Resumo
1
Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Atua como Coordenadora em uma escola de tempo
integral. Mestranda em História e Políticas da Educação. E-mail: marylucia@hotmail.com
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Mestrado e Doutorado - PUCPR. E-mail:
maria.elisabeth@pucpr.br
ISSN 2176-1396
5204
Introdução
educação tomando a democracia como pressuposto para a construção de uma sociedade mais
justa.
Diante disso, tentamos construir um aporte teórico que viesse a contextualizar e
ampliar as formulações acerca da educação integral e de tempo integral, entendendo que são
concepções historicamente construídas e que influenciam as propostas e políticas
educacionais no presente.
Breve Ensaio Sobre a Origem dos Conceitos de Educação Integral e Educação de Tempo
Integral
Entre os diversos temas que a educação evoca, a reflexão sobre a educação integral e
de tempo integral faz-se urgente diante das mudanças estruturais que ocorrem na sociedade.
Repensar a escola e garantir que o conhecimento bem como o saber sistematizado seja a
justificação da sua existência, passa pela discussão do que vem a ser educação integral e
consequentemente qual a função da escola de tempo integral ao longo da história. Na
trajetória dessa discussão foi necessário contextualizar o seguinte problema de pesquisa:
Quais os significados dos conceitos de educação integral e de educação de tempo integral, na
educação brasileira, a partir de Anísio Teixeira e como suas propostas integraram as políticas
públicas educacionais? Para atingir o objetivo principal de analisar como esses conceitos
estão presentes no pensamento educacional brasileiro, como influenciaram a escola de tempo
integral atual e as políticas públicas, foi indispensável recorrer aos textos de Anísio Teixeira e
aos seus fundamentos.
Metodologia
Referencial Teórico
Após termos nos aproximado das obras de Anísio Teixeira enquanto fontes
bibliográficas primárias, o objeto de estudo exigiu maior ênfase na década de vinte, por conta
do cenário político, econômico e das reformas da instrução pública que estavam ocorrendo no
Distrito Federal e em alguns estados. Para tanto, com o intuito de contextualizar o período
estudado, contamos com referências da historiografia da educação brasileira como: Azevedo
(1976), Azevedo et al. (2006), Carvalho (1989), Nagle (1974) e Souza (1998) para nos
aproximarmos e analisarmos as reformas de vinte. Além de Mendonça (2008) e Paro et al.
(1988) que possibilitaram a realização de um diálogo com as ideias de Anísio e com as
questões referentes à educação de tempo integral.
porque não lemos Anísio Teixeira é uma questão que, cada vez mais
frequentemente, vimos nos colocando. Desde nossas pesquisas de doutoramento, no
Programa de Pós-Graduação em Educação na PUC-RIO, o pensamento de Anísio
Teixeira tem se afigurado como uma fonte que precisa ser retomada. O Programa de
pesquisa [...] reforça o sentimento de que o pensamento e a atuação de Anísio
Teixeira não encontram entre as gerações de educadores, formadas pelos cursos de
pós-graduação, o interesse compatível com a importância de sua obra (BRANDÃO;
MENDONÇA, 2008, p. 219).
Por conta disso, percebemos a valiosa contribuição de suas obras e entendemos que
seus fundamentos políticos e filosóficos são imprescindíveis ao propósito da pesquisa.
Mas, antes do estudo das obras propriamente ditas, faz-se necessário um recorte
histórico das primeiras décadas do século XX, pois foram momentos importantes que
constituíram contextos determinantes, no que diz respeito à organização socioeconômica
brasileira.
A educação integral e a de tempo integral se apresentam diferentemente em
determinados períodos históricos: ora aparecem como opção de formação integral para os
filhos de famílias mais abastadas, ora apresentam-se como preparação da população para o
trabalho. Não se pode ignorar a História do pensamento educacional no Brasil no início do
séc. XX, circunscrito em uma política de organização do trabalho nacional baseado no modelo
5207
de produção fabril que via na educação o caminho para responder aos anseios sociais. As
reformas educacionais foram acontecendo em esferas estaduais e no governo federal
alimentando o ideário republicano de que a escola era a ponte para o progresso. O conceito de
educação também se modificava, valorizando a formação e o preparo para o mercado de
trabalho. Nagle (1974, p. 125) afirma:
Desde o início do século XX, tal modelo esteve sempre atrelado a projetos de
sociedade mais amplos, que conferiam à escola, a função social de preparar o indivíduo para o
trabalho.
A questão da organização do trabalho nacional permeia o conceito de educação
integral a ser discutido e permite interpretar com rigor, as políticas públicas vinculadas a ela.
A industrialização influenciou a educação daquele momento histórico. Tais ideias
condensavam atitudes políticas, que percebiam a necessidade de organizar o trabalho
nacional, uma vez que a população configurava homens livres pós-abolição, empobrecidos
sem escolarização e condições de se inserirem no mundo do trabalho.
É a partir desse contexto que Anísio Teixeira e outros reformadores da época,
escreveriam quais as intenções e o papel da educação num Estado democrático.
Em “Educação não é privilégio” (1957), podemos ressaltar os elementos essenciais da
conjuntura política e econômica do início do século XX. Na referida obra, o autor buscou nos
princípios liberais todo o seu fundamento para imprimir à escola pública o papel de formação
do indivíduo para o trabalho. Analisou que uma nova filosofia do conhecimento se instaurou e
o pensamento racional foi submetido à comprovação científica através dos métodos
científicos, à pesquisa e à tecnologia, esta entendida aqui como ferramenta que dará suporte
ao novo modelo industrial da época. Nesse título, fez também uma análise da finalidade da
escola enquanto instituição que tinha sua função bem definida em uma sociedade que se
organizava para um modelo industrial. Por conta disso, Anísio Teixeira iria defender uma
escola de tempo integral, com vistas ao mundo do trabalho. Assim, afirmava Teixeira (1957,
p. 49):
5209
a sua finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base,
capaz de habilitar o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns. Ela é que
forma o trabalhador nacional em sua grande massa. É pois uma escola, que é o seu
próprio fim e que só indireta e secundariamente prepara para o prosseguimento da
educação ulterior à primária. Por isto mesmo, não pode ser uma escola de tempo
parcial, nem uma escola somente de letras, nem uma escola de iniciação intelectual,
mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos
de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar
em uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão.
Para o autor, por uma escola primária, entendia-se uma escola de dias letivos
completos. Esse modelo de escola pública que permitiria sem privilégios o acesso a uma
educação integral, que possibilitasse ao aluno uma formação que lhe garantisse a emancipação
pelo trabalho produtivo. A defesa de que a escola não poderia ser privilégio de poucos, foi
sempre destaque nas discussões políticas de Anísio Teixeira. A marcha da democracia por
uma escola pública, universal e gratuita, embasou a concepção de educação integral
encampada pelo reformador:
A democracia aparece como mais um elemento precioso nas obras de Anísio Teixeira.
Nesse sentido, a segunda obra analisada, “Educação é um direito” (1967), trouxe fundamentos
importantes para elucidarmos esse conceito em seus textos. Desta obra podemos brevemente
destacar que Anísio buscou nos elementos do liberalismo os fundamentos democráticos da
educação, e a partir deles explicar o papel da educação que para ele, seria ideal na nova
sociedade que se organizava no Brasil no início do século XX. São esses elementos: o
indivíduo, a liberdade, a democracia, a igualdade individual que a partir de seu entendimento
nos permite compreender o indivíduo como aquele que tem a livre iniciativa individual, a
liberdade como condição do próprio indivíduo, a democracia como a participação na
experiência social e a contribuição para a sociedade, a igualdade proclamada como
fundamental na forma social democrática e na participação política. Com base nesses
elementos, Anísio fez uma crítica na forma como a educação foi conduzida no início do
processo de industrialização no final século XIX, refutando que a educação brasileira ainda
não havia se tornado importante para a nova organização social do Brasil. Diante do exposto:
5210
a chamada crise do indivíduo na ordem social criada pela indústria e pela ciência é o
resultado de uma profunda contradição da sociedade, que, de um lado, aceitou a
mais revolucionária das formas de transformação e, de outro, recusou considerar-se
revolucionária, não permitindo sequer a formação de uma ideologia revolucionária,
quanto mais o preparo efetivo, pela educação, do novo tipo de homem que a nova
ordem estaria a exigir (TEIXEIRA, 1967, p. 20).
Ainda sobre as principais ideias dessa obra, talvez a que mais se destaca nos estudos
desse reformador é a maneira como ele trata as questões da Pedagogia da Escola Nova,
embasado num dos elementos do liberalismo que é o método experimental, que entre outras
questões, salienta no indivíduo as suas aptidões. É evidente como a sua visão de educação
enquanto formação do homem passa eminentemente pelo pragmatismo da filosofia empirista,
não o empirismo tradicional, mas, aquele em que o conhecimento e a verdade são construídos
a partir da experiência humana. Desse modo Teixeira (1976, p. 70) completa:
com efeito, desde que o homem verifica que o seu espírito não era apenas uma
máquina especulativa e contemplativa, que criara o método dedutivo, mas um
instrumento de observação e descoberta, pensamento e ação se fizeram a mesma
cousa, não podendo ninguém pensar sem agir, nem agir sem pensar. A imensa
conciliação assim operada pelo método experimental teria de unir o trabalho e o
pensamento, a oficina e a escola, prática e a teoria. Pensar já não era contemplar,
mas investigar, e investigar nada mais é que trabalhar com a atenção necessária para
descobrir o que se passa no trabalho e daí extrair a teoria, que vai depois orientar o
trabalho reconstruído e progressivo de todos os que, sem capacidade de descobrir,
tenham a capacidade de compreender, pelos resultados, o alcance da descoberta, na
prática aplicando-a, por ela orientando-se e com ela elevando o seu pragmatismo.
Nesse contexto, Dewey vai trabalhar valores essenciais para o liberalismo como a
liberdade, o desenvolvimento das capacidades inerentes dos indivíduos e a função central da
inteligência. Evidenciou que tais valores estavam sujeitos às adversidades sociais, faltando
aos liberais o senso e o interesse histórico aos problemas ocorridos pela organização social
fundamentada na liberdade econômica. Portanto, na constituição de uma nova organização
social, os elementos externos deveriam ser considerados, é o que Dewey denominou de
5212
A educação integral para esse representante liberal estava baseada na concepção do ser
humano inserido numa sociedade que está sempre em mudança, neste sentido a educação
deveria possibilitar o desenvolvimento global do indivíduo, com vistas à instrução intelectual,
formação do cidadão para viver em uma sociedade democrática e preparação para o trabalho.
A educação em tempo integral configurar-se-ia como um espaço de ampliação do tempo
escolar que comportava um processo educativo onde eram realizadas atividades de caráter
intelectual num período e no outro, atividades práticas valorizando a experiência, oficinas e
iniciação ao trabalho, uma educação que promovesse formação de hábitos de pensar, fazer e
trabalhar, sobretudo ensinar a conviver e participar de uma sociedade democrática. Portanto,
na concepção de Anísio, a educação em tempo integral era entendida como uma condição
para a realização da educação integral. A partir dessa experiência de educação em tempo
integral, temos condições de compreender historicamente como se constituiu essa concepção
e qual o impacto nas políticas de educação em tempo integral atual no âmbito das legislações.
A concepção de educação integral e de escola de tempo integral defendida e aplicada
por Anísio Teixeira, em sua atuação política e na implantação de suas propostas, ao longo da
história, permite fazer uma leitura das experiências mais recentes de educação em tempo
integral, observando a influência e contribuição de suas ideias nas propostas mais recentes.
5214
não é por acaso que a dimensão assistencial é uma das mais caras aos projetos
recentes de expansão do tempo diário de escolaridade oferecido aos alunos das
escolas públicas. Nesses projetos, argumenta-se que a extensão sugerida é desejável
não só para que os alunos possam aprender mais e melhor, mas também para que,
nesse espaço, possam ser mais alimentados, mais bem cuidados (inclusive no que
diz respeito às questões de saúde) e mais protegidos dos “perigos da rua”. Por outro
lado, os segmentos da população a que esses projetos se dirigem têm-se mostrado
aparentemente receptivos às propostas de extensão do período diário da
escolaridade.
É válido acrescentar que não obstante, está o dever do Estado em cumprir com seu
papel social, para que as desigualdades não dependam da escola para serem minimizadas.
Nesse sentido é de fundamental importância que a discussão sobre a escola de tempo integral
vá além das políticas assistencialistas, mas, na direção de uma formação integral e abrangente
do indivíduo.
Resultados
Cabe ainda dizer que os objetivos da pesquisa foram alcançados, uma vez que a partir
das fontes pesquisadas foi possível estudar, analisar e compreender como os conceitos de
educação integral e de educação de tempo integral em Anísio Teixeira foram concebidos e
qual seu lugar na história e qual a sua influência na realidade e nas políticas educacionais
mais recentes da educação brasileira. A pesquisa trouxe respostas às indagações em relação à
origem desses conceitos, sobretudo, enfatizando pontos fundamentais em Anísio, como uma
educação integral baseada na ciência, na prática e na tecnologia. Durante a investigação foi
possível também, entender que esses conceitos estavam circunscritos em contextos históricos
que determinaram a maneira de pensar e organizar a educação, influenciando e refletindo
politicamente na configuração da escola de tempo integral atual.
Considerações Finais
Diante de todos esses apontamentos e reflexões, nosso propósito foi trazer nestas
breves notas a contribuição de algumas fontes, no sentido de alicerçar os conceitos de
educação integral e educação em tempo integral.
Em Anísio Teixeira, podemos entender que historicamente a educação se apresentou
enquanto uma resposta política educacional de educação popular, vinculada à tecnologia do
mundo do trabalho, e que por meio da apropriação desse conhecimento fosse possível
preparar o indivíduo à sociedade contemporânea. Tal educação estava ainda, atrelada à escola
5216
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Fernando de et al. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Revista
HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p. 188-204, ago. 2006. Disponível em:
<www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22/doc1_22e.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2015.
BRANDÃO, Zaia; MENDONÇA, Ana Waleska (Orgs.). Uma tradição esquecida: por que
não lemos Anísio Teixeira? 2. ed. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2008.
CARVALHO, Maria Marta Chagas. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989.
______. Vida e educação. Tradução e estudo preliminar por Anísio S. Teixeira. 10. ed. São
Paulo: Melhoramentos, 1978.
PARO, Vitor Henrique et al. Escola de tempo integral: desafio para o ensino público. São
Paulo: Cortez, 1988.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada
no Estado de São Paulo: (1890-1910). São Paulo: Editora da UNESP, 1998. (Prismas).
5217
______. Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
(Atualidades pedagógicas, v. 132). Disponível em: <http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/>.
Acesso em: 29 out. 2013.