
os mitos, de diversos seres animais e mitológicos (Lea 2012).
Não apenas apropriadas e apreendidas, estas formas expressivas precisam
necessariamente ser performatizadas, tornadas visíveis durante os rituais, muitas
vezes justo para aqueles de quem as copiaram. No caso do concurso da miss, e
também de outros contextos rituais e interétnicos, como a própria festa do dia do
índio, ou como as recepções às autoridades na aldeia, não se trata somente de uma
demonstração ou simplesmente de « fazer festas bonitas para os brancos verem ».
Trata-se de subordiná-los à própria lógica cerimonial (Guerreiro Júnior 2012),
de colocá-los a serviço da máquina ritual mebêngôkre, produtora de beleza e
diferença. Afinal, somente uma candidata será escolhida como a Miss Kayapó.

O concurso da miss e sua espetacularização

O espetáculo não é uma coleção de imagens; ao contrário,


ele é uma relação social entre pessoas mediada por imagens.
(Guy Debord 1997, p. 14)
Este tópico se destina a descrever e analisar algumas transformações percebi-
das na análise comparativa de uma sequência de concursos de beleza kayapó.
Desde o primeiro, realizado em 2009, ao mais recente, realizado em 2013. Uma
análise diacrônica, ao inserir um movimento temporal em seu escopo, permite
acompanhar o processo de espetacularização do concurso da miss, e da própria
festa do dia do índio, bem como a eficaz e consciente ação dos Mebêngôkre
nesse processo, notadamente por meio de seus chefes. Estamos aqui diante de
contextos rituais, cujo valor e beleza giram em torno da produção, apreciação
e circulação de « indigenous body images » (Conklin 1997, p. 711) em redes
interétnicas midiatizadas.
A indigenização da modernidade, como quer Sahlins (1997), ocorre nas
diversas partes do globo em meio « a um mundo superpovoado por imagens »

106
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

(Gonçalves 2011, p. 17), um mundo espetacularizado, se lembramos da definição


original proposta por Guy Debord (1997). Como se lê na epígrafe, o espetáculo
não se configura pelo simples acúmulo de imagens, mas por mediar relações
sociais através delas conectando pessoas que exercitam a mediação imagética
como uma nova forma de se apropriar do mundo ao redor, talvez se sobrepondo
à oralidade como forma de conhecimento desse mundo (Gonçalves 2011).
Os próprios Mebêngôkre têm cada vez mais tecido relações por meio de
imagens rituais, criando um amplo circuito imagético que percorre aldeias
longínquas. Os trabalhos de Turner (1992, 1993) mostram que desde os anos
de 1980 os Mebêngôkre têm se apropriado das máquinas e tecnologias de
produção de imagens, colocando-as para funcionar em prol de uma concepção
própria de visualidade e visibilidade tão cara à sua noção própria de cultura,
às suas concepções de beleza e às suas formas rituais. Mas em um mundo
superpovoado por imagens, quando elas podem ser infinitamente multiplicadas,
copiadas, compartilhadas, poder-se-ia perguntar sobre como ocorre o controle
indígena de suas próprias imagens em circulação? Por meio de que processos e
estratégias políticas esse controle é exercido? Que mecanismos éticos e estéticos
são acionados nestes contextos? Como se constitui, enfim, a espetacularização
da indianidade, justamente em um contexto de indigenização da modernidade?
Essas questões podem aqui ser entendidas à luz das transformações operadas
nas diferentes edições dos concursos de beleza, com sua crescente espeta-
cularização. Para começar, retornemos ao ano de 2009, quando o desfile foi
executado pela primeira vez.
***
As poucas informações que possuo desse primeiro concurso me inclinam a
considerá-lo um experimento improvisado, um primeiro contato dos Mebêngôkre
com a ideia de colocar a beleza de suas adolescentes (e de suas aldeias) em
disputa no centro da cidade. Tão logo essa ideia foi sendo compreendida,
disseminada e, mesmo, apropriada pelos Mebêngôkre, seu grau de espeta-
cularização aumentou consideravelmente. Não que de início o concurso não
tenha surgido já sendo filmado, gravado e visto por um grande público. No
primeiro concurso, realizado em 2009 (e a confiar nas únicas fotos que temos
desse evento), já está presente certo coeficiente de espetacularização. Nota-se
um grande público presente no desfile e, por trás das candidatas, é possível ver
um cinegrafista com sua câmera em punho (ver Figura 4).
Mas o grau de reprodução e circulação dessas imagens não alcançou, por
exemplo, a rede mundial de computadores, como passou a ocorrer nos concursos
posteriores. Faça o leitor o experimento de digitar as palavras « miss kayapó »
no buscador de imagens do Google e ele verá imagens de diferentes edições do
concurso, mas não de sua primeira edição. Esse baixo grau de dispersão dessas

107
André Demarchi

primeiras cenas do concurso é coerente com sua ainda incipiente espetacula-


rização. E também com o aspecto ainda improvisado do evento: não havia,
em 2009, as passarelas vermelhas presentes nas edições seguintes do concurso,
adornadas com tochas de fogo, palmeiras e esculturas de frutas; e, além disso, só
quatro candidatas participavam dessa primeira versão, representando as quatro
aldeias, cujas delegações estavam presentes na festa do dia do índio daquele
ano: Môjkarakô, Kikretum, Pykararãkre e Kôkraimôro.
Note-se ainda que no primeiro concurso todas as candidatas se vestiam como
rainhas, sendo a representante de Môjkarakô, vencedora da edição de 2009,
a única a usar o traje completo, com o grande diadema krokroti. A derrota no
primeiro concurso parece ter motivado as mulheres de Kikretum a inventar uma
nova indumentária a ser apresentada em 2010, posteriormente adotada pela
totalidade das candidatas. Assim, de 2009 para 2010, não somente a indumentária
havia se transformado, mas também essa transformação impôs outra forma de
julgamento, deslizando de uma apreciação dos diversos enfeites sobrepostos
ao corpo, para as formas e volumes dele próprio, o corpo, bem como para o
desempenho das candidatas, seu jeito e sua graça. Essa transformação certamente
contribuiu para a crescente espetacularização do evento.
O concurso da Miss Kayapó realizado em 2010 representou um passo a mais
nesse sentido. Agora ele vinha impresso nos fôlderes e cartazes distribuídos pela
cidade como a atração principal do sábado à noite. A festa e o concurso foram
divulgados nos meios de comunicação das cidades do sul do Pará. Repórteres,
cinegrafistas e fotógrafos dessas agências ocupavam a quadra do ginásio, onde o
desfile seria realizado. Ao centro da quadra, uma grande passarela fora montada
com um longo tapete vermelho, adornado em suas bordas com luminárias de
palha trançada. Em uma das extremidades da passarela, estava a tribuna de
honras e, à frente dela, a bancada dos jurados. Na outra extremidade estavam
posicionados os fotógrafos e cinegrafistas. Ao redor da passarela, aproximada-
mente mil índios estavam sentados no chão observando a cena que se formara.
Atrás do público mebêngôkre, as arquibancadas estavam lotadas pela população
da cidade, com algumas pessoas, inclusive, por cima dos alambrados.
Uma música eletrônica percorreu o ambiente e os apresentadores do concurso
anunciaram seu início. Cada uma das seis candidatas foi convocada a desfilar,
tendo seu nome e sua aldeia de origem anunciados repetidas vezes pelos locu-
tores. Durante os desfiles, o apresentador repetia as seguintes frases: « Miss
Kayapó 2010. É a beleza kayapó na passarela ». A cada pose das candidatas,
o público aplaudia, gritava, assoviava e tirava fotos.
Em 2010, as proporções da festa do dia do índio haviam aumentado. Duas
novas aldeias (Aùkre e Apêjti) haviam sido convidadas a participar da festa, e
com elas vinham duas novas candidatas a miss. Assim, foram seis (e não apenas
quatro como no ano anterior) as garotas que se apresentaram para o público

108
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

e para os jurados. Dentre elas estavam Nhak’tyk, a candidata de Môjkarakô,


treinada pela professora Ilda, e Panh’ôk, a moça de Kikretum, cujas parentes
femininas haviam criado o novo traje, vestido agora por praticamente todas as
candidatas, com exceção da representante da aldeia Aùkre. Esta menina portava
a indumentária antiga, de rainha, destoando claramente das outras candidatas
nos termos da nudez de seu corpo. Enquanto todas as outras tinham os corpos
realçados pelos padrões de pintura corporal, a candidata de Aùkre tinha o seu
corpo coberto de enfeites de miçanga. A estratégia das mulheres da aldeia Aùkre,
de enfeitar o corpo de sua candidata com pesados enfeites de miçanga, não deu
certo. Naquele ano, em conjunto com a indumentária, os padrões de apreciação
haviam se transformado. Assim, durante os desfiles as candidatas mais aplaudidas
pelo público foram Nhak’tyk e Panh’ôk. As duas mostravam desenvoltura no
caminhar e nas paradinhas, sorrindo e reverenciando público e jurados. Encerrados
os desfiles, e depois de apreensivos trinta minutos, os jurados, todos não indígenas,
consagraram Panh’ôk como a Miss Kayapó do ano de 2010. Nhak’tyk, embora
tenha treinado exaustivamente suas « paradinhas » e poses, ficara em segundo
lugar. Em terceiro ficou a candidata da aldeia Apêjti (ver Figura 5).
A faixa de miss foi solenemente colocada em Panh’ôk pelo prefeito da cidade.
Muitos fotógrafos se amontoavam para conseguir o melhor quadro. Em uma

Fig. 5 – As três vencedoras do concurso de 2010. Panh’ôk ao centro


com a faixa de miss; Nhak’tyk à esquerda, em segundo lugar; em terceiro,
a candidata da aldeia Apêjti. Foto capturada da gravação em vídeo produzida
por Bepunu Kayapó (São Félix do Xingu, Pará, Brasil, 2010).

109
André Demarchi

demonstração clara da disputa estética e política que envolve o concurso, o


principal chefe de Kikretum adentrou o quadro da cena. Ali estavam os três:
o prefeito de um lado, a miss ao centro e o sorridente cacique de Kikretum do
outro lado. Permaneceram imóveis por mais de um minuto para saciar a vontade
imagética dos cinegrafistas e fotógrafos. O mesmo ritual imagético foi repetido
para as vencedoras do segundo e terceiro lugares. Entregaram os prêmios para
elas, respectivamente, a secretária de educação e a primeira-dama do município.
E lá estavam os caciques de Môjkarakô e Apêjti posando com suas candidatas e
sua respectiva autoridade. As relações entre estética e política nunca estiveram
tão objetificadas e espetacularizadas como nessas fotos (ver Figura 6).
As proporções da festa do dia do índio de 2011 foram ainda maiores. Agora,
mais três aldeias (Krinu, Gorotire e Krenmajti) foram convidadas a participar
do evento, totalizando nove delegações e, consequentemente, nove candidatas
a miss. O sucesso da festa de 2010 e a disseminação de suas imagens nos mais
diversos meios de comunicação transformaram a festa daquele ano em um
evento de massas, espetacularizado do início ao fim. Afinal, dois mil Kayapó
iriam ocupar a cidade naquela semana do mês de abril. A cobertura jornalística
aumentara, o mesmo ocorrendo com a participação de políticos e autoridades
locais. Esperava-se a presença, no dia do concurso, da governadora do estado do
Pará. O movimento de turistas vindos para participar da festa se fazia presente
nos poucos hotéis e lan houses da cidade. Além do concurso da Miss Kayapó,
outra grande atração estava prevista: tratava-se de um show do cantor Pykatire,

Fig. 6 – Estética, ritual e política. Imagens da premiação do concurso


Miss Kayapó 2010. Foto capturada da gravação em vídeo produzida
por Bepunu Kayapó (São Félix do Xingu, Pará, Brasil, 2010).

110
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

e programava-se o lançamento de seu CD com versões e composições próprias


de canções sertanejas e bregas em língua mebêngôkre.
Esse show merece um comentário à parte. Embora não o tenha presenciado,
pude ver a gravação em vídeo feita pelos cinegrafistas de Môjkarakô. Pykatire
não cantava com uma banda. As batidas de seu som entoavam pelos alto-falantes,
enquanto ele punha por cima delas sua voz ao cantar em mebêngôkre, lembrando
as apresentações dos cantores de músicas bregas e seus inseparáveis teclados
eletrônicos. Pykatire não apenas havia criado as músicas, mas também inventara
uma dança particular que executava durante sua apresentação. Ele apresentou
cinco canções, sendo que seu sucesso Bà ikaprire (« Estou triste »), cuja letra
narra as algúrias de amor vividas pelo eu-lírico depois de ser abandonado por sua
amada, teve que ser repetida como bis, ao fim do show e a pedido do público.
O sucesso dessa canção foi tamanho que os organizadores resolveram ado-
tá-la como a música tema do concurso daquele ano, sem antes solicitar a um
DJ que fizesse uma versão remix, inserindo em seu arranjo batidas de música
eletrônica, como pedia a ocasião. E foi assim, ao som de Pykatire, que as nove
candidatas a Miss Kayapó 2011 foram convocadas uma a uma à passarela, desta
feita adornada com diversas esculturas de abacaxi e uma grande tocha acesa
em seu início. Dessa vez, acompanhando o aumento no número de candidatas,
o júri também havia aumentado, sendo composto por seis jurados. Dentre eles,
estava a primeira-dama do município, a vice-prefeita, a diretora da maior escola
da cidade, uma representante da Funasa (Fundação Nacional de Assistência a
Saúde), um professor de Educação Física e um estilista da cidade de Marabá
convidado especificamente para ocasião.
A presença do estilista famoso na região do sul do Pará fazia jus ao aperfei-
çoamento dos trajes das candidatas daquele ano. As diferentes mulheres kayapó
que os desenvolveram criaram peças que combinassem entre si nos detalhes
coloridos, formando combinações de cores próprias para cada uma das can-
didatas. Assim, trajes predominantemente azuis se contrastavam com aqueles
cujas cores sobressalentes e relacionadas eram o verde e o amarelo, ou o preto
e branco, ou o vermelho e branco, ou simplesmente branco. Certos enfeites
haviam chegado a formas tais que acompanhavam o molejar das candidatas no
desfile. Os longos brincos de miçanga, os também longos pingentes dos colares
e as franjas das jarreteiras e dos cintos acompanhavam os movimentos corpo-
rais das candidatas, sacolejando no ar a cada pose para os jurados. A calcinha
colorida dava o tom assimétrico da indumentária. Desta vez, não havia sequer
uma menina usando o traje de rainha, todas as nove participantes mostravam
versões estilizadas daquele inventado em 2010 pelas mulheres de Kikretum.
O que ressaltava a beleza física e a performance das candidatas, mas também
os diferentes padrões de pintura corporal que cada uma delas trazia na pele do
corpo e do rosto (ver Figura 7).

111
André Demarchi

O resultado daquele concurso foi, contudo, motivo de


polêmica. Pela primeira vez houve discordâncias claras
entre o resultado apresentado pelos jurados e aquele
percebido por boa parte do público mebêngôkre. A
candidata vencedora, representante da aldeia Gorotire,
não agradara os participantes de outras aldeias, embora
tenha agradado tanto os jurados como o grande público
não indígena que lotava as arquibancadas do ginásio.
A discordância dos Mebêngôkre não parecia estar nos
enfeites de miçanga que eram similares aos das outras
candidatas, tampouco no uso da calcinha e da pintura
corporal. Ela se concentrava em um único sinal diacrí-
tico de sua indumentária: a candidata de Gorotire não
tinha seus cabelos cortados ao modo feminino mebên-
gôkre, tal como o exibiam todas as demais candidatas.
A tradicional faixa raspada ao centro da cabeça dava
lugar a uma distinta franja que lhe cobria parte da testa.
Fig. 7 – Candidata a Miss Além desse detalhe muito comentado negativamente,
Kayapó 2011. a candidata apresentava um caminhar diferenciado, um
Foto capturada da gravação molejo de tal forma natural que se levantou suspeita
em vídeo produzida por sobre sua identidade étnica. Falava-se após o desfile
Bepunu Kayapó (São Félix do que a vencedora não era Mebêngôkre, que era filha de
Xingu, Pará, Brasil, 2011). kuben, que por isso tinha vergonha de cortar o cabelo
como as mulheres kayapó.
Não soube se estas informações procedem, mas o fato de elas serem enunciadas
talvez aponte para um momento chave do concurso, quando os Mebêngôkre se
viram diante do fato de estarem perdendo o controle sobre a imagem de beleza
apresentada naquele contexto. Talvez houvessem percebido que naquele ano
a vencedora do concurso rompia os limites de certos padrões éticos e estéticos
nativos, desequilibrando o tênue encontro de perspectivas entre índios e kuben
(não indígenas) que as candidatas a miss, esses seres quiméricos, produzem no
contexto daquela cerimônia. Talvez porque, em 2011, a festa do dia do índio
e, consequentemente, o concurso da miss, haviam atingido um alto grau de
espetacularização, justo no momento em que ocorrera a vitória de uma candidata
considerada por grande parte do público mebêngôkre como sendo por demais
kuben (não indígena).
Esse desencontro de perspectivas estéticas, até então inédito no evento,
acarretou consequências consideráveis nas edições seguintes do concurso. De
fato, ele parece ter exigido um momento de reflexão por parte dos Mebêngôkre.
Não foi por acaso, portanto, que às vésperas do início da festa de 2012, os
caciques das dez aldeias participantes decidiram por bem cancelar o concurso

112
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

da Miss Kayapó durante uma reunião com a equipe executora. Ainda não me
perdoei por não ter participado dessa reunião, pois as discussões ali envolvidas
seriam de grande importância para a compreensão dessa decisão. Como modo
de compensá-lo, apresento um relato concedido por Akjabôro no primeiro dia
da festa, a partir de meu questionamento sobre a notícia do cancelamento do
concurso da miss, que rapidamente se espalhara pela cidade. Akjabôro disse
as seguintes palavras:
Foi eu que proibi o concurso da miss. Porque os kuben [não indígenas] estavam
fazendo sacanagem com as imagens das meninas do meu povo. Isso não pode
acontecer não. Eu não gosto disso. Tem que respeitar meu povo. Estavam tirando
foto e colocando em site de sacanagem. Fazendo brincadeira feia com a nossa
imagem. Isso eu não gosto. Por isso, foi proibido. Três caciques queriam fazer.
Na votação eles perderam.
Quando perguntei sobre as reações da equipe executora a essa proibição,
Akjabôro disse:
Eles tiveram que aceitar. Porque essa festa aqui na cidade é dos Mebêngôkre, não
é dos kuben, não. Se a secretária faz o concurso, a gente cancelava a festa, não tem
mais festa. Por isso, ela tem que aceitar. Eu falei pesado na reunião e aí ela aceitou.
Essas palavras de Akjabôro, se sem dúvida justificam o cancelamento do
concurso, não deixam de evocar o resultado do concurso anterior, quando a
candidata vencedora não agradara aos índios, sendo considerada kuben (não
indígena) por muitos deles. A reação à circulação indevida das imagens na
internet foi uma boa justificativa para que os Mebêngôkre, sobretudo por meio de
seus chefes, retomassem o controle das imagens e dos padrões de beleza nativos
apresentados na festa. Tanto que, além do concurso da miss, fora cancelado
também o novo show do cantor Pykatire, sucesso na edição de 2011, bem como
qualquer apresentação em que índios performatizassem a « cultura » dos kuben.
O espaço deixado por essas atrações na programação noturna do evento fora
ocupado pelas apresentações coletivas das delegações participantes da festa,
entremeadas por discursos de seus chefes na língua mebêngôkre.
Em 2012, a festa do dia do índio voltara a ser uma festa mebêngôkre, como
afirmou acima Akjabôro. Voltara, porque novamente eles controlavam suas
imagens e, sobretudo, retomavam a condução da própria festa. Neste sentido,
é digna de destaque a contínua participação de Akjabôro durante a execução de
todo o evento. Além de proferir o discurso da chegada, quando as delegações
aportavam em São Félix, exigindo respeito dos habitantes da cidade, lembrando
a eles da violência dos seus antepassados – justamente para com as mulheres –,
Akjabôro geriu toda a programação das apresentações noturnas, fazendo discur-
sos de exaltação da cultura mebêngôkre e concedendo, ele mesmo, entrevistas
para diferentes canais de televisão.

113
André Demarchi

Uma das cenas protagonizadas por Akjabôro naquele ano exemplifica com
clareza a retomada do controle imagético da festa e revela alguns de seus prin-
cípios éticos e estéticos, bem como suas intenções. Em uma das apresentações
noturnas da aldeia Môjkarakô, com o ginásio da cidade lotado, Akjabôro, em
um gesto performático, retirou do centro da quadra dois jovens dançarinos
calçados com seus reluzentes e coloridos pares de tênis all-star. Levou-os para
um canto do ginásio e gesticulou com os braços, no movimento característico
de quem está mandando alguém embora. Foi seguidamente aplaudido por
todos, inclusive pelas centenas de não indígenas que lotavam as arquibancadas.
Mokuká, que acompanhava a cena ao meu lado, com sua inseparável filmadora,
me explicou a performance de Akjabôro com as seguintes palavras, afirmadas
imediatamente após o ocorrido:
Ele não está aceitando que os jovens dancem assim com o pessoal. Quando tem
tradição boa como essa, não pode usar tênis, não pode usar aqui na festa. Aqui
só pode tradição de verdade. Por isso que ele fez isso. Ele não gostou. Ele está
mostrando para os outros como é que tem que ser. Para a nossa imagem ficar mejx
kumrenx (bonita e correta).
A explicação de Mokuká não poderia ser mais clara: a atitude performática
de Akjabôro, perante os dois adolescentes de Môjkarakô, consistia no uso da
espetacularidade daquele evento como uma forma de transmitir um conjunto
de princípios éticos e estéticos necessários à forma correta de reprodução
das imagens capturadas na festa. Os pares de all-star calçados pelos rapazes,
assim como a franja do penteado da Miss Kayapó de 2011, demarcam o que
não deve ser reconhecido como cultura mebêngôkre em contextos específicos.
A reação de Akjabôro a essa forma indevida de enfeitar o pé agradou àqueles
que defendem a « boa tradição », misturando índios e brancos em um mesmo
gesto de aplauso. Sua ação foi a de quem está em uma disputa espetacular,
cujas formas de embate se dão por imagens. Sua performance – quando pen-
sada segundo um contexto no qual « as imagens vêm se apresentando como
“armas culturais” por meio de uma luta ambígua que tanto produz como destrói
imagens, ícones e emblemas » (Latour 2008, p. 112) – pode ser vista como um
duro golpe estratégico no inimigo, tomando como arma o infortúnio dos dois
adolescentes de Môjkarakô que dançavam com seus parikà (tênis); e como
glória, os aplausos que encheram o ambiente. Mas quais seriam os objetivos
dessa performance dentro da performance? Destacar, arrisco dizer, Môjkarakô
enquanto aldeia que segue « a tradição boa », que forma uma imagem correta
e bela de um corpo coletivo, enfeitado, produzido, nos mínimos detalhes de
« um retrato compósito ». Eis o sentido da atitude iconoclasta de Akjabôro.
Afinal seu gesto parecia dizer que: se os outros parentes aceitam esse item de
indumentária, nós, de Môjkarakô, não aceitamos! E seria melhor que eles, ao
menos naquele contexto, também não aceitassem.

114
A Miss Kayapó: ritual, espetáculo e beleza

Aqui, como em outros contextos imagéticos, tudo se passa « como se a


desfiguração de um objeto pudesse inevitavelmente gerar novas faces; como
se o desfiguramento e o “refiguramento” fossem necessariamente coetâneos »
(Latour 2008, p. 114). E de fato o são: a atitude iconoclasta e desfigurativa
de Akjabôro ao expulsar os dois menoronure da quadra refigura a imagem de
Môjkarakô enquanto aldeia que segue « a tradição boa » e, consequentemente,
faz dessa refiguração um gesto que angaria status, valor e beleza à performance
da aldeia naquele contexto de competição interaldeão. Ao mesmo tempo, no
plano interétnico, e não mais intraétnico, a performance de Akjabôro não deixa
de ser um aviso aos kuben sobre quem controla o espetáculo. Mesmo que não
se controle as formas de reprodução, dispersão e circulação das imagens, é
claramente possível, nos ensina mais uma vez Akjabôro, exercitar sua admi-
nistração segundo princípios estéticos próprios (Turner 1992).
Para encerrar este artigo, bem como a sequência de concursos (e suas trans-
formações recentes) que me propus a analisar, é preciso esclarecer ao leitor que
em 2013 as candidatas a miss retornaram à cena ritual e o concurso voltou a
ser a atração principal da festa do dia do índio. Mas, agora, novas transforma-
ções ocorreram. Se, por um lado, as indumentárias permanecem semelhantes
àquelas apresentadas no concurso de 2011, por outro, não se pode mais desfilar
sem o corte tradicional das mulheres mebêngôkre. Contudo, e para além dessa
exigência, a alteração mais profunda concretizada no concurso de 2013 – e que
possui relações diretas com o controle dos padrões de beleza expostos pelas
candidatas em um evento que continua sendo espetacularizado – diz respeito à
nova formatação do corpo de jurados. O júri passou a ser composto não mais
por autoridades locais, estilistas famosos ou funcionários públicos. Agora,
são cinco chefes de diferentes aldeias mebêngôkre que julgam a beleza das
candidatas a miss.
Essa transformação nada mais é que uma estratégia política nativa de reto-
mada do controle imagético e estético da cerimônia. Uma estratégia que visa
demonstrar, como já explicitado, que nestes contextos rituais contemporâneos
e interétnicos a espetacularização da indianidade é governada por processos
de indigenização da modernidade. Uma estratégia que visa, enfim, deixar claro
para os kuben (não indígenas) que patrocinam e participam desse grande ritual
quem de fato comanda o espetáculo. *

* Manuscrit reçu en mai 2016, accepté pour publication en mars 2017.

115
André Demarchi

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2014 Kukràdjà Nhipêjx/Fazendo Cultura: Beleza, Ritual e Políticas da Visualidade
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