GRUPO I
Leia o texto.
1. Indique o local, o tempo e a situação registados pelo sujeito poético na primeira estrofe.
GRUPO II
3. A função sintática desempenhada pelo pronome “me” em “Mas dói-me tê-lo perdido” (v. 8) é
(A) complemento direto.
(B) complemento indireto.
(C) sujeito.
(D) predicativo do sujeito.
4. Classifique a oração “Mas já a vida vai alta / Em muitas mudanças!” (vv. 9-10).
5. Refira o valor do conector que inicia a oração “E eu não ser as crianças!” (v. 12).
GRUPO I
Leia o texto.
Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
10 O fluxo e o refluxo da vida...
GRUPO II
2. No segmento “Pensar em nada / É viver intimamente”, (vv. 8-9), a expressão sublinhada desempenha
a função sintática de
(A) sujeito.
(B) complemento direto.
(C) predicativo do sujeito.
(D) complemento indireto.
4. Indique a subclasse do verbo a que pertence a forma verbal sublinhada em “estou pensando” (v. 1).
5. Indique o valor modal configurado no enunciado “Pensar em nada / É viver intimamente / O fluxo e
o refluxo da via…” (vv. 8-10).
GRUPO I
Leia o texto.
Tudo é absurdo. Este empenha a vida em ganhar dinheiro que guarda, e nem tem filhos a quem
o deixe nem esperança que um céu lhe reserve uma transcendência desse dinheiro. Aquele empe-
nha o esforço em ganhar fama, para depois de morto, e não crê naquela sobrevivência que lhe dê o
conhecimento da fama. Esse outro gasta-se na procura de coisas de que realmente não gosta. Mais
5 adiante, há um que 1
Um lê para saber, inutilmente. Outro goza para viver, inutilmente.
Vou num carro elétrico, e estou reparando lentamente, conforme é meu costume, em todos os
pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim os pormenores são coisas, vozes, fra-
ses. Neste vestido da rapariga que vai em minha frente decomponho o vestido em o estofo de que
10 se compõe, o trabalho com que o fizeram − pois que o vejo vestido e não estofo − e o bordado leve
que orla2 a parte que contorna o pescoço separa-se-me em retrós de seda, com que se o bordou, e
o trabalho que houve de o bordar. E imediatamente, como num livro primário de economia política,
desdobram-se diante de mim as fábricas e os trabalhos − a fábrica onde se fez o tecido; a fábrica
onde se fez o retrós3, de um tom mais escuro, com que se orla de coisinhas retorcidas o seu lugar
15 junto ao pescoço; e vejo as secções das fábricas, as máquinas, os operários, as costureiras, meus
olhos virados para dentro penetram nos escritórios, vejo os gerentes procurar estar sossegados,
sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas não é só isto: vejo, para além, as vidas domésticas dos
que vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritórios... Toda a vida social jaz a meus olhos
só porque tenho diante de mim, abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem não sei que
20 cara, um orlar irregular regular verde-escuro sobre um verde-claro de vestido.
Para além disto pressinto os amores, as secrecias4, a alma, de todos quantos trabalharam para
que esta mulher que está diante de mim no elétrico use, em torno do seu pescoço mortal, a bana-
lidade sinuosa de um retrós de seda verde-escura fazendo inutilidades pela orla de uma fazenda
verde menos escura.
25 Entonteço. Os bancos de elétrico, de um entretecido de palha forte e pequena, levam-me a re-
giões distantes, multiplicam-se-me em indústrias, operários, casas de operários, vidas, realidades,
tudo.
Saio do carro exausto e sonâmbulo. Vivi a vida inteira.
Fernando Pessoa, Livro do desassossego – composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros
na cidade de Lisboa (ed. Richard Zenith), Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 253-254.
1. Refira os aspetos identificados como “absurdos” que o narrador apresenta na sua reflexão inicial.
2. Demonstre de que forma se opera a transfiguração poética do real no terceiro parágrafo, eviden-
ciando o recurso expressivo neste processo.
GRUPO II
1. O segmento frásico “Vou num carro elétrico, e estou reparando lentamente conforme é meu
costume” (l. 7) expressa
(A) o valor aspetual genérico e o valor temporal de simultaneidade.
(B) o valor aspetual habitual e o valor temporal de simultaneidade.
(C) o valor aspetual imperfetivo e o valor temporal de anterioridade.
(D) o valor aspetual habitual e o valor temporal de anterioridade.
2. O pronome pessoal sublinhado no segmento “o trabalho com que o fizeram” (l. 10) tem como
antecedente
(A) “vestido” (l. 10).
(B) “bordado” (l. 10).
(C) “estofo” (l. 10).
(D) “trabalho” (l. 10).
3. O recurso expressivo presente na frase “como num livro primário de economia política” (l. 12) é
(A) metáfora.
(B) comparação.
(C) adjetivação.
(D) enumeração.
4. Classifique a oração subordinada sublinhada na frase: “Este empenha a vida em ganhar dinheiro
que guarda” (l. 1).
5. Identifique o processo de formação de palavras que ocorreu no vocábulo “inutilmente” (l. 6),
considerando o termo útil.
GRUPO I
Leia o texto.
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer −
5 Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo1 encerra.
É a Hora!
Valete, Fratres.
Fernando Pessoa, Mensagem (ed. Fernando Cabral Martins),
Porto, Assírio & Alvim, 2012, p. 91.
1. Caracterize Portugal de acordo com o conteúdo do poema, fundamentando com citações textuais
pertinentes.
4. Comente a expressividade dos pronomes e dos advérbios de negação que ocorrem ao longo do
poema.
GRUPO II
2. Nos versos “Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem” (vv. 7-8) está presente
(A) uma metáfora.
(B) uma anáfora.
(C) uma anástrofe.
(D) um hipérbato.
3. No verso “Nem o que é mal nem o que é bem.” (v. 9) estão presentes
(A) duas orações coordenadas conclusivas.
(B) duas orações coordenadas disjuntivas.
(C) duas orações coordenadas explicativas.
(D) duas orações coordenadas copulativas.
4. Identifique a classe de palavras em que se integra o vocábulo “ser” (v. 2), considerando o contexto
em que surge.
GRUPO I
Leia o texto.
S. LEONARDO DA GALAFURA
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
5 S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
10 É num antecipado desengano
Que ruma em direção ao cais divino.
1. Explique o sentido dos três últimos versos da primeira estrofe, relacionando-o com o verso 8.
3. Comprove que o apego à terra é uma ideia que percorre todo o poema.
4. Explicite a mudança do tempo verbal predominante da primeira para a segunda estrofe do poema.
GRUPO II
1. O segmento “Capitão no seu posto / De comando” (vv. 3-4) desempenha a função sintática de
(A) modificador do nome apositivo.
(B) complemento direto.
(C) sujeito.
(D) predicativo do sujeito.
4. Identifique o mecanismo de coesão que ocorre com o uso dos vocábulos “S. Leonardo” (v. 5) e “o
rabelo” (v. 23).
5. Indique o valor do conector “Por isso” que inicia a terceira estrofe do poema.
GRUPO I
Leia o texto.
1. Indique por que razão o tempo parece, nesta fase da ação, passar rapidamente.
4. Explicite o valor metafórico da expressão “Fora esperava-os o negrume fechado.” (ll. 13-14).
5. Demonstre que a mudança que a rádio trouxe à aldeia também abrangeu a mulher de Batola.
GRUPO II
1. A oração sublinhada em “E os dias custaram tão pouco a passar que o fim do mês caiu de surpresa
em cima da aldeia da Alcaria.” (ll. 10-11) classifica-se como oração subordinada
(A) adverbial concessiva.
(B) adverbial consecutiva.
(C) adjetiva relativa explicativa.
(D) adverbial causal.
2. O segmento sublinhado na expressão “pensa o Batola” (l. 23) desempenha a função sintática de
(A) complemento direto.
(B) complemento indireto.
(C) sujeito.
(D) modificador.
3. O conector que introduz a oração “Se tu quisesses” (l. 28) tem um valor lógico
(A) causal.
(B) consecutivo.
(C) comparativo.
(D) condicional.
5. Transcreva o referente do pronome relativo sublinhado no segmento “que a voz poderosa” (l. 16).
GRUPO I
Leia o texto.
FAMÍLIAS DESAVINDAS
Houve muitos candidatos ao cargo de semaforeiro, embora um equivoco tivesse levado a exi-
gência de que os concorrentes soubessem andar de bicicleta. A realidade corrigiu o dislate por-
que acabou por ser escolhido um galego chamado Ramon, que era familiar do proprietário dum
bom restaurante e nunca tinha pedalado na vida. Mas Ramon era esforçado, cheio de boa vontade.
5 A escolha foi acertada.
Durante anos e anos o bom do Ramon pedalou e comutou. Por alturas da Segunda Grande Guer-
ra foi substituído pelo seu filho Ximenez, pouco depois da revolução de Abril pelo neto Asdrúbal,
e, um dia destes, pelo bisneto Paco. A administração continua a pagar um vencimento modesto,
equivalente ao de jardineiro. Mas não e pelo ordenado que aquela família da ao pedal. E pelo amor
10 a profissão. Altas horas da madrugada, avo, neto e bisneto foram vistos de ferramenta em riste a
afeiçoar pormenores. Fizeram questão de preservar a roda de trás e opuseram-se quase com selva-
jaria a um jovem engenheiro que considerou a roda dispensável, sugerindo que o carreto bastasse.
Os transeuntes e motoristas do Porto apreciam estes semaforos manuais, porque é sempre pos-
sível personalizar a relação com o sinal. Diz-se, por exemplo, “Ó Paco, dá lá um jeitinho!” e o Paco,
15 se estiver bem-disposto, comuta, facilita.
Acontece que, mesmo a esquina, um primeiro andar vem sendo habitado por uma família de
médicos que dali faz consultório. Pouco antes da instalação dos semáforos a pedal, veio morar o
Doutor João Pedro Bekett, pai de filhos e médico singular. Chegou de Coimbra com boa fama mas
transbordava de espirito de missão. Andava pelas ruas a interpelar os transeuntes: “Esta doente?
20 Não? Tem a certeza? E essas olheiras, hã? Venha daí que eu trato-o.” E nesta ânsia de convencer
atravessava muitas vezes a rua. O semáforo complicava. Aproximou-se do Ramon e bradou, severo:
“A mim, ninguém me diz quando devo atravessar uma rua. Sou um cidadão livre e desimpedido.”
Ramon entristeceu. Não gostava que interferissem com o seu trabalho e, daí por diante, passou a di-
ficultar a passagem ao doutor. Era caso para inimizade. E eis duas famílias desavindas. Felizmente,
25 nunca coincidiram descendentes casadoiros. Piora sempre os resultados.
Mário de Carvalho, Contos vagabundos, Lisboa, Editorial Caminho, 2000, pp. 75-78.
1. Demonstre que a ação se prolonga por várias décadas, fundamentando a resposta com citações
textuais.
2. Aponte duas razões que demonstrem a dedicação dos semaforeiros à sua profissão.
3. Indique dois traços caracterizadores do doutor João Pedro Bekett, fundamentando a resposta com
citações textuais pertinentes.
4. Mostre que existem duas perspetivas no modo como os habitantes da cidade veem os semáforos e
os semaforeiros.
5. Indique o recurso expressivo presente na expressão “Doutor João Pedro Bekett […] transbordava de
espírito de missão.” (l. 19), comentando o seu valor simbólico.
GRUPO II
1. A frase “A escolha foi acertada.” (l. 5) integra, como funções sintáticas, o sujeito, o predicado e o
(A) complemento direto.
(B) complemento indireto.
(C) complemento agente da passiva.
(D) predicativo do sujeito.
4. Classifique a oração “porque é sempre possível personalizar a relação com o sinal.” (ll. 13-14).
5. Indique o valor aspetual da forma verbal “atravessava” na frase “E nesta ânsia de convencer
atravessava muitas vezes a rua.” (ll. 20-21).
GRUPO I
Leia o texto.
Ricardo Reis aconchega a gabardina ao corpo, friorento, atravessa de cá para lá, por outras ala-
medas regressa, agora vai descer a Rua do Século, nem sabe o que o terá decidido, sendo tão ermo e
melancólico o lugar, alguns antigos palácios, casas baixinhas, estreitas, de gente popular, ao menos
o pessoal nobre de outros tempos não era de melindres, aceitava viver paredes meias com o vulgo,
5 ai de nós, pelo caminho que as coisas levam, ainda veremos bairros exclusivos, só residências, para
a burguesia de finança e fábrica, que então terá engolido da aristocracia o que resta, com garagem
própria, jardim à proporção, cães que ladrem violentamente ao viajante, até nos cães se há de notar
a diferença, em eras distantes tanto mordiam a uns como a outros.
Vai Ricardo Reis descendo a rua, sem nenhuma pressa […], e agora nesta rua, apesar de tão
10 sossegada, sem comércio, com raras oficinas, há grupos que passam, todos que descendo vão,
gente pobre, alguns mais parecem pedintes, famílias inteiras, com os velhos atrás, a arrastar a
perna, o coração a rasto, as crianças puxadas aos repelões pelas mães, que são as que gritam, Mais
depressa, senão acaba-se. O que se acabou foi o sossego, a rua já não é a mesma, os homens, es-
ses, disfarçam, simulam a gravidade que a todo o chefe de família convém, vão no seu passo como
15 quem traz outro fito ou não quer reconhecer este, e juntamente desaparecem, uns após outros, no
próximo cotovelo da rua, […]. Diante de Ricardo Reis aparece uma multidão negra que enche a rua
em toda a largura […]. Ricardo Reis aproxima-se, pede licença para passar, […] alcançou o meio da
rua, está defronte da entrada do grande prédio do jornal O Século, o de maior expansão e circula-
ção, a multidão alarga-se, mais folgada, pela meia-laranja que com ele entesta, respira-se melhor,
20 só agora Ricardo Reis deu por que vinha a reter a respiração para não sentir o mau cheiro, ainda há
quem diga que os pretos fedem, o cheiro do preto é um cheiro de animal selvagem, não este odor
de cebola, alho e suor recozido, de roupas raro mudadas, de corpos sem banho ou só no dia de ir ao
médico, qualquer pituitária1 medianamente delicada se teria ofendido na provação deste trânsito.
À entrada estão dois polícias, aqui perto outros dois que disciplinam o acesso, a um deles vai Ricar-
25 do Reis perguntar, Que ajuntamento é este, senhor guarda, e o agente de autoridade responde com
deferência, vê-se logo que o perguntador está aqui por um acaso, É o bodo2 do Século, Mas é uma
multidão, Saiba vossa senhoria que se calculam em mais de mil os contemplados, Tudo gente po-
bre, Sim senhor, tudo gente pobre, dos pátios e barracas, Tantos, E não estão aqui todos, Claro, mas
assim todos juntos, ao bodo, faz impressão, A mim não, já estou habituado, E o que é que recebem,
30 A cada pobre calha dez escudos, Dez escudos, É verdade, dez escudos, e os garotos levam agasa-
lhos, e brinquedos, e livros de leitura, Por causa da instrução, Sim senhor, por causa da instrução,
Dez escudos não dá para muito, Sempre é melhor que nada, Lá isso é verdade, Há quem esteja o ano
inteiro à espera do bodo, deste e dos outros, olhe que não falta quem passe o tempo a correr de bodo
para bodo, à colheita, o pior é quando aparecem em sítios onde não são conhecidos, outros bairros,
35 outras paróquias, outras beneficências, os pobres de lá nem os deixam chegar-se, cada pobre é fiscal
doutro pobre, Caso triste, Triste será, mas é bem feito, para aprenderem a não ser aproveitadores,
Muito obrigado pelas suas informações, senhor guarda, Às ordens de vossa senhoria, passe vossa
senhoria por aqui, e, tendo dito, o polícia avançou três passos, de braços abertos, como quem enxota
galinhas para a capoeira, Vamos lá, quietos, não queiram que trabalhe o sabre.
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, 21.a ed., Lisboa, Editorial Caminho, 2013, pp. 87-88, 90-91.
2. Demonstre que o guarda trata de forma diferente Ricardo Reis e os “pobres” que aguardam o bodo.
3. Identifique, comentando o seu valor semântico, o recurso expressivo presente em “como quem
enxota galinhas” (ll. 38-39).
5. Retire do primeiro parágrafo do texto dois exemplos distintos do tom coloquial de Saramago.
GRUPO II
2. A sequência textual compreendida entre a linha 26 “É o bodo do Século” e a linha 29 “E o que é que
recebem” é predominantemente
(A) dialogal. (C) descritiva.
(B) narrativa. (D) explicativa.
3. A modalidade configurada na frase “Vamos lá, quietos, não queiram que trabalhe o sabre.” (l. 39) é
(A) epistémica com valor de probabilidade.
(B) apreciativa.
(C) deôntica com valor de obrigação.
(D) deôntica com valor de permissão.
4. Classifique a oração sublinhada em “Diante de Ricardo Reis aparece uma multidão negra que enche
a rua em toda a largura” (ll. 16-17).
5. Indique a função sintática do segmento sublinhado na frase “A cada pobre calha dez escudos” (l. 30).
GRUPO I
Leia o texto.
[…] Durante algum tempo voaram acompanhados por um milhafre que assustara e fizera fugir
todos os pássaros, iam só os dois, o milhafre adejando e pairando, percebe-se que voe, a passarola
sem mover as asas, não soubéssemos nós que isto é feito de sol, âmbar, nuvens fechadas, ímanes
e lamelas de ferro, e não acreditaríamos no que os nossos olhos veem, além de que não teríamos a
5 desculpa da mulher que estava deitada no restolho e já não está, acabou-se-lhe o gosto, daqui nem
o sítio se vê.
O vento mudou para sudeste, sopra com muita força, a terra passa em baixo […].
Estão os três voadores à proa da máquina, vão na direção do poente, e o padre Bartolomeu Lou-
renço sente que a inquietação regressou e cresce é pânico já, enfim vai ter voz, e essa voz é um ge-
10 mido, quando o sol se puser, descerá irremediavelmente a máquina, talvez caia, talvez se despedace
e todos morrerão, É Mafra, além, grita Baltasar, parece o gajeiro a bradar do cesto da gávea, Terra,
nunca comparação alguma foi tão exata, porque esta é a terra de Baltasar, reconhece-a, mesmo nun-
ca a tendo visto do ar, quem sabe se por termos no coração uma orografia particular que, para cada
um de nós, acertará com o particular lugar onde nascemos, o côncavo meu no teu convexo, no meu
15 convexo o teu côncavo, é o mesmo que homem e mulher, mulher e homem, terra somos na terra, por
isso é que Baltasar grita, É a minha terra, reconhece-a como um corpo. Passam velozmente sobre as
obras do convento, mas desta vez há quem os veja, gente que foge espavorida, gente que se ajoelha
ao acaso e levanta as mãos implorativas de misericórdia, gente que atira pedras, o alvoroço toma
conta de milhares de homens, quem não chegou a ver, duvida, quem viu, jura e pede o testemunho do
20 vizinho, mas provas já ninguém as pode apresentar porque a máquina afastou-se na direção do sol,
tornou-se invisível contra o disco refulgente, talvez não tivesse sido mais que uma alucinação, já os
céticos triunfam sobre a perplexidade dos que acreditaram.
[…] O sol está pousado no horizonte do mar, […] está a despedir-se, adeus, até amanhã, se houver
amanhã para os três nautas aéreos que tombam como uma ave ferida de morte, mal equilibrada nas
25 asas curtas, com o seu diadema de âmbar, em círculos concêntricos, queda que parece infinita e vai
acabar. […] Mas de súbito Blimunda solta-se de Baltasar, a quem convulsa se agarrara quando a má-
quina precipitou a descida, e rodeia com os braços uma das esferas que contêm as nuvens fechadas,
as vontades, duas mil são mas não chegam, cobre-as com o corpo, como se as quisesse meter dentro
de si ou juntar-se a elas. A máquina dá um salto brusco, levanta a cabeça, cavalo a que puxaram o
30 bridão, suspende-se por um segundo, hesita, depois recomeça a cair, mas menos depressa, e Blimun-
da grita, Baltasar, Baltasar, não precisou chamar três vezes; já ele se abraçara com a outra esfera,
fazia corpo com ela, Sete-Luas e Sete-Sóis sustentando com as suas nuvens fechadas a máquina que
baixava, agora devagar, tão devagar que mal rangeram os vimes quando tocou o chão, só bandeou
para um lado […]. Frouxos de membros, extenuados, os três viajantes escorregaram para fora, […].
35 […] Onde estamos, perguntou Blimunda, […] Não conheço onde estamos, nunca estive neste sítio,
a mim parece-me uma serra, talvez o padre Bartolomeu Lourenço tenha informações. O padre estava
a levantar-se, não lhe doíam os membros nem o estômago, apenas a cabeça, mas essa era como
se um estilete lhe perfurasse de lado a lado as fontes, Estamos em tão grande perigo como se não
tivéssemos chegado a sair da quinta, se ontem não nos encontraram, encontram-nos amanhã, Mas
40 este lugar onde estamos, como se chama, Todo o lugar da terra é antecâmara do inferno, umas vezes
vai-se morto a ele, outras vai-se vivo e a morte é depois que vem, Por enquanto ainda estamos vivos,
Amanhã estaremos mortos.
José Saramago, Memorial do convento, 53.a ed., Alfragide, Editorial Caminho, 2013, cap. XVI, pp. 272-276.
4. Explicite o valor simbólico da expressão “O sol está pousado no horizonte do mar” (l. 23).
5. Apresente uma explicação para o medo demonstrado por padre Bartolomeu, considerando o
último parágrafo.
GRUPO II
1. No contexto em que surge, a palavra sublinhada em “porque esta é a terra de Baltasar” (l. 12)
funciona como
(A) deítico com valor pessoal.
(B) mecanismo de coesão referencial
(C) mecanismo de coesão interfrásica.
(D) deítico com valor espacial.
4. Identifique a modalidade configurada na frase “talvez caia, talvez se despedace e todos morrerão”
(ll. 10-11).
5. Refira a função sintática da palavra sublinhada em “Onde estamos, perguntou Blimunda” (l. 35).