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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

ANDRÉ DAMIÃO BANDEIRA


USP 7692221

Trabalho de Conclusão da Matéria Teoria Crítica:

Música de Inventor

Prof. Ricardo Musse

São Paulo
2017
introdução

Nesse texto faremos alguns apontamentos sobre a relação sobre a música


experimental e tecnologia. Com base em diferentes perspectivas tentaremos problematizar a
figura do compositor e seu papel na divisão do trabalho da produção musical mediada por
tecnologia. Após essa exposição vamos tratar de comunidades de música experimental que
tem a técnica como principal característica. Entendemos que esses nichos de música de
invenção tem gradualmente dado mais importância para a tecnologia e deixado o
pensamento crítico e estético em segundo plano, que aos poucos parece quase esquecido.
No artigo desenvolveremos que esse processo acontece devido a um processo de
mercadização da lógica de produção cultural, e dessa forma os processos de criação e
trabalhos artísticos se tornam mais uma fase do mecanismo de produção de mercadorias. Ao
final trataremos em detalhe de uma dessas comunidades, a da Música Móvel.

A história da música ocidental erudita no século XX, como nos é contada nos livros de
maneira geral, parece seguir uma linha contínua de evolução do pensamento estrutural da
composição e expansão da sonoridade. Como aponta o musicólogo Makis Solomos: no
último século existe um movimento de emergência do som, sendo esse a troca de uma
música baseada no “tom” por uma música que tem como ponto de partida o “som”. Os
elementos da composição musical se imbricam de tal maneira que não podem ser mais
dissociados. Formas musicais, frequências, ritmos e timbres se tornam parte de um mesmo
monolito sonoro, o qual o músico poderia moldar a sua própria vontade. Esta “vontade” a
qual nos referimos está diretamente ligada aos meios de produção que foram desenvolvidos,
e apropriados, para o fazer musical. Segundo Solomos a música é a primeira arte, salvo o
cinema, que se apropriou da tecnologia como sua extensão natural da técnica, chegando ao
ponto de ser impossível distinguir a tecnologia da técnica.

A indissociabilidade da técnica à tecnologia no campo da composição musical gerou


uma série de transformações dos processos de produção, reprodução e circulação da
música erudita. Um dos principais pontos que causou uma inflexão na prática da música de
invenção seria: a extensão da técnica realizada através de interfaces eletrônicas provocou a
fusão da cultura musical com uma “cultura do áudio” (a indústria de software e hardware),
que também lida com a pesquisa do som mas sob aspectos puramente técnicos, e com a
finalidade de produzir novas mercadorias. Essa junção aparece das mais diferentes formas
no mercado e na academia, pois, logo, o “&” da “Música & Tecnologia” passou a ser
indissociável da pesquisa em música experimental, e no ambiente onde circulavam apenas
artistas também passaram a frequentar audiófilos, engenheiros e cientistas. Como
analisaremos no exemplo da Música Móvel, talvez a principal mudança nesse tipo de
produção musical tecnológica não esteja na sua sonoridade, mas no discurso adotado pelos
seus participantes.

De acordo com a linha de raciocínio apresentada por Solomos, conforme as


tecnologias foram desenvolvidas, muitas vezes, as experimentações musicais andaram
passo a passo com seus avanços fomentando novas possibilidades processuais, tal qual
seria a empolgação de compositores como Ferrucio Busoni e Edgard Varése 1 no começo
século passado. No entanto, a relação entre essas áreas – tecnologia e música – não
haveria de ser tão harmônica quanto se imaginaria durante as vanguardas heróicas da
primeira metade do século, das quais muitas celebravam o elogio do ritmo do aço.

vanguarda e a cultura do áudio

A junção da “cultura do áudio” com a cultura da música certamente se dá de diferentes


maneiras entre estilos e mercados musicais. Mesmo dentro do escopo das vertentes da
música experimental, no sentido amplo da definição, a tecnologia exerce papéis que vão do
uso funcional de sons eletrônicos (sonoplastia), como nos estúdios das rádios da BBC nos
anos 1950, à tentativa de legitimação científica de processos criativos através da técnica,
como no caso dos estúdios de música eletrônica da Universidade de Columbia nos EUA feita
na mesma época.

Talvez o paradigma mais hegemônico e institucionalizado, e por consequência


criticado, seja proveniente da vanguarda pós-guerra do serialismo integral, na Europa central
e EUA, e da Música Concreta francesa, que iniciaram suas práticas musicais mediadas por

1 Esses compositores escreveram textos exaltando as novas tecnologias e a substituição do trabalho dos instrumentistas por novas máquinas que
produziriam sons autonomamente. Varése em “A Liberação do Som”(1936) e Busoni em “Esboço de uma Nova Estética da Música”(1907).
meios analógicos nos estúdios de música eletrônica e concreta. Grosso modo, o formato do
estúdio de música eletroacústica se tornou um modelo para a criação de música séria (Ernst
Musik). Uma das razões para o estabelecimento desses núcleos foi juntar características de
pesquisa da cultura do áudio e da cultura da música, unindo engenheiros e compositores em
um só espaço. As colaborações e criações composicionais do estúdio de Colônia instalados
na Westdeutscher Rundfunkt (WDR) nos 1950, por exemplo, se tornaram um formato para as
gerações seguintes de estúdios e centros de pesquisa de música experimental, que
seguiram estruturas organizacionais similares. Certamente esse não foi um fenômeno
isolado, mas um sintoma do espírito do desenvolvimento tecnológico da época agregado a
um pensamento racionalista da tradição da composição musical.

Atenhamo-nos aos serialistas integrais por um momento: o movimento que deu


continuação ao projeto modernista da Segunda Escola de Viena manteve os ideais do
dodecafonismo como a verdade da forma musical. Levaram ao máximo a ambição de
reestruturar toda a linguagem da música ocidental, não se baseando apenas na série de
doze notas, como seus antecessores, mas também na tecnologia de ponta e processos
cientificistas. Os serialistas seguiram um plano de desenvolvimento formal da música em
busca de uma síntese geral que seria possível através do desenvolvimento teórico, auxiliado
pela tecnologia. Nas palavras de Pierre Boulez: “Quando se estuda o pensamento dos
matemáticos ou dos físicos de nossa época sobre as estruturas (do pensamento lógico, das
matemáticas, da teoria física…), percebe-se, claramente, o imenso caminho que os músicos
ainda devem percorrer antes de chegar à coesão de uma síntese geral.” (BOULEZ,
1983:244). Uma das interpretações possíveis para a afirmação de Boulez poderia nos levar a
entender que a música teria a mesma função e desenvolvimento da física ou estatística, algo
que dentro do plano modernista do serialismo integral faz bastante sentido. Por exemplo, no
serialismo norte americano - que como aponta Georgina Born passou por um processo de
academicização já no final dos anos 1950 - o compositor e matemático Milton Babbit, no
icônico artigo “Who cares if you listen” (1958), chega à conclusão de que o ouvinte comum
certamente já não seria capaz de compreender a música serialista feita naquela época e por
isso a música séria deveria ter refúgio na academia, onde poderia ter o mesmo status,
liberdade e proteção das outras ciências. No entanto, ao observar o desenvolvimento
histórico das instituições as quais esses pensamentos sempre tiveram atrelados – tais como
Institute de Recherché Musicale (IRCAM) e Groupe de Recherches Musicales (GRM) – , não
é difícil entender a razão pela qual essa lógica bouleziana não funcionaria numa sociedade
na qual a música integra um regime cultural que opera de maneira diferente do campo
científico e, por isso, tendemos a crer que esses discursos cientificistas podem, em última
instância, contribuir apenas como mais uma parte da composição do valor de troca de um
produto, fruto da fetichização do processo de racionalização da música. Tanto o IRCAM
quanto o GRM concentram, hoje em dia, a maior parte dos seus esforços na produção de
software de tratamento de áudio (os plugins), ainda baseados em conceitos desenvolvidos
pela música eletroacústica, mas voltados para o mercado da música eletrônica em geral.

M&T

Parte da geração seguinte, dos anos 70, especialmente ligada aos estudos da
Sonologia em Haia adotou uma postura notoriamente mais crítica em relação a ligação entre
a cultura do áudio e da música. Dick Raaijmakers, em seu texto “Uma breve Morfologia do
Som Elétrico”, não concorda com a perspectiva de Solomos de que música e tecnologia
teriam caminhado juntas passo a passo durante o processo de modernização, mas
justamente traçaram caminhos diametralmente opostos. A evolução da tecnologia nada
contribuiu para uma evolução musical, pelo simples fato de que a indústria dos meios de
produção tecnológicos não tem nenhum interesse genuíno na música ou mesmo na arte em
geral. São caminhos paralelos, nos quais muitas vezes os novos dispositivos se tornam uma
distração da construção e expressão da forma musical. Segundo Raaijmakers, no campo da
criação musical com novos meios o que temos na primeira metade do século são parcerias
que aconteceram por coincidência. Os engenheiros não sabiam que poderiam produzir
tecnologia que interessasse aos músicos experimentais, e assim que descubriram, passaram
a fabricar em escala massiva tecnologias para a música popular, incorporando rapidamente a
lógica da indústria cultural. O compositor Alvin Lucier, que compartilha da visão de
Raaijmakers, ilustra essa passagem do experimentalismo da música eletrônica da primeira
parte do século para segunda através do encontro de David Tudor com Karlheinz
Stockhausen, que perguntou qual seria a razão do compositor alemão não desenvolver os
seus próprios circuitos eletrônicos, e ele respondeu: “A indústria proverá o que preciso”.
Como conclui Lucier, Stockhausen estava errado. “Isso não aconteceu, a indústria não
proveu com o que precisávamos. A indústria fez sintetizadores populares o suficiente para
vender milhares de centenas. ”(LUCIER, 2012, p.63). A partir desta constatação, poderíamos
entender que as experiências dos anos 40 e 50 da música eletroacústica serviram para os
engenheiros descubrirem um novo mercado.

No campo acadêmico Rodolfo Caesar, ao escrever sobre a formação do núcleo de


Música & Tecnologia (M&T) em congressos nacionais e departamentos, reforça essa
perspectiva, mas mostra que o interesse entre as áreas é mútuo. Devido ao financiamento
estatal das áreas ligadas à inovação tecnológica ser muito mais generoso do que nas áreas
de humanas e artes, associar-se à computação, se tornou uma forma de conseguir custear
as pesquisas em música:

O mais óbvio motivo legitimador da existência do núcleo (de M&T) tinha sido o apoio à música vindo da
parte endinheirada da computação. Estava-se em plena estratégia do cuco, que põe seus ovos em ninho
alheio (para que outro pássaro alimente a sua prole), esquecendo-se que em matéria de oportunismo a
cara-metade (a tecnologia) é muito mais descolada. Basta lembrar o destino do SYTER 2, do GRM, vendido
para a marinha francesa (para realizar análise em tempo real de sons submarinos). É ingenuidade acreditar
que quando o MIT emprega um violoncelista como Yo Yo Ma seu interesse seja a música. O engenheiros do
MIT sabem que a complexidade da música, sim, é um desafio para a computação, a indústria de software e
hardware impulsionada por avanços nas ciências cognitivas. (CAESAR, R. 2003:30)

Ainda assim, Caesar deixa claro que a pesquisa que possui interesse direto para o
mercado é “muito mais descolada”, esta tem um objetivo muito mais claro nessa troca de
conhecimentos. Esse ponto demonstra que a relação entre música e tecnologia no começo
do século, antes de existir propriamente um mercado de música eletrônica, se torna muito
diferente da forma com a qual essas áreas passaram a se relacionar depois da formação de
um mercado de software e hardware voltados para a produção sonora.

O inventor como compositor

Perante esse paradigma – a relação entre músico experimental e grande indústria – ,


onde existe um interesse mútuo, em uma conexão de interesses cruzados, emerge o
“inventor”. Essa figura é caracterizada por Raaijmakers como um esteriótipo que viera para
substituir o compositor, e seria um ser “mítico”: um centauro, meio músico e meio
engenheiro. Além de um inventor ele também seria físico, músico, instrumentista, teórico,
expert em notação musical e, principalmente, um futurologista. Para criar esse argumento o

2 Computador construído pelo GRM para a realização de peças eletroacústicas mistas como processamento em tempo real.
autor se baseia, primeiramente, em algumas experiências de luteria desenvolvidas na
primeira parte do século XX, como o Telharmonium 3 e o Ondes Martenot4, e acusa seus
criadores de ter uma postura arrogante e fadada ao fracassso, pois desconsideram a história
da música e a cultura que existe ao redor de um instrumento musical. Apesar dessa ser uma
afirmação questionável, e projetos megalomaníacos e a rejeição do passado serem um
sintoma comum de diversos movimentos nos das vanguardas históricas, o autor holandês
deixa seu ponto mais claro ao evidenciar que: “O inventor é naturalmente orientado pelo
futuro” (RAAIJMAKERS, D. 2000). Esse tipo de prática criticada por Raaijmakers não possui
uma relação dialética com o passado, aponta apenas para o futuro, e, no caso da música,
fetichiza a ideia de evolução e progresso através das engenhocas eletrônicas, em práticas
nas quais muitas vezes a única coisa que evolui é a própria tecnologia. Assim como Adorno
deixou claro “a fetichização do progresso reforça a sua particularidade, sua limitação às
técnicas.”(ADORNO, 1989:236). Por isso, essa caracterização faz referência tanto aos
compositores que começaram a trabalhar com meios eletrônicos na primeira metade do
século, quanto às gerações mais recentes de músicos. No entanto, como já expusemos, a
relação entre música e tecnologia passou por transformações ao longo das décadas, e, logo,
não ter uma postura de ressignificação do passado e olhar para o futuro, passo a passo com
as últimas tecnologias, se torna algo absolutamente condicionado pelo mercado tecnológico,
como veremos mais adiante ao analisar o caso da Música Móvel.

Ao pensar na troca da figura do compositor pela do inventor, e a maneira como essa


função é descrita, poderíamos desenrolar alguns pontos, como por exemplo que existe uma
profunda alteração na divisão do trabalho no processo de criação de música experimental.
Se antes o papel do compositor seria escrever obras para solista, música de câmara ou
orquestra para outros músicos executarem, o inventor passa a acumular essas funções, além
de criar seus próprios instrumentos, assumindo também a função do luthier. De acordo com
Raaijmakers, a acumulação de tarefas significaria que o inventor não sabe fazer nenhuma
dessas atividades direito, o que certamente é um fato se compararmos aos compositores
atuais com os de séculos anteriores e suas habilidades técnicas de escritura de música tonal.
Ao mesmo tempo essas mudanças poderiam afetar a própria construção da composição

3 Foi uma espécie de órgão desenvolvido por Thadeus Cahllis em 1897 em Nova Iorque para ser ouvido usando linhas domésticas de telefones. Teve
duas versões a Mark I pesava sete toneladas, enquanto o Mark II pesava quase duzentas toneladas.
4 Uma espécie de sintetizador rudimentar criado por Maurice Martenot em 1928 em Paris. Se tornou famoso por ser utilizado em algumas peças de
Olivier Messiaen.
musical como um negativo daquilo que acontece na sociedade como um todo, e dessa forma
traria algum aspecto verdadeiro consigo, algo que provém de nossa própria época. Essa é
uma das análises de Fernando Iazzetta ao associar a ideia de uma luteria composicional
experimental à “reintrodução da ideia de perfomance como polo de estruturação
composicional” (IAZZETTA,2009:160). Dessa forma, todos os conceitos que permeiam a
ideia de performance musical e luteria, ligados principalmente a uma noção de fisicalidade
dos instrumentos, são adicionados aos elementos de estruturação da composição. Diante
desse acúmulo de funções é dedútivel que o real embate com a matéria para o artista sonoro
não seja apenas o som, mas também se dê tanto sob os níveis mais triviais da matéria:
madeira, plástico, alúminio, cobre, silício e, de forma um pouco mais abstrata, software;
quanto à sua condição de mercadoria. Pois o músico se coloca, ou é colocado, em todas as
etapas da produção e veiculação de uma mercadoria cultural.

pós-modernidade e música experimental

Talvez outro argumento que contribua para entendermos melhor a multifuncionalidade


do compositor/inventor contemporâneo tenha sido formulado por Fredric Jameson. O autor
escreve que após o período da dissolução das vanguardas – depois dos anos 60 –
passaríamos da modernidade para para a pós-modernidade. Nesse período existiria um
processo de desdiferenciação entre a lógica da cultura e a lógica do mercado, logo, enquanto
a cultura se tornaria cada vez mais financeirizada, o mercado teria se tornaria mais cultural:

"O que ocorreu é que a produção estética hoje está integrada à produção das mercadorias em geral: a
urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam
novidade (de roupas a aviões), com um ritmo turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função
estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. Tais necessidades
econômicas são identificadas pelos vários tipos de apoio institucional para a arte mais nova, de fundações e
bolsas até museus e outras formas de patrocínio." (JAMESON, 1991:30)

O ritmo de turn over (rotatividade de mercadorias) acelerado, ao qual Jameson se


refere, pode ser facilmente observado na relação da música com a tecnologia, pois vários
nichos da música experimental se alteram de maneira estrutural de acordo com a dinâmica
de aparecimento, desaparecimento e transformação de mercadorias desde os anos 60,
tendo em vista o começo da popularização dos computadores pessoais, como é o caso de
diversos gêneros como computer music, laptop music, mobile music, network music,
ubiquitous music, circuit bending, etc. “Apesar de serem facilmente criados novos termos na
música experimental, esses se baseiam em fórmulas fáceis, como a adoção massiva de
novas mídias, destacando potenciais técnicos e expressivos e dando pouca, ou nenhuma,
atenção a maneira como as mídias são produzidas, ou para como são veículadas ou sua
estrutura interna”(IAZZETTA, 2009:169). As fórmulas fáceis citadas por Iazzetta são uma
característica recorrente dos movimentos recentes de música eletrônica, que buscam
possibilidades com novas tecnologias para “expandir” o campo de ação da música
experimental acompanhando o “rabo-do-cometa” do desenvolvimento tecnológico, e, dessa
forma, seguem inexoravelmente os movimento do mercado, afetado pelas lógicas da esfera
da cultura e tecnologia. Ao analisarmos o conjunto de artigos de conferências como o New
Interface for Music Expression (NIME), é notável o número de títulos de artigos que trazem
consigo termos como “desenvolvimento”, “expandido”, “em direção ... novo”, “expansão” 5,
etc. Esse tipo de abordagem dá um tom desbravador para função da música, e acaba por
fundir os discursos acadêmicos e artísticos ao marketing das corporações que produzem as
próprias tecnologias. Por exemplo, no artigo sobre Música Móvel feita com celulares da
empresa Apple, o artista e pesquisador Ge Wang utiliza os mesmos argumentos e termos
que Steve Jobs:

A evolução da Música Móvel foi catalizada pelo avanço e proliferação do smartphone, dispositivos portáteis
com sensores embutidos, conexão constante a redes de internet, e tecnologias de localização e
rastreamento. Particularmente, o iPhone trouxe um ponto de inflexão nos dispositivos móveis, e transformou
a ideia de mídia móvel em uma plataforma de computação em geral. Olhando para trás, apenas há cinco
curtos anos (em 2008), podemos atribuir o sucesso do iPhone a várias razões. Primeira razão: “um
hardware matador”.(WANG, 2014:488)

A propaganda do produto se torna uma forma de enaltecer a própria composição do


artista. O contexto no qual Wang utiliza a palavra “evolução” parece deslocado, pois o autor
não se refere a uma prática que depende exclusivamente de desenvolvimento tecnológico,
mas de um uso da tecnologia aplicado a uma ação artística. Assim sendo, pensar em uma
“evolução” da Música Móvel, seria enxergar, acima de tudo, uma evolução artística. Seu
discurso só apresenta dados sobre novos elementos técnicos e suas possibilidades, e não
sobre suas relações com trabalhos artísticos, consistentes, que explorem as possibilidades
de construção e expressão que poderíam ser atribuídas à um novo meio.
5 Termos originais:“development”, “augmented”, “towards ... new”, “expanding”.
Como aponta Otília Arantes, através da mercadização da experiência, artistas
passaram a atuar no mercado a ponto de se transformarem em meros “instrumentos da
função marketing”. A forma de trabalho que é adotada por algumas dessas novas vertentes
da música experimental, que dependem dos produtos de grandes corporações para depois
desenvolverem processos criativos, tornam esse tipo de prática criativa parte da linha de
produção de novas interfaces digitais. Essa lógica circunscreve a produção artística à
diversas limitações, como por exemplo à efemeridade dos trabalhos, que não funcionam
durante muito tempo e tem de ser refeitos ou abandonados devido, por exemplo, à lógica da
obsolescência programada de software e hardware.

Outro indício da lógica do mercado atuando sobre a lógica da produção de música


experimental seria que vários dos nichos de produção de música mediada por meios
tecnológicos existem como comunidades apenas devido à sua ligação sob aspectos
técnicos. Práticas como Música em Rede, Live Coding, Música Móvel e Circuitos Alterados
se mantêm conectadas muito mais devido às suas afinidades processuais entre projetos
individuais e de pequenos coletivos, do que por uma coesão estética ou conceitual. Muito
pouco se discute sobre o som ou ideologia nos congressos e festivais promovidos por essas
comunidades. De certa maneira, Arantes também identifica esse fenômeno, de maneira
geral, como uma sobreposição das dinâmicas de trabalho do mundo do negócios e do
processo artístico:

“as antigas barreiras que separavam os dois mundos em princípio antagônicos [...] teriam se tornando de tal
modo porosas, que ficou cada vez mais difícil distinguir um artista digamos “empreendedor” de um executivo
de uma firma que funcione na base de prospecção de “parcerias” para realização de “projetos”” (ARANTES,
2005:9).

Esse tipo de dinâmica afeta diretamente o processo artístico e a forma musical, pois
demonstra, que as limitações do mercado tecnológico são incorporadas nas comunidades de
música experimental, muitas vezes sem muitos questionamentos, o que afeta não apenas a
produção atual, como condiciona a perpetuação de uma lógica de criação musical, que não
estaria inserida nos moldes da cultura de massa, que muito agrada o mercado. Se
retomarmos a citação de Caesar supracitada, poderíamos dizer que “a cara-metade mais
descolada” da M&T estaria conduzindo boa parte dos processos de criação da música
experimental. Assim como está no texto sobre a Indústria Cultural “A racionalidade da técnica
hoje a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-
aliena”(ADORNO,T. e HORKHEIMER,M.2002:6) A seguir vamos analisar o caso de uma
dessas comunidades artísticas que tem como principal unidade as semelhanças técnicas
com mais atenção, a Música Móvel.

a comunidade da Música Móvel

O termo música móvel se refere a um pequeno nicho da produção de música mediada


por mídias eletrônicas. Suas fronteiras são difusas e muitas vezes contraditórias, as
definições feitas pela comunidade de músicos, programadores e musicólogos são
conflitantes.

A primeira tentativa de definição da Música Móvel como gênero veio de um grupo que
criou os Mobile Music Workshops (MMW), que aconteceram na Europa e América do Norte
entre 2004 e 2008. O evento foi organizado por pesquisadores ligados a instituições inglesas,
como Atau Tanaka, Frauke Behrendt e Layla Gaye, e se tornou um ponto chave para o
estabelecimento dessa prática no campo na música experimental. Talvez devêssemos
considerar os trabalhos desenvolvidos no MMW como uma primeira fase da Música Móvel
como gênero, pois existe uma mudança drástica nas pesquisas com mídias portáteis no final
da década de 2000, e os trabalhos desenvolvidos nesse evento e as reflexões propostas
pelo grupo também abarcam a produção de arte sonora dos anos 80 e 90, como os trabalhos
de Christina Kubisch, Janet Cardiff e Benoit Maubrey. No artigo “Mobile Music Technology:
Report on an Emerging Community” o grupo define Música Móvel como um novo campo que
dialoga com questões da música interativa em situações móveis, utilizando tecnologia
portátil. De acordo com os autores, o termo abrange qualquer atividade musical usando
dispositivos portáteis que não fiquem presos em uma localização específica, tornando as
interações dinâmicas, podem seguir os usuários e criar novas possibilidades participativas
em um cenário móvel. Os dispositivos poderiam ter sensores que permitem conexão em rede
distribuída, saber qual seria o contexto da interação, detectar a localização do usuário, e
inclusive tudo isso poderia ser combinado com tecnologias incorporadas no ambiente (GAYE
et al., 2006). Alguns dos exemplos de tipos de trabalhos que foram desenvolvidos no MMW
nesse período são: sonificação de sinais de rede sem fio, remixagem de músicas feita entre
usuários em lugares remotos e troca de arquivos de som entre usuários ligados por redes
locais. Por exemplo Sonic City, de Gaye, Ramia Mazé e Lars-Erik Holmquist, apresentado
em 2003 em Gothenburg, que tem como objetivo criar uma paisagem sonora pessoal, que
produz um diálogo entre fones de ouvido e ambiente. Para isso, foram captados dados de
comportamento físico do participante – dados de movimento e batimento cardíaco – e do
espaço percorrido – eventos sonoros, luz e poluição – para manipular sínteses sonoras
eletrônicas.

Essa primeira definição além de ser fetichista em relação aos meios de produção, pois
enfatiza os elementos potencialmente “mágicos” das redes sem fio, dispositivos móveis e
sistemas de vigilância, não abarca a própria produção mostrada nos MMW como um todo.
Vários trabalhos mantiveram o formato de palco-plateia e utilizam os dispositivos móveis
como instrumentos musicais em situações fixas. Talvez um fruto teórico das pesquisas do
grupo mais relevante sejam as classificações propostas por Behrendt que determina três
áreas de atuação da Música Móvel: tecnológica, social e geográfica. A autora entende que
esses três aspectos estão profundamente entrelaçados nas situações complexas onde
acontecem essa primeira geração de trabalhos. Na sua perspectiva esses três pontos
estariam conectados e presentes nos trabalhos supondo que: tecnologia seria uma forma de
criar novos tipos de escuta e interação através dos sensores embutidos em aparelhos
móveis; as implicações sociais levariam em conta que seria possível engajar os
espectadores com diferentes tipos de interação em situações de apresentação ou instalação
que seriam mais participativas; e a atuação relativa a geografia seriam análises de como o
espaço urbano influenciaria o processo de criação musical, seja por questões objetivas,
como captação de dados via sensores, ou subjetivas, como possíveis aproximações dos
trabalhos com o dia a dia dos usuários, propondo novas experiências estéticas.

Estes campos de ação apontados por Behrendt são alguns dos indicativos que nos
levaram a constatar uma virada na produção de Música Móvel no final da década passada,
mais especificamente após 2007, quando dispositivos móveis mais sofisticados produzidos
por grandes corporações passaram a circular no mercado.

No artigo “Updating the Classifications of Mobile Music Projects”, David John se


baseia nos campos de ações observados por Behrendt de maneira mais objetiva: social
(interação com o público, comunidades e hábitos de escuta móvel), geográfico (interações
com o espaço onde acontece o trabalho) e tecnológico (desenvolvimento prático de
tecnologia); e faz um levantamento das publicações acadêmicas associadas a Música Móvel
entre 2003 e 2012 apresentadas no MMW e na conferência New Interfaces for Music
Expression (NIME). Ao analisar o gráfico de porcentagem de artigos publicados divididos
entre essas três grandes áreas em razão dos anos é notável a curva ascendente de
trabalhos que tratam apenas de tecnologia após 2007. Inclusive, em 2010 foram
apresentados artigos que tratam exclusivamente de implementações tecnológicas. O artigo
trás mais duas estatísticas que mostram uma mudança de foco da produção da Música
Móvel, primeiro o número de interfaces móveis desenvolvidas especialmente para trabalhos
artísticos diminuiu drasticamente desde 2003, quando 100% dos trabalhos apresentados
tinham hardware próprio. Em 2009 nenhum trabalho com dispositivo autoral foi apresentado.
Isso quer dizer que quase todos os trabalhos se tornaram dependentes de meios de
produção produzidos por grandes corporações. John também faz uma subdivisão entre as
pesquisas dedicadas a tecnologia diferenciando trabalhos que são relativos a produtos
(descrições de software e hardware para fins comerciais e de pesquisa) e a artefatos
(descrição de software e hardware para fins artísticos). O gráfico com esses itens, em razão
dos anos do congresso, mostra que as curvas de produção de artefatos artísticos e de
desenvolvimento de produto ao longo dos anos são quase que simetricamente opostas. No
início, 100% dos artigos apresentados eram dedicados a trabalhos artísticos, enquanto, a
partir de 2009, o índice de trabalhos sobre produtos nunca foi mais baixo do que 70%, e após
2008 o número de artigos sobre projetos artísticos de Música Móvel não passou dos 20% do
total de publicações.

Através de novos hardwares potentes, sistemas operacionais mais versáteis e uma


estrutura de mercado oligopólica o campo da Música Móvel se tornou atrativo para o
mercado de software para dispositivos portáteis. Novos aplicativos e interfaces musicais se
multiplicaram aos montes desde 2007, se olharmos as lojas virtuais de software nos
deparamos com uma longa lista – instrumentos virtuais, processadores de
efeito,sequenciadores, samplers, jogos musicais, aplicativos de música generativa,
brinquedos musicais, afinadores, gravadores, workstations (DAW), etc. – e esse mercado
afetou diretamente a produção artística e acadêmica. Como já citamos no tópico anterior,
discursos tecnopositivistas se proliferaram no meio acadêmico,e a linguagem da pesquisa
acadêmica e do marketing se tornaram seriamente imbricadas. São sintomas que
evidenciam que a Música Móvel passou a produzir mais mercadorias do que desenvolver
trabalhos artísticos.

Logo apareceram diversos grupos especializados em performances com tablets e


smartphones, os “i-Ensembles”, dos quais muitos demonstram um alto nível de virtuosidade
ao interpretar peças do período barroco e clássico para orquestra. Também não demorou
muito até aparecerem os primeiros concertos para grande orquestra e tablet como solista. Ao
vermos tal nível de virtuosidade, se esquecessemos por um instante dos mecanismos de
manutenção do capitalismo -- como a obsolescência programada-- , poderíamos acreditar na
possibilidade do começo de uma nova tradição de músicos virtuoses dos touch screens e
giroscópios. No entanto as atualizações de firmware, os Digital Right Management (DRM),
restrições de uso, e softwares e hardwares obsoletos não nos deixam esquecer de que
esses “novos instrumentos” não podem ser tratados como qualquer outro instrumento. Esses
dispositivos são a superfície de um modelo de mercado de Consumo Controlado. Soren Pold
e Christian Andersen resumem o conceito de Consumo Controlado, formulado por Ted
Striphas, em três pontos chave: 1 – Uma estrutura industrial cibernética que integra e
administra a produção, distribuição, troca e consumo do que é desenvolvido ao redor de um
produto; 2 – O consumo é controlado por meio de algoritmos que monitoram atentamente o
comportamento dos usuários e efeitos das estratégias de propaganda através de
rastreamento e vigilância; 3 – O produto é projetado com um tempo máximo de duração, que
limita sua funcionalidade (obsolescência programada). Esse modelo privilegia o monopólio
de grandes corporações, e limitam seus usuários a poucas opções e muitas condições.
Esses impedimentos determinam um sistema com aspectos assimétricos entre produção e
consumo e, por isso, esses dispositivos são fundamentalmente veículos de aquisição.

Mesmo para artistas e desenvolvedores que fomentam as plataformas com conteúdo


cultural são impostas condições que os tornam uma espécie de consumidor especialista, que
necessitam de licenças para desenvolver seus produtos e que, além de dividir lucros com a
plataforma, devem passar por uma série de filtros algorítmicos que determinam se sua
produção seria apropriada ou não. No caso da relação dos músicos com os aplicativos, não
se pode pensar nas interfaces corporativas móveis da mesma forma como foram tratados
outros instrumentos eletrônicos – theremins, sintetizadores modulares, ondas martenot,
pedais de efeito,etc. – pois são fundamentalmente baseadas nas lógicas de obsolescência
programada e plataformas de consumo. São mídias efêmeras. O controle excessivo sobre
direitos autorais também condiciona as formas de criação, limitando, ou banindo, práticas de
apropriação e releitura e conteúdo cultural. O músico é subsumido pelo sistema do qual os
dispositivos fazem parte. Ele se torna vítima de uma Síndrome de Estocolmo capitalista, e
que mesmo ao sofrer as ações de um mercado controlado pela obsolescência, continua a
usar e consumir os dispositivos, e, consequentemente, se tornar uma espécie de propaganda
dessas tecnologias.

considerações finais

A cisão entre a ideologia de artes mediadas por tecnologia e a técnica demonstra um


grau de auto-alienação da comunidade musical mais avançado do que nas gerações
anteriores. A crença na evolução que apareceu no começo do século parecia ressoar com o
espírito do tempo das vanguardas. No entanto, após décadas de uma relação tortuosa entre
música e tecnologia, parece ser fundamental o debate sobre como adotar tecnologias nas
práticas artísticas, e como aprender e se relacionar dialéticamente com o passado recente
das artes eletrônicas, sem repeti-lo tal e qual como se pode observar nas práticas de Música
Móvel. Alguns dos grupos que citamos não parecem estar conscientes, ou talvez
embriagados pelo discurso do desenvolvimento, sobre o que aconteceu com quase 60 anos
de trabalhos artísticos mediados por tecnologias que se tornaram obsoletas e deixaram de
existir. Diante de questões como essas, repetir o ritmo do mercado parece ser a pior decisão
para qualquer prática artística. Cabe ao inventor-compositor tomar consciência de se quer
continuar na esteira de produção das novas tecnologias ou não.

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