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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder

Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

A desestabilização Somática e a Violência

Kátia Brasil (Universidade Católica de Brasília); Fernanda Fontoura (Universidade Católica de


Brasília)
Violência; Desestabilização somática; Subjetividade
ST 50 - Gênero, direito e psicanálise

Introdução
A violência aparece como objeto de investigação em diversos campos de saber, o que
implica em dificuldades teóricas evidentes. Sem a pretensão de sermos exaustivos em relação à
temática da violência, abordaremos neste trabalho uma discussão sobre as relações entre a
experiência da violência sexual e a somatização.
Abordar a experiência da violência no âmbito da vida familiar significa tirar da
clandestinidade a violência vivida no espaço privado. A dificuldade em relação a esse modo de
violência é que ela ocorre entre pessoas que possuem laços afetivos e que, ao invés de serem
relações que incluam proteção e cuidado, são relações que, contraditoriamente, colocam o sujeito
diante do antagonismo de ter que se proteger justamente daqueles de quem esperaria receber
cuidados.
A violência intrafamiliar revela-se de forma física, psicológica, sexual ou mesmo por
negligência. A violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio da força
física; a violência psicológica inclui ação ou omissão que visa causar dano à identidade ou ao
desenvolvimento da pessoa; a negligência se caracteriza como omissão de responsabilidade em
relação àqueles que precisam de ajuda; por fim a violência sexual, na qual uma pessoa em situação
de poder obriga uma outra à realização de práticas sexuais (DAY et al., 2003). Trata-se de um
problema complexo, uma vez que se passa em um contexto de intimidade onde coabitam
afetividade, violência, dependência e vulnerabilidade. Além desses aspectos, somam-se o segredo
que, aliado à vergonha, constitue-se em obstáculo para que a vítima possa buscar ajuda (SILVA,
2002).
A violência sexual mais praticada contra as mulheres é o estupro que, atualmente, é
considerado um problema de saúde pública, tendo em vista as graves conseqüências para a saúde da
mulher: traumas emocionais e físicos, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e
outros problemas (OSHIKATA; BEDONE; FAUNDES, 2005).
Este trabalho privilegiará a violência sexual e o modo como o corpo erótico e a vida
psíquica são colocados nessa relação de forças. Diante desse fenômeno, uma das questões
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consideradas com freqüência pelo clínico é: como o sujeito vive a experiência da violência sexual e
como ele lida com ela do ponto de vista psíquico.
A seguir, apresentaremos um caso clínico em que a paciente esteve em situação de
violência sexual e, anos mais tarde, na vida adulta, apresentou sintomas em que o corpo foi atingido
de modo importante na sua integridade somática. Situação que nos aponta para as relações entre a
descompensação somática e sexualidade.
A sexualidade será compreendida na perspectiva da subversão libidinal do corpo
fisiológico, no trajeto para tornar-se corpo erótico. Esse trajeto é marcado pela capacidade dos pais
de brincarem com o corpo da criança, jogar com o corpo e com suas funções, o que supõe a
liberdade psíquica e expressiva dos pais (BRASIL, 2005). Na infância aqueles que não passaram
por essa experiência; ou porque os pais são frios e insensíveis, ou porque foram muito excitáveis,
pois reagiram com violência contra o corpo da criança; ficam impossibilitados de pensar. A
excitação implantada pela relação intersubjetiva com o adulto, coloca a criança em uma situação
traumática que a impede de traduzir a mensagem de violência que lhe é endereçada pelo adulto. As
mensagens, que não são recalcadas, colocam-se no inconsciente amencial, o inconsciente sem
passagem pelo pensar. Uma compreensão metapsicológica que nos remete à noção da clivagem do
ponto de vista da terceira tópica.
A terceira tópica proposta por Dejours (2001), ou tópica da clivagem está apoiada nos
trabalhos de Freud sobre a perversão e concebe o inconsciente dividido em duas partes: o
inconsciente sexual, referente ao material recalcado e o inconsciente amencial, ou inconsciente sem
pensar. A revelação desse inconsciente se faz presente na violência, na passagem ao ato, na
perversão ou em certas formas de somatização. O inconsciente amencial integra a concepção de
Fain (1981) sobre a zona de sensibilidade do inconsciente, na qual o inconsciente pode ser
estimulado diretamente pela realidade perceptiva. Tal situação mobiliza um mecanismo de negação
(Verleugnen) da percepção de um fato que se impõe do exterior, como uma realidade traumática ou
perturbadora. A zona de sensibilidade do inconsciente é também chamada de zona de fragilidade e é
protegida pela negação da realidade que pode ser perturbadora.
A destabilização somática, evidenciada pelo aparecimento dos sintomas relacionados ao
encontro com uma situação na realidade, que ativa o inconsciente amencial, revela que a negação da
realidade não se manteve eficaz (DUMET, 2002). Nossa hipótese é que no caso clínico aqui
apresentado, a paciente que sofreu violência sexual na infância, manteve um sucesso temporário de
sua clivagem, pois conseguiu afastar durante alguns anos o risco de uma descompensação somática.
Contudo, mesmo que a clivagem esteja estável, resta um espaço de fragilidade no inconsciente,
onde o sujeito corre o risco de encontrar uma situação real que esteja acima de suas forças e que o
conduza a uma crise somática. Dejours (2001), afirmou que o sujeito não é totalmente ignorante em
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relação a zona de fragilidade. Por isso mesmo, ele procura se proteger evitando as situações que
podem ser perigosas para sua clivagem. Ao abordar a clivagem no inconsciente, Dejours (2001),
utilizou como apoio para suas discussões a clivagem de sujeitos que participavam de guerras, de
atos de violência e até mesmo de tortura. Esses sujeitos, graças a uma clivagem suficientemente
edificada, exerciam uma forma de perversão “normal”, pois, após seus atos bárbaros, voltavam para
casa e assumiam o lugar de bons maridos e pais.

Ilustração clínica
A paciente, aqui chamada de Bárbara, foi atendida em psicoterapia no Programa de
Psicossomática do Centro de Formação de Psicologia (CEFPA), do curso de Psicologia da
Universidade Católica de Brasília. O excerto dos atendimentos psicoterápicos apresentados a seguir,
ilustram uma situação de violência sexual na infância cuja vítima desenvolveu posteriormente um
desequilíbrio hormonal que atingiu diretamente o corpo na sua exterioridade.
Bárbara, 30 anos, foi encaminhada para atendimento psicoterápico pelo seu médico, tendo
em vista uma disfunção hormonal que lhe trazia muitas dificuldades relacionadas ao seu corpo e,
conseqüentemente, ao convívio social.
No primeiro encontro com a psicoterapeuta a aparência masculinizada de Bárbara causou
certa estranheza. Bárbara fazia regularmente a barba devido ao excesso de pêlos no rosto e a
obesidade central mascarava o formato dos seios e da cintura. Além disso, ela apresentava uma
grande quantidade de pêlos no corpo e, no decorrer dos atendimentos, relatou que isso a obrigava a
usar roupas que escondessem suas costas, braços e coxas dos olhares de outros.
Essas alterações somáticas, relacionadas à Síndrome Metabólica, geraram um aumento
excessivo dos níveis de testosterona e provocaram dificuldades significativas nas relações
interpessoais da paciente. Ela saía pouco de casa, pois procurava fugir dos olhares de espanto dos
desconhecidos, que também emitiam comentários ou faziam piadas sobre ela.
A história da violência sexual sofrida por Bárbara, remonta ao período em que viveu com
uma família substituta, dos 7 aos 12 anos. Nesse convívio ela relatou ter sido abusada pelo pai e
irmão substitutos, situação de violência sexual que se interrompeu aos 12 anos quando sua mãe a
levou novamente para casa. Contudo, as lembranças de uma infância de violência e de
vulnerabilidade que pareciam estar banidas, emergiram novamente, assim que Bárbara reencontrou
o abusador num lugar onde se sentia protegida, a igreja.
Uma semana após este reencontro, Bárbara, começou a apresentar sérios sintomas como:
infecções, paralisia no lado esquerdo do rosto, distúrbio hormonal com significativo aumento da
produção de testosterona, dores nas costas, cefaléia e aumento significativo de peso, de 80 Kg
passou a 110 Kg.
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Na endocrinologia a hipótese diagnóstica está relacionada à Síndrome Metabólica e seus
aspectos neuroendócrinos. Segundo Matos (2007) a síndrome metabólica altera diferentemente, em
homens e mulheres, o eixo gonadotrófico. Nas mulheres há um aumento dos níveis de testosterona e
das gonadotrofinas.
Nossa hipótese é de que a desestabilização somática de Bárbara foi evidenciada pelo
aparecimento dos sintomas relacionados ao encontro com uma situação real que ativou seu
inconsciente amencial. A situação revelou que a negação da realidade sustentada anteriormente por
uma clivagem bem sucedida não se mostrava mais eficaz. Assim, ao ter encontrado na realidade o
abusador, em lugar “protegido”, Bárbara teve perfurada a barreira da negação do abuso e toda a
sensação de vulnerabilidade e de violência a ele associada. Vale a pena destacar, que os sintomas
somáticos de Bárbara a destituíram de sua feminilidade. De certo modo, o aumento da testosterona
a protegia de possíveis investidas sexuais, que na sua história estiveram marcadas pela violência e,
portanto, impossíveis de serem pensadas ou traduzidas, diria Laplanche (1992).
Na somatização, o inconsciente amencial é descarregado na realidade somática, sem expor
o sofrimento psíquico do sujeito, como ocorre na neurose e na psicose. Ele é formado a partir da
reação à violência exercida pelo adulto contra o pensar da criança. Esse setor do inconsciente,
formado sem passagem pelo pensar da criança, é a réplica ao nível tópico das zonas do corpo
excluídas da subversão libidinal e do corpo erógeno. O corpo erótico é o resultado de um diálogo,
em torno do corpo da criança e de suas funções, que possui o apoio nos cuidados corporais
assumidos pelo adulto. Desse modo, as funções psíquicas do adulto, seus fantasmas, sua
sexualidade, sua história e sua neurose são elementos que vão marcar de forma singular o diálogo
que se inscreve no corpo da criança e deixam as marcas do seu inconsciente (DEJOURS, 2002). O
caso clínico apresentado ilustra uma situação de abuso, relatado pela paciente como um
acontecimento, um fato. Entretanto, a teoria da sedução generalizada proposta por Laplanche
(1992), a qual recorremos, retoma a idéia de sedução - impregnada pelos significantes verbais e não
verbais plenos de significações sexuais inconscientes – desenvolvida pela psicanálise e aponta para
a emergência do infantil no adulto que é solicitado a partir da sua relação com a criança. Na
perspectiva da sedução generalizada, todos os adultos são perversos, à medida que subscrevem o
biológico suscitando a subversão libidinal do corpo infantil.
A teoria da sedução generalizada propõe que a sedução é a via de chegada de uma criança
ao mundo da linguagem. É essa entrada que abre caminho para um entendimento mais abrangente
da dinâmica pulsional e para o encontro com o corpo erótico. Desse modo, a idéia de sedução
originária não está relacionada diretamente aos ataques sexuais, mas sim à idéia de sedução e de
enigma, como a sedução inerente aos cuidados maternos. É, portanto, nessa sedução originária que
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se encontra a essência de todas as outras seduções, uma vez que ela inaugura a polaridade atividade-
passividade.
Certamente a situação relatada por Bárbara trouxe o elemento de uma violência sexual, em
que o adulto se posicionou sobrecarregando-a psiquicamente, impedindo-a de pensar. Entendemos
que o pensar é um recurso psíquico para lidar com as excitações provindas da relação com o adulto,
a saber: o contato corporal, as separações, as fantasias, enfim, todos os impasses vividos na relação
com o outro no processo de construção do corpo erógeno.

Considerações finais
O reencontro de Bárbara com o abusador desestabilizou a clivagem interna, pois mobilizou
a zona de sensibilidade do inconsciente, anteriormente protegida por uma clivagem bem sucedida
pela negação da realidade perturbadora. Esse setor do inconsciente, denominado de “sem pensar”
ou inconsciente amencial, nos convoca a tratar o inconsciente como clivado. Assim, entendemos
que a suspensão da clivagem interna de Bárbara, a precipitou em uma crise somática sem
precedente. Nesta crise o corpo se manifestou e mobilizou aquilo que, até então, estava sem um
pensar. Contudo, consideramos que, apesar de extremamente sofrida, a crise somática e as
alterações do corpo de Bárbara, possibilitaram um trabalho psíquico de ligação para a integração da
sua clivagem.

Referências bibliográficas

BRASIL, Katia.T. Corpo e Sensação na clínica psicossomática: uma investigação teórico-


clínica exploratória dos pacientes portadores de psoríase. 2005. 243f.Tese de doutorado em
Psicologia- Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília.

DEJOURS, Christophe. Le corps, d’abord. Paris: Petite bibliothéque Payot, 2001

DEJOURS, Christophe. Le corps entre séduction et clivage. Laboratoire de psychologie du travail


et de l’action. Paris, 2002, 35f. Trabalho não publicado.

FAIN, M. Vers une conception psychosomatique de l’inconscient. Revue Française de


Psychanalyse. Paris1981. p. 281-292.

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Dunod, 2002.

SILVA, Maria A. de Sousa, Violência contra crianças – quebrando o pacto do silêncio. IN:
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LAPLANCHE, Jean. Novos fundamentos para a psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MATOS, Amélio F. Godoy; MOREIRA, Rodrigo O.; GUEDES, Erika P.. Aspectos
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OSHIKATA, Carlos Tadayuki; BEDONE, Aloísio José; FAUNDES, Anibal. Atendimento de


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