ANESTESIA EM
PEQUENOS
ANIMAIS
Coordenadores
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ÍNDICE
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AVALIAÇÃO DA DOR E SOFRIMENTO ANIMAL
Não existe nada pior que a dor. Ela fragmenta o ser e o incapacita para viver
Conseqüências do estresse.
O cientista inglês Charles Darwin em 1872 estabeleceu que diferentes tipos de estímulos externos
desencadeariam uma resposta orgânica similar. Em 1929, Cannon fez esta colocação de forma mais científica e
caracterizou o estresse como uma resposta fisiológica produzida pelo aumento da atividade do sistema nervoso
simpático. Esta alteração seria a mesma para excitação, fome, dor e medo. Em 1935, o austríaco erradicado no
Canadá, Hans Selye definiu a “síndrome geral de adaptação", estabelecendo as três fases do estresse: 1) reação
de alarme (luta ou fuga), caracterizada pela fase aguda de ativação do sistema nervoso simpático; 2) fase de
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adaptação ou resistência, que depende das condições ambientais e do passado da história do animal, da
experiência prévia, da presença de outros estímulos simultâneos, como fome e frio, da idade que quanto menor,
menor a resistência e do sexo, já que a glândula adrenal das fêmeas é maior que a dos machos e 3) exaustão do
sistema biológico de defesa, em que a resposta passa a ser danosa e até irreversível.
O estresse crônico pode causar alterações comportamentais, como vocalização, movimentação e fuga, tendência
anti-social e agressiva, fraqueza e tremores musculares, atrofia dos músculos faciais, alopecia simétrica, aumento
do abdômen, aumento do consumo de água, aumento do apetite em estresse agudo, redução do apetite em
estresse crônico, redução da conversão alimentar, perda de peso, formação de úlceras digestivas,
imunodepressão, dificuldade de cicatrização, hipertensão arterial, desequilíbrio eletrolítico, poliúria, aumento do
estímulo sexual, com masturbação, copulação excessiva ou redução da capacidade reprodutiva, com redução na
libido, infertilidade e redução do desenvolvimento fetal.
A resposta de estresse envolve um componente emocional e pode variar de acordo com a espécie, indivíduo,
idade, sexo, estado geral do animal, intercorrência de estímulos simultâneos, entre outros. A intensidade da
resposta fisiológica depende da percepção de cada indivíduo e da severidade do estímulo. De modo geral a
experiência prévia minimiza a resposta de estresse e diferentes estímulos podem desencadear diferentes
respostas fisiológicas. Desta forma a resposta de estresse não é específica e qualitativamente a mesma
independente da natureza do insulto, mas pode variar de acordo com o tipo e qualidade do estímulo. Dada a estas
considerações não há um único teste biológico fidedigno e específico para se avaliar a resposta ao estresse e o
conjunto de alterações psíquicas, comportamentais e fisiológicas devem ser avaliadas em conjunto.
Fisiologicamente o estresse é caracterizado por alterações de comportamento, sistema nervoso autônomo e
neuro-endócrino. Ocorre todo um movimento do organismo para aumentar o catabolismo, por meio de alterações
cardiovasculares, com estímulo do sistema nervoso simpático, onde o sangue é dirigido da pele, vísceras e rins
para órgãos vitais, como o coração, cérebro e musculatura esquelética. As alterações endócrinas se caracterizam
por aumento dos hormônios catabólicos, como o hormônio liberador da corticotrofina, ACTH, opióides endógenos,
cortisol, vasopressina, prolactina, glucagon, hormônio do crescimento, renina e catecolaminas e redução dos
hormônios anabólicos, como a insulina, para aumentar a produção de energia. O cortisol é um hormônio chave
durante o estresse, pois aumenta o catabolismo de carboidratos, por meio do aumento da gliconeogênese,
glicogenólise e efeito anti-insulina, causando hiperglicemia. Aumenta o metabolismo de proteínas, por aumento da
gliconeogênese, dos níveis de proteínas plasmática e hepática, da concentração de aminoácidos no sangue e
balanço negativo de nitrogênio e aumenta o metabolismo de lipídeos, por aumento da gliconeogênese,
mobilização de ácidos graxos e aumento da síntese e armazenamento de lipídios. Adicionalmente interfere no
balanço hidro-eletrolítico, pois causa retenção de sódio e cloro e aumenta a excreção de potássio. Quanto aos
efeitos cardiovasculares, aumenta a sensibilidade do miocárdio às catecolaminas, protege contra os efeito tóxicos
das catecolaminas e apresenta efeito inotrópico positivo no miocárdio. O cortisol ainda atua nas células
sanguíneas e órgãos linfáticos, com redução do número de eosinófilos, basófilos e linfócitos e redução do
tamanho dos órgãos linfáticos. Atua também na função renal, com aumento da filtração glomerular, diurese,
redução da retenção de potássio, aumento da reabsorção de sódio e excreção de fosfato, nos ossos, onde reduz
a formação de cartilagem e o crescimento. No sistema gastrointestinal, aumenta a secreção de ácido gástrico e de
pepsina, com potencial ulcerogênico. Pode induzir o parto em determinadas espécies e apresenta efeito
antiinflamatório, antialérgico e imunossupressivo.
Em casos de animais silvestres, a contenção produz uma resposta aguda de estresse, já que o animal é
impossibilitado de fugir ou lutar, ocasionando assim uma frustração e conseqüente exaustão física. O estresse
deste modo pode facilmente causar o óbito, podendo ser o mesmo imediato, caso ocorra imediatamente após o
estresse, causado por traumas, hemorragia, hipoglicemia, anóxia, fibrilação ventricular ou parada cardíaca;
mediato, caso ocorra na primeira hora após o estresse, tal como trauma, timpanismo gástrico, hipocalcemia,
hipoglicemia, hipo ou hipertermia ou acidose e finalmente tardio, quando a morte ocorre algumas horas ou até 30
dias após, tal como timpanismo gástrico, trauma, pneumonia aspirativa e miopatia de captura. A miopatia por
captura é um dos problemas mais comuns observados durante a captura, contenção ou transporte, sendo uma
doença muscular degenerativa caracterizada por liberação de potássio, mioglobina e lactato, podendo ocasionar
fibrilação ventricular, necrose tubular com insuficiência renal e acidose.
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Contexto histórico-evolutivo da abordagem da dor e sofrimento e comparação entre o
ser humano e os animais
A dor tem sido historicamente negligenciada no ser humano, quiçá em animais, nos quais historicamente, a dor foi
desconsiderada por muito tempo. A visão Cartesiana estabelecida por René Descartes no século XVII, propunha
que os animais eram fisiologicamente diferentes do homem e que a reação destes seres a um estímulo doloroso
seria puramente mecânica, sem haver consciência da dor. A resposta demonstrada frente a um estímulo nocivo
seria apenas um reflexo de proteção, determinado pelo sistema nervoso autônomo. Levando-se em conta que
nesta época não se conseguia provar que os animais sentiam dor, simplesmente se assumia que a dor não fazia
parte das sensações dos animais. Dentro da visão atual, graças à teoria evolutiva de Charles Darwin no século
XX, considera-se o homem descendente dos animais. Desta forma, estes são usados para estudar a fisiologia e a
farmacologia de mecanismos da dor no homem. Assim estabeleceu-se o dilema que se o comportamento da dor é
puramente mecânico nos animais, sem haver consciência da mesma, não seria necessário tratar a dor, nem se
preocupar com o bem estar dos animais. Entretanto, ao mesmo tempo, não haveria justificativa para se usar
animais em modelos de dor para que os resultados sejam aplicados no ser humano. O bom senso sugere que a
falha em provar alguma coisa não significa a não existência do fenômeno, ou seja “a ausência de evidencia não
significa a evidencia da ausência” (Prada et al 2002).
Da mesma forma que não há dúvida de que o homem sofre e sente dor, há evidências claras de que os animais
sofrem e sentem dor como o homem, tendo em vista a anatomia, a fisiologia e respostas farmacológicas similares,
reações semelhantes à um estímulo nocivo e comportamento de esquiva frente a uma experiência dolorosa
repetida. O sofrimento é subjetivo e a melhor forma de avaliá-lo é em nós mesmos. Daí a máxima, “ponha-se no
lugar do animal”, pois está é a melhor forma de avaliar o sofrimento alheio. Segundo Charles Darwin “não há
diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais... os animais, como os
homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento”.
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Bovinos normalmente vocalizam com grunhidos e urros, rangem os dentes, relutam em se moverem, alteram a
expressão facial e reduzem a produtividade. Suínos gritam, não se levantam, não respondem à presença de
outros animais e se tornam irritados ou mesmo agressivos. Ovinos podem balir, ranger os dentes, alterar a
expressão facial, parecerem desinteressados e isolados do grupo. Além das alterações anteriores, observadas em
ruminantes, os caprinos alternam freqüentemente a postura e parecem agitados, batendo o pé. Em aves de
produção pode haver alterações de postura, reações de fuga, vocalização e movimentos excessivos de cabeça e
pescoço. Pássaros portadores de dor crônica podem ficar passivamente imóveis em postura agachada, olhos
cerrados e cabeça encolhida no corpo (Underwood 2002).
Sem mencionar os animais silvestres, mesmo em animais domésticos, de laboratório ou de produção, pouco ainda
se conhece sobre o comportamento. Desta forma, a avaliação da dor em animais não deve levar em conta apenas
o comportamento. As respostas variam muito e as interpretações podem ser equívocas. Por exemplo, estudos
utilizando câmaras de vídeo demonstraram que a simples presença física do observador altera completamente o
comportamento de coelhos (Flecknell 2006). Na dúvida deve-se utilizar o principio da analogia, ou seja, tudo o que
dói no homem, dói no animal.
As alterações fisiológicas relacionadas à dor se caracterizam por estímulo do sistema nervoso simpático, com
aumento da freqüência cardíaca, respiratória e da pressão arterial, dilatação da pupila, sudorese no coxim, no
caso de gatos e generalizada e abundante no caso de eqüinos. Adicionalmente ocorre ativação do metabolismo
com aumento da secreção de hormônios do catabolismo, da mesma forma que na resposta de estresse
anteriormente mencionada.
Considerações finais
A dor é a única doença incapacitante de toda a plenitude do corpo. Mesmo animais deficientes físicos,
podem compensar as deficiências com outras atividades ou fortalecer outras funções ou sentidos. Entretanto,
nenhum ser pode exercer suas atividades como um todo quando sofre de dor.
Todo o embasamento científico demonstra que os animais sentem dor, dado não apenas a resposta
comportamental, mas também a bioquímica e fisiológica. Porém, com exceção de animais de estimação em que
há uma maior preocupação com o tema, os animais de produção estão constantemente sujeitos a experiências
extremante dolorosas, na sua esmagadora maioria, sem o uso de anestésicos e/ou analgésicos. Estas práticas,
tais como debicagem em aves de postura, caudectomia e corte de dentes em leitões, castração, desvio lateral de
pênis para produção de rufiões e descorna em ruminantes, bem como outras práticas de manejo que causam dor
e sofrimento intensos, tal como a marcação a fogo, deveriam ser reavaliadas quanto à necessidade e a forma de
realização.
O que diferencia um animal destinado a consumo alimentar para um animal de estimação? Por que damos direitos
diferentes a eles? Por que os de estimação são considerados “membros da família”, cuja função é companhia,
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com direitos quase similares e algumas vezes até superiores aos dos seres humanos e os de consumo sequer são
considerados no que concerne ao sofrimento que padecem durante o período de criação, sendo submetidos a
práticas de confinamento e de mutilação? Esta é uma visão limitada e utilitarista do animal, onde este é tratado de
acordo com a função para o homem. Originalmente e até meados do século passado, a criação animal se
embasava numa situação quase simbiótica, em que o homem entrava com o alimento, cuidado com a saúde e
proteção contra predadores e intempéries, para aumentar a capacidade de sobrevivência dos animais e os
animais em contrapartida entravam com a produção. Nesta relação havia uma certa “justiça” entre as partes. A
partir da industrialização da agricultura, este contexto se alterou profundamente. A produtividade passou a ser
prioridade sem se levar em consideração a posição do animal neste novo modelo de criação. O custo do
sofrimento animal não foi levado em consideração, assim como o custo que a natureza tem sido submetida às
práticas agrícolas voltadas à monocultura e a degradação ambiental em prol da suposta produtividade, medida
apenas em quantidade de toneladas por área e não na herança do impacto ambiental, que apresenta um custo
muitas vezes irrecuperável.
Adicionalmente na área científica o número de estudos com animais aumentou de forma galopante, visando
principalmente uma suposta aplicação na saúde humana. Uma maior preocupação com o bem estar animal no
apenas se iniciou a partir de década de 90, dado principalmente à impossibilidade de se publicar artigos científicos
em revistas internacionais sem o parecer de comissões de ética.
Pode-se questionar se os animais têm emoção e/ou inteligência, mas um fato inquestionável é que eles podem
sofrer. Já que o ser humano usa os animais em benefício próprio, é questão de bom senso, independente da
abordagem filosófica no que concerne o bem estar animal, que estes sejam tratados de forma digna, evitando-se a
dor e o sofrimento destes seres.
Referências Bibliográficas
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Dohoo SE & Dohoo IR. Factors influencing the postoperative use of analgesics in dogs and cats by Canadian
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MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA DOR EM PEQUENOS ANIMAIS
PAULO STEAGALL
• Veterinários são treinados para reconhecimento das funções e disfunções de diversos órgãos, como, por
exemplo, arritmias cardíacas, alterações nos valores de enzimas hepáticas e renais, alterações radiográficas e
outros. Um cirurgião, ao ver um cão claudicando, já sugere as possíveis afecções que estão acometendo o
animal, antes mesmo de seu exame físico. A maioria das situações enfrentadas pelo clínico permite a análise de
parâmetros quantificáveis e objetivos. Desta forma, os profissionais podem chegar a um diagnóstico mais rápido e
preciso, desde que treinados para tal. Obviamente, tudo isso depende da prática de anos de trabalho.
• Infelizmente, com relação à dor não há esta mesma objetividade, na maioria das vezes. Isso porque os animais
não verbalizam o que sentem, assim como os pacientes neonatos e pediátricos. Avaliações objetivas como, por
exemplo, a resposta neuroendócrina, é de grande importância, porém não são realizadas clinicamente. Não há,
por exemplo, um veterinário que peça a dosagem de cortisol ou de catecolaminas plasmáticas para o animal com
dor. Portanto, o profissional deve ser treinado para o reconhecimento da dor de forma subjetiva, e claro, sempre
avaliando o tipo de trauma, local da injúria e observando o envolvimento dos tecidos e órgãos, assim como as
respostas fisiológicas do animal.
• Poucos veterinários utilizam analgésicos rotineiramente, principalmente por seus possíveis efeitos colaterais
(pouco encontrados quando utilizados de forma correta!), pela burocracia necessária para a compra e
manutenção de fármacos submetidos a controle federal, por não saberem vias e doses para administração do
tratamento, e também por não reconhecerem a dor nos animais. Existem ainda os profissionais antiquados e com
conhecimento ultrapassado, que ainda acreditam que o animal sem analgésico ficará “quietinho” e sua
recuperação será mais rápida. Entretanto, inúmeros estudos demonstram os benefícios analgésicos, superiores
aos possíveis efeitos colaterais.
• Por exemplo, quando opióides são administrados aos felinos (principalmente com dor) em intervalos, doses e
vias de administração adequadas, raramente se observa excitação ou outros efeitos colaterais, mas sim um
animal ronronando, rolando, sedado, dormindo...Aliviado! (Robertson & Taylor, 2004).
• Ignorar a dor pelo simples fato de que sua avaliação é subjetiva ou que há uma possível margem de erro na
intensidade da dor a ser julgada, condena o animal a sentir dor.
• Só porque um paciente não exibe um comportamento de dor, não significa que este não tenha dor.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE ESCALAS DE DOR UTILIZADAS EM MEDICINA VETERINÁRIA
• Os métodos de avaliação de dor abordados aqui são subjetivos e variam entre observadores. Portanto, a dor
pode ser superestimada ou subestimada. Algumas escalas validadas para uma espécie podem ser extrapoladas
para outra, desde que com bom senso e com o conhecimento das diferenças comportamentais do quadro de dor
entre as espécies. Nenhuma das escalas foi feita para avaliar dimensões mentais ou psicológicas da dor, apenas
as condições físicas. São baseadas em avaliações e interpretações do comportamento do animal.
• Parâmetros fisiológicos: freqüência cardíaca e respiratória, pressão arterial, temperatura retal e parâmetros
neuro-endócrinos: cortisol plasmático, catecolaminas e beta-endorfinas podem ser úteis desde que relacionadas
ao comportamento de dor do animal. O animal estressado (ansiedade, medo, fuga, susto) é capaz de apresentar
respostas fisiológicas semelhantes quando está com dor.
• Tamanho de pupila e alterações fisiológicas não são úteis para avaliar animais com dor em animais
hospitalizados ou que foram anestesiados há pouco tempo.
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• O uso das escalas de dor não deve fazer com que o veterinário não observe os animais esporadicamente. Por
exemplo: uma avaliação do animal após quatro e seis horas após o fim de uma cirurgia não significa que o
profissional não deva observar o animal durante estas duas horas de intervalo. Alguns opióides como a morfina e
a buprenorfina possuem períodos de ação que variam individualmente. O animal pode não apresentar dor
evidente após a quarta hora, mas sim já na quinta hora após o fim da cirurgia. Caso o observador avalie a dor
apenas na sexta hora, o animal estará fadado a sentir dor por mais uma hora! Além disso, em alguns momentos,
o animal pode mascarar o comportamento de dor durante a avaliação, sendo necessária repeti-la após algum
tempo.
• Em qualquer avaliação, o veterinário deve ser treinado para o reconhecimento e uso da escala em questão e
deve utilizá-la sabendo de suas limitações, vantagens e desvantagens. Por exemplo, numa escala total de 27
pontos, onde administra-se o resgate aos 14 pontos. Caso o animal, por meio do uso da escala, não atingisse o
total de pontos de 14 pontos, mas o avaliador tenha certeza que o mesmo está com dor digna de resgate
analgésico, este deve ser feito.
• Por que usar uma escala de dor? As escalas de dor são utilizadas para auxiliar o clínico no tratamento da dor,
seja ele cirúrgico ou clínico e fornecer informações relativas ao diagnóstico e prognóstico do animal. Em grandes
centros, a aplicação de escalas de dor obriga toda a equipe de profissionais a avaliarem a dor, sendo esta
realizada juntamente com o exame físico do animal.
• Mesmo após o tratamento da dor o animal deve ser reavaliado para se assegurar uma analgesia adequada.
• A DOR É CONSIDERADA O QUINTO SINAL VITAL
• Animais em Unidades de terapia intensiva podem estar muito doentes para apresentarem um comportamento
de dor. Entretanto, isto não significa que o animal não esteja com dor. Neste caso, doses pré-estabelecidas de
analgésicos devem ser utilizadas e a aplicação de escalas de dor se torna difícil.
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ESCALAS DE DOR UTILIZADAS EM PEQUENOS ANIMAIS
Procedimento menores: contenção para raio- Leve a moderada sedação (se necessário).
Ausente
X, retirada de pontos e troca de bandagens Analgésicos não são necessários
• Principal desvantagem: variabilidade individual. Um procedimento pode ser doloroso para um animal, mas não
para outro, e vice-versa. A escala é baseada na quantidade de trauma que envolve o procedimento (quanto maior
o trauma, maior a dor pós-operatória). Não é possível se acessar a dor pós-operatório com esta escala.
• Opção: utilizar uma escala validada para avaliação da dor pós-operatória, monitorando cada indivíduo.
ESCALA ANÁLOGA VISUAL (VAS)
• linha horizontal de 100 mm de comprimento com duas descrições comportamentais em cada extremo, que
representa todo o espectro da dor. O observador desenha uma linha vertical que melhor representa a dor no
animal. O VAS pode resultar numa maior variabilidade do que as escalas simples descritivas.
0 ______________________________________100
Sem dor Pior dor possível imaginável
• Principal desvantagem: o VAS depende totalmente do observador identificar, reconhecer e interpretar a dor em
animais. Caso o observador não desconheça o tratamento analgésico, ele pode ser induzido na sua resposta.
Portanto, há uma grande variabilidade entre observadores e isto pode influenciar a interpretação de resultados,
principalmente entre pesquisas diferentes.
1. Sem dor
2. Dor leve
3. Dor moderada
4. Dor severa
•Consiste na observação do animal e não no tipo de procedimento cirúrgico. A vantagem é que não há a
interferência pela acuidade visual, como no VAS. Cada número se torna o escore do paciente. Fácil utilização.
• Principal desvantagem: não é uma escala sensitiva (poucas categorias)
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Exemplo de escala simples descritiva (Lascelles et al. 1994)
Escore Características
•Múltiplas categorias para avaliação do animal com números, com descrição da dor para cada categoria. Não há
medidas e pesos diferentes para cada item. A NRS permite ao observador avaliar certos aspectos que poderiam
passar despercebidos em outras escalas. Assim, a avaliação é realizada de uma maneira mais completa e fácil de
se tabular. Por meio de diversas categorias, o bem estar e a dor do animal são avaliados.
• Principaldesvantagem: Em alguns casos pode ter pouca acurácia. As categorias são dadas por números
sugerindo que diferenças existem entre as categorias, o que pode não ser verdade.
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Escala de dor da Universidade de Melbourne
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ANALGESIA EM PEQUENOS ANIMAIS
Considerações gerais:
A importância da dor em medicina veterinária foi despertada apenas recentemente, dado tanto à questões de
ordem ética, como pelos melhores resultados em termos de prognóstico, quando a mesma é tratada de forma
adequada. Pode ser considerada juntamente com a pressão arterial, freqüência cardíaca, temperatura e
respiração, o 5o. sinal vital. Entretanto a dor ainda não é tratada apropriadamente tendo em vista a falta de
conhecimento e de objetividade no tratamento, a falha de prescrição e o receio de efeitos colaterais.
A dor tem uma abrangência biopsico-social, mesmo em animais e sua detecção é primordial para se elaborarem
condutas adequadas. Existem varias formas de avaliação da dor, sendo que em condições clínicas, predominam
os métodos subjetivos. Em termos de tratamento, a dor deve sempre ser abordada de uma forma multidisciplinar.
Muitas vezes não basta o tratamento farmacológico, sendo necessária uma associação de métodos para se atingir
um resultado mais adequado.
Defini-se dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, que é associada ou descrita em termos
de lesões teciduais. Os estímulos são carreados a partir dos nociceptores pelas fibras A delta e C. É importante
reconhecer os mecanismos pelos quais a dor ocorre para melhor prevení-la e interferir no seu curso diante das
várias formas de tratamento. Inicialmente ocorre ativação dos nociceptores (A delta e C), fenômeno conhecido por
transdução, seguido de transmissão do impulso pelo nervo aferente, modulação do impulso na medula, com a
deflagração de vários mecanismos, encerrando com a percepção no córtex cerebral. Desta forma podemos
interferir em uma ou mais etapas, para o combate da mesma. Idealmente o que se postula na atualidade é uma
associação de métodos, atuando desta forma se possível em todas estas etapas.
A dor pode ser classificada em nociceptiva (somática ou visceral), neuropática e psicogênica. Para que ocorra a
sensação da dor deve haver a nocicepção, caracterizada pela transmissão de impulsos em resposta a um
estímulo nocivo e a percepção da dor, que seria a consciência da dor. A nocicepção ocorre mesmo em um
paciente inconsciente, entretanto, a dor não é percebida se o paciente estiver inconsciente, como por exemplo
durante a anestesia. Porém quando o indivíduo desperta, em casos que a nocicepção não foi evitada, a dor torna-
se presente, daí a importância de se prevenir a nocicepção com anestésicos locais, AINES, opióides e outros
métodos, mesmo num animal anestesiado.
Por muito tempo se questionou a necessidade do tratamento da dor em animais, tendo em vista a possibilidade de
quando os mesmos não sentem dor, eles poderiam se auto mutilar e conseqüentemente interferirem no processo
de recuperação cirúrgica. Porém se confundia dor fisiológica, que possui a função de proteção, é localizada,
transitória e de alto limiar, e portanto fundamental que seja mantida, com a dor clínica, que causa inflamação,
devido ao dano em tecido periférico, é de baixo limiar (alodinia), de resposta exagerada (hiperalgesia) e com
aumento da área afetada (hiperalgesia secundária). Desta forma o que se preconiza atualmente é deixar a dor
fisiológica intacta, por razões óbvias de proteção, sendo porém importante prevenir o desconforto e o
desenvolvimento da dor clínica, evitando-se assim tanto a sensibilização periférica, que causa aumento da
sensibilidade dos neurônios sensitivos de nociceptores de alto limiar, estimulados por mediadores inflamatórios
(“sopa inflamatória”), com liberação de bradicinina, 5-HT, histamina, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas,
neuropeptídeos, entre outros e diminuição do limiar dos nociceptores, como a sensibilização central, em que
ocorre alteração da excitabilidade dos neurônios da medula espinhal, onde neurônios do corno dorsal passam a
responder à estímulos inócuos, fibras A beta passam a transmitir impulsos dolorosos, as células do corno dorsal
respondem a áreas periféricas mais amplas e a resposta à dor torna-se mais longa e prolongada. As implicações
da sensibilização são que a dor passa a ser deflagrada pela atividade dos nociceptores e torna-se auto
permanente. Desta forma é mais fácil prevenir a dor que tratá-la, já que de aguda a dor pode-se tornar crônica.
De forma geral a dor em animais tem sido subestimada, particularmente em felinos, devido à pouca informação
sobre farmacologia clínica e farmacocinética, extrapolação de doses de cães e medo do uso de opióides e de
AINES.
Dentre os analgésicos disponíveis, como métodos de analgesia preventiva periférica, pode se lançar mão de
anestésicos locais que previnem o estímulo nocivo, AINES que reduzem produção de prostaglandina e a
sensibilização das terminações nervosas e opióides periféricos (ex: articulações), que reduzem o efeito de
neuropeptídeos locais. Para se realizar a analgesia preventiva central, pode-se utilizar opióides que agem na pre e
pós-sinapse, reduzindo a liberação de neurotransmissores e causando hiperpolarização da membrana do núcleo
dorsal da rafe. Adicionalmente têm-se os antagonistas de NMDA na medula espinhal (ex: quetamina) que
previnem a excitação induzida pelo glutamato e agonistas adrenorreceptores alpha-2, que agem em receptores da
medula espinhal.
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OPIÓIDES
Os opióides reduzem os efeitos psicológicos da dor, podendo causar excitação, apresentam estabilidade
cardiovascular, leve sedação, depressão respiratória, diminuem a motilidade gastrointestinal e podem provocar
náusea e vomito. Os agonistas totais apresentam um efeito teto mais alto e os parciais e agonistas/antagonistas
apresentam um efeito máximo reduzido em relação aos totais. Dentre os opióides temos os agonistas mi puros, os
agonistas mi parciais e os agonistas (kappa)/antagonistas (mi), que possuem poucos efeitos colaterais. Os
opioides além de causar sedação, são indicados principalmente nas primeiras horas após a cirurgia, entretanto é
ideal que sejam associados com antiinflamatórios não esteróides.
AINES
Os AINES são inibidores da enzima ciclooxigenase COX, que é responsável por funções homeostásicas, tais
como proteção gástrica, tornando a camada de muco espessa e prevenindo a erosão ácida da mucosa; proteção
renal, contribuindo para autoregulação do fluxo sangüíneo renal e estabelecendo um equilíbrio entre agregação
plaquetária e trombose. Quando estes fármacos são utilizados, além de reduzirem a inflamação, também afetam
os efeitos homeostásicos, dai a importância do uso de fármacos que inibam predominantemente a COX induzida
(COX-2) e liberada em grandes quantidades pela inflamação ao invés da COX constitutiva (COX-1), que é
responsável pela homeostase. Seu efeito periférico se dá por inibição da COX com diminuição da síntese de
prostaglandina e redução da excitabilidade das fibras nervosas, levando a um efeito antiinflamatório.
Centralmente, atuam no hipotálamo, apresentando efeito antipirético e fraca ação analgésica. Seus efeitos
colaterais pela inibição da prostaglandina, ocorrem no trato GI, induzindo úlceras e vômito; no rim, causam perda
da autoregulação do fluxo sangüíneo renal, insuficiência renal e necrose papilar; no fígado, podem levar a
toxicidade parenquimatosa e finalmente no sangue, podem causar discrasias sangüíneas, com aumento do tempo
de sangramento.
Dentre os AINES mais importantes em medicina veterinária têm-se:
Carprofeno (4 mg/kg/24 hs): foi lançado na década de 1990, primariamente para uso em cães e eqüinos. Causa
leve inibição da COX e possivelmente menor risco de toxicidade renal e intestinal do que outros. Em gatos
apresenta boa disponibilidade, entretanto reduz a síntese de TxB2 sérico. Quando usado por três meses em cães
foi o que apresentou menor efeito gastrointestinal quando comparado ao etodolac, meloxicam, flunixim e
cetoprofeno. Em gatos, devido a dificuldade de metabolismo deve ser administrado em dose única.
Meloxicam (0,1-0,2 mg/kg): é um AINES mais seletivo para a COX-2. Possui um ótimo efeito em casos de
ortopedia e pode ser receitado para farmácias de manipulação, sob a forma de comprimidos o que reduz
consideravelmente o custo.
Flunixim meglumine (1 mg/kg): potente inibidor de tromboxano sérico B2 e talvez não diretamente relacionado
com inibição de COX. Deve ser empregado com cuidado e nunca de forma contínua, tendo sido relatado falência
renal aguda em cães, particularmente durante a anestesia. A via oral deve ser preferencial em casos de
administração repetida.
Vedaprofeno: outra opção que aparentemente causa poucos efeitos colaterais.
21
Opióides mais freqüentemente utilizados em pequenos animais:
Morfina analgesia de 2 a 4 horas
0,1 a 0,3 mg/kg (felinos) depressão do centro respiratório medular
0,5 a 1,0 mg/kg (cães) pequeno efeito cardiovascular
SC, IM, IV (via IV deve ser lenta para evitar liberação de histamina com vasodilatação periférica
liberação de histamina) estimula centro do vômito
defecação
Metadona analgésico de duração prolongada no homem
0,2-0,5 mg/kg - IM potência similar a morfina
efeito espasmolítico
normalmente não produz vômito ou defecação
Tramadol considerado analgésico fraco (duração 8 horas)
2-4 mg/kg - IV, IM, PO efeito sedativo
alta seletividade por receptores mu, porém baixa afinidade
fármaco não controlado (pode se receitado para uso doméstico)
Fentanil 250 vezes mais potente que a morfina
0,005 a 0,01 mg/kg - IV, IM duração de 20 a 30 minutos (adequado para controle da dor somente por
(infusão: 0,5 a 5 microg/kg/h) infusão contínua)
pequeno efeito na contração do miocárdio
bradicardia e depressão respiratória dose-dependente
reduz a CAM dos anestésicos inalatórios em doses mais elevadas (acima de 5
mcg/kg/hora)
salivação e defecação
Buprenorfina 33 vezes mais potente que a morfina (porém se considera que sua eficácia
0,005 a 0,01 mg/kg –SC, IM, IV analgésica é menor que a da morfina)
longo período de latência
longa duração de ação: 8-10 hs
pequeno efeito respiratório
pequena depressão cardiovascular
Butorfanol 3 a 5 vezes mais potente que a morfina (porém de eficácia analgésica limitada
0,1 a 0,4 mg/kg – SC, IM, IV em comparação à morfina)
efeito na CAM dos anestésicos inalatório é limitado.
pequeno efeito respiratório
reverte efeito sedativo e depressor respiratório de agonistas puros devido ao
antagonismo de receptores mu.
22
OUTROS FÁRMACOS
A quetamina, como antagonista de receptor NMDA, previne a despolarização de acumulação para liberação de
glutamato e em doses subanestésicas produz analgesia. Além de poder ser utilizada para indução de anestesia,
pode-se realizar infusão no trans e pós-operatório (2-10 microg/kg/hr), causando analgesia pós-operatória
prolongada, acima de 24 horas.
Os anestésicos locais (lidocaina, bupivacaina e ropivacaina) interrompem a condução elétrica de nervos
periféricos, prevenindo a propagação do impulso para o corno dorsal da medula e sensibilização central. Causam
bloqueio regional, podendo ser usados no pré, trans ou pós-operatório. Dentre os mecanismos de analgesia
produzidos pela lidocaina estão a supressão dos neurônios nociceptivos da medula espinhal, redução da
descarga nervosa das fibras nervosas periféricas e depressão cortical, podendo reduzir a CAM dos anestésicos
inalatórios em 40 a 70%, potencializando a anestesia intravenosa e produzindo analgesia pós-operatória de 5 a 18
horas. Normalmente usam-se bolus de 1,5 mg/kg, seguido de infusão de 0,25 mg/kg/min.
Os adrenorreceptores alfa-2 agonistas (xilazina, medetomidina, dexmedetomidina) atuam no corno dorsal da
medula; nas vias adrenérgicas descendentes, com efeito analgésico sistêmico. Produzem maior analgesia visceral
que somática.
Outros métodos de analgesia incluem analgesia epidural, transdermal (adesivos de fentanil), acupuntura, TENS,
fitoterapia (Salix - chorão, Cannabis – maconha, Capsicum, pimenta pela capsaicina, menta) e anestesia geral em
casos extremos. Deve-se também empregar métodos de apoio, como imobilizar a área, bandagem, jaula de
contenção, tratar a causa, reduzir inflamação e edema, esvaziar a bexiga, prover comida/água com conforto e
carinho, sempre tendo-se uma abordagem multidisciplinar.
Córtex
(percepção)
Interneurônio
(modulação)
Neurônio de projeção
(projeção)
Neurônio aferente
(transmissão)
Nociceptor
(transdução)
Estímulo mecânico
químico, térmico
23
Incidência de complicações cirúrgicas após osteossíntese de fêmur (Cruz et al 2000)
Controle Bupernorfina Cetoprofeno Flunixim Carprofeno
Edema 6/6 (100%) 6/6 (100%) 1/6 (17%) 1/6 (17%) 1/6 (17%)
Comparação da segurança do uso prolongado por 90 dias de carprofeno, etodolac, meloxicam, flunixim e
cetoprofeno em cães (Luna et al 2006) – sangue oculto nas fezes e grau de lesão gástrica na endoscopia
Tratmento/grade 0 1 2 3 4 5 6
Remo-
vido
Lactose 0 6 0 0 0 0 0 0
Etodolac 2 0 0 1 0 2 0 1
Meloxicam 0 4 0 0 0 2 0 0
Cetoprofeno 3 0 0 0 0 2 0 1
Carprofeno 0 5 0 0 0 0 1 0
Flunixim 2 0 0 0 0 1 2 1
24
Fonte: Hellebrekers 2002
25
Francisco José Teixeira Neto
FMVZ-Unesp-Botucatu
+
Diariamente o catabolismo animal produz grande quantidade de ácidos fixos (íons H ) e voláteis (CO2). A
produção ácidos voláteis ocorre devido ao catabolismo de carbohidratos e ácidos graxos (fosforilação oxidativa),
+
cujo resultado final é a produção de CO2, adenosina tri-fosfato (ATP) e água. A produção ácidos fixos (íons H )
ocorre principalmente devido ao catabolismo de proteínas (animoácidos), que tem seu grupamento anima
removido antes de entrarem no ciclo do ácido cítrico. No entanto, o pH dos fluidos orgânicos deve ser mantido
dentro de valores fisiológicos para otimizar as atividades enzimáticas celulares, essenciais para a manutenção
homeostase orgânica, e tanto os ácidos fixos como os voláteis necessitam ser neutralizados/eliminados para que
não ocorram alterações do pH incompatíveis com a vida. Os ácidos fixos (íons H+) são assim denominados por
serem excretados em solução aquosa pelos rins, enquanto os ácidos voláteis (CO2) são eliminados pelos
pulmões.
! "# !
Ácido e base
+
De acordo com o conceito de Bröwsted e Lowry, ácidos são compostos doadores de prótons (íons H ), enquanto
+
bases são substâncias receptoras de prótons (íons H ). A forma não ionizada (ácido) está em equilíbrio químico
com a forma ionizada (base), formando o par ácido-base conjugada, de acordo com a equação abaixo, onde HA é
-
o ácido e A é a base:
HA H+ + A-
+
A concentração de íons H (pH) deve ser mantida constante para que a homeostase seja mantida. As proteínas
são essencias para a manutenção da estrutura e função normal da células (homeostase). No entanto, as
+
proteínas possuem muitos grupamentos dissociáveis altamente reativos com íons H . Estes grupamentos podem
+
ganhar ou perder íons H e tais reações, causadas por alterações no pH, podem resultar em mudança na sua
configuração espacial, resultando em desnaturação e perda de função (morte celular).
pH (potencial hidrogeniônico)
+
O termo potencial hidrogeniônico ou pH é utilizado para expressar concentração de íons H em uma solução. De
acordo com a fórmula:
26
120
100
[H+] nEq/L
80
20
0
7.0 7.2 7.4 7.6 7.8 8.0
pH
HA H+ + A- ou H+ + A- HA
Como as duas reações estão ocorrendo ao mesmo tempo, e a prevalência de uma forma ou outra do ácido e sua
base conjugada irá resultar na constante de dissociação ou constante de ionização (Ka):
[H+ + A-]
Ka =
[HA]
Um valor elevado para a constante de dissociação (Ka) significa que há maior prevalência da forma dissociada, se
tratando portanto de um ácido forte (grande tendência a se dissociar ou ionizar). Os ácido fortes, devido à
+ -
prevalência da forma ionizada (H + A ), produzem um maior impacto no pH de uma solução (Ex: ácido
clorídrico - HCl). Os ácidos fracos (constante de dissociação relativamente baixa), por prevelecerem na forma
não ionizada (HA), resultam em mudanças menos intensas do pH (Ex: ácido carbônico).
27
Figura 2: Curvas de titulação de três ácidos e
14
suas respectivas bases conjugadadas. Notar que
as mudanças no pH da solução decorrentes da 13 NH3
adição de NaOH são menos intensas quando o 12
pH não difere em mais de 1 unidade do pK´ (pH 11
onde as formas não-ionizada e ionizada estão 10 pK’ = 9,25 HPO42-
presentes em concentrações iguais). O ácido
9 [NH4+] = [NH3 ]
acético (CH2COOH) é comparativamente o
mais forte dos ácidos em pH fisiológico (7,4) 8 pK’ = 6,86 CH3COO-
NH4+
por predominar na forma dissociada (CH2COO- pH 7 [H2PO4-] = [HPO42- ]
+ H+) nesta faixa de pH. O amônio (NH4+) se 6
pK’ = 4,76
comporta como o ácido mais fraco em pH 5 H2PO4-
fisiológico, predominando na forma não [CH3COOH] = [CH3COO-]
4
ionizada (NH4+). O H2PO4-, por sua vez, se
comporta como o tampão mais eficiente no 3
organismo (tampão fosfato), uma vez que seu 2 CH COOH
3
pK´ (6,86) não difere em mais de 1 unidade de 1
pH fisiológico (7,4) (Adaptado de Lehnninger, 0
1984). 0.0 0.5 1.0
Equivalentes de NaOH
As soluções tampão são de grande importância no organismo animal, representando a primeira linha de defesa do
organismo contra mudanças bruscas no pH e manutenção da homeostase. Existem inúmeros tampões no
organismo animal. Dentre eles o mais importante é o tampão ácido carbônico (ácido fraco) / bicarbonato (base
conjugada ou sal).
28
Fosfatos
-
Além das proteínas, os fosfatos orgânicos e inorgânicos (H2PO3 ) também são importantes tampões
-
intracelulares. O pK´ do sistema tampão fosfato (H2PO3 / ácido fosfórico) é 6,86. O fosfato inorgânico atua de
forma eficaz como tampão no meio intracelular pois, além de estar presente em maiores concentrações no LIC,
seu pK´ é relativamente próximo ao pH do LIC (pK´ = 6,86 versus pH = 7,4).
90
29
Lúmen tubular Célula tubular Fluido intersticial
peritubular
Na + Na + Na +
30
Lúmen tubular Célula tubular Fluido intersticial
peritubular
Cl- Na + Na + Na +
H+ H+ HCO3- HCO3-
+ regenerado
NH3 NH3 H2CO3
glutaminase
NH4 + Cl- GLU-NH2 CA
CO2 + H2O
+ ! !, ) '% "() * )
Inúmeras situações patológicas podem afetar significativamente o equilíbrio ácido-base, interferindo assim com a
homeostase orgânica. Os termo acidose se refere ao excesso relativo de substâncias ácidas no organismo
devido a processos patológicos. O termo alcalose denota excesso de substäncias básicas e/ou deficit de
substâncias ácidas devido a situações patológicas. Deve-se diferenciar os termos acidose e alcalose de
acidemia e alcalemia (menos empregados). Acidemia e alcalemia se referem especificamente ao pH do fluido
extracelular: pH < 7,35 = acidemia / pH > 7,45 = alcalemia. A diferenciação entre estes termos é importante
porque freqüentemente pode-se observar animais que apresentam acidose (acúmulo de substâncias ácidas), sem
no entanto apresentar acidemia (pH < 7,35), ou situação oposta (alcalose sem manifestar alcalemia). Um exemplo
desta situação seria um animal com acidose metabólica (acúmulo de ácidos fixos) totalmente compensada (pH
normal), onde a queda no pH devido ao acúmulo de substâncias ácidas é compensada pela diminuição da PCO2
decorrente do aumento na ventilação alveolar ((hiperventilação). Podem ocorrer ainda distúrbios mistos, onde
ocorrem alterações que resultam em modificações no pH em sentidos opostos (Ex: acidose metabólica e alcalose
metabólica), onde o pH pode não se encontrar alterado. Portanto, os termos alcalose e acidose são mais
apropriados para designar alterações do EAB.
O diagnóstico de distúrbios do EAB deve-se basear no histórico, achados do exame físico e exames laboratorais.
O exame hemogasométrico associado a mensuração de eletrólitos (ÂNÌON GAP), no entanto, se constitui no
principal meio para se efetuar um diagnóstico e tratamento preciso dos distúrbios do EAB.
ÂNION GAP
O ÂNION GAP é um parâmetro calculado a partir da determinação da concentração de eletrólitos no sangue,
sendo utilizado como auxiliar no diagnóstico de determinados distúrbios do EAB. De acordo com a lei da
eletroneutralidade, todos os ânions são anulados por todos os cátions no organismo, não existindo diferença
(GAP) entre estes. No entanto, nas mensurações realizadas na prática clínica, observa-se a presença de uma
diferença entre as somas das concentrações dos cátions (Na+ e K+) e a soma das concentrações dos
ânions (Cl- e HCO3-). Esta diferença é denominda ÂNION GAP. Em cães e gatos, o ÂNION GAP normalmente
se situa entre 12 e 24 mEq:
ÂNION GAP = (Na+ + K+) - (Cl- + HCO3-) = 12-24 mEq/L
A explicação para esta diferença é atribuída a presença dos cátions não mensurados (CNM, Ex: Ca e Mg) e
principalmente dos ânions não mensurados (ANM, Ex: lactato, acetato, β-hidroxibutirato, proteínas). Portanto, caso
se leve em consideração a presença dos íons não mensurados (CNM e ANM), o resultado seria igual a zero
(todos os ânions são anulados por todos os cátions):
Tabela 1: Valores hemogasométricos normais do sangue arterial e sangue venoso (jugular) em cães
Interpretação da hemogasometria: A análise isolada do pH sangüíneo não se presta para se verificar se uma
alteração do EAB está presente ou não, uma vez que este parâmetro pode não estar alterado em caso de
resposta compensatória pulmonar ou renal ou em caso de distúrbios mistos (presença de mais de um distúrbio do
EAB com efeitos opostos no pH). Como já exposto, os os termos acidose ou alcalose definem situações onde há
excesso ou déficit relativo de substâncias ácidas ou básicas no sangue. As alterações do EAB (acidose / alcalose)
são classificadas de acordo com sua causa em distúrbios metabólicos ou respiratórios. Os distúrbios
metabólicos são causados por excesso/déficit relativo de ácidos fixos (solúveis) no sangue (Ex: acidose
metabólica devido ao acúmulo de ácido lático), resultando em alterações primárias dos níveis de bicarbonato
32
do sangue. Por outro lado, os distúrbios respiratórios são causados excesso/ déficit relativo de ácidos voláteis
(CO2), resultando em alterações primárias na pressão parcial de CO2 do sangue (PCO2) (Tabela 2).
-
Após a análise inicial, onde se verificam possíveis alterações no EAB com base nos valores de pH, PCO2 e HCO3 ,
deve-se procurar identificar se se trata de distúrbio simples ou misto. No caso de distúrbio simples, existe
apenas uma alteração primária (metabólica ou respiratória), enquanto a outra alteração é de natureza
compensatória (Tabela 3).
Tabela 3: Distúrbios simples do equilíbrio ácido-base
-
pH Pressão parcial de CO2 Bicarbonato (HCO3 )
(PCO2)
Acidose metabólica com alcalose normal ou Reduzido Reduzido (alteração primária)
respiratória compensatória < 7,35 (resposta compensatória)
Pode haver inicialmente alguma dificuldade para se determinar qual alteração é de natureza primária e qual é de
natureza compensatória (secundária). No entanto, deve-se ter sempre em mente que os distúrbios do EAB são
secundários à processos patológicos e o conhecimento da etiopatogenia do problema clínico que o animal
apresenta é freqüentemente necessário para se determinar qual alteração é primária e qual é compensatória.
No caso de distúrbios mistos, há mais de uma alteração primária do EAB (Tabela 4). A diferenciação entre
distúrbios simples e misto é um procedimento por vezes complexo, sendo possível de ser realizada com precisão
no presente momento apenas em cães. Para fins práticos, no entanto, diagnostica-se o distúrbio do EAB de maior
importância dentro do contexto de cada caso clínico, sem preocupações maiores com a difrenciação entre
distúrbios simples e mistos, uma vez que tal diferenciação geralmente não interfere nas medidas terapêuticas a
serem adotadas.
Acidose Metabólica e Normal ou < 7,35 ou > Reduzido ou aumentado ou Reduzido ou aumentado ou
Alcalose Metabólica 7,45 normal normal
-
*Distúrbios mistos com efeito aditivo na PCO2 e HCO3 (aumentos ou reduções de maior magnitude)
**Distúrbios mistos com efeito aditivo no pH (desvio do pH de maior magnitude)
33
Em cães, a diferenciação entre distúrbio simples e misto pode ser baseada no cálculo da resposta
compensatória que seria esperada em caso de distúrbio simples (Tabela 5). Caso a resposta compensatória renal
-
(HCO3 ) ou pulmonar (PCO2) esteja dentro dos valores esperados, trata-se de distúrbio simples. Caso esta
resposta esteja marcadamente maior ou menor que os valores esperados, trata-se provavelmente de distúrbio
misto (Tabela 4). Esta abordagem, no entanto ainda não é passível de ser aplicada em felinos e outras espécies
domésticas. Nestas situações, a diferenciação precisa entre distúrbios simples e mistos pode ser difícil de ser
realizada com precisão. Maiores detalhes sobre distúrbios mistos do EAB serão abordados posteriormente neste
capítulo.
Tabela 5: Respostas compensatórias pulmonares e renais esperadas em caso de distúrbios simples do equilíbrio
ácido-base em cães:
Tipo de distúrbio Alteração primária Resposta compensatória
-
Acidose Metabólica ↓ HCO3 0,7 mm Hg de queda na PCO2
-
p/ cada 1 mEq/L de queda no HCO3
-
Alcalose Metabólica ↑ HCO3 0,7 mm Hg de aumento na PCO2
-
p/ cada 1 mEq/L de aumento no HCO3
-
Acidose Respiratória Aguda ↑ PCO2 1,5 mEq/L de aumento no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de aumento na PCO2
-
Acidose Respiratória Crônica ↑ PCO2 3,5 mEq/L de aumento no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de aumento na PCO2
-
Alcalose Respiratória Aguda ↓ PCO2 2,5 mEq/L de redução no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de redução na PCO2
-
Alcalose Respiratória Crônica ↓ PCO2 5,5 mEq/L de redução no HCO3
p/ cada 10 mm Hg de redução na PCO2
# ! )+"
A acidose metabólica é um distúrbio do EAB resultante do excesso relativo ou absoluto de ácidos fixos no
-
organismo. Se caracteriza por uma queda primária da concentração de bicarbonato (HCO3 ), excesso relativo de
+
ácidos fixos (íons H ) e redução secundária da PCO2 (resposta compensatória do organismo). Em caso de
-
acidose metabólica moderada (redução moderada do HCO3 ), a queda da PCO2 pode ser suficiente para
normalizar o pH.
Resposta respiratória à acidose metabólica: O excesso relativo/absoluto de ácidos fixos no organismo (acidose
+
metabólica) é caracterizado pelo aumento da concentração de íons H , o que resulta em estímulo dos
quimioreceptores centrais e periféricos, os quais determinam um aumento da ventilação alveolar (diminuição da
PCO2). Esta resposta ocorre de forma relativamente rápida (dentro de minutos) atingindo eficácia máxima dentro
de poucas horas. Em cães com acidose metabólica simples, a PCO2 se reduz em 0,7 mm Hg para cada 1 mmol/L
-
de queda do HCO3 (cálculo feito com base em estudos experimentais). Em outras espécies (equinos, bovinos,
felinos), não há dados experimentais que permitam o cálculo da estimativo da resposta pulmonar face a acidose
metabólica.
34
AcIdose Lática: O metabolismo da glicose resulta resulta inicialmente na formação de ácido pirúvico, o qual sob
condições normais (aerobiose) é convertido em acetil-CoA, composto que participa do ciclo de Krebs (fosforilação
oxidativa) ou do processo de gliconeogênese. Por outro lado, sob condições anaeróbicas o piruvato sofre
fermentação lática, resultando na formação de ácido lático. A acidose lática é um problema clínico comum tanto
em pequenos como grandes animais. Este tipo de acidose metabólica é causada pelo acúmulo de ácido lático no
organismo devido ao aporte deficiente de O2 aos tecidos ou devido à incapacidade destes em utilizar o oxigênio
suprido pelo sangue (estados de choque). No choque hipovolêmico ou hemorrágico, por exemplo, a queda do
volume circulante resulta em redução da oferta de O2 para os tecidos (hipóxia tecidual), resultando em acúmulo de
ácido lático. Como já discutido anteriormente, a acidose lática resulta tipicamente em aumento do ÂNION GAP
uma vez que a redução do bicarbonato ocorre paralelamente à elevação do lactato (ânion não mensurado - ANM):
Lactato (ANM)
(Na + K ) - (Cl + HCO3-) = ÂNION GAP > 24
+ + -
O entanto, o fato do animal não apresentar ÂNION GAP aumentado não implica na ausência de acidose orgânica,
uma vez que o ÂNION GAP é influenciado por outros fatores. A hipoproteinemia (níveis séricos de albumina
reduzidos), por exemplo, pode mascarar a elevação do ÂNION GAP, por apresentar efeito oposto neste
parâmetro.
Cetoacidose Diabética: O acúmulo de cetoácidos (acido acético, propiônico e β-hidroxibutírico) levando à
acidose metabólica ocorre na diabetes mellitus. Esta afecção é um distúrbio hormonal do metabolismo da glicose
causado por uma deficiëncia absoluta ou relativa de insulina, o que impede absorção da glicose circulante
pelas células, resultando em hiperglicemia (aumento dos níveis de glicose circulante). Paralelamente, ocorre
aumento dos níveis séricos de glucagon, hormônio que estimula a glicogenólise (aumento da glicemia) e
lipólise (formação de cetoácidos). Portanto, devido à deficiência de insulina e excesso de glucagon, ocorre
acúmulo excessivo de cetoácidos (acetato, β-hidroxibutirato) levando à acidose metabólica. Em pacientes
diabéticos com depleção do volume circulante (desidratação), ocorre aumento do ÂNION GAP devido à retenção
de cetoácidos na circulação (acetato, β-hidroxibutirato). Em pacientes diabéticos com o volume circulatório normal
(não desidratados), o ÂNION GAP pode não estar aumentado devido ao aumento dos níveis séricos de cloreto
-
(Cl-) que ocorre secundariamente à retenção de Cl pelos rins. No diabetes também observa-se acidose lática
caso o paciente esteja significativamente desidratado/hipovolêmico.
Intoxicaçäo por salicilato: Trata-se de um problema clínico raramente observado em pequenos animais onde, a
injestão acidental do ácido acetilsalicílico (aspirina) pode causar acidose metabólica. O ácido acetilsalicílico é
metabolizado pelo fígado em ácido salicílico (salicilato). O acúmulo de salicilato (ânion não mensurado) é
associado à um aumento do ÂNION GAP e acidose metabólica.
Acidose urêmica: Na acidose urêmica, os ácidos inorgânicos (fosfato, sulfato) e orgânicos se acumulam no
organismo devido a incapacidade dos rins em excretá-los. No caso de insuficiência renal observa-se que os
valores de uréia e creatinina séricos se encontram elevados (a uréia e creatinina são metabólitos que dependem
dos rins para sua excreção) e a hemogasometria pode acusar acidose metabólica associada a aumento do ÂNION
GAP (acidose urêmica).
35
Em caso de perda excessiva de fluido pela diarréia, o animal pode desenvolver hipovolemia com conseqüente
acidose lática (ÂNION GAP aumentado), podendo ocorrer a coexistência de ambos os tipos de acidose metabólica
(normoclorêmica e hiperclorêmica).
Tratamento da acidose metabólica
O tratamento da acidose metabólica é baseado na remoção da sua causa. No caso de desidratação/choque
hipovolêmico (acidose lática), deve-se procurar repor o déficit hídrico com fluidos (Ex: Ringer Lactato) para se
reexpandir volume circulante e possibilitar a normalização da perfusão tecidual (nomalização da oferta de O2 aos
tecidos). A reposição de fluidos no choque hipovolêmico resulta em última instância em normalização do
metabolismo tecidual que deixa de ocorrer sob condições de anaerobiose, (interrompmento da produção de ácido
lático). No caso de choque hemorrágico, a reposição do volume circulante é feita com sangue (até 15-20 mL/kg) e
fluidos como o Ringer lactato. O Ringer lactato é empregado como fluido de reposição em casos de choque
hipovolêmico em função da sua composição eletrolítica ser relativamente próxima à composição eletrolítica do
plasma sangüíneo (ver capítulo 3). Além deste fato, seu emprego é considerado benéfico em casos de
-
hipovolemia/acidose metabólica em função de seu efeito alcalinizante, atribuído ao ânion lactato (C3H5O3 ) que,
+
ao ser convertivo em glicose (C6H12O6) ou sofrer metabolismo oxidativo, resulta no consumo de íons H :
$ !+
A acidose respiratória é um distúrbio do EAB resultante do excesso ácidos voláteis (CO2) no organismo. Se
caracteriza por uma elevação primária da pressão parcial de CO2 (PCO2) com conseqüente queda do pH e
-
elevação secundária do HCO3 plasmático (resposta compensatória).
Causas de acidose respiratória
37
Inúmeras condições clínicas podem estar associadas a hipercapnia/acidose respiratória (Tabela 6). A
hipoventilação alveolar (↓ ↓VA) resulta em hipercapnia/acidose respiratória e pode ocorrer em função de uma
depressão de origem central (depressão do centro respiratório bulbar) ou em função de um problema mecânico
que resulte em impedimento da expansão adequada dos pulmões (problemas neuromusculares, obstrução de vias
aéreas, defeitos restritivos, posicionamento e decúbito em grandes animais).
Em determinadas situações, uma percentagem variada de alvéolos não recebe nenhuma ventilação, como por
exemplo em casos de pneumonia avançada, edema pulmonar e atelectasia (colabamento alveolar) devido a
defeitos restritivos em geral. O sangue que percorre estas unidades alveolares não ventiladas não sofre nenhuma
troca gasosa, caracterizando os denominados “shunts”. Em um animal apresentado pneumonia, por exemplo,
uma percentagem significativa de “shunts” ocasiona hipoxemia (↓ PaO2) e, caso a PaO2 se reduza a valores
abaixo de 60 mm Hg (normal 80-100 Hg), ocorre estímulo ao centro respiratório bulbar que determina
compensação através de um aumento da ventilação aleolar. Este aumento da ventilação alveolar resulta em
hipocapnia (↓ PaCO2) e objetiva manter os níveis de O2 no sangue arterial (PaO2) acima do limiar hipóxico (60 mm
Hg). No entanto, com o agravemento de uma pneumonia ou em casos onde há comprometimento grave dos
pulmões (% significativa de “shunts”), além da oxigenação estar comprometida (hipoxemia = ↓ PaO2), esta
também é acompanhada de hipercapnia/acidose respiratória (↑ PaCO2).
Observação:
PAO2 = FiO2 x (PB – PH2O) – PACO2 -FiO2 (Fração de O2 inspirada) = 0,21 (ar ambiente)
-PB (pressão barométrica) = 760 mm Hg (nível do mar)
PAO2 = 0,21 x (760 – 47) – 40 -PH2O (pressão de água) = 47 mm Hg
-PACO2 (pressão parcial de CO2 alveolar) = 40 (animal
PAO2 = 110 mm Hg ventilando normalmente)
Em um pulmão normal, um gradiente de concentração de O2 entre o sangue venoso (PAO2 = 110 versus PvO2 =
40) resulta em PaO2 de aproximadamente 90-100 mm Hg). Supondo que este animal apresente hipoventilação
levando ao acúmulo de CO2 no interior dos alvéolos (Ex: PACO2 = 80 mm Hg). Pode-se prever qual o reflexo do
elevação da concetração de CO2 alveolar (↑PACO2) na concentração de O2 alveolar (↓ PAO2):
Este animal, devido a hipoventilação levando à queda da concentração alveolar de O2 (PAO2 = 70 mm Hg)
desenvolverá hipoxemia (pressão parcial de O2 no sangue arterial – PaO2 < 70 mm Hg). No entanto, a hipoxemia
(↓ PaO2) causada por hipoventilação pode ser prevenida com o enriquecimento da fração de O2 inspirada (FiO2 >
30%). Supondo por exemplo que o mesmo animal descrito acima esteja conectado a um circuito anestésico
recembendo O2 puro (FiO2 = 100 %) ao invés de ar ambiente:
Observação:
PAO2 = FiO2 x (PB – PH2O) – PACO2 -FiO2 (Fração de O2 inspirada) = 1,0 (O2 puro = 100 %)
-PB (pressão barométrica) = 760 mm Hg (nível do mar)
PAO2 = 1,0 x (760 – 47) – 80 -PH2O (pressão de água) = 47 mm Hg
-PACO2 (pressão parcial de CO2 alveolar) = 40 (animal
PAO2 = 620 mm Hg ventilando normalmente)
Neste caso, a adminstração de O2 puro (FiO2 = 100%) possibilita que a pressão parcial de O2 alveolar (PAO2)
esteja marcadamente elevada, prevenindo a hipoxemia mesmo em caso de hipoventilação severa em um animal
com pulmões normais.
A hipoventilação alveolar, no entanto, é apenas uma causa de hipoxemia. Outras condições que podem
causar hipoxemia são discutidas no capítulo sobre o fisiologia respiratória e anestesia.
Efeitos fisiológicos hipercapnia
A hipercapnia severa (elevação da pressão parcial de CO2 acima de 60-70 mm Hg), além de resultar em acidose
respiratória (pH < 7,35), pode causar elevação da pressão intracraniana (hipertensão craniana), elevação da
pressão intraocular, bem como estimulação cardiovascular generalizada (taquicardia e hipertensão). A
estimulação cardiovascular associada a hipercapnia severa ocorre devido aumento de catecolaminas circulantes
39
(adrenalina, nordrenalina). Por outro lado, caso o pH sanguíneo apresente queda significativa (pH < 7,2) devido à
elevação da PCO2, a acidose pode resultar em depressão do miocárdio e comprometimento da função
cardiovascular (homeostase orgânica afetada).
Resposta à acidose respiratória aguda: Na acidose respiratória, devido à elevação primária da pressão parcial
-
de CO2 e queda do pH, ocorre elevação compensatória do HCO3 no líquido extracelular (plasma e interstício). A
-
elevação compensatória do HCO3 ocorre em duas fases (aguda e crônica), atingindo seu pico dentro de
+
aproximadamente 3 a 4 dias devido atuação dos rins. Na acidose respiratória aguda, o acúmulo de íons H
-
decorrente de elevação da PCO2 não pode ser tamponado pelo bicarbonato (HCO3 ). Neste caso, os tampões
intracelulares (fostato e principalmente a hemoglobina) apresentam um papel essencial (Figura 8).
40
Em determinadas afecções (Ex: pacientes com trauma torácico e hipovolêmicos, casos graves de síndrome
dilatação/torsão gástrica), além da acidose respiratória (↑ PaCO2), pode-se observar também acidose metabólica
-
primária (↓ HCO3 ), caracterizando um distúrbio misto com efeitos aditivos no pH. Caso se realize a opção pela
terapia com bicarbonato de sódio (NaHCO3) no tratamento do componente metabólico, este deve ser empregado
cuidadosamente para se evitar alcalização excessiva do pH, o que pode agravar ainda mais a acidose respiratória.
-
Recomenda-se nestes casos, administrar inicialmente metade ou 1/3 da quantidade de HCO3 calculada, em
quatidades suficientes apenas para manter o pH acima de 7,2.
" " $ !+
A acidose respiratória é um distúrbio do EAB resultante do déficit de ácidos voláteis (CO2). Se caracteriza por
uma redução primária da pressão parcial de CO2 (PCO2) com conseqüente elevação do pH e redução secundária
-
do HCO3 plasmático (resposta compensatória).
Causas de alcalose respiratória
Inúmeras condições clínicas podem estar associadas a alcalose respiratória (Tabela 7). A hiperventilação resulta
em hipocapnia/alcalose respiratória. A hiperventilação pode ser causada pelo estímulo de quimioreceptores
periféricos em situações de hipoxemia (PaO2 < 60 mm Hg). Outras situações que levam a hiperventilação são:
ajuste do respirador mecânico, estímulo direto do centrol respiratório bulbar, doença neurológica, hipertermia.
Efeitos fisiológicos hipocapnia
A redução aguda do níveis de CO2 arterial (hipocapnia = ↓ PaCO2) pode estar associada a redução da pressão
intracraniana e redução do fluxo sanguíneo cerebral. Em pacientes humanos apresentando traumatismo craniano
associado a elevação da pressão intracraniana, induz-se a hipocapnia com o objetivo de se controlar a hipetensão
craniana. Os sintomas da hipocapnia crônica em animais não são marcantes, uma vez que o devio do pH não é
tão evidente na fase crônica da alcalose respiratória.
Resposta à alcalose respiratória aguda: Na alcalose respiratória, devido à redução primária da pressão parcial
-
de CO2 e elevação do pH, ocorre redução compensatória do HCO3 no líquido extracelular (plasma e interstício). A
-
redução compensatória do HCO3 ocorre em duas fases (aguda e crônica), atingindo seu pico dentro de
aproximadamente 3 a 4 dias devido atuação dos rins. Na alcalose respiratória aguda, déficit de íons H+ decorrente
da redução da PCO2 é tamponado pelos tampões intracelulares (fostato e principalmente hemoglobina). Portanto,
na alcalose respiratória aguda, a hemoglobina e outros tampões intracelulares liberam íons H+ que por sua vez
- -
irão tamponar o HCO3 , resultando em redução compensatória do HCO3 no líquido extracelular.
-
Em cães com acidose respiratória aguda, o HCO3 se reduz dentro de minutos e se estabiliza em poucas horas.
-
Como previamente exposto, a redução do HCO3 na fase aguda da acidose respiratória é associada
principalmente à ação dos tampões intracelulares (hemoglobina e fosfatos), os quais liberam íons H+, resultando
- -
assim titulação (redução) do HCO3 . De acordo com estudos experimentais em cães o HCO3 se eleva em
aproximadamente 0,25 mm Hg para cada 1 mm Hg de elevação do CO2 na alcalose respiratória aguda.
Resposta à alcalose respiratória crônica: Com o decorrer de alguns dias, os rins passam a exercer um papel
-
importante na alcalose respiratória, sendo responsáveis pela redução compensatória da concentração de HCO3
no líquido extracelular (plasma e interstício). Os rins atingem sua eficácia máxima dentro de aproximadamente 3 a
4 dias. Na alcalose respiratória, os rins reduzem a excreção de ácidos orgânicos (NH4Cl e NaH2PO4), resultando
-
em última instância na redução dos níveis de HCO3 no líquido intersticial.
42
-
Francisco J Teixeira Neto
Daniela Campagnol
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
1- Introdução
Muitos animais a serem anestesiados apresentam distúrbios hidro-eletrolíticos significativos. Pacientes cirúrgicos
podem freqüentemente apresentar desidratação/hipovolemia discreta a moderada que pode não ser evidente no
exame pré-anestésico. Além de situações de déficit volêmico, há distúrbios eletrolíticos graves (Ex: hipercalemia
associada à obstrução das vias urinárias/uroperitônio) que necessitam ser previamente corrigidos devido ao
elevado risco de morbidade e mortalidade intra-operatória. Neste capítulo, não somente serão discutidas as
alterações hidro-eletrolíticas mais frequentemente observadas nos pacientes cirúrgicos, mas também sua
correlação com o equilíbrio ácido-base.Uma situação clínica que ilustra a correlação mencionada acima é o
agravamento de estados de hipercalemia (aumento do potássio plasmático) quando estes ocorrem
concomitantemente à acidose metabólica.
2- Distribuição corpórea da água e dos eletrólitos no organismo e seu papel fisiológico
Em cães e gatos adultos, a água perfaz aproximadamente 60% de seu peso corpóreo (Seeler, 2007). Variações
na percentagem relativa de água corpórea são observadas nos animais alocados nos extremos da faixa etária
(neonatos e idosos) e nos animais obesos. O conteúdo de água corpórea total é maior no início da vida e se reduz
gradativamente com o passar do tempo devido, principalmente, a diminuição do volume plasmático e do fluido
intersticial. Nos neonatos, o conteúdo de água corpórea total pode ser considerado como 75% do peso corpóreo
(Seeler, 2007). Em animais obesos, o excesso de gordura contribui para a menor proporção de água, uma vez que
o tecido adiposo apresenta baixo teor hídrico. Nestes animais, o déficit de fluido deve ser estimado com base no
peso corpóreo magro (peso real, descontando-se o peso representado pelo tecido adiposo), evitando-se a super-
hidratação. Considerando que 20% do peso corpóreo são constituídos de tecido adiposo e que na obesidade a
proporção de gordura em relação ao peso corpóreo não é inferior a 30%, o peso corpóreo magro pode ser
estimado como:
Animais normais (peso corpóreo magro) = peso corpóreo mensurado X 0,8
(considerando 20% de gordura)
As fórmulas acima devem ser consideradas apenas como um guia geral, pois grandes variações na percentagem
relativa de gordura podem ocorrer entres os diferentes indivíduos. Como exemplo destas variações, os autores
têm observado felinos domésticos obesos pesando cerca de 8 kg, cujo o peso magro estimado seria de
aproximadamente 4 kg (50% do peso mensurado constituído por tecido adiposo).
43
COMPARTIMENTO COMPARTIMENTO
INTRACELULAR EXTRACELULAR
INTERSTICIAL VASCULAR
Figura 1: Distribuição da água corpórea total entre os compartimentos intracelular e extracelular. O compartimento
transcelular não está representado, pois seu teor hídrico é relativamente insignificante. Adaptado de Schaer, 1989:
General Principles of Fluid therapy in Small Animal Medicine. The Veterinary Clinics of North America – Small Animal
Practice.
Em situações clínicas, os eletrólitos que apresentam papel importante na homeostase orgânica podem ter sua
concentração plasmática determinada a partir de amostras sanguíneas. Os eletrólitos são pequenas partículas que
se movem através da membrana celular lipídica por meio de canais iônicos seletivos a favor do gradiente de
concentração. No entanto, como se pode verificar na tabela 1, os eletrólitos não estão homogeneamente
distribuídos entre os diferentes compartimentos. Enquanto alguns eletrólitos se distribuem principalmente no LEC
(Ex: sódio, cloreto e bicarbonato), outros se apresentam concentrados principalmente no LIC (Ex: potássio,
fosfatos e sulfatos). Portanto, a determinação da concentração plasmática de um eletrólito que esteja distribuído
principalmente no compartimento intracelular (Ex: potássio) pode não representar de forma fidedigna a sua
concentração no interior da célula. Na hipocalemia severa (potássio plasmático < 2 mEq/L), por exemplo, o déficit
de potássio intracelular pode se tornar aparente durante a terapia de reposição intravenosa, onde redução
adicional do potássio plasmático nas primeiras horas de terapia poderá ocorrer antes da normalização da
concentração de potássio nas horas subseqüentes.
COMPARTIMENTO
COMPARTIMENTO EXTRACELULAR
INTRACELULAR
Intersticial Vascular
+
Na 13 145 142
K+ 155 4 5
Ca2+ 2 3 5
Mg2+ 35 2 2
Cl- 2 115 106
HCO3- 10 30 24
Fosfatos 113 2 2
Sulfatos 20 1 1
* Adaptado de Seeler, 2007. Fluid and Eletrolyte Therapy. In: Lumb & Jones’ Veterinary Anesthesia.
O sódio é o principal cátion (íon de carga positiva) localizado no compartimento extracelular (concentração
aproximada de 145 mEq/L no LEC versus 13 mEq/L no LIC em cães), enquanto o potássio apresenta distribuição
inversa (concentração aproximada de 4 mEq/L no LEC versus 155 mEq/L no LIC em cães). Bombas de transporte
ativo (Na/K ATPase) auxiliam a manter o gradiente diferencial das concentrações de sódio e de potássio entre os
compartimentos intra e extracelular. O sódio está intimamente relacionado com a manutenção do volume de fluido
44
extracelular, funcionamento normal do SNC, geração de potencial de ação em tecidos excitáveis, na habilidade
renal de excreção de urina concentrada e no transporte de muitas substâncias através das membranas celulares.
Aproximadamente 95% do potássio se localizam no compartimento intracelular. Uma das principais funções do
potássio é restabelecer o potencial de membrana em repouso das células excitáveis (musculatura lisa e estriada).
Tal função consagra a importância fisiológica vital do potássio para manutenção da atividade normal das células
miocárdicas (atividade elétrica cardíaca), da musculatura lisa do trato gastrointestinal e da musculatura esquelética
.
Similarmente aos cátions, os ânions (íons de carga negativa) também se distribuem de forma diferente nos
compartimentos orgânicos. O cloreto acompanha a distribuição do sódio, estando localizado principalmente no
compartimento extracelular (concentração aproximada de 110 mEq/L no LEC versus em 2 mEq/L no LIC em
cães). Devido ao fato do ânion cloreto acompanhar o movimento do cátion sódio, eventuais alterações na
concentração de cloreto devem ser analisadas face às alterações concomitantes na concentração de sódio, como
será explicado mais adiante neste capítulo. O ânion bicarbonato, similarmente ao ânion cloreto, está localizado
principalmente no LEC (concentração aproximada de 25 mEq/L no LEC versus em 10 mEq/L no LIC em cães).
Tanto o cloreto como o bicarbonato são ânions que participam diretamente da regulação do equilíbrio ácido-base
no compartimento extracelular.
- +
O ânion bicarbonato (HCO3 ) é uma base que ao se combinar com o hidrogênio (H ) dá origem a um ácido fraco
-
(H2CO3 = ácido carbônico). Este ácido e sua base conjugada (H2CO3 / HCO3 ) atuam como principal tampão
extracelular, protegendo o organismo contra mudanças abruptas no pH do LEC. Normalmente, os tampões
tendem a ser mais eficientes quando o pH de uma determinada solução é próximo ao seu pk’ (pH onde as formas
dissociada [ionizada] e não dissociada [não ionizada] se encontram em proporções iguais). Apesar do pk’ do
bicarbonato/ácido carbônico (6.1) não ser próximo ao pH fisiológico (7.4) do meio extracelular, o que implica na
redução de sua eficiência, o bicarbonato/ácido carbônico ainda é o tampão de maior importância no LEC. A
importância do bicarbonato/ácido carbônico como principal tampão de LEC pode ser explicada pelo fato deste
atuar de forma integrada com os pulmões e os rins, onde eventuais excessos de carga ácida são eliminados para
o exterior através dos pulmões na forma de CO2 (ácido volátil) e/ou pelos rins na forma de ácidos solúveis:
Os ânions fosfato e sulfato, por outro lado, participam na regulação do equilíbrio ácido-base no LIC. Além das
-
proteínas, os fosfatos orgânicos e inorgânicos (H2PO3 ) também são importantes tampões intracelulares. O pK´ do
-
sistema tampão fosfato (H2PO3 / ácido fosfórico) é 6.86.Dos tampões intracelulares, o fosfato inorgânico atua de
forma mais eficaz por estar presente em maior concentração no LIC.
3- Movimento de água e eletrólitos entre os compartimentos
45
Os números 18 e 2,8 apresentados na equação acima são os fatores de conversão da concentração de glicose e
uréia de mg/dL para mmol/L. Em animais hígidos, a osmolalidade plasmática pode ser estimada simplesmente por
2 x [Na+], pois a contribuição da glicose e da uréia é mínima. A osmolalidade plasmática varia de 290 a 310
mOsm/kg em cães e de 308 a 335 mOsm/Kg em gatos (DiBartola, 2000a).
O sódio também é o principal determinante do volume extracelular. Anormalidades do volume do LEC são
captadas por receptores presentes no átrio, nos seios carotídeos e nas arteríolas glomerulares aferentes. A
expansão do LEC, resultante do desvio de fluido intercompartimental devido à sobrecarga de sódio, desencadeia
a inibição do eixo renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a excreção de sódio. As câmaras cardíacas
(átrios), através da liberação de fator natriurético atrial, e o sistema nervoso simpático também colaboram com a
excreção de sódio. Dessa forma, enquanto os mecanismos de osmorregulação são responsáveis pela distribuição
de água entre os compartimentos, os mecanismos de regulação de volume são indispensáveis pela manutenção
da perfusão tecidual.
Apesar do sódio ser a principal partícula osmoticamente ativa que governa a movimentação de água entre os
compartimentos intra e extracelular, o movimento da água entre os compartimentos intersticial e intravascular
parece não ser substancialmente influenciado por este eletrólito. Isto está relacionado ao fato de que tanto o sódio
como a glicose podem atravessar livremente a barreira capilar, restabelecendo rapidamente o equilíbrio entre as
concentrações destas partículas no liquido intersticial e no plasma sanguíneo.
As alterações hidro-eletrolíticas geradas pela maioria das afecções se manifestam inicialmente no LEC (como por
exemplos as perdas de fluidos que ocorrem nas diarréias, na insuficiência renal poliúrica e nos procedimentos
cirúrgicos). A redistribuição de fluidos entre os compartimentos que ocorrem subseqüentemente atua como uma
tentativa de retomada de sua condição isotônica inicial. Associado a isso, as perdas de fluidos deflagradas por
afecções clínicas são terapeuticamente corrigidas através da administração parenteral de fluidos exógenos, os
quais acessam inicialmente o compartimento extracelular.
46
4- Distúrbios no equilíbrio hídrico: diagnóstico e tratamento
Avaliação do grau de desidratação: Muitos pacientes cirúrgicos apresentam-se desidratados devido a presença
de doenças sistêmicas. O grau de desidratação/hipovolemia deve ser estimado com base nos exames clínico-
laboratoriais (Tabelas 1 e 2) e a estabilização da função circulatória é realizada com fluidos/eletrólitos
prioritariamente antes da indução da anestesia.
O hematócrito e a proteína plasmática total são exames laboratoriais úteis na avaliação do grau de desidratação
do paciente cirúrgico. No animal que não apresenta anemia (Ht abaixo dos valores de referência) ou
hipoproteinemia (PPT abaixo dos valores de referência), a desidratação leva a hemoconcentração, comprovada
pelo aumento do hematócrito e/ou da proteína plasmática total devido à perdas na fração líquida do sangue.
Apesar da sua utilidade na avaliação do grau de desidratação, valores de Ht e/ou PPT normais ou abaixo do
normal não necessariamente implicam que o animal não apresenta déficit volêmico, uma vez que situações
como anemia e/ou hipoproteinemia podem mascarar elevações no Ht e PPT mesmo em animais apresentando
desidratação severa (> 10% do peso vivo).
Os valores de referência de Ht e PPT devem ser interpretados cuidadosamente em animais sedados com
tranquilizantes fenotiazínicos ou sob o efeito de anestésicos gerais. A vasodilatação esplênica causada por alguns
fármacos (ex: acepromazina e tiopental sódico) pode levar à redução substancial do Ht. Durante a anestesia geral,
a dimunição da pressão hidrostática capilar associada à ação hipotensora dos anestésicos gerais pode contribuir
para o movimento de água do compartimento intersticial para o compartimento intravascular, ocasionando redução
do Ht e da PPT com o decorrer da anestesia.
Situações envolvendo a perda sanguínea aguda (perda ocorrida há minutos ou poucas horas), não resultam em
alteração significativa do Ht e PPT, a menos que o animal apresente hemodiluição devido a administração de
volumes significativos de soluções cristalóides ou colóides sintéticos.
Desidratação X choque hipovolêmico: O choque é uma síndrome clínica grave caracterizada por um aporte
deficiente de O2 para as células ou incapacidade destas em utilizar o oxigênio. Os estados de choque apresentam
inúmeras causas (hipovolemia/hemorragia, septicemia, doença cardíaca) (o leitor deve-se referir ao capítulo sobre
choque para maiores detalhes.). Caso a desidratação seja severa (> 10%) ou caso o animal apresente perda
aguda de um volume sanguíneo maior que 30-40% do volume sanguíneo circulante (volume sanguíneo total de
um cão: 8% peso vivo = 80 mL/kg) o animal pode desenvolver choque hipovolêmico com seus sinais clássicos
(taquicardia, hipotensão, inconsciência/coma, extremidades frias). Durante a anestesia geral inalatória, alguns
sinais de descompensação fisiológica (hipotensão) podem ser observados com perdas sanguíneas
substancialmente menores (10% do volume sanguíneo total: 8 mL/kg de sangue). Animais sob efeito de
anestésicos gerais são menos tolerantes à hemorragia que animais conscientes (não anestesiados), devido ao
47
fato dos anestésicos gerais inibirem alguns mecanismos fisiológicos de resposta do animal frente à hemorragia
(ex: inibição do tônus simpático).
Tratamento da desidratação/hipovolemia:
Os cristalóides são soluções contendo pequenas partículas (eletrólitos e outras moléculas) que possuem
capacidade de se difundir através de todos os compartimentos do organismo (intravascular, intersticial e
intracelular) (Tabela 3). As soluções cristalóides podem ser divididas ainda em soluções balanceadas e não
balanceadas. As soluções balanceadas possuem composição eletrolítica semelhante à do plasma (Ex: Ringer
Lactato, Ringer), enquanto as soluções não balanceadas diferem substancialmente da composição plasmática
(Ex: solução fisiológica) (Tabela 3). Os cristalóides podem ser ainda classificados em isotônicos e hipertônicos,
de acordo com a sua osmolalidade (tonicidade) em relação ao plasma sanguíneo (Tabela 3). O Ringer Lactato,
Ringer Simples e Solução Fisiológica são considerados soluções isotônicas (tonicidade semelhante à do plasma),
enquanto a solução de NaCl a 7,5% é considerada hipertônica (tonicidade de 2400 mOsm/L versus tonicidade de
300 mOsm/L do plasma). Apesar da solução de glicose 5% possuir osmolalidade próxima à do plasma, esta
solução é considerada hipotônica após a glicose ter sido metabolizada.
Tabela 3: Valores de pH, eletrólitos e osmolaridade de diversos cristalóides em relação ao plasma sanguíneo no
cão.
Cristalóides isotônicos: O Ringer lactato é normalmente o fluido empregado na reposição do déficit hídrico de
pacientes desidratados. No entanto há situações onde a solução fisiológica (NaCl a 0,9%) e/ou Ringer Simples
também podem ser empregados. Muito embora os cristalóides isotônicos sejam indicados primariamente em
casos de desidratação, estas soluções também podem ser empregadas em pacientes apresentando choque
traumático/hemorrágico. Quando empregados na reposição de perdas sanguíneas, o volume de cristalóide
isotônico administrado deve ser 3 a 4 vezes maior que o volume de sangue perdido, uma vez que apenas 25% do
volume do cristalóide isotônico permanece no interior do vasos sanguíneos após 1 hora da sua administração.
Durante o exame físico, deve-se ter em mente que qualquer animal apresentando afecção sistêmica associada a
depressão/anorexia pode apresentar déficit volêmico de até 4% sem, no entanto, manifestar sinais óbvios de
desidratação (desidratação discreta ou subclínica) (Tabela 1). O ideal é que toda a desidratação estimada seja
reposta com cristalóides isotônicos antes da indução da anestesia. No entanto, em casos emergenciais,
cristolóides isotônicos podem ser administrados em volume suficiente para repor metade do déficit hídrico
calculado antes da indução da anestesia; o restante do déficit, adicionado de eventuais perdas adicionais deve ser
reposto durante o ato cirúrgico.
Em cães apresentando desidratação severa (>10%) e/ou sinais hipovolemia significativa (choque), os
a
cristalóides isotônicos podem ser administrados na taxa máxima de 90 mL/kg durante a 1 hora de
fluidoterapia. A velocidade de adminstração é reduzida nas horas subsequentes e/ou à medida em que as
funções vitais do animal (ex: pressão arterial e frequência cardíaca) se estabilizam. Na reposição volêmica de
pacientes idosos, com doença cardíaca, ou em felinos apresentado choque hipovolêmico, os cristalóides
podem ser utilizados na taxa de infusão máxima de 40-60 mL/kg/hora.
Para reposição das perdas hídricas que normalmente ocorrem durante o período intra-operatório, o Ringer
lactato é administrado na taxa de 10 mL/kg/hora, sendo que esta velocidade de administração pode ser reduzida
para 5 mL/kg/hora em ciurugias minimamente invasivas ou em animais com doença cardíaca. Em cães
apresentando sinais de hipovolemia/hemorragia significativa durante a anestesia (hipotensão, associada ou não à
taquicardia), administram-se bolus intravenosos de cristalóides isotônicos (Ex: Ringer lactato) na taxa de até 20
mL/kg durante um período de 15 minutos, podendo-se repetir o bolus por até 2 a 3 vezes até a obtenção de
estabilização cardiovascular (ex: normalização da pressão arterial). Em felinos, os cristalóides isotônicos devem
ser administrados mais lentamente (10 a 15 mL/kg durante 15 minutos) devido ao menor volume circulante desta
48
espécie (volume sanguíneo: 8% do peso vivo em cães versus 6% em felinos). Deve-se considerar que grandes
volumes de critalóides isotônicos resultam hemodiluição com redução do hematócrito e da Ht e da PPT. Caso o
hematócrito atinja valores abaixo de 20%, a transfusão sanguínea deve ser considerada para se manter a
capacidade de transporte de O2 do sangue. Caso a proteína plasmática total atinja valores abaixo de 3,5 g/dL (ou
albumina < 2 g/dL), a administração de colóides colóides sintéticos deve ser considerada para se manter a
pressão oncótica e evitar edema intersticial.
Cristalóides hipertônicos: O solução salina hipertônica (NaCl a 7,5 %) é empregada em casos de hipovolemia
aguda, choque traumático/hemorrágico (4 mL/kg administrados durante 5 minutos). Devido a sua
hiperosmolaridade, a salina hipertônica mobiliza o fluido de outros compartimentos (intersticial e intracelular) para
o interior dos vasos sanguíneos, resultando em aumento do retorno venoso (pré-carga), débito cardíaco e pressão
arterial. Outro possível mecanismo de ação da solução salina hipertônica, consiste na liberação de vasopressina
endógena (hormônio antidiurético) (Giusti-Paiva et al, 2007). Sua duração de ação, no entanto, é relativamente
curta (1 hora), devendo-se logo em seguida a sua administração empregar cristalóides isotônicos e/ou outros
fluidos/sangue para reposição do déficit volêmico. Apesar da solução salina hipertônica ser indicada em estados
de hipovolemia aguda (Ex: hemorragia devido a traumatismo, síndrome dilatação/torsão gástrica em cães, cólica
em equinos), esta pode ser relativamente ineficaz em casos de hipovolemia crônica (Ex: vômito e diarréia durante
dias), onde há sinais óbvios de desidratação (Ex: perda de elasticidade da pele, etc..). Neste caso, a eficácia da
solução hipertônica pode ser comprometida pelo fato dos compartimentos intersticial e intracelular, que fornecem o
fluido a ser mobilizado para o espaço intravascular, se encontrarem desidratados.
Colóides sintéticos: Os colóides sintéticos são soluções contendo macromoléculas de elevado peso molecular
empregados em medicina veterinária para corrigir situações de hipovolemia e para estabilizar a pressão
coloidosmótica (situações de hipotroteinemia/hipoalbuminemia). Dentre os colóides disponíveis para uso clínico,
destacam-se os dextranos (Dextran 70), o amido de hidroxietila (Plasmateril®, Hemohaes®, Voluven®) e as
soluções de gelatina (Haemacel®, Gelafundin®).
Soluções de Gelatina: As soluções de gelatina são macromoléculas preparadas a partir do colágeno bovino. No
mercado europeu estão disponíveis as soluções de gelatina obtidas por succinilação (gelatina succinilada -
Gelafundin) ou através de processo de ligação à uréia (gelatina com ligações de uréia – Haemacell). No
homem, a solução de gelatina succinilada possui a capacidade de expandir o plasma na mesma proporção do
volume expandido, com duração de ação de aproximadamente 4 a 5 horas, sendo que cerca de 50% do volume
infundido permanece no plasma neste período. Comparativamente ao amidos de hidroxietila e aos dextranos, as
soluções de gelatina possuem um efeito expansor plasmático de menor duração.
Raramente pode-se observar reações anafiláticas em pacientes recebendo soluções de gelatinas. Em um estudo
realizado no homem, a incidência de reações em pacientes recebendo soluções de gelatina foi de 0,115% (Ring &
Messner, 1977). Em pacientes veterinários, apesar da ausência de estudos retrospectivos em larga escala,
reações anafiláticas também parecem ser raramente observadas.
As soluções de gelatina podem interferir com a coagulação sanguínea, aumentando o sangramento com o
emprego de volumes elevados. Em um estudo realizado no homem, as soluções de gelatina causaram maior
interferência na coagulação que o amido de hidroxietila (de Jonge te al, 1998).
Dextranos: Os dextranos são moléculas de polisacarídeo linear produzidos por determinadas cepas de bactérias
do gênero Leuconostoc. Os Dextranos são apresentados em moléculas de diferentes pesos moleculares (70.000 e
40.000 Daltons). Devido ao seu menor peso molecular médio (Mw), o Dextrano 40 (peso molecular médio =
40.000 Daltons) apresenta menor duração de ação que o dextrano 70 (peso molecular médio = 70.000 Daltons).
Em cães hígidos, 70% o Dextrano 40 é excretado pela urina após 24 horas da sua administração, enquanto ao
mesmo tempo apenas 40% do Dextrano 70 é eliminado pela urina. As moléculas restantes são metabolizadas no
fígado pela enzima dextranase.
Como o efeito expansor plasmático ocorre na relação de aproximadamente 1/1 (o plasma sanguíneo se expande
na mesma proporção que o volume infundido), o Dextrano pode ser empregado no choque
hipovolêmico/hemorrágico na mesma proporção que o sangue perdido. Recomenda-se não ultrapassar a volume
total diário de 20 mL/Kg. Alternativamente, o Dextrano é empregado em associação com a solução salina
hipertônica (NaCl 7,5%) na ressuscitação com pequeno volume em pacientes com choque
traumático/hipovolêmico. Quando empregado desta forma, o Dextrano é diluído em solução salina hipertônica
(NaCl 7,5%) (Plasmadex-Hiper), sendo infudido no volume de aproximadamente 4 mL/Kg durante 5 minutos.
Com esta associação, obtém-se efeito sinergístico, com expansão plasmática mais intensa e de maior duração de
ação, uma vez que a hiperosmolaridade da solução salina hipertônica se soma ao efeito do Dextrano sobre a
pressão oncótica. Estudos de meta-análise realizados no homem revelaram que a associação salina
hipertônica/dextrano resulta em aumento do índice de sobrevida em pacientes com choque traumático quando
comparado à ressuscitação envolvendo o uso isolado da salina hipertônica ou Ringer Lactato isoladamente (Wade
et a, 1994; Wade et al, 1997).
49
Uma das principais preocupações com o uso das soluções de Dextrano em pequenos animais é a sua
interferência com a hemostase. Em cães, a infusão rápida de Dextrano 70 resultou em uma diminuição da
atividade do fator de von Willebrand e fator VIII, além de aumentos na tempo parcial de tromboplastina ativada e
tempo de sangramento da mucosa bucal (Concannon et al., 1992). Apesar de não haverem estudos
demonstrando aumento da perda sanguínea em pacientes recebendo Dextranos, pode-se observar aumento do
sangramento no trans-operatório em cães e gatos recebendo este tipo de colóide.
Amido de Hidroxietila: O amido de hidroxietila é um polímero sintético da glicose que se assemelha
substancialmente ao glicogênio. Grupamentos hidroxietil são adicionados ao polissacarídeo com uma taxa de
substituição variando de 0.45 a 0.8 (cerca de 45 a 80% das moléculas de glicose possuem grupamentos
hidroxietil). A adição de grupamentos hidroxietil objetiva tornar a molécula mais hidrosolúvel e retardar seu
metabolismo.
Há 3 tipos de amido de hidroxietila disponíveis: 1-“hetastarch” (amido de 1ª geração: Plasmateril®); 2-
“pentastarch” (amido de 2ª geração: Hemoahes®); “tetrastatch” (amido de 3ª geração: Voluven®). As diferentes
denominações (hetastarch, pentastarch e tetrastarch) estão relacionadas ao grau de substituição de moléculas de
amido por grupamentos hidroxietil (70% para o hetastarch, 50% para o pentastarch e 40% para o tetrastarch).
Quanto menor o grau de substituição, mais rapidamente o colóide é metabolizado pela amilase plasmática. As
novas gerações de amidos também apresentam menor peso molecular médio (450,000 KDa para o hetastarch;
200,000 KDa para o pentastarch e 140,000 KDa para o tetrastarch), e quanto menor o peso molecular menor sua
persistência na circulação.
De forma geral todos os amidos de hidroxietila aumentam o volume plasmático na mesma proporção que o volume
infundido; persitindo por mais tempo na circulação que os dextranos ou gelatinas devido ao seu maior peso
molecular médio. Em que cães receberam 25 mL/kg de amido de hidroxietila (“hetastarch”) ou dextrano, o efeito
expansor plasmático do amido decaiu para cerca de 38% após 24 horas da sua administração, enquanto para o
Dextrano 70 este efeito era de apenas 18% em tempo similar (Thompson et al., 1970).
Os amidos de hidroxietila pode ser empregados no tratamento do choque traumático/hipovolêmico ou em estados
de pressão oncótica reduzida (hipoproteinemia/hipoalbuminemia). Da mesma forma que o efeito expansor
plasmático, o aumento da pressão oncótica decresce em função do tempo. Em um estudo realizado em cães
apresentando hipoalbuminemia, o emprego do amido de hidroxietila resultou em aumento da pressão oncótica que
perdurou por menos de 12 horas (Moore & Garvey, 1996).
Os amidos de hidroxietila podem interferir com a coagulação sanguínea, porém em menor intensidade que as
gelatinas e os dextranos. Como o fator VIII da coagulação é afetado pela infusão de amido de hidroxietila, este
colóide é contraindicado em pacientes com a doença de von Willebrand. Clinicamente, no entanto, estudos
realizados no homem não tem associado o uso do amido de hidroxietila a um aumento do sangramento (Vogt et
al, 1996). Em cães o amido de hidroxietila (“hetastarch”) pode ser empregado na dose máxima de 20mL/kg/dia
sem apresentar efeito clinicamente evidente na coagulação na maioria dos casos. Os amidos de 2ª (“pentastarch”,
Hemohaes®) e 3ª geração (“tetratarch”, Voluven®) causam menor interferência na coagulação que o “hetastarch”
(Plasmateril®). A menor interfência com a coagulação proprocionada pelos amidos de nova geração parece estar
relacionada a sua menor persitência na circulação (menor grau de substituição de grupamentos hidroxietila).
Colóides X cristalóides no paciente cirúrgico: A principais vantagens dos colóides em relação aos cristalóides
isotônicos no tratamento de estados de hipovolemia incluem: 1) necessidade de menor volume para produzir
expansão do volume circulatório, 2) maior duração do efeito expansor plasmático, 3) maior melhora na
microcirculação; 4) estabilização hemodinâmica mais consistente e prolongada (Friedman et al, 2003). A maior
eficácia dos colóides sintéticos na expansão do volume circulante está relacionada à sua capacidade de manter a
pressão coloidosmótica no compartimento intravascular devido à atração de água exercida pelas macromoléculas
(colóides). Enquanto a expansão do volume circulante produzida por um colóide corresponde a pelo menos 100%
do volume infundido, a expansão volêmica resultante soluções cristalóides isotônicas (Ex: Ringer lactato, NaCl a
0,9%) corresponde a apenas 25% do volume infundido após 1 hora da sua administração. Devido a esta
diferença, considera-se que o volume de cristalóide isotônico necessário para se obter o mesmo efeito expansor
do volume circulante é até quatro vezes maior que o volume de colóide sintético.
Na escolha da solução a ser empregada no paciente hipovolêmico, deve-se levar em conta as vantagens e
desvantagens de cada fluido, o tipo de choque apresentado pelo paciente, a possível presença de distúrbios da
coagulação, bem como fatores econômicos. Em um levantamento de meta-análise recente, evolvendo nove
estudos com um número total de 1889 pacientes humanos com choque traumático (Wade et al, 1997), observou-
se que o emprego de solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) associada ao Dextrano 70 (6%) resultou em maior
índice de sobrevivência que os grupos tratados apenas com Ringer Lactato ou NaCl a 7,5% não associado ao
colóide. Aparentemente, o uso de soluções hipertônicas combinadas com colóides favorece uma melhor sobrevida
do paciente com choque traumático. Há ainda evidências que a solução salina hipertônica (NaCl 7,5%) associada
ao Dextrano 70 (6%) na dose de 4-5 mL/kg é benéfica no choque séptico associado a piometra em cães (Fantoni
et al, 1999). A solução salina hipertônica/dextrano 70, não se encontra disponível no mercado brasileiro.
50
Atualmente se encontra disponível no mercado nacional a solução hipertônica (NaCl a 7.5%) associada ao
amido de hidroxietila de 1ª geração (HyperHAES®). Sua posologia é semelhante a da salina hipertônica /
Dextrano (4-5 mL/kg durante 5 minutos).
O bolus de colóide sintético, no volume de 5 mL/kg administrado durante 15 minutos, pode pode ser
empregados como alternativa ao bolus de cristalóide isotônico (20 mL/kg durante 15 minutos) ou em animais onde
o cristalóides foram ineficazes em produzir estabilização cardiovascular. Há maior preferência pelos amidos de
hidroxietila em geral, em especial aos amidos de 2ª (“pentastarch”: Hemohaes®) e de 3ª geração (“tetrastarch”:
Voluven®), devido à sua menor interferência com a coagulação sanguínea. Apesar dos amidos de ultima geração
poderem ser empregados em volumes totais maiores, de forma geral deve-se evitar volumes maiores que 20
mL/kg a cada 24 horas.
Distúrbios do sódio: Para manter a concentração plasmática de sódio dentro dos limites normais, o organismo
possui mecanismos homeostáticos eficientes, os quais podem ser ativados mesmo em condições de depleção do
conteúdo de sódio corpóreo total. O volume do LEC, ao contrário da concentração plasmática de sódio, é
diretamente dependente do conteúdo de sódio corpóreo total. Variações nesse conteúdo refletirão no volume de
plasmático circulante. Dessa forma, a concentração de sódio mensurada no plasma (ou no soro) não é uma
medida exata do conteúdo de sódio total e um paciente com anormalidade na concentração plasmática de sódio
(hiponatremia ou hipernatremia) pode apresentar conteúdo de sódio corpóreo total aumentado, normal ou
reduzido. Para a avaliação do balanço hídrico (resultante da ingestão e excreção de água), tanto a concentração
plasmática de sódio quanto a osmolalidade plasmática devem ser consideradas.
+
Hipernatremia: A hipernatremia (Na plasmático >155 mEq/L em cães e > 162 mEq/L em gatos) ocorre por
déficit de água pura, perda de fluidos hipotônicos (fluidos com baixa concentração de sódio) ou por excesso de
sódio (administração de solução salina hipertônica, intoxicação por sal). Os animais podem apresentar déficit de
água pura em variadas circunstâncias: 1) acesso inadequado á água, 2) incapacidade física para a ingestão de
água, 3) aumento da temperatura ambiental ou corporal (febre), 4) diabetes insipidus central ou nefrogênica, 5)
terapias com diuréticos osmóticos, como o manitol, 6) exercício extenuante. A perda de fluido hipotônico, por sua
vez, pode ser de origem renal (como ocorre na poliúria causada pela diabetes insipidus, na insuficiência renal
crônica, na diurese pós-obstrutiva, nas terapias com diuréticos osmóticos como manitol e glicose) ou
gastrintestinal (vômito, diarréia). O desvio de fluido hipotônico para compartimentos transcelulares (como ocorre
nas peritonites e pancreatites), embora menos freqüente, também pode resultar em hipernatremia (DiBartola,
2000a; Stockham & Scott, 2002).
Tratamento da hipernatremia: O tratamento deve ser instituído se a concentração de sódio for maior que 170
mEq/L e é baseado no conhecimento do estado de depleção volêmica do paciente e na provável causa da
hipernatremia (DiBartola, 2000a). Pacientes desidratados e hipovolêmicos que apresentam hipernatremia podem
ser tratados inicialmente com fluidos isotônicos convencionais (Ringer lactato). Após o restabelecimento da
volemia, a fluidoterapia de manutenção pode ser realizada com fluidos hipotônicos, como a solução de NaCl a
0,45%. O emprego inicial de fluidos isotônicos (NaCl 0,9%, Ringer lactato) possibilita a redução mais lenta dos
níveis de sódio do LEC, enquanto a rápida correção da hipernatremia crônica através da administração de fluidos
hipotônicos (glicose 5%, NaCl 0,45%) pode resultar em complicações muito mais severas, levando a edema
cerebral, coma e morte.
+
Hiponatremia: O desenvolvimento de hiponatremia (Na < 138 mEq/L em cães e < 146 mEq/L em gatos)
geralmente está associado à redução da osmolalidade do LEC. A hiponatremia, porém, nem sempre resulta em
menor osmolalidade, uma vez que situações como hiperglicemia e administração de manitol podem proporcionar
aumento da osmolalidade mesmo em pacientes hiponatrêmicos (DiBartola, 2000b). A severidade dos sinais e
51
sintomas da hiponatremia depende da velocidade e intensidade da diminuição do sódio plasmático. Uma rápida
diminuição na osmolalidade do LEC devido à diminuição na concentração de sódio no fluido extracelular pode
causar edema cerebral. No homem, hiponatremia aguda com redução da osmolalidade foi relacionada a edema
cerebral seguido de morte (Cluitmans & Meinders, 1990). Entretanto, não há relatos de hiponatremia resultando
em sinais neurológicos na literatura veterinária. A hiponatremia crônica é menos provável de resultar em
sintomas severos, pois as células cerebrais parecem se adaptar a baixa tonicidade do LEC através da redução de
sua própria tonicidade. Muitos pacientes cirúrgicos podem apresentar hiponatremia com depleção de
volume/desidratação devido à perda de sódio e água através dos rins (hipoadrenocorticismo, administração de
diuréticos como a furosemida), do trato gastrintestinal (vômito, diarréia) ou por perda para terceiro compartimento
(efusão pleural, peritonite, pancreatite, uroabdomen) (DiBartola, 2000b). Além disso, a hiponatremia também pode
estar associada à hipervolemia nos casos de falência cardíaca congestiva, falência renal avançada, síndrome
nefrótica e doenças hepáticas severas (DiBartola, 2000b).
Tratamento da hiponatremia: Enquanto o uso de soluções hipertônicas deve ser evitado, o tratamento da
hiponatremia associado à depleção de volume (hipovolemia / desidratação) pode ser baseado na utilização de
fluidos isotônicos convencionais como o Ringer lactato, pois correções excessivamente rápidas no sódio
plasmático podem causar lesões neurológicas degenerativas (desmielinização dos neurônios). Seqüelas
+
neurológicas associadas com correção excessivamente rápida no sódio (incrementos no Na plasmático maiores
que 10-12 mEq/kg/dia) têm sido relatadas em cães (O’Brien et al, 1994; Brady et al, 1999; Churcher et al, 1999;
MacMillan, 2003). O risco de seqüelas parece ser maior em casos de correções rápidas no sódio nos casos de
hiponatremia crônica. Os mecanismos responsáveis pela desmielinização osmótica incluem a combinação de
distúrbios eletrolíticos e alterações moleculares associadas a apoptose. Após aproximadamente 5 a 7 dias, o
cérebro se adapta ao meio externo hipotônico (hiponatremia) com o movimento de eletrólitos e outros osmóis
orgânicos para fora das células neuronais. Neste momento, a rápida elevação do sódio, maior que 12 mmol/L em
24 horas, resultaria em um LEC mais hipertônico que os neurônios com subseqüente movimento de água para
fora do tecido cerebral (DiBartola, 2000b).
Distúrbios do cloreto: o cloreto é o ânion encontrado em maior quantidade no LEC e as mudanças nos níveis
plasmáticos de cloreto influenciam diretamente o equilíbrio ácido-básico. O aumento no cloreto causa acidose
metabólica hiperclorêmica, enquanto que a diminuição no cloreto causa alcalose metabólica hipoclorêmica. Para
interpretar corretamente as mudanças neste eletrólito, a mensuração plasmática de cloreto deve ser corrigida com
-
base na concentração de sódio. Os valores de Cl corrigidos em cães podem ser calculados através da seguinte
fórmula (de Morais, 2000a):
- - +
Cl (corrigido) = Cl (mensurado) x 146/Na (mensurado)
-
Para calcular a correção de Cl em gatos:
- - +
Cl (corrigido) = Cl (mensurado) x 156/Na (mensurado)
Hipocloremia e hipercloremia verdadeiras são definidas , respectivamente, como valores de cloreto abaixo ou
-
acima dos valores de referência para o Cl corrigido (107 a 113 mEq/L em cães e 117 a 123 mEq/L em gatos) (de
Morais, 2000a).
O ânion gap é um parâmetro calculado a partir das concentrações de eletrólitos mensuradas no plasma, sendo
utilizado como auxiliar no diagnóstico de determinados distúrbios do equilíbrio ácido-base. De acordo com a lei da
eletroneutralidade, todos os ânions são anulados por todos os cátions no organismo, não existindo diferença (gap)
entre estes. No entanto, nas mensurações realizadas na prática, observa-se uma diferença entre as somas das
+ + - -
concentrações dos cátions (Na e K ) e a soma das concentrações dos ânions (Cl e HCO3 ). Esta diferença é
denominada ânion gap. Em cães e gatos, o ânion gap normalmente se situa entre 12 e 24 mEq/L:
+ + - -
(Na + K ) - (Cl + HCO3 ) = ÂNION GAP
++ ++
A explicação para esta diferença é a presença de cátions (CNM: Ex: Ca e Mg ) e, principalmente, de ânions
(ANM: Ex: lactato, acetato, β-hidroxibutirato, proteínas) não mensurados. Portanto, caso se leve em consideração
a presença dos íons não mensurados (CNM e ANM), o resultado seria igual a zero (todos os ânions são anulados
por todos os cátions):
+ + - -
(Na + K + CNM) - (Cl + HCO3 + ANM) = 0 (Lei da eletroneutralidade)
O ânion gap é utilizado para auxiliar no diagnóstico de acidose causada por acúmulo de ácidos orgânicos (Ex:
+
acidose lática, causada por acúmulo de ácido lático). Neste caso, o acúmulo do cátion H leva a titulação do
52
-
HCO3 . Paralelamente ao aumento da concentração ânion não mensurado (lactato) ocorre redução da
concentração do ânion bicarbonato. O acúmulo de lactato leva ao aumento do ânion gap devido à diminuição da
-
concentração do HCO3 que ocorre para se manter a eletroneutralidade.
A acidose metabólica normoclorêmica é causada pelo acúmulo de ácidos orgânicos (ânions não mensurados:
lactato, cetonas, fosfato). Os valores de bicarbonato mensurados pela hemogasometria se encontram reduzidos (<
20 mEq/L), porém o cloreto se encontra dentro dos limites de normalidade, tipicamente, resultando em
aumento do ânion gap (geralmente acima de 24 mEq/L). Com base no tipo de substância ácida acumulada e na
patofisiologia do desequilíbrio ácido-base, a acidose metabólica normoclorêmica pode receber a denominação de
acidose lática, cetoacidose diabética ou ainda acidose urêmica.
Acidose lática: O metabolismo da glicose resulta inicialmente na formação de ácido pirúvico, o qual sob
condições normais (aerobiose) é convertido em acetil-CoA, composto que participa do ciclo de Krebs (fosforilação
oxidativa) ou do processo de gliconeogênese. Por outro lado, sob condições anaeróbicas o piruvato sofre
fermentação lática, resultando na formação de ácido lático. A acidose lática é um problema clínico comum tanto
em pequenos como grandes animais. Este tipo de acidose metabólica é causado pelo acúmulo de ácido lático no
organismo devido ao aporte deficiente de O2 aos tecidos ou devido à incapacidade destes em utilizar o oxigênio
suprido pelo sangue (estados de choque). No choque hipovolêmico ou hemorrágico, por exemplo, a queda do
volume circulante resulta em redução da oferta de O2 para os tecidos (hipóxia tecidual), culminando em acúmulo
de ácido lático. Como já discutido anteriormente, a acidose lática resulta tipicamente em aumento do ânion gap,
uma vez que a redução do bicarbonato ocorre paralelamente à elevação do lactato (ANM):
↑Lactato (ANM)
+ + - -
(Na + K ) - (Cl + ↓HCO3 ) = ÂNION GAP > 24
O fato do animal não apresentar ânion gap aumentado não implica obrigatoriamente na ausência de acidose
orgânica, pois o ânion gap pode ser influenciado por outros fatores. A hipoproteinemia (níveis séricos de albumina
reduzidos), por exemplo, pode mascarar a elevação do ânion gap, por apresentar efeito oposto neste parâmetro.
Cetoacidose diabética: O acúmulo de cetoácidos (acido acético, propiônico e β-hidroxibutírico) levando à
acidose metabólica ocorre na diabetes mellitus. Esta afecção é um distúrbio hormonal do metabolismo da glicose
causado por uma deficiência absoluta ou relativa de insulina, a qual impede absorção da glicose circulante
pelas células e resulta em hiperglicemia (aumento dos níveis de glicose circulante). Paralelamente, ocorre
53
aumento dos níveis séricos de glucagon, hormônio que estimula a glicogenólise (aumento da glicemia) e
lipólise (formação de cetoácidos). Portanto, devido à deficiência de insulina e excesso de glucagon, ocorre
acúmulo excessivo de cetoácidos (acetato, β-hidroxibutirato), levando à acidose metabólica. Em pacientes
diabéticos com depleção do volume circulante (desidratação), ocorre aumento do ânion gap devido à retenção
de cetoácidos na circulação (acetato, β-hidroxibutirato). Em pacientes diabéticos com o volume circulatório normal
(não desidratados), o ânion gap pode não estar aumentado devido ao aumento dos níveis séricos de cloreto que
ocorre secundariamente à retenção de cloreto pelos rins. Além da cetoacidose, o paciente diabético também pode
apresentar acidose lática caso esteja significativamente desidratado/hipovolêmico.
Acidose urêmica: Na acidose urêmica, os ácidos inorgânicos (fosfato, sulfato) e orgânicos se acumulam no
organismo devido à incapacidade dos rins em excretá-los. No caso de insuficiência renal, observa-se que os
valores séricos de uréia e creatinina se encontram elevados (a uréia e creatinina são metabólitos que dependem
dos rins para sua excreção) e a hemogasometria pode acusar acidose metabólica associada a aumento do ânion
gap (acidose urêmica).
O bicarbonato de sódio pode ser empregado no tratamento de acidose metabólica normoclorêmica severa,
quando o pH se encontra abaixo de 7,2 (DiBartola, 2000c). Deve-se considerar que a redução do pH em casos a
acidose metabólica severa (déficit de base mais negativo que -10 mEq/L) pode ser mascarada pela alcalose
respiratória concomitante. Nestes casos, a redução do pH pode se tornar marcante (abaixo de 7.2) após a indução
da anestesia geral, pois os anestésicos deprimem a ventilação pulmonar. Os autores vêem utilizando bicarbonato
de sódio em acidose metabólica severa resultando em déficit de base mais negativo que -10 mEq/L,
independentemente do valor de pH. A quantidade de bicarbonato de sódio é calculada de acordo com a seguinte
fórmula:
O uso de bicarbonato de sódio não é destituído de complicações e mesmo correções baseadas na fórmula
mencionada anteriormente podem resultar em alcalose metabólica iatrogênica, pois o bicarbonato exógeno pode
se somar ao bicarbonato originado pelo metabolismo do lactato acumulado nos tecidos isquêmicos assim que o
volume circulante é restaurado. A incidência de alcalose metabólica persistente como complicação da terapia com
bicarbonato parece ser baixa se o bicarbonato for utilizado criteriosamente. Para evitar a complicação mencionada
acima, geralmente administra-se somente 1/2 a 1/3 do volume de bicarbonato calculado (com base na fórmula
acima) pela via intravenosa durante 15 a 30 minutos. O bicarbonato somente trata as conseqüências imediatas da
acidose lática (diminuição dos níveis de bicarbonato) e a ênfase inicial deve ser no tratamento da causa da
acidose metabólica. Em quadros de acidose lática devido à hipovolemia, a fluidoterapia deve ser o tratamento
primário, pois a reposição volêmica a melhorar a perfusão dos órgãos e interrompe a produção de ácido lático
pelos tecidos hipóxicos.
Distúrbios do potássio: A manutenção de níveis de potássio normais no organismo depende do equilíbrio entre o
potássio ingerido pela dieta e o potássio excretado, principalmente pela urina.
Hipocalemia: A hipocalemia (K+ < 3.7 mEq/L) é um distúrbio eletrolítico freqüentemente observado em pacientes
anoréticos (déficit na ingestão de potássio) ou apresentando vômito (perdas excessivas de potássio através do
vômito de conteúdo estomacal). A administração de diuréticos expoliadores de potássio (Ex: furosemide) pode
contribuir para os episódios de hipocalemia severa, especialmente em animais que se tornam anoréticos ou que
passam a apresentar vômito concomitantemente à terapia diurética. Este quadro clínico pode ser observado em
animais cardiopatas recebendo terapia com diuréticos como furosemide, os quais passam a apresentar vômito
devido à intoxicação com digitálicos. Finalmente, a hipocalemia também pode estar associada ao excesso do
hormônio aldosterona (hiperaldosteronismo primário). A secreção excessiva de aldosterona (hiperaldosteronismo)
estimula os rins a reabsorver sódio e a excretar potássio, resultando em hipernatremia e hipocalemia. O
hiperaldosteronismo é observado principalmente em felinos (Chiaramonte & Grecco, 2007).
Entre os sintomas clínicos da hipocalemia pode-se citar depressão, fraqueza muscular, letargia e predisposição a
íleo pós-operatório. Além disso, a hipocalemia está associada a taquiarritmias e pode tornar o miocárdio refratário
a antiarritmicos da classe I (lidocaína, procainamida, quinidina) (DiBartola & de Morais, 2000). Portanto, a correção
da hipocalemia deve ser considerada em animais apresentando arritmias ventriculares não responsivas a terapia
antiarrítmica.
+
Hipercalemia: A Hipercalemia (K > 5.5 mEq/L) pode ser observada principalmente em caso excreção renal de
potássio reduzida ou bloqueada devido a obstrução uretral, insuficiência renal anúrica ou oligúrica, uroperitôneo,
ou ainda devido ao hipoadrenocorticismo (doença de Addison). No hipoadrenocorticismo, a deficiência do
hormônio aldosterona leva à perda urinária de sódio (hiponatremia), a qual é acompanhada de retenção de
potássio (hipercalemia) pelos néfrons. O uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA: enalapil,
captopril) pode eventualmente contribuir para a hipercalemia devido a redução da liberação de aldosterona
secundária à inibição da formação de angiotensina II. No entanto, esta complicação somente parece ocorrer
quando os inibidores da ECA são administrados a pacientes com comprometimento renal e que estão recebendo
suplementação de potássio (DiBartola & de Morais, 2000). Diferentemente do furosemide, o qual aumenta a
excreção urinária de potássio, a espironolactona reduz a excreção urinária de potássio, podendo contribuir para a
elevação do potássio sérico, apesar do aumento da diurese (DiBartola & de Morais, 2000).
Como 95% do potássio é encontrado no meio intracelular, aumentos do potássio plasmático (pseudo-
hipercalemia) podem ainda ser observado em casos de lise celular massiva, como ocorre no trauma e nas injúrias
musculares. No entanto, caso a função renal esteja normalizada, a elevação do potássio secundária a trauma /
injúria muscular é de curta duração, pois os rins facilmente excretam o potássio acumulado no LEC. A pseudo-
hipercalemia também pode estar associada à trombocitose ou hemólise, embora, de forma geral, a lise de células
vermelhas não cause elevação do potássio plasmático (estas células são pobres em potássio). A hemólise pode
causar pseudo-hipercalemia em cães da raça akita, uma vez que as células vermelhas nos animais desta raça,
diferentemente de outras raças de cães, é particularmente rica em potássio (Degen, 1987).
55
O gluconato de cálcio (0.5 mL/kg de gluconato de cálcio a 10%, administrados pela via IV em 15 a 30 minutos) é
indicado no tratamento dos sinais de cardiotoxicidade (bradicardia, ausência de ondas P, ondas T elevadas)
+ +
associado a hipercalemia severa (K > 7,5 mEq/L). O cálcio, no entanto, não diminui os níveis plasmáticos de K ,
mas somente contrabalanceia os efeitos cardiotóxicos de níveis excessivamente elevados de potássio por
estabilizar temporariamente a atividade eletrofisiológica das células miocárdicas, re-estabelecendo o gradiente
entre o limiar de potencial de ação e o potencial de repouso (DiBartola & de Morais, 2000; Seeler, 2007) (Figura
2). A duração do efeito é relativamente curta (até 1 hora) e outras medidas para a redução dos níveis de potássio
devem ser adotadas concomitantemente.
+30
0
(!$ !
-30
Figura 2: Efeitos da hipercalemia (↑K+) e da hipocalemia (↓K+) sobre o potencial de membrana em repouso (PMR: linha
tracejada). A diferença entre o PMR e o limiar do potencial de ação (LPA) é reduzida pela hipercalemia. A administração
de soluções contendo cálcio aumenta da diferença entre o PMR e o LPA, restabelecendo temporariamente este
gradiente e antagonizando os efeitos cardiotóxicos da hipercalemia severa. (Figura parcialmente modificada: de Morais
& DiBartola, 2000).
A solução de NaCl a 0,9% (ou solução salina fisiológica) é um fluido acidificante. Através da análise quantitativa
proposta por Stewart (1983) para justificar os distúrbios do equilíbrio ácido-base, o efeito acidificante da solução
salina fisiológica (NaCl a 0.9%) pode ser melhor compreendido. Esta análise considera que as concentrações
+ -
plasmáticas de H e HCO3 são variáveis dependentes e ambas são influenciadas por 4 variáveis independentes:
íons fortes (strong ions: SD), ácidos não-voláteis fracos (Atot), água livre e pressão parcial de CO2 (Bailey & Pablo,
1998). O efeito dos íons fortes no equilíbrio (ou desequilíbrio) ácido-base é calculado pela diferença dos íons
+
fortes (strong ions difference / SID), ou seja, a diferenças da concentração plasmática normal de Na e a
-
concentração plasmática corrigida de Cl . No organismo, essa diferença normalmente é positiva e aumento ou
diminuição dessa variável sugere alcalose ou acidose, respectivamente.
+
A composição eletrolítica da solução de NaCl a 0,9% está exposta na Tabela 1. A concentração de Na na solução
de NaCl a 0.9% é similar a do plasma canino (154 mmol/L e 150 mmol/L, respectivamente), enquanto que a
-
concentração de Cl é significativamente maior (154 mEg/L e 110 mEq/L, respectivamente). De acordo com o
- -
conceito de Stewart, quanto maior a concentração plasmática de Cl menor o valor de pH (acidose), pois o Cl ,
+
dissociado em solução aquosa, se liga ao H e origina um ácido forte (HCl). Dessa forma, a administração de
-
grandes volumes de solução de NaCl a 0.9% por um período prolongado pode aumentar a concentração de Cl no
plasma e resultar em acidose metabólica hiperclorêmica.
-
Analisando a composição de eletrólitos dos fluidos apresentados na tabela 1, observa-se que o conteúdo de Cl da
solução salina hipertônica (solução de NaCl a 7.5%) é significativamente mais alto (1280 mEq/L) que o do
plasma (110 mEq/L). Portanto, pode-se esperar que a solução salina hipertônica também resulte em hipercloremia
e acidose. Entretanto, este efeito não ocorre na prática quando esta solução é empregada no tratamento do
choque hipovolêmico, prevalecendo neste contexto a melhora do equilíbrio ácido-base devido à estabilização
circulatória proporcionada pela salina hipertônica. Este fato pôde ser comprovado quando a solução de NaCl a
7,5% foi empregada no tratamento do choque hemorrágico e acidose lática em suínos (Moon & Kramer, 1995).
Neste estudo, o uso de pequenos volumes de solução de NaCl a 7,5% associada ao dextran-70 (4 mL/kg) causou
apenas diminuição transitória no pH e no excesso de base (BE), as quais perduraram por até 10 minutos (Moon &
Kramer, 1995). Nesse mesmo estudo, os animais que receberam solução hipertônica-dextran, antes da terapia
agressiva com Ringer lactato, apresentaram melhora mais óbvia no equilíbrio ácido-base (menor intensidade da
acidose metabólica) decorridas 2 horas da fluidoterapia que os animais do grupo controle, os quais receberam
solução salina fisiológica (4 mL/kg) ao invés de solução hipertônica-dextran antes da fluidoterapia convencional
com Ringer lactato (Moon & Kramer, 1995).
A concentração de sódio da solução salina hipertônica também é significativamente mais elevada que a do
plasma. Isso implica que, ao se administrar esse tipo de fluido a um paciente, aumentos marcantes serão
observados nos níveis de sódio e, conseqüentemente, na osmolalidade plasmática. A hipernatremia e a
hiperosmolalidade desencadeadas pela solução salina hipertônica são transitórias e costumam ser bem toleradas
e não resultam em efeitos adversos. Por outro lado, sua utilização é contra-indicada em pacientes com
hipernatremia, hiperosmolalidade preexistentes, bem como em pacientes desidratados.
A administração de solução salina hipertônica em animais em choque hemorrágico pode ocasionar redução nos
níveis de potássio (Nakayama et al., 1984; Smith et al., 1985; Tobias et al., 1993). Quando comparada à
administração de volumes elevados de solução salina fisiológica, a hipocalemia após dose padrão de solução
salina hipertônica (4 a 5 mL/Kg) foi mais severa (Tobias et al., 1990).
Embora a solução salina hipertônica possa inicialmente causar hipernatremia, hipercloremia, hipocalemia e
acidose, seus efeitos benéficos sobre o balanço ácido-base são notáveis em pacientes hipovolêmicos. Seus
benefícios estão principalmente relacionados à estabilização cardiovascular (Velasco et al, 1980; Kramer et al,
1986; Moon & Kramer, 1995). Há dois mecanismos propostos para justificar a estabilização cardiovascular
promovida pela solução salina hipertônica: 1) ativação do reflexo vagal pulmonar (neural) desencadeado pela
passagem de solução hipertônica na circulação pulmonar (Younes et al, 1985; Rocha-e-Silva, 1986); e 2)
expansão do volume plasmático devido ao aumento da osmolalidade do compartimento intravascular. O primeiro
mecanismo proposto não foi comprovado em modelos caninos de choque hipovolêmico (Allen et al, 1992) e
atualmente, a teoria do “desvio de fluido” vem sendo reconhecida como o principal mecanismo responsável pelos
efeitos hemodinâmicos benéficos da solução hipertônica em pacientes hipovolêmicos. Associado a isso, o uso
precoce de salina hipertônica pode reduzir o edema cerebral em pacientes traumatizados, provavelmente devido a
seus efeitos sobre a osmolalidade do fluido extracelular (Wisner et al, 1990). Mais recentemente, observou-se que
a administração de solução salina hipertônica (NaCl a 7,5%) pela via intravenosa estimula a liberação de hormônio
antidiurético (também denominado vasopressina), sendo que este potente vasoconstritor parece ser o principal
responsável pela estabilização cardiovascular (melhora da pressão arterial) produzida pela solução salina
hipertônica em estados de choque endotoxêmico (Giusti-Paiva et al, 2007)
A solução de Ringer lactato é tradicionalmente considerada um cristalóide isotônico que produz efeito
alcalinizante. Uma das explicações para o efeito alcalinizante está baseada no metabolismo hepático de sua base
(lactato). O lactato resulta na formação de glicose através da gliconeogênese e, através do metabolismo oxidativo,
dá origem a CO2, água e bicarbonato (DiBartola, 2000a). Ambas as vias metabólicas levam ao consumo de íons
hidrogênio. O metabolismo oxidativo do lactato produz bicarbonato da seguinte forma:
+ -
NaC3H5O3 (lactato de sódio) + 3O2 → 2CO2 + 2H2O + Na + HCO3
A gliconeogênese e o metabolismo oxidativo levam ao consumo de íons hidrogênio, como segue (DiBartola,
2000a):
57
- +
GLICONEOGENESE: 2C3H5O3 (lactato) + 2H → C6H12O6 (glicose)
- +
METABOLISMO OXIDATIVO: C3H5O3 (lactato) + H +3O2 → 3CO2 + 3H2O
O efeito alcalinizante do lactato é lento e seu uso rotineiro durante o período anestésico-cirúrgico, mesmo em altas
taxas de infusão (30 mL/kg/h), não causa alterações significativas no equilíbrio ácido-base (Scheingraber et al,
1999). Novamente, o conceito de Stewart permite compreender melhor as propriedades alcalinizantes do Ringer
lactato. Baseado na teoria de Stewart para o equilíbrio acido-base pode-se verificar que a concentração de sódio
-
do Ringer lactato (cátion forte: 130 mEq/L) é relativamente maior que a do cloreto (ânion forte: 109 mEq/L). Isto é
possível porque parte do sódio está presente na forma de lactato de sódio ao invés de cloreto de sódio. A
administração de fluidos contendo relativamente mais sódio que cloreto aumenta a diferença de íons fortes (SID) e
tem um efeito alcalinizante.
De forma similar, ainda com base na teoria de Stewart, o efeito alcalinizante do bicarbonato de sódio (NaHCO3)
é compreendido como um efeito primário do sódio aumentando a SID. Em solução aquosa, a água fornece um
grupamento hidroxil (OH) formando o hidróxido de sódio (NaOH: base forte de efeito alcalinizante), enquanto que
+ -
o H liberado no processo combinaria com o HCO3 e formaria um ácido fraco (H2CO3 – ácido carbônico), o qual
tem um menor impacto sobre o pH.
A hipovolemia pode estar associada a acidose orgânica (aumento do ácido lático). Quando grandes volumes de
soluções cristalóides isotônicas (Ringer lactato) são utilizados nos estados de choque hipovolêmico, o fluido
isotônico corrige os distúrbios metabólicos por melhorar a perfusão periférica e consequentemente interromper a
produção de ácido lático pelos tecidos hipóxicos. Este efeito é relativamente independente da constituição
eletrolítica do fluido isotônico (exemplo: Ringer lactato versus solução fisiológica). A terapia agressiva com Ringer
lactato nos casos de hipovolemia / hemorragia pode aumentar a concentração plasmática de lactato e apresentar
um efeito inferior na estabilização cardiovascular que pequenos volumes de colóides (amido de hidroxietila)
(Friedman et al, 2003).
O Ringer lactato, por conter cálcio em sua composição, não pode ser administrado concomitantemente com
derivados sanguíneos, devido ao risco de inativação do anticoagulante citrato de sódio pelo cálcio. Teoricamente,
deve-se evitar também a administração concomitante de Ringer lactato e soluções de bicarbonato de sódio pelo
-
mesmo equipo intravenoso, uma vez que há o risco de precipitação ou inativação do HCO3 pelo cálcio presente
Ringer lactato, com a subseqüente formação de carbonato de cálcio. Os autores, entretanto, tem administrado
soluções de bicarbonato de sódio a 8.4% (0.5 a 1 mEq/kg durante 15 a 30 minutos) na mesma via intravenosa em
que está sendo administrada a solução de Ringer lactato sem a constatação de precipitação e sem redução na
eficácia da solução de bicarbonato de sódio.
Enquanto o lactato é a fonte de base nas soluções de ringer com lactato, soluções de acetato são comercialmente
disponíveis em alguns países (Normosol-R, Plasma-Lyte) como uma alternativa ao Ringer lactato. De forma similar
a soluções contendo lactato, o acetato atua como uma fonte de base através de seu meatbolismo. Uma diferença,
entretanto, é o sítio de metabolização: enquanto o lactato é metabolizado no fígado (embora possa ser
metabolizado em outros tecidos), o acetato é metabolizado nos tecidos musculares. Por esta razão, as soluções
de acetato têm sido recomendadas para pacientes com insuficiência hepática.
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Choque
Eduardo Raposo Monteiro e Francisco José Teixeira Neto
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
INTRODUÇÃO
O choque pode ser definido como um “estado clínico causado por um suprimento inadequado de O2 aos
tecidos ou pela incapacidade dos tecidos em utilizar de foram adequada o O2“ (Tobias & Schertel, 1992). O
choque permanece sendo um dos maiores desafios ao clínico veterinário. Muito se tem evoluído sobre os diversos
mediadores envolvidos nessa síndrome, o que permite um maior direcionamento no tratamento e aumento na
chance de sobrevivência. No entanto, o insucesso ainda ocorre em um grande número de casos. Esse insucesso
está muitas vezes relacionado à demora na instituição da terapia adequada ou à realização de tratamento
inadequado. Sabe-se que o tempo é um fator crucial no tratamento do choque. A demora no diagnóstico pelo
veterinário ou a relutância por parte dos proprietários em levar o animal a clínicas ou hospitais veterinários
capacitados podem fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso.
CLASSIFICAÇÃO E PATOFISIOLOGIA
Diversas são as classificações propostas para diferenciar os quadros de choque. A classificação quanto à etiologia
é preferida por diversos autores uma vez que o choque de diferentes etiologias pode originar desordens
patofisiológicas primárias e secundárias distintas e ainda, apresentar evoluções diferentes ao longo do tempo. No
entanto, atualmente sabe-se que choques de diferentes etiologias podem compartilhar manifestações
patofisiológicas o que permite agrupá-los quanto à etiopatogenia. Dessa forma pode-se classificar o choque em
quatro grandes grupos: hipovolêmico, distributivo, cardiogênico e obstrutivo. É importante ressaltar que essa
classificação está relacionada ao distúrbio primário envolvido, porque em muitos casos ocorre sobreposição
dessas categorias sendo o choque nesse caso um evento misto. Adicionalmente, o tratamento ineficaz levará à
progressão do quadro, a qual resultará na sobreposição dos choques hipovolêmico, distributivo e cardiogênico.
Choque Hipovolêmico
A hipovolemia refere-se à diminuição do volume sanguíneo circulante (Garvey, 1989). O choque hipovolêmico é a
manifestação da hipoperfusão tecidual devido à hipovolemia severa, a qual resulta em hipóxia celular (Rudloff &
Kirby, 1994). A etiologia mais freqüente da hipovolemia severa é a hemorragia. No entanto, perdas agudas de
água e eletrólitos (vômito e diarréia) e/ou plasma (peritonite, pancreatite), também podem acarretar choque
hipovolêmico. A hipovolemia também pode estar evidente em casos clínicos que evoluem para desidratação
severa (> 10%).
O volume sanguíneo do cão é de aproximadamente 80 a 90 ml/kg, e do gato, da ordem de 50 a 60 ml/kg (Garvey,
1989). Perdas de até 15% do volume sanguíneo são bem toleradas por pacientes saudáveis através de
mecanismos compensatórios. Perdas de 15 a 35% resultam em choque de grau moderado a grave e necessitam
de intervenção imediata, porém com boa resposta ao tratamento adequado. Perdas superiores a 35% do volume
sanguíneo levam a manifestação de choque grave, o qual pode ser irreversível em algumas situações mesmo
depois de instituída a terapia adequada (Hauptman & Chaudry, 1998; Raiser, 2005).
A hipovolemia não associada à hemorragia pode resultar da desidratação severa e da perda de plasma em casos
de queimaduras, peritonite e pleurite. Queimaduras abrangendo uma área superior a 20% da superfície corporal
podem ser suficientes para levar a um quadro de hemoconcentração por perda de plasma através da exsudação
pelas superfícies afetadas. Adicionalmente, a perda de plasma poderia resultar de espoliações internas nos casos
de peritonite e pleurite. As causas mais comuns da desidratação em cães e gatos são a privação hídrica, a perda
de líquidos através do vômito ou diarréia, ou ainda, as obstruções intestinais.
Choque hipovolêmico: mecanismos compensatórios
Os mecanismos compensatórios são alterações cardiovasculares e metabólicas que visam à estabilização
hemodinâmica do paciente. Os objetivos principais são o restabelecimento da pressão arterial (PA) e do fluxo
sanguíneo tecidual aos órgãos vitais (coração, cérebro, pulmões), a restauração do volume sanguíneo e a melhora
da função cardíaca. A resposta do organismo à hipovolemia aguda é mediada em grande parte pela atuação do
sistema neuroendócrino incluindo diversos mecanismos como: a) reflexo dos baroceptores arteriais; b) reflexo
dos receptores de volume atrial, c) sistema renina-angiotensina-aldosterona. Além destes reflexos
neuroendócrinos, outros importantes mecanismos de defesa na perda volêmica incluem: a) autotransfusão,
decorrente da mobilização de fluido do intersticío para o interior dos vasos e da contração esplênica b)
autoregulação do fluxo sanguíneo pela demanda metabólica;
Reflexo dos baroceptores arteriais: Os baroceptores são terminações nervosas especializadas localizadas nas
paredes das artérias carótidas e arco aórtico. A diminuição da pressão arterial que ocorre em conseqüência da
hipovolemia incorrerá em diminuição da atividade aferente dos barorreceptores, a qual resulta em diminuição
61
da atividade do sistema nervoso autônomo (SNA) parassimpático e aumento da atividade do SNA simpático. Em
resposta à ativação simpática ocorre aumento da força de contração do miocárdio e da freqüência cardíaca,
que juntos, constituem tentativa do organismo em manter o débito cardíaco (DC). Adicionalmente, o aumento da
atividade simpática resulta em elevação da resistência vascular sistêmica (RVS) devido à vasoconstrição arteriolar
em órgãos não críticos (rim, órgãos esplâncnicos, músculo esquelético e pele). A venoconstrição também ocorre
em resposta à ativação simpática aumentando o retorno venoso e contribuindo para a manutenção do débito
cardíaco. O aumento do débito cardíaco associado à elevação da RVS ajuda a restaurar a pressão arterial. Dessa
forma ocorre a redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais como o coração e o cérebro.
Reflexo dos receptores de volume atrial: Paralelamente às respostas do barorreflexo, ocorre a estimulação do
reflexo dos receptores de volume atrial. Os receptores de volume atrial são terminações nervosas localizadas
átrio direito do coração, sensíveis à distensão das paredes desta câmara cardíaca induzida pelo retorno venoso. A
diminuição do retorno venoso que ocorre em conseqüência da hipovolemia incorrerá em diminuição da
atividade dos receptores de volume atrial, a qual resulta em: a) diminuição do tônus parassimpático e aumento
do tônus simpático, de forma sinérgica ao reflexo dos baroceptores arteriais b) aumento da sensação de sede via
ativação do centro hipotalâmico da sede; c) redução da diurese via liberação de ADH (hormônio antidiurético) pela
+
hipófise d) redução da excreção de Na e água através da ativação do sistema renina angiotensina-aldosterona.
O reflexo dos receptores de volume atrial atua de forma sinérgica com o reflexo dos baroceptores no sentido de
manter a pressão arterial, pois ambos os reflexos resultam em ativação simpática reflexa. Os reflexo dos
receptores de volume atrial também auxilia a preservar o volume circulante por mediarem inibição da diurese
(liberação de ADH), aumento da reabsorção de sódio e água pelos rins (liberação de aldosterona), alem do
aumento da ingestão de água.
Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona: Além do reflexo dos receptores de volume atrial, a redução
da perfusão das artérias renais também constitui em estímulo direto para liberação de renina pelas células
justaglomerulares renais. A renina cataliza a conversão do angiotensinogênio em angiotensina I, que por sua vez
é convertida em angiotensina II nos pulmões. A amgiotensina II é um potente vasoconstritor que estimula a
liberação de aldosterona pelo córtex das adrenais. A mineralocorticóide aldosterona aumenta a reabsorção de
Na+ pelos ductos coletores no córtex renal, resultando em reabsorção passiva de água e aumento no volume
plasmático. O aumento na reabsorção de água nos rins é incrementado pela ação da vasopressina (ADH).
Autotransfusão: Em quadros de hipovolemia observa-se ainda redução da pressão hidrostática capilar em
conseqüência da hipotensão arterial, vasoconstrição arterial e redução da pressão venosa. A pressão hidrostática
capilar reduzida favorece o movimento de fluidos do espaço intersticial para o espaço vascular, resultando
em aumento do volume plasmático (fenômeno conhecido como autotransfusão). Além desse mecanismo, a
hiperglicemia pode desempenhar algum papel na expansão do volume plasmático por contribuir para a
hipertonicidade do plasma e criar um gradiente favorável ao movimento de fluidos para o interior dos vasos. A
hiperglicemia ocorre em resposta ao aumento dos níveis circulantes de catecolaminas e cortisol (resposta de
estresse). A contração esplênica, secundária a ativação simpática dos vasos esplâncnicos resulta no lançamento
de eritrócitos na circulação sistêmica, auxiliando a preservar o hematócrito a concentração de hemoglobina
circulante. Portanto a contração esplênica importante mecanismo que objetiva além de preservação do volume
circulante, a manutenção da capacidade de transporte de O2 pela circulação.
Autoregulação do fluxo sanguíneo: O hipóxia/isquemia tecidual decorrente do estado de hipovolemia causa o
acúmulo e metabólitos celulares, resultando em aumento da concentração de CO2 e diminuição do pH nos tecidos
pouco perfundidos/isquêmicos. O acúmulo de metabólitos e a falta de O2 nestes tecidos estimula a
ocorrência de vasodilatação e conseqüente melhora do fluxo sanguíneo e oxigenação para estes tecidos. O
fenômeno de autoregulação do fluxo sanguíneo tende a prevalecer em órgãos críticos como coração, cérebro e
artérias coronárias.
Choque hipovolêmico: fase compensatória inicial
Dependendo do volume circulatório perdido, os mecanismos de resposta fisilógica acima citados são suficientes
para manter a compensação do animal. Perdas de 15 a 20% do volume sanguíneo total podem ser toleradas por
animais conscientes, devido à atuação dos mecanismos fisiológicos. A estimulação desses mecanismos de
compensação leva ao aumento no consumo de oxigênio e energia celular, os quais são supridos pela elevação no
DC e pela liberação de hormônios como o glucagon, cortisol, hormônio do crescimento e ACTH.
Sinais clínicos apresentados nessa fase são frequentemente imperceptíveis ao proprietário do animal ou ao
veterinário desavisado podem incluir taquicardia, diminuição do tempo de preenchimento capilar (TPC),
hiperemia de mucosas, pressão arterial normal ou aumentada e taquipnéia. Neste caso, apesar do déficit
volêmico, a manutenção da pressão arterial em níveis normais ou até aumentados se dá devido à atuação de
mecanismos compensatórios como o reflexo dos baroceptores e o reflexo dos receptores de volume atrial. Caso a
perda volêmica persista o choque pode entrar na próxima fase (fase descompensatória inicial)
Choque hipovolêmico: fase descompensatória inicial
62
Havendo persistência da causa primária, inexistência de tratamento adequado, ou progressão da perda de volume
circulante, o choque progride para uma fase descompensatória, de reversão cada vez mais difícil e prognóstico
cada vez pior. Perdas agudas maiores que 30% do volume circulante tipicamente causam quadro de
descompensação. Neste caso a hipotensão (pressão arterial sistólica < 100 mm Hg) se torna evidente, uma
vez que os mecanismos fisiológicos já não são capazes de compensar o organismo (ex: manter a pressão arterial)
devido a maior extensão da perda volêmica (>30% do volume sanguíneo). A diminuição progressiva do DC
intensifica a resposta vasoconstritora simpática, especialmente em leitos vasculares viscerais. Como resultado,
verifica-se uma demanda aumentada por oxigênio ao mesmo tempo em que a oferta encontra-se diminuída. Na
deficiência de oxigênio ocorre o metabolismo anaeróbico da glicose com a conseqüente produção de ácido lático.
A hipóxia tecidual e a acidose láctica podem levar a alterações celulares que podem resultar em ruptura celular e
liberação de mediadores inflamatórios na circulação, os quais podem resultar em resposta inflamatória sistêmica.
As conseqüências da evolução do choque para essa fase variam nos diferentes tecidos. Sepse pode ocorrer
devido a lesões na mucosa intestinal com a conseqüente translocação bacteriana e devido à diminuição da
atividade do sistema reticuloendotelial hepático. O pâncreas libera fator depressor do miocárdio, que é uma
substância com efeito inotrópico negativo. Alterações microcirculatórias no pulmão resultam em shunt, o qual
diminui o conteúdo arterial de oxigênio. Nos rins, a vasoconstrição associada à hipotensão limita o fluxo sanguíneo
para esse órgão. A capacidade de reabsorção de glicose e bicarbonato fica comprometida levando à glicosúria e
acidose metabólica.
Sinais clínicos da fase descompensatória inicial incluem taquicardia, hipotensão (PAS < 100 mm Hg), aumento no
TPC, palidez de mucosas, diminuição da temperatura corpórea, oligúria e sinais de depressão central. O
tratamento imediato pode impedir a progressão desse estágio para uma fase irreversível.
Choque hipovolêmico: fase terminal (fase descompensatória tardia)
A fase terminal é a via comum final de todos os tipos de choque na inexistência de terapia eficaz administrada
precocemente. Nesse estágio os mecanismos de controle local sobre o tônus vascular superam a
vasoconstrição mediada pela ativação simpática, resultando em diminuição da RVS, da pressão arterial e do fluxo
sanguíneo para o cérebro e coração. A capacidade do coração em aumentar a contratilidade e a freqüência
cardíaca não mais existe nessa fase.
Manifestações clínicas incluem a diminuição da freqüência cardíaca, TPC aumentado ou ausente, pulso fraco ou
não palpável, diminuição marcada da temperatura corpórea, anúria e depressão acentuada do sistema nervoso
central, caracterizada por estupor ou coma. Nessa fase, mesmo que a terapia adequada seja instituída, o
prognóstico é ruim e o quadro é geralmente irreversível. Lesões de reperfusão em conseqüência da produção
maciça de radicais livres de oxigênio intensificam a evolução para a falência múltipla de órgãos.
Choque Distributivo
No choque distributivo o volume vascular encontra-se normal. No entanto, ocorrem distúrbios na distribuição do
volume e fluxo sanguíneos e, devido a este problema, os tecidos se encontram impedidos de utilizar o oxigênio
adequadamente. Causas comuns do choque distributivo incluem a anafilaxia, a sepse e a lesão de
componentes do sistema nervoso autônomo (choque neurogênico).
Choque Anafilático
O choque anafilático ocorre pela liberação de substâncias vasodilatadoras na circulação. Essas substâncias
incluem mediadores armazenados no interior de mastócitos e basófilos (histamina e citocinas) e mediadores
produzidos a partir do ácido araquidônico (prostaglandinas e leucotrienos).
Anafilaxia e reações anafilactóides podem levar ao choque anafilático. A anafilaxia resulta da exposição prévia de
um indivíduo a um antígeno com a conseqüente produção de imunoglobulinas IgE específicas, as quais
desencadeiam a liberação dos diversos mediadores numa segunda exposição ao mesmo antígeno (Johnson &
Peebles, 2004). Causas comuns de anafilaxia incluem alimentos, medicamentos e picadas de animais
peçonhentos (Johnson & Peebles, 2004; Raiser 2005). As manifestações das reações anafilactóides são idênticas
àquelas encontradas na anafilaxia. Ambas diferem entre si pelo fato de as reações anafilactóides não serem
mediadas pela IgE. Alguns dos agentes associados às reações anafilactóides incluem contrastes radiográficos,
analgésicos opióides e antiinflamatórios não esteroidais (Johnson & Peebles, 2004).
As manifestações da anafilaxia e reações anafilactóides podem ser de origem cutânea, respiratória, cardiovascular
e gastrintestinal. Manifestações cutâneas consistem em prurido, urticária e edema. No sistema respiratório
observa-se dispnéia, tosse, estridor e rinorréia. Hipotensão, taquicardia e síncope são os sinais cardiovasculares
mais freqüentes. Finalmente, no trato digestório observa-se náuseas, vômito e diarréia.
Choque Séptico
A presença de microrganismos, endotoxinas e mediadores da inflamação na circulação diferenciam o choque
séptico dos demais tipos de choque. Para compreender os mecanismos envolvidos no choque séptico, porém é
necessário entender o significado de alguns conceitos:
63
Bacteremia: presença de bactérias vivas na circulação;
Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS): resposta inflamatória sistêmica a uma variedade de insultos
como sepse, choque séptico, pancreatite, queimaduras, trauma severo, picadas de serpentes, viremia, parasitemia
e neoplasias difusas (quadro 1);
Sepse: resposta inflamatória sistêmica (SRIS) associada à constatação de infecção por bactérias, fungos, vírus ou
protozoários;
Endotoxemia: presença de lipopolissacarídeos derivados da parede celular de bactérias gram negativas no
sangue;
Choque séptico: sepse associada à hipotensão (PAS<90 ou PAM<60 mm Hg) persistente após a reposição
volêmica adequada.
Bacteremia e/ou sepse podem ou não estar associadas à endotoxemia. Em algumas situações esses
microrganismos ficam restritos a determinados tecidos, como por exemplo, o intestino, havendo apenas a
absorção de toxinas no sangue. Alguns microrganismos frequentemente associados à endotoxemia são os
membros da família Enterobacteriaceae, como a Escherichia, Klebsiella, Enterobacter e Proteus, bem como
bactérias do gênero Pseudomonas (Kruth, 1998). Enfermidades que podem resultar em sepse com certa facilidade
incluem as queimaduras, trauma, peritonite, obstrução ou isquemia intestinal, pericardite, abscessos, osteomielite,
enfermidades hepáticas, meningite e choque hemorrágico (Raiser, 2005).
Uma vez que bactérias e endotoxinas atingem a circulação sistêmica, ocorre intensa resposta inflamatória pelo
organismo do hospedeiro, sendo esse quadro denominado síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS)
(Purvis & Kirby, 1994; Kruth, 1998). Manifestações da SRIS incluem diminuição da resistência vascular
sistêmica, aumento da permeabilidade vascular e depressão da função cardíaca. Conforme já comentado,
uma vez que a SRIS foi desencadeada por alguma forma de infecção, constata-se um quadro de sepse. A
resposta eficaz do hospedeiro à sepse manifesta-se por letargia, diminuição do apetite, hiperemia de mucosas,
diminuição do TPC, hipertermia, leucocitose, taquicardia, discreta ou nenhuma redução da PA e pressão venosa
central (PVC), taquipnéia, alcalose respiratória, aumento inespecífico de enzimas hepáticas (particularmente FA),
hiperglicemia, hipoalbuminemia e diarréia não hemorrágica (Haskins, 1992).
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transporte de oxigênio no sangue encontra-se aumentado em função do elevado débito cardíaco. No entanto,
a presença de elevação no débito cardíaco e transporte de oxigênio não são capazes de suprir a demanda por
oxigênio em todos os tecidos devido a má distribuição do fluxo sanguíneo. Em primeiro lugar, a taxa metabólica
e o consumo de oxigênio encontram-se aumentados durante essa fase, o que leva à vasodilatação local em
alguns tecidos, numa tentativa de elevar o fluxo sanguíneo e suprir a demanda. Paralelamente ocorre
vasoconstrição em diversos tecidos devido à estimulação simpática, o que restringe o fluxo sanguíneo e o
transporte de oxigênio para esses locais (Green & Adams, 1992; Tobias & Schertel, 1992) O efeito vasoconstritor
ocorre principalmente em locais onde o controle vasomotor neuronal supera o controle local, como na periferia do
organismo e em órgãos esplâncnicos (Tobias & Schertel, 1992). Em segundo lugar, algumas áreas experimentam
shunt arteriovenoso. Finalmente, em alguns tecidos pode ocorrer diminuição na captação e na capacidade de
utilização do oxigênio (Green & Adams, 1992). Durante a fase hiperdinâmica observa-se frequentemente aumento
dos valores de pressão venosa de oxigênio (ou tensão de O2 no sangue venoso misto, PvO2), devido aos
desequilíbrios na distribuição do fluxo sanguíneo. A PVC pode encontrar-se aumentada porque o débito cardíaco
será distribuído pelas áreas de menor resistência, o que aumentará o volume de sangue no compartimento
central. O aumento da PVC se traduz em maior retorno venoso, o que colabora para manter o DC aumentado
durante essa fase.
Se o quadro de sepse progredir de forma descontrolada, a fase hiperdinâmica dará lugar a uma fase hipodinâmica
caracterizada por venodilatação, diminuição da PVC, do retorno venoso e do DC, hipotensão e aumento da RVS
(Green & Adams, 1992; Tobias & Schertel, 1992). O aumento na RVS durante essa segunda fase ocorre devido à
intensa atividade simpática em resposta à hipotensão.
A presença de endotoxinas em quantidades consideráveis na circulação pode acelerar a instalação da fase
hipodinâmica do choque séptico (denominado por alguns autores como choque endotóxico) (Tobias & Schertel,
1992). As endotoxinas circulantes evocam uma intensa resposta inflamatória com a liberação de citocinas e outros
mediadores da inflamação, os quais provocam vasodilatação arteriolar e venular generalizada e vasoconstrição
esplâncnica. Como resultado observa-se um quadro caracterizado por aumento na permeabilidade vascular,
diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco e hipotensão.
Choque neurogênico
Lesões na medula espinhal podem levar à disfunção do sistema nervoso autônomo simpático (Mello et al., 2004).
Uma vez que o controle basal do tônus vascular é mediado pela divisão simpática (Fleming, 2005), a disfunção
desse sistema pode resultar em perda do controle vasomotor. Como conseqüências, observa-se um estado de
hipovolemia relativa, devido a vasodilatação em vasos de capacitância, diminuição do retorno venoso e do DC. A
redução do DC associada a vasodilatação arteriolar resulta em hipotensão. Bradicardia também pode estar
presente, colaborando para a redução no débito cardíaco (Mello et al., 2004).
Choque Cardiogênico
Esse tipo de choque é causado pela deficiência do coração como uma bomba. A disfunção cardíaca pode ser de
origem intrínseca (ruptura de cordas tendíneas e arritmias) ou extrínseca (desequilíbrios ácido-básicos ou
eletrolíticos, fármacos ou peptídeos endógenos depressores do miocárdio). Independente da causa, o resultado
será a diminuição do débito cardíaco e da capacidade do miocárdio em compensar alterações circulatórias.
No choque cardiogênico o DC encontra-se diminuído devido a uma incapacidade do coração em bombear sangue
adequadamente. A PA encontra-se diminuída em função do baixo DC. Os mecanismos compensatórios
encontram-se intactos nesse tipo de choque e a ativação simpática ocorrerá em decorrência da diminuição da PA.
No entanto, a tentativa de compensação é deletéria no paciente com insuficiência cardíaca. A vasoconstrição
mediada pela ativação simpática eleva a pós-carga e o consumo de oxigênio pelo miocárdio, os quais podem
comprometer ainda mais o débito cardíaco. O volume sanguíneo poderá estar normal ou aumentado pela
liberação de AVP e pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. O baixo débito cardíaco associado
a um volume sanguíneo normal ou aumentado resulta em elevação da pressão atrial e congestão dos órgãos
dependentes na circulação (fígado na insuficiência direita e pulmões na insuficiência esquerda). O transporte e
consumo de oxigênio bem como a PvO2 encontram-se diminuídos primariamente devido ao baixo débito cardíaco,
resultando em metabolismo anaeróbico e acidose láctica. Sinais de hipoperfusão tecidual incluem oligúria,
depressão central e a presença de extremidades frias. Na ausência de compensação ou tratamento adequado o
quadro progride e o paciente frequentemente vem a óbito devido a edema pulmonar.
Choque Obstrutivo
O choque obstrutivo é caracterizado pela obstrução ao retorno venoso ao coração e a conseqüente diminuição do
débito cardíaco. O exemplo mais clássico de choque obstrutivo na medicina veterinária é a síndrome
dilatação/torção gástrica. A distensão do estômago em si ou a sua torção comprometem o retorno venoso
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proveniente das veias porta e cava caudal. Outras causas incluem o tamponamento cardíaco, ventilação com
pressão positiva, pneumotórax, efusão pleural e hérnia diafragmática. O choque obstrutivo reúne manifestações
de duas ou até das três classificações anteriormente descritas. A obstrução ao retorno venoso leva a um estado
de hipovolemia relativa. Mediadores da inflamação liberados em resposta à isquemia de determinados órgãos ou à
absorção de endotoxinas na circulação podem resultar em vasodilatação generalizada (choque distributivo) e
depressão direta do miocárdio (choque cardiogênico).
MECANISMOS DE DISFUNÇÃO NOS DIVERSOS SITEMAS ORGÂNICOS DURANTE O CHOQUE
Sistema Cardiovascular
A progressão do choque levará a um quadro de hipóxia e injúria tecidual, as quais resultarão em instabilidade
hemodinâmica, principalmente pela perda do controle vasomotor na circulação sistêmica. A perda de tônus
vascular se deve à exaustão da musculatura lisa vascular ou aos efeitos causados pelos mediadores da
inflamação, os quais podem superar o controle neural do tônus vascular e resultar em vasodilatação. A
vasodilatação arteriolar agrava a hipotensão. Vasodilatação em vasos de capacitância (vênulas e veias de
pequeno calibre) resulta em diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco. A diminuição do débito cardíaco
contribui para adicional redução na pressão arterial. Dessa forma, cria-se um ciclo vicioso que progride
comprometendo cada vez mais o fluxo sanguíneo tecidual.
A manutenção da pressão arterial média em valores abaixo de 60 mm Hg compromete a circulação coronariana. A
diminuição do fluxo sanguíneo coronariano resulta em diminuição da força de contração do miocárdio e do débito
cardíaco, os quais agravam a hipotensão. A atividade simpática aumentada em resposta ao choque eleva o
trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio do miocárdio. Adicionalmente, a presença de acidose e desequilíbrios
do cálcio atuam como inotrópicos negativos. Esse quadro pode evoluir para a deterioração progressiva da função
cardíaca a qual pode resultar em uma fase irreversível do choque.
Distúrbios da Coagulação e Hemostasia
Durante o choque as vias intrínseca, extrínseca ou mesmo a via comum da cascata de coagulação podem ser
ativadas, especialmente no choque séptico. Bactérias gram positivas e negativas são capazes de ativar o fator XII
e desencadear a via intrínseca da cascata de coagulação. Já a via extrínseca pode ser ativada pela liberação de
fator tecidual. Nesse caso, o TNF (ver adiante) parece ser o principal mediador envolvido na liberação do fator
tecidual. Adicionalmente, a lesão do endotélio vascular e a liberação de elastase pelas plaquetas parecem estar
relacionadas com a ativação da coagulação. O sistema fibrinolítico também é ativado durante o choque séptico. A
ativação desse sistema desempenha um papel importante na deposição disseminada de fibrina na microcirculação
(Mammen, 1998).
Como resultado da estimulação excessiva do sistema de coagulação observa-se consumo exagerado de
fibrinogênio com deposição difusa de fibrina, ativação massiva de plaquetas, a qual pode levar a trombocitopenia,
e trombose microvascular difusa, que pode levar à redução do fluxo sanguíneo para alguns tecidos com
conseqüente isquemia e lesão tecidual. Paralelamente, a ativação do sistema fibrinolítico pode interferir com a
eficiência da coagulação e resultar em hemorragia. Esse quadro de estimulação excessiva dos sistemas de
coagulação e fibrinólise é conhecido como coagulação intravascular disseminada (CID). Na sua forma mais severa
a CID pode levar à hemorragia difusa, embora formas mais brandas possam ser manifestadas por trombose
vascular.
Resposta Inflamatória e Sistema Imune
Conforme comentado anteriormente, existe uma variedade de enfermidades que embora sejam de diferentes
etiologias, compartilham diversas características patofisiológicas. Essas doenças são capazes de desencadear
uma intensa resposta inflamatória, cuja manifestação é sistêmica e se deve à liberação de mediadores
inflamatórios na circulação, sendo essa resposta denominada síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS).
Bacteremia e endotoxemia são particularmente capazes de desencadear SRIS (Brown et al., 1989). As
endotoxinas atuam sobre receptores específicos na membrana de células-alvo representadas por macrófagos,
neutrófilos, células do endotélio vascular e plaquetas. Entre essas células, os macrófagos parecem ter uma
importância crucial no desencadeamento da resposta imune à endotoxemia. Ao serem ativados pela ligação de
endotoxinas a sua membrana, os macrófagos liberam interleucina-1 (IL-1), fator de necrose tumoral alfa (TNF- ),
fator ativador plaquetário (FAP), interferon e prostaglandina E2 (PGE2) (Green & Adams, 1992; Purvis & Kirby,
1994).
O TNF- e a IL-1 são considerados as principais citocinas responsáveis pelo desencadeamento da SRIS (Kruth,
1994). O TNF- parece ser o mediador liberado mais precocemente uma vez que pode ser detectado decorridos
apenas 90 a 120 minutos da endotoxemia (Purvis & Kirby, 1994). Ao atingir a circulação o TNF- se liga a
receptores específicos em células normais e desencadeia uma variedade de efeitos biológicos (Green & Adams,
1992; Purvis & Kirby, 1994). Entre os efeitos deletérios causados pela administração experimental de TNF em
cães pode-se relacionar hipotensão, anúria, parada respiratória, acidose, trombose intravascular difusa, necrose
66
tubular renal aguda, inflamação pulmonar difusa, edema miocárdico, infarto adrenal, isquemia intestinal e infarto
pancreático focal (Brown et al., 1989). Esses efeitos podem ser causados por ação direta do TNF- ou através do
estímulo da liberação de outros mediadores como eicosanóides e interleucinas (IL-1, IL-4 e IL-6). Adicionalmente
podem-se relacionar ainda outras ações dessa citocina sobre neutrófilos e células endoteliais. A ativação de
neutrófilos pode levar ao aumento na produção de radicais livres. Essas substâncias são altamente reativas e
capazes de provocar injúrias na membrana celular com a conseqüente destruição da célula. Os efeitos sobre as
células endoteliais resultam em liberação de substâncias pró-coagulantes e em vasodilatação, senda essa última
mediada pela liberação de óxido nítrico (Green & Adams, 1992; Purvis & Kirby, 1994).
A IL-1 apresenta efeitos semelhantes àqueles produzidos pelo TNF- e há evidências de que as duas citocinas
atuam de forma sinérgica para produzir muitas das reações teciduais associadas à endotoxemia (Green & Adams,
1992). O pico de concentração plasmática da IL-1, no entanto parece ser ligeiramente posterior ao do TNF- ,
ocorrendo aos 180 minutos após o início do quadro de endotoxemia (Purvis & Kirby, 1994).
O óxido nítrico também parece encontrar-se entre os mediadores responsáveis pela patogênese do choque,
especialmente o choque séptico. A exposição de diversas células (células endoteliais, células da musculatura lisa
vascular, macrófagos entre outras) à endotoxinas, TNF- , IL-1 e interferon leva à expressão da enzima induzível
óxido nítrico sintase. O principal efeito do óxido nítrico é a vasodilatação. A secreção basal de óxido nítrico está
relacionada à regulação do fluxo sanguíneo regional, sendo esse efeito considerado benéfico. No entanto, em
concentrações elevadas o óxido nítrico pode apresentar efeitos deletérios tais como hipotensão, vasoplegia,
depressão miocárdica e lesão de órgãos e tecidos (Iskit & Guc, 2003). Adicionalmente, o óxido nítrico pode levar a
aumento na permeabilidade vascular e inibição da agregação plaquetária (Purvis & Kirby, 1994). Acredita-se ainda
que os efeitos deletérios do óxido nítrico sejam predominantes durante a fase hiperdinâmica do choque séptico
(Iskit & Guc, 2003).
Outro mediador que tem ganho importância na patogênese do choque séptico é a endotelina. Assim como o óxido
nítrico, esse mediador parece desempenhar um papel importante na manutenção da pressão arterial e da
perfusão tecidual devido a seu efeito vasoconstritor. Por outro lado, em concentrações sanguíneas elevadas a
endotelina exerce efeitos maléficos. Nessas condições a endotelina exerce vasoconstrição intensa em diversos
leitos vasculares, a qual pode resultar em diminuição da perfusão tecidual. Ao contrário do que ocorre com o óxido
nítrico, evidências sugerem que os efeitos deletérios resultantes da elevação da concentração sanguínea de
endotelina predominem na fase hipodinâmica do choque séptico (Iskit & Guc, 2003).
Acredita-se que o FAP também esteja envolvido nas alterações patofisiológicas que ocorrem no choque séptico.
Sabe-se que essa substância pode ser detectada no plasma de pacientes em quadro de endotoxemia.
Adicionalmente, foi evidenciado que a administração de antagonistas para os receptores de FAP resulta em
menores hipotensão, acidose láctica e mortalidade. O FAP é sintetizado e liberado por macrófagos, células
endoteliais, polimorfonucleados, mastócitos e plaquetas. Esse fosfolipídeo apresenta múltiplas propriedades
incluindo a ativação da agregação plaquetária, quimiotaxia para leucócitos e monócitos, vasodilatação seguida de
hipotensão, vasoconstrição coronária e pulmonar, aumento da permeabilidade vascular e efeito inotrópico
negativo (Green & Adams, 1992).
Os eicosanóides são substâncias derivadas de fosfolipídeos de membrana celular que também estão presentes
em quantidades elevadas no choque, mas não exclusivamente no choque séptico. Lesões celulares resultantes de
trauma de qualquer natureza causam a produção dessas substâncias. Tendo em vista que o choque pode muitas
vezes estar relacionado ao trauma, pode-se perceber a íntima relação entre a produção de eicosanóides e o
choque. Outras substâncias liberadas em resposta ao trauma atuam de forma sinérgica com os eicosanóides
como é o caso da histamina, bradicinina e serotonina. O efeito dessas substâncias está relacionado ao efeito
vasodilatador e ao aumento na permeabilidade vascular (Tobias & Schertel, 1992). A participação dos
eicosanóides no choque, contudo permanece incerta, uma vez que o uso de antiinflamatórios não esteroidais no
choque séptico não demonstrou benefícios significativos (Haupt et al., 1991).
MECANISMOS DE LESÃO CELULAR E DE DISFUNÇÃO DOS DIVERSOS ÓRGÃOS
A hipóxia é o principal mecanismo pelo qual ocorre lesão celular durante o choque (Tobias & Schertel, 1992). A
maior parte das células pode apresentar sinais de lesões potencialmente reversíveis após 10 minutos e
irreversíveis após 15 a 20 minutos de indisponibilidade de oxigênio (Raiser, 2005). A deficiência celular de
oxigênio desvia o metabolismo celular para a via anaeróbica diminuindo dramaticamente a produção de ATP, a
principal fonte de energia celular. O metabolismo anaeróbico também resultará em acidose láctica. Com o
esgotamento das reservas de ATP celulares iniciam-se as manifestações de deficiência nas funções celulares. O
+ +
gradiente de concentração para as concentrações intracelulares de Na e K será modificado uma vez que esse
+ +
gradiente é mantido pela atividade de bombas Na K ATPase, as quais terão sua função progressivamente
comprometida conforme a depleção dos estoques de ATP. O resultado será o acúmulo de sódio no interior das
células, com conseqüente aumento da osmolalidade celular. Esse aumento de osmolalidade incorrerá em
movimento de água para o interior das células, o que irá comprometer as funções celulares podendo inclusive
levar à ruptura da membrana plasmática e destruição celular.
67
Pela mesma razão podem surgir desequilíbrios na concentração de cálcio intracelular, uma vez que tal
concentração é mantida por bombas dependentes de ATP. O resultado será o comprometimento da contração dos
músculos cardíaco, esquelético e liso. Arritmias cardíacas e diminuição da força de contração do miocárdio podem
ocorrer em conseqüência de desequilíbrios do cálcio e potássio.
Outras alterações celulares que ocorrem durante a hipóxia são: diminuição na produção de hormônios, enzimas,
proteínas plasmáticas, fatores da coagulação; diminuição da responsividade celular a estímulos hormonais e a
neurotransmissores; diminuição da capacidade de leucócitos em destruir bactérias; fragilidade da membrana
lisossomal com conseqüente ruptura e liberação de seu conteúdo a qual pode levar à lise celular. A lise celular
pode desencadear um processo inflamatório que pode se espalhar para células vizinhas levando a destruição
progressiva de tecidos e órgãos.
Fígado
No cão em quadro de hipóxia, bacteremia, endotoxemia ou na presença de mediadores da inflamação na
circulação, observa-se agudamente vasoconstrição hepática. O aumento na resistência vascular hepática leva à
hipertensão portal, extravasamento de fluidos para o espaço extravascular e ascite. O aumento na resistência
vascular hepática associado à ascite contribui para a diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco. A
diminuição no transporte de oxigênio ao fígado resulta em necrose centrolobular. Com a progressão da lesão
hepática, diversas funções desse órgão ficam total ou parcialmente comprometidas tais como o sistema
reticuloendotelial hepático, manutenção da glicemia e produção de proteínas plasmáticas e de fatores da
coagulação. Como resultado da diminuição da capacidade de detoxificação hepática, observa-se aumento na
concentração de bactérias e toxinas circulantes provenientes da circulação portal.
Trato Digestório
Durante o choque, o fluxo sanguíneo esplâncnico encontra-se reduzido pelos mecanismos compensatórios já
mencionados. Esse quadro pode levar à necrose da mucosa intestinal decorrida apenas uma hora de hipotensão
(Tobias & Schertel, 1992). Com a perda da eficácia da principal barreira à entrada de microrganismos e
endotoxinas provenientes do trato digestório na circulação, ocorre o aumento da absorção de bactérias e
endotoxinas na circulação portal. Uma vez que o sistema reticuloendotelial hepático também se encontra
comprometido, bactérias e endotoxinas atingem a circulação sistêmica em quantidades maciças (Tobias &
Schertel, 1992; Raiser, 2005). A hipóxia pancreática leva à liberação de enzimas pancreáticas e à produção de
fator depressor do miocárdio (FDM). As enzimas pancreáticas acentuam as lesões no trato digestório enquanto o
FDM está relacionado a efeito inotrópico negativo, Venoconstrição hepática e depressão do sistema
reticuloendotelial hepático.
Pulmões
A liberação de mediadores da inflamação, restos celulares, plaquetas e leucócitos ativados podem levar a lesões
nos pulmões. Essas substâncias podem provocar injúria no endotélio vascular e aumento da permeabilidade, o
que permite a passagem de fluidos e proteínas do interior vascular para o interstício e o espaço alveolar. A
presença de líquido nesse local aumenta a distância entre capilares e alvéolos, dificultando as trocas gasosas
podendo resultar em hipoxemia arterial. Adicionalmente, hipertensão pulmonar pode estar presente, o que poderia
potencializar o quadro de edema pulmonar.
Rins
A hipotensão severa pode levar à vasoconstrição e redução do fluxo sanguíneo renal. Embora a diminuição no
fluxo sanguíneo renal possa resultar em lesão e morte de células tubulares renais, não é comum a ocorrência de
insuficiência renal aguda após a recuperação do choque em cães (Tobias & Schertel, 1992; Raiser, 2005) e gatos
(Tobias & Schertel, 1992). No entanto, a existência de doença renal pré-existente incorre em maior risco de
desenvolvimento de insuficiência renal (Tobias & Schertel, 1992; Raiser, 2005).
DIAGNÓSTICO E SINAIS CLÍNICOS
Alterações no nível de consciência e comportamento do animal são comuns a todos os tipos de choque. Sinais de
depressão estão geralmente presentes no animal em choque e estão relacionadas à diminuição no fluxo
sanguíneo cerebral e transporte de oxigênio, ao efeito de toxinas circulantes ou ao trauma craniano.
O paciente em choque muitas vezes apresenta-se taquipnéico. A elevação na freqüência respiratória é
normalmente uma tentativa de compensação da acidose metabólica resultante do desequilíbrio de distribuição do
fluxo sanguíneo.
Na fase compensada do choque hemorrágico e na fase hiperdinâmica do choque séptico, a pressão arterial
poderá se encontrar dentro de valores normais ou ligeiramente reduzidos. No entanto, a progressão do quadro é
acompanhada de descompensação e hipotensão (PAM<60 ou PAS<90 mm Hg). Quando a monitoração da
pressão arterial não estiver disponível, a palpação do pulso da artéria femural pode ser utilizada como estimativa
da pressão arterial. Valores de PAM acima de 70 mm Hg geralmente são traduzidos em pulso forte. Quando a
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PAM decai abaixo de 70 mm Hg o pulso geralmente apresenta-se fraco, e quando esse parâmetro encontra-se
abaixo de 40 mm Hg, o pulso não é palpável. Taquicardia pode estar presente e é muitas vezes uma resposta
compensatória à hipotensão. Outras causas da elevação na FC que podem estar presentes no choque são dor,
estresse e febre. No paciente em choque a FC encontra-se normalmente acima de 140 bpm em cães de raças
grandes, acima de 160 em raças pequenas e acima de 180 em gatos. O ritmo cardíaco e a qualidade dos sons
cardíacos também devem ser avaliados. Arritmias podem ser resultantes de desequilíbrios ácido-básicos, hipóxia,
comprometimento do miocárdio ou ação de catecolaminas circulantes. A diminuição dos sons cardíacos pode ser
causada por baixa contratilidade cardíaca, efusão pleural ou pericárdica, pneumotórax e hérnia diafragmática.
Prolongado tempo de preenchimento capilar (TPC), mucosas pálidas e extremidades frias são indicativos de baixo
fluxo sanguíneo periférico. Essas características são freqüentes no choque, mas podem não estar presentes na
fase hiperdinâmica do choque séptico. Nessa situação o TPC encontra-se normal, as mucosas apresentam
coloração vermelho vivo e as extremidades quentes, sendo essas manifestações conseqüência de vasodilatação
periférica. A presença de mucosas cianóticas revela comprometimento severo do sistema cardiovascular e
hipoxemia. Hipotermia é um achado freqüente no choque embora pacientes em choque séptico possam
apresentar hipertermia durante a fase hiperdinâmica.
Embora a pressão arterial possa estar dentro de valores normais na fase inicial do choque, o fluxo sanguíneo
pode não estar adequadamente distribuído. Devido à ativação de mecanismos compensatórios o fluxo sanguíneo
renal é diminuído resultando em diminuição na produção de urina (< 1 ml/kg/h). Uma vez que o débito urinário está
relacionado à pressão arterial e ao fluxo sanguíneo, a mensuração desse parâmetro pode ser utilizada para
estimar o fluxo sanguíneo periférico, embora esse método seja um tanto subjetivo quando usado para esse fim.
Valores normais de pressão venosa central encontram-se entre 0 e 5 cm H2O. No choque a PVC reduz para
valores de até -5 cm H2O e reflete diminuição no volume sanguíneo. Uma forma indireta de estimar a volemia é a
avaliação do grau de desidratação do paciente através do turgor da pele, posição do globo ocular no interior da
órbita, hidratação de mucosas e exames laboratoriais (hematócrito e proteínas totais). No entanto a hipovolemia
aguda pode não manifestar alterações em tais parâmetros até que haja tempo suficiente para a mobilização de
líquidos para o espaço intravascular.
Outros achados presentes principalmente no choque séptico incluem vômito e diarréia hemorrágica (Kruth, 1998).
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
Exames laboratoriais que podem fornecer informações importantes a respeito da evolução do choque bem como
auxiliar no direcionamento do tratamento incluem o hemograma completo, contagem de proteínas totais (PT),
avaliação das funções hepática e renal (ALT, AST, FA, uréia e creatinina), glicemia, gasometria arterial, lactato e
eletrólitos. No entanto, a utilização desses achados no diagnóstico da etiologia do choque deve ser criteriosa, uma
vez que os valores desses exames podem se alterar agudamente no choque.
O hemograma fornece dados sobre a capacidade de transporte de oxigênio no sangue e a resposta do sistema
imune ao estresse ou infecção. O hematócrito pode apresentar valores normais ou elevados na fase inicial do
choque devido à esplenocontração. Posteriormente esse parâmetro tende a ter seus valores reduzidos pela
fluidoterapia de reposição. Por essa razão contagens seriadas podem ser necessárias durante a fluidoterapia
agressiva para evitar a hemodiluição excessiva. Leucocitose leve a moderada é um achado freqüente em casos
de estresse ou hemorragia. Porém, leucocitose severa com desvio à esquerda é indicativa de infecção.
Leucopenia está geralmente associada à evolução do quadro de sepse.
Os testes de função hepática, embora apresentem baixa especificidade, podem refletir o grau de lesão hepática.
Normalmente as enzimas hepáticas encontram-se com valores elevados e sua elevação contínua pode significar
progressão da lesão hepática. A glicemia também deve ser avaliada. Na fase inicial esse parâmetro encontra-se
normalmente elevado. A progressão do choque leva ao esgotamento das reservas de glicogênio, que associada à
anorexia e diminuição na capacidade de realizar gliconeogênese, resulta em hipoglicemia. A avaliação da
concentração de proteínas plasmáticas é fundamental. A evolução do choque leva ao aumento na permeabilidade
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vascular com a conseqüente perda de proteínas para o interstício (Kruth, 1998). A hipoproteinemia leva à
diminuição da pressão coloidosmótica do plasma a qual resulta em edema. Esse quadro de hipoproteinemia pode
ser agravado durante a fluidoterapia intensificando o edema.
Azotemia pré-renal associada à elevação nos valores de creatinina séricos são achados freqüentes no choque.
Embora a função renal possa não estar comprometida de forma absoluta, a diminuição do fluxo sanguíneo para
esse órgão limita a sua atividade, resulta na diminuição na capacidade de eliminação de produtos nitrogenados e
conseqüente azotemia.
No choque, a diminuição da perfusão tecidual resulta em metabolismo anaeróbico e aumento na produção de
lactato. O aumento no lactato sanguíneo leva à acidose metabólica. A avaliação dos gases e lactato sanguíneos
permite a quantificação do grau de acidose metabólica no qual o paciente se encontra.
Entre os desequilíbrios eletrolíticos presentes no choque destacam-se a hiponatremia e a hipercalemia. A
hiponatremia está comumente associada ao choque hipovolêmico causado por diarréia. Hiponatremia com valores
de sódio abaixo de 130 mEq/l pode cursar com apatia, flacidez muscular e hipotensão. A hipercalemia está
normalmente associada à acidose metabólica. Nessa situação ocorre extrusão de potássio para fora das células
em troca de hidrogênio, numa tentativa de elevar o pH sanguíneo. Adicionalmente, a diminuição na produção de
urina frequentemente associada ao choque limita a excreção de potássio. Hipercalemia com potássio acima de 7
mEq/l leva à cardiotoxicidade (Raiser, 2005).
TRATAMENTO
Sempre que possível a causa do choque deve ser identificada e tratada, uma vez que sua persistência pode levar
ao insucesso da terapia emergencial ou à recidiva após o restabelecimento do quadro. Deve-se enfatizar ainda
que um dos fatores mais importantes no tratamento do choque é o tempo. Quanto maior o tempo decorrido até o
início da terapia, maior será o período de baixa perfusão e isquemia tecidual e maiores as chances de ocorrerem
lesões importantes e irreversíveis nos diversos órgãos. Independente do tipo de choque apresentado, o
tratamento inadequado resultará na progressão do choque para um estágio terminal caracterizado por falência
múltipla de órgãos denominado síndrome da disfunção orgânica múltipla (SDOM). A SDOM é um estágio de difícil
reversão com índice de mortalidade extremamente elevado (80 a 100%) (Purvis & Kirby, 1994).
Tratamento Emergencial
O tratamento do choque deve ser direcionado para restabelecer o status físico e funcional do sistema
cardiovascular do paciente. No entanto, existem evidências demonstrando que para se atingir esse objetivo deve-
se elevar os valores hemodinâmicos e o transporte de oxigênio do paciente em choque para valores
supranormais. A terapia objetivando o restabelecimento desses parâmetros a valores normais foi relacionada a um
menor índice de sobrevida e falência múltipla de órgãos. Foi evidenciado que pacientes tratados nessas condições
adquirem um débito na oferta de oxigênio, uma vez que as demandas metabólicas nesses pacientes encontram-se
aumentadas (Shoemaker et al., 1991).
Nesse contexto, o tratamento do choque envolve três metas principais:
Restabelecer a volemia;
Otimizar o débito cardíaco e a pressão arterial;
Otimizar o transporte de oxigênio no sangue.
A expansão do volume sanguíneo constitui-se a principal meta no tratamento do paciente em choque de origem
não cardiogênica (Tobias & Schertel, 1992). Assim como ocorre no choque hipovolêmico, no choque distributivo
também pode haver depleção de volume, a qual ocorre devido ao aumento na permeabilidade vascular. Uma vez
que nesses quadros a bomba cardíaca encontra-se inicialmente funcionando de forma eficiente, geralmente o
restabelecimento da volemia incorrerá em melhora hemodinâmica do paciente.
O fluido de escolha, a velocidade de administração e o volume a ser administrado costumam ser motivo de
debate. Geralmente opta-se inicialmente pela administração agressiva de cristalóides isotônicos, como a solução
de Ringer com lactato de sódio (RL) ou solução de cloreto de sódio (NaCl) a 0,9%, em volume equivalente a 90
ml/kg no cão e 45 a 60 ml/kg em cães idosos, gatos e eqüinos durante a primeira hora (Purvis & Kirby, 1994). As
diferenças nas taxas de administração existem devido às diferentes volemias entre as espécies citadas. Fluidos
hipotônicos (concentração de sódio <130 mEq/l) devem ser evitados por serem menos eficientes no
restabelecimento da volemia (Tobias & Schertel, 1992).
A eficiência da fluidoterapia inicial deve ser avaliada. Resposta positiva caracteriza-se por melhora na qualidade
de pulso, elevação da pressão arterial (PAM>60 mm Hg; PAS>90 mm Hg) e da pressão venosa central (PVC>5
cm H2O). A infusão de fluidos deve ser suspensa quando a PVC superar 7 cm H2O (Rudloff & Kirby, 1994),
embora alguns autores considerem aceitáveis valores de até 10 cm H2O (Haskins, 1992). Caso a PVC diminua
para valores abaixo de 3 cm H2O alguns minutos após a suspensão da fluidoterapia, uma nova infusão deve ser
iniciada (Rudloff & Kirby, 1994). O débito urinário também deve ser avaliado. A recuperação da capacidade de
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produzir urina em animais com quadro de anúria pode ser um indício de que a expansão de volume foi eficiente
(Haskins, 1992; Tobias & Schertel, 1992; Purvis & Kirby, 1994). Em caso de resposta positiva, a velocidade de
administração de cristalóides pode ser diminuída para 20 ml/kg/h. Na ausência de resposta o paciente deve ser
avaliado em busca de hemorragia persistente, perdas de fluidos de outra natureza ou hipoproteinemia (Tobias &
Schertel, 1992). Deve-se ressaltar ainda que mesmo que a expansão plasmática tenha sido realizada com
sucesso, o paciente deve ser constantemente monitorado. Sabe-se que decorridos 30 minutos da administração,
somente 25% dos cristalóides permanecem no espaço intravascular e, portanto o efeito expansor dos cristalóides
pode ser transitório. Nesse caso, a administração de sangue total ou colóides deve ser considerada (Haskins,
1992).
As principais limitações na fluidoterapia com cristalóides são anemia e hipoproteinemia. Deve-se ressaltar ainda
que ambas podem resultar da fluidoterapia agressiva com cristalóides. Portanto, a terapia única com cristalóides
isotônicos na expansão da volemia deve ser evitada quando houver pelo menos uma das seguintes condições:
VG<20%; PT<3,5 g/dl; ou albumina<1,5 g/dl (Haskins, 1992). Quando o hematócrito encontrar-se abaixo de 20%,
deve-se proceder à reposição com sangue total ou papa de hemácias associado ao cristalóide, uma vez que
nessas condições o transporte de oxigênio fica intensamente comprometido (Tobias & Schertel, 1992). Nesse
caso, o volume de cristalóides a ser administrado deve ser aproximadamente o triplo do volume de sangue total
transfundido (Raiser, 2005). O volume de sangue a ser transfundido varia normalmente de 10 a 40 ml/kg em cães
e 5 a 20 ml/kg em gatos (Haskins, 1992) e o valor ideal para o hematócrito a ser atingido é de aproximadamente
30% (Tobias & Schertel, 1992).
Diversos estudos têm demonstrado o valor das soluções hipertônicas no tratamento dos choques hipovolêmico e
distributivo. Essas soluções permitem a ressuscitação de volume aguda no paciente em choque com menores
volumes em comparação aos cristalóides (Cone et al., 1987). Apesar de haver diversos tipos de soluções
hipertônicas a base cloreto de sódio (NaCl), bicarbonato de sódio e glicose, foi evidenciado por um estudo em
ovelhas que os melhores resultados foram obtidos com soluções de NaCl (Smith et al., 1985).
Ainda existe debate, apesar de exaustivas pesquisas, em relação à concentração ideal da solução hipertônica de
NaCl e a melhor forma de administração. Cai et al. (2002) estudaram diferentes concentrações e doses e
concluíram que, em cães em choque hipovolêmico, a concentração ideal de solução de NaCl foi de 7,5%, na dose
de 5,71 ml/kg. No entanto, para maior praticidade na rotina clínica utiliza-se, como regra geral, a solução
hipertônica de NaCl em concentrações próximas a 7%, na dose de 4 a 6 ml/kg, administrada durante
aproximadamente 5 minutos.
A solução hipertônica de NaCl demonstrou ser superior à administração de grandes volumes de cristalóides
isotônicos na estabilização hemodinâmica de cães, gatos e eqüinos induzidos ao choque hipovolêmico ou séptico
experimental (Velasco et al., 1980; Nakayama et al., 1984; Muir III & Sally, 1989; Bertone et al., 1990; Us et al.,
2001). Os principais benefícios foram a elevação do débito cardíaco e da pressão arterial, diminuição da
resistência vascular sistêmica (Nakayama et al., 1984; Muir III & Sally, 1989; Bertone et al., 1990) e dos valores de
lactato sanguíneo (Bertone et al., 1990; Us et al., 2001). Verificou-se ainda um aumento na taxa de sobrevida em
pacientes que receberam solução hipertônica em relação aos que receberam solução salina isotônica (Velasco et
al., 1980).
Na ocorrência de valores de proteínas totais abaixo de 3,5 g/dl ou de albumina abaixo de 1,5 g/dl, ou quando se
estima que esses valores serão atingidos pela administração de cristalóides, a reposição com soluções colóides
deve ser realizada. Na ausência de disponibilidade de exames laboratoriais, o surgimento de edema antes do
restabelecimento do volume vascular, ou a ineficácia da terapia com cristalóides também podem ser indicações
para a administração de colóides (Haskins, 1992). Essas soluções contêm partículas grandes que não são
capazes de atravessar o endotélio, ficando retidas no compartimento intravascular durante mais tempo do que as
soluções cristalóides (Garvey, 1989). A permanência dessas partículas no plasma aumenta a pressão oncótica e
atrai água dos compartimentos intersticial e intracelular resultando em expansão do volume plasmático (Garvey,
1989). Adicionalmente, essas partículas possuem cargas negativas, o que atrai sódio e água para o
compartimento intravascular (Rudloff & Kirby, 1994).
Os colóides podem ser de origem natural ou sintética. Os de origem natural são o sangue total, a albumina e o
plasma. Entre os sintéticos mais comumente utilizados destacam-se as dextranas e o amido de hidroxietila. A
albumina é frequentemente utilizada em pacientes humanos na dose de 2 ml/kg ou 10 ml/kg, respectivamente nas
soluções a 25% e 5%. Acredita-se que doses semelhantes devam ser utilizadas em cães e gatos (Rudloff & Kirby,
1994). O plasma canino é considerado uma excelente opção de reposição, uma vez que fornece albumina,
imunoglobulinas, plaquetas, fatores da coagulação e antitrombina III, dependendo do tempo de conservação
(Haskins, 1992). O volume de plasma a ser administrada é de 10 a 20 ml/kg, sob a forma de infusão lenta para se
evitar a ocorrência de reações transfusionais (Garvey, 1989). No entanto, a dificuldade de obtenção e estocagem
desse tipo de solução limita sua utilização, dando lugar aos colóides sintéticos.
As dextranas e o amido de hidroxietila são os colóides sintéticos mais frequentemente utilizados. Dextranas são
polímeros de glicose de alto peso molecular (Rudloff & Kirby, 1994). As dextranas estão disponíveis em soluções
com peso molecular médio de 40 kDa (Dextran-40) e 70 kDa (Dextran-70). A solução de Dextran-70 tem mais
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valor na expansão do volume plasmático em relação ao Dextran-40 devido ao seu maior peso molecular, o que
resulta em maior duração do efeito expansor (Garvey, 1989). No homem a utilização de soluções a base de
dextranas foi associada à falência renal em pacientes desidratados (Rudloff & Kirby, 1994).
O amido de hidroxietila é um polímero sintético da glicose ao qual grupamentos de hidroxietila foram adicionados.
A adição de grupamentos hidroxietila retarda sua biotransformação pela amilase pancreática e prolonga seu
efeito. A porcentagem de moléculas de glicose ligadas a grupamentos de hidroxietila representa o grau de
substituição da solução e está diretamente relacionada à duração do efeito expansor no plasma. Quanto maior o
grau de substituição, menor a velocidade de biotransformação e maior o tempo de permanência da solução no
plasma. O amido de hidroxietila está disponível em soluções a 6%, com peso molecular médio de 69 kDa e grau
de substituição de 0,45 ou 0,8. As soluções de amido de hidroxietila possuem duração de efeito mais prolongada
do que as dextranas, devido ao seu maior peso molecular (Garvey, 1989). No entanto, produzem menor pressão
oncótica por unidade de volume.
As soluções colóides sintéticas devem ser administradas em bolus de 5 a 10 ml/kg até um volume máximo de 20
ml/kg/dia. Volumes maiores incorrem em maior chance de ocorrência de efeitos adversos tais como coagulopatias
e reações alérgicas (Garvey, 1989; Rudloff & Kirby, 1994). No entanto, alguns autores recomendam a utilização de
volumes maiores caso os valores de pressão arterial e pressão venosa central desejados não tenham sido
atingidos (Rudloff & Kirby, 1994). A velocidade de administração deve ser lenta, uma vez que essas soluções são
hipertônicas e podem ocasionar rápidos deslocamentos de líquidos para o espaço vascular e overdose de volume
(Garvey, 1989). Em gatos, a administração rápida foi aparentemente associada a náuseas (Rudloff & Kirby, 1994).
Na opinião dos autores, cada 5 ml/kg de colóides devem ser infundidos durante um período de 10 a 15 minutos. A
administração concomitante de cristalóides é recomendada uma vez que os colóides restauram o volume
intravascular, mas não o volume do compartimento intersticial (Rudloff & Kirby, 1994). No entanto, o volume de
cristalóides deve ser reduzido em 40 a 60% quando associados a colóides (Purvis & Kirby, 1994). Soluções
colóides são também frequentemente associadas à solução hipertônica de NaCl. A solução de NaCl a 20%,
comercialmente disponível, pode ser adicionada a um colóide sintético a fim de se obter uma solução com
concentração final a 7,5% de NaCl. Essa solução pode ser administrada na dose de 4 a 8 ml/kg no cão e 2 a 6
ml/kg no gato, seguida da infusão de cristalóides em volume reduzido conforme descrito anteriormente (10-20
ml/kg/h) (Rudloff & Kirby, 1994).
O custo da administração de soluções colóides é superior ao da administração de soluções cristalóides. No
entanto, esse custo não é de forma alguma proibitivo em cães e gatos. Adicionalmente, devem-se levar em conta
os benefícios dessa terapia, uma vez que o efeito expansor de volume dos colóides é superior ao das soluções
cristalóides (Haskins, 1992).
Em boa parte dos casos a ressuscitação por volume é suficiente para a estabilização do paciente nos casos de
choque hipovolêmico, distributivo ou obstrutivo. Porém, nos casos em que a fluidoterapia agressiva falhou na
restauração do débito cardíaco, pressão arterial ou perfusão tecidual – sendo o TPC e o débito urinário utilizados
como estimativas indiretas da perfusão tecidual - a administração de inotrópicos e/ou vasopressores é
recomendada (Haskins, 1992). Causas possíveis do insucesso na terapia inicial são listadas no quadro 4.
Fluido de
Ht (%) PT (g/dl)
escolha
<25 <5 sangue total
papa de
<25 >5
hemácias
>25 <5 colóide
>25 >5 cristalóide
Quadro 3: Guia prático para reposição volêmica no choque.
A dopamina é o simpatomimético de primeira linha para elevar o débito cardíaco e a pressão arterial em cães e
gatos quando a PAS ou PAM encontram-se respectivamente abaixo de 90 e 60 mm Hg. Em taxas de infusão a
partir de 5 g/kg/min essa catecolamina estimula receptores beta adrenérgicos no miocárdio levando ao aumento
da contratilidade, do volume sistólico e do débito cardíaco. O efeito esperado na pressão arterial pode não ocorrer
nessa dose devido à estimulação concomitante de receptores dopaminérgicos, os quais levam à diminuição da
RVS. A taxa de infusão pode então ser aumentada em incrementos de 2 µg/kg/min até que a pressão arterial
atinja os valores desejados (PAS>100 mm Hg e PAM>70 mm Hg). Em taxas de infusão maiores que 10 µg/kg/min,
a dopamina atua também em receptores alfa adrenérgicos resultando em aumento na RVS e PA. A resposta,
porém pode ser extremamente variável entre indivíduos e adicionalmente, nos casos de choque séptico, doses de
até 20 µg/kg/min podem ser necessárias para se observar a elevação desejada na pressão arterial. No entanto,
doses elevadas (acima de 10 µg/kg/min) devem ser evitadas a menos que estritamente necessário devido ao
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efeito vasoconstritor mediado pelos receptores alfa, o que pode levar a restrição de fluxo sanguíneo para
determinados tecidos. Outros efeitos indesejáveis também podem ocorrer com intensidade diretamente
proporcional à dose utilizada, tais como taquicardia e arritmias cardíacas. Portanto deve-se utilizar a dose mínima
necessária para se atingir o objetivo, e essa regra vale para qualquer que seja o simpatomimético utilizado.
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melhora na reversão do choque em pacientes tratados com corticosteróides, enquanto outros não demonstram
benefícios resultantes da administração desses fármacos.
A utilização de corticosteróides no choque séptico tem ganho aceitação crescente entre os intensivistas médicos.
A justificativa para o uso desses fármacos no choque séptico é baseada em diversos estudos que evidenciaram
insuficiência adrenal relativa em pacientes nessas condições. Embora os resultados de diversos estudos sejam
conflitantes quando doses maciças são utilizadas durante períodos curtos, existe maior consenso atualmente em
relação ao fato de que a utilização de baixas doses de corticosteróides (especialmente a hidrocortisona) durante
um período prolongado (5 a 11 dias) é benéfica em pacientes com quadro de choque séptico (Annane et al., 2004;
Keh et al., 2004). Doses baixas de corticosteróides parecem ter efeitos hemodinâmicos benéficos caracterizados
por modulação do tônus vascular, a qual foi evidenciada pela menor necessidade de fármacos vasopressores.
Existem evidências cada vez maiores de que os corticosteróides em baixas doses regulam certas funções do
sistema imune ao mesmo tempo em que reduzem a resposta inflamatória, resultando em níveis mais baixos de
mediadores pró-inflamatórios como as interleucinas e o TNF sem, contudo provocar imunossupressão (Keh et al.,
2004). Finalmente, a terapia com corticosteróides em baixas doses foi associada à diminuição na taxa de
mortalidade do choque séptico e maior incidência de reversão do quadro de choque (Annane et al., 2004; Keh et
al., 2004). A hidrocortisona foi o glicocorticóide de eleição como adjuvante no tratamento do choque séptico. As
doses utilizadas foram de 200 a 300 mg por dia, fracionadas em três a quatro doses ou sob a forma de infusão
contínua. Levando-se em consideração que um homem adulto pesa em torno de 70 kg, calcula-se que a dose
média utilizada variou entre 3 e 4 mg/kg por dia; bem abaixo das doses usuais recomendadas para o tratamento
do choque (300 mg/kg). No entanto, estudos nessas condições realizados na medicina veterinária não constam na
literatura consultada, e o esquema de tratamento citado permanece uma interrogação em nosso meio.
Equilíbrio ácido-básico
Dependendo da gravidade e duração do quadro de choque, a ocorrência de metabolismo anaeróbico resulta em
acidose metabólica (Tobias & Schertel, 1992). Em algumas situações esse quadro pode ser resolvido
simplesmente pela melhora na pressão arterial e perfusão tecidual, as quais resultarão em diminuição do
metabolismo anaeróbico (Purvis & Kirby, 1994). Em outras situações, porém esse quadro pode persistir mesmo
após a estabilização hemodinâmica.
A maneira mais eficiente de verificar se há desequilíbrios do equilíbrio ácido-básico é através da hemogasometria.
Diversos autores recomendam o tratamento da acidose metabólica quando houver déficit de bases (DB) superior a
-10 mEq/l, antes do restabelecimento da volemia, ou superior a -5 mEq/l após a estabilização hemodinâmica
(Tobias & Schertel, 1992). A correção do déficit é feita pela administração intravenosa de bicarbonato de sódio
(NaHCO3) de acordo com a fórmula:
mEq NaHCO3 necessários = 0,3 x P x DB,
sendo P o peso do animal em kg. Em caso da impossibilidade de realização de hemogasometria pode-se estimar
a quantidade de bicarbonato necessária baseado na gravidade do choque. Nos choques de graus leve, moderado
e severo deve-se administrar respectivamente 1, 3 e 5 mEq/kg (Tobias & Schertel, 1992; Purvis & Kirby, 1994). É
importante lembrar que a administração de bicarbonato deve ser lenta, ao longo de 30 minutos.
Apesar de diversos estudos recomendarem a correção da acidose metabólica no choque, existe pelo menos um
estudo em cães evidenciando que a correção do pH arterial com a administração de bicarbonato de sódio não traz
benefícios hemodinâmicos em si, sendo os efeitos benéficos após a administração desse fármaco resultantes da
administração de grandes quantidades de sódio e não da correção do pH (Benjamin et al., 1994).
Nutrição e glicemia
No choque desenvolve-se um metabolismo hiperdinâmico, especialmente no choque séptico e no paciente com
trauma associado ao choque. O requerimento energético nesses pacientes pode estar elevado em até 100%.
Associado ao fato que esses animais não estão se alimentando, desenvolve-se rapidamente um estado de
catabolismo celular e balanço nitrogenado negativo. A administração de glicose pode atenuar o catabolismo
celular durante um período de até 2 dias. Soluções contendo glicose a 2,5% até 10% podem ser tituladas para se
infundir glicose pela via intravenosa na dose de 0,5 a 2,0 g/kg/h. Deve-se manter a glicemia entre 100 e 200 mg/dl,
sendo a administração de insulina recomendada para evitar a hiperglicemia nesses casos. No entanto, a
administração de glicose é incapaz de suplementar as necessidades de um paciente com metabolismo
aumentado. Portanto deve-se realizar nutrição enteral ou, em caso de impossibilidade, nutrição parenteral. A
nutrição enteral apresenta a vantagem de minimizar a translocação bacteriana resultante da inatividade intestinal
(Tobias & Schertel, 1992; Raiser, 2005).
Protetores de mucosa
Lesões da mucosa do trato digestório são comuns no paciente em choque. Entre as causas relacionam-se a
hipoperfusão e hipóxia teciduais, produção de radicais livres de oxigênio, deterioração da barreira mucosa
protetora, entre outras (Haskins, 1992). Prostaglandinas sintéticas como o misoprostol, seqüestradores de radicais
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livres como o superóxido desmutase e o sucralfato podem ser utilizados numa tentativa de minimizar as lesões na
mucosa do trato digestório. Antagonistas de receptores H2, como ranitidina e cimetidina, devem ser evitados uma
vez que modificam o pH gástrico e predispõe à colonização bacteriana (Raiser, 2005).
Coagulopatias
Tendo em vista que a CID é uma possibilidade no choque, esse quadro deve ser diagnosticado o mais
precocemente possível e a terapia adequada instituída. Deve-se lembrar que a terapia mais eficiente no
tratamento da CID é a estabilização hemodinâmica do paciente e a melhora na perfusão tecidual. No entanto, a
presença de anormalidades na coagulação ou trombocitopenia persistente após a estabilização do paciente
podem ser indicativas de CID. Estados de hipercoagulação podem ser tratados através da administração de
heparina pela via subcutânea, na dose de 100 U/kg a cada 4 ou 6 horas, ou pela infusão intravenosa na dose de
15 a 25 U/kg/h. Já nos estados de hipocoagulação o tratamento de eleição é a administração de plasma ou
sangue total frescos. Nesses casos deve-se fazer a administração concomitante de heparina para se evitar
estados de hipercoagulação (Haskins, 1992).
Diuréticos
A produção de urina pode ser considerada uma estimativa direta do fluxo sanguíneo renal. A existência de anúria
é sugestiva de baixa perfusão renal a qual pode resultar em falência desse órgão. Em caso de anúria persistente
após fluidoterapia agressiva recomenda-se a administração de diuréticos. A furosemida (2 a 6 mg/kg IV) e o
manitol (0,5 a 2,0 g/kg IV) são os diuréticos mais indicados nesses casos, podendo ser associados caso a
administração isolada não tenha obtido sucesso (Haskins, 1992; Raiser, 2005). Deve-se ter cuidado ao utilizar o
manitol no choque cardiogênico. Por ser um diurético osmótico, esse fármaco eleva o volume sanguíneo o que
não é benéfico num paciente com deficiência na bomba cardíaca. Pela mesma razão esse diurético não deve ser
utilizado em pacientes com sobrecarga de volume. Adicionalmente, o uso do manitol no choque séptico deve ser
cauteloso devido ao aumento da permeabilidade capilar, a qual poderia precipitar o extravasamento do manitol
para o interstício e resultar em edema intersticial (Purvis & Kirby, 1994).
Antagonistas Opióides
Existem evidências da participação de peptídeos opióides endógenos na patofisiologia de diversos tipos de
choque (Boeuf et al., 2003). Em um estudo em camundongos, Greeneltch et al. (2004) sugeriram que o
antagonista opióide naltrexona é capaz de diminuir a produção de TNF- , sendo sua administração benéfica no
choque séptico uma vez que essa citocina é considerada como um dos principais mediadores associados à
resposta inflamatória sistêmica. Uma meta-análise realizada com diversos estudos em pacientes humanos revelou
melhora hemodinâmica em pacientes tratados com naloxone (Boeuf et al., 2003). No entanto, a eficiência desses
fármacos no choque permanece incerta e apresenta o inconveniente de limitar o uso de opióides no controle da
dor devido ao antagonismo competitivo por receptores opióides.
Antagonistas de Receptores de Óxido Nítrico e Endotelina
Em um estudo realizado em camundongos submetidos ao choque séptico, a administração de antagonistas para
receptores do óxido nítrico (aminoguanidina) e da endotelina (bosentan) resultou em menor taxa de mortalidade e
reversão do quadro de hipotensão. Verificou-se ainda que a administração simultânea dos fármacos foi mais
eficiente e que o momento de administração parece ser essencial. Antagonistas do óxido nítrico são benéficos
durante a fase hiperdinâmica do choque séptico, enquanto os antagonistas da endotelina devem ser
administrados durante a fase hipodinâmica (Iskit & Guc, 2003).
Vasopressina
A vasopressina é um hormônio de origem pituitária que apresenta propriedades antidiurética e vasopressora.
Existem evidências da diminuição nos níveis plasmáticos de vasopressina durante o choque, especialmente no
choque distributivo (Morales et al., 1999), fato esse que poderia justificar a suplementação de vasopressina no
choque. De fato, a administração de vasopressina a cães submetidos ao choque hemorrágico não responsivo à
noradrenalina e angiotensina II (Morales et al., 1999). Estudos realizados em pacientes humanos em choque
séptico revelaram que a infusão de baixas doses de vasopressina reduziu o requerimento de vasopressores e
manteve a pressão arterial e o débito cardíaco em valores adequados. Adicionalmente, a vasopressina é capaz de
desencadear vasodilatação nos leitos vasculares pulmonares, cerebrais, renais e coronarianos, sendo essa
propriedade benéfica e não compartilhada por outros vasopressores (Holmes & Russell, 2004).
O uso da vasopressina parece ser uma perspectiva promissora, especialmente em casos de choque distributivo
não responsivos ao tratamento convencional. No entanto, mais estudos são necessários para se comprovar a
eficácia desse fármaco bem como a melhor forma de administração.
Outras Medidas/Tratamento Sintomático
Cada caso deve ser analisado individualmente para a necessidade de terapias complementares. O uso de
antibióticos é fundamental em pacientes portadores de choque séptico e em pacientes traumatizados. Cirurgias
75
para a remoção de focos de infecção (peritonite, piometra) devem ser realizadas assim que o paciente apresentar
condições de ser submetido ao procedimento. O uso de analgésicos na presença de dor, especialmente no
trauma, deve ser considerado, sendo os opióides os fármacos de escolha principalmente devido a menor
incidência de efeitos adversos no trato digestório e no rim.
76
Ressuscitação cardiopulmonar
Rodrigo Luiz Marucio e Stelio Pacca Loureiro Luna
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
- .
O primeiro relato na história da reanimação ocorreu em 850 A.C., onde na Bíblia em II Reis 4:34, é contada a
história de como o profeta Eliseu insuflou vida novamente no filho da mulher sulamita , apesar deste começo
prestigioso a respiração boca-a-boca não foi imediatamente aceita na prática médica, ao invés disto, os primeiros
métodos incluíam a flagelação (primeiros tempos), soprar fumaça no reto da vítima (1700), colocar a vítima de
bruços atravessada no dorso de um cavalo trotando (1800), e o método da compressão em pronação de Schafer
(1900). As modernas técnicas de ventilação boca-a-boca são baseadas em estudos efetuados na década de 50,
por Elam, Safar, Gordon e Redding. Em 1960, Kouwenhoven et al. descreveram o emprego bem sucedido da
massagem cardíaca com tórax fechado. As abordagens contemporâneas para reanimação existem desde 1966,
quando uma conferência da Academia Nacional de Ciências (EUA) – Conselho de Pesquisa Nacional criou
padrões consensuais para a realização da reanimação. Estes padrões vem sendo atualizados freqüentemente em
conferências organizadas pela American Heart Association (AHA) e European Resuscitation Council (ERC).
Na veterinária, em 1981, a American Animal Hospital Association (AAHA) publicou um protocolo de reanimação
cardiopulmonar. Muitas mudanças ocorreram em termos de conhecimento e tecnologia voltados para o cuidado e
abordagem do paciente veterinário que necessita de reanimação após parada cardiorespiratória (PCR). Este
capítulo visa mostrar estas mudanças e atualizar o protocolo de reanimação baseado em estudos recentes para
animais de pequeno porte.
/0
O termo reanimação cardiorespiratória ou ressuscitação cardiorespiratória são utilizados para designar o conjunto
de medidas específicas utilizadas no tratamento da parada cardiorespiratória. Embora o termo ressuscitação seja
o mais utilizado, o mais correto seria reanimação, pois ressuscitação está mais relacionado com termos religiosos.
O objetivo primário da reanimação é proteger a função cardiovascular e neurológica. Sobreviver não é apenas não
morrer; também envolve o retorno aceitável às funções neurológicas normais. Isto motivou pesquisadores a utilizar
o termo reanimação cárdio-cérebro-pulmonar (RCCP) que engloba todas as medidas terapêuticas que visam à
recuperação das funções cardiocirculatórias e respiratórias, sempre buscando a preservação da integridade do
sistema nervoso central.
Independente da etiologia da parada cardíaca, a realização sistemática de etapas fundamentais da RCCP pode
evitar lesões cerebrais irreversíveis.
Na parada cardiorespiratória (PCR) no paciente de pequeno porte, a taxa de prevalência é de 0,46% dos gatos, e
de 0,45% dos cães apresentados para exame no Colorado State University Veterinary Teaching Hospital (CSU
VTH). Na Universidade da Geórgia (EUA), entre 1980 e 1982, a sobrevivência com boa função neurológica era de
menos de 0,5%. Com a introdução gradual de cuidados de monitoração e terapia intensiva, a taxa de sobrevida
subiu para 5% em 1990. Young, 1992, entretanto, relata que a taxa de sobrevivência em cães é de 9 a 20% e em
gatos de 7 a 22%. A etiologia mais comum da PCR em gatos é o traumatismo, enquanto que a moléstia
respiratória é a etiologia mais comum em cães.
Identificar rapidamente uma emergência é o primeiro passo para a possibilidade do sucesso da reanimação. A
consciência é perdida dentro de 5 a 11 segundos após a cessação do fluxo sangüíneo cerebral. O cérebro é o
órgão mais susceptível a isquemia-hipoxia, em condições normais desenvolve serias injurias após 4 minutos de
parada cardíaca (em condições de temperaturas inferiores ou com a utilização de fármacos neuroprotetores, este
tempo pode se estender). Portanto, o diagnóstico precoce aliado aos procedimentos de reanimação, realizados de
maneira correta e ordenada, é a base para o restabelecimento da dinâmica respiratória e/ou cardiocirculatória.
Nesse sentido faz-se necessário treinamento constante e bem orientado da equipe de reanimação, em que cada
integrante sabe exatamente o que, como e quando fazer. A disponibilidade do material de reanimação é um fator
que também influencia a eficácia das manobras, portanto deve estar devidamente organizado e de fácil acesso
para diminuir o tempo gasto, o que possibilita a maior chance de êxito. Nele deve conter sondas endotraqueais,
laringoscópio, balão respiratório (AMBU), cateteres, soluções para fluidoterapia, uma caixa de material cirúrgico e
os fármacos utilizados para reanimação que serão descritos posteriormente. Uma tabela com as doses dos
fármacos com diversos pesos corpóreos pode ser aderida ao carrinho de anestesia, ou na maleta de reanimação
para facilitar e diminuir o tempo de administração dos fármacos.
Cada instituição deve ter uma área dedicada às manobras de RCCP. A área de indução anestésica ou uma sala
de terapia intensiva ou a sala cirúrgica são sugestões comuns.
O treinamento da equipe talvez seja um dos principais fatores para o sucesso da reanimação. O ideal seria um
número mínimo de cinco pessoas, mas nem sempre isto é possível. As divisões das tarefas podem ser da
seguinte maneira:
77
1ª.Pessoa: Líder, dita as regras e as manobras (drogas, procedimentos, etc), checa a efetividade do processo.
Responsável pela intubação endotraqueal. Pode assumir as funções do membro número três, pelo menos
inicialmente. É a pessoa que realiza as dissecações venosas, desfibrilação, toracotomia, etc. Também será o
responsável pela massagem cardíaca interna após a toracotomia.
2ª.Pessoa: Responsável pela ventilação e controle dos parâmetros respiratórios após a obtenção da via aérea.
3ª.Pessoa: Realiza as compressões torácicas externas.
4ª.Pessoa: Responsável pelas compressões abdominais.
5ª.Pessoa: Assegura que os métodos de monitoração sejam disponibilizados, faz administração dos fármacos e
carrega o desfibrilador, realiza as anotações de parâmetros clínicos.
1 1 . 21 3
A PCR é uma súbita e inesperada cessação da ventilação efetiva, resultando numa perda da consciência, e
exigindo a intervenção de emergência, para evitar o êxito letal. PCR pode ocorrer em virtude de disfunção
cardíaca ou respiratória primária, ou secundariamente a anormalidades que levam a uma deficiência circulatória e
ventilatória. Pacientes em fase terminal de doenças, como por exemplo, neoplasias com metástases ou
insuficiência hepática grave, não é recomendado a RCCP, pois nestes pacientes a PCR não é súbita e inesperada
e sim a fase terminal da doença.
A “European Resuscitation Council” considera uma lista de PCR reversíveis, definida como “4Hs” e “4Ts”, onde:
Os quatros “Hs” são:
1. Hipoxemia
2. Hipovolemia
3. Hiper/hipocalemia
4. Hipotermia
E os quatros “Ts” são:
1. Tensão torácica
2. Tamponamento cardíaco
3. Tromboembolismo
4. Toxicidade ou overdose de substâncias terapêuticas
Qualquer condição clínica que, em tese, conduza à hipóxia celular predispõe o paciente à PCR. Isto pode incluir
tanto a moléstia cardíaca primaria, resultante de débito cardíaco inadequado, e a vasoconstrição periférica, como
a patologia pulmonar primária conduzindo a desequilíbrio de ventilação-perfusão, derivações, ou uma barreira de
difusão ao nível dos alvéolos. Outros fatores que podem causar hipóxia tecidual são: a obstrução das vias
respiratórias (corpo estranho, traumatismo, edema, etc), hipoventilação, anemia, e vasoconstrição periférica
secundária ao choque. O músculo cardíaco e extremamente sensível à hipóxia e acidose.
Em pacientes severamente desidratados ou com hemorragia severa, quando entram num quadro de hipovolemia,
ocorre uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral podendo ocasionar à PCR.
Desequilíbrios acido-básicos e eletrolíticos predispõem o paciente à PCR, pois estimulam a liberação de
catecolaminas, que aumentam a automaticidade cardíaca e a taxa metabólica.
Agentes pré anestésicos e anestésicos que diminuem a função cardiorespiratória também podem induzir uma
PCR.
1
Os sintomas iniciais são: alterações respiratórias, cianose, hipotensão e um pulso irregular e fraco.
Com a PCR em pacientes acordados, haverá perda da consciência em 10 segundos, alguns movimentos de
deglutição podem ocorrer segundos após a PCR. As pupilas irão se dilatar e se tornarem fixas em torno de 30-45
segundos. O conhecimento de administrações medicamentosas anteriores é necessário para a avaliação do
diâmetro pupilar. A administração de bloqueadores ganglionares, epinefrina, ou atropina podem levar à dilatação
das pupilas. A dilatação pupilar não é um reflexo de lesão neurológica irreversível; deve ser interpretado mais
como indicador de terapia efetiva do que como indicador para abandonar os esforços na reanimação. A constrição
das pupilas quase sempre prevê uma técnica efetiva, sendo mais provável a sobrevivência.
O tempo de preenchimento capilar (TPC), mensurado por compressão digital na mucosa oral, pode estar normal
ou ate mesmo diminuído, dependendo da causa da parada. Se o tono vasomotor e o volume vascular estão
normais até o momento da parada, o TPC pode continuar normal (1 a 1,5 segundos) até a perda completa do
tônus vascular, secundariamente à hipóxia local. Em corações de cães experimentalmente induzidos à fibrilação, o
TPC se manteve normal até por 3 a 4 minutos após parada total.
A ausência de pulso palpável em artérias de fácil acesso (preferencialmente a femoral) ocorre no momento da
parada. Entretanto, a ausência de pulso pode ocorrer também em animais com débito cardíaco extremamente
deficiente e fluxo sanguíneo baixo devido à hipovolemia grave. Os sons cardíacos no cão cessam à pressão
sistólica de 50 mmHg. A ausência de som cardíaco pode indicar débito cardíaco inadequado, e não
necessariamente parada cardíaca.
78
Se o paciente estiver em um procedimento cirúrgico, a interação entre anestesista e cirurgião é fundamental para
o diagnostico da PCR. A ausência ou tonalidade escura do sangue no campo cirúrgico pode ser um forte indício
de PCR.
Para um perfeito diagnóstico da PCR, temos que verificar a somatória dos sintomas, de maneira rápida e precisa,
para não perder tempo e então iniciar os procedimentos de reanimação.
No paciente anestesiado, o eletrocardiograma, monitores de pressão, oximetria de pulso e capnografia podem
auxiliar no diagnostico, e são de extrema importância para as decisões a serem tomadas no tratamento da PCR.
4
O eletrocardiograma é fundamental para verificar o tipo de parada cardíaca, que pode ser por: assistolia
ventricular, dissociação eletromecânica (DEM), fibrilação ventricular, ou bradiarritimias ou taquiarritimias, todas
estas ocorrências levam a inadequado débito cardíaco, necessitando de uma imediata intervenção.
Assistolia Ventricular: caracterizada pela ausência de atividade tanto elétrica quanto mecânica, a partir dos
ventrículos. Eletrocardiograficamente, o distúrbio aparece como uma linha reta, ou com ondas P sem complexos
QRS. Pode ocorrer também como o resultado final de uma fibrilação ventricular ou DEM. É geralmente o resultado
de extensa isquemia do miocárdio. Em presença de assistolia ventricular, o prognóstico é sombrio.
Atividade Elétrica sem Pulso ou Dissociação Eletromecânica (DEM): é mais comum em gatos do quem em cães A
DEM é a continuação dos impulsos elétricos sem a atividade mecânica. As causas mais prováveis seriam uma
overdose de anestésicos, hipovolemia grave, descompensação cardíaca aguda, severa acidose ou hipoxemia. É
importante verificar a causa da DEM, para aumentar o sucesso na reanimação.
Fibrilação Ventricular: é a arritmia mais letal em cães e em seres humanos. É necessária uma massa miocárdica
crítica para manter a fibrilação, por isso a ocorrência em felinos e crianças é menor. A fibrilação ventricular se
caracteriza por uma atividade irregular e desorganizada, que resulta numa cessação imediata do débito cardíaco
efetivo. Aumenta a demanda de oxigênio pelo miocárdio em 3 a 5 vezes acima dos valores em repouso, pois ela
estimula a sístole sustentada, e portanto impede o fluxo sanguíneo coronariano e a liberação do oxigênio
miocardíaco. Geralmente a parada respiratória precede a parada cardíaca, mas em animais com fibrilação
ventricular podem permanecer respirando por alguns segundos após a parada cardíaca.
Arritmias: pode ocorrer um colapso cardiovascular durante qualquer episódio de bradi ou taquiarritmias.
Bradicardia pode resultar num débito cardíaco inadequado, e a taquicardia impede o enchimento diastólico
inadequado dos ventrículos, diminuindo assim secundariamente o débito.
5
A RCCP baseia-se em uma seqüência comumente denominada ABCD que consiste em:
O ABC deve ser realizado imediatamente após o diagnóstico da PCR, permitindo a manutenção da perfusão dos
tecidos, que compreende o Suporte Básico à Vida (SBV). Após estes primeiros passos, a equipe deve realizar a
reanimação avançada ou suporte avançado da vida (SAV), que consiste na utilização de equipamentos adicionais
àqueles utilizados no suporte básico. Essa etapa compreende monitoração, desfibrilação cardíaca, obtenção de
via venosa, aplicação de fármacos, equipamentos e técnicas de ventilação e cuidados pós-reanimação.
56 7
O estabelecimento de uma via aérea deve ser a primeira preocupação do reanimador. Verificar se ela esta
desobstruída e íntegra é o primeiro passo. A língua deve ser tracionada, verificando a presença de corpos
estranhos e restos de alimentos ou líquidos regurgitados do estômago para a orofaringe. Uma vez constatada a
presença destes, uma limpeza rigorosa e, se necessário, aspiração deve ser instituídas, mantendo-se sempre a
cabeça e o pescoço estendidos com a finalidade de permitir livre passagem do ar para a árvore respiratória. Após
esse procedimento o paciente deve ser intubado com sonda de calibre adequado ao seu tamanho e a ventilação
artificial poderá ser iniciada. Se o paciente estiver sendo submetido à anestesia inalatória, deve-se desconectar o
aparelho da sonda endotraqueal, limpar o circuito repleto de gases anestésicos, esta limpeza é realizada com
oxigênio, e posteriormente reconectá-lo à sonda e instituir a ventilação.
Em alguns casos pode ser necessário uma traqueostomia de emergência, onde a intubação esteja dificultada ou
impossível de ser realizada, como por exemplo alguns casos de traumatismo, corpo estranho ou estenose de
traquéia.
79
5 1 /0
Após o estabelecimento de uma via aérea, deve-se então instituir a respiração artificial de preferência com 100%
de oxigênio. Ela pode ser realizada através do aparelho de anestesia inalatória, do AMBU (ventilador manual), ou
ate mesmo a respiração boca-a-tubo ou boca-a-fucinho em ultimo caso. Inicialmente deve-se realizar duas
ventilações de um segundo a um segundo e meio cada, visualizando se ocorre expansão torácica. A freqüência
respiratória deve ser de 30 mov/min em animais acima de 10 kg e de 40 a 60 mov/min em animais abaixo de
10 kg. Lembrando que não se deve ventilar ao mesmo tempo das compressões torácicas, pois isto dificulta o
retorno venoso e aumenta a incidência de danos pulmonares.
Um analéptico respiratório, como cloridrato de doxapran, pode ser utilizado para estimular os centros bulbares,
assim como os quimioreceptores, na dose de 0,05 a 2 mg/kg por via intravenosa. Seu uso pode, contudo,
desencadear efeitos colaterais, como hipertensão, taquicardia, arritmias, rigidez muscular e vômitos.
Um ponto de acupuntura pode ser utilizado para estimular a respiração e os batimentos cardíacos, o VG 26 (Jen
Chung), que esta localizado na linha mediana do filtro nasolabial, em profundidade de 10 a 20 mm. Deve-se inserir
neste ponto uma agulha de acupuntura ou hipodérmica, estimulando-o, fazendo movimentos circulares por 30
segundos a 4 minutos ate obtenção do efeito.
5 /0
A massagem cardíaca pode ser de duas maneiras:
1- Massagem cardíaca externa (MCE)
2- Massagem cardíaca interna (MCI)
Existem três mecanismos envolvidos na geração de fluxo cerebral no animal que recebe tanto a compressão
externa quanto a interna. O objetivo final em qualquer um dos procedimentos é gerar fluxo sanguíneo oxigenado
de forma adequada ao cérebro e coração. Safar et al enfatizam a importância do fluxo cerebral sobre o miocárdio
na reanimação. O cérebro precisa de duas vezes mais fluxo por grama de tecido (100ml/g/kg) comparado ao
coração, para sustentar o metabolismo celular. As três teorias de geração de fluxo cerebral são:
1- Bomba cardíaca: com a MCE o coração é comprimido entre o esterno e as costelas fazendo com que o
sangue seja forçado antegradamente, devido a uma direta compressão cardíaca e oclusão valvular. Esta teoria
provavelmente seja verdadeira e eficiente na MCE em gatos e cães pequenos com cavidades torácicas
estreitadas e complacentes e na MCI independente do peso.
2- Bomba torácica (pulmonar): onde o fluxo é gerado pelo deslocamento da vasculatura pulmonar devido às
compressões torácicas durante a MCE e pela pressão das vias aéreas influenciadas tanto pelas compressões
externas quanto pelas internas. A compressão do tórax provoca o aumento da pressão torácica que é transmitida
a todas as estruturas vasculares intratorácicas, acarretando gradiente de pressão em relação às estruturas
extratorácicas. Quando a pressão do tórax é desfeita, a pressão intratorácica atinge valores inferiores à pressão
venosa e o sangue flui dos vasos extratorácicos para o tórax. Por meio de ecocardiografia foi demonstrado que a
mitral e a tricúspide permanecem abertas durante a reanimação cardiopulmonar e, assim, o coração funciona
somente como condutor passivo. A “bomba torácica” é o mecanismo mais importante na MCE em cães com mais
de 20 Kg.
3- Bomba abdominal: quando o fluxo na veia cava caudal é incrementado pela pressão exercida sobre o abdome
entre as compressões torácicas ou cardíacas, ou seja, é um complemento para o melhor êxito da bomba cardíaca
e torácica. Ele aumenta o enchimento cardíaco durante a diástole na RCCP, portanto aumentando o fluxo
sanguíneo total. Também melhora o fluxo arterial coronário já que aumenta a pressão aórtica diastólica (e
indiretamente a pressão coronária arterial).
A MCE é realizada com as mãos ou com aparelhos específicos, e não necessita de intervenção cirúrgica. Os
aparelhos ou dispositivos que realizam as MCE vem sendo utilizados com sucesso na medicina humana, mas na
veterinária seu uso ainda é restrito.
A MCE com as mãos é realizada da seguinte maneira: comprimir o tórax de animais pequenos (menores de 10
kg), lateralmente sobre o coração, de ambos os lados, para se obter os melhores resultados da bomba cardíaca
(compressão direta do coração). Entretanto, em animais maiores de 10 kg e naqueles onde a compressão direta
do coração não esta sendo efetiva em gerar fluxo sanguíneo, para se obter as vantagens da bomba torácica,
comprima o tórax na sua porção mais larga (que dependerá da forma de cada indivíduo ou comprima a totalidade
torácica em animais menores de 10 kg, escorregando o coração entre as duas mãos do massageador). Comprima
o tórax de maneira adequada, para ser efetivo deve haver pelo menos 30% de deslocamento ventral durante a
massagem.
A MCI necessita de incisão cirúrgica no quarto ou quinto espaço intercostal esquerdo, visualização do coração,
abertura do pericárdio, massagem cardíaca com uma mão ou com as duas, sendo que com a mão esquerda no
ventrículo direito e com os dedos da mão direita no ventrículo esquerdo. A MCI é mais indicada em animais acima
de 10 kg, ou em pacientes que estão em cirurgias com tórax aberto, ou quando a MCE não esta sendo efetiva. Em
estudos recentes, o clampeamento aórtico e a compressão direta sobre o coração foram capazes de gerar fluxo
sanguíneo cerebral e coronário que ocasionou 100% de ressuscitação eficiente e sugeriram frações de índice
cardíaco à estes tecidos, próximas de 90 a 95% dos valores normais.
80
Wittnich et al cita dados de vários trabalhos onde a MCE foi comparada com a MCI, e demonstrou que o débito
cardíaco produzido pela MCE em cães com mais de 10 kg foi de 13%, contra 39% nos pacientes com peso
corporal inferior a aquele. Com a MCI, o débito foi, em média, de 49% nos cães mais pesados e 75% nos animais
leves. E outros estudos em cães revelaram que um índice cardíaco mínimo de um terço é necessário para se
preservar as funções do sistema nervoso central.
A freqüência de compressões deve ser em torno de 100 à 120 por minuto. A cada 5 compressões uma
ventilação deve ser realizada de maneira não simultânea.
Verificar a pressão através do pulso, ou Doppler, para diagnosticar se as compressões estão sendo efetivas, pois
caso ocorra ausência de pulso se faz necessário mudanças no procedimento.
% 8
A quase totalidade dos autores recomenda ventilar os pacientes antes de fazer a massagem cardíaca. Porém, a
ventilação artificial não faz circular sangue oxigenado para o cérebro e perdemos tempo valioso na abertura das
vias áreas e ventilação. É preferível chegar ao cérebro sangue pouco oxigenado do que nenhum sangue (no
cérebro, as reservas de O2 acabam em 10 segundos); por outro lado, a circulação proporciona a chegada de
glicose ao cérebro e retira os eletrólitos acumulados (3 a 5 min sem glicose podem provocar lesão cerebral
irreversível em pacientes em condições normais de PCR).
Se a asfixia não for a causa da PCR e há uma via aérea patente, os tecidos podem ser continuamente oxigenados
por mais 5 a 10 minutos, desde que o fluxo sanguíneo esteja sendo mantido pelas compressões torácicas. Sabe-
se que os cães podem manter uma saturação de oxigênio acima de 90% durante os primeiros 5 min de fibrilação
ventricular quando as compressões torácicas estão sendo realizadas sem a ventilação simultânea.
Caso a disponibilidade do material para intubação não esteja em mãos, deve-se iniciar as compressões até que o
paciente possa ser intubado para uma efetiva ventilação. A MCE por si só gera uma ventilação de baixa
qualidade, pois ao se comprimir o tórax gera uma pressão negativa e após a compressão permite a entrada de ar
ambiente passivamente, podendo ser suficiente para a oxigenação cerebral por alguns segundos. Esta técnica é
mais recomendada recentemente do que a respiração boca-fucinho, pois o ar ambiente possue cerca de 21% de
oxigênio e na respiração boca-fucinho a porcentagem de oxigênio expirado não ultrapassa 15%.
ABC OU CAB? O mais importante é rapidez e eficiência do reanimador na opção a ser escolhida.
4 /0 94 1 4 6
1-Desfibrilação
A “American Heart Association” recomenda primeiro desfibrilar os pacientes com PCR antes de iniciar o ABC, isto
devido a maior incidência de fibrilação ventricular em humanos. Na veterinária é recomendado desfibrilar quando o
diagnostico de fibrilação é confirmado através do eletrocardiograma. Caso esteja ocorrendo fibrilação ventricular, a
desfibrilação elétrica deve ser realizada. O sucesso da desfibrilação depende diretamente da duração da
fibrilação. Quando a desfibrilação elétrica é aplicada dentro de 30 segundos após o surgimento da fibrilação, foi
descrito um percentual de desfibrilação bem sucedida de 98%. Caso se permita que a fibrilação se prolongue por
mais de 2 minutos, o percentual de sucesso cai para 27%.
A energia liberada para a desfibrilação situa-se entre 4-5 Joules/kg externamente e 0,5-1,5 joules/kg direto no
coração. O posicionamento apropriado dos eletrodos permite que a onda de despolarização passe através do
ventrículo esquerdo de parede espessa, que compreende a maior parte do miocárdio. Um eletrodo deve ser
aplicado à esquerda do esterno, no sexto espaço intercostal, e o outro, dorsalmente à junção costocondral no
terceiro ou quarto espaço intercostal direito. Se possível tricotomia no local e umidificação com gel. Desligar o
eletrocardiograma antes do choque para evitar danificação do aparelho. Cuidado com substancias próximas, como
o álcool, para que seja evitada a combustão. Afastar as pessoas que estão próximas ao paciente por segurança.
O intervalo entre os choques deve ser de 3 minutos. Após cada choque sempre verificar se ele esta sendo
efetivo ou não.
A desfibrilação pode ser de maneira química, quando um desfibrilador elétrico não se encontra disponível. Os
fármacos que tem sido recomendado são: potássio, tosilato de bretílio, e uma mistura de acetilcolina com potássio.
Apenas esta mistura revelou-se ser efetiva em cães com fibrilação induzida experimentalmente. Infelizmente a
acetilcolina pode ser apenas adquirida como reagente de graduação química, não podendo ser recomendada para
uso clínico. A amiodarona (5 mg/kg IV) e a lidocaína (1mg/kg IV) podem ser uma alternativa.
A desfibrilação pode ser mecânica, através de um soco pré-cordial, na porção media do esterno. Este soco gera
um pequeno estimulo elétrico no coração que ainda pode reagir, podendo restaurar os batimentos em casos de
assistolia ventricular, e reverter a fibrilação ventricular de inicio recente.
2- Vias de administração dos Fármacos
Quatro vias de administração são comumente utilizadas: intravenosa, intracardíaca, endotraqueal e intra-óssea.
Via intravenosa (IV): as veias periféricas (cefálica e safena) são de difícil acesso quando o paciente já se encontra
em PCR, sendo a absorção nas veias periféricas limitado devido a vasoconstrição e fluxo sanguíneo deficiente.
Pode-se diluir os fármacos administrados em veias periféricas em solução salina estéril (5 a 10 ml). De acordo
com as normativas publicadas pela Associação Americana do Coração e com várias publicações veterinárias,
todos os fármacos apresentarão melhor eficiência se administrados por um acesso venoso central. Uma
81
dissecação venosa rápida (cut down) na veia jugular e a inserção de um cateter de grosso calibre é recomendado
quando um grande volume deve ser infundido de forma rápida. A veia sub lingual também pode ser utilizada, mas
requer um pouco mais de experiência do reanimador.
Via intracardíaca (IC): não se recomenda esta via, pois existe o risco de laceração de grandes vasos coronarianos
gerando infarte agudo de miocárdio ou mesmo tamponamento cardíaco, alem disto, a RCCP tem que ser
interrompida para a administração. Se a adrenalina for depositada na musculatura cardíaca pode ocorrer fibrilação
imediata. Esta via somente é indicada quando o tórax e o pericárdio já estão abertos, devido a visualização direta
do coração. A injeção deve ser realizada no ventrículo esquerdo, e imediatamente após a administração deve-se
realizar uma pressão com o dedo indicador através do pericárdio sinusal transverso, ocluindo a aorta ascendente
realizando cinco a seis massagens no coração, esta manobra é mais efetiva que a via venosa central ou até
mesmo que a intracardíaca regular.
Via endotraqueal (ET): é extremamente eficaz, devido à tremenda área de superfícies para trocas entre os
alvéolos e capilares pulmonares. Esta via deve ser usada quando o acesso vascular ainda não foi estabelecido.
Os fármacos podem ser facilmente injetados através de um cateter urinário estéril ou com um cateter venoso,
aplicado no interior do tubo endotraqueal ate a proximidade da bifurcação bronquial principal. Os fármacos que
podem ser utilizados por esta via são: atropina, adrenalina, amiodarona, lidocaína e vasopressina. Nunca
administrar bicarbonato de sódio, pois este inativa os surfactantes causando atelectasia pulmonar. As doses dos
fármacos administrados por esta via são um pouco maiores do que as doses intravenosas e devem ser diluídas
em 5 a 10 ml de solução salina estéril seguida de ventilação positiva continua e imediata.
Via intra-óssea (IO): velocidade de absorção dos fármacos semelhante a via intravenosa, visto que o espaço
intramedular é confluente com o sistema vascular. Uma agulha de medula óssea ou agulha espinhal ou ate
mesmo agulha hipodérmica, pode ser inserida na porção proximal da tíbia, ou na fossa trocantérica maior do
fêmur para a administração dos fármacos e da fluidoterapia.
3- Fármacos
Pesquisas demonstram que a cada ano novos conceitos sobre a utilização dos fármacos vem sendo
questionadas. Não existe uma regra única, cada caso e um caso, e cabe ao reanimador decidir que fármaco deve
ser utilizado no momento certo, e qual seria o mais indicado de acordo com a clinica que o paciente apresenta,
buscando restabelecer a hemodinâmica. O reanimador deve ter familiaridade com o fármaco e saber seu
mecanismo de ação e seus efeitos colaterais.
Epinefrina (adrenalina): possue efeitos e -adrenérgicos e de acordo com a AHA e ERC é o fármaco de
escolha para o tratamento da parada cardíaca, mas existem controvérsias, pois o uso dela esta associada com o
aumento de consumo de oxigênio pelo miocárdio, devido a sua estimulação -adrenérgica. Mas seu efeito
exerce vasoconstrição arterial aumentando a pressão diastólica e melhorando o fluxo sanguíneo cerebral. Na
veterinária, altas doses tem sido recomendadas (até 0,1-0,2 mg/kg IV), porem a ERC em humanos recomenda
doses convencionais (0,01 a 0,02 mg/kg IV), pois não consideraram os resultados satisfatórios com as doses
altas, causando efeitos prejudiciais como hipertensão sistêmica e intracraniana, hemorragia miocárdica ou
necrose, sugerindo cuidado na defesa da terapia com dose alta de epinefrina. Pela via endotraqueal pode-se
utilizar a dose alta e diluir em 5 a 10 ml de solução salina estéril. Caso não se obtenha sucesso com a primeira
aplicação, pode-se reaplicar a cada 3 minutos. A adrenalina é recomendada em todos os tipos de parada cardíaca
(Fibrilação, Assistolia e DEM).
Anticolinérgicos (atropina): atuam na inibição do sistema nervoso parassimpático, diminuindo a ação do nervo
vago sobre o coração. O aumento da freqüência cardíaca se deve através do bloqueio dos receptores
muscarínicos cardíacos, porém a pressão arterial pouco é afetada, visto que a maioria dos vasos de resistência
carece de inervação colinérgica. São indicados em casos de assistolia, DEM e bradicardia grave, pré ou pós-
parada cardíaca. A atropina, em doses muito baixas, causa bradicardia paradoxal, em virtude de uma ação
central, aumentando a atividade vagal. As doses recomendada de atropina é 0,02 a 0,04 mg/kg/IV
Dopamina: não e um fármaco de escolha no momento da parada cardíaca. É um precursor da noradrenalina. É
indicada após o restabelecimento da circulação sanguínea para uma melhora do fluxo renal e aumento da pressão
arterial. Seus efeitos predominantes são dose dependente, produzindo efeitos beta, alpha e dopaminérgicos. É
sempre administrada na forma de infusão continua, as doses baixas produzem efeitos dopaminérgicos (2 a 5
µg/kg/min), causando vasodilatação esplênica, renal, mesentérica, coronariana e cerebral. As doses
intermediarias produzem efeitos -adrenérgicos (5 µg/kg/min), produzindo aumento da contratilidade cardíaca,
freqüência cardíaca, pressão arterial e com as doses altas predominam os efeitos -adrenérgicos (10 µg/kg/min),
sendo esta dose a mais recomendada nas PCR, promovendo o aumento da resistência vascular sistêmica e da
pressão arterial. Porem, assim como a adrenalina, a dopamina pode induzir arritmias, incluindo fibrilação
ventricular.
Dobutamina: e uma amina vasoativa com efeitos predominantemente -adrenérgicos, aumenta o debito cardíaco
e diminui a resistência vascular sistêmica. Aumenta também a contratilidade miocárdica, com isto eleva o
consumo de oxigênio pelo miocárdio. Não e muito utilizada nas PCR, pois não possue efeitos -adrenérgicos.
Utilizada somente na fase pós-reanimação com o intuito de elevar a pressão arterial. A dose é de 2 a 10 µg/kg/min
IV.
Noradrenalina: possue efeito simpatomimético de ação direta, atuando em receptores -adrenérgicos, porém,
menos potente que a adrenalina. Mas não atua em receptores . Podendo ser utilizada nas PCR.
82
Vasopressina: e um análogo do hormônio antidiurético (ADH), e vem demonstrando uma promissória alternativa
durante a PCR. A AHA e a ERC propõem a vasopressina como uma alternativa à adrenalina em casos de
fibrilação ventricular refratária ao choque. Ela aumenta o fluxo sanguíneo e o oxigênio cerebral, e em estudo
clínicos, demonstrou o aumento da circulação espontânea em pacientes submetido a RCCP. Tem uma ação mais
rápida que a epinefrina, uma meia vida de 10 minutos e uma duração de 20 minutos. A dose é de 40 UI/kg IV e
endotraqueal. Pode ser utilizada junto com a adrenalina na primeira administração de um vasopressor.
Sensibilizadores dos canais de cálcio (levosimedan): são fármacos que estão sendo investigados e que estão
demonstrando ser uma alternativa mais segura nas PCR, principalmente no período pós-reanimação. Possuem
efeitos noradrenérgicos, atuando na troponin C, aumentando a sensibilidade do miocárdio ao cálcio, tendo efeito
inotrópico positivo, não aumentando o consumo de oxigênio pelo miocárdio. A dose é de 20 µg/kg IV ou infusão de
0,4 µg/kg/min IV.
4- Outros Fármacos
Cálcio: indicado somente em pacientes que apresentam hipocalcemia, hipercalemia, toxicidade de bloqueadores
de cálcio. O Cálcio causa um vasoespasmo coronariano e favorece a isquemia do miocárdio, podendo ter efeitos
deletérios, principalmente nas áreas isquêmicas do cérebro e do coração, e há evidencias de que a inibição do
acumulo de cálcio intracelular pode ser mais benéfica do que o aumento da sua concentração.
Magnésio: é recomendado para fibrilações ventriculares refratárias, ou em pacientes com hipomagnesemia. Dose
0,1 mmol/kg IV.
Antiarrítmicos: devem ser utilizados quando a fibrilação ventricular é refratária ao choque, ou quando os agentes
vasopressores (ex: epinefrina) induzem arritmias. A amiodarona (dose: 5 mg/kg IV), classificada como
antiarritimico da classe III, é a primeira escolha possue uma ação eletrofisiológica, incluindo efeitos no bloqueio
dos canais de cálcio e bloqueio da atividade alpha e beta adrenérgica,. A lidocaína (dose: 1mg/kg IV em cães e
0,5 mg/kg IV em gatos) e a procainamida podem também ser utilizadas com este propósito, principalmente quando
não se obteve resultados com a amiodarona.
Bicarbonato de sódio: indicado somente nos casos onde existe uma acidose metabólica pré-existente ou quando
se faz o uso de aparelhos de hemogasometria que comprovem a necessidade do seu uso. Durante PCR
desenvolve-se tanto acidose metabólica como respiratória, o metabolismo anaeróbico que ocorre durante períodos
prolongados de hipóxia gera acido lático, enquanto a parada respiratória provoca acumulo de dióxido de carbono.
A acidose pode agravar a parada cardíaca, por diminuir a automaticidade do coração, a contratilidade miocárdica
e a responsividade às catecolaminas, bem como baixar o limiar de fibrilação ventricular e aumentar a resistência
vascular pulmonar. A ventilação inadequada do paciente é o principal fator no desenvolvimento de acidose
refratária. As instituições imediatas da ventilação artificial e massagem cardíaca são eficazes para impedir a
acidose grave, tornando desnecessária a terapia com bicarbonato de sódio. Por outro lado, em RCCP prolongada
(20 minutos), pode exigir o uso do bicarbonato para reverter à acidose persistente. Infelizmente, é difícil saber
exatamente quando utilizar, pois seu uso excessivo pode causar problemas, como alcalose metabólica,
hiperosmolaridade, aumento da PaCo2, deslocamento da curva de dissociação da oxiemoglobina para esquerda
com resultante diminuição de oxigênio para os tecidos. Caso disponha de um aparelho de hemogasometria, uma
amostra de sangue arterial ou venoso pode orientar a terapia com bicarbonato, sua administração e necessária
quando o pH estiver abaixo de 7,10. O bicarbonato de sódio não deve ser combinado com soluções que
contenham sais de cálcio ou catecolaminas (epinefrina), pois isto precipita o primeiro e inativa o ultimo. A dose
empírica do bicarbonato de sódio é de 0,5 a 1 mEq/ kg IV, deve ser diluído em solução salina e administrado
lentamente para evitar acidose paradoxal.
Corticosteróides: sua eficácia não e totalmente comprovada, mas existem autores que indicam o uso de
corticóides em doses relativamente altas (dexametasona 2 mg/kg ou hidrocortisona 50 mg/kg IV). Acredita-se que
os corticóides permitam que haja uma liberação maciça de ATP na mitocôndria das células miocárdicas
isquêmicas e permita que ocorra um retorno à função celular.
Fluidoterapia: não deve ser administrada agressivamente, a menos que a hipovolemia (choque hipovolêmico ou
hemorrágico) seja um fator precipitante, nestes casos a reposição com fluido colóide (Hestastarch 6%, 4 ml/kg)
apresenta melhores resultados do que a infusão única de cristalóides (Ringer lactato, por exemplo), isto porque os
colóides são constituídos de macromoléculas e sua permanência nos vasos sanguíneos é mais duradoura do que
os cristalóides que não permanecem na circulação por mais de uma hora e contribuem para o edema cerebral
grave. Nos demais casos, deve-se administrar uma fluidoterapia de manutenção (5 ml/kg/hora de soluções
cristalóides).
151 1
• Diagnóstico da PCR.
• Soco pré-cordial
• A: estabelecer a via área respiratória do paciente com sonda endotraqueal de calibre adequado
83
• B: instituir duas ventilações iniciais para verificar a complacência respiratória, e posteriormente 15 a 30 ventilações
por minuto.
• C: iniciar massagem cardíaca externa (MCE), 100 a 120 massagens por minuto. Pacientes abaixo de 10 kg
decúbito lateral, e acima de 10 kg decúbito dorsal. Solicitar a caixa de material cirúrgico para uma possível
toracotomia e conseqüente massagem cardíaca interna (MCI), principalmente em pacientes onde a MCE não esta
sendo responsiva. Pacientes com peso superior a 20 kg a MCI é mais indicada.
• Solicitar a um ajudante que comprima o abdômen.
• Verificar o pulso.
• Solicitar a um ajudante para monitorar o paciente (eletrocardiograma e Doppler), caso verifique fibrilação
ventricular, o uso de um desfibrilador se faz necessário.
• Solicitar ao ajudante para estabelecer uma via para administração de medicamentos. Caso o acesso venoso
esteja retardando, administração endotraqueal pode ser requerida.
• Adrenalina 0,1-0,2 mg/kg (sem disponibilidade de desfibrilador 0.01 mg/kg) e vasopressina 40 UI/kg IV ou
endotraqueal independente do tipo de PCR. Diluídas em 5 a 10 ml de solução salina estéril.
• Continuar as massagens por 3 minutos
• Verificar o eletrocardiograma, se os eletrodos estão devidamente posicionados. Identificar o tipo de parada
cardíaca. Fibrilação ventricular (caso não disponha de um desfibrilador) administrar amiodarona 5 mg/kg ou
Lidocaína sem vasoconstritor 1 mg/kg IV ou endotraqueal. Assistolia ou DEM administrar atropina 0,02 mg/kg IV
ou 0,04 mg/kg endotraqueal.
• Continuar as massagens por mais 3 minutos.
• Sem resultados satisfatórios, mais 0,1-0,2 mg/kg de adrenalina (sem disponibilidade de desfibrilador 0.01 mg/kg).
• Fluidoterapia agressiva em casos de choque hipovolêmico ou hemorrágico.
• Continuar as massagens por no mínimo 20 minutos. Embora tem autores que indicam um RCCP por uma hora.
Caso não esteja sendo responsiva durante este período pode-se abandonar e decretar óbito do paciente.
• Caso a circulação retorne. Estabelecer o suporte avançado da vida. Verificar os sinais clínicos (TPC, diâmetro
pupilar, freqüência cardíaca e respiratória, pulso) e estabelecer a hemodinâmica do paciente usando os fármacos
de maneira correta.
• Identificar e tratar as complicações pós-reanimação, como por exemplo: arritmias cardíacas, fratura de costela,
distúrbios respiratórios, edema cerebral, hipotermia e outros.
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Após a reanimação, podem ocorrer recidivas nas horas subsequentes. O edema cerebral é a complicação de
maior ocorrência e, portanto, o acompanhamento e a monitoração devem ser intensos. Podem ser empregados os
bloqueadores de canais de cálcio para reverter o vasoespasmo cerebral e evitar o influxo de cálcio intracelular; o
uso de corticosteróides e de manitol pode ser indicado também nestes casos.
O suporte ventilatório, pressórico (manter a pressão diastólica acima de 60 mm Hg), e suporte volêmico são
recomendados.
A oxigenoterapia deve ser empregada com máscara ou intranasal por até 24 horas pós-reanimação. A
temperatura corporal deve ser monitorada e controlada também.
A fase de recuperação de uma RCCP pode levar semanas a meses. Alguns pacientes podem desenvolver
cegueira cortical ou outras disfunções graves do SNC. São necessárias avaliações neurológicas diárias,
procurando-se observar a reatividade pupilar, a resposta a estímulos sonoros, as respostas motoras e o padrão
respiratório. Estes exames seqüenciais e de rotina é a única maneira de se encontrar pistas que possam
influenciar na decisão de manter estes casos onde os animais estão apenas vegetando, ou indicar a eutanásia,
sendo esta uma decisão a ser tomada pelo proprietário. Em analises experimentais, o edema cerebral intracelular
leva aproximadamente quatro horas para ocorrer após uma RCCP prolongada (15 minutos pelo menos), e ele
pode persistir por pelo menos quatro dias. Com esta informação parece ser justificável dar aos pacientes com
seqüelas neurológicas graves, pelo menos cinco a sete dias de recuperação intensiva após a reanimação,
monitorando todos os sinais vitais e promovendo cuidados de enfermagem rígidos.
84
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86
FARMACOLOGIA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS
Histórico [1]
Na natureza diversas substâncias são capazes de bloquear o canal de sódio, impedindo a
despolarização da membrana neuronal, base do mecanismo de ação dos anestésicos locais. Dentre estas
substâncias estão a tetradoxina, que é derivada do peixe tetraodontiforme marítimo, popularmente conhecido
como baiacú e a saxotoxina, originária de dinoflagelados. Entretanto estas substâncias apresentam fixação muito
prolongada à superfície externa da membrana, além de grande potência, que impedem seu uso, dada a
toxicidade.
O primeiro anestésico local (AL) utilizado foi a cocaína, extraída da planta Erythroxylon coca,
amplamente utilizada pelos índios Incas do Peru, com finalidade estimulante. Em 1860, Niemann, isolou o
alcalóide da cocaína e observou seu efeito AL. Apenas em 1884, Koller utilizou o fármaco para anestesia tópica
oftálmica, sendo que ao mesmo passou a ser usado como anestésico local clinicamente. Corning, em 1985,
realizou a primeira anestesia espinhal subaracnóide em um cão e, no mesmo ano, McLean utilizou a cocaína para
bloqueio nervoso em membro de eqüino, ambos inaugurando o uso de anestésicos locais em animais. Freud,
nesta mesma época, estudou os efeitos fisiológicos para combater a síndrome de abstinência de viciados em
morfina, causando assim o primeiro caso de dependência de cocaína, além de pessoalmente ter sido um usuário
da mesma.
Devida à alta toxicicidade e a possibilidade de dependência da cocaína em seres humanos, novos
anestésicos locais foram pesquisados. Em 1905 foi sintetizada a -procaína por Einhern. Na década de 40 a
lidocaína e de 60 a bupivacaína. Recentemente, no final da década de 80, foi lançada a ropivacaína.
Definição [1]
AL é toda substância capaz de bloquear, de maneira reversível, os impulsos nervosos aferentes,
especialmente aqueles que conduzem os estímulos dolorosos, no local de sua aplicação, causando perda
temporária da sensibilidade dolorosa.
Generalidades [1]
Além de meios mecânicos, como compressão do feixe nervoso, e físicos, como resfriamento, de
anestesia local de forma transitória ou permanente, há os meios químicos que podem causar maior ou menor
intensidade e duração. Dentre estes, há as fenotiazinas, os beta-bloqueadores, como o propranolol, e venenos
protoplasmáticos de ação muito prolongada ou irreversível, como o álcool, fenol ou sarapin, utilizados em casos de
pacientes terminais, sofrendo de dor intensa e de difícil tratamento ou para neurólise química em eqüinos, em que
se requeira insensibilidade de membros por um período muito prolongado.
Química [1]
Os AL são constituídos de três cadeias descritas na Tabela 1 e exemplificadas para a lidocaína e
procaína na Figura 1: um grupo aromático não saturado, normalmente caracterizado pelo anel benzênico, ligado a
uma amina, na sua maioria terciária, por meio de uma cadeia intermediária, éster ou amida.
O grupo aromático, por ser lipofílico, se une aos lipídeos da membrana celular e o grupo amina às
proteínas. O ácido para amino butírico (PABA) pode funcionar como um hapteno, produzir uma reação antígeno-
anticorpo e desencadear reações alérgicas ou anafiláticas. Os anestésicos com grupamento éster são facilmente
hidrolisáveis pela pseudocolinesterase hepática e plasmática, apresentando duração de ação mais curta,
enquando que os de grupo amida são de metabolismo mais lento, pelo sistema microssomal hepático.
87
Grupo aromático Cadeia Grupo amina
intermediária CH3
CH3 O
CH2
NH C CH2 N
CH2
CH3
CH3
Xilidina Amida Amina terciária
CH3
O
CH2
CH2
Por serem pouco solúveis em água, os anestésicos locais são disponíveis sob a forma de sal, por meio
de uma reação de uma base fraca (amina) combinada a um ácido forte (HCl), formando um sal solúvel (cloridrato)
e solução de baixo pH (Figura 2). Ao serem injetados nos tecidos, tanto a forma de base, como a de cátion estarão
disponíveis e cada uma delas predominará de acordo com o pH local, sob a forma de base não ionizada,
lipossolúvel e responsável pela difusão nos tecidos e a forma de cátion, ionizada e farmacologicamente ativa.
Desta forma, há necessidade de um equilíbrio entre as duas formas, tanto para penetração do AL nos tecidos, sob
a forma de base, como para o desencadeamento do efeito farmacológico, conferido pela forma de cátion.
Todas as fibras nervosas são envoltas por células de Schwann. As não mielinizadas são de condução
mais lenta, contendo 5 a 20 fibras por células de Schwann, enquanto que as mielinizadas são de condução mais
rápida, do tipo saltatória, devido à camada de mielina, que é uma membrana de Schwann modificada, envolvendo
cada neurônio (Figura 4). Os canais iônicos distribuem-se ao longo dos axônios nas fibras não mielinizadas e se
restringem aos nodos de Ranvier, caracterizados por interrupções das membranas de mielina nas fibras
mielinizadas.
88
toda a largura da membrana (Figura 5). A água preenche os canais permitindo o fluxo iônico através da membrana
(Singer & Nicholson 1972).
Farmacocinética [1]
Vários fatores interferem na farmacocinética dos ALs (Tabelas 2A e 2B). Quanto maior a ligação às
proteínas plasmáticas, maior a duração de ação, dada a menor disponibilidade do fármaco sob a forma livre.
Quanto maior a lipossolubilidade do AL e a concentração no local de aplicação, maior a difusibilidade. Uma maior
quantidade da forma de base, que é lipossolúvel, torna o período de latência menor e mais intenso o bloqueio,
dada a maior difusão. O pKa, pH de equilíbrio entre a forma inonizada e não ionizada, dos ALs varia entre 7,6 e
8,9, tendo em vista que são compostos químicos de base fraca. Assim a forma predominante em pH fisiológico, é
a catiônica. Quanto mais próximo do fisiológico (7,4) for o pKa do AL, maior o equilíbrio entre a forma de base e de
cátion, facilitando tanto a penetração, como o efeito farmacológico. Em meio ácido, como no caso de tecido
inflamado, abcessos, uso de adrenalina, que torna o pH da solução mais ácido, isquemia e acidose local, ocorre
menor difusão do AL e conseqüentemente seu efeito é prejudicado.
89
8) Hialuronidase: esta enzima mucolítica, também poderia aumentar a difusão de ALs para o local de ação,
entretanto pode aumentar a toxicidade. Desta forma, a relação custo-beneficio de seu uso é limitada.
Além dos fatores citados anteriormente, a duração de ação dos ALs depende do tipo de estrutura nervosa que
será bloqueada. Por exemplo, dado ao contato rápido e direto do AL com a medula na anestesia subracnoide, o
período de latência é muito menor que para a anestesia epidural ou bloqueio de nervos periféricos, tendo em vista
as varias barreiras que o AL tem que ultrapassar. O tempo de bloqueio na anestesia infiltrativa está descrito na
Tabela 3 e na anestesia epidural na Tabela 4.
Farmacodinâmica [1]
Mecanismo de Ação do AL [2]
O local de ação do AL é na membrana celular, por meio do impedimento tanto da geração, quanto da
condução do impulso nervoso.
90
Alguns fatores interferem no bloqueio nervoso. Por exemplo, o aumento da concentração de cálcio no
meio que banha o nervo, reduz o bloqueio da condução produzido pelo AL, já que o cálcio altera o potencial de
superfície da membrana, diminuindo o grau de inativação dos canais de sódio. Desta forma, o limiar de estímulo
elétrico da membrana é diminuído e a membrana se torna mais excitável. O AL bloqueia a liberação de íons cálcio,
atuando como estabilizador de membrana.
Toxicidade [2]
Desde que administrados na dose adequada os ALs são praticamente isentos de efeitos colaterais.
Entretanto, pode ocorrer intoxicação quando administrados inadivertidamente por via intravenosa. A toxicidade é
proporcional a potência de cada fármaco (Tabela 2). Localmente, podem causar irritação local, quando
administrados em altas concentrações. Quando associados a um vasoconstritor podem causar necrose local,
principalmente se aplicados em extremidades. Adicionalmente, produzem dor à injeção, já que o pH da solução
varia entre 3,5-4,5 em soluções contendo com vasoconstrictor e entre 5,1 - 6,0 em soluções sem vasoconstritor.
A toxicidade sistêmica é caracterizada por sintomas nervosos e cardiovasculares. Em altas doses podem
desencadear convulsão e a susceptibilidade de cada espécie, tem relação direta com o grau de desenvolvimento
do SNC, fazendo com que os animais sejam menos susceptíveis que o homem e os répteis menos que os
mamíferos. Além da dose de lidocaína desencadeante de atividade convulsiva variar com a espécie (WAGMAN et
al., 1967), também varia entre indivíduos da mesma espécie (STEEN & MICHENFELDER, 1979; deTOLEDO,
2000). Os sintomas de intoxicação se manifestam por excitação do SNC e se caracterizam por: inquietude,
alteração de comportamento, tremores, vômito, olhar fixo, fasciculação muscular esquelética, inicialmente da face
e membros, opistótono, contraturas, convulsão tônico-clônica, podendo levar a depressão do SNC, com perda da
consciência, depressão bulbar, parada respiratória e colapso cardiovascular, por depressão do miocárdio, redução
da frequência cardíaca, vasodilatação, hipotensão e morte. Supõe-se que a excitação inicial do SNC ocorra pelo
bloqueio seletivo das vias inibitórias das áreas motoras do córtex cerebral, mais rapidamente que as vias
excitatórias do SNC, predominando estas últimas. Com o aumento da dose, ocorre depressão tanto das vias
inibitórias, como excitatórias, com consequente depressão do SNC.
Alguns fatores intereferem na atividade convulsiva da lidocaina, como a presença de outros fármacos
com atividade no sistema nervoso central e alterações de pressão arterial (YOKOHAMA et al., 1995). Em
presença de acidose metabólica e aumento da PaCO2 (acidose respiratória), ocorre diminuição do limiar
convulsígeno, pois há uma maior quantidade de cátion, que não se difunde, permanecendo maior tempo na
circulação. O aumento da PaCO2 também aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, facilitando a difusão do AL.
(WAGMAN et al., 1967; STEEN & MICHENFELDER, 1979. A duração da atividade convulsiva causada pela
lidocaína, varia de 20 segundos a 3,5 minutos, conforme a espécie e a dose administrada (WAGMAN et al., 1967;
LIU et al., 1983). Na tabela 6 encontram-se as doses convulsivas de lidocaína em diversas espécies.
Acidentes de toxicidade normalmente ocorrem quando há injeção intravascular acidental, uso de altas
concentrações, como, por exemplo, lidocaina a 10% em mucosas e por sobredosagem em animais de pequeno
porte.
91
Os benzodiazepínicos, barbitúricos e miorrelaxantes periféricos apresentam ação anticonvulsivante
profilática e terapêutica e devem ser empregados no tratamento, seguido de respiração controlada, quando houver
apnéia.
92
Fármacos anestésicos locais [2]
Lidocaína [3]
A lidocaína (α-dietil-aminoacetato-2,6-xilidina) é um AL hidrossolúvel de curta duração. Foi o primeiro AL
do tipo amino-amida, derivado da xilidina, a ser desenvolvido e, provavelmente, é o mais comumente empregado
na prática clínica, devido à sua potência, rápido início e moderada duração de ação e atividade anestésica tópica
(SKARDA, 1996). É metabolizada em 75% numa única passagem pelo fígado, originando dois metabólitos, a
glicinaxilidina e a monoetilglicinaxilidina, sendo o ultimo farmacologicamente ativo. A lidocaína é excretada em
pequena quantidade por via biliar e principalmente por via renal, sendo 10 a 20% excretada de forma inalterada na
urina do cão (DiFAZIO & BROW, 1972).
Como descrito anteriormente, pequenas doses de lidocaína por via intravenosa, produzem efeitos
anticonvulsivantes ou sedativos. À medida que as doses são aumentadas, pode ocorre convulsão (deTOLEDO,
2000).
O efeito eletrofisiológico cardíaco primário da lidocaína é a redução na velocidade máxima de
despolarização, principalmente das fibras de Purkinje e musculatura ventricular. Daí ser amplamente utilizada
como antiarritmico, por diminuir a fase 4 da despolarização, a duração do potencial de ação e prolongar o período
refratário efetivo (COLLINSWORTH et al., 1974). Adicionalmente a lidocaína reduz as concentrações plasmáticas
de catecolaminas, aumentadas em resposta ao estresse, por estímulo do sistema simpático e tem sido utilizada
em cirurgias cardiacas no cão, com finalidade antiarritimica cardíaca (SCHAUB et al., 1977).
Além do efeito antiarritimico, a lidocaina inibe os neurônios nociceptivos da medula espinhal (WOOLF &
WIESENFELD-HALLIN, 1985), reduz a descarga elétrica das fibras nervosas periféricas e deprime o córtex
cerebral (WAGMAN et al., 1967), potencializando em 40 a 70% a anestesia intravenosa e inalatória em diversas
espécies. Localmente causa bloqueio simpático, vasodilatação, anestesia das terminações nervosas do endotélio
vascular, estabilização de membrana e redução da dor em diversas neuropatias e no pós-operatório (SAKATA,
2001).
Bupivacaína [3]
A bupivacaína é 3 a 4 vezes mais potente, de efeito mais prolongado e apresenta uma maior taxa de
ligação às proteínas plasmáticas que a lidocaína. É usada freqüentemente para bloqueio nervoso regional e
espinhal, dada a longa duração de ação. É um fármaco que viabiliza, de acordo com a dose, a realização de
bloqueio exclusivamente sensitivo, mantendo-se a atividade motora. É mais tóxica que a lidocaína tanto para o
SNC, como para o sistema cardiovascular.
Ropivacaína [3]
A ropivacaína é o primeiro AL derivado de amino-amida que é um enantiômero puro (>99% S-
enantiômero). É de longa duração e homóloga da bupivacaína. Promove bloqueio sensitivo e motor de duração
igual ou um pouco menor e toxicidade cardíaca menor que este agente. A diferença química entre os dois é que a
ropivacaína apresenta um grupo propil no lugar do grupo butil da bupivacaína, na posição 1 do nitrogênio terciário.
É utilizada na sua forma levógira, a S-ropivacaína, por apresentar menor tempo de ligação com o
receptor na célula, diminuindo o risco de intoxicação. Da mesma forma que a bupivacaína, apresenta efeito
prolongado, provavelmente devido a alta ligação com proteínas plasmáticas, chegando a 99%.
Tanto a ropivacaína, como a bupivacaina bloqueiam as fibras de dor C e Aδ mais completamente que as
fibras motoras Aβ. Por esta razão possuem seletividade entre os bloqueios sensitivo e motor, isto é: promovem
93
analgesia suficiente para uma anestesia cirúrgica, relaxamento muscular satisfatório durante os procedimentos, e
com a vantagem de recuperação rápida da mobilidade no período pós-operatório (FELDMAN et al. (1996).
A ropivacaína possui baixa toxicidade e boa margem de segurança para os sistemas cardiovascular e
nervoso central, o que permite seu uso em altas concentrações. A sobredose por ropivacaína em animais é mais
tolerada que a sobredose por bupivacaína, porém menos que por lidocaína.
Cocaína [3]
Apesar de por muito tempo ter sido utilizada como AL, a cocaína não tem sido mais empregada com esta
finalidade, dado aos seus efeitos tóxicos e de controle rigoroso, por ser entorpecente. Uma descrição detalhada de
seus efeitos pode ser obtida em outros livros texto (Adams?).
ASTRUP, J. & SORENSEN, H.R. “Inhibition of cerebral metabolism by lidocaine”. European Journal of Neurology,
v.20, 1981, p.221-4.
BREARLEY, J.C. “Sedation, premedication and analgesia”. In: HALL, L.W. & TAYLOR, P.M. Anaesthesia of the
Cat, London, Baillière Tindall, 1994, p.111-28.
CRUZ, M. L. et al. “Epidural anaesthesia lignocaine, bupivacaine or a mixture of lignocaine and bupivacaine in
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DeTOLEDO, J.C. “Lidocaine and seizures”. Therapeutic Drug Monitoring, v.22, 2000, p.320-2.
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cães”. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, São Paulo, v. 41, n. suplemento, 2004, p. 16-
7.
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cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia”. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, Rio de Janeiro, v. 9,
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LIU, P.L. et al. “Comparative CNS toxicity of lidocaine, etidocaine, bupivacaine and tetracaine in awake dogs
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fibre evoked activity in the spinal cord. Pain, v.23, 1985, p.361-74.
95
Tabela 1: Estrutura química dos anestésicos locais
AL grupo aromático cadeia grupo amina
intermediária
cocaina ácido benzóico éster terciária
procaina PABA éster terciária
tetracaina PABA éster terciária
lidocaina xilidina amida terciária
bupivacaina xilidina amida terciária
etidocaina xilidina amida terciária
ropivacaína xilidina amida terciária
prilocaina xilidina amida secundária
Tabela 3: Duração do bloqueio anestésico local na anestesia infiltrativa no cão após o uso de lidocaína e
bupivacaína
Anestésico local Concentração Duração em anestesia infiltrativa
(minutos)**
Lidocaína 1% 60-120
1% com adrenalina* 120-180
2% 120-200
2% com adrenalina* 150-240
Bupivacaína 0,25% 170-230
0,25% com adrenalina* 200-300
0,5% 240-360
0,5% com adrenalina* 240-360
* adrenalina adicionada na concentração de 1:200.000 da solução de anestésico local
** período de latência: até 2 minutos
96
Tabela 4: Duração do bloqueio anestésico local na anestesia epidural no cão após o uso de lidocaína, bupivacaína
e ropivacaína
Fármaco(s) Dose (mg/kg) Período de latência Período de ação anestésica-
(minutos) (horas)
Lidocaína 2% 5 1 - 18 1 –2,5
Bupivacaína 0,5% 1,25 12 + 1 2
Ropivacaína 1% 2,5 1-6 4 – 4,5
Tabela 5: Velocidade de condução, mielinização, diâmetro, função e sensibilidade ao bloqueio das fibras nervosas
aos anestésicos locais
Fibras Mielinização µm)
Diâmetro (µ Função Sensibilidade ao
bloqueio
A (10-120 m/s)
Alfa +++ 12-20 Propriocepção e motora +
Beta +++ 5-12 Tato e pressão ++
Gama +++ 3-6 Muscular ++
Delta +++ 2-5 Dor e temperatura +++
B (10-20 m/s) + <3 Autonômica pré- ++++
ganglionar
C (0,5-2,0 m/s)
Raiz dorsal - 0,4-1,2 Dor ++++
Simpático - 0,3-1,3 Autonômica pós- ++++
ganglionar
Fonte: modificado de MAMA & STEFFEY (2003).
Tabela 7: Bloqueio anestésico prolongado para eqüinos com neurolíticos – comparação entre alcool benzílico
0,75% (cisaprin) e álcool etílico 100% (Fonte: Escodro 2004)
Latência (dias) Tempo bloqueio (dias)
1) álcool etílico 100% 30 120 (pinça) a 150
2) Álcool benzílico 0,75% 7 > 180
Reações
1) intenso edema até 30 dias; neurotemese (degeneração nervosa permanente)
2) intenso edema até 30 dias; axonotemese (tendência de regeneração do nervo e restabelecimento da condução
do estímulo nervoso)
97
FARMACOLOGIA DOS ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS E
ANTIPIRÉTICOS
Histórico e conceitos
Os AINES formam um grupo heterogêneo de compostos, em geral com relação química semelhante, mas
com fórmula estrutural variada, e que possui ações antiinflamatórias, analgésicas e antipiréticas. São substâncias
não esteróides que inibem componentes da cascata inflamatória.
O primeiro uso de um AINES sintético, o ácido salicílico, ocorreu em meados de 1875 e 23 anos após
Felix Hoffmann ter utilizado a aspirina (derivado do acetil do ácido salicílico) para o tratamento da artrite de seu
próprio pai. Entretanto, há alguns séculos atrás, desde a época de Hipócrates há 2000 anos atrás, já se conhecia
as propriedades antipiréticas de extratos da Salix Alba (árvore salgueiro branco) no tratamento da febre, de onde
no século XIX foi isolado a saligenina, um glicosídio contendo álcool salicílico como componente ativo. Entretanto,
os efeitos gastrointestinais indesejáveis e o sabor amargo da substância levaram à pesquisa de novos produtos
derivados desse grupo.
Ainda no final do século XIX, ocorreu a descoberta de outros medicamentos que compartilhavam as
mesmas ações farmacológicas da aspirina, como por exemplo o paracetamol, ainda hoje utilizado em grande
escala na América do Norte, embora apresente reduzida atividade antiinflamatória. Após a segunda guerra
mundial, em 1952, a fenilbutazona foi sintetizada e utilizada em eqüinos.
Até 1971, os salicilatos, os paraminofenóis,as pirazolonas e a indometacina foram utilizados clinicamente
sem que houvesse uma compreensão dos mecanismos de ação que justificasse seus efeitos antiinflamatórios,
antitérmicos e analgésicos, observados em uma gama de processos inflamatórios. Enfim, em 1971,foi descoberto
que o ácido acetilsalicílico, a indometacina, a fenilbutazona eram inibidores da enzima ciclooxigenase, e
conseqüentemente, bloqueadores da síntese das prostaglandinas. Esta descoberta forneceu grande impulso aos
estudos do processo inflamatório e da participação das prostaglandinas (principalmente PGE2 e PGI2), assim
como de outros mediadores presentes no foco inflamatório, como histamina, bradicinina etc.
A partir desta época, as pesquisas começaram a objetivar a produção de antiinflamatórios mais potentes,
mas com menor incidência de efeitos colaterais. Os principais compostos lançados no período de 1975 a 1990, e
que ainda permanecem no mercado, são os ácidos propiônicos, acéticos, fenamatos, oxicans e ácido
aminonicotínico. Alguns destes medicamentos se revelarammais potentes do que a aspirina, como por exemplo,
os oxicans, os fenamatos, o diclofenaco, a flunixina. Entretanto, a ocorrência de efeitos adversos não diminuiu.
Com a descoberta das duas isoformas distintas da ciclooxigenase (COX) em 1991, ocorreu o surgimento em 1999,
do primeiro inibidor seletivo da COX-2, o celecoxibe. Tais fármacos são os mais utilizados na Medicina Humana
nos processos inflamatórios agudos e crônicos e terão uma abordagem especial neste capítulo.
O PROCESSO INFLAMATÓRIO
Os mediadores inflamatórios são formados em resposta à lesão ou dano tecidual (químico, térmico ou
mecânico) quando as membranas celulares fosfolipídicas liberam ácidos graxos de cadeia curta, como por
exemplo, o ácido aracdônico (AA), sob ação enzimática da fosfolipase A2. A atividade biológica destes compostos
é geralmente localizada, com uma meia-vida extremamente curta (segundos).
O AA serve como substrato para quatro grupos de enzimas: ciclooxigenase (COX), também denominada
de prostaglandina sintetase, 5-lipooxigenase (5-LO), 12- lipooxigenase (12-LO) e 15-lipooxigenase (15-LO).
A conversão do AA em PGG2 e depois em PGH2, também chamadas de endoperoxidases cíclicas, ocorre
por meio das enzimas prostaglandinas G/H sintetase (COX), respectivamente, e por reações de oxidação e
redução. Após uma série de reações em cascata, há a formação dos eicosanóides, derivados do ácido
eicosanóide, formado por cadeia de 20 carbonos, e que incluem outras prostaglandinas (PGs - PGE2, PGI2, PGD2)
e tromboxana (TX - TXA2 e TXB2), leucotrienos (LT -LTA4, LTB4, LTC2 e LTD2) e outras de menor importância
(Figura 1).
As PGs são as principais substâncias do processo inflamatório e responsáveis pela manifestações clínicas
da inflamação, como o eritema e o calor, mediados pela PGE2 e PGI2, por meio da vasodilatação local. A produção
de edema e inchaço local são resultados do aumento da permeabilidade capilar mediados pela histamina e a
bradicinina, e potencializados pelas prostaglandinas.
98
Nos estágios tardios da inflamação, as PGs mantêm a resposta inflamatória por meio da quimiotaxia das
células polimorfonucleares. Os leucócitos são responsáveis pela produção e ativação de uma variedade de
citocinas e mediadores inflamatórios, entre eles as interleucinas (IL), fator de necrose tumoral, histamina,
bradicinina e prostaglandinas.
A febre é uma resposta de origem central produzida pela PGE2, a qual atua no hipotálamo, que aumenta o
limiar termoregulatório. A produção da PGE2 é estimulada pela IL-1, liberada em infecções virais e bacterianas,
contribuindo nos estados febris durante a infecção sistêmica.
As prostaglandinas por si só não estimulam diretamente os nociceptores, mas intensificam os estímulos
nociceptivos produzidos por outros mediadores, como a bradicinina e histamina, fenômeno conhecido como
hiperalgesia. Desta forma estímulos não dolorosos, como o toque, passam a ser dolorosos, fenômeno conhecido
como alodinia, que também possui a participação das PGs.
Nas plaquetas, por meio da ação da enzima TX sintetase, há a formação da TXA2, que induz a agregação
e adesão plaquetária e causa vasoconstricção. Por outro lado, nas células do endotélio vascular, a PGI2
(prostaciclina) é formada pela ação da enzima prostaciclina sintetase, e que em geral, possui efeitos opostos aos
da TX (inibição da agregação plaquetária e vasodilatação). A produção das TX e das prostaciclinas possui um
papel fundamental na manutenção da integridade das plaquetas na corrente sanguínea.
A formação dos LT após a ação enzimática da LO é importante no processo inflamatório, especificamente
o LTB4, como agente quimotáxico. Os LTC4 e LTD4, sintetizados nas células brancas e em outros tecidos possuem
atividade importante nas broncoconstricções alérgicas e nas reações anafiláticas. A figura 1 demonstra a cascata
inflamatória.
99
Todavia, já há estudos demonstrando a ação da COX-2 na produção de mediadores antiinflamatórios na
fase tardia ou de resolução da inflamação (Gilroy et al. 1999). Pela COX-2 estar presente também em atividades
homeostáticas, acredita-se que possa ocorrer o atraso na cicatrização e aumento na incidência de efeitos
colaterais no rim e no trato reprodutivo, e principalmente sérios efeitos deletérios no sistema cardiovascular
quando há a inibição da COX-2 pelos AINES. Além disso, a COX-1 e COX-2 são expressas na forma constitutiva
no SNC, variando entre as diferentes espécies animais. Todavia, ainda não se sabe o efeito e a importância
dessas enzimas no SNC.
A existência de uma terceira forma de COX, a COX-3, identificada no SNC de cães (Chandrasekharan et
al. 2002) pode ter relação com o efeito analgésico central produzido pelos AINES, como diminuição da dor e da
febre. Acredita-se que a dipirona e o paracetamol possam ser inibidores preferenciais de COX-3. A COX-3 surge a
partir da transcrição do gene da COX-1, mas retém o intron 1 em seu mRNA.
100
aumenta a expressão de COX-2 no local, mas não nas células normais. Um estudo retrospectivo recente
demonstrou um aumento no tempo de sobrevida em cães com carcinoma prostático que foram tratados com
meloxicam e carprofeno (Sorenmo et al. 2004).
Entretanto, os efeitos destes AINES no sistema cardiovascular têm sido objeto de discussão devido ao
aumento na taxa de mortalidade e aumentam o risco de problemas cardiovasculares, relatados no homem e
experimentalmente em porcos, com o uso de inibidores seletivos COX-2, visto que a expressão da COX-2
aumenta após infarto do miocárdio e é importante na preservação da função ventricular esquerda (Mengle-Gaw &
Schwartz, 2002; Timmers et al. 2007). Entretanto, outros estudos de meta análise envolvendo milhares de
pacientes humanos não conseguiram demonstrar o aumento na incidência de eventos cardiovasculares com o uso
do celecoxib comparados a outros AINES ou com pacientes que receberam placebo (White et al. 2007).
101
QUADRO 1: RELAÇÃO COX 1-COX-2 (FIGURA 7)
Diversos estudos in vitro e in vivo têm determinado a atividade relativa dos AINES contra COX-1 e COX-2
e expressados pela razão COX-2/COX-1. Portanto, uma razão menor que 1,00 supõe uma atividade preferencial
do fármaco diante da COX-2, ou seja, a razão indica que um determinado AINES inibe preferencialmente COX-2
(é necessária uma concentração menor do fármaco para inibir COX-2 do que a atividade de COX-1), ou vice-versa
quando o valor é maior que 1,00. Portanto, inibidores seletivos de COX-2 possuem um valor numérico baixo,
enquanto que inibidores não seletivos de COX apresentam valores maiores.
Em razão das variações entre os resultados apresentados por diferentes pesquisadores, laboratórios,
condições experimentais (in vivo, in vitro ou ex vivo), muitas vezes, não é possível determinar as diferenças entre
os inibidores seletivos e preferenciais de COX-2, ou ainda dos inibidores não seletivos e preferenciais de COX-2.
Além disso, as razões de COX-2/COX-1 são calculadas por meio da porcentagem de inibição (50, 80 ou 95%) da
COX e diferem entre as diferentes espécies animais. Por este fato, na espécie canina, por exemplo, o carprofeno
pode ser considerado como inibidor preferencial ou seletivo de COX-2, enquanto que no cavalo, é considerado
inibidor não seletivo de COX. Da mesma maneira, o etodolac é considerado em alguns estudos como inibidor
preferencial de COX-2, e em outros, como inibidor não seletivo.
Portanto, há ainda muita controvérsia na classificação dos AINES, principalmente quanto à relação COX-
2/COX-1. Além disso, estudos recentes utilizam a relação COX-1/COX-2 de maneira inversa. Desta forma, os
valores maiores se relacionam aos inibidores preferenciais de COX-2 e baixos valores numéricos, aos inibidores
não seletivos, tornando ainda mais confuso o entendimento da relação.
Farmacocinética dos AINES
A farmacocinética de diversos AINES em diversas espécies e por diferentes vias de administração está
disponível na literatura. Estes dados não devem ser extrapolados de uma espécie para outra e
conseqüentemente, os regimes de doses e intervalos de administração devem ser determinados separadamente
para cada espécie, principalmente em relação às atividades de cada isômero do AINES, e não apenas de sua
mistura racêmica.
Os AINES são ácidos fracos com pKA que varia entre 3 e 5. São ionizados em pH fisiológico e exceto
pelos salicilatos, há um alto grau de ligação dos AINES às proteínas plasmáticas, principalmente à albumina, em
todas as espécies, o que limita sua passagem do plasma para o fluido intersticial, mas facilita a passagem para o
exsudato inflamatório. Com isso, a concentração dos AINES no exsudato inflamatório (mensurado pela área sobre
a curva), geralmente excede a do plasma. Apenas a fração não ligada às proteínas possui atividade biológica
(quadro 3).
Os AINES são lipofílicos com baixa solubilidade em água e que geralmente são formulados em sais de
sódio, o que faz com que as formulações comerciais disponíveis sejam geralmente bem absorvidas pelo trato
gastrintestinal, quando administrados pela via oral ou após injeções subcutâneas e intramusculares, com alta
biodisponibilidade nas espécies monogástricas.
A absorção de alguns AINES, como a fenilbutazona, pode ser mais lenta durante ou após a ingestão de
feno ou forragem, principalmente no caso dos eqüinos, ou ainda dependendo da formulação em óleo,
comprimidos ou cápsulas de gelatina.
Outras características em comum da farmacocinética dos AINES são baixo volume de compartimento
central e de distribuição (geralmente 200-300 ml/kg), provavelmente devido à alta ligação às proteínas
plasmáticas. Entretanto, há exceções, como é o caso do alto volume de distribuição do flunixin e do ácido
tolfenâmico em bezerros e deste último fármaco em cães, pelo alto grau de ligação aos tecidos.
O metabolismo dos AINES é primariamente hepático, após oxidação, redução, hidrólise (fase 1), seguida
de conjugação dos fármacos, visando a formação de compostos inativos, com alguns ativos, como por exemplo, a
fenilbutazona é metabolizada em oxifembutazona e o ácido acetilsalicílico em salicilato.
Os efeitos colaterais gastrintestinais causados pelos AINES podem ainda ser intensificados pela
recirculação enterohepática, processo que o fármaco é excretado pela bile para o intestino, e que leva o duodeno
a uma nova exposição à altas concentrações do AINES e talvez explique porque alguns destes possuam longa
meia-vida de eliminação (Duggan & Kwan, 1979, Galbraith & McKellar, 1991). A recirculação enterohepática de
alguns AINES, como o naproxeno, piroxicam, indometacina, flunixin, carprofeno e ácido tolfenâmico, pode estar
ligada ao aumento na incidência de úlceras gastrintestinais (Duggan & Kwan, 1979).
Os AINES e seus metabólitos são excretados pela urina. Como estes fármacos são ácidos fracos, sua
eliminação nos rins pode ser influenciada pelo pH da urina. Alguns dos AINES são excretados tanto pela urina
quanto na bile, e neste último caso, poderá existir a recirculação enterohepática.
O clearance e a meia-vida terminal variam notoriamente entre as espécies, raças e linhagens,
provavelmente devido às diferenças no clearance hepático.
102
Quadro 2: O metabolismo dos AINES nos gatos e o risco de intoxicação
O metabolismo hepático é importante para a inativação do ácido acetilsalicílico e do paracetamol, que é
conjugada pelo ácido glicurônico, catalisada por um grupo de enzimas microssomais, a uridina-difosfato-
glicuroniltransferase. Tal fato é de extrema importância na espécie felina, visto que há uma deficiência relativa na
conjugação com o ácido glicurônico em virtude das baixas concentrações das enzimas da família
glicuroniltransferase e que portanto, faz com que alguns AINES possuam uma meia-vida prolongada, com
acúmulo do fármaco, o que aumenta o risco de intoxicação nos felinos domésticos, principalmente quando são
tratados como cães de pequeno porte. Os compostos contendo fenóis, ácidos aromáticos ou aminas aromáticas
são fármacos que possuem meia-vida prolongada em gatos. Dentre os AINES, o ácido acetilsalicílico e seus
derivados podem causar intoxicação dose-dependente, com a presença de vômitos, anorexia, taquipnéia,
salivação, hipertermia, gastroenterite hemorrágica, icterícia, anemia, convulsão e morte. Uma dose única de 25
mg/kg de aspirina tem uma meia-vida plasmática de 44 horas no gato, enquanto que nos cães, este valor é de 7
horas. A dipirona é um antipirético composto por um derivado fenólico e que, assim como a aspirina, deve ser
administrada com cuidados. O paracetamol e a fenacetina são extremamente tóxicos para o gato provocando a
conversão da hemoglobina em metemoglobinemia (que não transporta o oxigênio). Neste caso, o metabólito tóxico
N-acetil-p-benzoquinona é inativado pela conjugação com o glutatião hepático e com os eritrócitos, causando
lesão oxidativa e hepatocelular.
Outros AINES potencialmente tóxicos para a espécie são o paracetamol, a fenilbutazona, ibuprofeno,
ácido meclofenâmico, naproxeno. Portanto, deve-se optar pelo uso de AINES mais seletivos para COX-2, como o
carprofeno e o meloxicam.
Alterações gastrointestinais
Apesar da eficácia e da segurança dos inibidores preferenciais e seletivos de COX-2 serem relatadas em
cães e eqüinos (Vasseur et al., 1995; Mathews et al., 2001, McCann et al. 2004), alguns estudos recentes em cães
demonstraram que mesmos estes fármacos mais modernos podem causar efeitos colaterais e até morte
(Lascelles et al., 2005b). A administração de AINES é o fator predisponente mais comum de úlceras
gastrintestinais na espécie canina (Stanton & Bright, 1989). Nestes casos, doses elevadas foram utilizadas ou os
AINES foram associadas à AINES. No estômago, as PGE2 e PGI2 protegem a mucosa gástrica por meio da
secreção de muco protetor ao longo do trato gastrintestinal e regulam a produção do ácido gástrico aumentando a
secreção de bicarbonato e espessando a mucosa, o que é essencial para a proteção do trato contra erosões e
úlceras. Importância equivalente é a manutenção da microcirculação do estômago, através da vasodilatação
mediada pelas PGs. Portanto, a inibição das PGs pela administração de AINES pode acarretar úlceras
gastrintestinais e outros efeitos colaterais, como diarréia, vômito e melena.
Por outro lado, o fenômeno de adaptação gástrica, o qual o estômago pode se adaptar a terapias
prolongadas com AINES, pode explicar a ausência de efeitos colaterais, mesmo quando inibidores não seletivos
são utilizados de forma errônea. Esta adaptação ocorre quando o estômago aumenta o fluxo sanguíneo local,
reduz o infiltrado inflamatório e aumenta a regeneração da mucosa celular, e é visto geralmente após 14 dias de
administração (Graham et al. 1988)
Alterações renais
Nos rins, a auto-regulação do fluxo sanguíneo renal mantém uma perfusão normal face às variações na
pressão arterial sistêmica. Este fenômeno é controlado por uma gama de processos e por meio da síntese e o
metabolismo das PGs, que exercem uma importante papel na regulação do fluxo sanguíneo, filtração glomerular,
modulação da liberação da renina, transporte tubular de íons e metabolismo hídrico. As PGE2 (medula) e PGI2
(glomérulo) estão em contínua atividade na manutenção da dilatação da artéria aferente, e às vezes, nos casos de
diminuição do fluxo sanguíneo renal, e são de extrema importância para a manutenção da hemodinâmica renal.
Os cães aparecem como a espécie mais susceptível a estas variações, como no caso de uma hipotensão arterial.
Portanto, em casos de hipovolemia (perda sanguínea, anestesia, peritonite, insuficiência cardíaca, choque
hipovolêmico ou séptico), quando AINES são administrados, haverá a inibição das PGs e portanto, na
possibilidade de hipoperfusão, a ocorrência de insuficiência renal aguda.
Os AINES não devem ser utilizados na presença de insuficiência renal ou associados com outros agentes
nefrotóxicos.
Alterações na hemostasia
A agregação plaquetária é dependente do TX, produzida pela COX localizada nas plaquetas. A COX-1 é a
enzima fundamental nesse processo, produzindo na plaqueta uma endoperoxidase precursora do TXA2. A inibição
da COX pode então resultar em distúrbios da coagulação. A prostaciclina localizada no epitélio vascular regula a
atividade plaquetária e tende a neutralizar o efeito do TX. Em adição, a prostaciclina é um potente vasodilatador,
enquanto a que o TX é um fraco vasoconstrictor. A inibição da COX pelos AINES vai atingir diretamente a
agregação plaquetária, dependendo da COX inibida e seu local. O aumento do tempo de sangramento é um risco
a ser levado em consideração com o uso dos AINES, mas isto não é normalmente um problema clínico que
contra-indique o uso do AINE no período perioperatório.
Interações medicamentosas
A furosemida e os inibidores da enzima conversora de angiotensina estimulam a produção de
prostaglandina para aumentar o fluxo sanguineo renal, produzir vasodilatação e natriurese. Portanto, o uso
concomitante dos AINES podem diminuir a eficácia destes fármacos.O uso concomitante destas duas classes de
antiinflamatórios deve ser evitada. Os corticóides inibem a enzima fosfolipase A2, enzima que libera o AA das
membranas celulares fosfolipídicas. Os AINES inibem a enzima COX, que catalisa a conversão do AA em
prostaglandinas e tromboxanas, portanto o risco de efeitos adversos é maior quando ambas as classes são
administradas.
105
O mecanismo de ação do carprofeno ainda é desconhecido, mas estudos sugerem que não há inibição da
lipoxigenase e que, portanto, não afeta a síntese de mediadores inflamatórios derivados do leucotrieno (Taylor et
al., 1996). Estudos, ex vivo e in vivo, demonstraram que há uma fraca inibição da COX em eqüinos, cães, bovinos
e em gatos, o que torna seu mecanismo de ação analgésico peculiar e possibilita uma maior segurança
terapêutica no uso clínico do que outros AINES, já que a gênese de úlceras gastrintestinais é correlacionada com
a inibição da COX. Além disso, o metabolismo do carprofeno independe da conjugação glucurônica, que resulta
na ação prolongada de diversos AINES e eleva a toxicidade desta classe de analgésicos, principalmente em
gatos, que possuem uma menor produção da enzima hepática glucuronidase.
Quando administrado pela via SC, o carprofeno é rapidamente absorvido e sua biodisponibilidade é de
100%. Tanto esta via, como a via IV são indicadas para uso clínico (Taylor et al. 1996).
O carprofeno pode ser utilizado em bezerros com doença respiratória com inflamação aguda e em
eqüinos, nas desordens osteomusculares.
Cetoprofeno
O cetoprofeno é um derivado do ácido propiônico e um potente inibidor da COX sem seletividade para
COX-2. Difere dos outros AINES por inibir também a via da lipoxigenase e da síntese de leucotrienos. Entretanto,
não há estudos comprovando a inibição efetiva da produção de leucotrienos (Moses & Bertone, 2002). A
agregação plaquetária é inibida pela administração pré-operatória de cetoprofeno, limitando seu uso ao pós-
operatório.
O cetoprofeno pode ser utilizado em cães, gatos, vacas e em eqüinos. Comercialmente, está disponível na
forma racêmica, tanto em preparação oral como injetável, mas não deve ser utilizado por períodos acima de 5
dias. Pode ser utilizado no pós-operatório de cirurgias, em bezerros com pneumonia ou ainda em vacas com
mastite.
Deracoxib
O deracoxib é um inibidor seletivo de COX-2 da classe dos coxibs, similar ao rofecoxib e ao celecoxib
disponíveis para uso na espécie humana. Não é comercializado no Brasil, mas é um dos fármacos AINES de
grande uso na pós-operatório e na osteoartrite canina nos EUA, com ampla margem de segurança. Entretanto,
mesmo apresentando alta seletividade para COX-2, estudos recentes relataram a incidência de perfuração
gastrointestinal em cães, quando doses elevadas e intervalos inadequados foram utilizados, principalmente
quando administrados concomitantemente com corticóides (Lascelles et al 2005b). A farmacocinética do deracoxib
é conhecida apenas em gatos.
Diclofenaco
O diclofenaco exerce potentes ações analgésicas, antitérmicas e antiinflamatórias. É um inibidor não
seletivo da COX e sua potência é significativamente maior do que da indometacina, dos ácidos propiônicos e de
outros AINES. O diclofenaco parece influenciar também a síntese de leucotrienos já que tem sido observado um
efeito redutor das concentrações intracelulares do ácido araquidônico livre. Clinicamente, o diclofenaco não é mais
utilizado em Medicina Veterinária, entretanto ainda é administrada principalmente em cães e gatos, por
proprietários leigos, o que leva à intoxicação, causando grave gastroenterite hemorrágica, vômitos e morte por
hipovolemia, devido ao forte efeito depressor sobre a COX-1.
Dipirona (metamizol)
A dipirona é utilizada na maioria das espécies domésticas. Comercialmente, o fármaco pode vir associado
à escopolamina (hioscina), um anti-espasmódico e anti-colinérgico. Tal formulação é bastante utilizada nos
eqüídeos, nos casos de “cólica”. Sua absorção é rápida, com boa biodisponibilidade, após a administração oral.
Possui boa propriedade analgésica e antipirética, porém fraca atividade antiinflamatória, provavelmente pela baixa
ligação à proteínas plasmáticas e conseqüentemente baixas concentrações no foco inflamatório, por ser
rapidamente metabolizado. De fato, embora seja eficaz no alívio da dor entre leve e moderada, tem um efeito
analgésico de curta duração.
A administração intramuscular pode provocar reação local e abscessos, além de ser dolorosa. É um
fármaco não licenciado para animais que se destinem ao consumo humano, uma vez que o seu uso está proibido
há décadas nos Estados Unidos e Europa, por causar aplasia de medula óssea.
Etodolac
O etodolac é usado no tratamento da artrite e não está disponível para comercialização no Brasil. Estudos
in vitro sugerem uma baixa seletividade para COX-2. Seu uso é bem tolerado por até 8 dias em cães, com poucas
lesões gastrintestinais, semelhantes ao carprofeno.
106
Firocoxib
O firocoxib é um potente inibidor seletivo de COX-2, desenvolvido especificamente para uso veterinário
(McCann et al., 2004). As concentrações plasmáticas de firocoxib, após doses terapêuticas são capazes de inibir
COX-2 com pouco impacto na atividade de COX-1, como a maioria dos coxibs (McCann et al., 2004). Em estudos
clínicos, o firocoxib foi altamente efetivo e aceitável no controle da dor e inflamação associada à osteoartrite
canina, com raros efeitos adversos. Em estudo recente em cães (Steagall et al. 2007), o firocoxib não causou
nenhum efeito colateral no trato gastrintestinal após 28 dias de administração.
Fenilbutazona
A fenilbutazona é amplamente utilizada na espécie eqüina, nas desordens músculo-esqueléticas e no pós-
operatório imediato. Entretanto, devido a sua solução de pH ácido poder causar sérias irritações quando
administrada pela via subcutânea ou intramuscular, a via intravenosa é sugerida. Em razão disto, a incidência de
tromboflebite, por injeções extra-vasculares, é alta, e portanto, deve haver antissepsia adequada e cuidado à
injeção. Juntamente com o cetoprofeno, a fenilbutazona diminui a dor e a ocorrência de claudicação em cavalos
com laminite
Flunixin-meglumine
O flunixin é um potente antiinflamatório e analgésico, com inibição preferencial de COX-1. A principal
indicação do flunixin é para uso cirúrgico. Todavia, há relatos da ocorrência de insuficiência renal aguda, aumento
da concentração de ALT e úlceras gastrintestinais com o uso do flunixin em cães (embora doses elevadas e
intervalos de administração não foram respeitados, em cães anestesiados), e portanto, o medicamento deve ser
administrado no pós-operatório e por no máximo, dois ou três dias.
Alguns estudos já demonstraram os efeitos anti-endotoxêmicos com o uso do flunixin-meglumine em
doses reduzidas (1/4 da dose total) em relação à dose que apresenta efeitos antiinflamatórios e analgésicos. Por
esse motivo, é largamente usado em casos de choque endotoxêmico, principalmente durante o início do quadro
clínico (quadro 3). Em vacas com pneumonia, seu uso tem sido bem sucedido quando associado a antibióticos.
Em asininos, o seu perfil farmacocinético é diferente do que nos eqüinos, e a eliminação do flunixin, e
também da fenilbutazona ocorre de forma mais rápida.
Meloxicam
O meloxicam é amplamente utilizado no tratamento de desordens músculo-esqueléticas associadas à dor
e inflamação. Entretanto, estudos atuais demonstram uma grande variação na ocorrência de efeitos colaterais,
principalmente em cães e gatos e quando as doses são maiores ou extrapoladas de uma espécie para outra.
Estudos in vitro sugerem que o meloxicam é capaz de inibir a síntese de PGE2 sem afetar a síntese de
proteoglicano ou os níveis de colágeno do tipo II, diferente do ácido acetil-salicílico, que diminui a produção de
proteoglicano e da prolifração celular. Comparado a outras espécies, os cavalos apresentam uma rápida
eliminação e tempo de residência curto, mas estes parâmetros farmacocinéticos são ainda menores que nos
asininos, tornando a administração do meloxicam em burros e mulas, impraticável.
Nimesulida
A nimesulida é um AINES inibidor seletivo de COX-2, que apresenta rápida absorção, rápido início de
ação, potente ação antiinflamatória, analgésica e antipirética, além de baixíssima incidência de efeitos colaterais.
Entretanto, seu uso ainda é limitado em Medicina Veterinária, visto a existência de outros AINES seletivos para
COX-2 e licensiados para uso em animais.
Paracetamol (acetaminofeno)
O paracetamol é fármaco com boas propriedades antitérmicas, analgésicas, mas assim como a dipirona,
possui baixa atividade antiinflamatória. O paracetamol parece perder a sua atividade inibidora da COX, em meio
ácido e/ou rico em peróxidos, como o que ocorre no foco inflamatório e no estômago Além disso, pode apresentar
uma toxicidade importante a nível hepático, podendo causar necrose hepática em casos de superdosagem, em
conseqüência da saturação do sistema de conjugação hepática da glutationa com metabólitos eletrofílicos do
paracetamol, o que causa a morte dos hepatócitos. Em felinos, o paracetamol é totalmente contra-indicado, pois
pode levar à insuficiência hepática aguda, necrose hepática e metehemoglobulinemia, acompanhada de cianose
(figura 9).
O tratamento de emergência consiste em se administrar N-acetilcisteína (doador de cisteína), antes da
instalação da necrose hepática, com o objetivo de restaurar os níveis de glutationa para que ocorra a conjugação
dos metabólitos reativos do paracetamol (quadro 2).
107
Piroxicam
O piroxicam é membro da família dos oxicam e possui potente ação antiinflamatória e analgésica. Possui
baixa seletividade para COX-2 e longa meia-vida de eliminação em cães (40 horas) (Galbraith & Mc Kellar, 1991).
O piroxicam é bastante utilizado como agente antineoplásico em neoplasia de células transicionais, com 18% dos
animais apresentando úlceras gastrintestinais (Knapp et al. 1994).
Tepoxalina
A tepoxalina é um dos mais novos AINES de uso em Medicina Veterinária. O mecanismo de ação da
tepoxalina é peculiar, pois há a inibição de ambas as vias da inflamação, resultantes da ativação da COX e da LO,
e também da TX, PGE2, PGF2 e LTB4. Este último mediador inflamatório é um potente quimiotático e recruta,
ativa e prolonga a ação dos neutrófilos e outras células inflamatórias. A inibição da LO talvez seja a responsável
pela manutenção da integridade da mucosa gástrica e da segurança do AINES. O fabricante recomenda a
administração do medicamento junto com uma das refeições, pois a biodisponibilidade é maior.
Vedaprofeno
Em modelos experimentais de inflamação de eqüinos, o vedaprofeno demonstrou ser um inibidor da
síntese de PGE2, TX, edema, inchaço e da infiltração leucocitária (Lees et al. 1999). Em gatos, demonstrou boa
eficácia analgésica no pós-operatório e no tratamento da febre provocada por doença do trato respiratório superior
(Lopez et al. 2007).
Em cães, o vedaprofeno é rapidamente absorvido do trato gastrintestinal com alta biodisponibilidade
(Hoiejmakers et al. 2005). No tratamento da osteoartrite foi comparado à eficácia do meloxicam, com baixa
incidência de efeitos colaterais.
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109
Tabela 1: Classificação química dos AINES, segundo a fórmula estrutural destes compostos
Classificação AINES
Ácidos carboxilícos
Ácido acetilsalicílico aspirina, salicilatos
Ácidos acéticos diclofenaco, etodolac, eltenac
cetoprofeno, carprofeno, ibuprofeno, naproxeno,
Ácidos propiônicos
vedaprofeno
Ácidos fenâmicos flunixin meglumine
Ácido enólico
Pirazolonas fenilbutazona, oxifenbutazona, dipirona
Oxicams meloxicam, piroxicam, tenoxicam
celecoxib, rofecoxib, deracoxib, firocoxib, parecoxib,
Inibidores seletivos de COX-2
valdecoxib, lumaricoxib, valdericoxib
Inibidores de COX e LO liclofelone, tepoxalina
110
Tabela 2: Doses terapêuticas de diversos AINES empregados em medicina veterinária
Espécie
AINES Cão Gatos Cavalo Bovino Suínos Principais Nomes comerciais
Ácido 0,5 a 1 mg/kg VO por 7 2 mg/kg VO, 24 hs por 5
5 mg/kg VO Arquel®
meclofenâmico dias dias
2,2mg/kg, VO, SC, 12h ou 4mg/kg, SC, IV, seguido
Carprofeno 0,7mg/kg, IV, VO, 24h 0,7mg/kg, IV, 24h Rymadil®, Carproflan®, Zenecarp®
4mg/kg, 24h de 2 mg/kg (1 dia)
2mg/kg seguido de 1mg/kg
2mg/kg, VO, SC, dose Biofen®, Ketofen®, Ketojet®, Profenid®
Cetoprofeno , VO, SC, 24h (max. 5 2mg/kg, IV, IM, 24h 3 mg/kg, IM, 24 hs, 3 dias
única Cetoprofeno®, Anafen®
dias)
Deracoxib 1 a 2mg/kg, VO, 24h 1 mg/kg VO, dose única Deramaxx®
Analgex V®, Buscopam composto®*, D-
Dipirona 5 a 22mg/kg, IV, 48h 500®, Dorflex®, Dipirona®, Novalgina®,
25mg/kg, IM, SC, 8-12h 10-25mg/kg, IM, SC, 24h
Anador®, Lisador®*, Finador®
Etorgesic®
Etodolac 10 a 15mg/kg, VO, 24h
Butazona®, Butazonil®, Butazolidina®,
2mg/kg, IV, VO, 24h ou 10 a 20mg/kg, VO seguido
Fenilbutazona - Não recomendada 4 mg/kg VO, IV cada 24 hs Equipalazone®, Fenilbutazona®,
4mg/kg 48h de 2,5 a 5 mg/kg, 24h
Tomanol®*
Firocoxib 5mg/kg, VO, 24h Previcox®
1mg/kg, IV, IM, VO, 24h ou
Flunixin 2mg/kg seguido de 2 mg/kg, IM, 24 hs, por
- - 0,25mg/kg, IV, 8h Banamine®, Desflan®, Flunixina®
meglumine 1mg/kg, IM,IV, 12h três dias
(antiendotoxêmica)
0,1mg/kg (2-3 d) seguido
Maxicam®, Meloxivet®
0,2 mg/kg seguido de de 0,025mg/kg e depois 0,4 mg/kg seguido de 0,2
Meloxicam 0,5 a 1mg/kg, IV,VO, 24h 0,5 mg/kg, IM, 24 hs Movatec®
0,1mg/kg, VO, SC, 24h por 0,1mg/gato (2x mg/kg, IM
Loxiflan®
semana)
10 mg/kg VO, 12 hs Tylenol®,
Paracetamol Não recomendado
(antiendotoxêmica) Tylex®, Naldecon®*
0,3mg/kg, VO, 24h (2x), Inflamene®, Piroxicam®,
Piroxicam Não recomendado 0,3 a 1 mg/kg, VO, 24hs
depois a cada 48h Feldene®, Cicladol®
Tepoxalina 10mg/kg, VO, 24h Zubrin®
0,5 – 1 mg/kg, VO, IV, 24
Vedaprofeno 0,5mg/kg, VO, dose única Quadrisol®
hs
Observação: Estas doses constituem guias gerais. Deve-se considerar as indições, contra indicações e possíveis efeitos colateriais associados a cada fármaco, que
podem diferir entre as espécies.
111
FARMACOLOGIA DOS ANALGÉSICOS OPIÓIDES
Paulo Vinicius Mortensen Steagall
Stelio Pacca Loureiro Luna
Histórico e conceitos
Opióides são alcalóides naturais ou sintéticos derivados do ópio (do grego ópion), que significa “suco”,
exsudato leitoso seco extraído das cápsulas das sementes verdes (imaturas) cortadas da planta Papaver
somniferum ou papoula, originária da Ásia Menor. Após a queda da pétala da flor, a cápsula da semente é
incisada e o suco leitoso é ressecado para formar uma massa pegajosa acastanhada, a qual é colhida, seca e
pulverizada para formar o produto final.
O ópio tem sido utilizado para o combate da dor desde os primórdios da civilização. Há relatos do uso de
extrato de papoula pelos sumérios ao redor de 4.000 AC e posteriormente pelos egípcios. Os benefícios
analgésicos, sedativos e antitussígenos do ópio começaram a serem usufruídos na Europa no século XVI, durante
a Idade Média. No século XVIII, o uso do ópio se tornou popular na China. Navegantes mercadores portugueses e
ingleses traficaram o produto visando a exploração econômica, o que resultou na Guerra do Ópio, em meados de
1839, entre Inglaterra e China, e transferência da Ilha de Hong Kong para os ingleses, como indenização de
guerra, até 1997.
A invenção da seringa e agulha hipodérmica em 1853 disponibilizou o uso de morfina em soldados feridos
em batalhas, até o início do uso abusivo no Ocidente, o que causou vários casos de dependência física no
homem. Atualmente a planta é cultivada na China, Tailândia, Índia, Irã, Paquistão e Afeganistão, sendo este último
responsável pela maioria da produção mundial.
Dentre os mais de 20 alcalóides encontrados no ópio, apenas a morfina (Figura 1) e a codeína possuem
uso clínico. A morfina (do grego Morpheus, Deus dos sonhos) foi o primeiro opióide a ser isolado em 1806, na
Alemanha. A heroína (diamorfina), de etimologia da palavra heróico em alemão, foi produzida em 1874 com o
intuito de tratar a dependência causada pela morfina, até que anos mais tarde descobriu-se que seria uma droga
com potencial ainda maior de causar dependência. Outros opióides sintéticos foram criados a seguir, já na
Segunda Guerra Mundial, como a meperidina (1939) e a metadona (1942), pelos químicos alemães, para se obter
o mesmo benefício analgésico da morfina sem efeitos colaterais. Entretanto isto não foi possível, pois estes
também causam efeitos colaterais. Na década de 1960, a fentanila, a oximorfona, a etorfina e outros opióides
foram introduzidos na Medicina Veterinária. Em 1978, o citrato de carfentanila e dois anos mais tarde, a
alfentanila, surgiram como novos opióides para uso em humanos. A carfentanila é uma ótima opção para sedação
e contenção química de animais selvagens. Em 1984, foi sintetizado a sufentanila, mais potente e de menor
período de ação que a fentanila, e mais recentemente, a remifentanila em 1996. O uso dessa classe de
analgésicos tem sido cada vez mais importante em Medicina Veterinária tanto para analgesia como componente
da anestesia balanceada, que consiste na associação de diversos fármacos num único protocolo anestésico.
Os opióides são os principais analgésicos da história, ainda insubstituíveis em determinadas situações
cirúrgicas e de dor extrema. Produzem analgesia sem a perda da propriocepção ou da consciência, com
possibilidade de narcose. Apresentam grande eficácia no pós-operatório imediato e na dor aguda. Entretanto,
infelizmente, são os analgésicos menos utilizados em Medicina Veterinária, devido ao receio dos efeitos colaterais
e o controle de entorpecentes.
Mecanismo de ação
A identificação dos sítios de ação e de ligação dos opióides no cérebro de mamíferos em meados de 1970
auxiliou no entendimento do mecanismo de ação destes fármacos. Os opióides inibem, por meio de proteínas
ligantes do tipo GTP (guanina trifosfato), a enzima monofosfato adenilato ciclase. A ativação do receptor também
causa inibição voltagem-dependente dos canais de cálcio, por meio da proteína Gi. Com isso, há diminuição na
formação de AMPc, inibição da excitabilidade das fibras aferentes e do impulso nociceptivo (Figura 2).
Os efeitos analgésicos dos opióides podem ocorrer também por meio das vias serotoninérgicas e dos
receptores GABA. Outras evidências sugerem que os opióides mobilizam cálcio das vesículas intracelulares, como
conseqüência da ativação da fosfolipase C. Esta via de inibição dos canais de cálcio aparentemente é utilizada
+
pelos opióides que atuam em receptores κ. Os opióides ainda promovem a abertura de canais de K levando à
+ ++
hiperpolarização da célula. Assim as cargas positivas decorrentes do influxo por canais de Na ou Ca , saem
+
pelos canais de K que se mantêm abertos e não se acumulam na célula. Desta forma não ocorre a
despolarização celular e a célula fica incapacitada de propagar impulsos nociceptivos.
112
Os opióides reduzem a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato e a substância P e
inibem os impulsos nervosos somatosensoriais aferentes supraespinhais. A partir do cérebro ativam as vias
inibitórias descendentes noradrenérgica e serotonérgica da medula espinhal e reduzem os efeitos psicológicos da
dor, causando leve sedação.
O efeito antálgico também ocorre quando administrado por via intra-articular em artroscopias e
artrotomias, com eficácia igual ou superior, em relação à via sistêmica e menor incidência de efeitos colaterais.
acoplados
opióides + receptores proteína Gi
interferência c/transdução
e liberação deneurotransmissores
Figura 2: Esquema do mecanismo de ação dos opióides: (+) estímulo. (-) inibição.
Receptores opióides
Os opióides agem ao menos em três diferentes receptores opióides: OP3 (µ - mu), OP2 ( – kappa) e OP1
( – delta). Estes já foram clonados e apresentam suas seqüências de aminoácidos definidas. O receptor sigma
( ), originalmente identificado como receptor opióide, não é mais considerado como tal, visto que possui alta
afinidade pela cetamina e fenciclidina, fármacos com atividade antagonista de receptores N-metil D-aspartato
(NMDA). O receptor epsilon ( ), postulado como receptor da endorfina, opióide endógeno, apesar da controvérsia,
provavelmente é um subtipo de receptor OP2 ( ). Novos receptores foram descobertos em estudos recentes, tais
como o ORL1, semelhante aos outros receptores opióides.
Estudos farmacológicos menos recentes ainda propõem a existência de subtipos de receptores µ (µ-1, µ-2
e µ-3), ( -1, -2 e -3) e ( -1 e -2), cuja existência ainda não foi confirmadas por pesquisas clonais modernas.
Opióides endógenos
A descoberta de receptores opióides levou à busca de ligantes endógenos, conhecidos como peptídeos
opióides endógenos, divididos em três famílias (encefalinas, endorfinas e dinorfinas), identificadas em diversas
regiões do SNC, trato gastrintestinal e outros tecidos periféricos. Essas três famílias dão origem a outros produtos
(metencefalina, leucenfalina, dinorfinas, neoendorfina, -endorfina, orfanina e outros), que são neuropeptídeos
intimamente relacionados às áreas de informações nociceptivas no SNC. Podem agir em mais de um receptor
113
opióide e não participam apenas da atividade analgésica, mas também da resposta de estresse e funções
cognitivas, como aprendizado e memória. Espera-se que estudos futuros, principalmente relacionados à biologia
molecular, elucidem as principais funções dos opióides endógenos. Sabe-se que possuem potências diferentes e
que se ligam a receptores opióides diferentes. As encefalinas se ligam a receptores OP1, as endorfinas aos OP3 e
as dinorfinas aos OP2.
A conceituação dos termos a seguir é de extrema importância para se definir as diferenças entre os
opióides:
Afinidade: capacidade dos fármacos se ligarem a seus sítios receptores no organismo.
Atividade: capacidade de causar uma ação na célula que reside seu receptor. Portanto, um fármaco pode
apresentar alta afinidade, sem atividade.
Potência: está associada a sua afinidade pelos receptores. Um fármaco opióide pode ser muito potente,
por possuir uma alta afinidade e não apresentar atividade. Essa terminologia é confusa, já que a potência do
opióide é dada como indicação de sua capacidade de fornecer analgesia, o que nem sempre se aplica.
Eficácia: é o conceito que melhor define as propriedades analgésicas de um opióide. Pode ser ilustrada
por meio de uma curva dose-resposta; a intensidade de analgesia é diretamente proporcional à eficácia do
fármaco. Se dois opióides possuem a mesma atividade em um mesmo receptor, o que possuir maior afinidade,
será mais potente. Além disso, o opióide com maior atividade será mais eficaz, quando a afinidade for igual.
Como os opióides atuam em diferentes receptores, a relação de afinidade, atividade, potência e eficácia
não podem ser comparadas diretamente, porque, por exemplo, um opióide pode ter diferentes afinidades e
atividades em diferentes receptores (tabela 1), o que resultaria em variações na eficácia analgésica. Por isto, os
opióides são divididos em agonistas puros ou plenos, agonistas-antagonistas e antagonistas, conforme a
habilidade intrínseca de induzir um efeito farmacológico ao se ligar a um ou mais receptores.
Agonistas puros são opióides que possuem alta afinidade e atividade em seus receptores e que são
capazes de induzir uma resposta máxima. Agonistas parciais não, pois possuem afinidade por apenas alguns
receptores e possuem atividade significante apenas pelos receptores que interagem. Um agonista parcial é aquele
que mesmo com a saturação total dos seus respectivos receptores, seus efeitos continuarão sendo menores do
que aqueles obtidos por agonistas plenos. Os agonistas parciais apresentam o chamado efeito teto (quadro 1),
diferentemente dos agonistas plenos. Desta forma no caso dos agonistas plenos, quanto maior a dose, maior o
efeito, enquanto que nos agonistas parciais e agonistas-antagonistas, ocorre o efeito teto, em que a partir de uma
determinada dose, ao se aumentar a mesma não se observa um efeito analgésico adicional (Figura 3).
Os opióides ainda podem ser agonistas de um certo tipo de receptor e antagonistas de outros, como é o
caso do butorfanol, e são chamados de agonistas-antagonistas. Isto implica na afinidade por todos os receptores,
mas atividade em um receptor e pouca ou nenhuma em outro (Figura 4). Os agonistas-antagonistas são capazes
de reverter alguns efeitos farmacológicos dos agonistas puros, como depressão respiratória e euforia, mas ainda
podem produzir analgesia, principalmente em animais muito sedados durante a recuperação anestésica. Este
conceito é fundamental para o uso clínico de opióides, pois não se deve administrar um agonista pleno associado
a um agonista-antagonista ou mesmo um agonista parcial.
Os fármacos antagonistas se ligam aos receptores, sem produzir efeito farmacológico, mas pelo
deslocamento competitivo de um agonista, os antagonistas revertem os efeitos dos agonistas.
A tabela 1 apresenta a afinidade dos diferentes fármacos opióides por receptores opióides (OP3, OP2,
OP1) e a potência analgésica relativa.
114
Quadro 1: O que é efeito-teto?
agonista parcial
ou
Log da dose
Figura 3: Curva dose-resposta representada no eixo horizontal pelo log da dose e eixo vertical pela intensidade da analgesia
produzida. Opióide agonista total: quanto maior a dose maior a analgesia, sem efeito teto; Agonista parcial ou agonista-
antagonista: a curva dose-resposta atinge um efeito teto, em que ao aumentar a dose, não se observa efeito analgésico
adicional. Ao se administrar um agonista parcial ou agonista-antagonista previamente ao uso de agonistas plenos, deve-se
aumentar a dose do agonista pleno para se atingir a mesma intensidade de analgesia, alcançada com o uso de agonista pleno
isoladamente (Modificado de Miller 1994)
B C
A
µ µ µ
k k k
Figura 4: Ligação dos opióides nos receptores. A: agonista pleno; B: agonista parcial; C: agonista-antagonista
115
Efeitos farmacológicos dos opióides
Analgesia
Os opióides produzem analgesia ao se ligarem a receptores específicos, localizados no SNC em nível
supraespinhal e espinhal e sistema nervoso periférico. O grau de analgesia depende do tipo de ligação do opióide
com o receptor (agonista pleno, agonista parcial, agonista-antagonista), da dose, via de administração e
farmacocinética, que varia de espécie para espécie. A maioria dos analgésicos opióides disponíveis no mercado
são agonistas de receptores OP3 ( ), entretanto devido aos efeitos colaterais clássicos, tem sido pesquisados
novos opióides com seletividade total ou parcial para receptores OP1 ( ).
Além do efeito analgésico, a maioria dos opióides causa sedação e reduz a ansiedade e o estresse,
resultantes da dor. Quando empregados no pré-operatório, são capazes de fornecer analgesia preemptiva ou seja
prevenirem a sensibilização central ao estímulo doloroso.
Estudos recentes demonstraram a ação analgésica local de baixas doses de opióides quando empregados
em tecidos inflamados periféricos. A utilização em artroscopias é um exemplo clássico. Provavelmente, o efeito
analgésico seja atribuído à presença de receptores opióides nas terminações nervosas periféricas e nas células
inflamatórias, visto que a administração de opióides em tecidos não inflamados, não apresenta eficácia analgésica
(quadro 2).
Sistema Respiratório
A depressão respiratória causada pelo uso de doses elevadas de opióides é um efeito colateral conhecido
principalmente na espécie humana, e se dá pela diminuição da resposta dos centros respiratórios, localizados no
tronco cerebral, à elevação do dióxido de carbono (Figura 5). Entretanto, há pouca relevância em animais, mesmo
que possam reduzir a freqüência respiratória, o volume-minuto normalmente é mantido. Exceção deve ser
considerada no uso de opióides de curta duração (fentanila, sufentanila, alfentanila e remifentanila) no período
trans-operatório, quando é necessária a ventilação artificial do animal, dada a intensa depressão respiratória e
indução de apnéia.
116
Figura 5: Efeito depressor respiratório dose-dependente da morfina. Em situação normal ao se aumentar a
pressão alveolar de CO2, aumenta-se a ventilação alveolar. A administração de morfina reduz a resposta de
ventilação de forma dose-dependente (Miller 1994)
Atividade antitussígena
Os efeitos antitussígenos dos opióides, principalmente da codeína, morfina e do butorfanol, devem-se a
atividade em receptores OP3 (µ) e OP2 ( ), mas não estão relacionados com o grau de analgesia. Este efeito é
importante em animais em estado crítico, visando facilitar a indução anestésica e a intubação endotraqueal. Há
diversas formulações antitussígenas para uso humano com a associação de opióides, principalmente com a
codeína.
Sistema Cardiovascular
Os opióides podem causar efeitos variáveis no sistema cardiovascular, dependentes principalmente da
dose, via de administração e espécie animal. Ao se ligarem aos receptores opióides no tronco cerebral e no
coração, os opióides inibem o tônus simpático cardíaco, o que pode causar bradicardia vago-mediada e
hipotensão (Figura 6). Entretanto, tal fato ocorre principalmente com a administração intravenosa de opióides
potentes durante o trans-operatório e pode ser atenuada pela administração de anticolinérgicos, como a atropina e
a hioscina. A hipotensão é de mínima relevância no animal normovolêmico e pode ser corrigida facilmente com
administração de cristalóides. Estes efeitos ocorrem principalmente em animais sem dor, quando o opióide é
administrado na medicação pré-anestésica.
A meperidina e morfina podem causar hipotensão e vasodilatação quando administradas pela via
intravenosa, dada a liberação de histamina pelos mastócitos, o que pode levar ao broncoespasmo e prurido,
fatores relacionados com a dose administrada e a velocidade de injeção do fármaco. O prurido é de maior
preocupação nos primatas e no homem e não ocorre com a administração de outros opióides como a fentanila, a
oximorfona e a hidromorfona. A meperidina é o único opióide que comprovadamente causa redução da
contratilidade do miocárdio em cães, mesmo em doses clínicas. Mas em geral, quando utilizados de forma correta,
os opióides apresentam boa estabilidade cardiovascular, sem deprimir o miocárdio.
Em cavalos, os efeitos farmacológicos no sistema cardiovascular são diferentes e variam individualmente.
Neste caso, pode ocorrer estimulação simpática, com aumento da freqüência cardíaca, pressão arterial e débito
cardíaco.
117
140 5.0
4.5
120
A 4.0 A
A A
A
100 3.5 A
A A
FC (bat/min)
DC (L/min)
B AB 3.0
80 B A AB
B AB AB
B
2.5
C B
60 C C 2.0
B B B
40 1.5
Morfina Morfina
1.0
Metadona 0,5 Metadona 0,5
20
Metadona 1,0 0.5 Metadona 1,0
0 0.0
05 15 30 60 90 120 0 5 15 30 60 90 120
Tempo Tempo
Figura 6: Efeito cardiovascular da morfina (1 mg/kg) e metadona (0,5 e 1 mg/kg) administradas por
via intravenosa em cães. Observa-se redução dose-dependente da freqüência e débito cardíaco com
a administração de metadona. Letras maiúsculas diferentes indicam diferenças entre os tratamentos
em cada momento. O tempo está expresso em minutos (Maiante, 2007)
Sistema Digestório
Os opióides reduzem o peristaltismo e a atividade propulsiva do trato gastrintestinal e aumentam o tônus
da musculatura lisa e esfíncter anal, o que pode causar constipação e aumento do tempo de esvaziamento
gástrico em animais, sob uso crônico. A náusea e vômito, que podem ocorrer por ativação da zona
quimiorreceptora do gatilho, são aparentemente importantes apenas nos cães e gatos, com a administração de
morfina. Alguns animais podem defecar devido ao aumento inicial do tônus gastrintestinal.
Em eqüinos, diversos estudos retrospectivos recentes não apontaram uma relação direta entre o uso de
opióides e a incidência de cólica.
16
14
12
pontuação
10
*
8
6 **
4 *
2
** Controle
T 10
0
0 60 120 180 240 300 360 420 480 540 600 660 720
Tempo (minutos)
Figura 7: Motilidade intestinal em eqüinos após a administração de 0,01 mg/kg buprenorfina. Observar a redução
da motilidade de forma significativa por até quatro horas após a administração do opióide (Carregaro et al 2006)
Sistema Urinário
A administração epidural de morfina pode causar retenção urinária por um decréscimo no tônus do
músculo detrusor da bexiga e aumento do tônus do esfíncter vesical, o que pode produzir espasmo. Pode-se
118
observar aumento das concentrações do hormônio anti-diurético (ADH), com redução da produção de urina.
Todavia, este efeito colateral aparenta ter pouca relevância clínica.
Sistema Locomotor
Os efeitos dos opióides no sistema locomotor irão depender da dose de administração e da espécie
animal. Por exemplo, na espécie canina e humana, os opióides podem causar sedação e decréscimo da atividade
locomotora, enquanto que em eqüinos e felinos (quadro 3), ocorre o contrário, principalmente com doses
elevadas. Estes efeitos são minimizados com a administração concomitante de tranqüilizantes e/ou sedativos,
como a acepromazina e a xilazina. Em eqüinos hígidos, o uso de opióides ainda é restrito, devido à ação
excitatória, o que leva ao aumento da atividade locomotora, como conseqüência do aumento da atividade
dopaminérgica (figura 8).
119
Quadro 3: O uso de opióides em felinos e eqüinos
O uso de opióides em gatos, e principalmente em eqüinos, não é alto como em outras espécies, tais como
a humana e a canina, devido aos efeitos no SNC, que incluem mudanças comportamentais e excitação. Estas
diferenças em particular se devem a um padrão de distribuição dos sítios de ligação dos opiáceos no cérebro. Em
sua maioria, os receptores estão distribuídos de maneira muito parecida pelas áreas do SNC, exceto na amígdala
e no córtex frontal, onde há, pelo menos, o dobro de sítios receptores nas espécies onde ocorre a depressão do
SNC, como em cães quando comparado aos gatos. A amígdala e o cortex cerebral são componentes do sistema
límbico, nas quais há alta ligação dos opióides a seus receptores em primatas, humanos e cães. Talvez isto
explique tais diferenças comportamentais entre as espécies após a administração de opióides.
Ao se tratar de eqüinos, aparentemente, há uma margem de segurança pequena entre as doses que
causam analgesia e as que causam excitação e aumento da atividade locomotora. Além disso, o conhecimento
sobre o uso dos analgésicos opióides é limitado e a ocorrência de efeitos colaterais é maior do que em outras
espécies. Mas um fato é consolidado: diversos estudos já demonstraram que os cavalos usufruem um benefício
analgésico com a administração de opióides, tanto pela via sistêmica, como pela epidural. Os agonistas-
antagonistas, como o butorfanol, são capazes de produzir analgesia com menor estimulação simpática e aumento
da atividade locomotora que os agonistas puros, principalmente quando associados aos sedativos e
tranqüilizantes em cavalos com dor. Além disso, a administração da morfina na medicação pré-anestésica não foi
relacionada com um aumento na incidência de cólicas no pós-operatório, ou mesmo alterações hemodinâmicas ou
ventilatórias, mesmo que sabidamente o fármaco cause diminuição da motilidade propulsiva. Os cavalos que
recebem morfina tendem a receber uma menor quantidade de analgésicos no pós-operatório. Portanto, o sucesso
na utilização de opióides em cavalos está relacionado ao uso correto, às doses e intervalos adequados e o
conhecimento dos principais efeitos colaterais.
Em relação ao gato, até recentemente, o uso de opióides era restrito devido ao mito, resultante de estudos
da década de 20, quando doses 100 vezes maiores de morfina foram utilizadas. Todavia, diversos estudos já
demonstraram que a administração de morfina em doses clínicas não causa excitação ou “mania”. Assim como
em outras espécies, a morfina é de extrema eficácia na dor severa em gatos, mas pode ter um efeito analgésico
reduzido, em relação a outras espécies, devido a baixa capacidade de glicuronização hepática nesta espécie,
consequência da limitada quantidade de enzimas hepáticas UDP-glicuroninosiltransferase (UGT), produzindo
menos metabólitos ativos da morfina (morfina-6-glicuronida). Este metabólito possui atividade analgésica na
espécie humana e contribui para o efeito analgésico da morfina como um todo.
250
* Controle
T5
200 * *
* T 10
* * * *
interrupções/min
150
*
* *
100
* * * * * *
*
* *
*
50
0
* * * * * * * * * * *
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Tempo (horas)
Figura 8: Atividade locomotora espontânea em eqüinos após o uso de buprenorfina IV. Observar que o efeito é
proporcional à dose. Legenda: Controle – animais tratados com solução fisiológica; T5: 0,005 mg/kg de
buprenorfina; T10: 0,01 mg/kg de buprenorfina (Carregaro et al 2007)
120
Principais opióides de uso atual em Medicina Veterinária e suas respectivas aplicações
Sulfato de Morfina
Assim como a maioria dos outros opióides, a morfina possui uma fórmula estrutural complexa, com uma
molécula com um núcleo fenantrênico, parcialmente hidrogenado, uma ligação óxido e uma estrutura contendo
nitrogênio e dois grupos hidroxi (alcoólico e fenólico). É o principal derivado fenantrênico do ópio, que possui 9-
17% de base de morfina e com afinidade 200 vezes maior para os receptores OP3 do que para os receptores
OP2. Após a síntese de morfina, outros derivados sintéticos foram obtidos com mais facilidade, por substituição
dos radicais químicos em lugar dos átomos de hidrogênio, em uma ou ambas posições hidroxi da molécula. Por
exemplo, ao se substituir o átomo de hidrogênio nas posições hidroxi fenólica, a atividade analgésica é reduzida,
assim como a depressão respiratória e constipação e há um aumento da estimulação do SNC, como ocorre com a
codeína. Já ao se substituir a posição hidroxi alcoólica, a depressão respiratória aumenta, assim como a narcose,
características da hidromorfona. Em ambas as substituições, ocorre a diminuição da atividade emética, e portanto,
tanto a hidromorfona quanto a codeína causam menos emese do que a morfina. A náusea e o vômito são efeitos
colaterais comuns e são causados primariamente pela estimulação de receptores de dopamina e de 5-HT3,
associados com o estímulo da zona quimioreceptora do gatilho na área postrema da medula. A atividade do centro
do vômito pode ser deprimida com a administração concomitante da acepromazina.
Ao ser absorvida no estômago e intestino delgado, a morfina se distribui principalmente para o SNC,
fígado, rins, pulmões e músculos. A maior parte da biotransformação de morfina à morfina 3-glicuronídeo e
morfina 6-glicuronídeo, se dá no sistema microssomal hepático e a eliminação pelos rins, consideradas as vias
metabólicas primárias para inativação e eliminação do fármaco. Em torno de 90% é excretada pela urina e 7-10%
pelas fezes. A farmacocinética da morfina no cão revelou que a meia-vida é curta, de uma a duas horas.
Entretanto, as concentrações de morfina no fluido cerebroespinhal se mantêm elevadas por maior tempo do que
às concentrações plasmáticas, principalmente após a administração pela via epidural, o que resulta num efeito
analgésico mais prolongado e que não reflete a curta meia-vida de eliminação. No gato a sua duração de ação
varia entre 4-6 horas e a meia-vida é três vezes maior do que no cão, devido ao seu metabolismo por conjugação.
Uma nova formulação de morfina de liberação lenta para administração oral tem sido estudada
recentemente. O fármaco foi absorvido após 6 horas em cães, com biodisponibilidade de 20% e meia-vida de
eliminação de 8 a 10 horas. Deve ser administrada duas vezes ao dia, na dose de 2 a 5 mg/kg. Da mesma forma
que a morfina para uso parenteral, essa formulação também causa vômitos e estudos futuros ainda devem ser
realizados para observar a aplicabilidade clínica e eficácia analgésica deste composto.
A morfina pode ser utilizada para qualquer tipo de dor, principalmente as de intensidade moderada a
severa, com extrema eficácia analgésica. Por estas razões, além do baixo custo financeiro, ainda é o opióide de
eleição nestes casos.
Os animais podem se apresentar disfóricos, principalmente na ausência de dor, mas o mais comum, pela
própria atividade agonista em receptores OP3 ( ) deste fármaco, é a euforia.
No cão pode ocorrer um breve período de excitação, caracterizado por inquietação, salivação, náusea,
vômito, micção e defecação, que pode ser evitado ou minimizado pela administração IV lenta do fármaco ou
administração subcutânea ou intramuscular. Adicionalmente a administração intravenosa deve ser lenta
principalmente por causa da liberação de histamina, que causa vasodilatação periférica e hipotensão. Os cães
podem se apresentar ofegantes após a administração de altas doses de morfina e oximorfona, devido às
alterações no centro termoregulatório. Animais ofegantes não necessariamente apresentam hiperventilação. Pelo
contrário, podem apresentar hipoventilação e hipercapnia. No gato, a morfina não provoca excitação quando
administrada em doses clínicas de 0,1-0,2 mg/kg.
Após a administração da morfina, ocorre depressão dos centros vasomotor, da tosse e medular
respiratório, com diminuição do volume minuto e aumento da tensão de CO2. Apresenta pouco efeito no
rendimento cardíaco, mantendo a freqüência e ritmo cardíaco normalmente inalterados.
121
Fosfato de Codeína
Também chamada de metilmorfina, mas com apenas 1/10 da potência da morfina, a codeína esta
presente no ópio na proporção de apenas 0,5%. Desta forma a maior parte é produzida à partir da morfina. Cerca
de 50% do fármaco é eliminado na urina, sob a forma conjugada de glicuronídeo. Seu uso em Veterinária se dá
principalmente como antitussígeno, utilizada em xaropes associada com outros fármacos.Em doses altas pode
provocar náuseas e vômitos.
Cloridrato de Metadona
A metadona é um analgésico opióide sintético agonista de receptores OP3 (µ), embora estudos mais
recentes revelem a sua ação em receptores N-metil-D-apartato. É uma alternativa à morfina e hidromorfona em
pacientes humanos com dor severa e no tratamento de dependentes de morfina. É metabolizada no fígado pelas
enzimas do sistema microssomal hepático P-450 e apresenta ligação às proteínas plasmáticas no homem em
torno de 90%. Possui potência similar a da morfina (tabela 1). Sua analgesia em humanos se estende por
períodos variáveis de 4 a 8 horas. A mistura racêmica contém igual concentração dos enantiômeros dextro e
levógiro. A levo-metadona possui maior afinidade por receptores opióides. A metadona causa menor liberação de
histamina que a morfina e pode ser administrada pela via IV, principalmente quando se deseja um período de
latência menor.
Poucos são os estudos realizados com esse fármaco em animais. Observou-se alterações de
comportamento nos gatos, como leve excitação, inquietude, maior dificuldade de contenção e midríase, na dose
de 0,6 mg/kg da mistura racêmica, e na dose de 0,3 mg/kg de levometadona, mas não com a dose de 0,2 mg/kg
da mistura. A principal vantagem da metadona em relação à morfina é que a primeira não produz vômito em cães
e gatos. Em cães produz uma depressão cardiovascular mais significativa que a morfina.
Cloridrato de Oximorfona
É um opióide semi-sintético 10 vezes mais potente que a morfina, mas com a mesma eficácia e duração
de efeito analgésico que esta última. A oximorfona pode ser administrada pela via intravenosa, pois não causa
liberação de histamina, entretanto o alto custo do medicamento impede seu uso em grande escala. Em cães pode-
se observar maior sedação e incidência de bradicardia e diminuição do débito cardíaco, em relação à morfina,
além dos animais se apresentarem ofegantes. Não há comercialização deste opióide no Brasil.
Cloridrato de Hidromorfona
A hidromorfona é um opióide de grande afinidade por receptores do tipo OP3 ( ), com potência 10 a 15
vezes maior que a morfina. Produz sedação satisfatória com período de ação que varia entre 3 a 4 horas. Assim
como a oximorfona, causa menor incidência de náuseas e vômitos do que a morfina. Deve ser utilizada com
cautela em gatos, pois mesmo em doses clínicas (0,1 mg/kg) é capaz de causar hipertermia. Não é disponível no
Brasil.
Citrato de Fentanila
A fentanila é um opióide sintético com alta afinidade por receptores opióides OP3 (µ). Apresenta alta
lipossolubilidade, potência 80 a 100 vezes maior que a morfina, com curto período de latência e ação. Por isso é
comumente utilizado no trans-operatório anestésico, como componente analgésico de associações
neuroleptoanalgésicas e hipnoanalgésicas, associado a outros agentes em protocolos de analgesia multimodal e
em analgesia espinhal. É também utilizado como adjuvante da anestesia por halogenados, pois potencializa os
122
anestésicos inalatórios em até 82%, o que o torna muito útil para anestesia em pacientes de risco. Tem duração
de ação ao redor de 20 a 30 minutos e ação analgésica dose-dependente.
A fentanila possui alto volume de distribuição em cães e gatos e alto clearance renal. A longa meia-vida de
eliminação é reflexo da alta lipossolubilidade do fármaco e devido à baixa perfusão sanguínea nestes locais, é
metabolizado lentamente. Na prática, esta grande redistribuição da fentanila pelos tecidos do organismo impede o
uso de infusões contínuas por mais de duas horas, devido ao acúmulo semelhante aos barbitúricos.
Cães anestesiados pelo halotano, em normocapnia, não apresentaram alteração na contração do
miocárdio, enquanto que em hipercapnia, a fentanila pode apresentar ligeira ação depressora do miocárdio. A
bradicardia induzida pela fentanila é provavelmente devida à estimulação de núcleos vagais medulares e ainda
por bloqueio da atividade cronotrópica simpática. Tal efeito causa hipotensão arterial por redução do débito
cardíaco, redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio e do fluxo sanguíneo coronariano, sem alterações na
resistência periférica total. Quando associado à barbitúricos pode produzir intensa bradicardia, hipotensão e
depressão respiratória, devendo ser evitado nestas situações. A bradicardia é facilmente revertida pela
administração de anticolinérgicos, como a atropina.
Causa depressão respiratória dose-dependente com diminuição da resposta ventilatória à hipercapnia e à
hipóxia, redução do volume-minuto sem alteração significativa do volume corrente, diminuição da saturação de O2,
acidose respiratória e metabólica por hipercapnia e aumento do déficit de base, podendo eventualmente levar à
apnéia. É altamente recomendada a ventilação artificial de animais sob infusão contínua de fentanila.
Aparentemente, animais jovens parecem ser mais resistentes aos efeitos analgésicos e sedativos deste
fármaco, onde costuma apresentar menor período de latência e ação.
Atualmente, o emplastro ou adesivo de fentanila desenvolvido para humanos tem sido utilizado em cães,
gatos e eqüinos. Os emplastros liberam taxas de 25, 50, 75 ou 100 µg/h do fármaco, mas devido à variabilidade
individual dos parâmetros farmacocinéticos, principalmente no gato, podem ser insuficientes no tratamento da dor.
De qualquer maneira, recomenda-se a colocação do emplastro com 12 horas, no mínimo, de antecedência. A
duração de efeito neste caso pode chegar a 72 horas.
Cloridrato de Sufentanila
A sufentanila, derivado fenilpiradínico da fentanila, é um opióide sintético com potência 1000 vezes maior
que a morfina e que apresenta praticamente as mesmas características farmacológicas que a fentanila, entretanto
diferenciando quanto a sua potência, 5 a 10 vezes maior que a fentanila, e maior lipossolubilidade. Potencializa
em até 90% os anestésicos inalatórios (Figura 9). Seu uso não é comum em anestesia em Medicina Veterinária,
pelo custo financeiro mais elevado que a fentanila. É indicado como coadjuvante da anestesia balanceada, após
um bolus, seguido de infusão contínua.
123
Figura 9: Redução da Concentração Alveolar Mínima do halotano em ratos com o aumento progressivo da dose
de sufentanila (Miller 1994)
Cloridrato de Alfentanila
A alfentanila é um opióide sintético 25 vezes mais potente que a morfina, com período de ação de2 a 5
minutos, potência e meia-vida de eliminação menores que a fentanila, mas com as mesmas características
farmacológicas que a fentanila e a sufentanila. Causa da mesma forma que os anteriores bradicardia e depressão
respiratória. Assim como a sufentanila, a alfentanila é mais lipossolúvel e apresenta uma maior ligação às
proteínas plasmáticas que a fentanila.
Cloridrato de Remifentanila
A remifentanila é um analgésico de ação ultra-curta, 25 a 30 vezes mais potente que a alfentanila e 50
vezes mais potente que a morfina. É considerado o fármaco ideal para promover analgesia intensa durante o
trans-operatório, seguida por uma rápida e previsível recuperação pós-operatória, dado ao seu perfil
farmacocinético.
A remifentanila é o último opióide sintetizado derivado da piperidina com uma ligação de éster. A
incorporação de um éster dentro da sua cadeia produziu uma susceptibilidade molecular para inativação por
esterases plasmáticas e em outros tecidos. Seu metabolismo ocorre predominantemente por esta via, que produz
um metabólito ácido (GI-90291), e em menor extensão, por N-dealquilação, que produz o metabólito GI-94119.
Seu principal metabólito é 1/200 a 1/4000 menos potente do que a remifentanila e não apresenta nenhum efeito
quando são utilizadas doses clínicas deste opióide, mesmo após infusões de seis a oito horas de duração. A
excreção renal destes metabólitos foi estimada em 90%. Sua biotransformação rápida em metabólitos pouco
ativos pode ser associada com sua curta duração de ação e ausência de efeito cumulativo, mesmo em doses
repetidas ou em infusão contínua.
Em cães e ratos a meia-vida de eliminação deste fármaco é de aproximadamente dez minutos ou menos.
Em cães, possui uma meia-vida terminal de 5,6 minutos comparada a 19,9 minutos da alfentanila.
Cloridrato de Etorfina
A etorfina é utilizada para captura e contenção de animais silvestres de grande porte, tais como os
mamíferos elefantes, rinocerontes, girafas, hipopótamos e répteis, como as tartarugas gigantes e crocodilos.
Possui potência de 800 a 1000 vezes maior que a morfina. Para se ter uma idéia da potência deste fármaco, um
rinoceronte de 2 toneladas pode ser imobilizado com 1 mg de etorfina (0,5 µg/kg). Pode causar taquicardia,
hipertensão, depressão respiratória, atonia ruminal e hipotermia. Assim como a carfentanila, deve ser utilizado
sempre com a disponibilidade imediata do antagonista diprenorfina, para se reverter o efeito caso haja auto-
inoculação acidental. Não é disponível no Brasil, mas pode ser importado para uso em animais silvestres.
Citrato de Carfentanila
124
A carfentanila é um opióide sintético aproximadamente 10.000 vezes mais potente que a morfina. Da
mesma forma que a etorfina, é utilizado para captura e contenção de animais selvagens e silvestres, entre eles os
cervídeos, mas raramente para o manejo da dor. Deve ser usado com os mesmos cuidados da etorfina.
Hidrocloridrato de Tramadol
O tramadol é um análogo da codeína, com alta seletividade para receptores OP3 ( ), porém com baixa
afinidade, aproximadamente 6000 vezes inferior a da morfina e 10 vezes inferior a da codeína. Supõe-se que o
tramadol atue por ativação da via monoaminérgica espinhal, inibindo a recaptação de norepinefrina e a liberação
de 5-hidroxitriptamina (serotonina) das vesículas de armazenamento nas terminações nervosas. Isto sugere além
do mecanismo de ação opióide, um mecanismo analgésico adicional e não-opióide, que envolve as vias inibitórias
descendentes do sistema nervoso central (SNC). No entanto, o mecanismo opióide do tramadol é provavelmente o
responsável pela analgesia em animais.
O tramadol é apresentado sob a forma de uma mistura racêmica que é metabolizada em enantiômeros (+)
e (-). O enantiômero (+), O-desmetiltramadol, possui uma maior afinidade por receptor opióide OP3 (µ) e possui
algum efeito serotoninérgico na 5-hidroxitriptamina e o enantiômero (-) inibe a recaptação da noradrenalina.
Parece haver uma diferença na produção do isômero (-) entre homem e animais.
A atividade opióide do tramadol é produzida pela metabolização da mistura racêmica em um metabólito
ativo. Esta metabolização é realizada pela enzima citocromo P450 por demetilação com subseqüente sulfatação
ou glucuronização. Isto pode resultar em um metabolismo reduzido do tramadol, como ocorre com a morfina em
felinos. Um estudo recente em Beagles demonstrou que a produção do isômero (-) também é limitada.
Os efeitos antinociceptivos do tramadol foram revertidos pela ioimbina, um antagonista de
adrenoreceptores do tipo -2 e pelo antagonista opióide naloxona. Isto sugere que a ativação de adrenoreceptores
do tipo -2 possui um papel significativo na modulação monoaminérgica espinhal da dor.
Em humanos, o tramadol é recomendado para analgesia pós-operatória, mas não para o tratamento de
dor severa, já que a potência e eficácia do tramadol são similares a petidina. Existem poucos relatos descrevendo
seu uso em Medicina Veterinária. Em cadelas submetidas à ovariosalpingohisterectomia, o tramadol apresentou
efeitos analgésicos similares em relação à morfina. É promissor seu uso em gatos, particularmente porque em
ambas as espécies pode ser prescrito para administração doméstica.
Seu uso analgésico é indicado em pacientes onde os AINEs são contra-indicados, como em portadores de
úlceras, desordens hemorrágicas e distúrbios renais ou hepáticos. Apresenta mínimos efeitos sobre o sistema
gastrointestinal, com incidência de náuseas e vômitos de 30 a 35% em seres humanos.
Agonistas-antagonistas
Cloridrato de Buprenorfina (Temgesic®, Buprenex®)
A buprenorfina é um opióide semi-sintético derivado da tebaína, altamente lipofílica, com atividade
agonista parcial de receptores opióides do tipo OP3 (µ) e antagonista de receptores OP1 (k).
Dentre os analgésicos opióides, a buprenorfina é o fármaco mais utilizado em pequenos animais no Reino
Unido e um dos mais populares em diversos países do mundo, como a França, Austrália, Finlândia, Nova Zelândia
e África do Sul. Uma propriedade característica da buprenorfina é que esta possui grande afinidade por seus
receptores, sendo de difícil antagonismo. Em felinos pode causar midríase e euforia, entretanto na maioria das
vezes, os gatos tornam-se calmos ao longo do tempo, ronronam, e aparentam-se confortáveis após sua
administração oral. Inclusive, a farmacocinética da administração intravenosa é semelhante a da via oral, nesta
espécie.
É similar em estrutura e aproximadamente 30 vezes mais potente que a morfina. Sua ligação e
dissociação dos receptores opióides é lenta, por ser um fármaco extremamente lipofílico, o que se traduz em um
período de latência longo ao redor de 45 minutos e período hábil prolongado de 6 a 12 horas. Isto a torna o
opióide de duração mais prolongada utilizado clinicamente. Pela suas características de ligação aos receptores de
opióides, possui propriedades peculiares. Doses baixas produzem ação analgésica, enquanto que doses altas
podem ser menos efetivas, devido a sua curva em forma de sino e ao efeito teto (quadro 2) limitado, em relação a
um agonista pleno de receptores OP3 ( ).
É um opióide de uso comum em felinos, com superioridade analgésica em relação à morfina, à meperidina
e à oximorfona. Tem também ótima indicação para analgesia em animais de laboratório, como coelhos e ratos
apresentando meia vida de eliminação de 2,8 horas e metabolismo hepático, com excreção predominantemente
biliar de seus metabólitos. Causa depressão respiratória dose-dependente em coelhos, com hipoventilação por
diminuição da freqüência respiratória, mas assim como outros opióides, causa mínimos efeitos hemodinâmicos.
125
Produz discreta sedação em cães e excitação em eqüinos. Nesta última espécie ativa o sistema
cardiovascular, o que leva a um aumento do débito cardíaco e pressão arterial e reduz a motilidade intestinal, o
que pode ser um efeito indesejável em animais com cólica (Figura 7).
Em suínos apresenta período de ação de 10 horas após uma dose de 0,02mg/kg, sete horas na dose de
0,01 mg/kg e não tem efeito na dose de 0,005mg/kg. É eficaz no pós-operatório na dose de 0,01 mg/kg duas ou
três vezes ao dia.
Pentazocina (Talwin®)
A pentazocina é um agonista-antagonista, com 1/3 da potência da morfina e com período de ação
semelhante ao do butorfanol de 2 horas. Não se deve utilizar doses elevadas em gatos com ausência de dor, pois
o fármaco pode provocar ataxia e alteração comportamental.
Antagonistas
Nalorfina
Derivada da morfina, a nalorfina pode ter efeito agonista quando usada isoladamente ou antagonista
quando usada após agonistas. Recomenda-se a dose de 1 mg de nalorfina para cada 10 mg de morfina ou 20 mg
de meperidina para reversão dos efeitos destes opióides.
Naloxona (Narcan®)
126
A naloxona é o antagonista clássico de receptores opióides. O uso mais comum dos antagonistas opióides
é para reversão dos efeitos sedativos, excitatórios e de depressão respiratória. Em casos de doses elevadas de
naloxona, a analgesia é também revertida, o que pode ser indesejável se o animal estiver com dor. Portanto, a
administração da naloxona deve ser realizada de forma lenta e em doses mínimas, monitorando as respostas do
animal até o efeito desejável. Desta forma, os efeitos analgésicos não serão completamente revertidos.
Outra propriedade importante da naloxona é que o fármaco é rapidamente metabolizado em naloxona
glicuronida e sua rápida meia-vida de eliminação promove antagonismo por apenas 1 hora. Com isto, após este
período, o animal pode voltar a ter os efeitos do agonista. Em gatos, pela deficiência de glicuronil transferase,
podem apresentar uma meia-vida maior.
Nalmefeno (Revex®)
O nalmefeno é um antagonista opióide com período de ação aparentemente maior que a naloxona, mas
poucos estudos foram realizados neste sentido. Os mesmos cuidados da administração de antagonista em
reverter a ação de um agonista devem ser observados.
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127
Tabela 1: Afinidades dos fármacos opióides por receptores opióides OP3 ( ), OP2( ) e OP1 ( ) (adaptado
de Pascoe, 2000)*
Receptores opióides
Morfina +++ + ++ 1
Oximorfona +++ ND + 10
Alfentanila +++ + + 20
Remifentanila 800
Codeína ++ + + 0.1
Agonistas mistos
Tramadol + + + 0.5?
Agonista parcial
Buprenorfina parcial - ? 30
Agonistas-
Antagonistas
Nalbufina -- ++ 1
Antagonistas
Naloxona --- -- -
Nalmefene --- -- --
* as afinidades foram baseadas em diferentes estudos em diferentes espécies e por isto podem apresentar variações. +++= alta afinidade; ++= afinidade
intermediária; += baixa afinidade; ---= maior antagonismo; --=antagonismo intermediário; -= menor antagonismo; ?=atividade desconhecida ou de resultados
128
Tabela 2: Doses (mg/kg), vias de administração sistêmicas e período de ação (horas) dos fármacos
opióides para uso em cães, gatos, eqüinos e ruminantes saudáveis*.
* Notar que alguns fármacos as doses aparecem em bolus + infusão contínua; £ Utilizar a via sublingual apenas em gatos. Nesta mesma
espécie evitar, a administração de opióides pela via subcutânea; V – Laboratório veterinário
Doses (mg/kg)
Período Nome Comercial
Via de
Fármacos Cão Gato Eqüino Suínos Ruminantes de ação (Laboratótio)
administração
(horas)
Astramorph
(AstraZeneca); Dimorf
(Cristália);
0,5-1
M.S.Long (Janssen-
ou 0,5 + IM, SC ou IV
Morfina 0,2-0,3 0,05-0,2 0,05-0,2 0,05-0,4 3-4 Cilag); MST Continus
0,1-1 (infusão)
(Astra);
mg/kg/hr Solução Injetável de
Cloridrato de Morfina
(Granado)
Dolantina (Aventis);
Meperidina 3-5 1-3 2-3 1-2 2-5 IM 0,75-2
Dolosal (Cristália)
Metadona 0,5-1 0,2 0,05-0,1 - - IM, IV 3-4 Metadon (Cristália)
Não disponível no
Oximorfona 0,05-0,2 0,03-0,1 0,02-0,1 - - IM, IV 3-4
Brasil
Não disponível no
Hidromorfona 0,1-0,4 0,05-0,1 IM, IV 3-4
Brasil
Dorless (União
Química); Dorless V
(Agener),
Sensitram (Libbs);
Tramadol 2-4 2 1 IM, SC 4-6
Sylador (Sanofi-
Synthélabo);
Tramal (PHarmacia
Brasil)
Durogesic (Janssen-
30 µg/kg Cilag);
5 g/kg + 3- 2 g/kg + 2-
Fentanila 0,07-0,15 + 10 0,01 IV Infusão Fentanil (Cristália e
6 g/kg/hr 3 g/kg/hr
µg/kg Janssen-Cilag);
Nilperidol (Cristália)
5 g/kg + Alfenta (Cristália)
0,04
Alfentanila 1 g/kg/min 0,5 IV Infusão Rapifen (Janssen-
mg/kg/hr Cilag)
g/kg/min
5 g/kg + 0,1 g/kg + Fastfen (Cristália);
+ Dodge)
Butorfanol 0,2-0,4 0,1-0,4 0,1-0,2 0,05-0,2 IM, SC, IV 1-3
23,7
µg/kg/min
Não disponível no
Pentazocina 1-2 0,5-1 0,5-3 2 - IM, SC, IV 2-3
Brasil
Nalbufina 0,3-0,5 0,03-0,1 IM, SC, IV 3-4 Nubain (Novartis)
!; & # "
Na primeira fase da avaliação pré-anestésica deve-se ter à disposição os dados de identificação do
paciente, como espécie, raça, idade, sexo e estado reprodutivo.
Espécie
A anestesia em gatos pode variar substancialmente em relação à de um cão. Em termos fisiológicos, os
gatos se diferenciam dos cães por apresentarem limitada capacidade de conjugação e glucuronização hepática,
dependendo pricipalmente da excreção renal para eliminação de determinados fármacos. Muitas vezes os gatos
são de difícil contenção de modo que mesmo a abordagem em felinos relativamente mansos pode ser difícil para
realização de injeções intravenosas. Por outro lado, animais de grande porte como os eqüinos e bovinos, também
apresentam particularidades fisiológicas que devem ser reconhecidas em função de seu impacto na anestesia. A
anestesia em espécies de grande porte (eqüinos), apresenta maior risco de complicações durante o procedimento
anestésico quando comparada à anestesia em pequenos animais. Em estudo retrospectivo recente realizado na
Europa e América do Norte (CEPEF-1), observou-se que o índice de mortalidade em eqüinos durante os primeiros
7 dias do pós-operatório foi de 1,6% (Johnston et al, 1995). Quando casos de alto risco como as cirurgias de cólica
foram excluídas da análise, o índice de mortalidade foi de 1,1% (Johnston et al, 1995). Este índice, no entanto,
ainda é significativamente maior que o reportado em pequenos animais, onde estudos retrospectivos tem
reportado índices de mortalidade de aproximadamente 0,15% no período perianestésico (Hall & Clarke, 1991). Em
função do seu porte e temperamento, há também de se considerar que a anestesia em eqüinos apresenta maior
risco de injúrias ao profissional.
Raça
É de conhecimento que algumas raças apresentam resposta diferenciada à determinados fármacos. Por
exemplo, os cães galgos (Greyhound, Saluki, Borzoi, Whippet) apresentam recuperação prolongada após o
emprego do tiopental. Nestes animais, a constituição esguia e pouco tecido adiposo, limitam a redistribuição de
fármacos como o propofol e tiopental do SNC para outros tecidos (músculos e principalmente gordura),
prolongando desta forma a fase de recuperação. As raças de focinho curto (braquicefálicos) como o Pug,
Pequinês, Shih Tzu e principalmente o Bulldog são predispostas à obstrução das vias aéreas e dispnéia (síndrome
braquicefálica). Este fenômeno ocorre devido ao pequeno diâmetro da faringe/laringe e excesso de tecidos moles
(pálato mole mais proeminente) que outras raças, exigindo do anestesista maior atenção quanto à manutenção
das vias aéreas superiores desobstruídas, principalmente durante a fase de recuperação da anestesia, quando a
sonda endotraqueal é removida. O temperamento do animal freqüentemente está relacionado com a raça. Por
exemplo, os Boxers e Labradores são normalmente dóceis, o que permite a avaliação pré-anestésica com maior
facilidade. No entanto, anmais agressivas dificultam a avaliação pré-anestésica. Essa dificuldade na avaliação,
associada ao estresse de contenção pode aumentar consideravelmente os riscos anestésicos (Fantoni &
Cortopassi, 2002).
Idade
Os animais idosos e muito jovens apresentam dificuldade de manter a temperatura corporal e compensar
eventuais alterações cardiopulmonares. Cães e gatos neonatos (animais com menos de oito semanas de idade)
apresentam pouca capacidade de biotransformar os fármacos administrados, uma vez que o sistema enzimático
hepático ainda se encontra imaturo. Da mesma forma, os pacientes geriátricos (animais que excederam 75% da
expectativa de vida) apresentam dificuldade de biotransformar e excretar os fármacos anestésicos. Em pequenas
espécies, deve-se estar particularmente atento para a possível presença de doenças típicas de animais senis
como a diabetes mellitus, cardiomiopatia degenerativa, hipotireioidismo. Em casos de animais apresentando
distúrbios fisiológicos significativos, o procedimento anestésico deve, se possível, ser adiado até que ocorra o
restabelecimento da condição clínica do paciente.
130
Sexo
O sexo dos animais não altera as respostas anestésicas. Entretanto, é importante salientar que fêmeas em
cio podem apresentar maior risco de hemorragia intra-operatória e as gestantes apresentam alterações fisiológicas
que podem alterar as respostas anestésicas.
#
Em relação à anamnese, devem ser pesquisados diversos sistemas:
Respiratório (tosse, dispnéia, secreções);
Endócrino (diabetes, hipo ou hipertireoidismo, Síndrome de Cushing);
Sistema nervoso central (convulsões, epilepsias);
Digestório (vômitos, diarréias);
Cardiovascular (tosse, cansaço fácil, ascite, síncopes);
Hematológico (transfusões recentes, anemias).
É importante que o anestesista se informe com o proprietário sobre a ocorrência de outras doenças. Além
disso, faz-se necessário conhecer quais as medicações administradas ao animal, uma vez que vários agentes
podem interferir na ação dos anestésicos e fármacos adjuvantes.
? # 4(
No exame físico, é importante verificar o peso, a constituição física e o estado nutricional. Os animais
desnutridos podem apresentar hipoproteinemia (proteína plasmática total < 4 g/dL ou albumina < 2 g/dL),
ocorrendo, assim, incremento na fração livre de fármacos que se ligam às proteínas, como o tiopental,
aumentando o efeito farmacológico dos mesmos (depressão do SNC). Isto se agrava no paciente desnutrido, onde
há diminuição da resposta imunológica, da capacidade vital pulmonar devido à diminuição da massa muscular,
maior incidência de edema pulmonar e intersticial e maior sensibilidade aos fármacos anestésicos.
Freqüentemente, animais anêmicos, desidratados e/ou com perdas sanguíneas significativas são
apresentados para a anestesia, devendo-se realizar em todo paciente a avaliação do status volêmico através de
sinais clínicos como o elasticidade da pele, coloração mucosas aparentes, tempo de preenchimento capilar (TPC).
A fluidoterapia do paciente cirúrgico será abordada em outro capítulo. Deve–se verificar a temperatura corpórea do
animal. Pacientes que apresentam hipotermia previamente à indução anestésica certamente terão este problema
agravado pela anestesia. Animais de porte reduzido são mais susceptíveis à hipotermia que animais de grande
porte (Ex: cães da raças gigantes, equinos). Esta ocorrência é atribuída ao fato de que animais relativamente
pequenos apresentam maior relação superfíce/massa corpórea. Medidas de prevenção e tratamento da hipotermia
são discutidas em outro capítulo.
No exame do sistema cardiovascular deve-se procurar identificar por auscultação a possível presença de
sopros e arritmias. Os sopros podem ser observados com relativa freqüência na prática clínica de pequenos
animais, especialmente em cães. Em muitas situações observa-se a presença de sopros “inocentes” que não
estão associados à sinais clínicos de doença cardíaca. No entanto presença de sopro cardíaco associado a outros
sinais como edema periférico, ascite e/ou dispnéia é forte indicativo de doença cardíaca avançada. Animais com
histórico síncope (desmaio), cansaço ou fraqueza, ou animais de raças predispostas à doença cardíaca (Ex:
Doberman) devem idealmente ser submetidos à avaliação cardiológica previamente ao procedimento anestésico.
Com relação ao sistema respiratório, deve-se realizar auscultação cuidadosa dos pulmões para se avaliar a
possível presença de sibilos e crepitações (indicativos de doença pulmonar). A amplitude e a freqüência dos
movimentos respiratórios deve ser adequada, indicando que a ventilação é normal. A observação de cianose das
mucosas aparentes é indicativo de hipoxemia grave devido ao comprometimento da função pulmonar. A
realização de exame de hemogasometria arterial (Capítulo 2) é indicada em casos em situações onde há alteração
significativa da função pulmonar como hérnia diafragmática, traumatismo torácico e doença pulmonar avançada.
@
A seleção dos exames laboratorias adicionais é baseada no exame físico, classificação do risco
anestésico (Tabelas 1 e 2) e no tipo de procedimento a ser realizado.
131
Tabela 1 - Classificação do estado físico e risco anestésico segundo a American Society of Anesthesiology
III Paciente com afecção Desidratação moderada / hipovolemia; anorexia; caquexia; anemia;
sistêmica moderada fraturas complicadas.
Tabela 2 – Sugestão de exames auxiliares a serem realizados no período pré-anestésico de acordo com o risco
anestésico e a idade do paciente
Classificação ASA
I e II Ht, PPT, glicemia (recomendada em pacientes neonatos)
III Hemograma completo (mínimo Ht e PPT), uréia e creatinina
(pacientes geriátricos), glicemia (pacientes neonatos),
IV e V Hemograma completo (mínimo Ht e PPT), uréia e creatinina
(pacientes geriátricos), glicemia (pacientes neonatos e
geriátricos), hemogasometria / eletrólitos
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Jejum
A presença de conteúdo gástrico aumenta o risco de vômito e/ou regurgitação durante o ato anestésico.
Em pequenos animais, recomenda-se jejum alimentar prévio de 8 a 12 horas e hídrico de 2 horas. Em ambientes
com temperatura elevada, o jejum hídrico deve ser realizado com maior critério, principalmente em situações em
que as cirurgias são postergadas para depois da hora marcada (jejum hídrico > 2 horas). Neste caso o estresse
térmico pode aumentar as perdas insensíveis (perdas hídricas por meio da respiração/sudorese) e o paciente
pode se desidratar rapidamente devido à restrição prolongada à água.
Nos pacientes em aleitamento (lactentes), o jejum não é recomendado pelo esvaziamento gástrico ser
extremamente rápido. Aves, pequenos mamíferos e animais neonatos podem rapidamente desenvolver
hipoglicemia quando submetidos ao jejum. Em neonatos (Ex: cães e gatos com menos de 8 semanas), o jejum
não é necessário.
Medicação Pré Anestésica (MPA):
O emprego de agentes pré-anestésicos objetiva reduzir o estresse, alivar a dor, facilitando assim a
manipulação durante o preparo do animal para a cirurgiae/ou procedimento investigativo/diagnóstico. A MPA
também é utilizada para se reduzir a quantidade de fármacos utilizados na indução e manutenção da anestesia.
Eventualmente utilizam-se fármacos na MPA com o objetivo de reduzir acúmulo de secreções traqueobrêonquicas
e sialorréia.
Acesso vascular:
A caterização e manutenção de um acesso venoso periférico é essencial no paciente a ser anestesiado. As
técnicas de caterização arterial serão abordadas no capítulo sobre fluidoterapia no paciente cirúrgico.
132
MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA EM PEQUENOS ANIMAIS
Francisco José Teixeira Neto e Stelio Pacca Loureiro Luna
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
/:
Os agentes empregados na medicação pré-anestésica (MPA) são úteis na preparação do paciente para a
anestesia, promovendo sedação, analgesia e assegurando condições favoráveis para o trabalho do anestesista.
Eventualmente pode-se empregar a MPA com o objetivo de se inibir efeitos adversos associados a outros
fármacos, como a salivação excessiva, vômito, bradicardia.
O temperamento do animal, bem como o ambiente onde este é mantido ao receber um agente pré-anestésico são
de grande influência na eficácia da sedação/tranqüilização obtida. Animais de sadios e de temperamento agitado
são menos susceptíveis aos efeitos sedativos dos fármacos utilizados na MPA, podendo necessitar de doses mais
elevadas. De forma geral, após a administração da MPA, os animais devem ser alocados em local calmo e sem
estímulos externos durante o período de latência do fármaco. Na maioria dos casos, o emprego da via intravenosa
(IV) resulta em período de latência relativamente curto (5 a 15 minutos), enquanto a administração pela via
intramuscular (IM) ou subcutânea (SC), resulta em latência relativamente maior (30 minutos). Em pequenos
animais, geralmente recorre-se à vias IM ou SC, as quais devido à absorção mais lenta para a circulação
sistêmica, possibilitam maior tempo de adaptação do animal aos efeitos do fármaco, minimizando alterações
bruscas nos parâmetros fisiológicos (Ex: pressão arterial e freqüência cardíaca).
4 1
De forma geral, a MPA é utilizada para preparar o paciente para a indução da anestesia. Alguns fármacos
adotados na MPA também são utilizados nas fases de manutenção e recuperação da anestesia. Os
anticolinérgicos podem ser utilizados em cirurgias oftálmicas, quando manipulam-se estruturas próximas ao nervo
vago, prevenindo-se assim bradicardia. Os opióides são freqüentemente utilizados como componentes de técnicas
anestésicas balanceadas devido a sua ação analgésica.
Alguns cuidados devem ser tomados com relação à administração de determinados fármacos. Em algumas
situações, principalmente em pacientes debilitados e de alto risco, pode-se dispensar a MPA com fármacos que
causam alterações cardiovasculares significativas como os fenotiazínicos e alfa-2 agonistas. Vários aspectos
devem ser levados em consideração na escolha do agente pré-anestésico, sua via de administração e dose,
incluindo-se a espécie, idade, estado sistêmico, temperamento (estóico, agitado, ou agressivo), tipo e duração do
procedimento/cirurgia, e experiência do profissional.
A MPA é utilizada com as seguintes finalidades:
1) Sedar o animal, facilitando o manuseio pré-operatório para colocação de cateteres, tricotomia, antissepsia,
fixação de equipamentos de monitoração, remoção de bandagens/ataduras, além de outras atividades que
necessitam ser realizadas antes da indução anestésica.
2) Reduzir o estresse, irritabilidade e agressividade dos animais, permitindo a manipulação de animais em casos
de procedimentos ambulatoriais incruentos.
3) Reduzir dos efeitos indesejáveis de outros fármacos utilizados durante a anestesia. Por exemplo, o uso de
anticolinérgicos ou fenotiazínicos pode reduzir a salivação e secreção de vias aéreas, produzida pela cetamina. Os
fenotiazínicos reduzem possibilidade de excitação na indução anestésica com barbitúricos. Os fenotiazínicos
também produzem efeito antiarritmogênico (protegem o miocárdio contra arritmias ventriculares) quando do
emprego de anestésicos que sensibilizam o miocárdio às catecolaminas, como o halotano. Os benzodiazepínicos
e agonistas alfa-2 adrenérgicos são fármacos miorrelaxantes de ação central empregados para se antagonizar a
hipertonia muscular e o estado de catalepsia (rigidez muscular associada a tremores) induzidos pelos anestésicos
dissociativos (Ex: cetamina).
4) Aliviar a dor. Os opióides são empregados na MPA no para se tratar e/ou prevenir a dor (analgesia
preemptiva). Estes mesmos fármacos também são indicados no período trans e pós-operatório, com a mesma
finalidade.
5) Prevenir ou reduzir a incidência de vômito. O anticolinérgicos e fenotiazínicos possuem ação antimética,
reduzindo assim a incidência deste efeito colateral induzido por alguns fármacos (Ex: morfina).
6) Potencializar os agentes anestésicos injetáveis e voláteis. De forma geral os fármacos utilizados na MPA
potencializam os anestésicos gerais injetáveis e voláteis, promovendo redução da dose dos agentes injetáveis e
redução da concentração alveolar mínima (CAM) dos agentes inalatórios.
133
6
O volume do fármaco a ser administrado é calculado de acordo com a fórmula e seguir:
Dose (
Volume (mL) = g/kg) xdoPeso (kg) (mg/mL)
Concentração Fármaco
Para determinados fármacos a concentração é apresentada em porcentagem (%), devendo ser convertida para
mg/mL.
Exemplo: Um cão de 10 kg vai ser submetido à indução anestésica com tiopental a 2,5% (dose: 10 mg/kg)
Passo 1: Converter % para mg/mL (isto pode Passo 2: Cálculo do Volume a ser
ser feito apenas multiplicando-se a % por 10): administrado:
1 4 .
Diversos fármacos são empregados na MPA. A escolha do agente dependerá de diferentes fatores, como espécie,
temperamento do animal, tipo de procedimento, doenças intercorrentes (cardiopatias, por exemplo), estado geral
do paciente e grau de sedação e/ou analgesia requerido.
Há na literatura diversas classificações dos fármacos utilizados na MPA. Uma das mais empregadas é a seguinte:
Anticolinérgicos: atropina, hioscina, glicopirrolato.
Fenotiazínicos: acepromazina, clorpromazina, levomepromazina.
Butirofenonas: droperidol, azaperone.
Agonistas alfa-2 adrenérgicos: xilazina, detomidina, romifidina, dexmedetomidina e medetomidina.
Opióides: morfina, meperidina, fentanil, butorfanol, buprenorfina e tramadol.
Benzodiazepínicos: midazolam e diazepam.
7
Os fármacos deste grupo são antagonistas competitivos de receptores colinérgicos muscarínicos (Brown & Taylor,
2001). Como os receptores colinérgicos muscarínicos estão presentes nas terminações nervosas do sistema
nervoso parassimpático (SNPS), os anticolinérgicos são também são denominados agentes parassimpatolíticos
ou vagolíticos devido ao fato de bloquearem os efeitos do nervo vago (principal nervo do SNPS).
Sistema cardiovascular: Devido ao bloqueio de receptores muscarínicos localizados no nodos sinoatrial (SA) a
atriventricular (AV), os anticolinérgicos produzem aumento da freqüência cardíaca (cronotropismo positivo) e
aceleração da condução atrioventricular (dromotropismo positivo) (Brown & Taylor, 2001). Devido à este efeito,
os fármacos deste grupo podem ser utilizados com o objetivo de prevenir ou tratar casos de bradicardia (redução
da freqüência cardíaca) e bloqueio da condução atrioventricular causados por aumento do tônus vagal (Figura 1).
Sistema respiratório: Os anticolinérgicos causam diminuição das secreções em geral (Ex: saliva, secreções
traqueobrônquicas). O antagonismo de receptores muscarínicos nas vias áereas resulta em relaxamento da
musculatura lisa dos brônquios e bronquíolos (broncodilatação) com conseqüente aumento do espaço morto
anatômico (ver glossário). Devido a este último efeito, há a possibilidade dos anticolinérgicos agravarem a
hipoxemia pós-operatória e o desequilíbrio na relação ventilação-perfusão pulmonar. No entanto, caso
empregados em situações de broncoespasmo (Ex: doença pulmonar obstrutiva crônica, asma), há melhora da
função pulmonar (Brown & Taylor, 2001).
Sistema digestório: Devido à sua ação parassimpatolítica (bloqueio de receptores colinérgicos muscarínicos), os
anticolinérgicos causam diminuição das secreções e motilidade gastrointestinal. Estes efeito pode não ser
desejável em animais predispostos à complicações intestinais como os eqüinos, onde o emprego de determinados
anticolinérgicos (atropina e glicopirrolato) pode causar hipomotilidade prolongada e cólica (Ducharme & Fubini,
1983).
Olho: Os anticolinérgicos causam dilatação da pupila devido ao bloqueio de receptores muscarínicos da
musculatura lisa provocando relaxamento do esfincter da íris. Entretanto em aves, não causam dilatação da
pupila, pois nestes animais a musculatura da íris é estriada. Os anticolinégicos diminuem a produção de lágrimas.
134
Sistema nervoso central: Doses elevadas podem causar fenômenos centrais, levando a um estado de torpor e
confusão mental devido ao bloqueio de receptores muscarínicos no SNC. Os efeitos centrais podem ocorrer
com os anticolinérgicos derivados da amina-terciária (atropina, hioscina). Por outro lado, os derivados da
amina quaternária (Ex: glicopiprrolato) são isentos de efeitos no SNC devido ao fato de não atravessarem a
barreira hemoatencefálica (Brown & Taylor, 2001).
Nodo SA
Figura 1: Representação dos tecidos
especializados de condução elétrica no coração. AE Nodo AV
Os anticolinérgicos inibem o efeito do nervo AD
vago sobre as células dos nodos sinoatrial (SA) e
atrioventricular, resultando em aumento da
freqüência cadíaca e da velocidade de condução VD VE
do impulso elétrico dos átrios para os
ventrículos.
Atropina
A atropina é um alcalóide natural extraído da planta Atropa belladona. Quando administrada em doses baixas por
via IV (< 0,02 mg/kg), pode causar bradicardia e bloqueio atrioventricular transitório, ocorrendo na seqüência o
efeito parassimpatolítico (taquicardia e aceleração da condução AV) (Kantelip et al, 1985). O efeito cronotrópico e
dromotrópico positivo (aumento da freqüência cardíaca e aceleração da condução AV) ocorre devido ao bloqueio
competitivo dos receptores muscarínicos nos nódos SA e AV . Por ser um derivado do amônio terciário, ultrapassa
a barreira hematoencefálica e pode causar fenômenos centrais (excitação, estado de torpor) em doses elevadas
(Brown & Taylor, 2001). O bloqueio de receptores muscarínicos também leva à redução da motilidade intestinal
que, embora sem conseqüências na maioria das espécies, pode causar cólica em eqüinos e timpanismo intestinal
em ruminantes, sendo contraindicada nestas espécies.
Uso em pequenos animais (0,02 a 0,04 mg/kg – IV, IM, SC): No passado, a atropina e outros anticolinérgicos
eram utilizados com freqüência na MPA de pequenos animais para se prevenir a sialorréia excessiva induzida por
agentes anestésicos como o éter dietílico. No entanto sua utilização rotineira na MPA pode induzir efeitos
indesejáveis. Em cães, a associação de anticolinérgicos com barbitúricos para a indução da anestesia não é
recomendada por resultar em maior incidência de arritmias ventriculares (Muir, 1977). Quando a atropina é
associada com anestésicos dissociativos (Ex: cetamina, tiletamina), pode-se observar taquicardia excessiva, uma
vez que ambos os fármacos possuem ação cronotrópica positiva. Devido ao seu efeito parassimpatolítico, a
atropina pode ser utilizada em associação com alfa-2 agonistas (Ex: xilazina) e opióides (Ex: morfina), com o
objetivo de prevenir a bradicardia induzida por estes fármacos. A atropina é utilizada no tratamento da
bradicardia de origem vagal no período trans-operatório, devendo ser administrada pela via pela via intravenosa
nesta situação. A atropina também é empregada para se prevenir efeitos muscarínicos (bradicardia, sialorréia)
dos anticolinesterásicos (Ex: neostigmina) quandos estes são utilizados para reverter os bloqueadores
neuromusculares competitivos. Os gatos, ratos e coelhos destroem a atropina facilmente, pois apresentam a
enzima atropina esterase no fígado.
Glicopirrolato
Por ser um derivado do amônio quaternário o glicopirrolato não difunde através das barreiras hematoencefálica
e placentária, não produzindo efeitos centrais e no feto (vantagem com relação a atropina).
Uso em pequenos animais (5 a 10 µg/kg – IV, IM, SC): Quando comparado à atropina, o glicopirrolato apresenta
maior duração de ação e menor tendência a causar taquicardia excessiva (Dyson & James-Davies, 1999). A
inibição vagal dura de 2 a 3 horas e o efeito antisialagogo persiste por aproximadamente 7 horas (Thurmon et al,
1996). Pode ser empregado em associação com os alfa-2 agonistas ou opióides para se prevenir/tratar a
bradicardia de origem vagal.
4 A
Os fenotiazínicos são fármacos tranqüilizantes rotineiramente empregados na medicina veterinária. Estes
fármacos são utilizados como medicação pré-anestésica, para permitir a realização de exame físico, no transporte
de animais e como antieméticos (Thurmon et al., 1996). A acepromazina é o derivado fenotiazínico mais
comumente utilizado como medicação pré-anestésica em medicina veterinária. Outros fenotiazínicos como a
clorpromazina e levomepromazina são também utilizados na anestesiologia veterinária.
No SNC os fenotiazínicos antagonizam com as neurotransmissões dopaminérgicas (antagonismo dopaminérgico),
bloqueando o receptores pré e pós-sinápticos ao efeitos da dopamina. Esta ação resulta em estado de indiferença
aos estímulos exteriores (tranqüilização), sem efeito hipnótico e sem perda de consciência, uma vez que os
animais mantêm sua capacidade de despertar, sobretudo após estímulo doloroso (Paddleford, 1999; Spinosa &
135
Górniak, 1999; Baldessarini & Tarazi, 2001). Apesar de não possuirem efeito analgésico quando administrados
isoladamente, os fenotiazínicos como a acepromazina potencializam os efeitos analgésicos de outros fármacos
(opióides) (Barnhart et al, 2000). Apesar de controverso, o uso de fenotiazínicos em pacientes com histórico de
convulsões ou epilepsia é questionável, uma vez que o limiar convulsivo pode ser reduzido pelo uso destes
fármacos, que podem induzir padrões de descargas no eletroencefalograma associados a desordens convulsivas
epileptiformes (Baldessarini & Tarazi, 2001). Além da sedação, os fármacos desta categoria potencializam os
agentes anestésicos intravenosos e inalatórios (Heard et al., 1986; Thurmon et al, 1996). Os fentotiazínicos
possuem ainda efeito antihistamínico, antiserotoninérgico, anti-espasmódico e anticolinérgico (reduzem as
secreções).
Sistema cardiovascular: Os fenotiazínicos possuem ação bloqueadora de receptores alfa-adrenérgicos, levando
vasodilatação periférica (diminuição da resitência vascular periférica), com perda da regulação vasomotora e
conseqüente hipotensão (Popovic, 1972; Ludders et al, 1983; Farver et al, 1986). Além deste efeito, observa-se
redução do hematócrito e da concentração de hemoglobina provavelmente causada pela dilatação esplênica.
Devido à esta ação, os fenotiazínicos devem evitados em casos de choque/hipovolemia. Se possível devem ser
aplicados por via IM ou SC, evitando-se alterações bruscas da pressão arterial. Apesar de ocasionar redução da
pressão arterial, o bloqueio de receptores alfa-adrenérgicos pelos fenotiazínicos protege o miocárdio contra
arritmias ventriculares (efeito antiarritmogênico) (Dyson & Pettifer, 1997).
Sistema respiratório: Os fenotiazínicos diminuem as secreções das vias aéreas. A freqüência respiratória pode
se reduzir devido pelo efeito sedativo, porém não ocorrem alterações hemogasométricas.
Sistema digestório: Os fenotiazínicos produzem efeito anti-emético e reduzem a secreção de salivar. Não
interrem, no entanto com a motlidade do trato digestório.
Temperatura: Os fenotiazínicos são reconhecidos por causarem hipotermia, que pode ser severa quando estes
fármacos são empregados como MPA, em animais de pequeno porte. A queda da temperatura corpórea ocorre
devido à vasodilatação periférica, redução na atividade musculoesquelética e depressão do centro
termorregulador no hipotálamo.
136
Acepromazina
Uso em pequenos animais (0,03 a 0,1 mg/kg - IV, IM, SC ou 1 mg/kg - VO): A acepromazina é um
tranqüilizante amplamente empregado em pequenos animais. Quando comparada à outros fenotiazínicos
(clorpromazina e levomepromazina), observa-se que a acepromazina apresenta maior potência e efeito mais
prolongado, com efeitos residuais que podem persistir por até 10 horas. Devido ao seu efeito prolongado pode ser
empregada por vial oral na tranqüilização de cães para o transporte. Quando empregada na MPA, é quase
que invariavelmente associada à agentes opióides para produção de neuroleptoanalgesia (ver glossário). Doses
reduzidas (até 0,05 mg/kg - IV, IM, SC) devem ser empregadas em animais debilitados, idosos ou de
temperamento dócil. Quando empregada por via parenteral (IV, IM, SC) recomenda-se não ultrapassar a dose
total máxima de 3 mg devido à maior sensibilidade observada em animais de grande massa corpóriea (Ex: Dog
Alemão). A acepromazina, apesar de não possuir efeito analgésico, potencializa a analgesia induzida por
opióides no cão (Barnhart et al, 2000) e resulta em efeito antiemético, reduzindo a incidência de vômito
induzida pelos opióides no cão (Valverde et al, 2003). No entanto, esta deve ser administrada cerca de 15 minutos
antes do opióide para que o haja efeito significativo na incidência de emese (Valverde et al 2003).Como os demais
fenotiazínicos, os principais efeitos indesejáveis da acepromazina são o bloqueio alfa adrenérgico com
consequente redução da pressão arterial e a hipotermia e seu emprego é contraindicado em animais de
o
chocados/hipovolêmicos ou excessivamente hipotérmicos (Temperatura < 35 C).
Clorpromazina
Uso em pequenos animais (0,2 a 0,5 mg/kg - IV, IM, SC): A clorpromazina, além das propriedades já
mencionadas, possui exerce efeito antiemético mais potente que as demais fenotiazinas. Recomenda-se não
ultrapassar a dose total de 25 mg, uma vez que caninos de grande massa corpórea geralmente são mais
sensíveis à ação das fenotiazinas.
Levomepromazina (metotrimeprazina)
Uso em pequenos animais (0,2 a 0,5 mg/kg - IV, IM, SC): A levomepromazina é uma fenotiazina que tem sido
empregada como agente tranqüilizante em pequenos animais. Semelhantemente à clorpromazina, recomenda-se
não ultrapassar a dose total de 25 mg. A levomepromazina potencializa os efeitos analgésicos como a morfina
(Petts & Pleuvry, 1983). Apesar de haverem citações a respeito de que a levomepromazina possui ação
analgésica (Hall et al, 2001), este efeito é questionável. No rato, a levomepromazina resultou em efeito analgésico
somente em doses elevadas (Petts & Pleuvry, 1983)
4
As butirofenonas apresentam mecanismo de ação similar aos fenotiazínicos, agindo sobre a formação reticular
mesencefálica, diminuindo a atividade motora e induzindo tranquilização. Apresentam efeito antiemético e
bloqueiam receptores alfa-adrenérgicos, levando à vasodilatação periférica e redução da pressão arterial.
Também interferem com o centro termoregulardor no SNC levando à queda da temperatura corpórea. O
droperidol e o azaperone são fármacos representativos desta classe, sendo empregados eventualmente em
medicina veterinária.
Droperidol
É um agente pré anestésico raramente empregado em medicina veterinária. A ação antiemética do droperidol é
maior que a clorpromazina, sendo utilizado em associação com o opióide fentanil. Em suínos produz sedação
satisfatória quando combinado aos benzodiazepínicos (Marques et al 1995a; Marques et al 1995b).
A A 1
Os benzodiazepínicos utilizados na MPA em função dos seus efeitos sedativos, hipnóticos, anticonvulsivantes,
e miorrelaxantes. São capazes de antagonizar estados de hiperexcitabilidade por atuarem deprimindo o
sistema límbico no SNC (região responsável por emoções, fenômenos excitatórios). Os benzodiazepínicos atuam
aumentando o tônus GABAérgico central. O aumento da liberação do GABA (ácido gama-aminobutírico) resulta
em inibição das neurotransmissões devido à hiperpolarização dos neurônios no SNC.
Sistema cardiovascular: O benzodiazepínicos produzem efeitos cardiovasculares de pouca importância, sendo
empregados com segurança na MPA de pacientes de alto risco com instabilidade circulatória (chocados,
hipotensos, cardiopatas).
Sistema respiratório: De forma geral os benzodiazepínicos não interferem com a função respiratória de forma
significativa. No homem, no entanto, os benzodiazepínicos podem produzir apnéia de curta duração logo após a
administração, ocorrendo diminuição da resposta ventilatória à hipercapnia. Podem potencilizar a depressão
respiratória dos barbitúricos.
Particularidades: Após a administração há pequena queda da pressão arterial média, com discreto aumento da
frequência cardíaca e diminuição da resistência vascular periférica, alterações estas de mínima importância
clínica. O índice cardíaco cai ligeiramente, não sendo observadas arritmias cardíacas.
Diazepam
O diazepam é uma benzodiazepina não hidrosolúvel. A forma injetável é apresentada sob a forma de veículo
oleoso, contendo o solubilizante propileno glicol. Devido à sua pequena hidrosolubilidade e veículo oleoso, o
137
diazepam apresenta absorção relativamente lenta para a circulação sistêmica caso a via intramuscular seja
empregada, resultando em latência prolongada.
Uso em pequenos animais (0,2 a 0,5 mg/kg - IV): O diazepam não é indicado como agente pré-anestésico
isolado na MPA de pacientes hígidos, uma vez que nesta situação freqüentemente se observa excitação
paradoxal. No entanto, pode ser empregado na MPA de animais debilitados/deprimidos, uma vez que neste caso
a sedação produzida é satisfatória. Devido à sua pequena interferência com a função circulatória, pode ser
utilizado de forma segura em pacientes apresentando instabilidade circulatória, chocados, hipotensos. O diazepam
também é freqüentemente para antagonizar a hipertonia muscular e hiperexcitabilidade induzidos pela cetamina.
Midazolam
Diferentemente do diazepam, o midazolam é uma benzodiazepina hidrossolúvel, característica que favorece a sua
rápida absorção para a circul;açào sistêmica quando administrada pela via intramuscular. Apresenta duração de
ação e e meia vida plasmáticas são mais curtas que o diazepam.
Uso em pequenos animais (0,2 a 0,5 mg/kg): O midazolam pode ser empregado como alternativa ao diazepam
em pequenos animais, apresentando as mesmas indicações e contra indicações. Havendo necessidade de se
empregar a via intramuscular, o midazolam é uma alternativa melhor que o diazepam devido à sua
hidrossolubilidade.
Flumazenil (antagonista benzodiazepínico)
O flumazenil é um antagonista benzodiazepínico, sendo capaz de reverter portanto a sedação, hipnose e
miorelaxamento induzido pelo diazepam e midazolam na dose de benzodiaepínicos 0,05 mg/kg, IV.. É raramente
empregado em medicina veterinária, sendo que seu uso é mais difundido no homem, onde este fáramcos é
empregado para sereverter casos de intoxição acidental ou volutária induzida pelos benzodiaepínicos.
4 B 7
Os agonistas de receptores alfa-2 adrenérgicos são fármacos de grande utilidade na MPA devido aos seus efeitos
sedativos, analgésicos e miorrexalantes. Seus efeitos sistêmicos são atribuídos à estimulação de receptores alfa-2
adrenérgicos no sistema nervoso central e periférico.
Os fármacos desta categoria reduzem a atividade de modulação da dor produzida por neurônios noradrenérgicos
no SNC, atuando no locus ceruleus. A ação analgésica dos agonistas alfa-2 é atribuída principalmente à
estimulação de receptores alfa-2 pré-sinápticos no corno dorsal da medula levando a inibição da liberação da
substância P e de outros neuropeptídeos que modulam e transmissão de impulsos nociceptivos na medula
espinhal. A estimulação de receptores alfa-2 pós-sinápticos também contribui para a ação analgésica por induzir à
hiperpolarização de neurônios responsáveis pela modulação do estímulo nociceptivo. Devido à seus efeitos
analgésicos e sedativos intensos, os agonistas alfa-2 são os fármacos empregados na MPA que reduzem de
forma mais significativa os requerimentos de anestésicos injetáveis e inalatórios necessários à indução e
manutenção da anestesia.
Sistema cardiovascular: Devido à estimulação de receptores alfa-2 pós-sinápticos localizados na musculatura
lisa de vasos periféricos, os agonistas alfa-2 causam vasoconstrição transitória com conseqüente hipertensão
arterial (Klide et al, 1975;Alibhai et al, 1996, Sinclair et al, 2001). A elevação da pressão arterial é associada ao
aumento da atividade dos baroceptores (pressoceptores) carotídeos a aórticos, resultando em aumento do tônus
o
vagal e bradicardia reflexa. No eletrocardiograma, observam-se bradicardia e bloqueio atrioventricuclar (AV) de 2
grau (Figura 2). A queda da freqüência cardíaca, por sua vez, resulta em queda do débito cardíaco (Klide et al,
1975;Alibhai et al, 1996, Sinclair et al, 2001). Este período inicial é atribuído aos efeitos pós-sinápticos dos alfa-2
agonistas (vasconstrição periférica), perdurando por alguns minutos. Após esta fase, prevalecem os efeitos pré-
sinápticos destes fármacos (diminuição do tônus simpático), que levam à diminuição da resitência vascular
sistêmica (tônus vascular) e da pressão arterial. A bradicardia também persiste devido à diminuição do tônus
simpático e conseqüente prevalência do tônus vagal (parassimpático). O uso de anticolinérgicos como a atropina e
o glicopirrolato para se prevenir a bradicardia causada pela administração de alfa-2 agonistas é controverso. Os
o
anticolinérgicos, apesar de antagonizarem a bradicardia e o bloqueio AV de 2 grau de forma eficaz, podem
agravar a fase inicial de hipertensão arterial, aumentando ainda mais o trabalho cardíaco (pós-carga) (Alibhai et al,
1996). Além deste fato, apesar da queda no débito cardíaco ser parcialmente antagonizada pelo anticolinérgico,
os índices de função sistólica são ainda mais reduzidos (Sinclair et al, 2001; Sinclair et al, 2003).
139
4 B 7
Os antagonistas alfa-2 adrenérgicos são fármacos empregados para reverter a sedação, além de outros efeitos
indesejáveis (Ex: depressão cardiovascular) induzidos pelos alfa-2 agonistas. Seu uso, no entanto, é mais
freqüente na anestesia de espécies selvagens do que em espécies domésticas.
Ioimbina
A Ioimbina possui atividade antagonista seletiva para receptores alfa-2 adrenérgicos centrais e periféricos
podendo antagonizar a sedação, analgesia, emese, depressão cardiorrespiratória e do trânsito gastrointestinal
causada pelos alfa-2 agonistas (McNeel & Hsu, 1984; Hikasa et al, 1989; Gross et al, 1992; Ambrisko & Hikasa,
2003). Mesmo quando não disponível comercialmente, pode ser preparada em farmácias de manipulação, diluída
em água na concentração de 0,1% para pequenos animais e 1% para grandes animais.
Uso em pequenos animais (0,1 a 0,2 mg/kg em cães; até 1 mg/kg em felinos - IV, IM): A iohimbina pode ser
empregada para se antagonizar os efeitos sedativos e cardiorrespiratórios (Ex: bradicardia) da xilazina e outros
agonistas alfa-2 em pequenos animais (Gross et al, 1992; Ambrisko & Hikasa, 2003, ). Também apresenta eficácia
na reversão dos efeitos do amitraz (agente empregado topicamente como carrapaticida e no tratamento da sarna)
como bradicardia, sedação e redução do tempo de trânsito gastrointestinal em cães, uma vez que que tais efeitos
do amitraz são mediados por receptores alfa-2 adrenérgicos (Andrade & Sakate, 2003; Hsu & McNeel, 1985).
Atipamezole
O atipamezole é um antagonista que apresenta maior seletividade pelos receptores alfa-2 que a Iohimbina.
Uso em pequenos animais: Recomenda-se que o atipamezole seja administrado em doses 4 vezes maiores que
a dose empregada do agonista alfa-2 medetomidina (Vainio & Vaha-Vahe, 1990). Doses de 0,2 mg/kg podem
reverter completamente os efeitos sedativos e parcialmente os efeitos cardiovasculares da xilazina (Jarvis &
England, 1991)
1.
O termo opióide é empregado para demoninar os compostos derivados naturais ou sintéticos ópio, um alcalóide
extraído da planta Papaver somniferum (papoula). As propriedades analgésicas do ópio são conhecidas os
primórdios da civilização, havendo decrições do seu uso do ópio pelos Sumérios (cerca de 4000 AC),
permanecendo até os dias atuais como agentes analgésicos de primeira linha no tratamento/prevenção de
diversos estados de dor.
Os opióides produzem seus efeitos através da ligação a receptores específicos denominados receptores
opióides. Até o presente momento há quatro receptores opióides caracterizados farmacologicamente,
demominados pelas letras gregas µ (mi), κ (kappa), σ (sigma) e δ (delta). A estimulação destes receptores pelos
agonistas opióides produz efeitos específicos no organismo (Tabela 2).
Tabela 2: Efeitos mediados pelos diversos tipos de receptores opióides
A ação analgésica dos opióides é atribuída principalmente à estimulação de receptores µ (mi) e κ (kappa). Os
agonistas opióides induzem analgesia através da inibição da transmissão do impulso nociceptivo no corno dorsal
da medula espinhal e dos impulsos nervosos somatosensórios aferentes supraespinhais. O efeito analgésico
também ocorre devido a ativação das vias inibitórias descendentes.
Para melhor comparação dos efeitos analgésicos dos diversos opióides, os termos eficácia e potência devem ser
definidos. Potência se refere a dose necessária para se atingir determinada resposta (analgesia). Por outro lado, o
termo eficácia é utilizado para definir a intensidade da resposta obtida por um fármaco (Figura 3).
Com base na sua atuação sobre os receptores µ (mi) e κ (kappa), os opióides são classificados em agonistas
otais, agonistas/antagonistas e agonistas parciais (Figura 3). Os opióides agonistas totais (Ex: morfina, fentanil)
atuam estimulando os receptores µ (mi) e κ (kappa). Como a analgesia é mediada através destes receptores , os
agonistas totais apresentam maior eficácia analgésica. A analgesia induzida pelos opióides agonistas totais é
incrementada à medida que se aumenta a dose administrada, caracterizando a ausência de efeito teto. Os
opióides agonistas/antagonistas, (Ex: butorfanol, pentazocina), atuam como antagonistas de receptores µ (mi) e
agonistas de receptores κ (kappa) apresentando conseqüentmente menor eficácia analgésica que os agonistas
totais. Os agonistas/antagonistas apresentam efeito teto característico onde, a partir de determinada dose, não se
obtém aumento no efito analgésico. Uma outra categoria de opióides são os agonistas parciais, representados
140
pela buprenorfina. Este opióide, apesar de atuar como agonista, não é capaz de ativar completamente o receptor
(ativação parcial), sendo demominado portanto agonista parcial de receptores µ (mi). Da mesma forma que os
agonistas/antagonistas, a eficácia analgésica dos agonistas parciais é menor que a dos agonistas totais.
Existem ainda os antagonistas opióides, que revertem todos os efeitos dos agonistas (Ex: naloxone).
100
Figura 3: Representação esquemática da curva A B
de dose/resposta de diversos opióides. A dosedo Agonista total
opióide é repesentada em escala (Ex: morfina)
Analgesia (%)
logarítmica(Log), enquanto a resposta obtida é a
intensidade da analgesia (%). O opióide C
Agonista/Antagonista
representado na curva C apresenta maior
(Ex: butorfanol)
potência porém eficácia analgésica é menor Agonista total
que os opióides representados nas curvas A e B. (Ex: meperidina)
Os opióides representados nas curvas A e B
apresentam a mesma eficácia analgésica,
porém o opióide A apresenta maior potência
que B. 0
Dose (Log)
Além da ação analgésica, efeitos colaterais como excitação, disforia, depressão respiratória, constipação,
retenção urinária podem observados com o uso de determinados opióides. A susceptibilidade à excitação/disforia
varia entre as espécies.
Sistema cardiovascular: Os opióides resultam em estabilidade cardiovascular apesar de poderem induzir
bradicardia mediada por aumento do tônus vagal (Copland et al, 1992; Ilkiw et a, 1994). Pode ocorrer redução da
pressão arterial devido à liberação de histamina induzida pela administração intravenosa rápida de determinados
opióides (morfina e meperidina). Diferentemente das outras espécies domésticas, os eqüinos podem apresentar
elevação da freqüência cardíaca e pressão arterial, provavelmente devido à estimulação simpática decorrente
da ação estimuladora dos opióides no SNC (disforia/excitação) (Muir et al, 1978; Kalpravidh et al, 1984).
Sistema respiratório: Em cães pode haver taquipnéia após a administração isolada de opióides agonistas totais
como a morfina na MPA. Este efeito é aparentemente devido à ação do opióide no SNC causando um “ reajuste”
do centro termoregulador hipotalâmico, que passaria a reconhecer a temperatura corpórea falsamente elevada,
levando à hiperventilação (Papich, 2000). Por outro lado, os opióides podem causar depressão respiratória,
resultando em hipercapnia (aumento da PaCO2). Este efeito colateral, no entanto, é mais provável de ocorrer
quando os opióides são administrados concomitantemetne com anestésicos injetáveis ou inalatórios, não
sendo severo o suficiente para contra indicar seu emprego.
Sistema digestório: Deterrminados opióides agonistas totais (Ex: morfina, hidromorfona) podem induzir vômito
quando administrados na MPA em pequenos animais. Os opióides agonistas totais podem induzir contração da
musculatura circular do trato digestório, resultando em defecação inicial. No entanto, a motilidade propulsiva
não é estimulada, uma vez que não há contração ordenada da musculatura circular e longitudinal (onda
peristáltica). A administração de opióides agonistas totais por períodos prolongados pode levar à constipação
(hipomotilidade intestinal).
Sistema urinário: Opióides como a morfina podem induzir contração da musculatura lisa do esfincter da uretra,
levando eventualmente à retenção urinária (efeito observado em pequenos animais somente).
Particularidades nas espécies: Em pequenos animais, os opióides são fármacos amplamente empregados
devido à analgesia consistente e segurança. Cães geralmente apresentam sedação discreta a moderada com o
emprego de opíódes na MPA. Os felinos e eqüinos, por outro lado são mais susceptíves à excitação/disforia
principalmente com o emprego de doses elevadas de opióides agonistas totais. No entanto, tais efeitos colaterais
são mais prováveis de ocorrer quando estes fármacos são administrados em animais não apresentando dor e
podem ser evitados com o emprego de doses reduzidas e/ou uso concomitante de agentes sedativos (Ex:
acepromazina, xilazina) nestas espécies.
142
emprego de ventilação mecânica. A bradicardia é freqüentemente observada devido a ação vagomimética do
opióide (freqüência cardíaca < 60-70 bat/min em cães). Havendo queda signficativa da freqüência cardíaca, esta
pode ser revertida com o uso de um anticolinérgico (atropina 0,02 a 0,04 mg/kg, IV) (Ilkiw et al, 1994).
O fentanil também é empregado no tratamento de estados de dor moderada a severa no pós-operatório (3 a 6
µg/kg/hora, IV) (Pascoe, 2000). No caso do seu uso nestas situações, no entanto, há a necessida de monitoração
intensiva (24 horas) da administração do opióide e de eventuais complicações.
Recentemente, com o desenvolvimento de adesivos impregnados com fentanil (“patches” de fentanil - Duragesic),
tem se empregado a via transcutânea para a admistração deste opióide em pequenos animais. Maiores detalhes
sobre o uso dos patches de fentanil serão discutidos em outro capítulo.
Alfentanil
O alfentanil é um opióide de curta duração, apresentando cerca de 1/5 da potência do fentanil. Comparativamente
ao fentanil, o perfil farmacocinético do alfentanil é mais apropriado para a manutenção de infusões prolongadas (>
3 horas de duração), uma vez que a eliminação deste opióide pelo organismo é menos afetada pelo tempo de
infusão (Coda, 1997).
Uso em pequenos animais: Embora de uso menos frequente, o alfentanil é um opióide que apresenta potencial
de ser empregado tanto na MPA como durante manutenção da anestesia em associação com anestésicos
intravenosos e/ou inalatórios. O alfentanil apresenta muitas similaridades com o fentanil. Na dose de 8µg/kg/min, o
alfentanil reduz a CAM dos anestésicos inalatórios em cerca de 70% (Hall et al, 1987).
Sufentanil e Remifentanil
Tanto o sufentanil como o remifentanil, foram desenvolvidos recentemente para uso em técnicas de anestesia
balanceada no homem. O sufentanil é um opióide agonista total de curta duração cerca de 5 a 10 vezes mais
potente que o fentanil (1000 vezes mais potente que a morfina). O perfil farmacocinético do sufentanil apropriado
para a manutenção de infusões prolongadas (> 3 horas de duração), uma vez que a eliminação deste opióide
pelo organismo é menos afetada pelo tempo de infusão (Coda 1997). Portanto, a recuperação da anestesia
mantida com sufentanil por períodos prolongados é relativamente rápida se comparada à situações similares onde
o fentanil é empregado.
O remifentanil é um opióide de ultra curta duração recentemente introduzido para uso clínico no homem.
Diferentemente dos opióides já mencionados, o remifentanil não depende de metabolismo hepático ou
excreção renal para sua elimina;cão do organismo, sendo degradado espontâneamente por esterases
plasmáticas. Seu perfil farmacocinético portanto é ideal para administração por infusão contínua por períodos
prolongados. No entanto, ao término da infusão de remifentanil ao final da anestesia, deve-se administrar
fármacos analgéscios para garantir a analgesia durante a fase de recuperação anestésica.
Carfentanil
O carfentanil é um opióide agonista total com potência cerca 10.000 vezes maior que a morfina, sendo utilizado
para captura e contenção de animais silvestres. Por ser extremamente potente, deve sempre ser manuseado
com na presença de segundo profissional preparado a agir em caso de acidente, e um antagonista opióide deve
estar disponível em caso de imergências (intoxicação acidental). O uso do carfentanil será discutido em outro
capítulo.
Etorfina
A etorfina também é utilizado para captura e contenção de animais silvestres, a etorfina é cerca 800 a 1.000
vezes mais potente que a morfina. Causa taquicardia, hipertensão, depressão respiratória, atonia ruminal e
redução da temperatura. Seu antagonista é a diprenorfina na relação de 1:1 ou 1:2.
OPIÓIDES ANTAGONISTAS:
Naloxona
A naloxona é um antagonista competitivo de todos os receptores opióides. Portanto é capaz de reverter tanto os
efeitos desejáveis (analgesia, sedação) como os efeitos indesejáveis (sedação excessiva,
hiperexcitabilidade/disforia, depressão respiratória) dos opióides agonistas totais.
Uso em pequenos animais (1 a 4 µg/kg IV, IM, SC): A naloxona pode ser empregada para reverter a sedação
excessiva e depressão respiratória que podem se manifestar durante a fase de recuperação da anestesia geral em
cães que receberam altas doses de opóides agonistas totais nos períodos pré e trans-operatório. Nesta situação,
a dose total é aspirada em uma seringa (4 µg/kg) e administrada de forma fracionada (1 µg/kg), a intervalos de 2 a
3 minutos até a obtenção do efito desejado (Ex: reversão da depressão respiratória induzida por opióide agonista
total). Esta técnica permite a reversão dos efeitos indesejáveis, sem no entanto reverter a analgesia.
4 C 4
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146
ANESTESIA DISSOCIATIVA EM PEQUENOS ANIMAIS
Francisco José Teixeira Neto
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
5
Os anestésicos dissociativos são amplamente empregados como agentes de contenção química para realização
de procedimentos investigativos/diagnósticos. Também são utilizados como agentes de indução e manutenção
anestésica para a realização de pequenos procedimentos cirúrgicos/ambulatoriais. A grande aplicabilidade de
anestésicos dissociativos como a cetamina em medicina veterinária pode ser atribuída à sua boa margem de
segurança, uma vez que a dose letal em 50% da população (DL50) é significativamente maior que as doses
empregadas clinicamente. Outro fator que justica seu amplo emprego é que, diferentemente dos barbitúricos de
ultra curta duração ou do propofol, os agentes dissociativos podem ser empregados tanto pela via intramuscular
como pela via intravenosa. Esta característica possibilita que estes fármacos possam ser empregados como
agentes de contenção química e/ou indução anestésica em animais indóceis, onde o acesso venoso imediato
pode não ser viável.
; ! # 5
Os anestésicos dissociativos são fármacos que causam aumento do tônus serotoninérgico e dopaminérgico, além
de redução da atividade GABAérgica. Devido à estes efeitos, produzem um estado de anestesia caracterizado por
catalepsia (rigidez muscular com perda do tonus postural), amnésia (observada no homem) e analgesia profunda.
O termo anestésico dissociativo é empregado porque há evidências no eletroencefalograma (EEG) de dissociação
entre atividade neuronal no tálamo e no sistema límbico. Observa-se depressão da função neuronal no córtex
cerebral e tálamo ao mesmo tempo em há ativação (estimulação) do sistema límbico. A ativação do sistema
límbico é responsável pelos fenômenos excitatórios observados quando do uso dos fármacos deste grupo. Como
objetivo de se antagonizar seus efeitos colaterais indesejáveis (hipersensibilidade à estímulos ambientais, rigidez
muscular, excitação, convulsões), os anestésicos dissociativos são empregados sob forma de associação com
outros fármacos (Ex: benzodiazepínicos, alfa-2 agonistas).
Os efeitos dos anestésicos dissociativos no SNC estão relacionados em parte à ação antagonista destes fármacos
sobre receptores N-metil-D-aspartato (receptores NMDA). Tem-se sugerido que, devido à ação antagonista sobre
receptores NMDA, agentes dssociativos como a cetamina são altamente efetivos como analgésicos preemptivos,
quando administrados antes do trauma cirúrgico.
A cetamina é um anestésico dissociativo disponível em solução injetável na concentração de 5 e 10% (50 e 100
mg/mL, respectivamente). Este agente dissociativo que produz inconsciência e analgesia dose-dependentes. O
grau de analgesia é aparentemente maior para a dor somática do que para a dor visceral. Quando administrada
pela via intravenosa, possui um período de latência curto, com o efeito máximo ocorrendo após 1 minuto. A
duração da anestesia pode variar de 10 a 20 minutos após a administração intravenosa. A recuperação após
administração de bolus único por via intravenosa ocorre rapidamente devido à redistribuição das cetamina do
cérebro para outros tecidos.
A analgesia produzida por este fármaco é atribuída à sua ação antagonista sobre receptores NMDA, ocorrendo
mesmo em doses sub-anestésicas. No entanto, devido a sua eficácia analgésica ser maior para a dor somática do
que para a dor visceral, o uso isolado de cetamina não é recomendado para realização de procedimentos
abdominais e/ou torácicos.
Sistema nervoso central: A cetamina causa aumento significativo no consumo de oxigênio cerebral, fluxo
sanguíneo cerebral, pressão intracraniana e pressão do líquido cérebro-espinhal. Portanto os anestésicos
dissociativos devem ser evitados em pacientes com trauma cerebral e/ou hipertensão craniana. A cetamina
também é contraindicada em animais epilépticos, uma vez episódios de convulsões foram relatados após o uso de
cetamina em cães a gatos apresentando histórico de epilepsia.
Sistema cardiovascular: A cetamina causa estimulação cardiovascular generalizada, secundária ao aumento da
atividade simpática. A inibição da recaptação da norepinefrina pelos terminais nevosos simpáticos tem sido
implicada como causa da estimulação cadiovascular exercida pela cetamina. O uso isolado da cetamina em cães
causa taquicardia, aumento da contratilidade e débito cardíaco, hipertensão arterial, sendo que este efeito
147
provavelmente é secundário a ativação simpática exercida por este fármaco (efeito indireto). Por outro lado,
estudos “in vitro” demonstram que a cetamina exerce efeito depressor direto sobre o miocárdio (efeito direto).
A taquicardia e hipertensão resultam em aumento do trabalho cardíaco e do consumo de O2 pelo miocárdio,
tornando o uso da cetamina controverso em pacientes com doença cardíaca não compensada. A ação estimulante
exercida pela cetamina sobre o sistema cardiovascular tem sido utilizada como argumento para seu uso em
pacientes chocados e ou com instabilidade circulatória. No entanto, animais chocados podem apresentar
esgotamento do sistema nervoso simpático (depleção das reservas de catecolaminas endógenas), sendo que
neste contexto pode ocorrer depressão do miocárdio devido à ação direta do agente dissociativo. Devido a estes
efeitos, o uso da cetamina deve ser cuidadoso em animais com comprometimento circulatório.
Sistema respiratório: A administração de cetamina pela via intravenosa pode causar apnéia transitória de forma
dose-dependente. No entanto, diferentemente de outros anestésicos intravenosos e/ou inalatórios, a cetamina não
deprime a resposta ventilatória à hipóxia e não interfere com as trocas gasosas pulmonares. O uso da cetamina é
associado à um padrão respiratório irregular denominado respiração apnêustica.
Particularidades: A pressão intraocular pode se elevar devido à contração da musculatura extra-orbitária. No
entanto, a pressão intra-ocular não se altera significativamente quando a cetamina é usada clinicamente, uma vez
que as associações (Ex: fenotiazínicos, benzodiazepínicos e cetamina), previnem o espasmo da musculatura. A
literatura relata que os reflexos protetores (laringotraqueal, oculopalpebral) são mantidos. Entretanto, o uso clínico
da cetamina associada a outros agentes (Ex: benzodiazepínicos, alfa-2 agonistas) resulta em depressão destes
reflexos, muito embora este grau de depressão não seja da mesma intensidade que o observado com os
barbitúricos e/ou agentes inalatórios.
A tiletamina é um agente dissociativo disponível para uso clínico apenas em medicina veterinária. A tiletamina
difere da cetamina por apresentar maior potência, efeito analgésico e duração de ação. A recuperação da
anestesia com tiletamina também tende a ser mais prolongada que no caso da cetamina. É apresentada no
comércio sob a forma de pó liofilizado em associação com o benzodiazepínico zolazepam na proporção de 1:1.O
zolazepam, devido à sua ação miorrelaxante, ansilítica e anticonvulsivante proporciona uma melhora na qualidade
da anestesia produzida pela tiletamina. O cálculo da dose de tiletamina zolazepam é baseado na soma de ambos
os fármacos (tiletamina + zolazepam). Após reconstituição em solução aquosa, esta se apresenta estável em
temperatura ambiente por 4 dias e sob refrigeração por até 14 dias. Para fins práticos, no entanto, o congelamento
da solução reconstituída não tem resultado em perda da eficácia mesmo decorridos alguns meses.
Sistema nervoso central: Os efeitos da tiletamina sobre o SNC são semelhantes aos da cetamina.
Sistema cardiovascular: A tiletamina induz um estimulação da função cardiovascular em pacientes hígidos,
provavelmente secundária ao aumento do tônus simpático. No entanto, a tiletamina pode causar depressão
cardiovascular em pacientes chocados/debilitados. A associação tiletamina/zolazepam em cães pode causar
alteração bifásica da pressão arterial, com redução inicial seguida de elevação neste parâmetro. Ocorre
taquicardia que pode ser acompanhada de redução da contratilidade miocárdica e do débito cardíaco.
Sistema respiratório: Frequentemente observa-se apnéia transitória após a administração rápida por via
intravenosa da tiletamina/zolazepam. Depressão respiratória significativa pode ocorrer com o emprego de doses
elevadas, resultando em aumento da PaCO2 e redução da PaO2.
Particularidades: Da mesma foram que a cetamina, os reflexos protetores (laringotraqueal, oculopalpebral) não
são abolidos completamente.
Uso em pequenos animais (2 a 5 mg/kg/IV, 7,5 a 10 mg/kg/IM):
A associação tiletamina/zolazepam é frequentemente utilizada em pequenos animais. Tanto em felinos como em
cães, o período anestésico hábil proporcionado pela tiletamina/zolazepam é significativamente maior que o
proporcionado por associações empregando cetamina. Esta vantagem, no entanto, deve ser considerada face ao
custo mais elevado da tiletamina/zolazepam. Além deste fato, há de se considerar de que a recuperação
anestésica é mais prolongada com o emprego desta associação. Em cães, eventualmente observam-se
fenômenos excitatórios, hipersensibilidade a estímulos visuais, sonoros e táteis durante a recuperação da
anestesia com tiletamina/zolazepam, uma vez que os efeitos do benzodiazepínico (zolazepam) tendem a
desaparecer que os efeitos do agente dissociativo (tiletamina) nesta espécie. Esta observação está relacionada ao
fato de que o metabolismo/excreção do zolazepam ocorre ligeiramente mais rápido que o metabolismo/excreção
da tiletamina (meia vida plasmática do zolazepam e tiletamina 1 e 1,2 horas, respectivamente). No gato, apesar da
recuperação anestésica ser cerca de duas vezes mais prolongada que no do cão, esta não é acompanhada de
fenômenos excitatórios, uma vez que nesta espécie a meia vida plasmática do zolazepam (4,5 horas) excede
significativamente a meia vida plasmática da tiletamina (2,5 horas).
Semelhantemente à cetamina, a associação tiletamina/zolazepam pode causar dor em caso de administração
intramuscular. Os felinos são particularmente sensíveis à administração destes fármacos pela via intramuscular.
As associações envolvendo a tiletamina/zolazepam empregadas em pequenos animais são mencionadas na
Tabela1. O uso de fenotiazínicos (acepromazina 0,05 a 0,1 mg/kg/IM) e opiódes (butorfanol 0,2 mg/kg/IM) tem
sido empregado com frequência como MPA em animais anestesiados com tiletamina/zolazepam. Tais
associações são interessantes devido ao efeito analgésico exercido pelo opióide e também devido a tranquilização
produzida pela acepromazina. O efeito tranquilizante prolongado dos fenotiazínicos (em particular da
acepromazina) pode ser particularmente interessante no caso do uso da tiletamina/zolazepam em cães, uma vez
149
que neste caso a tranquilização de longa duração da acepromazina tende e tornar a recuperação anestésica mais
suave, auxiliando a suprimir os fenômenos excitatórios eventualmente observados nesta fase. Além deste fato, o
fenotiazínico auxilia na supressão da sialorréia ocasionada pela tiletamina/zolazepam. O uso da atropina, apesar
de inibir a sialorréia induzida pelo agente dissociativo tem sido questionado por poder resultar em taquicardia
excessiva. Os fatores negativos a serem considerados quando do uso de fenotiazínicos são a potencialização da
hipotermia, e hipotensão devido a vasolidatação periférica.
Os agonistas alfa-2 adrenérgicos como a xilazina também em sido utilizados em associação com a
tiletamina/zolazepam. Muito embora os efeitos miorrelaxantes,sedativos e analgésicos dos agonistas alfa-2
resultem em potencialização da anestesia induzida pela tiletamina/zolazepam, o uso de fármacos desta categoria
pode resultar em maior depressão cardiorrespiratória.
150
Anestésicos dissociativos em cães
Fármaco / Associação Dose Indicação Observações
A)
Acepromazina/morfina* MPA: Acepromazina (0,05 mg/kg/IM) + Indução da anestesia geral inalatória. Período anestésico hábil de aproximadamente 10-15 minutos. Para
Morfina (0,5 mg/kg/IM), prolongar a anestesia, administar bolus adicionais de até 1/2 da dose original
Cetamina/Diazepam Procedimentos ambulatoriais de curta duração (até de diazepam + cetamina pela via intravenosa.
15 minutos após: Diazepam (0,25 20-30 minutos)
mg/kg/IV) + Cetamina (5 mg/kg/IV)
C)
Acepromazina/morfina MPA: Acepromazina (0,05 mg/kg/IM) + Procedimentos cirúrgicos de curta moderada (até Duração da anestesia e qualidade de miorelaxamento superiores aos da
Morfina (0,5 mg/kg/IM), 60 minutos). técnica anterior (técnica A). Para prolongar o efeito, administrar bolus
Xilazina/Cetamina adicionais de cetamina (2-3 mg/kg/IV) pela via intravenosa.
15 min após: Xilazina (1 mg/kg/M) +
Cetamina (15-mg/kg/IM) Potencial para causar maior depressão cardiorrespiratória.
D)
MPA: Acepromazina (0,05 mg/kg/IM) + Procedimentos cirúrgicos de duração moderada Duração da anestesia mais prolongada que associação similar utilizando
Acepromazina/morfina Morfina (0,5 mg/kg/IM), (até 60 minutos). cetamina/diazepam (técnica A). Para se prolongar a anestesia, administar até
1/3 da dose original de tiletamina + zolazepam).
Tiletamina/Zolazepam 15 minutos após: Tiletamina/Zolazepam (5
mg/kg/IV) Recuperação mais prolongada que associações utilizando cetamina.
E)
Xilazina/morfina MPA: Acepromazina (0,5 mg/kg/IM) + Procedimentos cirúrgicos de duração moderada Período anestésico hábil mais prolongado que todas as associações
Morfina (0,5 mg/kg/IM) (até 60 minutos). anteriores. Para prolongar a anestesia, administar 1/4 da dose original de
Tiletamina/ tiletamina + zolazepam).
Zolazepam 15 minutos após: Tiletamina/Zolazepam
(10 mg/kg/IM). Recuperação mais prolongada que associações utilizando cetamina, risco de
excitação na recuperação em cães.
*Observações:
1- A morfina pode ser substituída por outros analgésicos opióides em qualquer uma das associações, devendo se consideara as particularidades farmacológicas de cada
opióide.
2- Pode haver grande variação entre indivíduos na resposta a ação anestésica da cetamina.
3- O emprego de anestesia dissociativa não garante proteção das vias aéreas contra vômito ou eventual regurgitação. Depressão cardiorespiratória excessiva pode ser
observada com doses elevadas de anestésicos dissociativos
151
Técnicas de Anestesia Local em Pequenos Animais
Stelio Pacca Loureiro Luna
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
A anestesia local apresenta diversas finalidades, entre elas o menor requerimento de anestésicos intravenosos
e/ou inalatórios e da conseqüente depressão cardiorrespiratória produzida pelos mesmos, inibição da
sensibilização central à dor, analgesia pós-operatória residual, redução do estresse trans-anestésico, evitando a
liberação de hromonios que aumentam o catabolismo e facilitação do posicionamento do globo ocular em cirurgias
oftálmicas, entre outros. Preferencialmente estas técnicas devem ser realizadas com os animais sedados, sob
anestesia dissociativa ou mesmo sob anestesia geral.
! +$
Definição e indicações: A anestesia é considerada tópica quando causa insensibilização de pele ou mucosas,
como por exemplo, na cavidade oral, olho, esôfago, reto e trato genitourinário.
Material, fármacos e técnica: Os anestésicos locais usados topicamente incluem a lidocaína (2,0-10,0%),
bupivacaína (0,25-0,5%) e ropivacaína (0,75- 1,0%), com apresentações injetáveis e tópicas como cremes,
pomadas, spray e aerosol. O fármaco e a apresentação mais adequados são escolhidos de acordo com o
procedimento a ser executado. Por exemplo, o spray (lidocaína 10%) é normalmente utilizado para anestesia de
mucosas, particularmente em casos de intubação endotraqueal de felinos, para prevenir a incidência de
laringoespasmo. Colírios com anestésicos locais são usados para intervenções oftálmicas. Usualmente também
se utilizam pomadas ou gel colocados nas sondas antes da intubação endotraqueal ou para sondagem uretral.
Para anestesia de pele há a disponibilidade de cremes tipo EMLA (Tabela 7).
! ;"! !=
Definição e indicações: É aquela utilizada para bloquear uma determinada área, particularmente am casos de
retiradas de nódulos ou tumores, anestesia de membros ou suturas.
Material e fármacos: utilizam-se seringas de volume apropriado à quantidade de anestésico local referente a área
a ser bloqueada e agulhas de comprimento de acordo com o local a ser infiltrado, tipo de procedimento e porte do
animal. Os fármacos mais comumente utilizados são a lidocaína (0,5-2,0%) e a bupivacaína (0,25-0,75%),
podendo também ser utilizada a ropivacaína (0,25 a 1%).
Técnica: após a tricotomia e antissepsia do local, a anestesia infiltrativa pode ser produzida mediante múltiplas
injeções intradérmicas, subcutâneas (mais empregada) e/ou intramusculares, infiltrando-se o anestésico
lentamente ao longo do local onde será realizada a incisão (infiltração linear) e/ou ao redor deste por meio de
figuras planas ou geométricas. Com o passar de 3 a 5 min. decorrida a injeção, a região deverá estar
dessensibilizada. Caso a anestesia seja insuficiente devem-se aguardar mais alguns minutos, repetir o
procedimento ou escolher outro protocolo anestésico. Em determinados casos em que se requeira uma menor
toxicidade e maior duração de efeito, pode-se empregar a adrenalina, entretanto o uso desta deve ser evitado em
extremidades, como nos membros, cauda, ponta da orelha, dada à possibilidade de redução da vascularização
local e necrose tecidual.
! ! = "2 3
Definição e indicações: Consiste na aplicação IV do anestésico local em membro anterior ou posterior
previamente garroteado. Após a administração do AL ocorre distribuição do mesmo, com embebição tecidual e
anestesia ao longo do membro distal ao garrote. É indicado para realização de biopsias, remoção de corpos
estranhos, pequenas suturas, normalmente realizados em procedimentos ambulatorais. Adicionalmente pode ser
utilizada em reparações de fraturas distais a articulação umero-rádio-ulnar ou fêmur-tíbio-rotuliana associada a
anestesia geral. Reduz a quantidade de anestésico inalatório e confere analgesia prolongada.
Material e fármacos: Seringa, scalp (21 a 25G) ou cateter (20 a 24G), faixa de Esmarch ou garrote e AL sem
vasoconstritor. Normalmente utiliza-se lidocaína 1% sem vasoconstrictor na dose 2,5 a 5mg/Kg, já que a
bupivacaína apresenta maior risco de toxidade cardíaca).
Técnica: Após tricotomia e antissepsia do local da punção venosa, de forma optativa, pode-se utilizar uma
bandagem da região distal à região proximal do membro, com a finalidade de diminuir o volume de sangue do
membro a ser anestesiado. A seguir circunda-se o membro com o torniquete colocado sob pressão na região
proximal ao local que se deseja a anestesia local. Após a punção venosa com scalp ou cateter, aspira-se o
máximo volume de sangue possível, para então se injetar o anestésico local tão distalmente quanto possível no
membro, nas porções mais distas dos ramos perfifericos das veias cefálica ou safena lateral. O torniquete só deve
152
ser removido após o final do procedimento cirúrgico ou em pelo menos 15 minutos após a injeção do AL, de forma
gradual, para evitar que uma concentração excessiva tenha acesso a circulação sistêmica. O torniquete não deve
ser deixado por mais de 60 minutos, dado ao risco de necrose no local.
! 1 %
Definição e indicações: Injeção de anestésico local ao redor de um nervo ou feixes nervosos, produzindo
anestesia regional
Material utilizado: seringa e agulha 25X5 ou 30X7.
Fármacos: Lidocaína 1,0-2,0% ou bupivacaina 0,25%, 0,5% ou 0,75% ou ropivacaína 0,5% e 0,75%, de acordo
com o tempo de bloqueio requerido, utilizando um volume de 0,2 a 1 ml.
CABEÇA
A maior parte das anestesias perineurais é realizada nos ramos do nervo trigêmeo, o maior dos nervos cranianos,
que se origina na região ventral do bulbo ou medula oblonga do tronco encefálico, após a ponte. Constitui-se por
um grande ramo sensitivo e um pequeno ramo motor. O ramo sensitivo expande-se ao longo da superfície plana
do gânglio trigeminal e origina os nervos maxilar, mandibular e oftálmico.
As ramificações do tronco maxilar do nervo trigêmeo passíveis de serem bloqueadas são o próprio nervo
maxilar, o nervo palatino maior e o nervo infra-orbitário. O nervo palatino maior atinge o palato duro após
atravessar o canal palatino e suprir tanto a mucosa palatina como o assoalho do vestíbulo nasal.
Os bloqueios perineurais na cabeça devem ser realizados bilateralmente quando assim for necessário.
Nervo Oftálmico
Nervo Maxilar
Nervo
Auriculotemporal
Nervo
Infraorbitário
Nervo Mandibular
Nervos Mentoneanos
Caudal, Médio e Rostral
1
Figura 1: Ramificações do nervo trigêmio. ( Fonte: Anderson & Anderson, 1994 )
MAXILAR SUPERIOR
153
Região de anestesia: maxila, dentes molares, pré-molares, caninos e incisivos, lábios superiores, focinho, palato
duro e mole
MANDÍBULA
F
C
B
A
D
Figura 3: Posicionamento das agulhas para os bloqueios regionais em cabeça: Maxilar (A); Infraorbitário (B);
Auriculopalpebral (C); Mandibular (técnica extra-oral) (D); Mentoneano (E); Oftálmico, Zigomático e Lacrimal (F).
(Fonte: Modificado de SKARDA, 1996)
154
OLHO E ÓRBITA
Nervos lacrimal, zigomático e oftálmico (Figura 3 – F)
Localização: ventralmente ao processo zigomático, na altura da comissura lateral do olho, imediatamente rostral
ao ramo vertical da mandíbula. Introduz-se a agulha mediocaudodorsalmente, até a fissura orbital.
Região de anestesia: globo ocular e órbita
155
uma linha que se estende da asa do atlas até a borda caudal do canal auditivo externo, o volume recomendado é
0,5 ml por sítio de aplicação
Figura 6: Bloqueio Regional do Nervo Auricular Maior (II Nervo Cervical). (Fonte: EVANS &
deLAHUNTA, 1972)
MEMBROS
Anestesia intravenosa regional (Bier)
Indicações: É utilizada em procedimentos ambulatorais, como biópsias, remoção de corpos estranhos e
pequenas suturas
Técnica: De modo opcional pode-se aplicar faixa de Esmarch ou garrote da região distal à região proximal do
membro para remover o máximo de sangue do compartimento vascular. A seguir envolve-se o membro com
torniquete na região proximal do membro, que deve permanecer no tempo mínimo de 15 min e máximo de 60 min
após a injeção de anestésico local. Após canular a veia cefálica (membro anterior) ou safena lateral (membro
posterior) na porção mais distal possível, injeta-se 2,5 a 5mg/Kg de lidocaína 1%. A sensibilidade retorna em torno
10 min após a remoção do torniquete com analgesia residual de 30 min
Desvantagens: Período anestésico hábil limitado devido a presença do torniquete e pode ocorrer dor devido a
isquemia
156
Figura 7:: Bloqueio de plexo braquial (Fonte: Thurmon 1996)
TORAX
Anestesia Intercostal (Figura 8)
Fármaco:: Bupivacaína 0,75% com vasoconstrictor – volume de até 1,0 ml por ponto
Técnica:: o anestésico local deve ser injetado no espaço subcostal, logo abaixo do músculo intercostal, próximo ao
forame intervertebral, onde devem ser bloqueados: dois nervos intercostais imediatamente cranial à incisão e mais
dois caudais à incisão.
157
Figura 8: Bloqueio de intercostal
tal (Fonte: Thurmon 1996)
ABDÔMEN
Anestesia por tumescência
Definição: infiltração de grandes volumes de uma solução de anestésico local, principalmente na pelep e tecido
celular subcutâneo.
Vantagens: melhor qualidade de analgesia pós-operatória,
p diminuição do sangramento perioperatório, ocorrência
de prévia divulsão pelo volume da solução,
solução menor desconforto e edema pós-operatório
operatório, ausência de sinais de
toxicidade e menor índice de infecção pós-operatória
pós
Técnica:: solução regrigerada contendo 500 ml de Ringer Lactato, 40 ml de Lidocaína
ocaína a 2% sem vasoconstritor e
0,5 ml de adrenalina 1:1000. Volume
olume a ser injetado: 15ml/kg.
15ml/kg
158
Anestesia Espinhais
Yuri Karaccas de Carvalho e Stelio Pacca Loureiro Luna
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
INTRODUÇÃO
Define-se anestesia pela perda temporária da sensação de dor, decorrente da depressão reversível local,
1, 2
regional ou central do tecido nervoso . A anestesia geral e a cirurgia geralmente podem acarretar uma resposta
de estresse, caracterizada por alterações cardiovasculares, endócrinas e metabólicas induzidas pelo estímulo
nocivo. Este estresse pode resultar em queda da imunidade e retardo da cicatrização da ferida cirúrgica,
prolongando o período pós-operatório. A prevenção desta resposta de estresse aparentemente reduz a morbidade
1, 2
pós-operatória.
A anestesia dissociativa é uma das técnicas mais populares no âmbito veterinário, particularmente o
emprego de cetamina e agonistas alfa-2 adrenérgicos. Essa associação causa, porém, inúmeros efeitos
indesejáveis, como, bradicardia com arritmia sinusal e até bloqueio átrio-ventricular, depressão respiratória, além
3
da analgesia insatisfatória em cirurgias mais cruentas.
Adicionalmente há a disponibilidade dos anestésicos intravenosos, dos quais os mais utilizados são o
tiopental e o propofol. Entretanto a excreção destes anestésicos depende da integridade da função hepática e
1
renal . Adicionalmente o uso destes fármacos em infusão contínua pode resultar em intensa depressão
3
cardiorrespiratória e recuperação prolongada . A anestesia inalatória por sua vez, representa uma das
intervenções anestésicas mais seguras atualmente, porém requer aparelhos específicos e indivíduos
1,4
especializados para seu controle, o que aumenta o custo da anestesia . Além disso, os agentes inalatórios
causam depressão cardiorrespirátoria dose dependente. A exposição crônica a baixas doses de anestésicos
1
inalatórios pode ter efeito carcinogênico, teratogênico ou abortivo , com a possibilidade de ocorrência de hepato e
2
nefropatias e alterações hematopoiéticas .
A anestesia epidural (peridural ou extradural) é o bloqueio nervoso de uma área do corpo, induzida por um
4
anestésico que iniba a condução nervosa na medula espinhal . O anestésico local ideal para uso no espaço
epidural deve possuir período de latência curto, período hábil longo e promover analgesia e relaxamento muscular
5
adequado .
Os fármacos administrados por via epidural produzem poucos efeitos na circulação placentária e fetal,
1,6
tornando esta técnica anestésica uma boa opção para intervenções cirúrgicas em gestantes . A fêmea se
6
recupera rapidamente da anestesia, estando apta a cuidar de seus filhotes no período pós-operatório imediato . A
anestesia epidural oferece muitas vantagens sobre a anestesia geral. É uma técnica segura, causando mínimos
7
distúrbios bioquímicos e fisiológicos . Quando comparada à anestesia geral, as vantagens apresentadas são:
menores alterações cardiorespiratórias no paciente, redução do estresse trans-operatório, analgesia pós-
4, 6, 7, 8 1
operatória, fácil execução da técnica e baixo custo , prevenção de efeitos colaterais dos anestésicos gerais,
redução dos riscos da intervenção anestésica, principalmente para pacientes em estado grave, sendo uma técnica
segura em pacientes idosos.
Tais facilidades permitem o emprego desta técnica por médicos veterinários que não possuam
aparelhagem sofisticada para uso rotineiro em clínicas particulares. Entretanto, animais muito agitados podem não
aceitar a realização desta técnica somente sob efeito da medicação pré-anestésica e em animais obesos a
localização do espaço epidural pode ser difícil.
ANATOMIA E FISIOLOGIA
Em cães, a medula espinhal termina na sexta ou sétima vértebra lombar (L6 ou L7) figura 1 e 2 (anexo).
Quando um fármaco é injetado no espaço epidural, parte dele se difunde pelo canal vertebral, outra parte é
armazenada na gordura epidural e ainda pode ser removido pela circulação sanguínea, sendo a quantidade do
9
agente que vai permanecer no tecido neuronal dependente de sua lipossolubilidade . O fármaco injetado por via
epidural fica restrito a uma área do corpo, sendo seus efeitos sistêmicos mais suaves em comparação à aplicação
9
parenteral . Em geral, após uma anestesia local, as sensações desaparecem na seqüência: dor, frio/calor, tato e
5
pressão, sendo que a recuperação da sensibilidade ocorre na ordem inversa .
A anestesia epidural com anestésico local é aquela obtida por bloqueios medular e de nervos espinhais no
10
espaço epidural, quando os mesmos emergem da duramáter através dos forames intervertebrais , levando a um
bloqueio reversível de uma determinada área do corpo, sem perda da consciência. A solução anestésica é
depositada na porção externa da dura-máter. Um bloqueio segmentar é produzido, das fibras sensoriais espinhais
e fibras nervosas simpáticas. As fibras motoras são as últimas a serem total ou parcialmente bloqueadas, e as
primeiras a retornarem a função.
Os anestésicos locais têm afinidade pelo tecido nervoso, interrompendo a condução nervosa quando
alcançam qualquer parte do neurônio. Os mesmos impedem que as células nervosas atinjam o potencial de
4, 9
deflagração por meio do bloqueio dos canais de sódio produzido pela forma iônica .
159
TÉCNICA
Após a tricotomia e antissepsia rigorosa da região lombo sacra, realiza-se um botão anestésico
subcutâneo, utilizando-se uma agulha (40X8) com mandril ou de Tuohy. Após a flexão espinhal, com o animal em
decúbito ventral ou lateral, coloca-se o dedo polegar e médio na tuberosidade ilíaca e o indicador no espaço
lombosacro. Na seqüência introduz-se a agulha através da pele e tecido subcutâneo injentando-se um pequeno
volume de anestésico local e o seguir nos ligamentos supraespinhoso, intervertebral e amarelo.
O sucesso da anestesia epidural depende da localização correta do espaço epidural. Para tal, a técnica
mais freqüentemente utilizada é a aspiração de uma gota de anestésico depositado no canhão da agulha após a
introdução da mesma através dos ligamentos, devido à pressão negativa do espaço epidural. Outra técnica é
acoplar uma seringa de vidro contendo ar ou solução salina à agulha. A pressão negativa do espaço produz
entrada do conteúdo da seringa. Entretanto, o uso de ar nesta técnica pode levar a compressão medular ou da
11
raiz nervosa, enfisema subcutâneo, introdução de ar por via retroperitoneal ou embolismo venoso . Desta forma,
o uso de solução salina é mais seguro.
Antes de injetar o(s) fármaco(s), deve ser realizada a tração caudal do êmbolo para confirmar ausência de
líquor ou sangue. O próximo passo é a injeção em pequenas quantidades e lentamente, sem haver resistência de
até 1ml/3Kg de anestésico local até o peso de 20 Kg. Em animais acima deste peso, adiciona-se 1 ml para cada
10 Kg.
O animal deve ser mantido em posição horizontal, decúbito ventral simétrico, com a cabeça ligeiramente
10
mais elevada que o corpo, após o bloqueio, para difusão simétrica do fármaco .
. Para confirmação do bloqueio observa-se em menos de 1 minuto, o relaxamento do esfíncter anal externo
8
e cauda. A perda do reflexo interdigital normalmente se estabelece entre 6 a 10 minutos , dependendo do fármaco
empregado.
INDICAÇÕES
A anestesia epidural lombo-sacra tem várias indicações, dentre elas, o controle da dor pós-operatória,
4, 12
bem como a realização de procedimentos obstétricos e ortopédicos em membros pélvicos . É utilizada
freqüentemente para procedimentos em períneo, vagina e reto, bem como ovariossalpingohisterectomia (OSH) e
cesariana, bem como em cirurgias ortopédicas no quadril e membros posteriores.
COMPLICAÇÕES
As principais complicações que podem ocorrer são: hematoma epidural, efeitos tóxicos dos anestésicos,
13, 14
estenose espinhal, trauma epidural pelo cateter e abscesso epidural . A injeção inadvertida no espaço
subaracnóide inadvertidamente, quando a intenção era o espaço epidural, pode levar a mielopatia ou a síndrome
13, 14
da cauda eqüina, devido ao efeito tóxico dos medicamentos, e também à meningite e a infarto na medula .
15
Adicionalmente pode ocorrer hipotensão por bloqueio simpático e efeitos tóxicos pela sobredose . Se os
nervos intercostais forem atingidos, pode ocorrer depressão respiratória e hipoventilação. Um achado que ocorre
em aproximadamente 10% dos casos é a postura de Schiff Scherrington, que consiste na espasticidade dos
membros torácicos devido à compressão nervosa motora causada pelo anestésico local. Tal fenômeno é
minimizado quando a injeção epidural é realizada lentamente. Neste caso pode-se prosseguir a cirurgia,
15
aguardando-se a resolução temporal do problema, sem maiores conseqüências .
A anestesia epidural também pode reduzir a temperatura corpórea por meio de dois mecanismos:
absorção sistêmica do anestésico e transferência central do anestésico via fluído cerebroespinhal, causando
depressão do centro termorregulador; e por bloqueio simpático, que causa vasodilatação, com conseqüente
16, 17
redistribuição do calor do compartimento central para os tecidos periféricos .
CONTRA INDICAÇÕES
Não se recomenda a anestesia epidural em casos de hipotensão, choque, anemia e hipovolemia. São
contra-indicações absolutas: convulsão, septicemia, síndrome hemorrágica, meningite, doenças do sistema
nervoso central, dermatite local, impossibilidade de punção, impossibilidade de contenção ou animal irascível e
14
alterações anatômicas da coluna .
Anestésicos Locais
A administração de anestésico local por via epidural causa pouca alteração cardiorrespiratória. A lidocaína
é um anestésico local hidrossolúvel de curta duração, sendo biotransformado no fígado em dois metabólitos, um
5
dos quais é farmacologicamente ativo, sendo que 10 a 20% é excretado de forma inalterada na urina do cão .
16, 17, 18
A dose tóxica de lidocaína varia de 10 a 20 mg/kg no cão . A sobredose de lidocaína produz
5 4
contrações musculares, hipotensão, náusea, vômito , evoluindo até convulsão e parada cardiorespiratória . A
adição da adrenalina à lidocaína, possibilita o aumento da dose e da duração e redução da toxicidade, por retardar
16
sua absorção . O período de latência da lidocaína com vasoconstritor, até a perda do reflexo interdigital varia de 3
5, 8, 19,
a 12 minutos, com duração do efeito de 90 a 120 minutos, com efeito máximo após 20 minutos da aplicação
20
.
160
Outros anestésicos locais utilizados na anestesia epidural são a bupivacaína e a ropivacaína. Ambos
apresentam período de latência e duração mais longos que a lidocaína. Parece ideal à associação de
lidocaína/bupivacaína em proporções iguais, combinando-se o curto período de latência e o bom relaxamento
13
muscular da lidocaína com o efeito prolongado da bupivacaína . A bupivacaína é uma mistura racêmica, de
isômeros S (-) e R (+). O isômero S (-) possui potência e bloqueio motor maior, em contrapartida, cardiotoxicidade
menor.
21, 22
A ropivacaína é um anestésico local de longa duração, homológo da bupivacaína , que promove
bloqueio sensitivo de duração igual ou um pouco menor, e período de bloqueio motor e toxicidade cardíaca
23
menores que aquele fármaco .
A ropivacaína possui baixa toxicidade, apresentando adequada margem de segurança para os sistemas
24
cardiovascular e nervoso central, o que permite seu uso em concentrações elevadas . Tendo em vista que os
efeitos cardiotóxicos dos anestésicos locais são proporcionais ao grau de desenvolvimento do SNC, em animais
diferentemente do homem, considerando-se o maior custo da ropivacaína, esta vantagem não aparenta ter tanta
importância, quando a mesma é comparada à bupivacaína. Em animais, quando comparados os três anestésicos
25
locais, a intoxicação por lidocaína é mais tolerada, seguida da ropivacaína e por fim a bupivacaína .
Anestésicos Dissociativos
A cetamina é um anestésico dissociativo, capaz de produzir um estado singular de analgesia e anestesia,
por meio de dissociação sensorial. Possui efeito simpatomimético, podendo causar excitação do SNC. Por via
19, 34
epidural praticamente não causa alteração cardiorespiratória . A excreção é realizada 91% pela urina e
aproximadamente 3% pela bile e fezes em cães. A cetamina pode produzir neurotoxicidade quando aplicada por
via espinhal. Essa ação foi atribuída ao clorobutanol, preservativo utilizado na preparação da cetamina.
Quando administrada por via epidural deve ser preferencialmente associada a outro agente anestésico,
19, 35
como um opióide ou anestésico local , para produzir analgesia e/ou anestesia satisfatória, viabilizando em
19
alguns casos a realização de OSH .
A cetamina administrada isoladamente no espaço epidural não foi efetiva como analgésico pós-operatório,
36
mas potencializou os efeitos analgésicos da morfina atenuando seus efeitos colaterais .
A solução clínica aquosa mais tradicional disponível é uma mistura racêmica que contém quantidades
iguais de dois isômeros: S(+)- cetamina e R(-)- cetamina. Tanto nos animais quanto no homem, a forma S(+)-
cetamina é de 3 a 4 vezes mais potente que a forma R(-)- cetamina para alívio da dor, e em doses analgésicas
equipotentes, produz poucos distúrbios psíquicos e menos agitação que a R(-)- cetamina. Atualmente, a forma S é
comercialmente, porém há poucos estudos de seu uso em anestesia epidural.
Seu efeito analgésico se manifesta por meio de vários mecanismos, como: anestésico local, antagonista
37, 38 9, 39,40
não-competitivo de receptores N-metil D-aspartato (NMDA), opióide , possível antagonista muscarínico e
40
também age em receptores monoaminérgicos . Essa interação complexa dificulta a determinação do local
161
9
específico do efeito analgésico produzido pela cetamina , sendo sua distribuição para o plasma e líquor em
41
aproximadamente 20 minutos, após a aplicação epidural .
A administração de cetamina por via epidural produz analgesia cutânea em cães, com mínimo efeito
42
hemodinâmico . Na dose de 3,5 mg/kg por via epidural em cães, viabilizou a realização de cirurgias, que variaram
43
de 30 a 45 minutos .
Opióides
A administração epidural isolada de opióides promove alívio da dor visceral e somática por bloqueio
1
seletivo de impulsos nociceptivos, sem interferir com a função sensorial e motora e sem deprimir o SNC .
A administração de opióides pela via epidural oferece a vantagem de produzir uma analgesia mais
prolongada, com doses significativamente menores e menor sedação, quando comparada à administração
9
parenteral .
A analgesia por via epidural, ocorre por inibição da dor no corno dorsal da medula espinhal, inibição das
1
vias somatosensoriais aferentes supraespinhais e ativação das vias inibitórias descendentes .
Os fármacos mi agonistas, como a morfina, além de causarem analgesia e sedação, podem causar outros
44,
efeitos, como por exemplo, depressão cardiorespiratória, hipotermia, náusea, vômito, prurido e retenção urinária
45
Em cães, a administração epidural de morfina produz analgesia de longa duração em torno de 24 horas, com
46, 47 47
poucos efeitos colaterais , reduzindo a concentração mínima (CAM) do halotano . Podem ocorrer efeitos
sistêmicos discretos com redução da freqüência cardíaca e da pressão arterial.
O butorfanol é um opióide sintético com ação antagonista nos receptores mi e ação agonista nos
48 48, 49, 50
receptores kappa , promovendo analgesia e sedação com efeitos colaterais mínimos . É cerca de 20 vezes
1 19
mais lipossolúvel e 3 a 7 vezes mais potente que a morfina . Por via epidural promove analgesia por 2 a 5 horas ,
1
em dose similar ao uso parenteral , diminuindo a concentração alveolar mínima CAM do isofluorano, com efeitos
cardiorrespiratórios mínimos, mantendo a analgesia cutânea por três horas após o fim da anestesia com
51
isofluorano .
A buprenorfina é um outro opióide caracterizado, como agonista parcial do receptor mi e antagonista no
52
receptor kappa, desta maneira o aumento da dose não apresenta efeito significativo . Possui período de latência
mais longo que os demais opióides, devendo ser administrada cerca de 50 minutos antes que o seu efeito
analgésico seja requerido. Essas características tornam a buprenorfina extremamente indicada para analgesia
pós-operatória de cães e gatos. Pode ser utilizada na dose de 0,01 mg/kg pela via epidural, promovendo analgesia
por 15 a 18 horas. Entretanto, quando associado ao anestésico local não causa analgesia suficiente para
53
realização de OSH em 66% das cadelas .
O tramadol é um analgésico de ação central, com diferenças dos agonistas opióides, quanto à ligação,
atividade e metabolismo, associada ao fato de que o mesmo é composto de uma mistura racêmica de dois
54
enantiômeros , cujas ações complementares e sinérgicas, resultam em analgesia. É análogo sintético da codeína;
entretanto, tem menor afinidade a receptores opióides que esta; menor potencial à tolerância e depressão
55
respiratória que outros agonistas opióides, não causando liberação de histamina . A sua afinidade pelo receptor
mi é baixa, aproximadamente 6000 vezes menor que a morfina. Entretanto, o metabólito, o-desmetiltramadol tem
56
afinidade muito mais pronunciada por este receptor . Desta forma, a ação analgésica do tramadol é inibida
54
apenas parcialmente pela naloxona, sugerindo um outro mecanismo de ação . Quando associado à lidocaína,
não produz alteração dos parâmetros cardiorrespiratórios, não afeta a temperatura corporal e tão pouco causa
excitação. Entretanto, esta associação não foi suficiente para realização de OSH, inviabilizando o emprego desta
31
técnica em anestesia epidural para esta finalidade .
Animais anestesiados com sevofluorano e submetidos a epidural de morfina e fentanil, (0,1 mg/kg +
10mcg/kg, respectivamente) complementado com solução salina, apresentou depressão cardiorrespiratória devido
57
a ação do fentanil sistêmico .
Benzodiazepínicos
O diazepam na dose de 1mg/kg produziu período de latência curto e analgesia prolongada, diminuição da
58
pressão arterial e freqüência cardíaca, produzindo sedação .
ASSOCIAÇÕES
Um estudo de compatibilidade química de associações dos anestésicos locais, opióides, agonistas alfa-2
adrenoreceptores, dissociativos e benzodiazepínicos no espaço epidural, demonstrou que há compatibilidade
59
entre estes fármacos e as associações parecem ser seguras para uso em anestesia .
Na maioria dos estudos, as associações de fármacos na anestesia epidural são vantajosas, no sentido de
reduzir o período de latência, prolongar e intensificar a analgesia e reduzir os efeitos colaterais quando comparado
ao uso isolado dos mesmos. Na tabela 1 e 2 podem ser vistos alguns fármacos e suas associações com o período
de analgesia e anestesia.
162
A associação de cetamina e bupivacaína no espaço epidural de crianças, para controle da dor pós-
operatória, produziu analgesia mais prolongada e de melhor qualidade, do que o uso isolado de ambos. A
37, 60
administração da cetamina isolada não produziu bloqueio motor . Entretanto, em cirurgias de reconstituição de
joelho, não se observou diferença significativa no período de latência, região do bloqueio ou duração da
38
analgesia . Em cadelas a associação de lidocaína e cetamina viabilizou a realização de OSH na maioria dos
19
casos .
CONCLUSÃO
A anestesia epidural é muito mais do que uma técnica de anestesia local, passando a ser um recurso
importante no trans e pós-operatório, auxiliando não só no bloqueio anestésico e relaxamento muscular, como
também na analgesia pós-operatória, proporcionando uma recuperação de melhor qualidade.
Por ser uma técnica simples, de fácil execução e de custo baixo, permite que médicos veterinários que
não possuam aparelhagem sofisticada para uso em clínicas particulares, tenham a possibilidade de oferecer
segurança e conforto aos pacientes. Atualmente existem inúmeros fármacos que podem ser utilizados, cada qual,
apresentando suas vantagens e desvantagens. Em geral a associação de fármacos apresenta vantagens em
relação ao uso isolado dos mesmos. A escolha não deve ser baseada em protocolos pré-estabelecidos, cada caso
deve ser avaliado individualmente, de acordo com o estado do animal e o tipo de cirurgia, associado aos
conhecimentos sobre os fármacos e a experiência de cada clínico.
163
Período Período de ação
Fármaco(s) Dose (mg/kg) de anestésica-
latência (horas)
(minutos)
8, 19, 20
LIDOCAÍNA 2% 5 1 - 18 2 –2,5
8
BUPIVACAÍNA 0,5% 1,25 12+/- 1 2
20
ROPIVACAÍNA 1% 2,5 1-6 4 – 4,5
8
LIDOCAÍNA 2% + BUPIVACAÍNA 0,5% 2,5 + 0,5 bupi 7 +/- 1 1,5
26
LIDOCAÍNA 2% + XILAZINA 5 + 0,25 xila 1-5 3-4
19
LIDOCAÍNA 2% + CETAMINA 5 +/- 1 2 - 12 1 – 2,5
62
LIDOCAÍNA 2% + FENTANIL 0,01 28 +/- 5 3–5
19
LIDOCAÍNA 2% + BUTORFANOL 0,25 3 -10 2–3
31
LIDOCAÍNA 2%+ TRAMADOL 5+1 6 +/- 1 1–2
20
LIDOCAÍNA 2% + BUPRENORFINA 5 + 0,01 4 +/- 2 2,5 – 3
66
BUPIVACAÍNA 0,5% + MORFINA 1 + (0,1-0,2) 10 - 15 + 20
164
Foto: Yuri Karaccas
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169
ANESTÉSICOS GERAIS INTRAVENOSOS EM PEQUENOS ANIMAIS
Stelio Pacca Loureiro Luna
Mariana Corrêa
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
5
São fármacos que promovem depressão do Sistema Nervoso Central, de forma dose-dependente e
reversível, resultando na perda das capacidades de percepção de estímulos dolorosos e resposta a estes
estímulos. Os fármacos classificados como anestésicos gerais, tais como os barbitúricos e propofol, causam
inconsciência e relaxamento muscular, sendo que a depressão do SNC, devido à hipnose, evita a percepção da
dor, mesmo não possuindo propriedades intrinsicamente analgésicas.
Historicamente o primeiro fármaco utilizado com a finalidade de se atingir a inconsciência foi o ópio, em
1657, por Cristopher Wren. Na seqüência, em 1665, Sigismund Elsholtz, reportou que este mesmo fármaco
causava analgesia. O uso de anestésicos IV deu um grande passo após a criação da seringa por Riynd em 1845.
O russo Pirogoff em 1846 ao usar o éter por via iv, teve insucesso, causando óbito no paciente. Em 1853 foi
produzida a agulha por Alexander Wood, deixando de serem usadas as cânulas de metal. A partir de 1872, Ore
reportou o uso de hidrato de cloral como agente intravenoso, sendo testado com sucesso durante uma cirurgia no
ser humano em 1874, por Pierre Cyprien e em eqüinos em 1875, por Humbert, por via oral, retal e IV. Em 1905,
Meltzer associou este fármaco com sulfato de magnésio em eqüinos, potencializando o relaxamento muscular.
Provavelmente o maior avanço histórico da anestesia intravenosa foi a síntese dos barbitúricos em 1920,
com o surgimento do pentobarbital em 1930 e do tiopental em 1933. Apenas mais recentemente surgiram outros
hipnóticos, como o etomidato na década de 70 e o propofol na década de 80.
Os anestésicos gerais intravenosos podem ser utilizados por meio de uma única aplicação ou por meio de
infusão continua. No ultimo caso, idealmente os fármacos devem apresentar clearence e meia-vida rápida,
caracterizando duração curta e rápido metabolismo, os metabólitos devem ser inativos e/ou não tóxicos, serem
solúveis em água, estáveis em solução, produzirem um rápido equilíbrio entre sangue e cérebro e que as
alterações na concentração plasmática resultem em alterações correspondentes no plano anestésico. Idealmente
ainda não devem causar dor à injeção, flebite, trombose ou lesão quando administrado por via extravascular e
devem produzir mínima depressão cardiorrespiratória. Infelizmente os fármacos não apresentam todas estas
características
A maioria dos anestésicos IV estimulam a transmissão GABAérgica, com aumento da condução do cloro e
hiperpolarização do neurônio, com inibição da condução nervosa.
D
PROPRIEDADES QUÍMICAS E FÍSICAS
Formado a partir do ácido malônico e uréia, o barbitúrico é um sal sódico, constituído por um ácido fraco e
uma base forte, o hidróxido de sódio. Seu pKa é de 7,6 e desta forma ao ser administrado no pH fisiológico do
organismo de 7,4, apresenta-se em 60% na forma não ionizada e 40% na forma ionizada. Daí o fato da
necessidade de maior cuidado em animais que apresentem acidemia, dado ao predomínio da forma não ionizada,
maior passagem pela barreira hematoencefálica e conseqüentemente maior efeito farmacológico. Tendo em vista
que o barbitúrico é formado de uma base forte, o pH da solução é alcalino e maior que 10. É apresentado sob a
forma de pó e deve ser preferencialmente diluído em água destilada. Após a diluição a solução é estável por duas
semanas.
Quimicamente podem ser classificados em oxibarbitúricos, quando apresentam o oxigênio no carbono 2
de sua fórmula, tais como o pentobarbital e o metohexital ou tiobarbitúricos, quando apresentam o enxofre no
mesmo local, característica que aumenta a lipossolubilidade e a rapidez de efeito. Quanto maior o numero de
átomos carbono, maior a potência, enquanto que a adição do núcleo aromático confere propriedades
convulsivantes.
Quanto à duração de ação, podem ser classificados em barbitúricos de ultra curta duração, com tempo de
efeito de 5 a 20 minutos, tais como o metohexital, tiamilal e tiopental sódico; curta duração, de 60 a 120 minutos,
como o pentobarbital sódico e de londa duração, representado pelo fenobarbital sódico, que apresenta duração de
6 a 12 horas. Os barbitúricos de ultra curta e curta duração são utilizados como anticonvulsivantes e para
170
anestesia geral, de acordo com o tempo requerido, enquanto que os de longa duração, estão entre os principais
anticonvulsivantes utilizados para tratamento prolongado de epilepsia
Fenobarbital
Pentobarbital
Tiopental
Tiamilal
Meto-hexital
FARMACOCINÉTICA
Estes fármacos apresentam uma alta lipossolubilidade, com uma taxa de 72 a 86% de ligação às
proteínas plasmáticas. Desta forma, deve-se levar em conta que seus efeitos farmacológicos serão
potencializados em casos de hipoproteinemia e uso concomitante de outros fármacos que apresentem alta ligação
com as proteínas plasmáticas, tendo em vista o aumento da disponibilidade da forma livre e farmacologicamente
ativa do fármaco.
Figura 1: Farmacocinética após a aplicação do tiopental em bolus
100
Plasma
% da dose administrada
Músculo
SNC
50
Tecido adiposo
0
0 0,5 1 2 4 8 16 32 128
Tempo (min)
Metabolismo
Os barbitúricos são metabolizados pelo sistema microssomal hepático, por meio de dessulfuração e oxidação. A
taxa de metabolismo no homem é de 10 a 15% por hora e no cão de 4% por hora. A eliminação é renal.
Apresentam tolerância quando do uso contínuo. A meia vida de eliminação do tiopental é de 5 a 12 hs. Dentre as
particularidades da farmacocinética, ocorre um aumento do efeito com a idade e maior volume de distribuição e
meia vida de distribuição em animais gestantes. Adicionalmente apresentam o chamado “efeito glicose”, com
prolongamento da duração do fármaco quando do uso de infusão de glicose ou Ringer lactato, dada a diminuição
da atividade dos componentes da cadeia eletrônica microssomal, causando um decréscimo do metabolismo.
Entretanto, cabe ressaltar que não há uma potencialização do efeito dos barbitúricos, apenas prolongamento da
duração do efeito.
171
FARMACODINÂMICA
O mecanismo de ação dos barbitúricos se dá por potencialização do GABA, diminuição da condutância de
íons sódio, potássio e cálcio e redução da ligação e seletividade da acetilcolina. Facilita as ações sinápticas de
neurotransmissores inibitórios, causando um bloqueio sináptico.
Sistema Nervoso Central (SNC): O uso de barbitúricos causa no SNC depressão irregular, desde sedação até
coma, de acordo com a dose. Na fase de indução anestésica, quando administrado lentamente ou sem o uso de
medicação pré-anestésica, pode causar excitação e delírio. Apresenta potente efeito anticonvulsivante, sendo
amplamente utilizado como tal.
Estes fármacos reduzem o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral, a pressão intracraniana e
deprimem o centro termorregulador
Sistema Cardiovascular: Deprimem o sistema cardiovascular de forma dose dependente, por depressão do
centro vasomotor e depressão do miocárdio, reduzindo a força de contração cardíaca, com discreta redução da
pressão arterial e da pressão venosa central. Aumenta a freqüência cardíaca, dado ao bloqueio vagal, reduz o
fluxo sanguíneo coronariano, o consumo de oxigênio pelo miocárdio e o retorno venoso, por redução do tonus
venoso.
Sistema Respiratório: Da mesma forma que para o sistema cardiovascular, os barbitúricos causam depressão
respiratória dose dependente de ação central, dada a depressão do centro bulbar, com redução da sensibilidade à
hipoxia e hipercapnia, diminuição do volume minuto e frequência respiratória, hipercapnia e acidose respiratória,
podendo ocorrer apnéia.
Sistema Gastrointestinal: Reduzem a motilidade, o tônus gastrointestinal e as secreções.
Sistema Urinário: Devido a hipotensão e vasoconstricção renal, reduzem o fluxo plasmático renal, a filtração
glomerular, o volume urinário e a secreção de ADH
Útero: Diminuem o tonus uterino e causam depressão fetal, o que pode levar a mortalidade dos neonatos de
acordo com a dose empregada.
Olhos: Causam midríase inicial, seguida de miose puntiforme com redução da pressão intraocular.
Temperatura: Pela redução da produção de calor e aumento da perda do mesmo por vasodilatação, causam
hipotermia intensa.
172
O etomidato foi sintetizado em 1964 e introduzido na prática clínica em 1972. Este e outros inconvenientes, como
ausência de analgesia, dor no local da injeção, tromboflebite, mioclonias, náusea e vômito associados ao seu uso
levaram a questionamentos de sua real utilidade dentro da prática anestésica (OWEN & SPENCE, 1984).
Apesar de ser um fármaco de uso restrito, não produzindo indução anestésica satisfatória em animais sadios
(miorrelaxamento pobre, mioclonias) é utilizado como agente de indução anestésica em animais com distúrbios no
sistema cardiovascular, dada a pequena depressão deste sistema que acarreta.
FARMACOCINÉTICA
É um derivado imidazólico carboxilado, hidrossolúvel, mas instável em solução aquosa, contendo como solvente o
propileno glicol. É de ultra curta duração, não cumulativo e sua duração de ação é dose-dependente. Apresenta
alta lipossolubilidade, com ligação à proteínas plasmáticas entre 65 e 75%. Sua meia vida alfa é de 3 minutos e
beta de 75 minutos. Não causa analgesia, nem liberação de histamina
É metabolizado pelas estearases plasmáticas e hepática, por hidrólise, apresentando como metabólito principal
(80%) o ácido carboxílico imidazólico, que é inativo. É excretado pela urina em 75%, sendo 3% de forma
inalterada e o restante pelas fezes.
Pode apresentar como desvantagens dor no local da aplicação, tromboflebite (23%), náuseas e vômitos (40%) e
mioclonias, sendo que este ultimo achado pode ser minimizado pelo uso prévio de benzodiazepínicos.
Foi inicialmente usado para infusão contínua no ser humano, entretanto por inibir a enzima 11-beta-hidroxilase,
que converte o precursor hidrocortisol em cortisol, inibe a esteroidogênese, causando prolongada supressão
adrenocortical, situação relacionada a um aumento da mortalidade (REVES & GLASS, 1990), fazendo com que
seu uso por infusão contínua tenha sido abandonado.
FARMACODINÂMICA
Sistema Nervoso Central (SNC): Inibe a atividade das sinapses espinhais e supra-espinhais pela potencialização
dos efeitos do ácido gama-amino-hidroxibutírico (GABA) em receptores GABAérgicos, exercendo suas ações em
canais iônicos sem se ligar diretamente aos receptores.
Reduz o fluxo sanguíneo cerebral, a pressão intracraniana e o consumo de O2 cerebral.
Sistema Cardiovascular: Apresenta pequeno efeito no sistema cardiovascular, reduzindo a pressão arterial em
14% e a resistência periférica em 17%, com aumento discreto da freqüência cardíaca, volume sistólico e débito
cardíaco, daí a grande segurança e indicação de uso em cardiopatas.
Sistema Respiratório: Reduz o volume corrente em 26% e o volume minuto em 21%, com leve aumento da
freqüência respiratória em 13%. Pode causar apnéia.
Sistema Gastrointestinal: Reduz a motilidade e tônus gastrointestinal , aumentando as secreções.
Uso clínico do estomidato: indução da anestesia geral em pacientes de alto risco e cardiopatas devido a
estabilidade cardiovascul;ar proporcionada.
Dose: Etomidato - 0,5 a 2 mg/kg
1 1 4
O propofol (diisopropil fenol) é um anestésico geral não barbitúrico, derivado alquil fenólico, de baixa solubilidade
em água, daí a necessidade de ser veiculado em solução de 1%, em emulsão fina contendo 10% de óleo de soja,
1,2% de fosfolipídeos de ovo purifificado, 2,25% de glicerol e lecitina de ovo, conferindo a solução um aspecto
leitoso, de pH da solução 7 a 8,5 e a necessidade de agitar o frasco antes do uso, para homogenização da
emulsão. Tendo em vista ao veículo ser um meio rico para crescimento de bactérias, possui um tempo limitado de
uso após abertura do frasco. É essencial uma técnica asséptica no preparo e administração do propofol, uma vez
que infecção pós-operatória e hipertermia após procedimentos cirúrgicos não contaminados foram atribuídos à
contaminação do equipo de infusão e estudos laboratoriais demonstraram que microorganismos podem crescer na
solução (SHAFER & STANKI, 1991).Após a abertura em condições assépticas, o propofol pode ser armazenado
por até uma semana. A sua validade é de até 3 anos em temperatura de até 25 oC. Deve ser administrado
exclusivamente por via intravenosa (ROBERTSON et al., 1992,) não produzindo flebite ou dor grave no local.
FARMACOCINÉTICA
As características farmacocinéticas do profofol possibilitam que o mesmo seja utilizado em infusão contínua, sem
acarretar uma recuperação muito prolongada. O clearance metabólico do fármaco no homem é 10 vezes mais
rápido que o do tiopental, excedendo o fluxo sanguíneo hepático (GEPTS et al., 1987), (SHAFER, 1993). Nociti
173
(2001), sugerindo que sítios extra-hepáticos participem no metabolismo do fármaco, tais como o pulmão, intestino,
rins e plasma (CASSIDY & HOUSTON, 1984). No fígado, principal local de metabolismo, é metabolizado por
conjugação com o ácido glicurônico em metabólitos inativos (LÓPEZ et al., 1994). Os felinos apresentam menor
capacidade de biotransformação, devido à presença do radical fenol na fórmula. Sua eliminação é renal, sendo
menos que 1% sob a forma inalterada e 2% é eliminado pelas fezes. A sua excreção não é influenciada na
presença de insuficiência renal no homem (MORCOS & PAYNE, 1985). Apresenta um alto volume de distribuição
e ampla redistribuição para os tecidos, principalmente musculatura esquelética (SHAFER, 1993). A meia vida alfa
é de 2-8 min e beta de 322 minutos em cães (NOLAN & REID, 1993). Muito embora a meia-vida de eliminação do
propofol seja longa, a recuperação anestésica normalmente é rápida, mesmo no caso de administrações
prolongadas (SMITH et al., 1994). A razão para esta discrepância reside no fato de que a longa duração da meia-
vida de eliminação é devida à lenta remoção do fármaco de compartimentos teciduais altamente lipofílicos
(SHAFER & STANSKI, 1992). Os cães galgos despertam mais lentamente, dada a maior dificuldade de
metabolismo. Liga-se às proteínas plasmáticas e eritrócitos na taxa de 96 a 98% no cão, rato e porco da índia
(COCKSHOTT et al., 1992; WOOTEN & LOWRIE, 1993).. Pequenas doses de opióides podem potencializar o
efeito anestésico do propofol, devido a competição pelos mesmos sítios metabólicos.
Apresenta grande volume de distribuição em estado estável de 6,5 L/kg, indicando extensa redistribuição do
fármaco para tecidos como musculatura esquelética e gordura (HUGHES et al., 1992). O clearence é de 50,1
ml/kg/min e o tempo de permanência de 131,6 minutos (NOLAN & REID, 1993).
Ao se interromper a infusão do fármaco, a sua concentração no compartimento central é muito maior que nos
periféricos, declinando tanto pelo metabolismo quanto por redistribuição do fármaco para o compartimento
periférico (HUGHES et al., 1992). Desta forma, as concentrações séricas de propofol caem rapidamente para
níveis sub-hipnóticos, viabilizando uma recuperação rápida (HUGHES et al., 1992). A redistribuição do fármaco
para compartimento central (HUGHES et al., 1992) é lenta, resultando em uma meia-vida de eliminação
prolongada, de tal forma que as concentrações de propofol no compartimento central permanecem em níveis sub-
hipnóticos (HUGHES et al., 1992). A completa eliminação do propofol do organismo pode levar horas e mesmo
dias, mas tem pequeno ou nenhum efeito na recuperação da anestesia (HUGHES et al., 1992).
Aparentemente os animais idosos são mais sensíveis aos efeitos do fármaco, mais por fatores farmacocinéticos
que farmacodinâmicos (DYCK & SHAFER, 1992), já que animais jovens apresentam um volume do compartimento
central maior que em adultos, havendo uma necessidade de doses maiores do fármaco tanto na indução quanto
na manutenção por infusão intravenosa contínua (JONES et al., 1990; HANNALLAH, 1992). Não foram
observadas diferenças entre sexos no tocante à sensibilidade ao fármaco (AGUIAR, 1992).
A sua duração de ação varia de 3 a 4 minutos a 3 a 9 minutos, caso tenha sido administrado sem (WATKINS et
al., 1987, LÓPEZ et al., 1994) ou com medicação pré-anestésica (HALL & CHAMBERS, 1987; WATNEY &
PABLO, 1992). A infusão de propofol necessária para produzir anestesia cirúrgica é muito alta, levando a intensa
depressão cardiorrespiratória (Aguiar 2001, RODRIGO M E D)..
Tanto a indução quanto a recuperação anestésica são normalmente isentas de excitação (AGUIAR, 1992). O
tempo de recuperação após o uso de propofol é rápido desde que administrado em dose única. O despertar pode
ser rápido de acordo com a infusão contínua utilizada (WATKINS et al., 1987; HALL & CHAMBERS, 1987), dada a
rápida redistribuição do fármaco para compartimentos periféricos. No entanto a recuperação pode ser
extremamente prolongada quando a anestesia cirúrgica é obtida exclusivamente com o uso do propofol, pela
saturação de compartimentos periféricos, e a lenta remoção do agente destes compartimentos (Vieira (1999).
A DE50 do propofol em cães é de 1,25 mg/kg/min e as taxas de infusão necessárias para anestesia cirúrgica são
ao redor de 1,5 mg/kg/min. Quando administrado em infusão continua, preferencialmente deve ser diluído em
glicose a 5%.
FARMACODINÂMICA
Sistema Nervoso Central (SNC): O propofol inibe a atividade das sinapses espinhais e supra-espinhais por
potencialização dos efeitos do ácido gama-amino-hidroxibutírico (GABA) em receptores GABAérgicos (GUY &
GELB, 1991), exercendo suas ações em canais iônicos sem se ligar diretamente aos receptores (COLLINS, 1988).
Além da depressão do SNC, apresenta efeito miorrelaxante e redução do metabolismo cerebral (BORGEAT et al.,
1991, CONCAS, 1991). Promove vasoconstrição cerebral, reduz o fluxo sangüíneo cerebral e a pressão intra-
craniana (LÓPEZ et al., 1994). apresenta propriedades anti-pruriginosas, provavelmente por depressão medular,
tanto em corno superior quanto em anterior (BORGEAT et al., 1992b). Não está comprovado se o mesmo
apresenta propriedades analgésicas (DuGRES et al., 1989; McMURRAY, 1989; BORGEAT et al., 1994). Causa
maior depressão dos reflexos osteotendinosos e oculares, quando comparado ao tiopental.
Sistema Cardiovascular: Os efeitos depressores do propofol no sistema cardiovascular são dose dependentes
(Rouby et al. (1991). Reduz o débito cardíaco, por redução do volume sistólico e da pré-carga dado a um efeito
venodilatador direto (GOODCHILD & SERRARO, 1989, Bellinzona et al. (1991) e Morgan & Legge (1989),
reduzindo a pressão arterial e a sensibilidade barorreflexa em resposta à hipotensão arterial (Coates et al. (1987)
e Clayes et al. (1988). Reduz o consumo de oxigênio miocárdico, a frequência cardíaca e a resistência vascular
periférica (Bellinzona et al. (1991) e Morgan & Legge (1989). O propofol não altera a condução atrioventricular
174
nem apresenta efeito direto sobre a atividade do nodo sinoatrial, não induzindo assim bradiarritmias de forma
direta (SHARPE et al., 1995). A bradiarritmia pode estar ligada a uma menor sensibilidade barorreflexa, por
inibição da atividade simpática (EBERT et al., 1992), mas não é considerado arritimogênico, apesar de poder
intensificar as arritmias causadas pela adrenalina (BRANSON & GROSS, 1994). Aumenta o fluxo sanguíneo
coronariano, pela vasodilatação coronariana e diminui o consumo de oxigênio do miocárdio (STOWE et al., 1992).
Em doses equipotentes causa maior hipotensão que o tiopental sódico, possivelmente pela maior depressão que
sobre a resistência vascular sistêmica (LEPAGE et al., 1991).
Sistema Respiratório: Pode causar apnéia com duração de até 7 minutos, responsiva à estimulação dos reflexos
(LÓPEZ et al., 1994). A duração e ocorrência da apnéia depende da velocidade de administração. Reduz a
ventilação e a frequência respiratória, aumenta a ETCO2 e a PCO2, causando acidose respiratória e reduz a PO2
(WEAVER & RAPTOPOULOS, 1990, Aguiar et al. (2001). Em doses equipontentes causa maior depressão
respiratória que o tiopental.
Sistema digestório: Causa diminuição da tensão do esfíncter esofágico posterior, recomendando-se jejum prévio
de pelo menos 8 horas ou utilização de anti eméticos (WATERMAN & HASHIM, 1992). Entretanto, a incidência de
náuseas e vômitos após o uso do propofol é muito baixa e aparentemente o mesmo possui propriedades
antieméticas, provavelmente por modulação de vias neuronais subcorticais (Borgeat et al. (1992a).
Efeitos endócrinos: Não interfere na síntese de corticosteróides e também não altera a resposta normal
resultante da estimulação do ACTH, mesmo quando aplicado em infusão contínua (LANGLEY & HEEL, 1988).
EFEITOS COLATERAIS
Pode apresentar como efeitos colaterais dor no momento da injeção intravenosa (GHOURI et al., 1994), por
possível ativação da cadeia inflamatória de cininas (SCOTT et al., 1988) e hipotermia (fonda, 1991), pelo efeito
miorrelaxante e inibidor da termorregulação central e vasodilatação com inibição da vasoconstrição
termorregulatória tônica do organismo (fonda, 1991, (robertson et al., 1992; vieira, 1999). Não provoca liberação
de histamina e broncoespasmo (TARGA et al., 1991).
Em 8% dos animais anestesiados com propofol isoladamente podem ocorrer tremores musculares, opistótonos,
hiperextensão de membros e movimentos mandibulares (LÓPEZ et al., 1994)
Uso clínico do propofol: tem sido amplamente utilizado em pequenos animais para indução anestésica e para
anestesia intravenosa contínua associado a outros fármacos.
Dose: 2 a 5 mg/kg com MPA e até 7-8 mg/kg sem MPA. Em caso de anestesia intravenosa contínua usa-se 0,2 a
0,4 mg/kg/min (até 0,8 mg/kg/min), entretanto deve ser associado à outros fármacos para reduzir a dose e a
depressão cardiorrespiratória.
175
APARELHOS E CIRCUITOS ANESTÉSICOS EM PEQUENOS ANIMAIS
Francisco José Teixeira Neto
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
Introdução:
Desde o nascimento da anestesia inalatória em 1844, tem se buscado desenvolver equipamentos capazes
de administrar os agentes anestésicos de forma precisa e segura para o paciente. No que se refere à
administração dos agentes voláteis, houve grandes progressos, sendo que atualmente dispomos de equipamento
bastante aperfeiçoado, possibilitando maior segurança ao paciente.
LARINGOSCÓPIO
São utilizados para facilitar a visualização da entrada da laringe em pequenos animais, possibilitando
assim a intubação endotraqueal. Em cães não é um instrumental indispensável à intubação, embora a facilite. Em
gatos é um instrumental obrigatório à esta prática. Devemos, em felinos tomar o máximo cuidado para, durante o
ato da intubação não tocar na epiglote e/ou aritenóides com o laringoscópio (risco de laringoespasmo).
SONDAS ENDOTRAQUEAIS
A utilização de sondas endotraqueais é essencial para estabelecer uma via aérea patente, diminuindo o
risco de asfixia e/ou obstruções durante a anestesia. O ideal é que se disponha de sondas endotraqueais desde o
o o
n 2,5 até o n 14 (Diâmetro interno em milímetros). Entretanto as sondas humanas (Tecnobio, Rush, Portex),
utilizadas no nosso meio para pequenos animais, apresentam o tamanho máximo 9,5. No exterior se encontram
o
sondas veterinárias para uso em pequenos animais desde n n 2,5 até o 14 (Bivona). Em felinos os diâmetros
mais empregados são o 2,5/3,0/3,5/4,0. Em cães de raças gigantes (dogue alemão) pode-se empregar até a
o
sonda de n 14.
INTERMEDIÁRIOS:
O intermediário interliga o circuito anestésico à sonda endotraqueal. Atualmente tem se evitado o uso dos
intermediários à distância, uma vez que estes aumentam o espaço morto mecânico, aumentando assim o risco de
reinalação de CO2. Com o intuito de minimizar ao máximo o problema do espaço morto mecânico, deve-se reduzir
ao máximo o espaço entre a entrada da boca do animal e o circuito anestésico (não utilizar intermediários à
distância).
Aparelho de anestesia
3. Chicotes: São as tubulações que conduzem o gás diluente ao aparelho de anestesia (O2 cor verde, N2O
cor azul)
4. Fluxômetro ou Rotâmetro: Fluxômetro é a régua de ajuste do volume de gás diluente (escala em
litros/minuto) a ser enviado ao animal. O rotâmetro é praticamente idêntico, recebendo este nome por apresentar
uma escala mais precisa (ml/minuto).
5. Vaporizador: Após passar pelo fluxômetro, o gás diluente chega ao vaporizador, cuja função é volatilizar
o agente anestésico, administrando-o em concentrações seguras ao paciente.
Tipos de vaporizador:
5.1.Vaporizador Universal: O vaporizador universal, como o nome já revela, pode ser empregado com
qualquer agente halogenado, à exceção do desfluorano. Caracteriza-se por não possuir compensação de fluxo,
temperatura e pressão. Assim sendo, alterações no fluxo diluente (geralmente O2 a 100%) podem determinar
maior ou menor volatilização do fármaco, bem como alterações na temperatura e/ou pressão interna do circuito.
Este tipo de vaporizador não permite o cálculo preciso e imediato da concentração de anestésico enviada ao
176
animal, podendo-se apenas se ter uma idéia da concentração de anestésico através da mensuração do consumo
do agente volátil a cada dez minutos. O vaporizador. universal não possui limitação da volatilização máxima,
sendo que esta dependerá da pressão de vapor do halogenado. Assim sendo, no caso do halotano e isofluorano,
que possuem pressões de vapor relativamente elevadas, a capacidade de volatilização máxima será de
aproximadamente 30 vol%!!
5.2.Vaporizador Universal (“Vapor Kettle”): O vaporizador tipo “Kettle” é um modelo mais sofisticado de
vaporizador universal. Como todo vaporizador universal, aceita qualquer agente anestésico, não possui
compensação de fluxo, temperatura, e pressão. Diferentemente do vaporizador universal simples, o “Vapor Kette”
apresenta um termômetro para mensuração da temperatura no interior do vaporizador e um controle de fluxo de
borbulhamento, cuja finalidade é ajustar volume de anestésico (em mililitros) a ser borbulhado. No vaporizador
universal simples o controle do borbulhamento é visual, enquanto no “Vapor Kettle” é mais preciso. Este
vaporizador, por possibilitar o conhecimento tanto da temperatura como do volume de anestésico borbulhado
(ml/min), permite o cálculo imediato da concentração de anestésico enviada ao animal com o auxílio de uma régua
específica. Há ainda vaporizadores do tipo “Kettle” mais sofisticados que possuem um microprocessador que
calcula automaticamente a concentração enviada ao animal, dispensando o uso da régua.
5.3. Vaporizador Calibrado: Ao contrário dos vaporizadores universais, o vaporizador calibrado é agente
específico, não devendo ser utilizado com outro agente anestésico a não ser aquele para o qual o vaporizador foi
designado. Diferencia-se dos vaporizadores universais por possuir compensação de fluxo, temperatura e pressão.
O mecanismo de volatilização é por turbilhonamento ou arraste. Em termos práticos, o vaporizador calibrado
permite o ajuste imediato da concentração de anestésico enviada ao animal através da mudança de uma escala
situada em seu dial. No vaporizador calibrado a capacidade de volatilização máxima é limitada no dial (5 vol%
para o halotano e isofluorano), diferentemente do vaporizador universal, onde a volatilização máxima par ao
halotano e isofluorano pode atingir até 30 vol%.
Pode-se observar que o vaporizador calibrado apresenta inúmeras vantagens sobre os vap. universais,
entretanto, deve-se considerar que o seu custo de aquisição e manutenção é mais elevado, necessitando ser
enviado anualmente ao fabricante para nova recalibração.
Fluxômetro
Paciente
Fonte gás Circuito de Bain
diluente
(Torpedo de O2)
Circuitos Anestésicos:
Circuito de Bain
O Circuito de Bain é constituído por uma tubulação interna e por um tubo corrugado, localizado
externamente. O gás fresco (gás diluente + anestésico volatilizado) chega ao paciente através do tubo interno,
enquanto gases expirados pelo animal (contendo CO2) são eliminados para o meio externo através do espaço
existente entre o tubo interno e o tubo corrugado. Este circuito deve funcionar com fluxos de gás fresco elevados
(acima de 200 mL/kg/min) num sistema sem reinalação, uma vez que o CO2 expirado deve ser eliminado para o
meio externo através da vávula de escape.
177
Vantagens:
• Baixa resistência mecânica à respiração
• Mudanças relativamente rápidas de plano anestésico em repostas à mudanças na concentração
vaporizada
-Desvantagens:
• Maior perda de calor e umidade (hipotermia)
• Poluição ambiental (necessita de sistema de evacuação de gaes anestésicos)
• Consumo de O2 e anestésico (fluxo gás fresco > 200 ml/kg/min)→limita uso em animais
pesados
O circuito de Bain (sistema sem reinalação ou aberto) é indicado na anestesia de animais de pequeno
porte, com peso abaixo de 5 kg, uma vez que estes animais podem se beneficiar da baixa resistência mecânica à
respiração proporcionada por este circuito. Em função de não ocorrer reinalação dos gases expirados, o animal
perde mais calor e umidade através da respiração, apresentando hipotermia em maior intensidade. Deve-se
considerar que os animais sofrerão com maior intensidade o problema de hipotermia, devendo nestes casos se
adotar medidas preventivas da hipotermia (cobertores aquecidos, controle da temperatura da sala cirúrgica
fluidoterapia aquecida, etc...). A maior poluição ambiental pode ser resolvido com a adoção de um sistema anti-
poluição. O maior consumo de O2 e anestésico deixa de ser um problema significativo, uma vez que este circuito
só é utilizado em animais de pequeno porte (Peso < 5 kg)
meio
externo Paciente
O Circuito Circular Valvular pode funcionar tanto em sistema com reinalação total como com reinalação
parcial, dependendo do fluxo de gás diluente empregado. No Circuito Circular Valvular os gases expirados pelo
paciente são conduzidos à traquéia expiratória, válvula expiratória (só se abre durante a expiração), passando
pelo caníster e chegando finalmente ao balão reservatório. Ao passar pelo caníster, o CO2 expirado será retido na
cal sodada. Durante a inspiração, o paciente irá inalar os gases contidos no interior do balão mais o gás fresco. O
esta mistura passará pela válvula inspiratória e traquéia inspiratória, chegando finalmente ao animal.
178
Figura 03: Circuito Circular Valvular
Válvula
expiratória
Válvula de
escape Traquéia expiratória
Válvula
Caníster Paciente
inspiratória
Entrada gás
fresco Traquéia inspiratória
Balão reservatório
No sistema com reinalação total (também chamado sistema fechado), raramente empregado em
medicina veterinária, o fluxo de gás diluente (O2 a 100%) deve se igualar ao consumo metabólico de O2. Como o
O2 que entra no circuito é absorvido pelos pulmões para manter as atividade metabólica, não haverá acúmulo ou
excesso de gases no interior do circuito e a válvula de escape poderá permanecer fechada. Em pequenos
animais, emprega-se fluxo de O2 de aproximadamente 3 a 4 mL/kg/min para se obter um sistema com reinalação
total.
Vantagens:
• Melhor conservação de calor e umidade (melhor preservação da temperatura corpórea)
• Menor consumo de O2 e anestésico
• Poluição ambiental nula
Desvantagens:
• Mudança relativamente lenta de plano anestésico em repostas à mudanças na concentração vaporizada
• Risco de acúmulo de CO2 no interior do circuito caso a cal cal sodada esteja não funcional
• Risco de acúmulo de pressões excessivas no interior do circuito (estar atento à distensão do balão
reservatório: abrir válvula de escape em caso de necessidade)
• Não se deve utilizar o Óxido Nitroso com fluxos reduzidos de gás fresco (< 30 mL/kg/min), pelo fato do
N2O se acumular no interior do circuito)
No sistema com reinalação total dos gases expirados, observa-se menor perda de calor e umidade pela
respiração, possibilitando melhor manutenção da temperatura corpórea. Outra vantagem é que este sistema
resulta em menor consumo de O2 e anestésico, uma vez que se emprega um baixo fluxo de O2 (3-4 mL/Kg/min).
Para se utilizar um fluxo tão reduzido de O2, é necessário um rotâmetro de maior precisão, com escala graduada
em mililitros de O2. Entretanto a maioria dos aparelhos de anestesia veterinária dispõe apenas de fluxômetro
(escala em litros), inviabilizando o emprego do sistema de anestesia com baixos fluxos de gás diluente.
Como não há excesso de gases e a válvula de escape pode permanecer fechada, praticamente não
ocorre poluição ambiental. Entretanto, deve-se monitorar constantemente o grau de distensão do balão
reservatório, uma vez que pode ocorrer acúmulo excessivo de pressão no interior do circuito (indicado pela
distensão excessiva do balão). Caso isto ocorra, deve-se abrir a válvula de escape e liberar o excesso de gases.
Outro cuidado a ser tomado, é com relação ao estado da cal sodada. Caso esta esteja esgotada (sem capacidade
de absorver o CO2), há risco de hipercapnia (↑ PaCO2) devido a reinalação de CO2.
No sistema com reinalaçõa total não se pode utilizar o óxido nitroso (N2O)como adjuvante da anestesia,
uma vez que este gás irá se acumular progressivamente no interior do circuito, reduzindo a fração de O2 inspirada
(FiO2) e provocando hipoxemia (↓ PaO2).
No sistema com reinalação parcial dos gases expirados (também chamado de sistema semi-fechado)
o fluxo de gás diluente (O2) excede o consumo metabólico de O2, havendo acúmulo de gases no interior do
circuito, que serão eliminados para o meio externo pela válvula de escape (válvula aberta). Este é o sistema mais
empregado na prática clínica. Com um fluxo de O2 relativamente baixo (10-20 ml/Kg/min), obtém-se um sistema
179
semi-fechado com maior reinalação. Caso se empregue um fluxo relativamente elevado (50 a 100 ml/Kg/min),
obtém-se um sistema com menor reinalação.
Vantagens
• Conservação de calor e umidade razoável (intermediária ao sist. sem reinalação e com reinalação total)
• Mudança de plano anestésico relativamente rápida (intermediária ao sist. sem reinalação e com reinalação
total)
• Poluição ambiental reduzida (intermediária ao sist. sem reinalação e com reinalação total)
• Maior segurança (menor risco de hipóxia e hipercapnia)
Desvantagens
- Resistência mecânica à respiração
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ANESTESIA GERAL INALATÓRIA
Adriano Bonfim Carregaro e Stelio Pacca Loureiro Luna
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
INTRODUÇÃO
A anestesia geral pode ser obtida com a utilização de qualquer anestésico que tenha a característica de
promover hipnose por depressão do SNC. Apesar de muito antiga, a anestesia inalatório voltou a receber
destaque na anestesiologia somente na metade do século passado, com o advento de medicamentos mais
seguros para esta técnica. Apesar da anestesia poder ser obtida com agentes injetáveis, os anestésicos
inalatórios possibilitam mudanças de plano anestésico mais rápidas, fornecimento de oxigênio adequado durante
o procedimento, uma vez que este é o principal diluente e, por serem eliminados em sua grande parte pela via
aérea, não comprometem os sistemas de biotransformação e de excreção, em comparação aos agentes
intravenosos.
Diferentes concentrações de agentes inalatórios induzem a uma variedade de efeitos reversíveis. Baixas
concentrações podem induzir amnésia, euforia, hipnose, excitação e hiperreflexia. Altas concentrações podem
causar profunda sedação, miorrelaxamento e diminuição da resposta motora e autonômica frente a um estímulo
doloroso, progredindo para uma anestesia cirúrgica.
HISTÓRICO
A anestesia inalatória, atualmente o procedimento anestésico mais utilizado, não é tão recente como se
pensa. Na idade média, monges utilizavam uma esponja soporífera embebida em solução à base de ópio, sucos
de amoras amargas, eufórbia, meimendro, mandrágora e hera e sementes de bardana, alface e circuta. Tudo era
muito bem misturado, posto a ferver até a evaporação total, promovendo o sono nos pacientes.
Por volta de 1776, Joseph Priestley descobriu o dióxido de nitrogênio (N2O), ou óxido nitroso, também
conhecido como gás hilariante, por proporcionar tremenda euforia e bem estar. Entretanto, apenas em 1844,
Horace Wells utilizou o referido gás com fins anestésicos. Solicitou para que um amigo removesse um dente o
qual lhe incomodava. O procedimento foi realizado e Wells nada sentiu.
Famoso por seus procedimentos indolores, Wells foi convidado a demonstrar seu procedimento na
Universidade de Harvard. Todavia, a quantidade de N2O foi insuficiente, fazendo com que o voluntário urrasse de
dor. Wells foi taxado de charlatão e abandonou a odontologia; entrou em depressão, suicidando-se pouco depois.
William Thomas Green Morton, colega de Wells, substituiu em 1846 o N2O pelo éter que, embebido em
uma esponja e colocado em um globo de vidro, promoveu a primeira anestesia inalatória bem sucedida
reconhecida pela sociedade científica da época, em um paciente submetido à cirurgia de pescoço.
Atualmente, com a descoberta dos anestésicos inalatórios halogenados, isto é, compostos não
inflamáveis os quais contém cloro, bromo, flúor ou iodo em sua forma molecular, tem-se anestésicos mais
potentes, menos tóxicos e mais lipossolúveis, o que confere relativa facilidade na mudança do plano anestésico.
PROPRIEDADES QUÍMICAS
A estrutura química determina a estabilidade da molécula e sua resistência à degradação por variáveis
físicas como o calor, luz e materiais com os quais entra em contato, assim como sua resistência à degradação
metabólica no corpo e, portanto, seu potencial de toxicidade.
Óxido Nitroso
O óxido nitroso (N2O) é um gás inorgânico, incolor, com odor adocicado e não inflamável, que não se
degrada em condições físicas normais e não é biotransformado pelo corpo. Sintetizado em 1772, atualmente é
utilizado como “segundo gás”, por não ter condições de promover anestesia cirúrgica. O seu emprego se dá por
meio da administração de 25-75%, adicionado à mistura de O2 e do agente anestésico, favorecendo a indução e
manutenção anestésicas. A atuação sobre as variáveis hemodinâmicas e pulmonares é desprezível.
O uso de N2O em medicina veterinária é bastante restrito uma vez que esse poder de potencialização
dos agentes inalatórios não é tão evidente em animais como no homem. Além disso, atualmente o custo dos
agentes mais utilizados é bem acessível, o que não favorece financeiramente seu uso. Deve-se atentar para o
acúmulo de N no sistema anestésico, principalmente no balão reservatório, bem como nas cavidades do paciente,
como tórax, rúmen e abdome, devido a passagem do N com facilidade. A recuperação anestésica, após a
utilização do N2O deve ser realizada com o aporte de O2 puro para que não ocorre hipoxemia.
Halotano
O halotano (2-bromo-2-cloro-1,1,1-trifluoretano) (Figura 1), é um alcano, hidrocarboneto alifático
saturado, derivado halogenado do etano. Foi sintetizado em 1951 e introduzido clinicamente em 1956,
substituindo rapidamente os agentes inalatórios utilizados até então, principalmente o éter e o ciclopropano,
facilmente explosivos. Apesar do halotano ser inflamável, isto só ocorre em improváveis concentrações clínicas.
Devido esse fato, passou a ser o principal anestésico inalatório nas décadas de 80 e 90. Entretanto, algumas
181
características como cardiotoxicidade e biotransformação, comentadas com mais propriedade neste capítulo,
fizeram com que seu uso tenha diminuído sensivelmente nos últimos anos, dando abertura a agentes mais
seguros.
O halotano encontra-se na forma de líquido incolor, com odor agradável, o que lhe confere vantagem na
indução anestésica por máscara, porém apresenta certa instabilidade em contato com alguns fatores físicos,
corroendo metais, plásticos e borrachas presentes em um circuito anestésico, bem como degradar-se em contato
com a luz ultravioleta. Assim, utiliza-se 0,01% de timol para lhe conferir certa estabilidade, além de ser
acondicionado em frasco âmbar. O halotano também é adsorvido e degradado quando em contato com a cal
sodada seca. Todavia, após sua umidificação, ele é liberado.
Isofluorano
O isofluorano (2-cloro-2-(difluorometoxi)-1,1,1-trifluoro-etano) (Figura 1) foi introduzido na anestesia em
1981 para evitar os efeitos cardiotóxicos do halotano, destacando-se a sensibilização do miocárdio às
catecolaminas. Devido à remoção do Br e Cl pelo F e a ligação éter, a molécula adquiriu mais estabilidade, maior
lipossolubilidade e menor potência. Ademais, é um anestésico completamente não-inflamável.
O isofluorano é um éter halogenado e, atualmente, o anestésico mais utilizado em medicina veterinária,
apesar de começar a perder espaço na medicina para o sevofluorano, desfluorano e as novas técnicas de
anestesia intravenosa. A sua vantagem é a diminuta depressão hemodinâmica, comparada ao halotano,
biotransformação e custo. Todavia, devido seu odor repugnante, não é o agente mais indicado para a indução
anestésica.
O enfluorano é um isômero do isofluorano, ou seja, mesma fórmula e conseqüentemente, mesmo peso
molecular, porém com diferenças marcantes, tanto em relação à potência quanto à biotransformação, fazendo
com que fosse posto em desuso.
Sevofluorano
O sevofluorano (2,2,2-trifluoro-1-[trifluorometil] fluorometil éter) (Figura 1), começou a ser utilizado em
1995. Tal qual o isofluorano, não é inflamável e pouco altera os parâmetros hemodinâmcos. A diferença marcante
ao isofluorano é a baixa solubilidade e, associado ao seu odor agradável, é o anestésico inalatório mais indicado
para a indução anestésica.
Todavia, o contato com a cal sodada origina pelo menos dois produtos de degradação, os compostos A
(fluorometil-2,2-difluoro-1-[trifluorometil] vinil éter) e B (1,1,1,3,3-pentafluoro-2-[fluorometoxi]-3-metoxipropano),
especialmente em altas temperaturas. Apesar de promover necrose renal em ratos, o mesmo não foi verificado em
outras espécies. Entretanto, tem-se relatado proteinúria e glicosúria em alguns pacientes.
Desfluorano
O desfluorano (2-(difluorometoxi)-1,1,1,2-tetrafluoro-etano) (Figura 1), recentemente foi introduzido na
medicina veterinária. Atualmente, vem substituindo o isofluorano na medicina, porém devido o alto custo,
principalmente a necessidade de equipamentos apropriados para sua administração, seu uso em medicina
veterinária ainda restringe-se à pesquisa. Soma-se a isso, a baixa potência e o odor repugnante.
PROPRIEDADES FÍSICAS
As características ideais para um anestésico inalatório incluem ampla potência, baixa solubilidade no
sangue e tecidos, resistência à degradação física e metabólica, e efeitos ínfimos nos órgãos vitais, sejam íntegros
ou lesados. Outras características incluem irritação de vias aéreas e estimulação cardíaca, mais precisamente,
alterações de ritmo, baixo custo e mínimo ou nenhum efeito na camada de ozônio.
Resistência à degradação
Para minimizar o custo e resíduos, os agentes inalatórios são administrados por meio de circuitos de
anestesia circulares valvulares, ou seja, reinalatórios. Esses circuitos são compostos de um sistema de absorção
de dióxido de carbono (CO2) e permite, dessa forma, a reinalação do gás expirado pelo paciente. Os absorventes
consistem em bases divalentes (hidróxido de cálcio ou de bário) ou monovalentes (hidróxido de sódio ou de
potássio), adicionadas a 15% de água. Estudos demonstraram que os absorventes com sódio ou potássio (fortes
bases) produzem maior quantidade de monóxido de carbono (CO) e composto A que os absorventes com cálcio.
O absorvente mais utilizado é o hidróxido de cálcio, conhecido como cal sodada.
A degradação dos anestésicos inalatórios por essas bases pode ser influenciada pelo tipo de absorvente
utilizado, alta temperatura, tanto de cal sodada quanto do paciente, e do fluxo. Os produtos da degradação
dependem do tipo de anestésico, umidade ou ressecamento da cal sodada. Alguns desses produtos merecem
cuidados. A cal ressecada pode degradar qualquer um dos agentes anestésicos, todavia, ocorre maior formação
de CO em contato com o desfluorano. Esse problema não ocorre em absorventes úmidos. A formação do
composto A, com potencial nefrotóxico, advém da degradação do sevofluorano, tanto na presença de cal sodada
úmida quanto seca. O halotano não é degradado em composto A, ainda que o seja em um composto paralelo,
insaturado e também nefrotóxico. Entretanto, a quantidade produzida não é suficiente para promover lesão renal,
ou pelo menos, menor que a quantidade produzida de composto A advinda do sevofluorano.
182
Pressão parcial de vapor
Os anestésicos inalatórios necessitam ser volatilizados para serem absorvidos e, posteriormente, voltar à
forma líquida (condensação) para atingir o sangue e o órgão-alvo, no caso o cérebro. O que determina a
passagem do anestésico para as diversas fases orgânicas é a pressão parcial entre elas.
A pressão parcial de vapor é a pressão a qual as moléculas são mantidas em equilíbrio entre as fases
líquida e gasosa, ou seja, alvéolos e sangue, por exemplo. É a pressão (em mmHg) necessária para volatilizar-se
um anestésico; na prática, o suficiente para que as moléculas sejam inaladas e voltem ao estado líquido, atingindo
o cérebro e promovendo anestesia.
Apesar da quantificação do anestésico inalatório ser expressa geralmente sob a forma de porcentagem,
discutida a posteriori, a pressão parcial é o melhor parâmetro de concentração para descrever a difusão do
anestésico. Isto porque a quantidade de anestésico inalado está intimamente relacionada à pressão atmosférica.
A concentração de um anestésico (vaporização) é dada pela pressão parcial do gás dividida pela pressão
atmosférica x 100. Ao nível do mar tem-se uma pressão atmosférica de 760mmHg. Pra o isofluorano, o qual tem
pressão parcial de vapor de 240 (a 20°C) (Tabela 1), a máxima vaporização atingida seria 31,5%. Entretanto, essa
mesma vaporização seria maior em La Paz (Bolívia), uma vez que a cidade localiza-se a 3650 metros acima do
nível do mar (473mmHg). Assim, nessas condições, a vaporização máxima de isofluorano (a 20°C) seria 240/473
x 100 = 50,7%!
Solubilidade
Uma das propriedades biofísicas mais importantes dos anestésicos inalatórios é a sua solubilidade nos
diferentes tecidos orgânicos. Na comparação entre eles, é de suma importância caracterizar se a solubilidade dos
fármacos é diferente, uma vez que ela está intimamente relacionada à indução e recuperação anestésica.
Também caracterizada como coeficiente de partição (CP), a solubilidade é determinada sendo a razão
entre dois meios distintos, seja sangue/gás ou sangue/cérebro, por exemplo. Essa razão expressa a concentração
necessária para que os dois compartimentos entrem em equilíbrio, permitindo com que o anestésico atravesse as
membranas por difusão, chegando ao órgão efetor.
183
As doses dos anestésicos inalatórios podem ser quantificadas em múltiplos da CAM. O valor de 1 CAM
representa a dose mínima efetiva (ED50) de dado anestésico inalatório. Geralmente é uma dose ineficaz para a
manutenção anestésica, a qual é influenciada por características individuais, adjuvantes anestésicos e também ao
procedimento cirúrgico em questão. A concentração capaz de manter 100% dos pacientes anestesiados situa-se
próxima a 1,5 CAM para qualquer anestésico. Todavia, a utilização de fármacos como sedativos ou opióides
promovem um sinergismo com o agente inalatório, diminuindo a necessidade do mesmo em pequenos animais. Já
em eqüinos, o uso de opióides não promove tal efeito. Neste caso, características individuais como espécie e raça
influenciam a CAM, além do estado nutricional e condições fisiológicas (hipotermia, hipoproteinemia, hipotensão).
A duração do procedimento, sexo e peso não têm influencia sobre essa variável. As CAMs dos principais agentes
inalatórios em cães, eqüinos e gatos estão descritas na Tabela 1.
184
EFEITOS DOS ANESTÉSICOS NOS SISTEMAS ORGÂNICOS
Hemodinâmico
Todos os agentes anestésicos inalatórios promovem depressão hemodinâmica dose-dependente. Em
concentrações terapêuticas, há hipotensão arterial e diminuição do débito cardíaco, principais parâmetros
hemodinâmicos. O halotano é o agente que mais deprime esse sistema ocorrendo bradicardia, diminuição da
resistência vascular sistêmica e inotropismo negativo, culminando em hipotensão severa. Apesar da hipotensão
promovida pelo isofluorano ser semelhante ao halotano, há manutenção do débito cardíaco, uma vez que a
origem dessa queda está quase que totalmente relacionada à diminuição da resistência vascular sistêmica e não à
força de contração do miocárdio.
A freqüência cardíaca é reduzida frente ao halotano, resultante da ação sobre vários pontos, tanto nas
células marcapasso quanto no sistema de Hiss-Purkinje. Tem sido imputado ao isofluorano, tal qual o desfluorano,
situações de aumento desse parâmetro, geralmente decorrente de compensação da hipotensão. O sevofluorano
praticamente não altera a freqüência cardíaca.
O débito cardíaco decresce com o uso de qualquer agente inalatório. Entretanto, essa variável é afetada
em demasia com o uso de halotano e enfluorano. Essa diminuição é imputada à diminuição do volume sistólico,
decorrente do inotropismo negativo. Em concentrações clínicas, o isofluorano, sevofluorano e desfluorano mantêm
o débito cardíaco em patamares adequados. Há redução do fluxo sangüíneo coronariano com o uso de halotano.
A diminuição desse fluxo parece ser uma resposta à redução nas necessidades miocárdicas de O2. Apesar do
isofluorano promover redução do fluxo coronariano, geralmente há menor depressão do fluxo que com os outros
anestésicos.
Há vasodilatação cerebral em resposta ao halotano, produzindo aumento no fluxo sangüineo cerebral,
apesar da redução no débito cardíaco. O aumento na pressão intracraniana, que acompanha a dilatação da
vasculatura cerebral, limita a utilização do halotano nos pacientes com lesões cerebrais decorrentes de traumas
ou tumores. O mesmo efeito ocorre com o isofluorano, porém, em menor intensidade comparado ao halotano.
O fluxo sanguíneo renal é alterado, principalmente com o halotano. Há redução na filtração glomerular e
conseqüentemente, no volume urinário. Há também, redução no fluxo sanguíneo hepático total, promovendo uma
constrição do fígado, com diminuição da oxigenação tecidual. Essa diminuição no fluxo sangüíneo, tanto renal
quanto hepático é de 30-40% com o halotano e bem menos intensa com os outros agentes inalatórios.
Apesar de todos os efeitos depressores hemodinâmicos, obtidos em maior ou menor intensidade de
acordo com a concentração do fármaco, o principal efeito indesejável dos agentes inalatórios é a sensibilização do
miocárdio às catecolaminas, culminando em arritmias, principalmente extra-sístoles ventriculares. Esse efeito
ocorre quando há aumento das catecolaminas circulantes, decorrente de estimulação simpática, hipóxia e acidose,
ou a administração de epinefrina. A mecanismo de ação ainda não está totalmente elucidado, embora os
receptores 1 adrenérgicos sejam os principais envolvidos na gênese dessas arritmias. As arritmias ventriculares
podem ser prevenidas com o uso de fenotiazínicos na medicação pré-anestésica, bloqueando tais receptores.
Esse efeito é mais pronunciado com o uso de halotano que, associado à alta taxa de biotransformação, faz com
que esse agente rapidamente perca espaço na anestesiologia veterinária. O sevofluorano, desfluorano e
isofluorano praticamente não promovem esse efeito tendo o último, ação antiarrítmica frente ao uso de cloreto de
bário em cães.
Pulmonar
A depressão pulmonar é observada com o uso de quaisquer anestésicos inalatórios, sendo dose-
dependente. Todos os agentes promovem diminuição do volume corrente e aumento no CO2 arterial. A
hipoventilação e a hipercapnia ocorrem geralmente em uma respiração espontânea. Rapidamente há taquipnéia e
respiração superficial o que, por vezes, pode ser confundida com superficialização da anestesia. O halotano inibe
a resposta ventilatória à hipoxemia, impendindo o controle neural central da respiração. Assim, o efeito da
anestesia profunda pode ser devastador durante a ventilação espontânea com halotano, uma vez que a
hipoventilação progressiva, o impedimento da troca de CO2 e O2 e a ausência de resposta à hipercapnia, podem
levar ao agravamento do quadro de hipoxemia.
No homem, o sevofluorano produz depressão respiratória dose-dependente, ocasionando hipercapnia e
diminuição da curva de resposta ao CO2. Os efeitos respiratórios desse fármaco são equiparáveis aos do
isofluorano, sendo que ambos deprimem a função respiratória em maior intensidade que o halotano. A apnéia é
obtida com concentrações superiores à 3 CAM com o halotano. Já com o isofluorano, o índice apnéico cai para 2,5
CAM e, para o desfluorano, 2 CAM, demonstrando a maior capacidade depressora desse último. Ainda, há
broncodilatação com o uso do halotano.
Os anestésicos inalatórios diferem ainda na pungência (odor acre) e tendência em irritar as vias aéreas.
Devido a baixa pungência e pouco risco de irritar as vias aéreas, o sevofluorano é atualmente o mais indicado
para uma indução anestésica por máscara. Ao contrário, o desfluorano deve ser evitado como agente indutor uma
vez que é altamente pungente e muito irritante às vias aéreas, promovendo tosse, laringoespasmo e aumento de
secreções, fato também presente na indução por isofluorano. Durante a anestesia, não foram observados efeitos
irritantes com o uso de halotano e sevofluorano. Para o isofluorano e desfluorano, a irritação é quase desprezível
em concentrações até 1 CAM.
185
Muscular
O miorrelaxamento obtido com os agentes inalatórios é dose-dependente, sendo que o halotano
promove miorrelaxamento moderado, apesar de suficiente para a realização da maioria dos procedimentos
cirúrgicos. Entretanto, para situações que exijam miorrelaxamento total, tanto o isofluorano quanto sevofluorano e
desfluorano são mais indicados.
A hipertermia maligna, uma síndrome de origem genética, e imuno-mediada, ocorre com maior
incidência em suínos e em menor escala em humanos. Na anestesia inalatória em suínos, deve-se evitar o uso de
halotano em animais puros ou oriundos de cruzamentos com as raças Pietrain ou Landrace, as quais são mais
susceptíveis. Apesar de citada com o uso de todos os agentes inalatórios nas outras espécies, é rara mas com
incidência maior com o uso de halotano.
Biotransformação
A biotransformação dos anestésicos inalatórios atuais não promove tantos danos teciduais como ocorria
com o clorofórmio e éter. Ela se dá por via hepática, realizada pelo complexo microssomal P450 2E1. De todo o
halotano administrado ao paciente, aproximadamente 20% é biotransformado. O sevofluorano, isofluorano e
desfluorano têm maior resistência à biodegradação, com 5%, 0,2% e 0,02% respectivamente.
Entretanto, o halotano, isofluorano e desfluorano são biotransformados em compostos acetilados, como
o trifluoroacetato (TFA), o qual causa hepatotoxicidade através de uma reação imunológica envolvendo a
formação de um hapteno e uma resposta auto-imune. A incidência de lesão hepática depende da extensão de
biotransformação do fármaco. Desse modo, está mais associado ao uso do halotano e em muito menor grau, com
o isofluorano e desfluorano. Apesar de aproximadamente 5% do sevofluorano inalado ser biotransformado, esse
fármaco não está associado à lesão hepática, pois gera compostos inorgânicos, como o fluoreto e
hexafluoroisopropanol.
O halotano está relacionado a dois tipos de hepatotoxicidade. Aproximadamente 20% dos pacientes
humanos têm sintomas de hepatite discreta a moderada como náuseas, letargia, febre e aumento nas enzimas
alanina e aspartato aminotransferases. Outra situação, rara mas presente em 1:10.000 casos de anestesia com
halotano, desenvolvem hepatite aguda, com presença de necrose, caracterizada por marcante aumento nas
enzimas alanina e aspartato aminotransferases e bilirrubina, icterícia, encefalopatia hepática e, por vezes, o óbito.
Pacientes com diagnóstico clínico de hepatite por halotano contém anticorpos para imunoglobulina G
(IgG) atuando contra as proteínas hepáticas modificadas pelo TFA, CF3 e COCl, metabólitos do halotano. A
exposição crônica indireta a esses agentes, principalmente por profissionais com contato periódico
(anestesiologistas, cirurgiões, enfermeiros) é preocupante uma vez que estudos demonstraram que 10% dessa
população apresenta anticorpos para essas proteínas acetiladas, evidenciando a necessidade de sistemas de
anti-poluição eficientes no ambiente cirúrgico. Há necessidade de estudos mais detalhados sobre esse tema para
determinar qual a real periculosidade disso.
Fatores predisponentes para a hepatite por halotano seriam a prévia exposição ao agente, obesidade,
sexo feminino, curtos intervalos entre as exposições, icterícia pós-operatória e pré-disposição genética para
hepatite. Como o halotano tem maior biotransformação, a possibilidade de hepatite significativa frente a esse
agente é maior. Em humanos, tem-se uma relação de 1 caso para cada 10.000 com halotano, 1:1.000.000 para o
isofluorano e 1:10.000.000 para o desfluorano.
Nefrotoxicidade
O efeito nefrotóxico dos agentes inalatório teve sua preocupação no início da década de 40, quando o
metoxiflurano passou a ser utilizado. Esse efeito era ocasionado pela formação secundária de fluoreto, advinda da
biotransformação desse agente. Utilizando o modelo de metoxifluorano, constatou-se que uma concentração
plasmática acima de 50 µmol/L de fluoreto inorgânico resultava em nefrotoxicidade. A produção de fluoreto
inorgânico com o uso de desfluorano, halotano e isofluorano é limitada e esses agentes são improváveis como
causadores de nefrotoxicidade em pacientes saudáveis. Apesar de estudos observarem uma concentração
plasmática acima de 50 µmol/L após a administração prolongada de sevofluorano, não constatou-se diferença
entre as disfunções renais após este agente em comparação aos outros citados.
A nefrotoxicidade do composto A tem sido demonstrada em animais expostos a altas concentrações.
Estudos têm demonstrado que o perigo com o uso de sevofluorano ocorre quando administra-se mais que 2
CAM/hora, ou seja, 1 CAM por duas horas ou 2 CAM em uma hora, e o fluxo de gás inspirado seja menor que
2L/min. Isso faz com que ocorra um acúmulo do composto A no circuito, podendo estar associado à proteinúria e
glicosúria. Assim, recomenda-se a utilização de um fluxo superior a 1L/min em procedimentos prolongados, sob
anestesia com sevofluorano. A nefrotoxicidade em estudos com ratos demonstram uma concentração indesejável
acima de 290ppm/h.
Teratogenicidade
Estudos realizados nos idos de 70, concluíram que mulheres expostas a traços de gases anestésicos
tinham maior propensão a aborto espontâneo, infertilidade e anormalidades congênitas nas suas crianças.
Entretanto, estudos posteriores comprovaram lacunas na metodologia, colocando em dúvida essa afirmação.
Adicionalmente, estudos em animais demonstraram não haver correlação entre mutagenicidade,
186
carcinogenicidade, ou toxicidade orgânica frente à exposição de anestésicos. Entretanto, a teratogenicidade foi
demonstrada em animais após uma exposição prolongada durante a gestação.
Éter
O éter foi o anestésico inalatório que por mais tempo foi utilizado na rotina hospitalar, desde a primeira
utilização, por Morton. Por mais de 100 anos foi considerado o agente inalatório mais seguro em um procedimento
anestésico. Como vantagem, era um agente inalatório que permitia rápida hipnose e recuperação, para os
padrões da época, além de ser pouco biotransformado e promover poucas alterações cardiovasculares.
Entretanto, algumas características indesejáveis, somado ao advento do halotano, fizeram com que o
uso do éter em anestesia fosse descartado. Por ser inflamável, havia a possibilidade de explosão uma vez que o
gás, mais pesado que o ar, se acumulava na sala cirúrgica e ficava alheio à qualquer fonte de faísca. Ademais,
S
devido a baixa lipossolubilidade, com CP /G 12,1, ou seja, cinco vezes maior que o halotano, verificou-se que as
mudanças de planos anestésicos não eram tão rápidas como se pensava. Apesar de ainda utilizado como
anestésico inalatório em animais de laboratório, seu uso é quase nulo devido o baixo custo do halotano e
facilidade no uso.
Enfluorano
O enfluorano (2-cloro-1,1,2,-trifluoroetil-difluorometil éter) é um isômero do isofluorano. Foi introduzido na
anestesiologia em 1966, a fim de substituir o halotano, uma vez que não sensibilizava o miocárdio às
catecolaminas e tinha uma taxa de biotransformação de 5%. Todavia, o enfluorano é bem menos potente que o
halotano, tem efeito hemodinâmico muito similar e efeito depressor pulmonar mais acentuado. Ademais, a
concentração ideal para planos mais profundos de anestesia, necessária em alguns procedimentos cirúrgicos,
promove intensa depressão comparando-se aos outros agentes inalatórios. O miorrelaxamento promovido pelo
enfluorano também não é o ideal. Por vezes, o paciente, mesmo em plano ideal de anestesia, apresenta
fasciculações ou movimentos abruptos, muito similares às convulsões. Atualmente, a utilização do enfluorano
diminuiu bruscamente, principalmente com o advento do isofluorano, ou até mesmo comparando-se ao halotano.
187
Figura 01. Estrutura química dos principais agentes halogenados.
188
Modificado de Campagna et al., 2003.
Figura 2. Locais de ação dos anestésicos inalatórios. À esquerda tem-se uma sinapse inibitória (GABAA), mediada
pelo neurotransmissor GABA e permeável por ânions. À direita, uma excitatória, mediada por acetilcolina e
permeável por cátions. Abaixo, respectivamente, têm-se as curvas dos potenciais de membrana influenciados
pelos anestésicos inalatórios, sendo maior nos neurônios inibitórios, estimulando o efeito, e menor nos
excitatórios, inibindo o mesmo.
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190
Francisco José Teixeira Neto
João Carlos Moreira
1. INTRODUÇÃO
A anestesia geral deve produzir inconsciência, analgesia, relaxamento muscular e proteção
neurovegetativa. Tendo em vista que nenhum anestésico, isoladamente, possui todas estas características,
tem-se dado ênfase ao conceito de anestesia balanceada, que envolve o uso de associações de fármacos
objetivando atingir todos os objetivos da anestesia ideal. Os anestésicos gerais intravenosos e/ou inalatórios,
além de produzirem inconsciência (hipnose), produzem relaxamento da musculatura esquelética por atuarem
no sistema nervoso central. Em pacientes veterinários, este grau de relaxamento é suficiente para a realização
da maioria dos procedimentos cirúrgicos e/ou investigativos. No entanto, em determinadas situações (Ex:
cirurgias oftalmológicas, casos selecionados de cirurgias ortopédicas, facilitação da ventilação mecânica) pode
ser necessário um maior grau de relaxamento da musculatura esquelética. Nestas ocasiões, o relaxamento da
musculatura esquelética pode ser obtido com o uso de agentes bloqueadores neuromusculares. Os
bloqueadores neuromusculares são fármacos que, por interferirem com a neurotransmissão na placa motora,
causam relaxamento da musculatura estriada. Portanto, esta categoria de fármacos se constitui num
importante componente de técnicas de anestesia balanceada.
191
Figura 1: Representação esquemática da anatomia e fisiologia do sistema nervoso autônomo e somático. O sistema
nervoso (SN) parassimpático e simpático apresentam neurônios pré e pós-ganglionares. O corpo celular dos neurônios pré-
ganglionares não é representado no esquema, estando localizado no SN central. A terminação nervosa das fibras pré-
ganglionares (representada pelos triângulos) faz sinapse com o corpo celular dos neurônios pós-ganglionares
(representado pelos círculos), formando os gânglios. A acetilcolina (Ach) é o mediador químico responsável pela
neurotransmissão tanto nos gânglios parassimpáticos como nos gânglios simpáticos e os receptores nestes gânglios são
do tipo colinérgico nicotínico (N). No SN parassimpático, o neurônio pós-ganglionar libera Ach que, ao se ligar aos
receptores colinérgicos muscarínicos (M), localizados nas células efetoras (Ex: musculatura lisa gastrointestinal, glândulas
exócrinas, nodo sinoatrial), produz efeitos parassimpatomiméticos (bradicardia, salivação, aumento da motilidade
gastrointestinal).
No SN simpático, o neurônio pré-ganglionar libera Ach que se liga a receptores nicotínicos localizados tanto nas
células cromafínicas da medula da adrenal como em neurônios pós-ganglionares. As células cromafínicas da medula da
adrenal se comportam como estruturas análogas à fibra pós-ganglionar, liberando epinefrina (Epi) e norepinefrina (Nor) na
corrente sanguínea. Neste caso, estes neurotransmissores atingem as células efetoras por via circulatória. A Nor liberada
por neurônios pós-ganglionares localizados junto às células efetoras também é responsável pelos efeitos simpatomiméticos
(redução da motilidade e de secreções gastrointestinais, estimulação cardiovascular, broncodilatação). Apesar da Nor e Epi
serem os neurotransmissores responsáveis pela maioria dos efeitos simpatomiméticos, uma exceção a esta regra são as
células sudoríparas, que são inervadas por fibras simpáticas pós-ganglionares cujo neurotransmissor é a Ach. Vasos
sanguíneos localizados na musculatura esquelética também podem apresentar dilatação em resposta à Ach liberada por
fibras simpáticas.
No sistema nervoso somático, diferentemente do SN autônomo, o neurônio motor faz sinapse diretamente com a
célula efetora (célula muscular estriada). O neurotransmissor liberado é a ACh, que resulta em contração da célula
muscular estriada ao se ligar a receptores colinérgicos nicotínicos (N).
O estímulo através do nervo motor (despolazização) causa a fusão das vesículas contendo acetilcolina
com a membrana pré-juncional, liberando-a na fenda sináptica. Esta fusão é um mecanismo dependente do
influxo de cálcio no neurônio. Na fenda sináptica a acetilcolina pode ser hidrolisada pela acetilcolinesterase ou
interagir com receptores colinérgicos nicotínicos, presentes na membrana pós-juncional. A acetilcolina na fenda
sináptica é rapidamente hidrolisada pela acetilcolinesterase em colina e acetato. O metabolismo ocorre
rapidamente, de forma que apenas uma molécula de acetilcolinesterase, é capaz de hidrolisar centenas de
moléculas de acetilcolina, impedindo o acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica.
A estimulação de receptores colinérgicos nicotínicos pós-juncionais, situados na membrana das células
musculares estriadas, promove despolarização celular com conseqüente contração muscular. O potencial de
ação é um evento que ocorre como conseqüência da alteração da permabilidade da célula estriada, o que
+ +
resulta em influxo de Na e efluxo de K . Este evento (despolarização) é transmitido para o retículo
++ ++
sarcoplasmático com consequente liberação de Ca para o citoplasma da célula estriada. A liberação de Ca
pelo retículo sarcoplasmático, na presença de ATP, é o evento intracelular que desencadeia interação dos
filamentos de troponina, actina e miosina, resultando assim na contração da musculatura estriada (Figura 2).
192
Figura 2: Representação esquemática de uma terminação nervosa de musculatura esquelética e dos eventos associados à
contração muscular. A – A despolarização do neurônio motor cauda a fusão das vesículas contendo acetilcolina (Ach) com
a membrana pré-juncional, em evento dependente do influxo de cálcio. Quando a célula muscular estriada se encontra em
estado relaxado, os receptores nicotínicos (N) não se encontram ocupados. B – A Ach liberada na fenda sináptica irá se
ligar os receptores nicotínicos, causando despolarização da célula musculatura estriada (notar inversão de polaridade da
membrana celular). A despolarização, ao se transmitir ao retículo sarcoplasmático (RS), resulta na liberação do Ca++
acumulado no interior deste. O Ca++ ao se ligar à troponina, desencadeia a interdigitação das miofilamentos (contração
muscular)
3. BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES:
Os bloqueadores neuromusculares competem com a acetilcolina pelo seu sítio de ligação nas células
musculares estriadas (receptores colinérgicos nicotínicos), promovendo relaxamento muscular. Devido ao fato
de serem moléculas polarizadas, os bloqueadores neuromusculares não são capazes de ultrapassar as
barreiras hemato-encefálica e placentária. Portanto os bloqueadores neuromusculares apresentam ação
periférica exclusiva (relaxamento muscular devido à sua ação na junção neuromuscular), sendo desprovidos de
feitos centrais (SNC) e no feto. Pelo fato de não promoverem inconsciência, analgesia ou anestesia, não
podem ser utilizados como fármacos únicos para quaisquer procedimentos cirúrgicos.
Devido ao fato do animal bloqueado apresentar globo centralizado, respostas motoras reflexas (ex:
reflexo palpebral, interdigital, laringotraqueal) abolidas ou diminuídas, além de paralisia da musculatura
respiratória, torna-se impossível a avaliação clínica do plano anestésico com base em reflexos motores e
respiração. Portanto, em animais bloqueados, é essencial a monitoração constante da freqüência cardíaca e da
pressão arterial para se avaliar a profundidade anestésica. Caso haja hipertensão e taquicardia, pode se tratar
de sinal sugestivo de plano superficial de anestesia e/ou analgesia insuficiente. Por outro lado, em caso de
hipotensão, pode se tratar de caso de plano anestésico excessivamente profundo.
Os bloqueadores neuromusculares são classificados, de acordo com o mecanismo do bloqueio
instalado, em bloqueadores despolarizantes e não despolarizantes ou competitivos.
4. MECANISMO DE AÇÃO
Bloqueadores despolarizantes - O protótipo dos agentes despolarizantes é a succinilcolina. Os agentes
despolarizantes são moléculas menores, polares e lipofóbicas. Atualmente, são pouco utilizados em medicina
veterinária. Os agentes despolarizantes mimetizam a ação da acetilcolina, promovendo despolarização
sustentada. A hidrólise dos bloqueadores despolarizantes é mais lenta do que a acetilcolina e com isso, atuam por
mais tempo no sítio de ação.
O bloqueio dos agentes despolarizantes compreende duas fases:
Fase 1 – Ocorre despolarização contínua pela abertura dos canais de Na+, o que leva levando a
fasciculação (contração) muscular transitória devido à liberação de Ca++ do retículo sarcoplasmático.
Fase 2 – Ocorre o fechamento dos canais de Na+ e insensibilização da membrana pós-juncional que,
no entanto, permanece no estado despolarizado. Nesta fase, apesar da persistência da despolarização, ocorre
paralisia flácida da musculatura esquelética, que ocorre devido ao retorno do Ca++ para o interior do retículo
sarcoplasmático.
Os agentes despolarizantes não possuem um antagonista específico. Quando forem utilizados, a
ventilação controlada é necessária até que o bloqueador presente na fenda sináptica seja metabolizado.
193
Devido ao espasmo muscular inicial causado por estes fármacos, seu uso é contra-indicado
contra em animais com
glaucoma e/ou úlceras de córnea, uma vez que a contração da musculatura extra-orbitária
extra pode aumentar a
pressão intraocular.
Pancurônio - (Mioblock® - Pavulon® - Pancuron®) – O pancurônio possui período de latência menor quando
comparado com outros agentes competitivos. O período hábil de ação é longo, podendo chegar a 100 minutos.
A biodegradação hepática produz três metabólitos, sendo que um deles possui a metade da potência do
atracúrio. É excretado na forma inalterada pela urina (90%), enquanto apenas (10%) é excretado pela bile. Por
apresentar esta característica, o pancurônio não é recomendado em pacientes nefropatas (Tabela I).
O pancurônio não libera histamina, não possui efeito cumulativo e só promove alteração da pressão arterial em
doses elevadas, e estas podem promover bloqueio de difícil reversão (Tabela I). As alterações da pressão arterial,
quando presentes, se devem à diminuição da recaptação de noradrenalina nos terminais nervosos simpáticos.
A dose recomendada do pancurônio é de 0,06 mg/kg. O emprego de dose baixa (0,01mg/Kg/IV) de pancurônio
resulta em centralização do globo ocular (até 60 minutos) sem causar depressão respiratória que justificasse o
uso de suporte ventilatório mecânico. Desde que, a função respiratória seja adequadamente monitorada, o uso
de doses reduzidas de pancurônio (0,01 mg/kg) pode propiciar condições adequadas para realização de
cirurgias oftalmológicas sem que haja necessitade de respiração controlada. O produto comercial deve ser
mantido sob refrigeração.
Vecurônio (Norcuron®) – O vecurônio foi sintetizado a partir do pancurônio com o objetivo de se desenvolver
um bloqueador neuromuscular com mínimos efeitos deletérios cardiovasculares. O período hábil de ação é
equivalente à metade do pancurônio, por sua inativação ocorrer pelo metabolismo hepático. É excretado pela
bile (40%) e a excreção renal (15%), sendo portanto contra indicado em pacientes hepatopatas. Pacientes com
insuficiência hepática podem apresentar efeito cumulativo e potencialização do bloqueio. Em pacientes hígidos
não apresenta efeito cumulativo, podendo ser utilizado em infusões contínuas. Como a eliminação do
vecurônio ocorre de forma relativamente independente dos rins, seu uso é favorecido em pacientes nefropatas.
O vecurônio proporciona maior estabilidade cardiovascular em relação ao atracúrio por não promover
liberação de histamina, além de não agir nos gânglios autonômicos. O vecurônio na dose de 0,1 mg/Kg é
eficiente para a paralisação do globo ocular em felinos, e doses subseqüentes de 0,05 mg/Kg podem ser
aplicadas com intervalos de 20 minutos (TAYLOR, 1994). A reversão do bloqueio em gatos pode ser feita com
o antimuscarínico edrofrônio, na dose de 0,5 mg/Kg, sem a necessidade de administração concomitante de
anticolinérgicos (atropina). O vecurônio pode apresentar, como os demais bloqueadores neuromusculares,
prolongamento do período hábil de ação quando do emprego concomitante de outros fámarcos como os
antibióticos aminoglicosídeos. Apesar de haverem relatos de que o antibiótico metronidazol possa interferir com
os efeitos dos bloqueadores não despolarizantes não há provas conclusivas de que este fármaco possa
interferir com o bloqueio neuromuscular promovido pelo vecurônio.
Cisatracúrio (Nimbium®) – O cisatracúrio é um esteroisômero do atracúrio com potência 10 vezes superior.
Entretanto, possui um período hábil de ação inferior e existe uma grande variabilidade individual no bloqueio do
cisatracúrio.
195
Como o atracúrio, o cisatracúrio é biodegradado pela via de Hoffman. Porém sua vantagem sobre o
primeiro é o fato de não liberar histamina. A administração com dose similar a do atracúrio, apresenta tempo de
retorno do bloqueio semelhante.
Dentre os fatores que podem interferir com o bloqueio neuromuscular, pode-se citar:
•
• Antibióticos Aminoglicosídeos - Gentamicina, Neomicina, Estreptomicina.
Agem de forma similar ao magnésio competindo com o cálcio. Diminuem a liberação de acetilcolina,
estabilizando a membrana pós-juncional e podem aumentar o tempo de bloqueio. A reversão do
bloqueio pode ser feita com gluconato de cálcio, neostigmina e um anticolinérgico (atropina). Existem
evidências que estes antibióticos agem na junção pré e pós-sináptica.
• Lincomicina, Clindamicina, Polimixina A e B - Diminuem a liberação da acetilcolina e por
mecanismos próprios não bem esclarecidos, atuam diretamente na fibra muscular. A reversão do
bloqueio não é efetiva com gluconato de cálcio, neostigmina e atropina.
• Tetraciclinas - Indisponibilizam o cálcio por mecanismo de quelação. O aumento do tempo de
bloqueio é de difícil reversão.
• Metronidazol - Existem evidências do aumento do bloqueio competitivo, em especial do vecurônio. Foi
demonstrado efeito anticolinesterásico do metronidazol em modelos experimentais in vitro, com
músculo de rã e ratos na presença de acetilcolina, o que não foi demonstrado com o carbacol.
• Fenotiazínicos - Acepromazina - Clorpromazina - Levomepromazina - Quando associados com
succinilcolina aumentam o bloqueio neuromuscular por inibição das colinesterases.
• Halogenados – Isoflurano - Halotano - Enfluorano - Estabilizam a membrana pós juncional,
diminuindo a liberação de acetilcolina. Além disso deprimem o sistema nervoso central potencializando
o relaxamento muscular
• Magnésio - Compete com o cálcio diminuindo a liberação de acetilcolina. O sistema de acoplamento
excitação-secreção é inativado, aumentando o bloqueio competitivo.
• Organofosforados, pesticidas, antihelmínticos - Inibem a acetilcolinesterase e com isso, aumentam
a acetilcolina na placa motora. Os efeitos são semelhantes à intoxicação pela acetilcolina.
• Toxina botulínica - Diminui a liberação de acetilcolina
• Insuficiência Hepática - Diminui a produção de colinesterase, aumentando o tempo de bloqueio.
196
• Gestação - Apesar de não atravessarem a barreira transplacentária, as fêmeas gestantes diminuem a
produção de pseudocolinesterase, resultando em aumento do tempo de bloqueio dos agentes
despolarizantes.
• Acidose Metabólica - Ocorre inibição da acetilcolina e aumento do bloqueio competitivo.
• Hipocalcemia – Hiponatremia – Hipocalemia - Estas alterações eletrolíticas prolongam a
despolarização da placa motora, aumentando o bloqueio competitivo.
• Hipotermia - Diminui a atividade enzimática e a excreção renal e biliar ficam comprometidas,
conseqüentemente aumentando da duração do boqueio.
• Subnutrição – Leva a diminuição da síntese protéica, comprometendo a produção de colinesterases.
Outras situações mencionadas na literatura podem também interferir no bloqueio neuromuscular, cada
qual com sua particularidade específica, como os opióides, cocaína, fenitoína, digitálicos, corticosteróides,
bloqueadores de canais de cálcio, fluxo sanguíneo muscular e miastenia gravis.
197
Figura 5: Resposta da musculatura esquelética às diversas modalidades de estimulação elétrica em animais
apresentando função neuromuscular normal (ausência de bloqueio).
11 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os bloqueadores neuromusculares não devem ser administrados como fármaco único em procedimentos
anestésicos, pois não promovem analgesia, anestesia ou inconsciência. São fármacos que necessitam de
profissionais com experiência em suas aplicações, para que possam intervir em bloqueios de difícil reversão e
suas complicações. Não devem ser utilizados em unidades sem equipamentos de suporte cardiopulmonar,
uma vez que o bloqueio leva a apnéia, necessitando assim de ventilação controlada. A monitoração do
paciente com máxima vigilância e, os exames complementares são sempre necessários, pois os reflexos ficam
totalmente abolidos. O conhecimento do perfil farmacológico dos bloqueadores neuromusculares, permite a
indicação correta do melhor bloqueador neuromuscular em diferentes pacientes. A anestesia balanceada,
quando realizada por profissionais experientes em que os bloqueadores neuromusculares entram como
adjuvantes, é caracterizada pela segurança e manutenção da integridade física dos animais.
198
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200
Ventilação Artificial em Pequenos Animais
Francisco José Teixeira Neto
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
! % & 5
A realização de uma anestesia segura envolve o estabelecimento de uma via aérea patente, assegurando que a
função ventilatória se proceda adequadamente (Absorção de O2 e eliminação de CO2). Este objetivo é alcançado
por meio da intubação endotraqueal. Em pequenos animais, freqüentemente se opta pela manutenção da
ventilação espontânea durante a anestesia. A realização de ventilação mecânica é recomendada onde em
situações onde a função ventilatória não pode se manter adequadamente (Ex: toracotomias, hérnias
diafragmáticas, depressão respiratória)
Tabela 01: Alterações hemogasométricas observadas em cães conscientes e durante a anestesia geral inalatória
(Ventilação Espontânea)
Consciente Anestesia Inalatória
(vent. espontânea em plano moderado de anestesia)
pH 7,35-7,45 7,30-7,45
PaCO2 33 - 42 mm Hg até 50 mm Hg
PaO2 80 - 100 mm Hg 300 a 500 mm Hg (com o uso de O2 a 100% como ga’s diluente)
201
PaCO2). A VPPI é eficaz em estabelecer a normocapnia, revertendo um quadro de acidose respiratória. Por outro
lado a PaO2, apesar de geralmente se apresentar em níveis adequados, pode não atingir valores ideais.
6 !" & E 5 $ ! 1 *!
Ventilometria e Hemogasometria arterial
Antes de se discutir da ventilação mecânica, é necessário conhecer alguns conceitos de ventilometria. Através da
ventilometria, pode-se avaliar o volume de ar que percorre as vias aéreas a cada movimento respiratório (Volume
Corrente ou Vt). Multiplicando-se o Vt pela freqüência respiratória obtém-se o volume minuto (Vm):
Vm (Vol. Minuto) = Vt (Vol. Corrente) X Freq. Resp (FR).
As alterações da pressão parcial de CO2 no sangue arterial (PaCO2) diretamente relacionadas com os
parâmetros ventilométricos:
↓ Vm (Vol. Minuto) → Acidose Respiratória (↓ ↓ pH e ↑ PaCO2)
↑Vm (Vol. Minuto) → Alcalose Respiratória (↑ ↑pH e ↓PaCO2)
6 !" & # E 5
A ventilação artificial deve ser empregada sempre que os pulmões estiverem incapazes de realizar suas funções
adequadamente:
• Toracotomias, Hérnias diafragmáticas
• Uso de Bloqueadores Neuro-Musculares
• Depressão respiratória intensa, apnéia *
• Acidose respiratória, hipercapnia excessiva (PaCO2 > 50 mm Hg?), hipoxemia
*Deve-se considerar que a ocorrência de certa depressão respiratória durante a anestesia é tolerável, sendo que a
ventilação artificial deve ser instituída quando a depressão é intensa (respiração superficial, bradipnéia). Caso se
disponha de hemogasometria, um bom parâmetro para se verificar a necessidade de se estabelecer a ventilação
mecânica são os valores de PaCO2.
Além destas modalidades anteriormente citadas, existem duas outras modalidades básicas definidas de acordo
com o fator limitante da inspiração:
-Ventilação com volume controlado
-Ventilação com pressão controlada
Maiores detalhes sobre estas modalidades ventilatórias são fornecidos a seguir.
$ = !" :
204
Tabela 02: Parâmetros a serem ajustados em um ventilador volumétrico eletrônico (Pequenos Animais):
Parâmetro a ser limitado à volume limitado à pressão Observações
ajustado
Volume Corrente Sem respirômetro: Ajustar controle Vt indicado pelo fole pode
de fluxo inspiratório para resultar em ser significativamente
volume corrente (Vt) do fole para 12- diferente do Vt
15 mL/kg. efetivamente administrado.
Com respirômetro: Ajustar controle
de fluxo inspiratório para resultar em Não havendo
volume corrente (Vt) expirado disponibilidade de
(fornecido pelo respirômetro) em 12- respirômetro é
15 mL/kg. recomendável limitar a
pressão.
Pressão Inspiratória - Ajustar controle de fluxo Optando-se por limitar a
inspiratório para resultar pressão há compensação
em pressão de pico de por eventuais vazamentos
cerca 10 cm H2O. Havendo do circuito.
um respirômetro
disponível, verificar leitura
de volume corrente
expirado.
Relação I/E Ajustar controle da relação I/E para Idem Grande precisão de ajuste
(inspiração/expiração) 1/2 ou 1/3. A cada respiração, os tanto em animais pequenos
tempos inspiratório e expiratório como de maior porte.
dependerão dos ajustes da FR e
relação I/E.
Tempo Inspiratório Alguns aparelhos possuem ajuste Idem Grande precisão de ajuste
digital do tempo inspiratório (em tanto em animais pequenos
segundos) no lugar do ajuste de como de maior porte.
relação I/E: Ajustar para 1,5-2
segundos.
Neste caso, a relação
inspiração/expiração (I/E) é
resultante to tempo inspiratório e da
FR ajustada de acordo com a
fórmula:
Relação I/E = tempo insp (seg)/tempo
exp (seg),
Onde:
tempo insp. = fornecido pelo
ventilador
tempo exp. = 60/FR – tempo
inspiratório
205
Tabela 03: Parâmetros a serem ajustados em um ventilador volumétrico pneumático (Pequenos Animais):
Parâmetro a ser limitado à volume limitado à pressão Observações
ajustado
Volume Corrente Sem respirômetro: Ajustar controle Vt indicado pelo fole pode
de fluxo inspiratório para resultar em ser significativamente
volume corrente (Vt) do fole para 12- diferente do Vt
15 mL/kg. efetivamente administrado.
Com respirômetro: Ajustar controle
de fluxo inspiratório para resultar em Não havendo
volume corrente (Vt) expirado disponibilidade de
(fornecido pelo respirômetro) em 12- respirômetro é
15 mL/kg. recomendável limitar a
pressão.
Pressão Inspiratória - Ajustar controle de fluxo Na limitação à pressão
inspiratório para resultar pode-se compensar por
em pressão de pico de eventuais vazamentos do
cerca 10 cm H2O. Havendo circuito.
um respirômetro
disponível, verificar leitura
de volume corrente
expirado.
Relação I/E Caso se ajuste a o controle da Idem O ajuste da relação I/E no
(inspiração/expiração) relação I/E para 1/2 e a FR para 10 ventilador pneumático é
mov/min. A cada respiração, o mais impreciso que no
tempo inspiratório será de cerca de ventilador eletrônico.
2 segundos (observado pelo
movimento do fole na inspiração)
enquanto o tempo expiratório tempo
será de 4 segundos (observado pelo
movimento do fole na expiração).
Estes ajustes são manuais (visuais)
efetuados com auxílio de
cronômetro.
Tempo Inspiratório É ser ajustado indiretamente por Idem O ajuste do tempo
meio do ajuste do controle de inspiratório no ventilador
relação I/E. O ajuste é feito com o pneumático é mais
auxilio de um cronômetro (cerca de impreciso que no ventilador
2 segundos para tempo inspiratório). eletrônico.
206
Técnicas Anestésicas em Felinos
! % &
Este capítulo é dedicado especialmente às particularidades e técnicas anestésicas dos felinos, enaltecendo a
importância cada vez maior dada para a espécie tanto no meio científico, como em nossa sociedade. Uma recente
pesquisa da Association Veterinary Medical Association Survey, em 2002, mostrou que os felinos já são os pets
em maior número nos EUA (71 milhões) e Grã-Bretanha (9 milhões) (Ilkiw 2004). Conseqüentemente, nota-se um
aumento do número de cursos de aprimoramento, na formação de especialistas nas áreas clínicas, cirúrgicas e de
diagnóstico, além de uma maior casuística nos hospitais e universidades.
De 1996 a 2001, os serviços veterinários aumentaram em 65% nos EUA, chegando a cifras de 6,6 bilhões de
dólares só em 2001 (Ilkiw 2004). Nossa realidade é diferente. Entretanto, podemos extrapolar um pouco desta
atenção especial que a Medicina Veterinária tem dado aos felinos, onde cada vez mais proprietários exigem um
atendimento de qualidade do médico-veterinário, principalmente sabendo das características únicas dos felinos.
1> !>
Como em qualquer anestesia, um exame físico rigoroso, acompanhado de exames laboratoriais e diagnósticos,
deve ser realizado, sempre se respeitando o jejum alimentar de 12 horas e hídrico de 2 horas. O profissional deve
traçar um plano anestésico de maneira que se reduzam os problemas pré, trans e pós-anestésicos.
Devido à dificuldade ao acesso venoso, a administração de fármacos por outras vias, muitas vezes é necessária.
Entretanto, o tamanho pequeno do felino faz com que a margem de erro seja estreita, onde se deve tomar um
cuidado especial com as doses, intervalos e eventuais efeitos colaterais, entre outros (Hall et al. 2001, Lamont
2002).
Uma contenção feita de maneira errônea ou desnecessariamente brusca pode levar o felino de comportamento
amigável ao estresse pré-operatório, que aumenta a liberação de catecolaminas, levando a taquicardia, aumento
dos níveis de cortisol e hipertensão arterial. Estes fatores predispõem o animal a arritmias ventriculares,
aumentando assim a mortalidade trans-operatória. Portanto, deve se respeitar o comportamento da espécie, com
paciência, procurando-se trabalhar em um ambiente calmo, silencioso e com poucas pessoas. As “botinhas” de
esparadrapo ou gaiolas que estressem o animal devem ser deixadas apenas para aqueles animais irascíveis.
A importância do status ASA (I a V) é fundamental, visto que a complicação anestésica esta intimamente
relacionada a tal, assim como o tempo de anestesia (maior que 90 minutos). A idade não tem relação direta com
complicações anestésicas na espécie felina (Hosgood et al. 2002).
Anticolinérgicos
O uso de anti-colinérgicos como a atropina e o glicopirrolato em felinos, assim como em outras espécies, é
controverso (Brearley 1994). Os anti-colinérgicos reduzem as secreções em geral. Devido a grande quantidade de
saliva e do diâmetro pequeno dos brônquios e bronquíolos, uma pequena quantidade de secreção pode levar à
obstrução das vias aéreas, principalmente nos casos do uso de anestésicos dissociativos. Entretanto, a salivação
excessiva é rara (Brearley 1994). O uso de anti-colinérgicos na MPA ainda está associada à prevenção da
bradicardia trans-operatória, pois pela modificação do reflexo-vagal, os anti-colinérgicos levam a uma taquicardia.
Entretanto, há a ocorrência concomitante do aumento de consumo de oxigênio pelo miocárdio e agravamento da
hipertensão arterial, por exemplo, quando associada aos alfa-2 agonistas, além de redução do débito cardíaco
(Dunkle et al. 1986). Portanto, recomenda-se o uso de anti-colinérgicos apenas para o tratamento de bradicardias,
como no uso de anticolinesterásicos, para reversão dos efeitos dos bloqueadores neuro-musculares e arritmias
trans-operatórias, visto nestes casos haver a existência de um problema em potencial, o qual indique o uso desta
207
classe. A anestesia para felinos neonatos é passível do uso de anticolinérgicos, visto a débito cardíaco ser
dependente, principalmente, da freqüência cardíaca.
Fenotiazínicos
São fármacos utilizados com freqüência na contenção química de felinos saudáveis (Brearley 1994). Esta classe
de fármacos produz efeitos variáveis em felinos. Alguns animais apresentam excelente contenção química,
enquanto que em outros, os efeitos podem ser bem aquém do esperado (Brearley 1994).
A utilização de fenotiazínicos possibilita, na maioria das vezes, uma recuperação anestésica livre de excitação
proveniente de certos agentes anestésicos (Hall et al. 2001).
Acepromazina: A dose de acepromazina recomendada para gatos varia de 0,05 a 0,1 mg/kg. Este fármaco é
considerado tranqüilizante leve nesta espécie, com diminuição da reatividade a estímulos externos e protrusão de
terceira pálpebra (Brearley 1994), já que uma sedação mais intensa ocorre apenas em doses altas.
A hipotensão arterial resultante de bloqueio 1-adrenérgico periférico é o efeito hemodinâmico principal, sendo
dose-dependente (Thurmon et al. 1996). Conseqüentemente, ocorre uma taquicardia reflexa e queda da
temperatura, de grande importância na espécie em questão. Caso a hipotensão seja grave, por exemplo, quando
do uso indevido da acepromazina em animais hipovolêmicos, a administração de fluidos intravenosos é indicada
na dose de 20 ml/kg.
A acepromazina ainda prolonga e potencializa os efeitos analgésicos dos opióides em felinos, podendo ser
utilizada inclusive no pós-operatório, em doses baixas (0,02 mg/kg) associado a um opióide, para o tratamento de
dores refratárias ao uso isolado de opióides (Steagall et al. 2005).
Opióides
O felino com dor apresenta um comportamento diferenciado. A vocalização ocorre apenas em casos de dor
severa, onde o mais comum é o comportamento de fuga, agressividade, inapetência e principalmente a perda do
hábito de higiene própria. Nos casos de doença, alguns felinos podem ronronar mesmo em profundo desconforto,
o que de maneira alguma deve ser confundido com bem-estar (Hall et al. 2001).
Apesar da relutância em se utilizar este grupo de fármacos para tratamento da dor na espécie felina,
principalmente devido a estudos da década de 60 e 70, onde altas doses de morfina (20 mg/kg) eram relacionadas
à excitação e convulsão, surgindo daí o termo “morfina-mania” (Davis & Donelly 1968), a literatura tem mostrado
que opióides podem ser utilizados com segurança em felinos, principalmente quando utilizados no paciente com
dor e/ou associado aos fenotiazínicos (Robertson & Taylor 2004).
Entre outras vantagens, doses suplementares de opióides no trans-operatório fazem com que se atinja um plano
anestésico cirúrgico com maior facilidade, sem que se necessite o ajuste do vaporizador em altas concentrações
anestésicas para chegar a este objetivo (Taylor 1999). Seu uso ainda está ligado à redução das concentrações
plasmáticas de noriepinefrina e epinefrina, sendo a produção destas catecolaminas intimamente ligadas a estímulo
cirúrgico, estresse e dor em felinos (Benson et al. 1991; Lin et al. 1993a).
Agonistas totais
Morfina: A morfina tem sido utilizada clinicamente em felinos e não provoca excitação se administrada em doses
clínicas de 0,1-0,3 mg/kg (Robertson & Taylor 2004). Este fármaco é o analgésico de escolha para o tratamento de
dor severa. Seu período de latência é longo em felinos e sua duração de ação varia entre 4-6 horas (Lascelles &
Waterman-Pearson 1997, Robertson et al. 2003b). Sua meia-vida no gato é 3 vezes maior do que no cão, devido
ao seu metabolismo por conjugação glucurônica (Lascelles & Waterman-Pearson 1997).
Clinicamente, a morfina aparenta ser menos efetiva em felinos quando comparada aos cães. Talvez isto ocorra
pela produção limitada dos metabólitos da morfina nesta espécie (Taylor et al., 2001), onde já se sabe que felinos
produzem pouca morfina-6-glucoronida, metabólito que contribui significantemente para o efeito analgésico da
morfina em humanos (Murthy et al. 2002).
A morfina pode ser utilizada sob infusão contínua em felinos, na dose de 0,05-0,1 mg/kg/hr após um bolus de 0,1
mg/kg, sendo efetiva e de baixo custo financeiro (Lamont 2002).
Meperidina (petidina): A meperidina possui curto período de latência, e ação de 1 a 2 horas, com 1/10 da
potência da morfina, sem causar os efeitos colaterais gastro-intestinais desta última (Lascelles & Waterman-
Pearson 1997). Seu efeito analgésico é inferior ao carprofeno (Lascelles et. al. 1995). A via intramuscular é a de
eleição, devido ao fato de a administração intravenosa do fármaco possivelmente causar liberação de histamina
(Robertson & Taylor 2004). Seu uso clínico está correlacionado com uma sedação moderada e livre de efeitos
colaterais.
Metadona: A metadona é um opióide com potência semelhante à morfina, mas que não causa vômito, salivação
ou excitação, em doses de até 0,5 mg/kg, com o período de ação variando muito entre indivíduos, de 2 a 6 horas,
e com satisfatória analgesia pós-operatória. Além disso, o comportamento do animal não é alterado após sua
administração (Dobromylskyj 1993).
Levometadona: A levometadona, enantiômero da metadona, possui propriedades similares à morfina, mas com
efeitos antinociceptivos 10-50 vezes maior. Poucos estudos relatam seu uso na espécie felina, mas na dose de 0,3
mg/kg, a levometadona apresentou rápida latência e analgesia superior à buprenorfina e inferior ao carprofeno em
cirurgias ortopédicas de felinos (Mölenhoff et al. 2005), sem causar alterações cardiorrespiratórias (Bley et al.
2004).
208
Fentanil: Como seu período de ação varia de 15 a 20 minutos, a infusão contínua, na dose de 1-5 µg/kg/hr após
bolus de 2 µg/kg, é uma excelente opção tanto para o trans-anestésico de cirurgias cruentas ou para pacientes de
alto-risco, como para a analgesia pós-operatória em animais em unidade de terapia intensiva (Lamont 2002).
O emplastro de fentanil transdermal para felinos permite a absorção de uma dose contínua de fentanil, com
período de ação de em média 24 horas, de forma efetiva e de bom custo-benefício (Scherk-Nixon 1996). Seu uso
está associado à redução da CAM do isoflurano em média de 20%, com mínimos efeitos hemodinâmicos (Yackey
et al. 2004). A latência do emplastro é de 12 a 24 horas. Portanto, outras técnicas analgésicas devem ser levadas
em consideração caso o felino já apresente dor.
Alfentanil: Em felinos sob infusão contínua alvo-controlada e anestesiados com isoflurano, o alfentanil na
concentração plasmática de 500 ng/ml reduziu a CAM do isoflurano em média de 35% (Ilkiw et al. 1997).
Tramadol:O tramadol possui fraca afinidade por receptores opióides, por isto é conhecido por ser um opióide
atípico. Pouco se sabe do seu uso na espécie felina, entretanto estudo experimental demonstrou que, na dose de
1 mg/kg, não aumentou o limiar térmico ou mecânico de felinos (Steagall et al. 2005).
Agonistas-antagonistas
Estes fármacos são populares no tratamento da dor em felinos, visto a ocorrência de uma menor incidência de
efeitos colaterais como excitação, depressão respiratória, liberação de histamina e disforia, quando comparados
aos agonistas totais (Lamont 2002). Contanto, devem estar restritos a dores leves a moderadas, visto seu efeito-
teto.
Buprenorfina: Estudos recentes revelam que a buprenorfina é um agonista parcial de receptores um e
antagonista de receptores kappa. Apresenta períodos longos de latência (30 a 45 minutos) e de duração (6 a 12
horas), quando comparado a outros opióides (Lascelles & Waterman-Pearson 1997). Em felinos, leva à euforia,
entretanto, na maioria das vezes, os gatos tornam-se calmos ao longo do tempo, ronronam, e aparentam conforto
após sua administração. A administração pela via oral é tão eficaz e aceitável quanto a via intravenosa e
intramuscular. A biodisponibilidade do fármaco por esta via é de 100% e seu perfil farmacocinético é bem
semelhante a da via parenteral (Robertson et al. 2003b).
Estudos recentes em felinos mostraram que a eficácia analgésica pós-operatória da buprenorfina é superior em
relação à morfina, meperidina, oximorfona e ao cetoprofeno (Slingsby et al. 1998a, Dobbins et al. 2002, Stanway
et al. 2002). Contudo, outro estudo demonstra sua inferioridade em relação ao carprofeno e a levometadona
(Mölenhoff et al. 2005). É o opióide de uso mais comum em felinos na Grã-Bretanha (Lascelles et al. 1999) e
Austrália (Watson et al. 1996). Seu uso para a analgesia pós-operatória é de grande valor, principalmente em
centros que não possuem jornada de trabalho de 24 horas. A buprenorfina reduziu a CAM do isoflurano em 15%
(Ilkiw et al. 2002).
Butorfanol: O butorfanol, agonista de receptores kappa e antagonista de receptores mu, possui período de
latência de 15 minutos e ação de 2 horas, onde ainda não há uma relação dose-resposta proposta (Robertson et
al. 2003a, Lascelles & Robertson 2004). Em doses altas, há um aumento na freqüência cardíaca, com mínimos
efeitos sedativos, onde é comum o comportamento disfórico (Taylor & Robertson 2004). Assim como a
buprenorfina, sua farmacocinética resulta em uma curva dose-resposta em forma de sino, resultando numa
redução da analgesia em doses altas. O butorfanol na dose de 0,8 mg/kg pela via IV, reduziu a CAM do isoflurano
em aproximadamente 20% (Ilkiw et al. 2002).
209
Romifidina: A romifidina causa decúbito, salivação e possui período de ação de 90 minutos em felinos,
caracterizando-se com bom miorrelaxamento, boa sedação e analgesia (Selmi et al. 2004). Seu comportamento
sobre o sistema cardiovascular é semelhante aos outros 2-agonistas, causando depressão cardiovascular, onde
o uso de atropina deve ser levado em consideração em casos de bradicardia (Selmi et al. 2002, Muir III &
Gadawski, 2002). Sua associação, na dose de 100 µg/kg, com cetamina (20 mg/kg) e com a atropina leva a uma
importante depressão respiratória (Cruz et al. 2000). Os efeitos sedativos na dose de 200 µg/kg são equiparados à
dose de 1 mg/kg de xilazina (Selmi et al. 2004).
Medetomidina: A medetomidina tem substituído a xilazina por ser mais potente, efetiva e apresentar maior
seletividade pelos receptores alfa-2 do que a xilazina, clonidina ou detomidina (Sinclair 2003). Como outros
agonistas alfa-2, seu uso é restrito aos pacientes hígidos. Em felinos despertos, não aumentou a pressão arterial,
demonstrando o predomínio do efeito alfa-2 adrenérgico central sobre os efeitos vasculares periféricos (Lamont et
al. 2001).
Dexmedetomidina: A dexmedetomidina é o isômero ativo da mistura racêmica da medetomidina, onde há
diversas vantagens terapêuticas deste agente sobre o racemato, principalmente como coadjuvante da anestesia
balanceada (Ansah et al. 2000). Recomenda-se maiores pesquisas antes do uso clínico deste fármaco em felinos.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos são muito utilizados na indução anestésica com anestésicos dissociativos, tiopental e
etomidato. Em felinos debilitados, sua associação com opióides produz boa sedação, enquanto que em felinos
saudáveis, ocorre um efeito paradoxal quando do seu uso isolado, com a ocorrência de excitação (Akkerdaas et
al., 2001).
Diazepam: Trata-se do benzodiazepínico mais comum e de baixo custo, que devido a sua formulação, a via de
administração de escolha é a intravenosa, podendo ainda em alguns casos ser aplicada pela via intra-retal e
intramuscular.
Midazolam: O midazolam é solúvel em água e apresenta período de ação curto em relação ao diazepam, devido
a metabolização hepática em metabólitos não ativos, que sofrem rápida glucuronização. A associação do
midazolam com cetamina é um bom protocolo para venopunção, biópsia de pele ou para exame radiográfico.
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A abordagem que antecede a indução anestésica do paciente felino deve ser tranqüila, visando o bem estar do
animal, evitando o estresse, excitação e outras causas que possam levar ao insucesso da anestesia. A contenção
deve ser tranqüila, com a administração do fármaco sendo realizada pela veia cefálica, sempre preferindo o uso
de cateteres intravenosos a scalps.
A contenção física pode auxiliar a contenção química quando da utilização de toalhas que envolvam o animal,
protegendo a equipe médica sem tirar o conforto do paciente. A utilização de anestésicos locais sob a forma de
creme pode auxiliar a venopunção, principalmente na veia jugular. Para coleta de sangue, a veia medial safena no
seu aspecto medial da coxa pode ser utilizada.
Cetamina: A cetamina é uns dos mais importantes fármacos dentro da anestesia em felinos devido a sua possível
administração além da via intravenosa, a como via oral e a intramuscular, o que a torna de grande uso para os
animais mais agressivos. Em doses baixas, pode produzir sedação e analgesia adequadas para certos
procedimentos.
A cetamina apresenta como característica em felinos: aumento do tônus muscular, manutenção dos reflexos
protetores em planos moderados, analgesia somática, salivação, além do seu efeito simpatomimético sobre a
função cardiovascular, com pouco efeito sobre a função respiratória, entre outras (Dobromylskyj 1992). Devido a
algumas destas características, a cetamina é sempre associada na mesma seringa à anti-colinérgicos, sedativos e
tranqüilizantes, como os agonistas alfa-2 e benzodiazepínicos, procurando a redução dos efeitos colaterais
(Dobromyskyj 1992).
Tiletamina: A tiletamina, outro fármaco antagonista de receptores NMDA, é sempre associada ao zolazepam na
sua formulação comercial, após a restituição. Devido ao seu pH ácido (2,0 a 3,5) causa dor à injeção IM, levando o
felino a respostas agressivas (Pablo & Bailey 1999). Principalmente em clínicas particulares, seu uso para alguns
tipos de procedimentos cirúrgicos como ortopedia ou cirurgias abdominais, é errôneo, pois o relaxamento
muscular é pobre e o componente analgésico inadequado. Por isso, recomenda-se sua associação com algum
opióide, ressaltando a recuperação longa de 2-6 horas, com possível excitação, especialmente nos casos de
doses repetidas.
Particularmente, em pequenas doses, a associação destes fármacos é segura, pois apresenta boa estabilidade
cardiovascular. Entretanto, doses elevadas podem levar a hipoxemia e hipoventilação (Pablo & Bailey 1999).
É importante ressaltar a diferença da farmacocinética da tiletamina/zolazepam entre felinos e caninos, onde o
zolazepam possui efeito de maior duração do que a tiletamina em gatos, enquanto que o oposto ocorre em cães
(Lin et al., 1993b).
210
O uso prévio de anti-colinérgicos para se evitar a hipersalivação é contra-indicado, pois os aumentos da
freqüência cardíaca e do consumo de oxigênio pelo miocárdio podem ser indesejáveis para o organismo.
Propofol: Existe uma importante diferença entre os felinos e as outras espécies domésticas em relação à sua
capacidade de biotransformação hepática dos fármacos. Alguns medicamentos, como morfina, dipirona e propofol,
requerem conjugação glucurônica antes da excreção renal. Esta espécie apresenta concentrações limitadas de
glucuronil-transferases, retardando a excreção destes fármacos e potencializando a exposição das hemácias aos
metabólitos ou compostos que podem induzir injúria oxidativa (Andress et al., 1995). Esta toxicidade parece ser
resultado da habilidade reduzida dos felinos para conjugar o fenol (Andress et al. 1995), ocorrendo formação de
corpúsculos de Heinz (Matthews et al. 2004), além de sinais clínicos de anorexia, diarréia e mal-estar (Andress et
al. 1995). Esta deficiência também explica o fato de apesar da recuperação ser rápida após um bolus,
aparentemente a recuperação de uma anestesia por infusão contínua de propofol pode ser prolongada (Pascoe
1992).
A qualidade da recuperação geralmente é excelente quando o propofol é utilizado apenas na indução anestésica,
sem nenhum sinal de excitação sendo associado à recuperação da anestesia. (Flecknell, 1994). Contudo, alguns
animais podem espirrar, esfregar as patas na boca ou apresentar mímica de vômito (Brearley et al., 1988).
Tiopental: O tiopental tem sido cada vez menos utilizado na indução anestésica de felinos, entretanto, ele pode
ser utilizado em pacientes hígidos. Quanto menor a velocidade de administração do fármaco pela via intravenosa,
menor os efeitos indesejáveis no sistema cardiorrespiratório, principalmente a apnéia e a hipotensão arterial.
Deve-se estar atento para uma concentração menos elevada, de 1,25% e, assim como outras espécies, ter
conhecimento do risco de flebite e necrose tecidual caso haja injeções perivasculares, além de recuperações
anestésicas longas associadas à hipotermia. Seu uso é contra-indicado em cesáreas, por cruzar a barreira
placentária em pacientes com hipoproteinemia.
A associação com diazepam (0,25 mg/kg) em seringas separadas reduz a dose do tiopental e pode auxiliar na
prevenção de recuperações providas de excitação e delírio.
Etomidato: O etomidato é um derivado imidazólico utilizado para a indução anestésica em animais e humanos, de
curta duração, com mínimos efeitos hemodinâmicos. Seu uso é recomendável para felinos com doença cardíaca
principalmente por não sobrecarregar o trabalho cardíaco, quando comparados a outros protocolos para anestesia
de felinos, sendo sua dose de 1 a 2 mg/kg (Akkerdaas et al. 2001).
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Peculiaridades da Anestesia Geral Inalatória em Felinos
O acesso a uma via aérea patente em felinos é um dos pontos mais importantes dentro da indução anestésica,
principalmente para os profissionais não familiarizados com a técnica, visto a peculiaridade da laringe do felino:
estrutura frágil, pequena e de fácil injúria. Um acesso gentil e cuidadoso, além de um plano anestésico ideal, é
necessário para que não ocorra o laringoespasmo devido aos reflexos protetores bem desenvolvidos nesta
espécie, onde os músculos intrínsecos da laringe se contraem, ocluindo a glote e interferindo com a ventilação,
resultando em hipoxemia.
Preferencialmente o felino deve estar em decúbito esternal. O auxiliar que abre a boca, traciona a língua e
posiciona o animal, é de fundamental importância para o colega que irá realizar a intubação. Após a visualização
da traquéia, sem tocá-la com o laringoscópio provido de uma lâmina pequena, a dessensibilização da laringe deve
ser feita com lidocaína sob a forma de spray, em média 30 segundos antes da intubação. Devem-se sempre tomar
as devidas precauções com a concentração do spray do anestésico local, devido à toxicidade dos mesmos. Caso
não ocorra a intubação em planos anestésicos adequados, o uso de bloqueador neuromuscular é recomendável,
evitando hipoxemia severa ou a morte súbita. Em últimos casos, a realização da traqueostomia é realizada para a
colocação da sonda endotraqueal diretamente no interior da traquéia.
A intubação com sondas traqueais de tamanho inadequado é comum na anestesia de felinos. Em felinos adultos,
sondas de 3,5 a 4,5 mm de diâmetro são ideais, sempre tomando-se cuidado ao inflar o balonete. Pressões
elevadas no cuff são causas comuns de injúria na traquéia. Além disso, todas as sondas novas devem ser
cortadas na extremidade distal para que não ultrapassem o brônquio principal. No caso de uso de capnógrafos ou
intermediários de maior tamanho, o espaço morto deve ser levado em consideração, evitando a reinalação de
CO2.
A sonda deve ser amarrada com gazes ao seu redor e presa atrás dos pavilhões auriculares do animal após sua
introdução. Além disso, o uso de circuitos anestésicos ideais, sem reinalação, como o Circuito de Bain, “T” de
Ayres ou “Baraka”, é de fundamental importância para evitar hipercapnia e hipoxemia. O momento da extubação
deve ocorrer na presença dos reflexos palpebrais mediais, sem a presença de deglutição, evitando assim o
laringoespasmo.
211
Máscara Laríngea
O uso da máscara laríngea é uma opção alternativa para a administração de anestésicos inalatórios, com a
vantagem de não lesar a laringe, não estimular a epiglote do felino, não requerer o uso de anestésico local, ser de
fácil colocação e possuir baixa incidência de refluxo gastroesofágico, principalmente sob ventilação espontânea.
Além disso, ela pode ser autoclavada e reutilizada diversas vezes (Cassu et al. 2004).
Agentes Inalatórios
Halotano: O halotano causa arritmias ventriculares em felinos submetidos a planos anestésicos profundos (2
CAM), principalmente devido à liberação de catecolaminas associadas à hipercapnia, geralmente quando do uso
de circuitos anestésicos inadequados, onde ocorre a reinalação parcial de gás carbônico. Por isso, recomenda-se
sempre a ventilação adequada do animal (Hikasa et al. 1997).
Isoflurano: A CAM do isoflurano em felinos varia na literatura de 1,6-1,9% (Yackey et al, 2004, Barter et al. 2004).
O isoflurano, assim como o sevoflurano, é o agente de eleição para pacientes especiais devido ao metabolismo
hepático mínimo, indução e recuperação anestésica rápidas, entre outros. Em planos profundos de anestesia
causa redução da pressão arterial, da resistência total periférica e do índice cardíaco, quando sob ventilação
mecânica. Sob ventilação espontânea, ocorre depressão respiratória, hipercapnia e aumento da pressão arterial
pulmonar. Quando em planos moderados, a depressão cardíaca é mínima (Hodgson et al. 1998).
Sevoflurano: O sevoflurano produz depressão dose-dependente semelhante ao isoflurano e menor do que o
halotano e o enflurano, em felinos. Sua CAM nesta espécie é de 2,6%. Assim como o desflurano, o sevoflurano se
caracteriza por estabilidade cardiovascular (Hikasa et al. 1997).
Desflurano: Devido ao seu baixo coeficiente de solubilidade sangue-gás, a indução e recuperação anestésicas
são extremamente rápidas e excelentes. Entretanto, o alto custo financeiro do fármaco e do vaporizador
pressurizado, que evita que o anestésico entre em estado de ebulição à temperatura ambiente, ainda inviabiliza
seu uso rotineiro (Barter et al. 2004). Sua CAM na espécie felina varia entre 9,8 a 10,3%, assim como ocorre com
outros agentes halogenados, aproximadamente 30% maior do que em cães (McMurphy & Hodgson 1995, Barter et
al. 2004).
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Segundo Short & Bufalari (1999), altas taxas de infusão de propofol devem ser administradas para se induzir um
plano cirúrgico de anestesia. Nestas doses, este fármaco causa depressão cardiovascular e respiratória
significativas e, por este motivo, o propofol utilizado de forma isolada é contra-indicado (Ilkiw & Pascoe 2003).
Alguns estudos realizados associando-se o propofol em doses variáveis, com doses fixas de opióides de curta
duração, como o fentanil, o alfentanil e o sufentanil, observaram redução na freqüência cardíaca e recuperação
anestésica curta (Mendes & Selmi, 2003). Em contrapartida, no decorrer da manutenção anestésica por infusão
intravenosa contínua com uma dose fixa de propofol e diferentes doses de remifentanil, aumentos tanto na
freqüência cardíaca como na pressão arterial foram observados, além de uma recuperação prolongada (Corrêa et
al. 2005). A associação de propofol e cetamina em diferentes doses, mantém as funções cardiovascular e
respiratória adequadas durante planos cirúrgicos de anestesia (Ilkiw et al. 2003, Ilkiw & Pascoe 2003).
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A administração epidural de morfina (0,1 mg/kg) tem sido associada a decréscimos na CAM do isoflurano e é uma
boa opção como técnica analgésica para o pós-operatório de procedimentos cirúrgicos dolorosos (Golder et al.
1998). Além disso, ela pode ser associada com lidocaína 2% e/ou bupivacaína 0,5% com vasoconstritor na
proporção de 1 ml para cada 4 quilos. Entretanto, a técnica é mais difícil de ser realizada no felino, visto a
anatomia do espaço epidural do gato ser diferente da do cão, com o filum terminale terminando entre L7-S1.
212
1 ! " !> 1 4 "
A tabelas 1 e 2 propõe alguns protocolos anestésicos para diversos tipos de procedimentos cirúrgicos.
Midazolam (0,25) Propofol (1-5) IV Halotano ou Opióide + AINES Protocolo para animais sadios e ou
+ Cetamina (5-15) isoflurano, associado ou não a semi-domesticados (agressivos).
+buprenorfina (0,01) IM caso técnicas anestésicas MPA pode produzir grau de
necessário. locais sedação moderado-profundo até
OU anestesia superficial (MPA
Acepromazina (0,05) recomendada para contenção
+ Cetamina (5-15) química de animais agressivos).
+buprenorfina (0,01) IM Em animais profundamente
sedados menores doses de
propofol são necessárias à
indução.
Morfina (0,1-0,3) IM Cetamina ( até 5) + Isoflurano Opióide +Técnicas Protocolo para animais
OU Diazepam (até 0,25) (associado ou anestésicas locais + chocados/deprimidos e de alto
Buprenorfina (0,01-0,02) IM IV não ao fentanil Infusão contínua risco.
OU (10 opióide de curta MPA adequada para contenção de
Propofol (1-5 mg/kg) µg/kg/hora) duração (ex fentanil) animais debilitados (evitar MPA
IV com opióides apenas em felinos
OU sadios)/
Máscara / câmara de Doses de agentes indutores podem
indução anestésica ser marcantemente reduzidas
isoflurano ou dependendo do estado do animal.
sevoflurano AINES devem ser evitados em
animais de hipovolêmicos,
chocados e com problemas renais.
Buprenorfina (0,01) ou Propofol (1-5 mg/kg) Repique de Anestesia epidural Técnica anestésica eficaz para
Butorfanol (0,2) propofol, caso com lidocaína 2% procedimentos ambulatorais em
necessário (1 mL/4kg): Optativo animais debilitados (ex:
(incrementos desobstrução uretral com Tomcat).
de 0,5 a 1,0 Sempre realizar a reposição
mg/kg) até volêmica e de corrigir alterações
obter efito eletrolíticas (hipercalemia)
desejado anteriormente à anestesia geral. A
anestesia epidural (optativa) é
realizada após indução da
anestesia com propofol.
213
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Após a extubação se inicia o período de recuperação anestésica, onde grande parte dos óbitos ocorre. A
recuperação do animal deve ocorrer em ambiente silencioso. Animais que foram submetidos a cirurgias que
eventualmente possam comprometer a função respiratória devem ser monitorados com o oxímetro de pulso,
certificando-se a necessidade ou não da suplementação de oxigênio através da máscara facial, da tenda de
oxigênio ou, em casos extremos, com a reintubação do animal e manutenção da anestesia. Qualquer obstrução
das vias aéreas, levando a cianose e hipoxemia, deve ser tratada como emergência.
Outro problema comum é a hipotermia pós-anestésica devido à baixa relação peso/superfície corpórea. A
hipotermia prolonga a recuperação devido ao atraso do metabolismo de fármacos, além de deprimir a resposta
ventilatória à hipercapnia e à hipóxia. Felinos devem ser aquecidos e monitorados, principalmente quanto à
freqüência cardíaca.
Sedativos e analgésicos adicionais devem ser administrados caso haja necessidade, principalmente nos casos
onde houve diversas reaplicações de anestésicos dissociativos.
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216
Técnicas Anestésicas em Animais de Laboratório
Introdução
Animais de laboratório são utilizados em pesquisas de várias profissões como medicina, medicina
veterinária, biomedicina e biologia, bem como diferentes áreas do conhecimento, tais como farmacologia,
toxicologia, cirurgia e genética. Diversas espécies animais são utilizadas para esses experimentos, entretanto,
neste capítulo será obordado apenas anestesia de pequenos roedores e lagomorfos.
Outro aspecto importante se refere às alterações fisiológicas que os anestésicos promovem no animal,
portanto, é fundamental compreender se o anestésico não está interferindo no experimento em questão, para se
obter um resultado fidedigno.
Além disso, comumente observam-se coelhos, gerbils, hamsters e outros roedores criados como animais
de companhia. Neste caso, há o envolvimento sentimental, o que o coloca em igual patamar com os animais
domésticos. Muitas vezes esses animais são levados aos veterinários e necessitam de anestesia por diversos
motivos, como por exemplo redução de fratura e retirada de tumores.
Deve-se atentar para certas particularidades que podem determinar o sucesso ou fracasso do
procedimento anestésico. Os roedores e coelhos possuem altas taxas metabólicas o que pode inviabilizar o jejum
prévio. Apesar da recomendação de duas horas de jejum para os coelhos, alguns autores só recomendam o jejum
em casos de cirurgia no sistema digestório, pois esta espécie raramente regurgita, além de que eles realizam
coprofagia, o que dificulta o jejum (Harkness e Wagner, 1993). A contenção deve ser empregada com cuidado e
segurança para ambos, uma vez que são animais extremamente estressáveis. A alta relação entre superfície e
massa corpórea predispõe a hipotermia, o que deve ser monitorado com certa precisão (Flecknell, 1996).
Contenção física
Diferente do que se pensa, os roedores não são animais agitados, mas sim, estressáveis. Desse modo,
deve-se realizar uma contenção física com o máximo de calma e cuidado possíveis. Movimentos bruscos,
constricções com a mão ou giros pelo rabo do animal só dificultam o procedimento. Mas é necessário um
movimento rápido e preciso para que o animal não perceba a contenção e se estresse o mínimo possível.
A contenção física em camundongos, hamsters e gerbils é um pouco dificultosa devido seu reduzido
tamanho. Deve-se atentar tanto com as mordidas do animal como as possíveis lesões no mesmo devido uma
contenção mais enérgica. Um modo seguro de contenção é agarrar o animal pela nuca com os dedos indicador e
polegar, em pinça. Os outros dedos devem auxiliar o procedimento com a apreensão da pele das costas do animal
sendo que, com o dedo mínimo, deve-se travar o rabo do mesmo. O importante é a realização da contenção com
a mão oposta à destreza do manuseador, para que a outra fique livre para a administração de fármacos, seja por
via intraperitoneal ou oral.
217
Para os ratos com menos de 200 gramas a contenção pode ser idêntica aos anteriores. Todavia, em
animais adultos, há dificuldade nessa manobra. Para uma melhor contenção nesses casos, deve-se colocar o
animal em uma superfície macia, uma vez que a superfície dura, como mesas ou bancadas, deixa-os
relativamente tenso. Após isso, posicionar a cabeça do animal entre os dedos indicador e médio e com os dedos
polegar e anular, abaixo dos braços. O rabo deve ser seguro pela mão oposta à contenção. Esta manobra
também pode ser realizada com segurança em cobaios e preás.
Quando a pessoa que irá realizar a contenção não tem experiência ou está insegura, pode-se utilizar luvas
de raspa de couro para contenção destes roedores, imobilizando a cabeça. Lembrando que com estas luvas há
redução de sensibilidade, portanto deve-se atentar para não apertar demais.
Contenção em coelhos
São animais dóceis, mas se estressam com facilidade; uma contenção mal feita pode promover luxação
das vértebras cervicais (Kesel, 1990). Jamais devem ser contidos pelos pavilhões auriculares como se pensa
(Harkness and Wagner, 1993)
Para transporte a curtas distâncias deve-se segurar a pele da região cervical superior, erguendo o animal,
com a outra mão sustenta o resto o corpo do animal. Ou simplesmente ergue-se o animal pela região dorsal. Para
distâncias maiores o animal deve ser totalmente apoiado, recomenda-se caixa ou gaiola apropriada (Harkness and
Wagner, 1993). A contenção física para a administração de um medicamento pode ser feita com caixas de
contenção que encaixam a cabeça para fora; mas um método muito simples e eficiente é enrolar com um pano
(como um bebê) deixando a cabeça para fora.
Monitoração
O Colégio Americano de Anestesistas Veterinários (ACVA) recomenda que para qualquer animal deve-se
monitorar a circulação, oxigenação e ventilação. Para tal, não há necessidade de equipamentos especializados
para a monitoração desses pacientes, mas sim, condições que se adaptem à situação em questão. Ponto
indiscutível é a monitoração multiparamétrica, o que caracterizaria melhor a condição do animal frente ao
procedimento anestésico (Flegal & Kuhlman, 2004). Um fato indispensável na monitoração é o conhecimento
prévio dos parâmetros fisiológicos da espécie a ser anestesiada, o qual servirá de base para a estabilização do
mesmo (Tabela 1)
Reflexos
Os reflexos avaliados são semelhantes aos designados para as outras espécies, como o interdigital,
palpebral, o qual é pouco preciso em roedores, corneal e digital, para camundongos e gerbils. O pinçamento de
orelha pode ser utilizado em coelhos e cobaios, uma vez que essa área é muito sensível nessas espécies.
Temperatura
A manutenção térmica pode ser realizada com colchões térmicos, fonte de luz quente, bolsa de água
quente, placa quente calibrada na temperatura do animal, a qual pode servir de mesa cirúrgica, além de uma
temperatura ambiente ideal para o procedimento. No caso de hipertermia iatrogênica deve-se retirar a causa.
Caso seja patológica, administrar soro gelado ou até resfriar o animal em uma cuba com gelo ou água gelada.
Deve-se destacar que nos ratos a troca térmica se faz, principalmente, pela cauda, região que recebe 10%
do débito cardíaco (Young & Dawson, 1982). Desse modo, o posicionamento da mesma na manutenção térmica é
de suma importância para o sucesso do procedimento.
Circulação
218
Os parâmetros circulatórios podem ser avaliados pela freqüência cardíaca, pulso arterial e tempo de
preenchimento capilar em cirurgias simples, ou associados à pressão arterial, em procedimentos mais cruentos ou
em animais debilitados. Os métodos empregados para avaliar esses parâmetros são a palpação do pulso femoral,
auscutação cardíaca, a qual pode ser realizada por estetoscopia esofágica, com auxílio de sonda uretral fina,
eletrocardiógrafo e monitoração arterial invasiva ou não-invasiva, por transdutor ou manômetro aneróide,
canulando a artéria femoral ou carótida. Ressalta-se que a pressão arterial invasiva na rotina anestésica é
plausível apenas em cobaios e coelhos. Nos outros roedores a punção pode promover danos severos na
circulação do paciente. Assim, nessas espécies, a arteriopunção se faz somente em cirurgias experimentais. A
única exceção é o coelho, pois possui a artéria auricular, a qual é muito fácil de visualizar e canular com um
cateter.
Oxigenação e ventilação
A oxigenação e ventilação podem ser monitoradas com simples verificação de coloração de mucosas e
movimentação torácica em pacientes submetidos à anestesia fixa. Pode-se associar a oximetria, dispondo o
sensor na cauda ou orelha do paciente. O uso de equipamentos sofisticados é possível em anestesias inalatórias.
Neste caso, tanto a capnometria e ventilometria podem ser empregadas. A colheita de sangue arterial para
parâmetros hemogasométricos pode ser feita em cobaios e coelhos.
Intravenosa (IV)
A necessidade de venopunção torna esta via acessível apenas a ratos, cobaios e coelhos. A
administração IV em ratos pode ser obtida por punção das veias da cauda, posicionadas lateralmente. Para
melhor visualização, deve-se garrotear a cauda e submergi-la em água morna, promovendo vasodilatação. A veia
safena, lateral ao membro, e a veia peniana, expondo o pênis com auxílio de pinça, também podem ser utilizadas
para o mesmo propósito. Entretanto, pode ser necessário uma breve exposição do paciente a um agente inalatório
para facilitar o procedimento. Para cobaios, pode-se utilizar a veia safena e auricular. Já em coelhos, comumente
utiliza-se a veia auricular marginal, de fácil visualização. Em todos os animais, a punção deve ser realizada com
cateter 24G ou agulha 13x4,5 devido o calibre das mesmas.
Intraperitoneal (IP)
Principal via para administrações parenterais em pequenos roedores. Por essa via, tem-se absorção
imediata e efeito muito próximo à via IV, devido à irrigação intestinal. Posiciona-se o animal em decúbito dorsal
com declive cranial de aproximadamente 45°, realizando punção no quadrante inferior direito. Com isso, evita-se a
punção de estômago e principalmente ceco. Puncionar com agulha 13X4,5.
Intramuscular (IM)
A administração IM pode ser realizada em animais com relativa massa muscular, ou seja, em ratos
adultos, cobaios e coelhos. Para isso, utiliza-se o quadríceps femoral, separando-o com os dedos polegar e
indicador, evitando a lesão do nervo ciático. Caso o volume seja elevado, o ideal é a divisão do mesmo nos dois
membros. Em camundongos e gerbils há risco de necrose. Puncionar com agulha 13X4,5.
Subcutânea (SC)
Devido à lenta absorção, esta via é utilizada apenas para hidratação, quando não há outra possibilidade. A
técnica simples se faz pela administração através de pregueamento da pele, na região cervical. A desvantagem é
o risco de irritação medicamentosa ou até necrose. Puncionar com agulha 13X4,5 à 25X6.
Epidural
A técnica de anestesia epidural é semelhante à praticada em pequenos animais. Por meio dos dedos
polegar e médio, palpa-se as tuberosidades ilíacas e com o indicador encontra-se o espaço lombossacro, local da
punção. Puncionar com agulha 13X4,5 ou cateter 24G.
Intranasal
219
Em coelhos pode-se utilizar a via intranasal para realização de indução anestésica. A absorção é rápida e
o estresse é bem reduzido quando o animal é devidamente contido. Normalmente o animal espirra durante a
administração.
Inalatória
a) Coelhos
A forma mais simples de utilizar esta via em coelhos é através do uso de máscara facial , entretanto não é
possível realizar a ventilação quando necessário, e esta espécie é bastante susceptível a depressão respiratória.
Uma alternativa é a utilização da máscara laríngea n.1, que permite a ventilação quando necessário e de fácil
inserção, mas deve-se cuidar para não ocorrer insuflação gástrica quando mal posicionada, regurgitação (embora
seja raro nesta espécie) e compressão da língua quando insuflada com muita pressão (Cruz et al., 2000; Bateman
et al., 2005) Está sendo criada máscara laringe adaptada para animais de laboratório (Imai et al., 2005). Os
coelhos possuem aspectos anatômicos que dificultam a intubação, entretanto é possível realizar a intubação
endotraqueal de várias formas:
“ As cegas”- o animal deve estar com o reflexo laringotraqueal ausente. Posiciona-se o mesmo em decúbito
ventral; com uma mão (polegar e indicador) apóia-se a cabeça do animal pela mandíbula elevando-se a cabeça
porém ela deve ficar paralela à mesa e os membros anteriores ficam no ar. Convém apoiar o cotovelo na mesa
para sustentação. Com a outra mão introduz-se a sonda. O ideal é utilizar uma sonda sem balonete e transparente
para visualizar a respiração através do ar quente que o animal expira, embaçando a sonda. Isso também ajuda a
localizar a epiglote. Outra maneira de confirmar a localização é escutar a respiração colocando o ouvido na
extremidade da sonda. Esta técnica é a mais simples e menos invasiva, entretanto dificulta em casos de apnéia,
pois não dá para confirmar a localização.
Utilizando otoscópio e luz fria – Posiciona-se o animal em decúbito dorsal, com uma fonte de luz fria na altura
da epiglote (externamente). Introduz-se o otoscópio com uma lâmina comprida de diâmetro um pouco maior do
que a sonda endotraqueal. Após a visualização da epiglote introduz-se a sonda através do otoscópio. Esta técnica
é bastante precisa, entretanto há necessidade de adquirir um otoscópio e uma fonte de luz fria (utilizada para
endoscópio (Kersjes et al.,1999).
Utilizando laringoscopio (lâmina reta e fina)– decúbito dorsal ou ventral. Abaixa-se a epiglote com o
laringoscópio e introduz-se a sonda. Esta técnica é um pouco mais difícil devido a pequena abertura da boca,
estreita cavidade oral, língua grossa e protusa o que dificulta a visualização da laringe.
Retrógrada – Decúbito dorsal. Faz-se tricotomia e antisepsia do pescoço na região da laringe, introduz-se uma
agulha 40x12 antes do primeiro anel da traquéia direcionado cranialmente. Após isso, introduz-se um guia pela
agulha até sair pela boca, colocar a sonda no guia e direcionar para a traquéia, assim que passar a epiglote, retire
a agulha e o guia. Esta técnica não é tão difícil, porém é bastante cruenta, podendo acarretar em hemorragia na
região. Outra dificuldade encontrada é que o guia pode ir para a narina ao invés da boca, ou ainda retirarmos o
guia quando a sonda ainda não passou pela epiglote, sendo necessário repetir todo o procedimento. (Bertolet e
Hughes, 1980).
b) Ratos e camundongos
• Pode-se utilizar a máscara facial, mas a maior desvantagem é quando necessita-se de ventilação
assistida ou controlada. A intubação exige experiência, mas pode ser realizada com o auxílio de um otoscópio
utilizando um cateter 14-16G como sonda endotraqueal; primeiro insere-se um guia metálico na traquéia, retira-se
o otoscópio e através do guia coloca-se o cateter, seguida pela remoção do guia. Para confirmação do local pode-
se administrar ar com uma seringa de 10 ml, e observar a expansão do tórax.
c) Hamster
• A indução com anestesia inalatória pode ser conveniente; A intubação nesta espécie é bastante difícil;
d) Cobaio
• É a espécie mais difícil de intubar devido à membrana que possui na faringe (óstio intrafaríngeo).
Entretanto, a técnica é semelhante à de ratos. Pode-se realizar indução anestésica por meio de máscara facial.
220
Anestesia nas diferentes espécies:
Devido o porte dos pequenos roedores, geralmente os medicamentos injetáveis são administrados por via
IP, devido à relativa rapidez e dificuldade em punção venosa. Associado a situações laboratoriais, em que há um
número relativo de animais, esta via torna-se mais prática para o procedimento em série.
Apesar da praticidade, a anestesia injetável em pequenos roedores deve ser realizada com critério já que,
por vezes, não há possibilidade de pesagem de todos os animais, realizando uma média de peso e volume
anestésico padrão para todos os pacientes. Neste caso, as variações de linhagem, sexo e individuais podem
comprometer o procedimento, ocasionando planos superficiais ou profundos de anestesia (Lovell, 1986a,b). Caso
o profissional não esteja habituado à técnica empregada, deve-se optar por doses mínimas recomendas e, caso
necessário, complementar com um terço da dose inicial, em uma segunda administração.
No caso da escolha pela via IP, deve-se ressaltar a possibilidade de irritação das estruturas abdominais
em relação à diferença de pH da substância administrada. Assim, a escolha de medicamentos com pH próximos
ao fisiológico, diminuto volume administrado e concentrações adequadas se fazem necessários. A irritação
presente na administração por via IP também pode ser produzida pelo próprio trauma, o que deve ser atentado em
estudos relacionados à inflamação os quais utilizem essa via para promover anestesia nos animais (Carregaro et
al, 2005).
Os principais fármacos relacionados à anestesia em animais de laboratório, doses e vias de administração estão
relacionados nas Tabelas 2 e 3. Embora a ampla maioria dos medicamentos utilizados em animais de companhia
possa ser extrapolada para esses animais, devem-se adequar as doses devido à alta taxa metabólica e atentar-se
para particularidades de alguns, como é o caso da acepromazina em gerbils, com potencial convulsivante
(Harkness & Wagner, 1983), e a associação tiletamina/zolazepam em coelhos, utilizando doses elevadas pode
promover lesão renal, podendo culminar em necrose (Doerning et al, 1992), embora com 20 mg/kg intranasal isso
não ocorra (Castro et al., 2003). Outra particularidade dos coelhos e a presença da enzima atropinase, fazendo
com que a dose de atropina necessária seja de 1 a 2 mg/kg, a cada 10 a 15 minutos (Liebenberg e Linn, 1980).
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222
Tabela 1. Parâmetros fisiológicos dos principais animais de laboratório.
Animal Peso (g) FC (bat/min) PAM (mmHg) f (mov/min) Volume corrente (mL) T (°C)
Hamster 90 – 120 250 - 500 110 – 130 35 - 135 0,6 – 1,4 37,0 – 38,0
Gerbil 50 - 100 260 - 500 110 – 130 70 - 120 0,8 – 1,5 37,4 – 39,0
Rato 200 – 300 200 - 450 90 – 110 70 - 115 0,6 – 2,0 35,9 – 37,5
Cobaio 430 - 1000 140 - 200 60 – 80 42 – 100 2,3 – 5,3 37,2 – 39,5
223
Tabela 2. Principais fármacos e doses (mg/kg) utilizadas em protocolos anestésicos em camundongos, gerbils,
hamsters e ratos.
Camundongo
Fármacos Vias Gerbils Hamsters Ratos
s
MPA
Anestesia
Analgésicos
224
Tabela 3. Principais fármacos e doses (mg/kg) utilizadas em protocolos anestésicos em cobaios e
coelhos.
MPA
Anestesia
Analgésicos
225
Técnicas Anestésicas em Animais Silvestres
ANFÍBIOS
São vertebrados ectotérmicos distribuídos em três ordens; Anura (Ex: sapos e rãs), Caudata (Ex: salamandras) e
Gymnophiona (anfíbios anelídeos desprovidos de membros). Apresentam pele desprovida de extrato córneo, rica
em glândulas mucosas e serosas. Diversas espécies de anuros secretam substâncias peçonhentas pelas
glândulas cutâneas e precauções extremas devem ser tomadas durante o manuseio destes batráquios (Stetter,
2001).
Fisiologia respiratória: São os primeiros vertebrados com osso esterno. O diafragma é ausente e as costelas são
rudimentares. O pulmão único e a derme altamente vascularizada são os locais primários de troca gasosa que,
entretanto, pode ocorrer em toda superfície corporal, seja externa ou interna (Wright, 1996).
Métodos de anestesia: Alguns protocolos com anestésicos dissociativos são descritos na literatura (Stetter, 2001;
Letcher & Durante, 1995). A administração de cetamina (70-150 mg/kg SC, IM) e o emprego de
tiletamina/zolazepam (5-20 mg/kg IM) em anuros produzem tranqüilização (baixas doses) até a completa
contenção (altas doses). A analgesia obtida é inconsistente e insatisfatória, devendo seu uso ser restrito à
contenção e procedimentos não-cruentos.
O isoflurano pode ser administrado de diferentes maneiras, tais como; o uso tópico no dorso dos animais (0,01-
0,06 ml/g), por imersão em caixas vedadas ou sacos plásticos (2-3 ml/L) ou por meio de inalação em câmara de
indução (2-5% em oxigênio). Nos animais maiores pode-se realizar a intubação oro-traqueal e a manutenção
volátil (Wright, 1996). Em todas técnicas a indução é prolongada (10-30 min) e, talvez pelas vias respiratórias
alternativas, os resultados são bastante imprevisíveis (Smith & Stump, 2000). Algumas espécies podem
apresentar irritações e lesões cutâneas decorrentes do contato com o anestésico inalatório. Caso isso ocorra
deve-se interromper a administração e lavar o animal com água destilada.
As soluções aquosas com anestésicos locais (tricaína metano sulfonato e o hidrocloreto de benzocaína),
administradas aos anfíbios na forma de imersão, são o protocolo de escolha na anestesia desta classe de
vertebrados. As diluições empregadas de tricaína são de 0,5 g/L, 1-2 g/L e 3 g/L para a anestesia de girinos, rãs e
salamandras e sapos, respectivamente (Wright, 1996). Deve-se realizar a diluição em água e se possível adicionar
um pouco da água do recipiente do animal de modo a evitar a brusca mudança na qualidade da água durante a
imersão. As diluições de benzocaína são de 50-100 e 200-300 mg/L para girinos e adultos, respectivamente. A
desvantagem da benzocaína sobre a tricaína é que esta deve ser dissolvida em uma pequena quantidade de
etanol antes da diluição em água (Stetter, 2001).
Monitoração: Quando do emprego da tricaína, o eritema ventral em áreas não pigmentadas, seguido pela perda
do reflexo pedal indicam leve plano de anestesia. Quando alcançam o plano de anestesia cirúrgica os movimentos
respiratórios diminuem ou cessam, mas o ritmo e freqüência cardíaca (pela visualização do choque de ponta, ou
pelo Doppler) se mantêm inalterados. A redução da freqüência cardíaca indica plano anestésico profundo,
devendo-se retirar o animal da solução anestésica e lavá-lo em água destilada e de boa oxigenação (Wright,
1996).
Cuidados: Apesar do aquecimento do paciente acelerar a recuperação anestésica, a umidade é fator ambiental
mais importante que a temperatura nos anfíbios. Durante a anestesia é imprescindível manter os animais úmidos,
pois quanto mais úmidos, melhor os anfíbios respiram (Stetter, 2001, Wright, 1996). Apesar da troca gasosa
226
pulmonar ser mais eficiente que a cutânea, em situações de hipoventilação ou apnéia, a respiração transdermal é
importante para evitar, além da desidratação, a hipóxia e a acidose respiratória.
RÉPTEIS
As serpentes, quelônios, lagartos e crocodilianos fazem parte desta classe de animais. Diversas atividades
fisiológicas nos répteis (digestão, crescimento e reprodução), algumas fundamentais à anestesia e cirurgia
(distribuição, metabolização e eliminação de fármacos, recuperação anestésica, resposta imune e cicatrização),
são dependentes da temperatura externa (Page, 1993). Provavelmente por este fato, o uso terapêutico da escala
alométrica nos répteis não seja tão eficiente como nas demais classes de vertebrados. Métodos ultrapassados de
anestesia incluíam o uso de hipotermia, barbitúricos e éter, entretanto, tais condutas resultam em alterações
cardiovasculares e metabólicas importantes que devem ser evitadas numa anestesia segura (Read, 2004).
o
Preparo pré-anestésico: Importante aquecer o animal antes de uma anestesia (30-37 C), e assim garantir a
manutenção dos parâmetros fisiológicos e metabolismo durante o período peri-anestésico (Dennis et al., 2002;
Bertelsen et al., 2005). A motilidade gastrointestinal é reduzida pelos agentes anestésicos e longos períodos de
jejum devem ser adotados (24-48 h) de modo a evitar a compressão pulmonar pelas vísceras e a putrefação da
ingesta na recuperação anestésica (Heard, 1993). O conhecimento do peso real do animal é importante para se
evitar erros no cálculo de doses. O exame clínico completo e os exames laboratoriais (hematócrito, hemograma,
proteína plasmática e, ácido úrico) devem ser realizados sempre que o tamanho e cooperação do animal permitir
(Page, 1993).
Vias de administração: A via mais adequada dependerá da espécie, pois a anatomia entre os répteis é bastante
variada (ausência de membros nas serpentes, o casco nos quelônios) e do tamanho do animal. Nos animais
pequenos é impossível o acesso venoso. No geral, a via intramuscular é empregada para a contenção química ou
indução anestésica (Heard, 1993).
As veias que drenam o sangue da porção caudal se ramificam em capilares e irrigam os túbulos, mas não os
glomérulos renais. Tradicionalmente esta singularidade anatômica, denominada sistema porta-renal e presente
nos répteis e aves, restringe a administração de fármacos aos grupos musculares craniais, pois qualquer fármaco
o
com eliminação renal (Ex: cetamina, gentamicina) sofreria o efeito de 1 passagem (cetamina) ou produziria lesão
renal (gentamicina). Possivelmente o sistema porta-renal é uma adaptação que minimiza a perda de água e
eletrólitos enquanto o fluxo sangüíneo para os túbulos é mantido (Holtz, 1999), pois a excreção renal nos répteis é
fisiologicamente menos eficiente e mais primitiva.
Subcutânea
A ausência de tecido subcutâneo e a baixa irrigação cutânea limitam a administração de grandes volumes e
absorção sistêmica por esta via, principalmente nos quelônios e serpentes. Pode ser utilizada em crocodilianos e
lagartos, entretanto, o período de latência dos fármacos será aumentado.
Intramuscular
Nos animais desprovidos de membros (serpentes e lagartos) se restringe à musculatura paravertebral. A
musculatura peitoral e o antebraço são adequados para a administração nos répteis com membros (quelônios,
lagartos, crocodilianos).
Intracelomática
O acesso à cavidade celomática nos quelônios é realizado mediante a introdução de uma agulha através do
tegumento cranial aos membros pélvicos. Nos lagartos e serpentes a região peri-cloacal é utilizada, lateralmente a
linha média de modo a evitar a punção de veia ventral abdominal. Importante sempre aspirar antes da injeção e
assim garantir que nenhuma víscera seja puncionada. A administração de grandes volumes (acima de 2-3% do
peso corpóreo) pode aumentar a pressão intracelomática e resultar em compressão pulmonar.
Intravenosa
A veia jugular é o vaso de escolha em quelônios de menor porte. Indica-se a extensão do pescoço e o garrote da
veia, pois é intensa sua movimentação durante a punção venosa. Nos crocodilianos e quelônios maiores a
administração no seio venoso vertebral (caudal ao osso occipital) é possível, devendo-se evitar a punção do
espaço subaracnóide. Em serpentes, crocodilianos e lagartos de médio e grande porte, indica-se o uso da veia da
cauda. Localizada na face ventral, deve-se introduzir a agulha até o corpo vertebral (caudal à cloaca) e
gentilmente aspirar. Nas serpentes machos, a punção cranial desta veia pode resultar em lesão do hemipênis.
Alternativamente, nas serpentes não-peçonhentas de maior porte pode-se puncionar as veias dorsais do palato e,
em iguanas, as veias abdominais ventrais, localizadas abaixo às escamas ventrais médias. Pela possibilidade de
lesão do miocárdio e ocorrência de arritmias, a cardiocentese em serpentes e quelônios se limita aos pacientes
críticos e às avaliações experimentais, respectivamente (Dennis & Heard, 2002; Heard, 1993).
Intraóssea
227
O difícil acesso venoso em lagartos, crocodilianos e pequenos quelônios torna bastante vantajosa a administração
de fármacos pela via intraóssea. A maior densidade do tecido ósseo nos répteis é fator limitante, entretanto pode-
o
se utilizar o fêmur distal e a parte proximal da tíbia. Após a identificação da crista tibial, adotando ângulo de 45-90
introduz-se a agulha espinhal até que uma súbita ausência de resistência seja observada. Neste ponto agulha
deverá ser posicionada no eixo do osso e sua introdução concluída. Nos quelônios, além do esqueleto
apendicular, pode-se empregar o casco para a administração. Com o uso de brocas cirúrgicas, recomenda-se
perfurar o casco na junção lateral do plastrão com a carapaça seguida pela introdução de cateter intravenoso ou
agulha espinhal.
Anestesia local: A infiltração de lidocaína 2%, isolada ou adjunta à contenção química, é uma alternativa viável
em procedimentos cutâneos (sutura de pele, remoção de abscessos e neoformações). O uso de bloqueios
regionais nestas espécies ainda é pouco estudado. Fraturas de membros pélvicos, prolapsos penianos e
intervenções na cauda podem ser corrigidos cirurgicamente em quelônios mediante a administração de lidocaína
2% no espaço epidural. Posiciona-se o animal em decúbito dorsal e com o dedo indicador embaixo da cauda,
introduz-se uma agulha hipodérmica de calibre adequado no terço distal da superfície dorsal da cauda. A punção
correta é confirmada pela ausência de resistência à administração do anestésico, que deve ser lenta (1ml/min). O
volume administrado é baseado no comprimento da carapaça (0,1 ml/5 cm de carapaça nos procedimentos de
cauda e 0,2 ml/5 cm de carapaça para a anestesia dos membros pélvicos). A duração do bloqueio é similar ao
observado em mamíferos (Nascimento et al., 2000).
Anestesia injetável: A resposta dos répteis aos sedativos e anestésicos é variável (Page, 1993). Mesmo com o
emprego de altas doses, a latência e o período de indução dos fármacos são extremamente longos,
principalmente quando da administração intracelomática ou intramuscular. Em geral, o uso dos anestésicos
injetáveis se limita à contenção de curta duração ou previamente à anestesia inalatória, pois a eliminação destes é
dificultada nos répteis.
Como nas demais classes de vertebrados, os bloqueadores neuromusculares produzem paralisia muscular sem
analgesia, não sendo recomendados em procedimentos cruentos. O uso de bloqueadores competitivos (galamina
0,6-4,0 mg/kg IM; atracúrio 4,0 mg/kg IM) e despolarizantes (succinilcolina 0,5-2,0 mg/kg IM) deve ser restrito a
contenção química dos grandes crocodilianos, espécies de porte elevado nas quais o grande volume final limita a
administração dos demais agentes injetáveis disponíveis. O emprego prévio de benzodiazepínicos (diazepam ou
midazolam 0,4 mg/kg) aumenta o relaxamento muscular e possibilita a redução da dose do agente bloqueador
(Page, 1993).
O propofol produz anestesia adequada de curta duração (20 minutos) em iguanas (Bennett et al., 1998), quelônios
(Pye & Carpenter, 1998) e serpentes (Anderson et al., 1999). Bradicardia e apnéia são freqüentes, sendo
imprescindível a intubação e adoção da ventilação mecânica. As doses empregadas variam de 5-15 mg/kg para a
indução e 0,5 mg/kg/min para a manutenção, pelas vias intravenosa ou intraóssea. O uso prévio de cetamina,
seguida pela cateterização e administração de propofol é alternativa viável para a realização de procedimentos
rápidos, sendo importante reduzir a dose do propofol (5-7 mg/kg).
Pela possibilidade da administração intramuscular, as ciclohexaminas são os anestésicos mais utilizados para a
contenção e indução anestésica, especialmente nas espécies aquáticas (Pye & Carpenter, 1998), onde a indução
pelos agentes inalatórios é dificultada pela capacidade destes animais em se manterem em apnéia por longos
períodos (Read, 2004). As doses recomendadas de cetamina em répteis estão dispostas na tabela 1. Doses
menores produzem contenção/indução satisfatória em lagartos e serpentes. Os quelônios e crocodilianos são mais
resistentes, o que exige o emprego de doses elevadas. A catalepsia produzida pela cetamina não é intensa, o que
possibilita o uso isolado deste fármaco (Page, 1993). Alternativamente pode-se associar a cetamina ao diazepam
ou midazolam (0,2 –0,6 mg/kg) ou ainda aos agonistas alfa-2 adrenérgicos (xilazina 0,2-1,0 mg/kg ou
medetomidina 0,04-0,15 mg/kg) (Heard, 1993, Dennis & Heard, 2002). A associação da tiletamina ao
benzodiazepínico zolazepam (10-20 mg/kg) pode ser utilizada para anestesia e contenção de serpentes, lagartos
e crocodilianos. Pela maior potência da tiletamina, a latência é rápida (15 minutos), entretanto a recuperação
anestésica será prolongada (Page, 1993). Os efeitos anestésicos nos quelônios são menos evidentes, mesmo
após a administração de doses elevadas (88 mg/kg). Dentre os répteis, as serpentes apresentam maior
sensibilidade a tiletamina/zolazepam.
Anestesia inalatória: É o método de indução e manutenção recomendado nos répteis e possibilita um melhor
controle do plano anestésico (Read, 2004). A seguridade dos répteis aos agentes inalatórios é bastante elevada,
sendo impossível a produção de assistolia mesmo após o emprego de altas concentrações de isoflurano em
animais sadios (Mosley et al., 2003).
A eliminação dos fármacos e a recuperação anestésica independem, em parte, da temperatura ambiental e nem
da metabolização e distribuição dos fármacos, resultando em recuperação rápida e tranqüila. A indução com
máscara e altas concentrações de isoflurano ou sevoflurano possibilita a rápida intubação e manutenção
anestésica na maioria dos répteis, pois a respiração está diretamente relacionada à velocidade de indução e
recuperação anestésica.
228
Em animais pequenos existe a possibilidade de se realizar a intubação forçada e indução diretamente pela sonda
endotraqueal (Heard, 1993). Nos demais répteis, a intubação necessita de indução anestésica. As espécies
aquáticas podem manter a apnéia por horas e, nestes répteis o uso prévio de agentes injetáveis possibilita a
intubação oro-traqueal com menor gasto de agente inalatório e num período mais curto.
A intubação oro-traqueal é facilitada pelo posicionamento cranial da traquéia ao esôfago. Os anéis da traquéia são
completos e se recomenda inflar o balonete somente nos animais maiores (Bertelsen et al., 2005; Mosley et al.,
2003). O emprego de sondas uretrais ou cateteres possibilita a intubação e ventilação nos animais menores.
Apnéia é comum, principalmente em planos anestésicos profundos. Apesar da maioria dos répteis realizar o
metabolismo anaeróbico e sobreviver várias horas em anóxia, recomenda-se assistir a ventilação (3-6 mov/min) ou
adotar a ventilação mecânica de modo a manter a normocapnia e o equilíbrio ácido-básico, até que o animal volte
a respirar espontaneamente. A complacência pulmonar nos répteis é menor e a pressão inspiratória não deve
exceder a 10-12 cm H2O e o volume corrente não ultrapassar o valor de 25 ml/kg (Bertelsen et al., 2005).
Monitoração: A avaliação do plano anestésico deve privilegiar os reflexos protetores (palpebral, retirada de
membros), o relaxamento muscular (progressivo do terço cranial para o terço caudal). Normalmente, em plano
cirúrgico, os animais não conseguem retornar imediatamente a posição quadrupedal após serem posicionados em
decúbito dorsal (Page, 1993). A auscultação dos sons cardíacos é prejudicada pela anatomia cardíaca. Os répteis
possuem dois átrios e um ventrículo, e a cada contração ventricular o sangue venoso e o sangue arterial se
misturam. A eletrocardiografia e o uso do Doppler ultrassônico são importantes para a avaliação do ritmo e
qualidade do pulso (Read, 2004). Os locais de posicionamento do sensor do Doppler é próximo ao coração
(serpentes, lagartos e crocodilianos) e na região cervical nos quelônios. Exceto obviamente pelos quelônios, a
visualização dos movimentos respiratórios é possível, sendo ainda viável o uso da capnografia, análise de gases e
hemogasimetria. Em relação a oximetria de pulso a dificuldade encontrada nos répteis é o posicionamento do
sensor (presença de escamas) e a ausência de valores normais e estudos que validem a técnica, pois são
grandes as diferenças entre a hemoglobina dos répteis e dos mamíferos.
Cuidados: Uma recuperação anestésica sempre necessita de aquecimento. Evite ao máximo o decúbito dorsal,
pois nesta posição a compressão pulmonar pelas vísceras é elevada. Quando for impossível a escolha de outro
o
decúbito, mantenha o réptil num ângulo (20-30 ) que alivie o deslocamento cranial das vísceras. Caso o animal
entre em apnéia, não se desespere. Nestes animais o metabolismo ocorre mesmo durante situações de hipóxia.
Até que seja possível a intubação e a ventilação mecânica do paciente, a ventilação pode ser facilitada pela
extensão do pescoço e movimentação dos membros anteriores (Heard, 1993).
AVES
O metabolismo elevado, a fisiologia respiratória singular e a delicadeza das aves de pequeno porte são os maiores
obstáculos na anestesia desta classe de animais (Altman, 1998).
Fisiologia respiratória: Não possuem diafragma. A inspiração ocorre pela movimentação do esterno e costelas,
sendo importante não impedir a expansão torácica durante o decúbito ou contenção física (Orosz, 1999). Observa-
se uma redução de significativa do volume corrente e volume minuto quando posicionadas em decúbito dorsal
(Heard, 1997).
Adaptadas ao vôo, os ossos pneumáticos, vias aéreas largas e compridas e a presença dos sacos aéreos
internos, garantem leveza e modificam o fluxo dos gases inspirados nos pulmões (Edling et al., 2001). Se nos
mamíferos, o movimento ventilatório é “em vai e vem”, nas aves o ar circula pelos divertículos aéreos
complacentes “em carrossel” e passa em fluxo unidirecional pelos brônquios e pulmões que não se expandem
(Figura 1). Isso é importante para entender por que nas aves, excetuando talvez durante a VPPI, a análise do gás
expirado nem sempre reflete a concentração nos pulmões, local das trocas gasosas (Edling et al., 2001). Apesar
de possuírem uma alta porcentagem de espaço morto anatômico (90%) e uma reduzida capacidade residual
funcional, as aves realizam uma eficiente troca gasosa, o que as possibilita voar a grandes altitudes e baixas
pressões de oxigênio (Orosz, 1999).
Preparo pré-anestésico: Nos passeriformes, aves de alto metabolismo e grande tendência a hipoglicemia, o
jejum deve-ser evitado. Em aves de pequeno porte (psitacídeos, rapinantes, galiformes), períodos de até 2 horas
podem ser adotados, sendo a palpação do papo útil para determinar o esvaziamento do trato gastrintestinal
(Varner et al., 2004).
Deve-se investigar a história e inspecionar visual e clinicamente o animal. O peso do animal é imprescindível.
Radiografias podem ser utilizadas para avaliação dos sacos aéreos e cavidade celomática. Os exames
hematológicos (Ex: contagem de células sangüíneas, volume globular, proteína plasmática, glicose sanguínea)
são importantes para a avaliação do estado geral nos pacientes debilitados (Heard, 1997). Excetuando a glicose
sanguínea, albumina e ácido úrico, os demais testes bioquímicos rotineiramente empregados nos mamíferos têm
pouca valia e baixa sensibilidade diagnóstica nas aves.
Vias de administração: Como os répteis possuem sistema porta-renal. Entretanto, as evidências científicas
suportam a teoria da eliminação renal prévia quando da administração de fármacos na porção caudal das aves
229
(Cruz et al., 2001). Pelo fato destes animais não possuírem tecido subcutâneo desenvolvido, hemorragias e
hematomas são comuns, devendo-se evitar a injeção em planos profundos e agulhas de grosso calibre.
Recomenda-se o uso de agulhas hipodérmicas delicadas (Ex: 13x0,40 26G; 13x0,45 27G) e a aplicação de
massagem e leve pressão após a administração intramuscular ou intravenosa.
Subcutânea
De uso restrito a administração de fluídos, raramente empregada em anestesia. Utiliza-se a região peri-cloacal na
sua junção ao membro pélvico, ou ainda, a região axilar.
Intramuscular
Por sua maior vascularização, o músculo peitoral profundo é o local mais recomendado. Encontra-se paralelo à
quilha esternal, osso facilmente palpável nas aves. Em animais maiores é possível o uso dos músculos da coxa,
entretanto, o aporte sangüíneo neste local é menor e conseqüentemente a absorção sistêmica, a latência e os
efeitos dos fármacos poderão ser prejudicados.
Intravenosa
A veia jugular é o local preferível em animais com peso inferior a 500 g. O posicionamento do papo do lado
esquerdo torna o vaso direito mais desenvolvido que a jugular esquerda. É ideal que a completa extensão do
pescoço e adequada contenção do animal sejam realizadas durante a punção.
Em animais maiores, a visualização e calibre dos vasos periféricos facilitam a punção e cateterização das veias
nos membros e asas. A veia ulnar, localizada na face interna da asa, na altura do cotovelo, é um vaso bastante
utilizado em rapinantes, psitacídeos e anseriformes. A formação de hematomas é bastante comum, sendo
importante pressionar o local após a punção. Nas aves terrestres e aquáticas, outra opção é a veia metatársica
medial, na altura da articulação tibiotársica-tarso-metatarso.
Intraóssea
O difícil acesso vascular nas aves torna a cateterização intraóssea uma importante via para a administração de
fármacos e fluídos. Os principais locais de punção são a porção distal da ulna e a porção proximal do osso tíbio-
tarso (Harris, 2001). Por serem ossos pneumáticos, o fêmur e o úmero não devem ser empregados. Embora o
ideal seja a utilização de agulhas espinhais, as agulhas hipodérmicas de grosso calibre podem ser empregadas,
entretanto a oclusão do lúmen por fragmentos ósseos pode ocorrer.
Para a punção da ulna, palpam-se os côndilos da ulna, rádio e o osso radial do carpo e introduz-se a agulha no
córtex ulnar. Para a cateterização tíbio-társica insere-se a agulha medial a crista deste osso, entre os côndilos
femorais, (Figura 2). O preparo deve ser cirúrgico, sendo necessária a fixação da cânula.
Anestesia local: Apesar da natureza e comportamento das aves impedirem o uso isolado da anestesia local,
como nos mamíferos, sempre que possível o bloqueio cutâneo com lidocaína (4 mg/kg) associado a sedação ou
anestesia geral é vantajoso para diminuir a nocicepção e a necessidade de planos anestésicos profundos (Heard,
1997). Outro cuidado é o risco de intoxicação em aves pequenas que, entretanto pode ser evitado pela diluição do
anestésico local. Algumas técnicas de bloqueio local são relatadas na literatura. O bloqueio do plexo braquial em
galinhas domésticas (1 ml/kg de lidocaína 2% ou bupivacaína 0,5%) produz anestesia da asa com duração média
de 45 minutos, sem apresentar sinais de intoxicação (Mendes et al., 2003). A anatomia da asa varia pouco entre
as espécies aviárias e esta técnica pode ser utilizada em outras espécies. Após a palpação do ápice da axila, com
o
o animal em decúbito lateral e com a asa a ser bloqueada levantada num ângulo de 90 , introduz-se uma agulha
de cateter pela musculatura peitoral atravessando toda axila até sentir a ponta da agulha no tecido subcutâneo
posterior a axila. O anestésico local é infiltrado por todo percurso da agulha para que todas as fibras do plexo
sejam bloqueadas. Importante a realização de massagem para a maior distribuição do anestésico. A anestesia
intravenosa de Bier (10 ml de lidocaína 2% sem vasoconstrictor na veia tibial caudal) produziu a desensibilização
do membro pélvico distal ao garrote (no osso tibiotarso) durante o período de garroteamento (75 minutos) e por 15
minutos após a sua retirada em avestruz (Gonçalves et al., 2005).
Anestesia injetável: Pela difícil manutenção de um plano cirúrgico adequado e prolongada recuperação
anestésica, somente é indicada na contenção ou como indução para a anestesia inalatória (Varner et al., 2004).
Uma grande variedade de agentes anestésicos têm sido utilizada, notadamente os protocolos que empregam os
agentes dissociativos, sedativos e o propofol.
Agentes dissociativos
A alta segurança destes fármacos, associada à boa absorção intramuscular são as principais vantagens da
cetamina. Nas aves não passeriformes as doses recomendadas variam de 10-50 mg/kg. Apesar do relaxamento
muscular não ser excelente, o uso isolado da cetamina não produz catalepsia, salivação e episódios convulsivos
na maioria das aves. Produz discreta taquicardia, aumento transitório da pressão arterial e hipertermia, entretanto
a função respiratória não se altera (Langan et al., 2000).
Um maior grau de miorrelaxamento pode ser obtido ao associar a cetamina aos benzodiazepínicos (diazepam e
midazolam) nas doses entre 0,5 a 2 mg/kg. Administração conjunta de cetamina e xilazina (1-4 mg/kg) eleva a
230
analgesia e o relaxamento muscular, entretanto a função cardiorespiratória (bradicardia, bradipnéia, hipoventilação
e hipertermia) será significativamente alterada (Varner et al., 2004). Os efeitos sedativos, bem como os deletérios,
da xilazina podem ser antagonizados pela administração de ioimbina (0,1-1 mg/kg) (Heard, 1997).
Nos passeriformes, aves de porte reduzido e intenso metabolismo, as doses devem ser aumentadas para a
obtenção do efeito esperado. Alternativamente, pode-se calcular a dose dos anestésicos, ou de qualquer fármaco,
não pelo peso corpóreo da ave, mas pela taxa metabólica basal. Para tanto, o custo energético mínimo (CEM) de
um determinado fármaco em uma ave pode ser calculado pela escala alométrica, de acordo com a seguinte
fórmula:
0,75
CEM (mg/kcal) = K x Peso corpóreo
O valor de K (constante energética específica) respectivo aos passeriformes é 129 e de 78 para os não-
passeriformes (Tabela 2). O peso corpóreo deve ser convertido para kg.
Exemplo 1: Uma arara de 700 g vai ser anestesiada e você decide induzi-la com cetamina.
Passo 1: Cálculo do custo energético mínimo do animal:
0,75
CEM = 78 x 0,7 = 60 mg/kcal
Passo 2: Multiplicar o CEM obtido pela dose metabólica da cetamina, que varia de 0,2 (sedação), 0,4 (curto
período de contenção) a 0,6 mg/kcal (períodos prolongados). Neste caso utilizaremos a dose intermediária (0,4
mg/kcal):
Dose total = 0,4 x 60 = 24 mg de cetamina
Exemplo 2: Um sabiá-coleira (100 g) deve ser sedado para a realização de radiografias.
Passo 1: Cálculo do custo energético mínimo do animal:
0,75
CEM = 129 x 0,1 = 23 mg/kcal
Passo 2: Multiplicar o CEM obtido pela dose baixa de cetamina (0,2 mg/kcal):
Dose total = 0,2 x = 5 mg de cetamina
Note que, devido a maior taxa metabólica, o CEM do sabiá é relativamente maior que da arara, e por
conseqüência, a dose de cetamina neste animal é maior, apesar de seu peso corpóreo ser menor.
O emprego da tiletamina/zolazepam (0,2 mg/kcal) resulta em anestesia adequada de maior duração (20 min),
entretanto a recuperação é bastante prolongada. As doses totais de xilazina (0,002 a 0,004 mg/kcal) e ioimbina
(0,0013-0,014 mg/kcal) também podem ser calculadas pela alometria.
Propofol
Sua rápida redistribuição plasmática produz um período curto de ação e recuperação anestésica rápida e tranqüila
(Langlois et al., 2003; Machin & Caulkett, 1998). O emprego em aves é promissor, entretanto a necessidade de
intubação e da administração intravenosa limita o uso do propofol nos passeriformes e aves de porte reduzido.
Teoricamente a administração do propofol pela via intraóssea é possível, entretanto não existem relatos em aves.
A depressão cardiorespiratória é similar às observações em mamíferos, sendo imprescindível a intubação e
ventilação mecânica dos animais. O modelo farmacocinético é bi-compartimental (Hawkins et al., 2003) e, apesar
do elevado metabolismo das aves, as doses de indução e manutenção (Tabela 3) são similares as dos mamíferos
(Schumacher et al., 1997), possivelmente pelas características farmacocinéticas do propofol serem similares.
Como ocorre em mamíferos, a infusão contínua deste fármaco por longos períodos, produz recuperação
anestésica prolongada (Mama et al., 1996).
Anestesia inalatória: É o protocolo de escolha na indução de passeriformes e aves de médio porte e manutenção
anestésica das aves em geral (Tabela 4). Apesar da seguridade da anestesia inalatória frente aos injetáveis, o
emprego de vaporizadores calibrados e a cuidadosa avaliação do plano anestésico conjuntamente à monitoração
dos sinais vitais (Tabela 4) são essenciais, pois comparado aos mamíferos e répteis, o índice terapêutico dos
anestésicos inalatórios é baixo nas aves, animais com uma reduzida compensação a hipoventilação e hipoxemia
trans-anestésica.
A indução na máscara facial, após o emprego prévio de anestésicos injetáveis ou não, é suave e rápida,
principalmente quando os anestésicos de baixa solubilidade sangüínea (Ex: isoflurano, sevoflurano) são utilizados
(Varner et al., 2004). A incidência de apnéia é comum durante a anestesia inalatória, e indica-se a intubação
traqueal sempre que o tamanho do animal permitir (Machin & Caulkett, 2000). Nas aves a laringe se encontra
cranial ao esôfago, sendo fácil sua visualização. Os anéis traqueais são completos, sendo preferencial o uso de
sondas sem balonete acopladas a circuitos anestésicos sem reinalação. Deve-se inicialmente empregar um alto
fluxo corrente (2-4 L/min) de modo a otimizar a indução anestésica e, após esta, reduzi-lo para 250-300 ml/kg/min
(Edling et al., 2001).
231
A anatomia particular do sistema respiratório permite a ventilação e manutenção da anestesia inalatória mediante
a canulação do saco aéreo abdominal caudal (Heard, 1997). É uma técnica bastante interessante nas cirurgias de
cabeça e bico, quando a presença da sonda interferirá com o procedimento.
Ventilação mecânica: Além das situações específicas (Ex: apnéia, massas intracelomáticas, obesidade), o
suporte ventilatório deveria ser instituído rotineiramente na anestesia das aves (Heard, 1997). Além do efeito
depressor dos anestésicos, o posicionamento, a compressão visceral e a alta porcentagem de espaço morto
anatômico contribuem para a hipoventilação trans-anestésica (Edling et al., 2001). Quando mantidas em decúbito
dorsal, observa-se a redução do volume corrente (40-50%) e da freqüência respiratória (20-50%) e por
conseqüência do volume minuto (10-60%). Nas aves a hipercapnia durante a anestesia está correlacionada com a
incidência de arritmias cardíacas.Idealmente a ventilação deve-ser avaliada pelo uso da capnografia ou da análise
dos gases sangüíneos.
Os animais de porte maior (galiformes, anseriformes, ratitas) podem ser mantidos na ventilação mecânica sem
quaisquer riscos de distensão excessiva de sacos aéreos ou lesão pulmonar. Recomenda-se que os animais
sejam ventilados com ciclagem a pressão (Pins = 8 cm H2O e freqüência respiratória em torno de 5-8 mov/min). O
volume corrente (VT) e o volume-minuto (VM) podem ser estimados pelas seguintes fórmulas (Heard, 1997):
1,08
VT (ml) = 13.2 x Peso corpóreo
0,77
VM (ml/min) = 284 x Peso corpóreo
O baixo peso e a intubação dificultosa limitam o uso da VPPI nas aves pequenas (300-500 g), animais onde os
riscos da depressão cardiovascular, ruptura de sacos aéreos e alcalose respiratória em decorrência da VPPI são
maiores. De modo a evitar as complicações da ventilação mecânica, devem-se adotados baixos valores de
pressão inspiratória (Pins = 3-5 cm H2O, fluxo de 2 L/min) e restringir seu uso aos ventiladores eletrônicos (Edling
et al., 2001).
Monitoração: É imprescindível a manutenção do metabolismo das aves e, portanto, devem ser rigorosas a
avaliação da temperatura corpórea e glicemia, principalmente nos passeriformes e aves de pequeno porte. Dentre
os parâmetros disponíveis para a avaliação do plano anestésico, o relaxamento muscular, os reflexos de retirada,
e o padrão respiratório e o ritmo cardíaco são de grande valia.
O ritmo e a freqüência cardíaca podem ser monitorados auxílio de estetoscópio (lateral ao esterno), pela
eletrocardiografia (derivação I ou II com eletrodos acoplados nos patágios e patas) ou ainda, apesar do
posicionamento ser dificultado pelo papo, por estetoscópio esofágico.
O Doppler ultrassônico é uma alternativa viável. Os locais de posicionamento do sensor são a artéria ulnar,
metatársica ou ainda a carótida. A pressão arterial, de acordo com o porte do paciente, pode ser mensurada
indiretamente pelo método oscilométrico (largura do manguito de 70-80% da circunferência da coxa) ou
diretamente (cateterização da artéria ulnar ou metatársica) (Heard, 1997). Apesar das diferenças existentes entre
a hemoglobina das aves e dos mamíferos, a oximetria de pulso tem sido empregada nas aves. O posicionamento
do sensor pode ser dificultado pela pigmentação cutânea e limitada protusão da língua, sendo recomendado o uso
de sensores retais.
Além da freqüência respiratória, é possível a avaliação dos gases expirados (ETCO2, concentração de gases
anestésicos) e dos gases sanguíneos pela hemogasimetria. Evita-se a diluição das amostras coletadas pelo
aparelho acoplando-se agulhas à sonda endotraqueal o mais próximo possível do animal ou, nos animais maiores,
pela introdução de uma sonda fina no lúmen do tubo endotraqueal (Edling et al., 2001).
Cuidados: Os órgãos sensoriais (especialmente a audição e visão) são extremamente aguçados, sendo
importante para uma indução e recuperação tranqüilas, manter o silêncio e, sempre que possível, cobrir os olhos
do paciente com capuz ou venda. É comum durante e recuperação anestésica a ocorrência de traumas e lesões,
pois as aves se debatem intensamente. A qualidade da recuperação é otimizada pela contenção física do animal
com folhas de jornal ou toalhas, que devem ser enroladas no corpo do paciente, até que este consiga adotar a
posição bipedal
MAMÍFEROS
Das classes existentes de vertebrados, pela intensa proximidade às espécies domésticas, é aquela que o
profissional está mais familiarizado (Heard, 1993) e nas quais as técnicas de anestesia regional são
anatomicamente mais próximas às espécies domésticas (Woodbury et al., 2005). As principais dificuldades na
anestesia/contenção química estão relacionadas à estimativa do peso corpóreo e a dificuldade na aproximação ao
paciente, que irá variar e os métodos disponíveis para a administração de fármacos (seringa, zarabatana,
espingarda) e contenção (cambeamento, tronco, jaula de prensa, puçá, luvas de raspa). Nos animais de vida livre
e grande porte a contenção química é facilitada pelo uso dos fármacos de alta potência (os opióides etorfina e
carfentanil e os agonistas alfa-2 adrenérgicos) e cuja reversão farmacológica é possível (respectivamente,
diprenorfina e ioimbina ou atipamezole) (Foerster et al., 2000). A etorfina, carfentanil e medetomidina, bem como
os antagonistas alfa-2 adrenérgicos não são disponíveis no país.
232
A segurança durante a contenção e anestesia deve ser máxima e, geralmente, quanto maior o paciente, o risco de
acidentes e injúria ao profissional ou a sua equipe é aumentado. A diversidade de gêneros e espécies supera as
páginas deste capítulo e, portanto, nos limitaremos às informações de maior relevância e aos protocolos relativos
as ordens de maior freqüência no cativeiro e em vida livre.
Roedores
Os roedores de porte maior (capivara, pacas e cutiaras) podem ser seguramente contidos pela administração
intramuscular de associações dissociativas com cetamina (15-25 mg/kg) e alfa-2 agonistas adrenérgicos (xilazina
1 mg/kg; medetomidina 0,1 mg/kg; romifidina 0,1 mg/kg), benzodiazepínicos (midazolam 0,5 mg/kg) ou ainda
acepromazina (0,12 mg/kg) (Pachaly & Werner, 1998). É importante manter os animais em ambiente fresco,
protegidos do sol, pois a ocorrência de hipertermia é comum, e normalmente associada a óbito (Cruz et al., 1998).
A fermentação cecal é intensa nas capivaras, e o jejum é fundamental para evitar a distenção abdominal e
compressão diafragmática durante uma anestesia.
Preguiças, tamanduás, tatus (Xenarthra)
A manutenção da temperatura é importante, pois a taxa metabólica destes animais é significativamente menor que
o
nos demais mamíferos placentários. Por exemplo, a temperatura média das preguiças é em torno de 32 C.
Entretanto as doses de ciclohexaminas são similares às dos mamíferos domésticos (10-20 mg/kg de cetamina e 2-
10 mg/kg de tiletamina/zolazepam) (Fournier-Chambrillon et al., 2000). Os agonistas alfa-2 adrenérgicos (xilazina
0,5-1 mg/kg ou medetomidina 0,03-0,04 mg/kg), ou ainda o midazolam ou diazepam (0,1-0,2 mg/kg), podem ser
adicionados a cetamina para um maior relaxamento muscular (Vogel et al., 1998; Fournier-Chambrillon et al.,
1997). A indução por máscara é factível e a intubação possível em preguiças e tatus, mas não em tamanduás.
Portanto, na ocorrência de apnéia indica-se a traqueostomia nestes animais.
Cetáceos, pinipídeos e sirenídeos
Mamíferos aquáticos cujos membros apendiculares se desenvolveram em barbatanas, vivem em ambientes
marinhos e fluviais. Os cetáceos são as baleias, golfinhos, botos, cachalotes e orças e os peixes-boi representam
os sirenídeos. Os odobenídeos (morsas), focídeos (focas, elefantes-marinhos) e otarídeos (leões-marinhos; ursos-
marinhos) compõem o grupo dos pinipídeos. .A natureza dos animais possibilita a realização de procedimentos
diagnósticos e não-cruentos somente com o emprego de sedação leve e profunda nos animais de cativeiro.
Recomenda-se o uso de benzodiazepínicos (diazepam 0,2-0,3 mg/kg ou midazolam 0,05-0,1 mg/kg) associado ou
não a meperidina (2,0 mg/kg). Nos procedimentos cruentos e cirurgias, a cetamina (5-10 mg/kg) ou propofol (3-5
mg/kg) seguido de anestesia inalatória devem ser adotados.A contenção química de animais selvagens,
notadamente dos pinipídeos de vida livre é satisfatória com o uso intramuscular de cetamina ou tiletamina-
xolazepam (0,5-1,0 mg/kg) (McMahon et al., 2000; Dabin et al., 2002).
Primatas
As doses variam de acordo com o metabolismo do animal (Joslin, 2003). Doses elevadas de cetamina devem ser
adotadas em sagüis e micos (20 mg/kg IM), quando comparadas às doses nos primatas de porte médio (bugios,
pregos, babuínos, rhesus) (10-15 mg/kg IM) e pongídeos (gorila, chimpanzé e orangotango, gibão) (6-8 mg/kg IM)
(White & Cummings, 1979). A salivação e leve hipertonia das ciclohexaminas pode ser eliminada pela adição de
xilazina (0,5-2,0 mg/kg), midazolam (0,05-0,2 mg/kg) ou diazepam (0,5-1,0 mg/kg). Um maior grau de analgesia e
sedação é obtido, em qualquer protocolo, quando do uso associado de butorfanol (0,1-0,2 mg/kg) ou buprenorfina
(0,01-0,02 mg/kg). O uso de tiletamina/zolazepam é mais consistente e uma baixa variação de doses (4-6 mg/kg)
existe entre as diversas espécies de primatas.
Carnívoros
Correspondem aos canídeos, felídeos, quati, jupará, mão-pelada (procionídeos), furão, lontra (mustelídeos), ursos
e as hienas.
As doses de sedativos, opióides e relaxantes musculares podem ser extrapoladas dos carnívoros domésticos, e
estes normalmente são necessários para a produção de relaxamento muscular quando a cetamina é utilizada. As
doses de cetamina também são similares e, basicamente, quanto menor o animal maior dose (20-30 mg/kg em
mustelídeos e 10-20 mg/kg em pequenos felinos, procionídeos e canídeos) (Norment et al., 1994; Telesco &
Sovada, 2002). Nos grandes felinos e ursos a dose de cetamina deve ser reduzida (3-6 e 3-10 mg/kg,
respectivamente). Tiletamina/zolazepam (4-10 mg/kg) produz contenção prolongada em todos carnívoros. Esta
associação vem liofilizada, sendo possível a sua diluição em volumes reduzidos, o que facilita o emprego em
animais de grande porte (Grassman et al., 2002). Tigres e leopardos são sensíveis a tiletamina, e deve-se evitar
seu uso nestas espécies, pois é comum a ocorrência de apatia, hipermetropia e outros sinais neurológicos no
período pós-anestésico.
Zebras, rinocerontes, antas
São os representantes da classe Perissodactilia, os primos selvagens dos eqüídeos domésticos. Contenção eficaz
e decúbito são obtidos em rinocerontes com os opióides (etorfina 2-4 mg) em associação ou não aos agonistas
alfa-2 adrenérgicos (75-100 mg de xilazina, 10-15 mg de detomidina ou medetomidina). Outra opção é o uso
conjunto de cetamina (1-2 mg/kg) e butorfanol (0,1-0,2 mg IM) e um agonista alfa-2 adrenérgico (Portas, 2004).
233
Nas zebras, a etorfina (0,010-0,0118 mg/kg) pode ser administrada conjunta a xilazina (0,1-0,2 mg IM) ou
acepromazina (0,15-0,25 mg/kg). As doses de etorfina em antas variam de 1-2 mg, podendo esta ser substituída
por butorfanol (0,1-0,2 mg/kg) conjunto a cetamina (2-4 mg/kg) e um dos agonistas alfa-2 adrenérgicos, cujas
doses são similares às empregadas em rinocerontes (Foerster et al., 2000). O elevado porte dos animais e o
decúbito potencializam a depressão respiratória dos anestésicos e a ocorrência de hipoxemia é elevada, tornando
imprescindível o fornecimento de oxigênio e o suporte ventilatório. A etorfina pode ser revertida pela diprenorfina
(0,025-0,040 mg/kg) e os agonistas alfa-2 adrenérgicos pela ioimbina (0,12 mg/kg) ou atipamezole (0,1-0,4 mg/kg).
Proboscídeos
Os elefantes são os únicos representantes desta ordem de mamíferos. O elevado porte destes animais
impossibilita o emprego da maioria dos anestésicos disponíveis. A alternativa viável e mais eficaz é o emprego de
etorfina (1 mg/450 kg no elefante asiático e 1 mg/600 kg no elefante africano) associada ou não a acepromazina
(0,003-0,006 mg/kg) ou xilazina (0,08-0,15 mg/kg) (Dangolla et al., 2004). Intensa hipoxemia e hipertensão arterial,
produzidos pelo decúbito, são observados durante a contenção de elefantes e, portanto, é melhor utilizar
anestésicos que você possa reverter.
234
Ungulados
Fazem parte desta classe os suídeos, hipopótamos, camelídeos, girafídeos (girafas e okapis), cervídeos,
bovídeos, gazelas e os pequenos ruminantes selvagens. Excetuando-se os suídeos, todos outros animais
realizam a ruminação, sendo importante adotar um longo período de jejum (24-48h) objetivando minimizar a
aspiração do conteúdo ruminal durante o decúbito. Na maioria destes animais, de acordo com o porte do animal, a
contenção é facilitada pelo emprego de um opióide (etorfina, carfentanil) a um tranqüilizante ou adota-se um
protocolo dissociativo para a contenção (Miller et al., 2003) (Tabela 7). A mortalidade nas girafas e hipopótamos é
extremamente elevada e a contenção nestes animais deve ser bastante poderada. Os efeitos da etorfina quanto
dos agonistas alfa-2 adrenérgicos são revertidos por seus antagonistas, a diprenorfina e a ioimbina,
respectivamente.
A ocorrência de miopatia de captura é comum após a contenção/anestesia de ruminantes de vida livre. No
cativeiro o estresse deve ser evitado ou amenizado pelo manejo diário e maior contato com humanos. A
administração de cetamina (2-3 mg/kg IM) e agonistas alfa-2 adrenérgicos (0,4-2 mg/kg de xilazina ou 0,02-0,04
mg/kg de medetomidina) ou de tiletamina/zolazepam (2-3 mg/kg IM) associada ou não aos agonistas alfa-2
adrenérgicos ou butorfanol (0,2-0,3 mg/kg), produz contenção eficaz nos camelídeos (Sarno et al., 1996, DuBois et
al., 2004) e suídeos (Calle & Morris, 1999; Selmi et al., 2003). Os suídeos selvagens podem ser grosseiramente
divididos em dois grupos de animais, aqueles sensíveis à tiletamina/zolazepam e aqueles que necessitam de
doses mais elevadas para a segura contenção (Calle & Morris, 1999).
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Carpometacarpo
B
A
Figura 2: Correto posicionamento do cateter intraósseo na ulna (A) e no osso tibiotarso (B) em aves.
Localização anatômica dos côndilos da ulna e rádio, e dos côndilos femorais (a) e da crista cranial tibiotársica
(b). Adaptado de Harris (2001).
238
4 3 4 3
2 2
1 1
o o
1 inspiração 2 inspiração
4 3 4 3
2 2
1 1
o o
1 expiração 2 expiração
Figura 1: Ciclo respiratório simplificado nas aves. As áreas claras demonstram o fluxo
unidirecional em “carrossel”. Na primeira inspiração o ar se movimenta da traquéia para o
brônquio primário (1) e deste para os sacos aéreos caudais (2). Na primeira expiração o ar
atravessa os pulmões (3) e, na segunda inspiração, preenche os sacos aéreos craniais (4)
até que ele seja eliminado via brônquio primário e traquéia durante a segunda expiração.
239
Tabela 1: Doses recomendadas para a administração intramuscular de cetamina nas diferentes ordens
de répteis.
Grupo K
Répteis 10
Aves não-passeriformes 78
Mamíferos placentários 70
Mamíferos marsupiais 49
240
Tabela3: Informações relativas ao emprego intravenoso do propofol nas diferentes espécies aviárias
Tabela 4: Concentrações recomendadas dos anestésicos inalatórios para a indução e manutenção anestésica nos répteis e aves.
Para a indução anestésica, fluxos altos (2-4 L/min) devem ser adotados e, após esta, deve-se reduzir o fluxo de gases (250-300 ml/kg/min)
241
Tabela5: Parâmetros e variáveis clínicas úteis na avaliação do plano anestésico nas aves
Planos anestésicos
++++
Oculares Palpebral ++ ± 0 0
++++
Corneal +++ ++ + 0
Diâmetro pupilar
242
Tabela 6: Doses de analgésicos opióides e antiinflamatórios não-esteroidais (AINES) nos répteis e aves.
Fármacos Classe
AINES
243
Tabela 7: Protocolos empregados para a sedação, contenção e anestesia de ungulados selvagens.
Quando não indicado, doses em mg/kg e pela via intramuscular. * Produz contenção/anestesia; ‡ Produz sedação. Nas girafas as doses menores e maiores
de etorfina devem ser utilizadas nos animais jovens e adultos, respectivamente. Ace (acepromazina); azap (azaperone); cetamina (cet); xilazina (xil), det
(detomidina); med (medetomidina) e but (butorfanol).
244
! # !
Rodrigo Mannarino
I. Introdução
O termo geriatria provém do grego (géron = velho, ancião) (Figueiredo, 2004) e foi introduzido por Ignatz Leo
Nascher em 1914 (Toldo et al, 2001). A definição do início do período geriátrico é difícil porque há diferenças entre
as espécies e as raças e há variação individual sobre a expectativa de vida. Além disso, há também pequena
correlação entre a idade cronológica e a idade fisiológica (Ko & Galloway, 2004).
Em pequenos animais há dois métodos para classificação geriátrica, segundo Goldston (1989):
Todo animal com mais de 8 anos é considerado geriátrico, independentemente da espécie, raça ou estado de
saúde.
Animal geriátrico é aquele que alcançou 75 a 80% de sua expectativa de vida, conforme demonstrado na tabela
01.
Sempre devemos lembrar que filhotes, jovens adultos e idosos possuem anatomia, fisiologia e bioquímica
diferentes e por isso merecem tratamento diferenciado. Segundo Davenport (1990), o tratamento errôneo do
jovem pode ser desastroso, mas do idoso pode ser fatal . Estima-se que nos idosos a mortalidade perioperatória
seja 4 a 8 vezes maior em cirurgias eletivas, e 20 vezes maior em cirurgias de emergência.
Sob o ponto de vista fisiológico, o que caracteriza os pacientes idosos são a reduções nas reservas orgânicas
(Roy, 1988). Além disso, podem estar acometidos por afecções que geralmente se manifestam de forma mais
severa que nos jovens.
A anestesia em geriatria deve ser a mais simples possível para evitar complicações. De um modo geral a dose dos
fármacos deve ser 50% menor em relação ao paciente adulto, e deve abranger cuidados especiais perioperatórios
(Toldo et al, 2001).
3. SISTEMA CARDIOVASCULAR
A atividade barorreflexa, o volume de sangue, a velocidade circulatória, o débito (no idoso é diretamente
dependente da pré-carga e por isso não é tolerante a depleção do volume no período peri-operatório) e o índice
cardíacos estão diminuídos (Nocite, 1982). Pode haver vagotonia fisiológica causada por degeneração das células
marcapasso retardando a passagem do estímulo elétrico de um compartimento ao outro do coração (Toldo et al,
2001). Pode haver hipertrofia cardíaca (principalmente do ventrículo esquerdo) e diminuição na elasticidade das
grandes artérias com aumento na resistência vascular periférica, que pode aumentar a pressão sistólica e manter
ou reduzir discretamente a pressão diastólica.
245
Há redução na resposta às catecolaminas, já que há redução nas respostas aos estímulos -adrenérgicos
(responsáveis por aumentar a freqüência cardíaca e a força de contração do miocárdio) e ao estresse, já que há
reduções no número de receptores adrenérgicos no coração e na sensibilidade destes receptores no coração, nos
vasos periféricos e rins (Lakata & Yin, 1982).
Alterações cardiovasculares são multifatoriais e não dependem somente das alterações relacionadas com a idade,
mas também das doenças relacionadas com a raça e com o estilo de vida. Clinicamente, a conduta anestésica
deve evitar bradicardia ou taquicardia, mudanças súbitas da pressão arterial e aumento na resistência vascular
(Ko & Galloway, 2004). A dose total do anestésico a ser utilizada deve respeitar os efeitos apresentados pelo
animal. A perda da atividade barorreflexa resulta na redução da resposta à perda de sangue intraoperatória, o que
pode potencializar a hipotensão induzida pelos anestésicos (Cortopassi & Conti, 2002).
4. SISTEMA RESPIRATÓRIO
Há deterioração progressiva com a idade. Uma das mais significantes alterações é a redução na elasticidade
pulmonar (Toldo et al, 2001), acompanhada de fibrosamento dos vasos pulmonares, calcificação das cartilagens
bronquiais e condrais e enrijecimento da parede torácica.
Há redução na resposta ventilatória à hipóxia e a hipercarbia, com progressiva redução na PaO2 (Thurmon et al,
2001), causada por reduções na freqüência, nos volumes corrente e minuto, no consumo de O2, na produção de
CO2, no volume de sangue no leito capilar e nos reflexos protetores das vias aéreas aumentando a possibilidade
de aspiração no período peri-operatório (Davenport, 1990). Também pode haver turbulência à passagem do ar,
causada pelo estreitamento das pequenas vias aéreas (Miller, 1981).
5. SISTEMA RENAL
Pode haver redução no fluxo sangüíneo renal em função da redução no débito cardíaco, redução no número de
glomérulos e néfrons (metade a dois terços), e no ritmo de filtração glomerular (45 a 50%) (Davenport, 1990).
Também pode haver redução da capacidade de concentrar a urina levando ao desenvolvimento de poliúra e
polidipsia, uremia e acidose, além de deterioração dos vasos da camada cortical com alteração na distribuição de
fluxo da córtex para a medular, diminuição da função tubular distal e aumento do volume necessário de urina para
excretar a carga de solutos (Ko & Galloway). Em função disto, as habilidades de correção dos distúrbios ácido-
básicos, de eletrólitos, de água, e de corrigir os insultos hemodinâmicos estão reduzidas (Thurmon, 1996). Como o
as substâncias utilizadas no tratamento destes distúrbios podem não serem eliminadas nas velocidades
adequadas, podem haver acúmulos intra e extravasculares e surgimento de insuficiência cardíaca congestiva e
edemas.
O comprometimento da função renal nos animais idosos prolonga a meia vida das substâncias que são eliminadas
pelo rim (Bedford, 1991).
6. SISTEMA HEPÁTICO
Pode haver redução no estado funcional dos sistemas microssomais, mesmo quando os testes padrões de
funções bioquímicas permanecerem normais. Há freqüentemente redução do fluxo sangüíneo para o fígado em
função de redução do débito cardíaco (Cortopassi & Conti, 2002). Pode haver acúmulo de gordura no fígado
(lipidose) que leva a hepatomegalia, mesmo com redução no número dos hepatócitos (Feldman et al, 1983).
Também podem ocorrer reduções nas atividades enzimática e metabólica, que se refletem nos aumentos das
meia-vidas plasmáticas dos anestésicos, no desenvolvimento de hipoproteinemia, no retardamento na coagulação
e na susceptibilidade maior a hipoglicemia (Ko & Galloway, 2004).
7. SISTEMA ENDÓCRINO
TIREÓIDE: o hipotireoidismo reduz o metabolismo basal, o consumo de O2 e a capacidade de manter a
temperatura corpórea (Toldo et al, 2001). Cães hipotireoideos podem apresentar obesidade, bradicardia,
diminuição na contratilidade cardíaca, e anemias, além de menor capacidade de biotransformação dos
anestésicos prolongando a recuperação (Rosychuk, 1983).
ADRENAL: há aumento na concentração da noradrenalina em função da redução na velocidade de eliminação
(Bedford, 1991). Isto poderia levar a uma instabilidade cardiovascular que não ocorre provavelmente pela redução
na sensibilidade dos receptores. Fato não observado com a adrenalina, já que seus níveis não se alteram. Os
achados clínicos comuns nos pacientes com hiperadrenocorticismo são: fraqueza muscular, reduções no volume
de reserva expiratório e na complacência da parede torácica, e expansão do volume vascular que leva ao
aumento nas pressões sistólica e diastólica e pielonefrite (Paddleford, 1999).
PÂNCREAS: a tolerância à glicose diminui com a idade e é causada pelas reduções na responsividade dos
receptores de insulina e no número de receptores (Davis & Davis, 1983). A hipoglicemia trans e pós-anestésica
pode ser um problema devido às alterações nas funções pancreática e hepática. A fluidoterapia com glicose pode
ser justificada tanto durante quanto após a anestesia. O diabetes mellitus é a doença mais comum em cães e
gatos idosos e suas complicações mais freqüentes são diurese osmótica, infecções, doenças hepáticas (lipidose e
cirrose) e cetoacidose.
246
8.DISTÚRBIOS TERMORREGULATÓRIOS
Há dificuldade em manter a temperatura dentro dos limites fisiológicos já que ocorrem alterações no metabolismo
basal e na constituição física (massa muscular reduzida e acúmulo de gordura) (Toldo et al, 2001). Também são
observadas deficiências no centro termorregulador e na resposta vasomotora. Além disso, os anestésicos podem
agravar este quadro por inibirem os mecanismos de produção de calor e ao mesmo tempo aumentarem a perda
de calor.
V. Manejo anestésico
A completa anamnese deve ser acompanhada de exame clínico cuidadoso. As radiografias de tórax, a ultra-
sonografia abdominal, o ECG, o ecocardiograma, o hemograma e as análises bioquímicas de uréia, creatinina,
glicose e enzimas hepáticas devem ser sempre solicitados (Ko & Galloway, 2004).
1. PREPARAÇÃO PRÉ-CIRÚRGICA
Jejuns alimentar de 6 horas e hídrico de 2 horas são necessários. Segundo Bedford (1991), é importante não
privar os idosos de líquidos por períodos prolongados, já que crises urêmicas podem surgir rapidamente em
função do menor volume de sangue e reduzida habilidade em concentrar a urina.
Alguns cuidados devem ser respeitados no período pré-operatório (Bedford, 1991):
1. Acesso venoso: a pele do animal idoso é sensível ao frio e ao calor excessivos. As veias são tortuosas e frágeis
e por isso devem ser puncionadas com cateteres. A fluidoterapia cuidadosa deve ser realizada para manter a
volemia e a administração de fármacos.
2. Monitoramento: deve se estender por toda a cirurgia e após algumas horas. Deve abranger o ECG, a oximetria,
a capnografia, a hemogasometria arterial, a pressão arterial, a temperatura corpórea, a freqüência e o padrão
respiratório, a cor das mucosas e o tempo de preenchimento capilar.
3. O posicionamento deve evitar ou minimizar as lesões vasculares, nervosas ou articulares, por isso, deve-se
acolchoar a mesa cirúrgica.
4. A temperatura corpórea deve ser preservada através da manutenção da temperatura ambiente elevada, do
revestimento da mesa cirúrgica com colchão térmico, do enfaixamento das extremidades do paciente, da
administração de líquidos e gases aquecidos e da lavagem de cavidades com líquidos aquecidos (Toldo et al,
2001).
247
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Há redução na resistência à perda da consciência em função das degenerações observadas no SNC e isso faz
com que as necessidades de anestésicos sejam reduzidas. A CAM diminui linearmente com a idade, em até 30%,
assim como o requerimento de fármacos injetáveis (Ko & Galloway, 2004).
As arritmias comumente observadas nos idosos podem ser agravadas quando são utilizados fármacos como a
xilazina e a medetomidina (bradicardia e bloqueio cardíaco de 2o grau), o tiopental (contrações ventriculares
prematuras ou bigemia ventricular) e a cetamina (taquicardia) e por isso devem ser utilizados de forma cautelosa
(Ko & Galloway, 2004). A hipotensão trans-operatória pode reduzir ainda mais o fluxo de sangue para o fígado
promovendo retardo na eliminação dos anestésicos.
As alterações respiratórias resultam em redução na reserva funcional e são significativas quando são utilizados
anestésicos como o propofol, o tiopental, o etomidato e os anestésicos inalatórios. Clinicamente, pode haver
acentuada hipóxia e hipercapnia. Se estiver sendo utilizada uma sedação profunda, deve-se considerar a
suplementação de oxigênio por meio máscara facial ou cânula nasal. A conduta anestésica deve evitar qualquer
depressão respiratória e quando a ventilação por pressão positiva intermitente (VPPI) for necessária, esta deve
ser cuidadosamente observada para evitar pressões positivas de pico inadequadas que podem causar
superinsuflação pulmonar e barotrauma. A pré-oxigenação aumenta a fração de oxigênio nos pulmões, prevenindo
a hipóxia no período entre a indução anestésica e a intubação (Ko & Galloway, 2004).
Com a redução da função renal, os pacientes são menos tolerantes à desidratação ou à hemorragia aguda
durante a cirurgia. Adicionalmente, a super-hidratação decorrente da administração perioperatória excessiva de
líquidos pode levar ao aparecimento de edema pulmonar e ao comprometimento da limitada reserva do sistema
respiratório envelhecido. Fármacos que dependem da excreção renal como a cetamina em gatos, devem ser
utilizados com cautela. A monitorização da produção urinária deve ser rotineira e a velocidade desejada é de 1 a 2
ml.kg-1.h-1. Valores inferiores são indicativos de lesão do sistema renal decorrente de hipotensão acentuada ou
baixa perfusão renal (Ko & Galloway, 2004).
Além disso, a dosificação conservadora, atenção integral, monitorização cuidadosa e o tratamento imediato das
complicações são fundamentais para o êxito do procedimento.
3. ANESTESIA REGIONAL
Representa um importante aliado na anestesia geriátrica, já que, em associação com a contenção química pode
dispensar os anestésicos gerais. As vantagens no seu emprego são o menor catabolismo (diminuição do balanço
nitrogenado negativo pós-operatório) e a menor resposta endócrina ao estresse cirúrgico. Há também menor
incidência de tromboembolismo pós-operatório e de complicações cardíacas e pulmonares. Possibilita ainda uma
via analgésica pós-operatória eficaz e segura (Toldo et al, 2001). Em função das alterações observadas nos
sistemas nervosos central e periférico, as doses dos anestésicos locais podem ser reduzidas em pelo menos 25%
(Bedford, 1991).
4. MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
As medicações pré-anestésicas utilizadas em um paciente idoso dependem da condição física, das intensidades
da sedação e analgesia desejadas e da experiência do médico veterinário.
Os anticolinérgicos são usados para corrigir bradicardias e reduzir as secreções respiratórias. Sua utilização pode
aumentar o consumo de oxigênio e por isso, uma simples taquicardia sinusal pode precipitar a hipóxia do
miocárdio e até mesmo a falência (Cortopassi & Conti, 2002). O glicopirrolato possui maior período de latência,
porém sua duração de ação é maior e não induz ao risco de taquicardia sinusal, além de não atravessar a barreira
hematoencefálica. A ação do sulfato de atropina, no combate a bradicardia sinusal severa, parece ser mais
eficiente. Os anticolinérgicos são indicados para combater os efeitos bradicárdicos de potentes fármacos
vagotônicos como a morfina, a oximorfona e o fentanil.
Os fenotiazínicos podem ser utilizados em idosos, desde que em doses reduzidas, já que causam tranqüilização
satisfatória. Porém devem ser evitados em pacientes com distúrbios cardiovasculares como a insuficiência
cardíaca congestiva secundária a endocardiose valvular. Nestes pacientes o efeito nos receptores pode causar
hipotensão arterial (provocada também por depressão do reflexo vasomotor mediada pelo hipotálamo ou tronco
cerebral, relaxamento da musculatura lisa vascular e depressão cardíaca direta) e possivelmente síncope. Os
fenotiazínicos também devem ser evitados em animais com limiar convulsivo diminuído e em diabéticos (Bedford,
1991). Podem ser associados em doses reduzidas com os opióides para haver potencialização da analgesia.
Sofrem extensa biodegradação hepática podendo prolongar os períodos de recuperação (Ko & Galloway, 2004).
Os animais idosos apresentam redução dos opióides endógenos, bem como redução do número de receptores
(Thurmon et al, 1996). Os opióides promovem mínima depressão do miocárdio e pequena alteração no tônus
248
vascular. Podem produzir bradicardia (minimizada com a administração de anticolinérgicos, ou através de
administração intravenosa lenta). O uso como pré-anestésicos produz sedação e analgesia. Podem promover
depressão respiratória dose-dependente e em boa parte dos casos, a ventilação controlada deve ser instituída. Os
opióides podem ser revertidos pela naloxona, por via intravenosa, na dose de 0,002 a 0,04 mg.kg-1.
Os benzodiazepínicos são indicados em pacientes epiléticos por aumentar o limiar para surgimento de alterações
neurológicas. Produzem efeito calmante e reduzem o medo e a ansiedade sem sedação acentuada, além de
razoável relaxamento muscular. Podem ser usados em associação com opióides para neuroleptoanalgesia em
pacientes desidratados ou com comprometimento cardiovascular. Sofrem degradação hepática total, sendo o
midazolam mais rapidamente metabolizável. Seus efeitos cardiopulmonares são mínimos e ação de curta duração
(Toldo et al, 2001).
Esta classe de fármacos possui um antagonista específico: flumazenil, que se conjuga de forma reversível e
competitiva com os sítios receptores de benzodiazepínicos no SNC. Reverte os efeitos sedativos, relaxantes
musculares, amnésicos e ansiolíticos.
5. INDUÇÃO ANESTÉSICA
A indução inalatória é eficaz, mas depende da cooperação do paciente, da administração com oxigênio e da
manipulação delicada do animal. A excitação pode ocorrer durante a indução e pode ser minimizada pelo uso
prévio de sedativos e fornecimento gradual do anestésico (Bedford, 1991). Apesar do halotano ser o anestésico
mais utilizado, o sevofluorano, seguido do isoflurorano, são os mais indicados em função dos seus coeficientes de
solubilidade sangue-gás reduzidos, conforme tabela 2, além de não potencializarem o efeito arritimogênico da
adrenalina no coração. Em função do aumento da capacidade residual funcional observada em idosos, a indução
na máscara pode ser retardada.
Os agentes injetáveis são seguros se utilizados de maneira adequada. Pacientes idosos geralmente apresentam
função cerebral reduzida, reduzido volume de sangue, funções hepática e renal reduzidas, gordura corpórea
aumentada e atrofia muscular. Estes fatores vão afetar a atividade, distribuição e eliminação dos fármacos
injetáveis, promovendo aumento de sua potência e duração de efeito (Cortopassi & Conti, 2002).
O propofol pode ser utilizado tanto para indução como manutenção anestésica em procedimentos de curta
duração em pacientes idosos. Seus efeitos nos sistemas cardiovascular e respiratório são dose-dependentes e
semelhantes aos observados com o uso do tiopental sódico (Thurmon et al, 1996).
O etomidato produz breve hipnose (2 a 3 mg.kg-1). É hidrolizado rapidamente no fígado e eliminado pela urina.
Suprime a produção de cortisol durante a cirurgia. Uma simples aplicação pode inibir esta produção por até 3
horas. Sua principal vantagem é a estabilidade cardiovascular, sendo a escolha para os animais com
comprometimento hemodinâmico. Pode apresentar efeitos depressores semelhantes ao do propofol se
administrado de forma rápida. Quando utilizado isoladamente pode induzir o vômito e o movimento muscular
involuntário, minimizáveis pela utilização de benzodiazepínicos ou opióides (Ko & Galloway, 2004).
A cetamina e a tiletamina estimulam o miocárdio e aumentam o trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio
(Thurmon et al, 1996). Promovem também redução na resistência vascular coronariana melhorando o aporte de
sangue e oxigênio paralelamente ao aumento no consumo, além de promoverem aumento no débito cardíaco. O
uso deve ser criterioso para não haver estimulação exagerada da freqüência cardíaca acarretando aumento
exagerado no consumo do miocárdio. Podem promover aumento de secreções respiratórias que exarcebam as
disfunções pulmonares preexistentes pela criação de uma barreira à difusão ou à obstrução das vias aéreas,
especialmente em cães de raças braquicefálicas. A secreção de vias aéreas também pode induzir espasmo de
laringe em gatos, caso não esteja intubados.
249
6. MANUTENÇÃO ANESTÉSICA
A respiração espontânea é satisfatória e benéfica para a maioria dos idosos, principalmente se estiverem
saudáveis e for um procedimento de curta duração, já que há manutenção do retorno venoso e conseqüentemente
manutenção do débito cardíaco. Pacientes extremamente idosos, obesos e debilitados devem ser submetidos à
ventilação controlada para evitar hipoventilação e eliminar o trabalho da respiração (Bedford, 1991).
O pancurônio deve ser evitado por ser parcialmente metabolizado pelo fígado e eliminado na sua forma intacta
pela urina. Pacientes idosos que apresentem insuficiência renal apresentaram dificuldade em eliminá-lo
acarretando um prolongamento no período de ação (Stoelting & Miller, 2000). O Atracúrio (0,1 a 0,2 mg.kg-1) sofre
degradação espontânea no plasma e por isso não sofre influência da idade, desde que o pH e a temperatura
permaneçam estáveis.
Os agentes inalatórios são ideais para procedimentos com duração superiores a 20 minutos. O halotano deve ser
utilizado com cuidado nos idosos com alterações no ritmo e com insuficiências cardíacas (Cortopassi, 2002).
Promove redução na contratilidade, no débito e freqüência cardíacos e sensibiliza o miocárdio às catecolaminas,
além de diminuir a resistência periférica e deprimir o centro vasomotor. O isoflurano resulta em menor queda do
débito cardíaco. Pode produzir hipotensão significativa devido à redução da resistência vascular periférica. O
sevoflurano possui efeitos cardiovasculares similares aos do isoflurano (Thurmon et al, 2002).
A fluidoterapia deve ser administrada a pacientes geriátricos em quantidades suficientes para manter a volemia e
a produção de urina. Infusões de 4 a 10 ml.kg-1.h-1 são suficientes na maioria dos procedimentos e raramente
promovem alterações. Porém podem ser excessivas na presença de falência cardíaca ou insuficiência renal
anúrica. A avaliação da pressão venosa central é uma maneira simples de avaliar a real necessidade de
fluidoterapia. O débito urinário também pode ser avaliado e este deve ser superior a 0,3 ml.kg-1.h-1.
! # 1 ! !
Rodrigo Mannarino
I. Introdução
Neonato é todo indivíduo com idade inferior a 6 semanas e pediátrico aquele com até 3 meses de vida (Thurmon
et al, 1996; Cortopassi, 2002), independente da raça. As respostas fisiológicas e funcionais começam a
amadurecer somente a partir de 6 semanas de vida. O entendimento das particularidades dos filhotes de cães e
gatos nesta faixa etária é muito importante para a obtenção de sucesso em qualquer tipo de procedimento
(Hoskins, 1993).
2. SISTEMA RESPIRATÓRIO
O consumo de oxigênio é três vezes maior (Thurmon et al, 1996) devido ao ritmo metabólico acelerado. O volume
minuto é maior que em adultos em função da freqüência respiratória ser maior, já que o volume corrente é
praticamente igual (Parot et al, 1984). Pelo fato da freqüência respiratória ser maior, a ventilação alveolar também
é maior, e com isso, observa-se aumento das trocas gasosas e maior rapidez nos processos de indução e
recuperação anestésicas (Souza, 2001). Os quimiorreceptores são menos sensíveis que os dos adultos, de modo
que apresentam redução na resposta aos níveis elevados de PaCO2 e reduzidos de PaO2 (Rankin, 2004). Caso o
plano anestésico esteja profundo, pode haver redução do tônus dos músculos intercostais e do diafragma
podendo levar à hipoventilação e atelectasias.
251
IV. Manejo anestésico
O jejum pode ser desnecessário em função da hipoglicemia e da desidratação que podem ocorrem em um espaço
curto de tempo. Por isso, fluidos orais podem ser administrados até 1 hora antes da cirurgia, bem como a
fluidoterapia com glicose 2,5% ou solução salina 0,45% pode ser realizada na velocidade de 5 ml.kg-1.h-1 para
prevenir a hipoglicemia (Hoskins, 1993).
A intubação e o cateterismo venoso são procedimentos difíceis de serem realizados em função do tamanho
reduzido dos filhotes. O anestesista deve optar pela utilização de anestésicos locais e bloqueadores
neuromusculares para facilitar a intubação e em determinadas situações optar pela traqueostomia com
encurtamento no tamanho da sonda endotraqueal para evitar a intubação seletiva. Em casos de desidratação
acentuada, deve-se optar pela administração intraóssea (Hoskins, 1993).
Os circuitos anestésicos sem reinalação de gás carbônico devem ser preferidos, já que os neonatos entram em
fadiga rapidamente quanto há aumento do esforço respiratório. Sendo assim a ventilação por pressão positiva
intermitente é benéfica (Grandy & Dunlop, 1991).
A hipotermia é muito comum em função da carência de gordura subcutânea, relativa superfície corpórea grande
em relação ao peso corpóreo, inabilidade em tremer a musculatura para produzir calor, capacidade limitada de
produzir vasoconstrição periférica e imaturidade do sistema de termorregulação (Rankin, 2004). Deve ser
minimizada utilizando as mesmas técnicas adotadas em pacientes idosos.
No exame pré-anestésico, devem ser avaliadas as freqüências e os ritmos cardíacos e respiratórios e temperatura
corpórea, já que diferem entre as semanas de vida (Robinson, 1983). A avaliação do estado de hidratação deve
ser cuidadosa, bem como há necessidade de retirar amostras de sangue para microhematócrito, contagem de
eritrócitos e leucócitos, avaliação de proteínas plasmáticas e glicose e se possível avaliação de eletrólitos
(Cortopassi, 2002).
1. MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
Os anticolinérgicos são ineficazes em animais com menos de 14 dias devido à inervação vagal imatura (Hoskins,
1993). Após este período, sua utilização é benéfica já que o débito cardíaco é dependente da freqüência cardíaca.
Também há diminuição na produção das secreções de vias aéreas, reduzindo a possibilidade de obstrução
(Paddleford, 1999).
O uso de fármacos tranqüilizantes ou sedativos deve ser evitado caso a contenção seja realizada facilmente,
principalmente em filhotes com menos de 4 semanas pela imaturidade hepática (Cortopassi, 2002). Pelo bloqueio
alfa-adrenérgico que promovem, os fenotiazínicos podem promover vasodilatação periférica exagerada e
significativa hipotensão arterial associado à hipotermia (Hoskins, 1993). Os fenotiazínicos necessitam metabolismo
hepático e depuração renal, podendo promover efeitos prolongados e exarcebados em neonatos (Rankin, 2004).
Sua utilização deve ser evitada ou feita com extrema cautela.
Opióides agonistas puros devem ser usados com cautela em função da bradicardia (Hoskins, 1993) e depressão
respiratória. A barreira hematoencefálica imatura permite a passagem de grandes quantidades dos opióides que
passam a agir de maneira central causando intensa depressão respiratória.
A naloxona é o opióide antagonista que deve ser utilizado na dose de 0,002 a 0,04 mg.kg-1 IM, IV, SC, sempre
que os efeitos indesejados dos analgésicos opióides permaneçam após o fim da cirurgia.
Pela maior facilidade em ser metabolizado, o midazolam deve ser preferido em relação ao diazepam, além de ser
hidrossolúvel e provocar menor dor durante administração intramuscular (Robinson, 1983). O diazepam possui
metabólitos ativos por até 24 horas como o desmetil-diazepam, enquanto os metabólitos do midazolam são
inativos e a meia vida de eliminação é de aproximadamente 2 horas.
2. ANESTÉSICOS INJETÁVEIS
O propofol deve ser administrado lentamente (90 a 120 segundos) para evitar o desencadeamento da apnéa e
bradicardia que compromete o débito cardíaco. Pode ser associado ao midazolam para potencializar seu efeito
hipnótico e reduzir em até 60% sua dose. Sua velocidade de metabolização é rápida mesmo em neonatos, já que
apresentam capacidade de conjugar os radicais fenóis do propofol (Cortopassi, 2002. A dor no local da
administração é comum em pacientes muito novos devido ao pequeno calibre dos vasos. Neste caso, é
conveniente associar com 0,2 mg.kg-1 de lidocaína sem vasoconstritor para minimizar o desconforto, bem como
administrar na veia jugular se possível.
O etomidato é o agente de escolha para pacientes com descompensação cardiovascular, já que pouco interfere
na freqüência e ritmo cardíacos, bem como na pressão arterial (Cortopassi, 2002). Sua utilização exige associação
com benzodiazepínicos para se minimzarem as miclonias observadas com o uso isoldao do etomidato. É
rapidamente metabolizado por esterases plasmáticas inespecíficas.
A utilização da cetamina deve ser evitada antes das primeiras 2 a 3 semanas de vida, já que são medicamentos
de difícil metabolismo pelos neonatos, além da utilização de medicamentos que agem em receptores NMDA
estarem relacionados com a morte das células do sistema nervoso (Hoskins, 1993). Os mesmos efeitos que são
observados em adultos, ocorrem nos neonatos, principalmente a produção de secreções respiratórias, podendo
haver necessidade de aspiração. Deve ser evitada em traumas, cranianos e oculares e presença de desordens
neurológicas. A excreção renal está comprometida em função da inabilidade na filtração e excreção de
substâncias, assim como a biotransformação hepática.
252
3. ANESTÉSICOS INALATÓRIOS
A velocidade de indução com máscara é maior nos neonatos devido a menor capacidade residual funcional, ao
maior fluxo sangüíneo tecidual e a elevada ventilação alveolar com maior troca de gases (Lerman et al, 1983). A
CAM dos anestésicos é menor nos pacientes neonatos que nos pediátricos em função de imaturidade do SNC e
efeitos residuais das endorfinas e progesterona maternas (Stoelting & Miller, 2000a). Com o passar das semanas
e a proximidade da idade adulta, a CAM volta a diminuir.
O halotano não é irritante para as vias aéreas e possui odor agradável possibilitando indução rápida com a
máscara facial (Souza, 2001). Atua como inotrópico negativo, reduzindo o débito cardíaco e ocasionando
hipotensão em doses elevadas. O halotano sensibiliza o miocárdio as catecolaminas, com surgimento de extra-
sístoles ventriculares. Pode se utilizado em procedimentos curtos, já que 20 a 25% do halotano sofre
metabolização hepática.
O isoflurano deve ser preferido nas anestesias de pacientes neonatos em função da menor taxa de
metabolização, além de menor depressão cardíaca (há manutenção do débito cardíaco, com aumento da
freqüência cardíaca), apesar de causar vasodilatação periférica mais intensa que o halotano (Hoskins, 1993).
Pode ser utilizado para indução com máscara facial apesar do seu odor pungente e seu efeito irritante para as vias
aéreas. Produz maior redução do ritmo metabólico cerebral e menor aumento da pressão intracraniana e
intraocular, sendo preferido nos casos de trauma.
O sevoflurano é o agente halogenado de escolha para indução anestésica com máscara facial em função de seu
baixo coeficiente de solubilidade sangue-gás, permitindo desta forma, indução e recuperação anestésicas
aceleradas. Não possui odor desagradável e não irrita as vias aéreas (Coté, 2000). Sua utilização deve ser
acompanhada de monitoramento apurado em função da rápida alteração do plano anestésico. Produz depressão
cardiovascular dose-dependente, mas seus efeitos se assemelham com os observados durante a utilização do
isoflurano.
Referências Bibliográficas
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254
ANESTESIA EM CESARIANAS
Lídia M. Matsubara
FMVZ-Unesp-Botucatu-SP-Brasil
1. Introdução
A anestesia em pacientes gestantes é um desafio para o anestesiologista que deve procurar uma depressão
cardiorrespiratória mínima da mãe e dos fetos. Os filhotes nascidos de cesarianas apresentam uma taxa de
mortalidade quatro vezes maior do que os nascidos de parto normal (8% versus 2%) (Moon et al. 1998; Potkay &
Bacher, 1997).
Todos os anestésicos utilizados nos procedimentos obstétricos atravessam a barreira placentária sendo,
infelizmente, impossível anestesiar a mãe de maneira seletiva, sem deprimir o feto (Benson & Thurmon, 1987).
Pode-se, contudo, amenizar essa depressão, diminuindo o tempo de exposição do feto aos fármacos, quando
ainda no útero (Greene, 1995).
A escolha do protocolo anestésico deve ser baseada no conhecimento das alterações fisiológicas
provocadas pela gestação e pelo parto (Pascoe & Moon, 2001), na farmacologia dos agentes anestésicos, nos
efeitos diretos e indiretos no feto e nos riscos e benefícios da técnica escolhida (Raffe & Carpenter, 2007).
2. Alterações fisiológicas da gestação
A maioria das informações sobre as alterações fisiológicas na gestação é obtida através de trabalhos
realizados nas mulheres e em ovinos. Poucos estudos têm sido realizados em outras espécies, mas acredita-se
que estes dados possam ser comparados, porém não na mesma magnitude (Raffe & Carpenter, 2007).
2.1.1 Alterações Cardiovasculares
As alterações cardiovasculares iniciam-se na metade do período gestacional e continuam até o momento do
parto (Robertson & Moon, 2003).
O débito cardíaco (DC) e o volume sangüíneo aumentam na gestação para proporcionar adequado fluxo
sanguíneo ao feto. Esse aumento do DC (30 a 50%) ocorre devido ao aumento da freqüência cardíaca e do
volume sistólico (Skerman et al., 1991; Hall et al., 2001).
O volume do plasma aumenta mais do que o número de hemácias, diminuindo o volume globular (VG) e a
concentração de hemoglobina, levando a uma anemia relativa da gestação (Pascoe & Moon, 2001). Carneiro et al.
(2000) relataram diminuição significativa dos valores do eritrograma a partir da terceira semana de gestação até o
momento do parto, com recuperação parcial dos mesmos ao final da amamentação, em cadelas da raça pastor
alemão. Anderson & Gee (1958) descreveram redução do VG de 53 para 32% em cadelas da raça beagle, no
momento do parto.
Apesar do aumento do débito cardíaco, as pressões sistólica e diastólica não se alteram durante a gestação
devido à diminuição da resistência vascular periférica (Benson & Thurmon, 1987), mas durante o parto a pressão
sistólica aumenta de 10 a 30 mmHg (Raffe & Carpenter, 2007).
Na mulher gestante, o decúbito dorsal pode resultar em compressão da veia cava caudal e da artéria aorta
devido ao aumento do volume uterino, diminuindo o retorno venoso e o débito cardíaco, resultando em hipotensão
e conseqüente diminuição do fluxo sangüíneo uterino e renal (Raffe & Carpenter, 2007). No entanto, Probst &
Webb (1983) não observaram a ocorrência da síndrome supina em cadelas posicionadas em decúbito dorsal,
porém as mesmas possuíam peso corporal baixo (9 a 16 kg).
Durante a gestação o trabalho cardíaco aumenta, resultando em diminuição da reserva cardíaca,
predispondo a descompensação em pacientes previamente estáveis (Greene, 1995). Portanto, deve se evitar
estresse adicional causado pela dor e ansiedade, assim como o uso de altas doses de analgésicos, sedativos ou
anestésicos que podem causar depressão cardíaca excessiva (Raffe & Carpenter, 2007).
2.1.2 Alterações Respiratórias
Durante a gestação, os níveis de progesterona elevam-se, aumentando a sensibilidade do centro
respiratório à pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2), levando a hiperventilação (Raffe & Carpenter, 2007)
e consequente redução dos valores da pressão parcial de dióxido de carbono, que na gestante é de 30 a 33
mmHg (PaCO2 = 35 a 45 mmHg em pacientes não gestantes) (Greene, 1995). Essa diminuição não altera o pH
sangüíneo devido à compensação renal através da excreção de bicarbonato que quando não-compensada,
diminui o fluxo sangüíneo placentário levando a hipóxia e à acidose fetais (Raffe & Carpenter, 2007).
255
Se ocorrer hiperventilação adicional (PaCO2 = 22 mmHg) resultante do estresse materno ou por excessiva
ventilação por pressão positiva, ocorrerá diminuição do fluxo sangüíneo uterino levando aos efeitos citados
anteriormente (Pascoe & Moon, 2001).
A gestação também altera o mecanismo de ventilação. A capacidade residual funcional (CRF) está
diminuída pelo deslocamento cranial do diafragma e dos órgãos abdominais pelo útero gravídico (Greene, 1995).
A hipoventilação produz hipoxemia e hipercapnia mais rapidamente em pacientes gestantes e além disso, a
hipoxemia é exacerbada pelo aumento do consumo de oxigênio durante o parto (Raffe & Carpenter, 2007).
A indução da anestesia com anestésicos inalatórios ocorre rapidamente nas gestantes devido ao aumento
da ventilação alveolar e diminuição da CRF, além da diminuição da concentração alveolar mínima dos anestésicos
inalatórios, devendo-se evitar sobredoses anestésicas.
2.1.3 Alterações Gastrointestinais
A gestação provoca uma série de alterações gastrointestinais que aumentam o risco de regurgitação e
aspiração do conteúdo gástrico (Pascoe & Moon, 2001).
O tempo de esvaziamento gástrico está diminuído devido ao deslocamento físico do estômago pelo útero
devido à diminuição da motilidade e aumento da progesterona sérica. A concentração de enzimas nas secreções
gástricas está aumentada, assim como a concentração de ácidos e cloretos. O tônus do esfíncter esofágico
inferior está diminuído e a pressão intragástrica aumentada (Raffe & Carpenter, 2007). Consequentemente, o
vômito e a regurgitação podem ocorrer no trans-operatório e também na recuperação anestésica sendo de
extrema importância a permanência da sonda endotraqueal até a completa recuperação dos reflexos protetores
das vias aéreas.
2.1.4 Alterações das funções renal e hepática
Poucas alterações nas função hepática e renal ocorrem durante a gestação. Os valores da albumina
diminuem e os da globulina aumentam (Kaneko et al., 1997).
O fluxo sangüíneo renal e a taxa de filtração glomerular aumentam em aproximadamente 60%, resultando
em menores concentrações de uréia e creatinina (Raffe & Carpenter, 2007).
2.1.5 Alterações no fluxo sangüíneo uterino e suas implicações
A homeostase materna, fetal e a sobrevivência neonatal dependem da manutenção da circulação útero-
placentária. O feto é vulnerável às alterações no sistema cardiovascular da mãe porque o fluxo sangüíneo fetal
não é auto-regulável e a perfusão uterina é diretamente proporcional à pressão arterial e inversamente
proporcional à resistência vascular uterina (Robertson & Moon, 2003).
A anestesia obstétrica pode diminuir o fluxo sangüíneo uterino e contribuir para a redução da viabilidade
fetal e no parto, a resistência vascular uterina está aumentada pelas contrações uterinas (Raffe & Carpenter,
2007).
A hipotensão provocada por agentes anestésicos, hipovolemia ou bloqueio simpático (Raffe & Carpenter,
2007) e a vasoconstrição uterina causado pelo medo, estresse e dor devem ser evitados quando possível, pois
podem provocar efeitos adversos ao feto (Robertson & Moon, 2003).
2.2 Medicação pré-anestésica
A medicação pré-anestésica pode ser necessária ou não, dependendo do estado da parturiente. Um animal
que está em trabalho de parto por um período 24 horas ou mais pode entrar em exaustão, desenvolvendo
endotoxemia, dispensando na maioria das vezes a medicação pré-anestésica. Por outro lado, uma cadela
agressiva encaminhada para cesariana eletiva provavelmente precisará receber MPA para posteriormente ser
manipulada.
2.2.1 Anticolinérgicos
A atropina e o glicopirrolato podem ser utilizados com a finalidade de reduzir as secreções salivares e
diminuir o tônus vagal ocasionado pela tração uterina. O glicopirrolato é o mais indicado em pacientes gestantes,
já que não ultrapassa a barreira placentária (Raffe & Carpenter, 2007).
2.2.2. Tranqüilizantes e sedativos
A acepromazina não é o fármaco de eleição para a parturiente devido à hipotensão decorrente do bloqueio
alfa-1 adrenérgico, podendo reduzir a perfusão uterina, além de ter efeito mais prolongado nos neonatos do que
na mãe devido a imaturidade das enzimas hepáticas. No entanto, a acepromazina não está associada ao aumento
da mortalidade fetal ou neonatal (Moon et al., 2000).
Os benzodiazepínicos como o diazepam e midazolam podem produzir letargia, hipotonia, apnéia e
hipotermia. Estes efeitos podem ser evitados pela administração de doses menores que 0,14 mg/kg IV, embora
uma dose segura não tenha foi estabelecida nos animais domésticos (Raffe & Carpenter, 2007).
256
A xilazina e outros agonistas-α2 não são recomendados, pois estão associados à alta taxa de mortalidade
neonatal em pequenos animais, sobretudo na espécie canina (Moon et al., 2000).
Os opióides ultrapassam a barreira placentária podendo causar depressão respiratória e bradicardia, sendo
mais acentuado com o uso dos agonistas totais. Recomendando-se, portanto a utilização de opióides após a
retirada dos fetos ou de agonistas-antagonistas ou agonistas parciais. De maneira geral, os opióides não
comprometem a viabilidade neonatal na espécie canina, no entanto em casos de depressão os efeitos podem ser
revertidos com a administração do naloxone (0,04 mg/kg IV).
2.3 Anestesia geral
É de suma importância que seja realizada a pré-oxigenação seguida de rápida indução anestésica,
visando reduzir os riscos de regurgitação e aspiração, aos quais as gestantes são vulneráveis. Dessa forma,
protocolos anestésicos que requeiram longo tempo para a realização da indução e retardem a intubação
endotraqueal, como por exemplo, o uso de indução com máscara facial deve ser evitado. No entanto, alguns
autores têm considerado adequado o uso da indução com máscara facial, devido aos mínimos efeitos dos
anestésicos inalatórios sobre os neonatos.
A indução anestésica pode ser realizada através de anestésicos gerais como o propofol ou tiopental,
porém esses fármacos podem causar apnéia transitória, resultando em severa hipóxia fetal e acidemia se a
parturiente não for pré-oxigenada e rapidamente intubada.
O tiopental pode causar depressão respiratória, sonolência e diminuição da atividade nos neonatos, além
de reduzir a sucção por até 4 dias. Esses efeitos são reduzidos quando se utilizam doses menores que 4 mg/kg
(Raffe & Carpenter, 2007).
A vantagem do propofol é sua curta duração, metabolização extra-hepática e embora ultrapasse a barreira
placentária é rapidamente eliminado da circulação fetal (Raffe & Carpenter, 2007). Luna et al. (2004) em estudo
comparativo com o uso de propofol, tiopental sódico ou cetamina/midazolam/enflurano, observaram que a indução
anestésica com propofol produziu menor depressão dos reflexos neurológicos neonatais, seguida pelo tiopental
sódico e cetamina/midazolam. A viabilidade fetal com o uso do propofol foi a que mais se aproximou dos
resultados obtidos com o uso da anestesia epidural. Em estudo similar, Funkquist et al. (1997) avaliaram o uso do
propofol-isofluorano comparativamente ao uso da anestesia epidural em cadelas encaminhadas para cesariana,
com resultados semelhantes de viabilidade fetal entre o grupo submetido ao protocolo propofol-isofluorano em
relação ao submetido à anestesia epidural.
A cetamina tem sido usada em mulheres em trabalho de parto, mostrando resultados favoráveis tanto para
a mãe como para o feto. No entanto, na espécie canina está associada à depressão respiratória, diminuição da
vocalização e aumento da mortalidade ao nascimento (Moon et al., 2000; Moon-Massat & Erb, 2002) devendo ser
utilizada com cautela nessa espécie.
O uso de anestésicos inalatórios para a indução e manutenção anestésica está associado à rápida
recuperação. Todos os anestésicos inalatórios atravessam a placenta ocorrendo um rápido equilíbrio materno
fetal. Entretanto, o grau de depressão fetal é proporcional á profundidade anestésica da mãe. Níveis profundos de
anestesia na mãe causam hipotensão, diminuição do fluxo sangüíneo uterino e acidose fetal (Raffe & Carpenter,
2007).
Dentre os anestésicos inalatórios, pode-se destacar o isofluorano e o sevofluorano, sendo considerados
os ideais, já que a indução e a recuperação são rápidas, os filhotes nascem alerta e a mãe acorda dentro de
poucos minutos após o término da cirurgia e está apta a cuidar dos recém nascidos (Raffe & Carpenter, 2007).
2.4 Anestesia local
No homem, a incidência de mortalidade materna é 17 vezes mais baixa com o uso de técnicas
anestésicas locais comparativamente à anestesia geral. Luna et al. (2004), observaram menor depressão em
neonatos provenientes de cadelas submetidas à anestesia epidural em relação à anestesia geral inalatória.
A anestesia epidural apresenta como vantagens, ausência de exposição fetal aos efeitos depressores dos
anestésicos gerais e risco menor de regurgitação e aspiração, devido à manutenção da consciência materna.
As principais desvantagens são em relação à dificuldade de execução da técnica para alguns animais,
sobretudo os de temperamento indócil, exigindo que o uso de sedação profunda seja necessário para a introdução
da agulha no espaço epidural, de modo a exercer efeitos depressores sobre a mãe e consequentemente, aos
fetos. Além disso, os anestésicos locais depositados no espaço epidural, não bloqueiam apenas as fibras
sensitivas e motoras, mas também as fibras do sistema autônomo simpático, emergentes da medula espinhal,
desencadeando vasodilatação, com conseqüente hipotensão arterial, um dos principais efeitos indesejáveis da
anestesia epidural. Esses fatores podem contribuir para a redução da perfusão placentária, podendo ocasionar
hipoxemia fetal (Raffe & Carpenter, 2007).
A hipotensão pode ser reduzida através da infusão de soluções cristalóides como o Ringer com lactato,
administrado em velocidade de 20 ml/kg, por um período de 15 minutos, preferencialmente antes de ser
257
estabelecido o bloqueio. Posteriormente, a fluidoterapia deve prosseguir por na taxa de 10 ml/kg/h. Porém esse
recurso isolado parece ser ineficaz em prevenir a diminuição da pressão arterial (Gajraj et al., 1993).
Fármacos vasopressores como a efedrina (0,15 mg/kg, IV) podem ser utilizados no caso de hipotensão.
Nesse caso a preferência é pela efedrina, pois o mesmo não produz vasoconstrição uterina (Raffe & Carpenter,
2007).
Os anestésicos locais a serem usados para o bloqueio, podem ser tanto a lidocaína 2% como a
bupivacaína 0,5%. O uso de anestésicos locais com vasoconstrictor (adrenalina 1: 200.000) é mais indicado, no
sentido de prevenir a hipotensão arterial. Teoricamente, a bupivacaína é mais indicada para a cesariana, devido à
absorção mais lenta, de modo a reduzir a exposição fetal ao fármaco. No entanto, a lidocaína apresenta período
de latência mais curto (entre 5 a 10 minutos), com período de ação satisfatório para o tempo cirúrgico requerido
para tal tipo de procedimento (aproximadamente 2 horas), além de ter feito inotrópico negativo 20 vezes inferior à
bupivacaína (Pascoe & Moon, 2001). A ropivacaína é um anestésico local mais recente, com duração de ação
similar à bupivacaína, porém com menor toxicidade cardíaca.
Em pacientes gestantes, o volume de anestésico local deve ser reduzido (em 1/3), devido à distensão dos
vasos do assoalho da medula ocasionada pelo aumento do fluxo sangüíneo colateral. Tal distensão produz
redução do espaço epidural, de modo a facilitar a transferência de fármacos para o líquido cefalorraquidiano
(Pascoe & Moon, 2001).
O uso da anestesia epidural também pode ser feito apenas como um adjuvante da anestesia geral, de
modo a permitir um plano leve para a manutenção da anestesia, além de possibilitar analgesia para o período pós-
operatório imediato (Pascoe & Moon, 2001).
Cuidados com os neonatos
Os fetos devem ser liberados o mais rápido possível após a indução anestésica, devem ser limpos,
aquecidos e estimulados a respirar. O doxapram pode ser utilizado (1 a 5 gotas) no caso de depressão respiratória
e o fornecimento de dextrose 2,5% (0,1 a 0,5 ml) via oral fornece substrato energético para os neonatos em
sofrimento.
Controle da dor pós-operatória
Representa um desafio devido à possibilidade de passagem dos anestésicos e analgésicos para o leite
materno. A morfina pode ser utilizada, porém a meperidina diminui a sucção, além de causar sedação em doses
repetidas. Com exceção dos AINES COX-2 seletivos que inibem a maturação de órgãos pode-se utilizar a maioria
dos fármacos comumente empregados sem provocar efeitos adversos aos recém-nascidos.
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Anestesia em Pacientes Traumatizados
Os Animais politraumatizados compreendem mais de 10% dos casos totais nos hospitais veterinários de pequenos
animais (Norman, 1989) e de acordo com estudos, as lesões mais comuns em cães e gatos são de cabeça (32-
47%), membro pélvico (13%), tórax (11%), e abdômen (9%) (Kolata, 1981).
As hemorragias de grandes vasos, insuficiência respiratória e injúrias do Sistema Nervoso Central (SNC) têm sido
as causas mais comuns de morte após o trauma, levando o paciente ao choque hemorrágico ou colapso
cardiopulmonar. (Schou et al, 2000). A incidência de problemas de insuficiência respiratória após o trauma chega
a 30% nos animais que passaram por algum tipo de trauma torácico, sendo que 40-50% apresentaram contusão
pulmonar, 15% pneumotórax, e 10% efusão pleural.
Esses pacientes requerem cuidados específicos, dispondo de uma equipe bem treinada, pronta para qualquer
emergência, necessitando de protocolos devidamente planejados com organização e principalmente rapidez.
# %! "
Quando o animal vem à clínica ou ao hospital veterinário com suspeita de trauma, a anamnese é de suma
importância, auxiliando o clínico no diagnóstico, prognóstico e principalmente na conduta terapêutica. Durante a
avaliação clínica e inspeção inicial do animal, é importante questionar o proprietário quanto à cena do acidente, se
ele presenciou, quanto tempo transcorreu até a chegada ao hospital, se houve mudança de comportamento, se o
animal está consciente ou não, se urinou, defecou, e ou presença de hemorragia ativa.
Dependendo da gravidade do quadro e do tempo transcorrido, o clínico conseguirá classificar este paciente e
também determinar, quanto tempo ele tem para instituir o tratamento imediato bem como o prognóstico do mesmo.
Clinicamente dividem-se os pacientes em quatro tipos de classes de acordo com a gravidade do caso:
• Classe I paciente que sofre trauma irreversível, e cuja percentagem de sucesso é nula, onde
provavelmente o animal virá a óbito no próprio local do acidente em poucos minutos.
• Classe II são os traumas que levam à morte na primeira hora, o clínico dispõem de pouco tempo para
estabilizar o paciente - “hora de ouro”.
• Classe III são traumas que levam à morte, dias após a injúria inicial devido às seqüelas fisiopatológicas do
trauma.
• Classe IV são casos clínicos sem risco iminente de morte.
Exceto a classe IV, nas demais classes o prognóstico é sempre reservado. A conduta a partir de então é identificar
qualquer risco iminente de parada cardiorespiratória, otimizar a perfusão tecidual, e o aporte de oxigênio a todos
os tecidos e órgãos vitais, acrescida de uma avaliação criteriosa dos sistemas cardiovascular, respiratório e do
SNC.
! # $ !+
É necessária a avaliação da função respiratória, através da inspeção das vias aéreas, para assegurar-se que
estas não estejam obstruídas com sangue, saliva ou conteúdo estomacal, bem como fazer a sucção deste
conteúdo para evitar a aspiração, avaliação da coloração de mucosas, auscultação pulmonar, saturação de O2 na
Hb e análise dos gases sanguíneos também deverá ser instituída.
Nos casos de traumas de tecidos moles, faringe, laringe ou obstrução de vias aéreas superiores, considerar
traqueostomia de emergência.
A oxigênioterapia deverá ser feita através de máscara facial, colar elisabetano, ou sonda nasal nos animais que
respiram espontaneamente, nos demais casos realizar a intubação endotraqueal e manter com ventilação
assistida ou se necessário ventilação controlada com pressão positiva, no respirador, volume corrente de 10-
15ml/kg, pressão de admissão de 10cm/H2O, e relação inspiração expiração de 1-1,5 a 1-2 (Futema e Ferrigno,
2002).
260
! # = %"
Os pacientes traumatizados geralmente apresentam sinais de falência circulatória periférica. O choque traumático
resulta de uma combinação de fatores como hemorragias, danos tissulares, mediadores da dor, inibição do centro
vasomotor com redução do tônus vascular periférico e do retorno venoso (Guyton, 1986).
A pressão arterial e o débito cardíaco são mantidos até um déficit de 10% de volume, pois quando este déficit
passa para 20% ou mais, ocorre uma vasoconstrição de arteríolas e vênulas na tentativa de manter a pressão
arterial, porém o débito cardíaco fatalmente diminuirá (Guyton, 1986).
O fluxo sanguíneo cerebral e do miocárdio são preservados devido à redistribuição do sangue de tecidos e órgãos
“não essenciais”.
A conduta emergencial é obter uma via de acesso intravenoso o mais rápido possível para restabelecer o volume
circulante, normalização das pressões circulatórias e da perfusão tecidual (Futema e Ferrigno, 2002). Como vias
principais cefálicas e/ou jugulares, ou no caso de neonatos e filhotes, a via intraóssea pode ser utilizada. Se a
hipovolemia for prontamente diagnosticada e revertida em intervalo de tempo inferior a 8 horas, a normalização
dos parâmetros hemodinâmicos e do transporte de oxigênio pode garantir prognóstico favorável (Amarante, 1996).
4"% ! $
A administração rápida de fluido intravenoso é a terapia de escolha nos casos de choque traumático. A escolha
do tipo de fluido depende da extensão do déficit circulatório. Grande variedade de soluções pode ser usada para
reposição volêmica, os fluidos mais empregados, são as soluções de reposição, os cristalóides (Ringer lactato,
Ringer Simples e Fisiológica), usados quando o déficit de perda é moderado e a dose é de três vezes a perda
estimada de sangue (Pascoe, 1987). Sinais moderados de choque tornam-se aparentes quando 20-30% do
volume sanguíneo é perdido (Pascoe, 1987). Os Cristalóides após 20 minutos passam para o espaço
extravascular. A infusão de grandes doses de cristalóides podem causar significante hemodiluição.
Expansores plasmáticos como colóides naturais (plasma e albumina) ou os colóides sintéticos (dextrans, gelatinas
e amido-hidroxietílico) possuem alta pressão oncótica, e são efetivos em pequenos volumes promovendo
expansão volêmica de longa duração, são indicados quando a proteína total está abaixo de 3,5-4,5g/dl, a pressão
oncótica está abaixo de 15mmHg, se a terapia com cristalóide não está sendo efetiva, ou edema se desenvolve
antes da reposição do volume sanguíneo (Macintire et al, 2005).
Transfusão sanguínea pode ser indicada quando as perdas sanguíneas forem superiores a 20%. Plasma fresco
congelado deve ser reservado aos casos de desordens de coagulação. Avaliação de adequada reposição
volêmica através da proteína total, hematócritos seriados e débito urinário ideal (1-2ml/kg-1/h-1). Fluidos para
tratamento de choque – trauma em cães e gatos, está relacionada na tabela 1(Macintire et al, 2005).
4* # ! +$ = $
O uso de agentes de suporte vasoativo ao sistema cardiovascular, é imprescindível quando se está diante de uma
falência cardiovascular ou em casos de trauma evoluindo para SIRS (síndrome da resposta inflamatória
sistêmica), onde a ressustição volêmica agressiva frequetemente é insuficente para restabelecer o débito cardíaco
e a pressão arterial. Portanto, havendo o não restabelecimento da pressão arterial a níveis aceitáveis (pressão
261
sistólica abaixo de 90 mm Hg) durante a anestesia recomenda-se o suo de inotrópicos-vasopressores. A
dopamina e dobutamina são agentes inotrópicos mais comumentes utilizados, os quais dão suporte circulatório
nestas situações.
Dopamina: A dopamina é um precursor da noradrenalina, que deve ser adnistrada sob a forma de infusão
contínua, uma vez que é rapidamente metabolizada. Seus efeitos são dose-dependentes, em doses reduzidas (2-
5 µg/kg/min) a dopamina produz efeitos dopaminérgicos, causando vasodilatação renal, e esplâncnica. E doses
intermediárias (5-10 µg/kg/min) a dopamina produz efeitos beta-adrenérgicos, resultando em elevação do débito
cardíaco devido ao aumento da contratilidade cardíaca. Em doses elevadas (acima de 10 µg/kg/min) produz
efeitos alfa-adrenérgicos resultando em aumento da resistência vascular sistêmica e da pressão arterial. É o
agente intrópico mais frequentemente empregado para estabilização cardivascular do paceinte traumatizado.
Dobutamina: A dobutamina por atuar predominantemente em receptores beta-adrenérgicos, aumenta a
contratilidade miocárdica, aumenta o débito cardíaco e diminui a resistência vascular sistêmica (Amarante, 1996).
Sendo indicada em casos de choque cardiogênico.
O tratamento emergencial de suporte se aprlica a todos os tipos de trauma, a seguir são discutidas algumas
modalidades de trauma:
TRAUMA CRANIANO
O grande fator de risco nos casos de traumas que envolvem o SNC como os traumas cranianos, é o aumento da
pressão intracraniana (PIC), provavelmente resultante de hemorragias ou edema cerebral. Sinais como mudanças
no nível de consciência e alterações da respiração como Cheyne-Stokes, hipoventilação ou hiperventilação podem
estar associados com lesões no SNC. No homem a incidência de hipoxemia associada a traumas que envolvem o
SNC chega a 25% (Shapiro, 1986ª).
A hipoventilação causa hipercapnia e esta aumenta o fluxo sanguíneo cerebral aumentando ainda mais a PIC. O
aumento da PIC pode causar isquemia, anóxia, edema e conseqüentemente exacerbar danos neuronais. A
preservação da função neurológica é a primeira meta neste tipo de trauma, prevenindo danos secundários no
tecido nervoso intacto, e minimizando os danos nos tecidos traumatizados.
A terapia é direta, reduzir a PIC, o edema neuronal e evitar a hipoxemia. Oxigênio 100% otimiza o aporte de O2
para os tecidos danificados, e a hiperventilação remove o potente estímulo de vasodilatação causado pela
hipercapnia. PaCO2 de 25-30mmHg é adequada na maioria dos casos (Bedford & Durbin, 1986). Como na
maioria dos casos, o animal apresenta aumento da PIC e hipotensão sistêmica, primeiro tratar a hipotensão e
depois cuidar da PIC. Desde que o volume circulante esteja restabelecido para evitar hipotensão e desidratação,
deve-se utilizar diuréticos. Como primeira escolha furosemida na dose de 2-8mg/kg, ou soluções hiperosmóticas
como o manitol também podem ajudar a minimizar o aumento da PIC, reduzindo o edema cerebral pelo efeito
osmótico, deve ser administrada por via intravenosa lenta na dose de 1-2g/kg (Archibald et al, 1981). Efeitos
adversos do manitol, vômitos, hiponatremia, edema pulmonar, polidipsia. Segundo (Davis, 1984; Martin, 1996),
não é recomendado seu uso imediato se há suspeita de hemorragia intracraniana, piorando ainda mais o quadro
de aumento de PIC. Agentes anestésicos que aumentam a PIC devem ser evitados (Halotano, N2O, Cetamina),
barbitúricos produzem uma indução rápida, diminuem o metabolismo e o fluxo sanguíneo cerebral, sendo os
agentes de preferência nos casos de trauma craniano (Martin, 1996).
TRAUMA MEDULAR
Lesões na medula espinhal (ME) estão associadas com seqüelas as quais podem trazer grandes problemas
durante a anestesia. Distúrbios respiratórios são a maior causa de morbidade e mortalidade em pacientes
humanos com lesões na ME (Smith, 1987). Elevações na concentração sérica de potássio e cálcio são achados
262
comuns em lesões de ME e implicam em cuidados prévios na anestesia (Smith, 1987). Outros sinais como CID,
arritmias, bradicardia, vasodilatação periférica, hipotensão, e perda da capacidade de termoregulação, são sinais
clínicos de interrupção das vias do sistema nervoso simpático causados pelo trauma em algum ponto da medula
espinhal. Esses pacientes estão normalmente hipovolêmicos, a resistência vascular está diminuída, e são mais
susceptíveis a hipotermia, pois o mecanismo de autoregulação através da vasoconstrição periférica não é efetivo.
Fluidoterapia agressiva para aumentar o volume intravascular e agentes vasoativos – principalmente
vasoconstritores (epinefrina, efedrina, metaraminol) são boas escolhas para esses pacientes (Martin, 1996;
Macintire et al, 2005).
TRAUMA TORÁCICO
Os sinais de dificuldade respiratória aparecem quando há um comprometimento de mais de 50% da capacidade
pulmonar, e geralmente aparecem 4 horas após o trauma (Committee on trauma, 1989). Lesões pulmonares
tendem a piorar 24-36 horas após a lesão (Martin, 1996). Uma disfunção respiratória é comumente encontrada
após trauma (atropelamento, acidentes balísticos e mordidas) resultando em fraturas de costelas, contusão
pulmonar, pneumo e hemotórax, efusão pleural, hérnia diafragmática, obstrução de vias aéreas, e edema
pulmonar, e conseqüentemente insuficiência respiratória. A expansão pulmonar pode ser melhorada através da
toracocentese para drenar coleção de sangue ou ar do espaço pleural (Berkwitt & Berzon, 1985). Manutenção em
casos de contusão pulmonar inclui, oxigênioterapia, analgésicos, antibióticos, corticóides e diuréticos caso edema
pulmonar esteja presente. Quando a contusão é severa, ventilação mecânica com baixa pressão pode ser
necessária.
As injúrias cardíacas mais comuns incluem, tamponamento, contusão e ou ruptura. Ruptura de miocárdio
normalmente resulta em morte no local do acidente. Nos animais com efusão pericárdica, pericardiocentese pode
ser necessária para manter o débito cardíaco, além de fluidoterapia, fármacos vasoativos, e antiarrítmicos
(Macintire et al, 2005).
TRAUMA ABDOMINAL
Acidentes automobilísticos geralmente causam uma série de lacerações no abdômem como ruptura de baço,
fígado, bexiga, grandes vasos e fraturas, traumas que se não diagnosticados rapidamente levam a morte do
animal em poucas horas. Histórico de trauma abdominal severo, mucosas pálidas, dor abdominal e choque
hipovolêmico são compatíveis com um quadro de hemorragia ativa. A compressão abdominal, fluidoterapia
agressiva, fármacos vasoativos e transfusão sanguínea devem ser impingidos na tentativa de estabilizar o
paciente rapidamente e encaminhá-lo a cirurgia.
O ideal seria sempre cateterizar os animais para se avaliar lesões no trato urinário e a função renal. A indicação
do ultra-som e RaioX contrastado podem ser necessárias no auxílio diagnóstico nos casos de suspeita de ruptura
de bexiga, pois a micção normal não descarta a mesma (Cowan, 1994).
Nos pacientes com fraturas múltiplas de coxal, a anestesia peridural pode ser contra-indicada, devido ao risco
durante o posicionamento de alguma esquírola solta romper bexiga ou até vasos de grande calibre.
QUEIMADURAS
Animais com queimaduras extensas são ocasionalmente encontrados na clínica veterinária, as causas mais
freqüentes são: fogo, água fervente ou produtos químicos. As queimaduras que envolvem mais de 50% da
superfície corpórea tem alta taxa de mortalidade, devido às complicações sistêmicas como sepse e falência
múltipla de órgãos (Macintire et al, 2005).
Convém alertar que a inalação de monóxido de carbono causa uma severa hipoxemia, apesar da PaO2 estar
normal, o conteúdo de oxigênio no sangue está drasticamente reduzido devido à alta afinidade do monóxido de
carbono pela hemoglobina (Martin, 1996). Esses pacientes precisam de oxigenioterapia imediatamente, gaiolas de
oxigênio, ou se necessário após anestesia, intubação endotraqueal e ventilação mecânica. Depois de
restabelecidas as vias aéreas, esses pacientes requerem uma fluidoterapia agressiva, há uma grande perda de
líquidos, eletrólitos, proteínas plasmáticas, pelo aumento da permeabilidade capilar e pela evaporação
principalmente de 12-24 horas após o acidente. Tem sido sugerido, que durante este período, administre-se
somente cristalóides, e após 24 pode-se introduzir soluções de colóides (Norman, 1989; Martin, 1996).
Para limpeza e remoção de tecidos necrosados e não viáveis, bem como troca de curativos, esses pacientes
muitas vezes necessitam de uma sedação intensa ou até mesmo anestesia geral.
Não há um método totalmente satisfatório de alívio da dor em pacientes queimados, a administração de opióides
sistêmicos, associados com baixas doses de Cetamina segundo (Lamb, 1985) fornece um alívio satisfatório em
pacientes humanos. Fentanil patchs pode ser considerado como uma técnica de analgesia pré e pós-anestésica
(Martin, 1996). Lembrar sempre que esses pacientes caso necessitem de ventilação mecânica, tem uma
resistência aos bloqueadores neuromusculares do tipo não despolarizantes (vecurôneo, pancurônio) (Norman et
al, 1989; Martin, 1996).
263
!
AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA.
De maneira geral, os pacientes com histórico de trauma severo não devem ser submetidos a qualquer
procedimento anestésico antes de se estabilizarem as funções vitais, e sempre considerá-los como sérios
candidatos a desenvolver algum tipo de choque. O tratamento adequado para os diferentes tipos de choque
(hipovolêmico-hemorrágico, neurogênico), do desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido – básico, deve ser feito
imediatamente e se possível monitorar este paciente 24 horas antes de qualquer procedimento cirúrgico-
anestésico. Quando o colapso cardiovascular ocorrer durante a tentativa de estabilizar o paciente, a Ressucitação
cérebro cárdio pulmonar (RCCP) deverá ser instituída imediatamente.
A farmacocinética e farmacodinâmica dos agentes anestésicos podem ser alteradas pelo trauma. A perfusão
periférica está reduzida nos casos de hipotensão logo, diminuirá a absorção de anestésicos quando aplicados por
via subcutânea, pelo fluxo esplâncnico estar reduzido à redistribuição, metabolismo e excreção de muitos agentes
anestésicos estarão prejudicados, prolongando o período de recuperação (Kirkwood et al 1986).
De maneira geral todos os anestésicos podem ser usados em pacientes politraumatizados, desde que usados com
cautela e considerando as particularidades de cada tipo de trauma.
MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA
Em pacientes tramatizados é muito importante fornecer uma analgesia adequada e reduzir o stress. Os
fenotiazínicos são contra-indicados em casos de choque, devido a vasodilatação periférica que causam. A xilazina
outros alfa-2 agonistas devem ser evitados devido aos efeitos depressores no sistema respiratório e
cardiovascular (Kolata & Rawlings, 1982, Macintire et al, 2005). Os opióides fornecem uma analgesia adequada e
certo grau de sedação com efeitos mínimos na função cardiovascular. A morfina na dose 0,5-1,0mg/kg IM
proporciona analgesia e estabilidade cardiovascular, sendo empregada de forma segura em pacientes com
alteração da função circulatória.
INDUÇÃO
Antes da indução anestésica, independente do protocolo escolhido, a pré-oxigenação com máscara formecendo
O2 a 100% é recomendável.
Os barbitúricos diminuem o metabolismo e o fluxo sanguíneo cerebral (trauma craniano). Nos casos de choque
hipovolêmico são contra-indicados, promovem diminuição do débito cardíaco, sendo que seus efeitos são
potencializados em casos de acidose e hipoproteinemia.
O propofol a despeito de produz efeitos depressores hemodinâmicos como o tiopental, além de ser um depresor
respiratório potente, tem sido empregado com segurança, em doses reduzidas, na indução de paceines
comprometidos.
A cetamina em pacientes saudáveis aumenta a pressão arterial, frequência e débito cardíaco de forma secundária
à ativação simpática. No entanto em pacientes chocados, pode produzir um efeito depressor direto do miocárdio
(Weiskopf et al, 1984), devendo portanto ser empregada cuidadosamente nestas situações. Não é recomendada
nos pacientes com trauma craniano devido ao fato de promover aumento da pressão intracraniana.
Os benzodiazepínicos administrados em associação com opióides são uma boa escolha para indução
anestésica em casos de animais debilitados em choque séptico, hipovolêmico, cardiogênico. Esta associação não
causa depressão do miocárdio ou vasodilatação (Haskins, 1987). O fentanil (0,01- 0,02mg/kg) associado ao
diazepam ou midazolam (0,2 mg/kg) fornece bom relaxamento muscular possibilitando a intubação orotraqueal na
maioria dos animais debilitados/chocados, mas não uma técnica de indução rápida o que é indicado em pacientes
críticos. Este protocolo é contra-indicado nos casos de obstrução de vias aéreas superiores ou problemas
pulmonares, quando o rápido acesso às vias aéreas se faz necessário (Macintire et al, 2005).
O etomidato é um fármaco seguro que preserva a função hemodinâmica e a homeostase cerebral, recomendado
nos casos de choque, trauma craniano e cardiopatias. Na dose de 0,5-2,0mg/kg produz mínimos efeitos
hemodinâmicos (Robertson, 1992). Deve ser sempre associado a um benzodiazepínico para evitar
mioclonias/espasmos musculares. Seu uso por infusão contínua é contraindicado devido à supressão da
adrenocortical (Macintire et al, 2005).
Anestésicos Inalatórios, produzem depressão cardiopulmonar dose dependente. A indução na máscara deve ser
evitada principalmente devido à excitação, stress e o aumento risco de vômitos, sendo contra-indicados nos casos
de obstrução de vias aéreas superiores ou doença pulmonar.
MANUTENÇÃO
Os anestésicos inalatórios são agentes comumente utilizados na manutenção anestésica em pacientes
politraumatizados, apesar de produzirem depressão cardiorespiratória dose dependente. O débito cardíaco e a
pressão arterial se reduzem de forma dose-dependente com os agentes inalatórios e pacientes politraumatizados
podem ser especialmente susceptíveis a estes efeitos. Nestes pacientes, procura-se minimizar a depressão
cadiovascular com uso de baixas concentrações de agentes inalatórios (Macintire et al 2005). Este objetivo é
atinjido com o emprego de infusões contínuas de analgésicos opióides e/ou lidocaína. Estima-se que o fentanil por
264
infusão contínua (10 µg/kg bolus inicial seguido de 0,7 µg/kg/min) reduz até 65% da concentração alveolar mínima
(CAM) dos agentes inalatórios em cães (Murphy et al, 1979; Murphy et al, 1982, Ilkiw, 1999), enquanto a infusão
contínua de lidocaína (2 mg/kg bolus inicial, seguida de 200 µg/kg/min) reduz a CAM em cerca de 43% (Valverde
et al, 2004).
O uso combinado de técnicas de anestesia regional também pode ser utilizado para otimizar a analgesia e
possiblitar a redução dos requerimentos de agentes inalatórios em pacientes politraumatizados. O bloqueio da
cadeia ganglionar simpática ocasionado pela anestesia epidural pode resultar em hipotensão severa em pacientes
chocados/hipovolêmicos, sendo esta a única técnica de anestesia regional contraindicada no paciente chocado. Já
o uso de opióides como a morfina pela via epidural (0,1mg/kg) propicia analgesia sem ocasionar bloqueio
simpático, podendo ser adotado em pacientes politraumatizados/chocados (Valverde et al, 1989).
Dentre os agentes inalatórios de preferência para a manutenção da anestesia no paciente politraumatizado,
destacam-se o isofluorano e o sevofluorano, uma vez que estes fármacos propiciam indução e recuperação
relativamente rápidas. Havendo a opção de se induzir a anestesia com o próprio agente inalatório, utlizando-se
máscara facial, o sevofluorano é o agente de escolha uma vez que seu odor mais agradável possibilita melhor
aceitação da máscara facial e menos stresse ao animal.
MONITORAÇÃO
A monitoração em pacientes politraumatizados é fundamental durante o pré, trans e pós-operatório, especialmente
com eletrocardiograma, pressão arterial (se possível pelo método invasivo), pressão venosa central,
oxicapnografia e análise dos gases sanguíneos (Parkowski, 2000).
ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
O controle da dor deve ser efetivo, promovendo o conforto do paciente. Dor pós-operatória de toracotomias pode
estar associada com sérias complicações pulmonares, como hipoventilação, atelectasias e anormalidades de
ventilação/perfusão (Conacher, 1990).
Especialmente nas primeiras 24 horas do pós-curúrgico a analgesia multimodal, através do uso de opióides
agonistas totais (morfina, “patches” de fentanil - Durogesic®), e técnicas de analgesia regional, mostram bons
resultados no controle da dor, bem como na qualidade da recuperação destes animais. Maiores detalhes sobre o
controle da dor serão discutidos em outro capítulo.
; < )" *;
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