Anda di halaman 1dari 20

Boletim 50 / agosto 2011 1

BOLETIM DA CMF Nº 50 AGOSTO 2011 ISSN: 1516-1781

Editorial ...................................................................................................................................................................... 2
SUMÁRIO

Santo do Dia: 25 de Agosto - São Luis IX ................................................................................................................. 2


Paulinas Online

Álbum de recordação ............................................................................................................................... 3


Zelinda Lima

“Chica Baiana passeando em terra alheia” .............................................................................................................4


Antonio Giovanni Boaes Gonçalves

Chegança um dramalhão de tema nautico apresentado em diferentes manifestações .................................. 9


Pedro Mendengo Filho

A Festa do Divino em Pinheiro .............................................................................................................. 13


Aymore de Castro Alvim

João Affonso do Nascimento: um maranhense singular ........................................................................... 14


João Paulo Soares Jr. e Leandro Carlos Silva

Eu conheci Antonio Silvino .................................................................................................................. 16


Raimundo Rocha

JANELA DO TEMPO
O culto ‘vodou’: Identificações em São Luís e no Haiti .......................................................................... 17
Domingos Vieira Filho

RESUMOS E RESENHAS: GP MINA ..............................................................................................................18

NOTÍCIAS ........................................................................................................................................... 19
Roza Santos

PERFIL DE CULTURA POPULAR: Isabel Mineira – Cururupu .........................................................................20


Mundicarmo Ferretti

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CNPJ 00.140.658/0001-07 EDIÇÃO
CONSELHO EDITORIAL
L enir PPereira
ereira dos SS.. Oliveira Mundicarmo M.R. Ferretti
DIRETORIA Roza Maria dos Santos
Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Maria Michol PP.. de Carvalho
Zelinda de C. Lima
Vice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira Mundicarmo M.R. Ferretti
REVISÃO DE TEXTO:
1ª Secretário: Roza Maria dos Santos Mundinha Araújo
Joelma Baldez
2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria dos Santos
DIAGRAMAÇÃO:
1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira Sergio Figueiredo Ferretti
Riba Silva
2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite Zelinda de Castro Lima VERSÃOINTERNET:: w ww
VERSÃOINTERNET .cmfolclore.ufma.br
ww.cmfolclore.ufma.br
Correspondência
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em
CASA DE NHOZINHO artigos assinados são de
Rua PPortugal, raia Grande
ortugal, 185 – PPraia inteira responsabilidade de
CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão seus autores, não comprome-
Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218- tendo a CMF
9951
2 Boletim 50 / agosto 2011

Editorial SANTO DO DIA: 25 de Agosto


N o mês de Agosto, as Comissões de Folclore e os órgãos
estaduais e municipais de cultura costumam realizar
São Luís IX
várias atividades ligadas ao folclore, comemorando o dia da
cultura popular. No Maranhão, esse é também o período de
realização de festejo de diversos santos de devoção do catoli-
E m São Luís - capital do Maranhão originada de forte de
mesmo nome fundado por piratas francês , a devoção a São
Luís é maior nos terreiros de religiões afro-brasileiras do que nas
cismo popular e de várias entidades espirituais cultuadas nos igrejas católicas. Associado ao encantado Dom Luís Rei de Fran-
terreiros de religiões de matriz africana: mina, cura, terecô, ça, São Luís teve no passado uma capela construída por Maximi-
umbanda, candomblé e quimbanda - voduns, caboclos, encan- ana - mãe de terreiro documentado em 1937 por pesquisadores
tados e outros. Entre esses festejos, o mais popular é sem dúvida paulistas, da Missão Folclórica criada por Mario de Andrade (AL-
o de São Benedito, associado ao vodum Averequete; mas me- VARENGA, 1948); foi muito festejado na Casa de Nagô, como
recem também destaque os de Dom Luiz Rei de França, de registrado por Pierre Verger em 1948 (VERGER, 1982); e é ho-
São Raimundo Nonato, de Santa Rosa de Lima, todos esses menageado com grande pompa no Terreiro de Iemanjá, aberto
também associados a alguma entidade recebida em transe nos em 1956 pelo saudoso Jorge Itaci (OLIVEIRA, 1989).1 Repassa-
terreiros da capital e do interior. Nesse ano de 2011, o Boletim mos a seguir uma biografia de São Luis IX disponibilizada em
de Agosto da Comissão Maranhense de Folclore repassa infor- Paulinas Online: www.paulinas.org.br.
mações disponibilizadas na internet sobre São Luis IX, feste-
jado no dia em que vários terreiros da capital realizam a festa Luís IX, rei da França, nasceu no dia 25 de abril de 1215, no
de Dom Luis Rei de França. castelo real de Poissy. Era filho de Luís VIII e de Branca de Castela,
ambos piedosos e zelosos, que o cercaram de cuidados, especialmen-
O Boletim 50 reúne artigos sobre a cultura popular tradi-
te após a morte do primogênito. Trataram pessoalmente da sua
cional maranhense em São Luís e fora da capital, como os
educação e formação religiosa. Foram tão bem sucedidos que Luís
artigos sobre Festa do Divino em Pinheiro, de Aymoré Alvim, IX tornou-se um dos soberanos mais benevolentes da história, um
e a primeira parte do trabalho de Pedro Mendengo Filho sobre fervoroso cristão e fiel da Igreja.
Chegança, que continua no próximo Boletim. Traz também Com a morte prematura do seu pai em 1226, a rainha, sua mãe,
algumas matérias sobre manifestações culturais que estão de- uma mulher caridosa, de grandes dotes morais, intelectuais e
saparecendo ou que estão quase desaparecidas no estado, como espirituais, tutelou o filho, que foi coroado rei Luís IX, pois ele era
o costume tão recorrente no passado entre as jovens da capital muito novo para dirigir uma Corte sozinho. Tomou as rédeas do
de organizar álbuns de recordação, reunindo pensamentos, poder e manteve o filho longe de uma vida de depravação e de
poesias e mensagens de suas amigas, amigos e de admiradores, pecado, tão comum das cortes. Mas Luís, já nessa idade, possuía as
virtudes que o levaram à santidade - a piedade e a humildade -, e que
relembrado por Zelinda Lima no texto em que disponibiliza
o fizeram o modelo de “rei católico”.
fragmentos daquele seu precioso livro.
Em 1235, casou-se com Margarida de Provença, uma jovem prin-
Nesse mesmo número do Boletim João Paulo Soares Juni- cesa, que, assim como ele, cultivava grandes virtudes. O marido
or e Leandro Silva, em artigo sobre o chargista e cronista João reinou com justiça e solidariedade. Possuía um elevado senso de
Afonso do Nascimento, trazem para os nossos dias desenhos piedade, incomum aos nobres e poderosos de sua época. Tinha
que, na segunda metade do século XIX, ilustraram jornais e coração e espírito sempre voltados para as coisas de Deus, lia com
obras de escritores maranhenses. Foram também incluídos freqüência a Sagrada Escritura e as obras dos santos Padres e
nesse Boletim um artigo de Giovani Gonçalves que mostra a aconselhava-as a todos os seus nobres da Corte. Com o auxilio da
influencia da religião afro maranhense em terreiros da Paraí- rainha, fundou igrejas, conventos, hospitais, abrigos para os pobres,
ba e a sua adaptação ao contexto religioso tradicional daquele órfãos, velhos e doentes. O casal real teve dez filhos, todos educados
como eles e por eles. E o resultado dessa firme educação cristão
estado. Integra também o Boletim 50 da CMF um artigo so-
foram reis e rainhas de muitas cortes, que governaram com sabedo-
bre cangaço, do migrante norteriograndense - Raimundo Ro-
ria, prudência e caridade.
cha, que mostra a importância daquela temática para aquele Depois de ter adquirido de Balduíno II, imperador de Constanti-
segmento da população maranhense. nopla, a coroa de espinhos de Cristo, que, segundo a tradição, era a
Domingos Vieira Filho, em trabalho sobre o “culto vo- mesma usada na cabeça de Jesus, ele mandou erguer uma belíssima
duo” do Haiti, chama atenção para alguns pontos em comum igreja para abrigá-la numa redoma de cristal. Trata-se da belíssima
entre a religião de matriz africana do Haiti e a Mina jeje do Sainte-Chapelle, que pode ser visitada em Paris.
Maranhão que, como aquela, tem matriz africana predomi- Acometido de uma grave doença, em 1245 Luís IX quase morreu.
nantemente daomeana. Esse tema poderá ser muito impor- Então, fez uma promessa: caso sobrevivesse, empreenderia uma cru-
tante nos próximos anos, uma vez que a migração de haitia- zada contra os turcos muçulmanos que ocupavam a Terra Santa.
Quando recuperou a saúde, em 1248, apesar das oposições da Corte,
nos para o Brasil tem se intensificado desde o terremoto que
cumpriu o que havia prometido. Preparou um grande exército e, por
assolou aquele país em janeiro de 2010.
várias vezes, comandou as cruzadas para a Terra Santa. Mas em
No Boletim 50, a Comissão Maranhense de Folclore, con- nenhuma delas teve êxito. Primeiro, foi preso pelos muçulmanos,
tinuando seu trabalho de divulgação de teses, dissertações e que o mantiveram no cativeiro durante seis anos. Depois, numa
monografias sobre a cultura popular maranhense, fornece o outra investida, quando se aproximava de Tunis, foi acometido pela
resumo de seis monografias de conclusão do curso de gradua- peste e ali morreu, no dia 25 de agosto de 1270.
ção – Ciências Sociais, História, Teatro e Turismo. Em notici- Os cruzados voltaram para a França trazendo o corpo do rei Luís
as foi dado destaque no Boletim a eventos e a lançamentos de IX, que já tinha fama e odor de santidade. O seu túmulo tornou-se
obras de pesquisa realizados recentemente em São Luís. um local de intensa peregrinação, onde vários milagres foram obser-
O Boletim 50 da CMF termina com o perfil popular de vados. Assim, em 1297 o papa Bonifácio VIII declarou santo Luís
Isabel Mineira, afamada mãe-de-terreiro de Cururupu, que IX, rei da França, mantendo o culto já existente no dia de sua morte.
(Acessado em 10/12/2011).
durante muitos anos realizou no mês de agosto a festa de
Santa Rosa de Lima, associada a Rosinha – encantada recebi- 1 Referências Bibliográficas: ALVARENGA, O. Tambor de Mina e Tambor
da por ela em transe mediúnico com muito orgulho. de Crioulo. São Paulo: Biblioteca Publica Municipal, 1948; OLIVEIRA, J.
Orixás e Voduns nos terreiros de Mina. São Luís: VCR, 1989; VERGER,
P. 50 anos de fotografia. Salvador: Corrupio, 1981.
Boletim 50 / agosto 2011 3

ÁLBUNS DE RECORDAÇÃO
Zelinda Lima2

O
hábito de trocar frases, decla então adolescente
rações de amor, apreço e ami José Nascimento
zade é comum entre adoles- Moraes Filho, que
centes. Hoje, vendo o intenso relacio- viria mais tarde
namento estabelecido pelos meus ne- afirmar-se como um
tos com seus amigos via internet, refli- importante intelec-
to que esse hábito decorre de uma ne- tual e poeta de nos-
cessidade humana antiga: relacionar-se, sa terra.
estabelecendo laços. Colocar em práti- Hoje, amarela-
ca a máxima filosófica que diz sermos dos, os cadernos são
todos animais sociáveis. lembranças de um
Lembro, com satisfação, de um im- tempo que se foi, mas
portante meio de relacionamento ado- são também conexão
tado pelos adolescentes de minha épo- com a era atual, mos-
ca: os cadernos de recordações. Falo de trando que sentimen-
uma adolescência vivida na São Luis tos como amor e ami-
dos anos 40, tempo em que, efervescen- zade nunca envelhe-
te, fazendo pulsar todas as linguagens cem, encontrando sem-
artísticas simultaneamente. Fomos ado- pre uma forma de se
lescentes embalados por poemas, peças reinventar e sobreviver.
teatrais, exposições de pintura e tantas
outras “artes” que inventávamos nos grê- Livro de Recordação de Zelinda Lima - 1942-1965.
mios recreativos e sociedades culturais Páginas de Nascimento Morais3
existentes em praticamente todos os co-
Um álbum de pensamentos e idéias, de conceitos e reminiscências ou lembranças é
légios da cidade. Além disso, reuniamo- relíquia que com o tempo mais se estima. Se a grafologia expressa traços da psicologia
nos todos os finais de semana para dis- individual, o álbum é uma excelente coletânea de caracteres e de temperamentos. Pro-
cutir assuntos diversos, divagando sobre miscuamente se encontram em suas paginas coletivadas instintos revelados pela frase
antigos e novos valores sociais e cultu- elegante e ternas os sentimentos profanados pelo coração. E mais: quem o lê com aten-
rais, pintura, política ou simplesmente ção certo reconhecerá que em cada uma de suas paginas está em síntese um romance ou
para tocar piano, declamar poesias, fes- um poema vivido ou sentido em tempos passados, nunca jamais esquecidos e que se
tejar a vida, a juventude e a amizade. transmudam na personal saudade, companheira fiel e amiga sincera dos que fazem do
Como forma de selar essa amizade é sofrimento a beleza do poente e a policromia do horizonte derradeiro...
que costumávamos cultivar os precio-
sos álbuns ou cadernos de recordações. Alvorada da Glória Horizonte Vesperal
Havia dois tipos mais comuns: aquele Ao espírito sonhador de Zelinda Á Zelinda
em que guardávamos autógrafos de ído-
Escuta!.. Escuta as eclosões bravias Bradou-me um dia uma visão: “Avante!
los, autoridades ou artistas famosos que Que no horizonte rubro destes vasos O teu caminho a luz apoteosa!
por São Luís passavam, já que nossa Flutuam... bailam como sons imensos A Glória te acompanha, parte, Atlante...”
cidade integrava o roteiro de turnês ar- De escalas sensuais de melodias. (E olhando a plaga elísea e esplendorosa):
tísticas internacionais; e os dedicados
às mensagens trocadas entre amigos, Olha!.. Olha as labaredas de harmonias O azul é o teu troféu; ergue-o, triunfante,
onde um declarava ao outro sua per- Que entre clarões de ritmos dispersos No pedestal de um coração. Desposa
cepção, carinho e, por que não, amor. Estortigam, lambendo os universos A rútila Conquista do Levante
Na alvorada da glória dos meus dias! Do sonho de teus dias!” Dolorosa
Era ali que muitas vezes começava um
flerte que poderia avançar para um Então, verás na ardência dos lampejos, Jornada, então, rompí; do ritual
namoro. Lembro de amigas que vive- E no sangue da flama voluptuosa Do amor aceito e cumpro a férrea lei,
ram histórias de amor começadas na Meu coração em cósmicos apelos Buscando-te na altura alcantilada!
troca de mensagem nestes cadernos.
Geralmente os cadernos eram cultiva- Que vibrando, qual nota de desejos, Mas... és meu horizonte vesperal,
dos pelas moças, ficando os rapazes na Pulsa, crepita, exulta e apoteosa Onde assim como o sol eu morrerei
Sobre a clave de sol dos teus cabelos! Na cósmica ilusão de outra alvorada!
disputa para escrever nos mesmos. Tam-
bém ali já despontavam talentos. Um Nascimento Morais Filho José do Nascimento Morais Filho
dos meus álbuns guarda poemas do

2 Pesquisadora de Cultura Popular e autora dos livros Pecados da gula: comeres e beberes da gente do Maranhão, Rezas, benzimentos e orações: a fé do povo e
outros. Membro Titular da Comissão Maranhense de Folclore.
3 José do Nascimento Morais Filho – professor, poeta, jornalista e folclorista maranhense falecido, participante do Modernismo no Maranhão
(WWW.antoniomiranda.com.br – acesso em 12/01/2012).
4 Boletim 50 / agosto 2011

“CHICA BAIANA PASSEANDO EM TERRA ALHEIA”: PRESENÇA


DA MINA MARANHENSE EM TERREIROS DE JOÃO PESSOA4
Antonio Giovanni Boaes Gonçalves5

maranhense que se transferiu para a capi-


INTRODUÇÃO
tal paraibana no final da década de 60. Em-
a cidade de João Pessoa, predominam bora já tivesse contato com a religião Mina
N no campo das religiões afro-brasilei- em São Luís, quando chegou a João Pes-
soa, não era iniciado em nenhuma deno-
ras, a Umbanda e o Candomblé. A Umban-
da é aqui entendida como um misto de ca- minação das religiões afro-brasileiras. O
tolicismo popular, kardecismo, herança afri- processo de sua iniciação começou em João
cana dos orixás e os rituais da Jurema Sa- Pessoa, quando um pai de santo chamado
grada. O Candomblé é mais recente que a Saulo Alcoforado, de Recife, filho espiritu-
Umbanda, tendo chegado a João Pessoa, al de mãe Beata, convenceu-lhe a entrar na
mais ou menos, a partir da década de 80, no religião. Uma vez “feito no santo”, na Um-
fluxo do movimento de dessincretização e banda com nagô, abriu o seu terreiro e co-
(re) africanização iniciado na Bahia duran- meçou a realizar os rituais para os orixás e
te a década de 70 do século passado, por Jurema. Foi a partir de então, que sempre
algumas mães de santo baianas. indo a São Luís, iniciou-se na Mina mara-
Até a década de 60, o campo em ques- nhense, passando pelos terreiros de Jorge
tão, não se apresentava como campo pro- de Itacy, no bairro da Fé em Deus, e pelo de
priamente dito (BOURDIEU, 1999). Exis- Mãe Diquinha no bairro do Maiobão.
tiam pessoas isoladas trabalhando em me- Com a iniciação na Mina completada,
sas de curas, também chamadas mesa bran- este pai de santo passou a cultuar as enti-
ca ou mesa de jurema, conforme registra- dades do panteão da Mina, referido como
religiosa construída na Bahia, em uma pe-
do pela Missão Folclórica Paulista, em 1938, o povo das águas. É neste terreiro que os
quena cidade chamada Tucano. Lá foi ini-
quando visitaram a Paraíba (CARLINI, elementos da Mina se encontram com a
ciada por uma mãe de santo, tanto no Ori-
1993). Em torno dos organizadores dessas Umbanda e a Jurema. Ele é a porta princi-
xá como na Jurema, que (segundo mãe Ma-
mesas, se articulavam algumas pessoas que pal de entrada da “encantaria” nas terras
rinalva) teria sido filha de escravos e paren-
ajudavam e participavam dos rituais, nada, pessoenses.
te carnal de mãe Menininha do Gantois.
entretanto, que lembrasse as organizações Há outro registro a ser mencionado: o
Isso ocorreu na década de 40, quando a hoje
e hierarquias dos terreiros de hoje. A par- terreiro de Candomblé Ilê Ajaguna Axé Odó
ialorixá Marinava Amélia, ainda era adoles-
tir, portanto, desta década, o campo come- Tí Fadaka de um pai de santo iniciado no
cente. Embora seja paraibana da cidade de
ça a ganhar feição própria; surgem os pri- Candomblé, em São Luís, pelo famoso pai
Serra Branca, viveu na Bahia dos 2 aos 20
meiros “centros” registrados como associa- de santo Euclides de Liçá. Neste caso, des-
anos de idade. Em 1955, mudou-se para João
ções e começam a se realizar rituais aber- taca-se que esse encontro ocorre de forma
Pessoa onde começou a desenvolver seus
tos, com acompanhamento de tambores transversal, uma vez que o referido pai de
trabalhos na religião. Em 1960, fundou o
(elus/bombos), prática proibida até então.
Centro de Umbanda Ogum Beira-Mar, co- santo foi a São Luís para ser iniciado so-
Em 1966, o governador João Agripino pro-
locando em prática os conhecimentos e ri- mente no Candomblé. Candomblé levado
mulgou a primeira lei referente à matéria:
tuais aprendidos na Bahia. de Recife por pai Euclides (FERRETTI,
a Lei Estadual 3.443 de 6 de novembro que,
Registramos a existência de um terrei- 2000, p 37), mas que de alguma forma, car-
no seu Artigo 1º, torna “livre o exercício
ro que começou na Umbanda e depois rega marcas, ainda que tênues, da Mina
dos cultos africanos em todo o território
mudou para o Candomblé, no início da maranhense.
do Estado da Paraíba, observadas as dispo-
década de 70. Sua titular, Mãe Beata, foi Portanto, neste artigo, falaremos do
sições constantes desta lei”.
As principais influências sobre o emer- confirmada por um pai de santo baiano. O encontro da Mina maranhense com outras
gente campo vieram, sobretudo, de Recife, terreiro tornou-se importante e muito re- denominações no campo religioso afro-pes-
cujos principais representantes foram quisitado por políticos influentes da cida- soense. Focalizaremos os desdobramentos
Mario Miranda (Mario Maria Aparecida) – de, tendo funcionado até a morte da sua desses encontros depois de transcorridas
tendo sido, salvo engano, o primeiro a ini- titular.6 três décadas, a contar de sua ocorrência
ciar filhos em João Pessoa –, Zé Romão e Paralelamente, outro pai de santo (Gil- inicial. Destacamos as formas de adapta-
Pai Edu. Os três praticantes da Umbanda berto de Ogum) que já havia sido iniciado ções e ressignificações presentes nos ritu-
com nagô. na Umbanda com nagô, por Mario Miran- ais. Delineado como estudo de campo e
Outra linha de influência veio da da, também mudou para o Candomblé, ao pesquisa exploratória, o material para a aná-
Bahia, trazendo elementos tanto da Um- ser iniciado por uma mãe de santo carioca lise foi construído a partir de entrevistas
banda quanto do Candomblé. O primeiro que veio a João Pessoa com esta finalidade. com pais e mães de santo dos dois terreiros,
terreiro a funcionar como associação re- No geral, a influência predominante além da observação participante. Na dire-
gistrada e a tocar elus, foi fundado em 1960 orienta-se para Recife, Bahia e Rio de Ja- ção do estudo, propomos que em João Pes-
na chamada Enseada, hoje o bairro nobre neiro. Do Norte, nesse momento, nada re- soa, a Mina maranhense não se afirmou
de Tambaú. A mãe de santo, que reivindica gistramos. Os primeiros registros da Mina autonomamente; torna-se, aos poucos, uma
o título de pioneira das religiões afro-brasi- maranhense ocorreram com a abertura de linha de caboclos dentro da Jurema; e no
leiras em João Pessoa, teve a sua história um terreiro no bairro da Torre por um Candomblé, sua presença é secundária.

4 Apresentado em Salvador, no Congresso Luso-Afro-Brasileiro, de 7-9/8/2011.


5 Prof. do DCS/PPGS/Universidade Federal da Paraíba; giboaes@ig.com.br
6 Mãe Beata de Iemanjá, cujo nome verdadeiro é Maria Barbosa de Souza, nasceu em 1922 e faleceu em 1989.
Boletim 50 / agosto 2011 5
CONTINUAÇÃO

sa Tenda Espírita de Umbanda Rainha Ie- dizada. A sua identificação com a umban-
A MINA MARANHENSE E A
manjá, na cidade de Codó, regido pelo no- da é tão forte que, na prática, são tidas como
UMBANDA/JUREMA
nagenário babalorixá Bita do Barão. sinônimos. Assim, um ritual de Jurema não
Apesar de a Mina-jeje, representada se diferencia muito, pela estrutura, do ri-
Mina ou Tambor de Mina é a denomi-
pelo modelo da Casa das Minas, ser vista tual dos orixás. Foram assimilados à Jure-
nação genérica dada às manifestações reli-
como referência principal para o Tambor ma: exus e pombagiras; o processo de reco-
giosas afro-brasileiras ao Norte do Brasil.
de Mina, é, contudo, com o modelo da lhimento, sacrifício, assentamentos e fes-
São Luís é sua referência geográfica. Cida-
Mina-nagô, ligado à Casa de Nagô que a tas de apresentação nos processos iniciáti-
de onde dois grandes terreiros se destaca-
denominação mais se identifica, tanto no cos, além da roda de santo (gira), o tambo-
ram como centros de culto aos voduns je-
Maranhão como no Norte do país. Sua res (elus), os cânticos, pontos riscados, os
jes, orixás iorubanos e entidades caboclas
principal característica é a abertura para trabalhos mágicos (linhas de direita e es-
de diversas origens: a Casa Grande das Mi-
outras entidades e ritos. Na Casa de Nagô, querda) etc. Por outro lado, as mesas de Ju-
nas, que, segundo Verger (1990), foi funda-
além dos orixás, cultuam-se os voduns je- rema vão desaparecendo, restando sua re-
da por uma rainha-mãe do Dahomé (atual
jes, os gentis (fidalgos), gentilheiros, meni- miniscência na chamada Jurema de chão.
República do Benin), levada para São Luís
nas e uma miríade de caboclos cujas princi- A bebida da Jurema vai se tornando cada
como escrava, e a Casa de Nagô. Hoje, en-
pais linhas são da água salgada (os turcos), vez mais simbólica.
tretanto, para falar de Mina maranhense
da mata (Codó) e os da água doce (cura).8 No ritual de Jurema batida (com toque
devemos considerar que o modelo das ca-
A Umbanda, em João Pessoa, caracteri- de elu e roda de santo), começa-se com a lou-
sas matrizes já não é suficiente para expli-
za-se pelo culto aos orixás e entidades diver- vação a Exu, em seguida louva-se Pombagi-
car a diversidade que a palavra abrange.
sas do panteão umbandista, matizados lo- ra, entidades muito prestigiadas nesses ritu-
É importante destacar que a Mina se
calmente. Nela podemos perceber nitida- ais. Logo depois, eles são despachados. Abre-
diferencia bastante das outras denomina-
mente elementos da “síntese refletida”, con- se, então, a gira pedindo permissão aos san-
ções afro-brasileiras, seja na organização das
forme disse Ortiz (1999). Estão presentes os tos católicos, orixás (especialmente a Oxós-
entidades em complexas famílias de paren-
elementos africanos (desafricanizados e rea- si), pretos-velhos ou outras entidades. Faz-se
tesco, nas relações das famílias (voduns,
fricanizados ao mesmo tempo), católicos, a louvação à Jurema com o corpo vergado e
orixás, gentis, gentilheiros, guias, caboclos,
kardecistas e da cultura popular. Podemos os joelhos no chão. Começam, então, as lou-
meninas, espíritos) entre si e das entidades
divisar nitidamente dois lados da Umbanda vações para as entidades: caboclos (de pena,
com os santos católicos, seja na pouca prio-
em João Pessoa. Um, no qual se cultuam os índios, pajés, caboclinhas); mestres (boiadei-
ridade dada aos sacrifícios de animais. Ou-
orixás baianos, em número de 12 (Exu/Pom- ros, Zé Pelintra e uma infinidade de “zés”),
tra característica que se destaca é o fato de
bagira9, Ogum, Ossaim10, Oxossi/Odé, Oba- mestras (com nomes pessoais. Algumas fo-
os caboclos pouco se associarem a espíritos
luaê/Omulu, Nanã, Xangô, Oxum, Iansã, ram pombagiras, outras ciganas ou caboclas
de índios, os antigos moradores da terra:
Ibeji, Iemanjá, Oxalá). O ritual é celebrado que se tornaram mestras), pretos e pretas
Os caboclos, além de serem antigos na em português, língua usada também pelas velhas, baianas (pouco se fala em baiano). As
Mina, há muito deixaram de ter vida terre- entidades; são oferecidos diversos tipos de crianças aqui baixam como caboclinhos (as).
na. No Tambor de Mina, eles não são índi- sacrifícios, incluindo os de sangue, e os ritu- O povo cigano não é regularmente cultua-
os, embora tenham, geralmente, alguma ais centram-se no transe e na possessão. do; normalmente, eles são associados a pom-
relação com eles. De acordo com a mitolo- Entre os adeptos, esse lado é visto como o bagiras ou exus ciganos.
gia, são brancos europeus, turcos (mouros) mais nobre, o mais puro e o que pede mais Conforme salientou Boaes (2009), es-
e crioulos, de origem nobre ou popular que respeito, pois os orixás estão associados di- ses dois lados, apesar de conviverem no
entraram na mata ou na zona rural, ou ain- retamente ao panteão de santos católicos, mesmo espaço, são mantidos separados. Há
da que, renunciando ao trono e à civiliza-
incluindo o próprio Jesus Cristo e o Deus uma preocupação entre os adeptos da Um-
ção, aproximaram-se da população indíge-
na, miscigenando-se com ela e distancian-
Supremo ou ligados aos deuses Africanos. banda em não misturar diretamente os ori-
do-se dos padrões de comportamento das O outro lado refere-se à Jurema, que – xás com a Jurema (há algumas exceções).
camadas dominantes. São também, em dito por muitos e difundido como uma es- Assim, em gira de orixá, não se louva e não
menor escala, índios ‘civilizados’ (acabo- pécie de mito fundador – é uma manifesta- baixam entidades da Jurema. Da mesma
clados) ou miscigenados, recebidos na Mina ção genuinamente paraibana da cidade de forma, nos rituais de Jurema, os orixás não
como caboclos. (FERRETTI, 2000, p.86) Alhandra. O que percebemos, entretanto, arreiam diretamente, apesar de serem lou-
é que o que se designa por Jurema não é vados, especialmente Oxóssi, conhecido
De forma geral, na Mina, podemos dis- simplesmente a “ciência dos mestres”, que como o patrono da Jurema devido a sua
tinguir três grandes eixos além de várias ori- em tempos passados, comandava rituais de relação com as matas. Oxóssi se manifesta
entações mais difusas, nas quais se combi- mesa de Jurema com forte inspiração kar- na Jurema através de seus mensageiros, os
nam elementos das três. São elas: Mina-jeje, decista, do espiritismo popular e do catoli- caboclos. Dizem que o culto aos orixás é
Mina-nagô e o Tambor da Mata ou Terecô. cismo popular. Também não é o ritual indí- limpo, ao passo que na Jurema predomi-
Este último também identificado como a gena do culto à árvore da jurema, na qual se nam a cachaça e a fumaça.
linha de Codó7. Além disso, o campo religio- bebia uma infusão das partes dela (especial- A porta de entrada para a Mina em João
so afro-brasileiro no Maranhão não se limi- mente das raízes) para entrar em transe e pessoa foi o Terreiro Afro Ogum de Malê,
ta à Mina. Há terreiros que seguem o mode- propiciar o encontro com o mundo dos fundado na década de 70 e funcionou até
lo do Candomblé baiano e do Xangô per- invisíveis. A Jurema que é praticada hoje, 2010, quando seu titular – pai Moraes –
nambucano, além daqueles que se umban- embora preserve elementos das mesas dos resolveu fechá-lo por motivos de saúde. En-
dizaram há algumas décadas, como a famo- mestres e do ritual indígena, está umban- tretanto, o fechamento do terreiro matriz

7 Cidade maranhense localizada a 292 quilômetros da capital São Luís. É considerada importante pólo das religiões afro-maranhenses.
8 “Na Mina, as entidades caboclas são também agrupadas em ‘linhas’ de água salgada, da mata, da água doce e do astral (por domínios da natureza). A linha de
água salgada é considerada a mais antiga e a verdadeira linha de Mina. A ela pertencem todas as entidades caboclas que, como os voduns e os gentis, vieram
de terras distantes e civilizadas, pelo mar, e que têm origem nobre (como os turcos)” (FERRETTI, 2000, p. 81).
9 Sobre Pombagira, muita polêmica se desdobra. Alguns pais de santo a admitem na gira dos orixás, enquanto outros não a aceitam.
10 Na maioria dos terreiros frequentados (Umbanda), este orixá não faz parte do xirê; entretanto, ele figura entre os doze, porque, em alguns terreiros, por ocasião
da feitura de filhos, ele recebe oferendas e no dia da apresentação pública é o primeiro a sair com o iniciando.
6 Boletim 50 / agosto 2011

CONTINUAÇÃO

não fez desaparecer a Mina em João Pes- tidades caboclas que irradiam (“focalizam”) assim, a cabocla Mariana ainda atende al-
soa, pois, pelo menos dois ou três filhos fei- alguns dos dançantes. No geral, os encan- gumas pessoas, mas seu trabalho é só de
tos por pai Moraes continuam realizando tados que baixam no terreiro de pai Mora- iluminação e de banhos. Pai Moraes disse
os rituais do povo das águas. es e dos seus filhos, pertencem às famílias que, por causa disso também, não iniciou
Pai Moraes (José Raimundo Moraes do Rei da Turquia, de Légua Boji e da Baía. nenhum filho na Mina em João Pessoa,
Araujo) nasceu na pequena cidade da bai- Segundo pai Moraes, o fato de louvar pois os axés são diferentes. Sobre isso, veri-
xada ocidental maranhense, chamada Be- apenas os caboclos e não as outras entida- ficamos uma contradição a partir do que
quimão. Ainda criança, mudou-se para São des, deve-se à falta de suporte material e nos informou mãe Dilene, pois, segundo
Luís, onde completou seus estudos, tendo mesmo espiritual para cultuar voduns e ela, além dela mesma, pai Moraes iniciou
concluído o curso científico em importan- orixás12. Assim, os toques de Jurema são mãe Iolanda (primeira mãe pequena do ter-
te escola maranhense, o Centro Caixeral mais adequados para se cultuar o povo das reiro), pai Léo (filho carnal de mãe Dilene)
Benedito Leite. Aos 18 anos, casou-se com águas, porque no toque de orixá, a “panca- e Josy (neta de santo, filha de mãe Zefinha).
uma paraibana, que seria, dez anos mais da” (a batida dos tambores) teria que ser Compreende-se, contudo, que, ao dizer que
tarde, responsável por sua transferência diferente. Além disso, teriam que ser invo- não havia iniciado ninguém na Mina em
definitiva para a cidade de João Pessoa, em cados Dom Manuel, Dom Rei Sebastião, João Pessoa, não é o mesmo que dizer que
1969. Em São Luís, morando no bairro Dom Luís Rei de França (Gentis) e Tom- não tenha “assentado” entidades na Mina.
Monte Castelo, onde nas proximidades se bossa (Oxum), Badé (Xangô), Barba Soeira Na verdade, como pudemos notar, os “as-
localiza um importante terreiro de Mina, o (Iansã) e outros voduns. Acrescenta ainda sentamentos” eram feitos no processo de
Terreiro de Yemanjá, do já falecido pai de que a religiosidade na Mina é a toda prova, iniciação da Jurema. Mãe Dilene nos disse
santo Jorge de Itacy (Jorge Babalaô), pai ou seja, há muitas exigências que não exis- que as entidades da Mina só podem ser as-
Moraes relata que, mesmo não gostando tem na Umbanda. Por exemplo, antes do sentadas se o adepto já tiver dado obriga-
da religião, certa vez foi tomado de sobres- toque, é preciso que se faça uma procissão ção completa na Jurema (se iniciado em
salto por uma entidade enquanto dormia em volta do terreiro, pedindo permissão a todas as linhas da Jurema, dos exus/pom-
e, por último, inconsciente, foi aparecer Liçá (Oxalá), e, antes de entrar no terreiro, bagiras aos pretos e pretas velhas, passando
neste terreiro durante um toque.11 todo filho deve se dirigir às seções de ba- pelos caboclos (as), mestres(as) e baianas).
Mas a sua iniciação na religião afro-bra- nho localizadas nas laterais. Lá deve tomar Isto nos indica que o “povo da Mina”, aos
sileira veio ocorrer mesmo quando já estava um banho normal, depois banhar-se com poucos, vai se transformando em uma li-
residindo em João Pessoa. Nesta cidade, co- águas de cheiro, trocar toda a roupa do dia- nha a mais dentro do panteão da Jurema.
nheceu um pai de santo, que, embora tives- a-dia pela roupa de santo (branca) e entrar Sobre os “assentamentos”, destacamos
se terreiro na cidade de Recife, era filho de no quarto do segredo (peji), firmar seus uma divergência entre as informações da-
santo de Mãe Beata de João Pessoa. Em Re- guias, botar seu cordão no pescoço e só das por pai Moraes e as fornecidas por mãe
cife, em 1969, recebeu o bori e, sete anos então estará pronto para o toque. Exigên- Dilene. Segundo o primeiro, na Mina não
depois, recebeu o iaô, concluindo a sua con- cias que o povo da Umbanda não está acos- há “assentamento” como há na Jurema e
firmação no orixá. Lá também, entre o bori tumado. Seria ainda muita temeridade ba- no Orixá, ou seja, com alguidar e pedra; no
e o iaô, foi iniciado na Jurema. A partir daí, ter para os voduns, pois se trata de uma seu lugar se colocam apenas os príncipes e
pôde abrir o seu terreiro, que, como muitos energia muito pesada e limpa para ser sus- princesas, isto é, copos e taças cheias d’água
em João Pessoa, diz-se Umbanda com nagô; tentada sem outras pessoas suficientemen- que permanecem no peji da Jurema. Para a
desenvolvendo rituais para os orixás e para a te preparadas para tal. segunda, o assentamento é feito em algui-
Jurema em dias separados. A diferença, en- Tudo indica que pai Moraes escolheu dar com a pedra. Aliás, informou que a ca-
tretanto, em relação aos demais, é que pas- apenas aqueles elementos da Mina consi- bocla Mariana possui dois assentamentos,
sou a cultuar o povo das águas do panteão derados menos poderosos, ainda que mui- um que foi feito por pai Moraes, em João
da Mina maranhense, na qual também foi to populares – os caboclos – para cultuar Pessoa, e um feito por mãe Diquinha, em
iniciado em São Luís. na Jurema, considerando as limitações men- São Luís. Pai Moraes, ao “assentar” a cabo-
No terreiro de pai Moraes, a Mina en- cionadas: falta de abatás (tambores com cla Mariana para mãe Dilene, devido às li-
trou pela porta da Jurema e não pelo culto duas membranas tocados sobre um cavale- mitações já mencionadas, não conseguiu
aos orixás. O povo das águas se tornou hós- te ou entre as pernas, dependendo da linha estabelecer a ligação ideal entre a entidade
pede da Jurema. Segundo este pai de santo, a ser louvada); abatazeiros (ogãs) conhecedo- e a filha. Por isso, quando a entidade vinha,
e, conforme pudemos constatar nos diver- res dos toques específicos da Mina; alguns maltratava-lhe muito, primeiramente por-
sos rituais que observamos, apenas algumas ritos específicos que não poderiam ser fei- que não se manifestava como cabocla, mas
entidades do complexo panteão “mineiro” tos aqui, como os banhos propiciatórios, como sereia, arrastando-se no chão e “esba-
são cultuadas em João Pessoa: os caboclos, uma vez que não há, em João Pessoa, as er- queando” a matéria. Neste assentamento,
que como já dissemos anteriormente, são vas utilizadas na sua preparação; e, em senti- havia um alguidar, uma pedra e outros ob-
distintos dos caboclos cultuados na Jurema, do mais geral, falta de pessoal com conheci- jetos, como moeda, flores etc. Por causa
ou seja, espíritos de índios. Assim, os outros mentos de doutrinas, rezas e demais elemen- dessa deficiência, mãe Dilene precisou ir a
do panteão “mineiro” (voduns-jeje, gentis tos ritualísticos da Mina maranhense. São Luís para ser iniciada na Mina. Esteve
(fidalgos) e gentilheiros) não são cultuados. Algumas destas dificuldades também lá três vezes. Na última, lá permaneceu oito
Pai Moraes incorporava no terreiro, estariam na base das limitações que impe- dias, quando a sua iniciação foi concluída.
Seu Tapindaré (seu guia, a quem se refere dem as entidades da Mina de prestarem Mãe Diquinha, tomada por Chica Baiana
como vodun), Legua Boji, Corre-Beirada, assistência aos adeptos e ou clientes no dia- foi quem realizou o ritual numa praia, pois
Seu Banzeiro e outras entidades cujos no- a-dia. Segundo mãe Dilene, a linha da Mina a iniciação não ocorre dentro do terreiro,
mes não se recorda mais. A mãe pequena – trabalha muito com cura, mas para isso, precisa-se ir para o mar, lugar da encanta-
Mãe Dilene – é guiada pela cabocla Maria- precisa de elementos típicos do Maranhão, ria, onde vive o povo das águas, o povo da
na, também referida como sua coluna mes- por exemplo, o espinho de tucum13, a rosa baía. Lá a entidade é invocada e assentada.
tra. Baixam ainda, caboclo Louro, Maria verde, e outros da fauna e flora maranhen- A “neófita” é submetida a uma série de “tes-
Rita e Mãe Joana, irmãs de Mãe Chica (Chi- se, como o óleo de copaíba e de piqui que tes” para saber se a possessão é verdadeira;
ca Baiana), Seu Maresia e várias outras en- antes não existiam em João Pessoa. Mesmo só então, retorna-se ao terreiro para reali-

11 Para os padrões de classificação racial brasileira, pai Moraes pode ser considerado branco.
12 Aqui ele chama “orixás” os Gentis (fidalgos) como Rei Sebastião, Dom Luís, Dom Manuel etc.
13 Segundo relatou, uma vez comprou em uma casa local de produtos religiosos alguns espinhos como sendo de tucum; contudo, quando sua mãe de santo de
São Luís a visitou, constatou que eram falsos.
Boletim 50 / agosto 2011 7
CONTINUAÇÃO

zar as festas, onde a entidade “baila” a noi- do anti-horário – e começam os momentos Os tambores batiam, o povo cantava e
te inteira. No “assentamento” feito por mãe rituais endereçados a cada linha (nem sem- dançava e alguns se estremeciam. De repen-
Diquinha, há uma pedra escura, das praias pre todas são cultuadas no mesmo toque): te, pai Léo fez sinal pedindo silêncio. Lá de
de São Luís, e duas outras pedras recolhi- caboclos, mestres, pretos velhos, baianas, às dentro do peji, então, ecoou uma doutrina
das em João Pessoa, além de moedas, meda- vezes, louva-se o povo cigano. No dia em que cantada pela própria cabocla Mariana que
lhas, cordões e flores. há toque para o povo das águas, ocorre logo já estava em terra. As cortinas foram levan-
Segundo pai Moraes e mãe Dilene, nos depois que se canta para os caboclos da Jure- tadas e apareceu a grande homenageada:
processos de iniciação na Mina, não há sa- ma. Segundo pai Moraes, abre-se para o “...chegou Dona Mariana...”. Trajava um
crifícios de animais, apenas banhos de toda povo das águas cantando a doutrina: “Eu já belo vestido azul, branco-prateado, saia ar-
espécie e a toda hora. O animal é imolado dividi a terra, agora vou dividir o mar”. Ou mada como das baianas de escola de samba,
apenas para ser servido aos convidados du- seja, já foram saudados os caboclos da terra, no pescoço, um colar de pedras translúci-
rante as festividades; o sangue em si não é agora se passa a saudar os caboclos da Mina, das combinando com os brincos. O rosto
peça fundamental no ritual.14 da água salgada, as famílias da encantaria cuidadosamente maquiado, os cabelos pen-
Diante disso, pai Moraes afirma que maranhense que chegaram pelas “estradas” teados e amarrados. Na mão, segurava um
apenas ele e mãe Dilene são iniciados na (linhas) do mar. A partir desse momento, a maracá coberto com contas brancas for-
Mina, os outros possuem alguma entidade gira que era fechada, abre-se, ou seja, no lu- mando uma estrela de cinco pontas e al-
assentada, hospedada dentro da Jurema. gar do círculo em movimento, formam-se guns pingentes azuis e translúcidos. Can-
Deve-se ressaltar também, que a junção duas fileiras, uma de frente para a outra, tou, dançou, abraçou as pessoas. Dirigiu-
dos caboclos da Mina com a Jurema, dá-se separadas por um espaço livre, onde as enti- se a pai Léo, abraçou-o entregando-lhe o
ainda por existir algum nível de parentesco dades irão “bailar”. Os adeptos começam a se maracá; ele, então, estremeceu o corpo e
semântico entre eles: as mesmas palavras (“ca- deslocar para frente (para o centro do salão) recebeu o Menino Louro, um caboclo da
boclo”, “aldeia”, “guerreiros”) e instrumen- e para trás, numa espécie de dança que lem- família de Légua. Em pouco tempo, outros
tos (maracá), o trabalho com cura e as posi- bra bastante as coreografias do bumba-meu- caboclos e caboclas foram “arreando”.
ções hierarquicamente inferiores e mais boi do Maranhão. No salão, realizaram-se evoluções (dan-
populares que ocupam nos seus respectivos Os tambores permanecem os mesmos ça), a cabocla Mariana banhava-se com per-
conjuntos, o que os torna mais receptivos e utilizados anteriormente, a batida conti- fumes presenteados pelas pessoas, enquan-
flexíveis quanto aos seus preceitos rituais. nua a mesma da gira dos caboclos da Jure- to o Menino Louro distribuía comida para
A única vez em que ocorreu um toque ma. Nenhum instrumento específico da todos (peixe frito).
de Mina completo, “Mina pura”, em João Mina é acrescentado (cabaças ou aguês, O salão foi decorado com fitas e enfei-
Pessoa, segundo pai Moraes, foi no ano de agogô, ferrinho). Raríssimas vezes, pudemos tes nas cores azul e branco. Havia um mane-
2000, quando recebeu uma expedição de “mi- ver uma das participantes chacoalhando quim (tamanho de uma pessoa) vestido com
neiros” em seu terreiro: “Há uns dez anos uma cabaça grande coberta por uma rede roupa parecida com as da cabocla Mariana,
atrás, veio um terreiro todinho, veio um de contas. Há também pequenos maracás usava um turbante branco e na mão esquer-
ônibus cheio. Foi o terreiro de mãe Maria, feitos de cabaça, sacudidos por alguns adep- da, segurava um maracá. De cada lado dele,
do bairro do João Paulo, com todos os seus tos, coisa que também pode ocorrer na gira em tripés de metal, havia uma bacia de ágata
filhos de santo. Ficaram hospedados no ter- de caboclos da Jurema. com água cheirosa e, por trás, na parede, se
reiro, e lá fizeram um toque de Mina puro.” Na “festa” dedicada à cabocla Maria- estendia uma grande bandeira da Argenti-
Mãe Diquinha também esteve várias na17, para qual fomos convidados por mãe na.18 Mesas com frutas, comidas salgadas e
vezes em João Pessoa. A sua “coluna mes- Dilene, o toque desenrolou-se tal como des- doces (um bolo confeitado) e bebidas distri-
tra”, Mãe Chica, ou seja, Chica Baiana (bai- crevemos acima com poucas diferenças. Por buíam-se pelo salão. Havia sete recipientes
ana de baía e não da Bahia) foi quem con- exemplo, cantou-se para Exu e Pombagira de louça contendo, cada uma, um pombo
firmou tanto pai Moraes como Mãe Dile- de forma traçada (alternando, ora para um, sacrificado: cinco deles numa mesa de fru-
ne na Mina. Por intermédio dela, aconte- ora para outro). Depois que o povo da rua tas próximo ao peji, um próximo aos elus e
ceu o encontro entre a “ciência da Mina” e foi despachado, a Jurema foi aberta (não outro na entrada do salão. Na viga central
a “ciência da Jurema”. houve louvação com os joelhos no chão). de sustentação do telhado, foram colocados
Falemos agora do toque de Jurema no Começou-se cantando para os caboclos da em sequência, da rua para dentro: um imã
terreiro de pai Moraes. Deve-se ressaltar que Jurema, houve poucas incorporações. De- coberto por moedas; um pombo branco vivo;
nem em todo toque de Jurema, nesse terrei- pois de algum tempo, foi cantado ponto de uma espécie de cordão de contas amarelas,
ro, havia ritual para o povo das águas.15 Ini- despedida dos caboclos. Então, o pai de san- brancas e vermelhas; e um peixe de escamas
cia-se com as louvações a Exu, em seguida to anunciou que ia “abrir” para o povo das (uma tainha grande).
canta-se para Pombagira. Depois de algumas águas e entregou o microfone para mãe Depois de uma hora e meia, aproxima-
incorporações, estes são despachados. Abre- Dilene que cantou a toada de abertura (“Eu damente, bailando no salão, os caboclos co-
se a Jurema, cantando louvações que se refe- já dividi a terra, agora vou dividir o mar”). A meçaram a “subir”, deixando em terra ape-
rem à Jurema (árvore, cidade, entidade), tam- festa se desenrolou ao som da mesma bati- nas a cabocla Mariana. Pai Léo, já desincor-
bém a santos ou personagens da tradição da utilizada para os caboclos da Jurema. porado, aproximou-se da mesa onde estavam
judaico-cristã (Jesus Cristo, Salomão, São Em determinando momento, mãe Di- as comidas salgadas e doces, chamou a cabo-
José etc), mestres, caboclos, pretos e pretas lene entregou o microfone para outra pes- cla Mariana para ser homenageada. Todos
velhas.16 Uma vez aberta a Jurema, formava- soa e foi juntamente com pai Léo para den- cantaram os “parabéns pra você” e ele acres-
se a gira propriamente dita rodando em sen- tro do peji da Jurema. Ela estava se reco- centou que assim se fazia no Maranhão,
tido horário – ao contrário da maioria dos lhendo para incorporar e vestir a cabocla embora lá, houvesse mais coisas que em João
terreiros de Umbanda que giram em senti- Mariana, a grande homenageada. Pessoa não se podia fazer.
14 Contudo, mãe Dilene admitiu que, para a cabocla Mariana, ela sacrifica pombos; fato que pudemos constatar na festa de Mariana, onde sete pombos
sacrificados foram espalhados pelo salão.
15 Descreveremos apenas a Jurema batida (com tambores e gira de santo), pois nunca tivemos a oportunidade de observar uma Jurema de chão nesse terreiro.
16 Algumas vezes, antes de cantar o ponto de abertura, é feita a louvação com os joelhos no chão.
17 Este toque ocorreu no terreiro de pai Léo de Xangô, filho carnal de mãe Dilene e filho de santo de pai Moraes. Depois que pai Moraes fechou o seu terreiro em
2010, o terreiro de pai Léo passou a ser a nova referência (em atividade) para Mina em João Pessoa. Este terreiro está localizado em um bairro periférico, ocupando
um grande terreno que se estende de uma rua à outra. Na “rua de cima”, pai Léo mantém outro terreiro, de Candomblé ketu, denominação da qual também é
babalorixá; na “rua de baixo” está o terreiro de Umbanda onde ocorreu a “festa” da cabocla Mariana. Os dois terreiros são separados pela residência do pai de santo.
18 Interrogada sobre essa bandeira, mãe Dilene afirmou que ela representava a nação da cabocla Mariana, com suas cores azul e branco. Não sabemos se a
atribuição dessas cores à Mariana já é uma adaptação feita em João Pessoa, ou se vem do Maranhão; embora saibamos que lá, as cores da família do Rei da
Turquia, à qual Mariana pertence, são o verde, o amarelo e o vermelho.
8 Boletim 50 / agosto 2011

CONTINUAÇÃO

A impressão geral que ficou da festa é a ser assentada, é necessário que o filho já pai Euclides, embora levado de Recife, di-
sua semelhança com o chamado ritual de tenha Jurema completa – o que significa ferencia-se em muito da nação Ketu, por
“vestir o santo”, característico do candom- que aqueles são mais “nobres” que estes. ter incorporado elementos da Mina. E uma
blé, no qual o orixá homenageado é levado Também, enquanto Mariana recebe sacri- de suas preocupações é evitar que seja to-
para o peji, e depois “sai” paramentado para fício de pombos (ave que voa, ligada ao céu mado como um pai de santo de Mina em
dançar no salão (dar rum ao santo). Tal prá- e histórias bíblicas), as outras entidades da João Pessoa, afirma-se enfaticamente como
tica está sendo levada para Umbanda, po- Jurema “comem” bodes e galinhas, bichos pai de santo de Candomblé Ketu.
pularizando-se nas homenagens à Pomba- da terra. Assim como os orixás, os caboclos CONSIDERAÇÕES FINAIS
gira. Tivemos a oportunidade de assistir a da Mina possuem cores características, ao
alguns toques, nos quais “fulano iria vestir passo que as entidades da Jurema não as Apresentamos a confluência entre a Ju-
sua Pombagira”, conforme dizia o convite. possuem, suas cores são genéricas. rema e a Mina, sendo vista esta, como hóspe-
Desta forma, a festa da cabocla Mariana de daquela. Os caboclos da família dos Tur-
A MINA E O CANDOMBLÉ cos, de Légua Boji e da Baía, são as entidades
nos mostra algo da adaptação que a Mina
vem sofrendo em João Pessoa, pois, até O encontro da Mina com o Candom- que se manifestam em João Pessoa, conheci-
onde sabemos, as festas oferecidas às enti- blé em João Pessoa manifesta-se, conforme dos como o povo das águas. Destacamos que
já dissemos, transversalmente, pois o pai de há uma “ajuremação” do povo da Mina, adap-
dades em São Luís, não acontecem desta
santo que foi a São Luís, foi para ser inicia- tações nos rituais quanto às batidas dos tam-
maneira. Em relação à roupa, por exemplo,
do por pai Euclides no Candomblé, deno- bores, a ausência de instrumentos específi-
como diz Ferretti (1997, p.7) “é preciso lem-
minação que não é original de São Luís e cos e elementos materiais usados nos rituais,
brar que as entidades espirituais na Mina
que foi levado para lá por este pai de santo, a formato da festa de Mariana que se asseme-
não usam paramentos muito elaborados.
partir de sua aproximação com os terreiros lha ao ritual de “vestir o santo”, comum, hoje,
Os mineiros costumam dançar “fardados” nas homenagens prestadas à Pombagira. Des-
– todos de calça ou blusa branca e saia ou de Recife. Assim, diferentemente da Um-
tacamos também, que apesar desta “ajurema-
camisa da mesma cor (branca, vermelha, banda, quase nenhuma ocorrência signifi-
ção”, os caboclos da Mina parecem gozar de
verde, amarela, azul, rosa, estampada).” cativa da Mina foi verificada no terreiro de
maior prestígio frente às entidades da Jure-
Os caboclos da Mina, em relação aos pai André.
ma. Por outro lado, no que se refere ao Can-
caboclos da Jurema, parecem assumir uma Sua ida a São Luís deu-se por acaso.
domblé, a influência da Mina, mostra-se se-
posição superior quanto ao prestígio. Al- Inicialmente, recebeu um bori “vermelho” cundarizada. No geral, a direção inicial do
guns aspectos colhidos a partir da presença das mãos de pai Cláudio, irmão de santo de estudo se mantém: em João Pessoa, a Mina
da cabocla Mariana nos mostram isso. Para pai Euclides. Aquele, entretanto, por razões maranhense não se afirmou autonomamen-
mãe Dilene, a cabocla Mariana, juntamen- diversas, desistiu do “sacerdócio”. Por in- te, torna-se, aos poucos, uma linha de cabo-
te com suas outras irmãs Jarina e Erudina, termediação de pai Cláudio, pai André vol- clos dentro da Jurema; no Candomblé, sua
filhas do Rei da Turquia, quando foram tou-se para pai Euclides. O processo de ini- presença é secundária.
encantadas no mar, passaram a ser filhas de ciação começou em 1994 e se concluiu em O estudo teve um caráter exploratório,
Iemanjá, o que justifica, por exemplo, as 2001. Pai André morou em São Luís por visando criar bases sólidas para investigação
suas cores predominantes, o azul e o bran- dois anos, de 1998 a 2000, período crítico posterior. Devido a isto, não é prudente to-
co. Lembrando que a própria mãe Dilene é da sua feitura (iaô). O restante do tempo mar seus resultados como conclusivos. E por
filha de Iemanjá. Assim, então, entre a ca- foi preenchido com idas e vindas constan- fim, ressaltamos as diversas dificuldades en-
bocla Mariana e os orixás se estabelece uma tes de João Pessoa a São Luís. Destacamos, contradas para a construção dos dados. A
relação direta, o que não acontece com os portanto, que a ida de pai André a São Luís, pouca receptividade de alguns pais de santo
caboclos da Jurema, a não ser de forma di- não foi motivada pela busca de iniciação quanto às entrevistas, destacou-se neste
fusa com Oxossi, o patrono das matas. Por na Mina, ocorreu por acaso. quesito.
outro lado, a cabocla Mariana canta dou- Contudo, o contato com São Luís, le-
trinas claras e bonitas em português, ao vou-o a conhecer de perto a Mina. Segundo
REFERÊNCIAS
passo que os caboclos da Jurema balbuci- conta, assistia aos rituais da Mina constan-
am ou emitem sons parecidos com grunhi- temente. E, uma vez, teve uma incorpora- BOAES, Giovanni. África e Brasil: separação
dos. Os movimentos de Mariana são pare- ção violenta com a entidade cabocla da fa- simbólica/social no campo das religiões afro-
cidos com as danças de entidades africa- mília da Turquia, chamada Jurandi. Esta pessoenses. In Revista Caos – Revista de
nas, ao passo que os outros imitam o toré entidade, apesar de não ter sido “assentada”, Ciências Sociais. n. 14, set. 2009. pp 86-94.
indígena, ou movimentos de caçada. As incorpora esporadicamente em pai André BOURDIEU, Pierre. A economia das tro-
roupas de Mariana são muito belas, estilo em João Pessoa, em situações fora do Can- cas simbólicas. 3 ed. São Paulo: Editora Pers-
das baianas das escolas de samba, saias ar- domblé, ou quando muito, no final do “sam- pectiva, 1999.
madas e coloridas de azul, branco e pratea- ba de angola”. Pai André não foi iniciado na CARLINI, Álvaro. Cachimbo e Maracá: o ca-
do, usa belas maquiagens e penteados, en- Mina, pois pai Euclides não inicia nesta timbo da missão – 1938. São Paulo: CCSP, 1993.
modalidade os filhos de santo do Candom- FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na
quanto os caboclos vestem-se de penas, com
blé, para que não tenham dupla pertença, guma: o caboclo do tambor de mina em um
penachos na cabeça, carregando arcos, fle-
correndo o risco de misturar as coisas. terreiro de São Luís. 2 ed. São Luís: EDUF-
chas e bodoques. Além disso, corrobora o
Assim, segundo informou, muito pou- MA, 2000.
fato de Mariana receber pombos nas ofe- FERRETTI, Mundicarmo. Tambor de mina
rendas, tal como os orixás mais nobres (Oxa- co há no seu terreiro que proceda da Mina:
e umbanda: o culto aos caboclos no Mara-
lá, Iemanjá), de vir à terra apenas para bailar. algumas rezas utilizadas em rituais priva-
nhão. Disponível em < http://
E, quando, por ventura, vai desenvolver al- dos (de purificação), algumas cantigas utili-
w w w. g p m i n a . u f m a . b r / p a s t a s / d o c /
gum trabalho, este ocorre apenas para ilu- zadas no xirê (na abertura para Exu, e para Mina%20e%20Umbanda.pdf >, 1997.
minação e cura, com velas e banhos de ervas, Bessen), além de cantar para algumas dei- Acesso em 22 mai. 2011.
não se usando cachimbo, nem cachaça. Usa- dades Ashanti (“Oduíra” e “Asase”). Todas ORTIZ, Renato. A morte branca do feiti-
se água de cheiro e perfume em demasia. essas aproximações, entretanto, foram fei- ceiro negro: umbanda e sociedade brasilei-
Na verdade, ficou a impressão de que a tas em São Luís por pai Euclides; ele (pai ra. São Paulo: Brasiliense, 1999.
supremacia do povo das águas não ocorre André) nada acrescentou aqui em João Pes- VERGER, Pierre. Uma rainha africana mãe
só em relação aos caboclos da Jurema, mas soa; pelo contrário, tem procurado elimi- de santo em São Luís. Revista USP, São
em relação a todas as outras entidades da nar alguns desses elementos no seu terrei- Paulo, n. 6, p. 151-158, jun./jul./ago. 1990.
Jurema, pois, para uma entidade da Mina ro. Para ele, o Candomblé desenvolvido por
Boletim 50 / agosto 2011 9

CHEGANÇA: UM DRAMALHÃO DE TEMA NÁUTICO


APRESENTADO EM DIFERENTES MANIFESTAÇÕES
Pedro Mendengo Filho19

de entre los nublados de la polvera, que


toldaron el Sol, el Aire y el Río, salieron
doce barcas, imitando otras tantas galeras,
que divididas en dos partes, fingieron una
batalla de Malteses (hoy se dice así, que
entonces era de Rodees) y Turcos. Estés,
con sus Albitos, de que Bernardin Macha-
do que en aquel día era Gran Maestro, dan-
do a más de ochenta personas la misma
Cruz que traía. Venció San Juan paró la
batalla, aclareos el aire23.

A festa que mais tarde chamou-se defi-


nitivamente de chegança é anterior ao ano
de 1523. Em dezembro do mesmo ano, So-
limão venceu Villiers de L’Isle Adam, ex-
pulsando os Cavaleiros de São João da Ilha
de Rodes. Embora o título popular se man-
tenha Cristãos e Mouros, recordando os
embates da conquista da Península ibérica
pelos muçulmanos, na representação do
auto, os mouros são os turcos, fieis a sua
A ORIGEM tário, versado e ritmado por parte dos lusi- crença, onde seu deus é rei. Isto foi conver-
tanos nas ruas. Já não se dançam cheganças gência temática para o ciclo das guerras
A chegança é um auto popular, que re- / Que não quer o nosso rei. marítimas no Mediterrâneo, entre os Ca-
presenta uma luta entre uma nau cristã as- Os combates simulados entre cristãos valeiros de Rodes, que viviam na Ilha, onde
saltada pelos mouros, que, ao final de um e mouros foi uma tradição da aristocracia montaram o seu quartel-general, cuja es-
embate, são vencidos e cristianizados. Não portuguesa. Teófilo Braga(1870)22 recorda tratégia militar era manter o Mediterrâneo
se conhece na bibliografia portuguesa tex- uma das festas famosas onde a cena se re- livre da navegação muçulmana. Anos mais
tos semelhantes sobre o desempenho de petiu. “Manuel Machado de Azevedo, cu- tarde, a Ilha passou a chamar-se Ilha de
façanhas de origem marítimas, voltadas nhado de Sá de Miranda, recebeu festiva- Malta, mesmo assim as lutas continuaram
para conquista, nessa miudeza. Simbolica- mente, o infante Dom Luís e o Cardeal com esses militares, sobre a denominação
mente, sabe-se que houve em Portugal re- Dom Henrique então arcebispo de Braga, de Cavaleiros de Malta, contra os turcos e,
presentações de lutas entre cristãos e mou- em sua residência, por ocasião do batizado posteriormente, os corsários argelinos. Atu-
ros, de caráter improvisado, como narra do seu filho. E, nessa recepção, houve uma almente, representa-se em Portugal a luta
Garcia de Resende na Crônica de Dom João dessas comédias no solar de las Casas de entre bugios (cristãos antigos mascarados) e
II, encontrada na obra de Pina (1989)20, es- Castro onde morava”. Destaca Teófilo Bra- mouriscos (mouros -, rapazes solteiros farda-
tabeleceu um embate com os mouros fin- ga, que o Marquês de Montebelo, na obra dos e sisudos) nas localidades de Sobrado e
gidos no campo de Alvisquer, na Ribeira Vida de Manuel Machado de Azevedo, des- Valongo, perto do Porto, na tarde de São
de Santarém, imitando uma batalha entre creve as festas populares. Entre estas hou- João24. O Auto de Floripes25 é representado
os Cavaleiros de Rodes (depois Malta) e os ve esse entremez: em Neves e Viana do Castelo, onde lutam
mouros. Houve uma galante escaramuça, os Oliveiros e Ferrabrás, irmãos de Flori-
que pareceu muito bem. Apenas habían los Infantes receñido sus pes, que se apaixona pelo Par de França26,
salvas, cuando de entre los árboles de la
Chegança, como elemento coreográfi- coincidindo com a descoberta da moura, no
otra parte les hicieron una salva de más de
co é uma dança de par solto. Foi popularís- dos mil mosquetes, y arcabuces y todos en Conselho de Covilhã. Neste cenário, infla-
sima durante o reinado de Dom João V de un tiempo tan conformes, que todos se ma-se a batalha para a conquista do castelo
Portugal e por ele proibida em maio de oyeron juntos, y ninguno fue segundo. Así mouro, na finalidade de libertar uma mou-
(1745)21 que causou um indignado comen- lo tenía Bernardin Machado prevenido, y ra cristianizada27.
19 Bacharel e Licenciado em Psicologia; Mestre em História; técnico do IBGE; membro da Academia Vianense de Letras de Viana; membro fundador e
pesquisador da Fundação Conceição do Maracu (Viana-MA).
20 PINA, Rui. Crónica de El-Rei D. João II. Lisboa: Edições Alfa, 1989, p. 131.
21 DANTAS, Júlio. O amor em Portugal no século XVIII, ‘As cheganças’ Porto, 1917, p. 161.
22 BRAGA, Teófilo. História do teatro português. Cap. I, Porto, 1870. p. 278.
23 BRAGA, Teófilo. História do teatro português. Cap. I, Porto, 1870. p. 278.
24 MONTEBELO, 1º Marquês de. Vida de Manuel Machado de Azevedo, senõr de las Casas de Castro, Vasconcelos, y Barroso, y de los folares dellas, y de las
Tierras de Entre Homem, y Càbado, villa Amares, comendador de Sousel, em la Ordem de Auis. Imp. por Pedro Gracia de Paredes. Cap. VI, Madrid, año
de 1660. p. 56-58.
25 Sobre cristãos e mouros ou chegança dos mouros: ANDRADE, Mário de. Música do Brasil, Curitiba: Editora Guaíra, 1941; ALMEIDA, Renato. História
da música brasileira, 216; OLIVEIRA, Dom Martins de, Marujada, Rio de Janeiro: Editora Record, [sd]; GOMES, Antônio Osmar. A chegança, contribuição
folclórica do Baixo São Francisco (texto musical). Rio de Janeiro, 1941; ALVARENGA, Oneida. Música popular brasileira, 59, Porto Alegre: Editora Globo,
1950; BARROSO, Gustavo. Ao som da viola, 47, nos Fandangos, Rio de Janeiro, 1921.
26 BASTO, Cláudo. Silva etnográfica. Porto, 1939. p. 39.
27 DIAS, Jaime Lopes. Etnografia da Beira. Cap. V, Lisboa, 1939. p. 147.
10 Boletim 50 / agosto 2011

CONTINUAÇÃO

Outrora havia, nos cortejos reais ou na sistiu idêntica representação teatral em decer; revivendo a vida sofrida e pacata do
procissão de Corpus Christi, uma dança de Minas Gerais. Não se conhece registro bra- trabalho agrário.
mouros ou mouriscada, com o rei e seus sileiro anterior ao século XVIII. Em Portu- A Mourisca vinha das obrigações devi-
companheiros manejando os alfanjes28, nos gal, há menção desde o século XV, com in- das pelos mouros forros no transcorrer dos
cortejos religiosos. Teófilo Braga (1870) His- contáveis variantes, aparecendo às figuras atos em ocasiões de festas (Monarquia lusi-
tória do teatro português, II, 244, cita a Mou- de Carlos Magno, Oliveiros, Ferrabrás, Al- tana, t. 6, fol. 16, col. 2) e concorria em to-
resca com seu rei mouro e Alfaqui. Havia tam- mirante Balão e a princesa moura Floripes. das as solenidades de monta no reinado
bém, na ocasião, um baile (bailado mouris- Mouriscada em Portugal, como Rafael Blu- português, como se lê na Jornada de Nico-
co) dançado na Corte no século XV, que re- teau32 registrou não a tivemos no Brasil, a lau Lanck-mann37, representante de Fre-
siste até hoje, pelo menos sob esse nome a qual derico III, nas núpcias com Dona Leonor,
mourisca, exibida na ilha da Madeira, já es- irmã de Dom Afonso V de Portugal, des-
tudada por Carlos M. Santos29. compunha-se de muitos moços vestidos à crevendo as festas em Lisboa.
A luta entre Cristãos e Mouros têm mourisca, com seus broquéis33 e varas a A luta de cristãos e mouros ainda se vê
modos de lanças, com o seu rei de alfanje
sua popularidade em Espanha desde época na mão, e este dando o sinal se começava a em Portugal e no Brasil. Gallop (1932)38,
imprevisível. Autos e danças vieram para a travar, ao som do tambor, uma espécie de num tempo não muito distante, também
América, com a colonização espanhola e batalha. estudou uma dessas representações em
portuguesa. No novo mundo, a dedicação Sobrado, perto do Porto. No Brasil, cris-
da Primeira Igreja Católica no Novo Méxi- Também vale ressaltar que nem todas tãos e mouros conservam o aspecto cava-
co, na cidade de San Juan de Los Caballe- as manifestações culturais portuguesas ti- lheiresco de justa leal, findando pela rendi-
ros, representou o drama a caráter Cristia- veram suas influências nos primórdios do ção e conversão dos mouros. Quanto à che-
nos y Moros na noite de oito de setembro Brasil Colonial e nem Imperial, como O gança, onde os mouros participam, ela é ti-
de 159830, data de sua inauguração. Jogo-do-Pau. Mas logo depois desse perío- picamente uma batalha naval. Entretanto,
Em Portugal, a batalha é entre cavalei- do, recriou-se no país, provavelmente, por a batalha entre cristãos e mouros é uma
ros, como ocorre no Brasil, em Goiânia descendentes de portugueses e estabeleceu- página de cavalaria, com volteios, floreado
(GO), conforme registro efetuado por Re- se em acampamentos de comunidades ci- de lanças, interpelações e diálogos em lin-
nato Almeida (Revista da Semana, 05/09/ ganas, sendo jogado (exibido) em suas co- guagem arrogante e belicosa39, que começa
1942, Rio de Janeiro, Manifestações folcló- memorações festivas. Monteiro Miguel no mar e termina em terra firme.
ricas de Goiania), as ocorrências festivas são (1997)34 destaca que
ao mesmo tempo, semelhantes e incompa- CHEGANÇA NO BRASIL
ráveis em relação à indumentária. Com es- [...] o Jogo-do-pau teve em Portugal uma
expansão e uma importância muito grande
ses elementos vivos da simpatia espanhola, Não se sabe, ao certo, quando a Che-
até tempos recentes. Situado no quadro
formou-se no Brasil um auto que é a conti- das sociedades tradicionais dos habitantes gança foi transplantada da Europa para o
nuidade do tempo, das batalhas pelo domí- do Ninho Interior e particularmente das Brasil. Alguns autores dizem que foi mui-
nio cristão na península ibérica e liberta- regiões de Fafe, Bastos e das Terras do Bar- to antes de 1815 e outros 1818, há até quem
ção do Mediterrâneo. No norte do Estado roso, ainda que tenha sido eventualmente, diga que foi provavelmente junto com o
exportada para o Sul de Portugal por via da movimento da nossa independência. Quan-
do Espírito Santo, a festa de São Sebastião migração interna35. Esta mani-festação es-
inclui o Alardo31, onde cristãos e mouros palhou-se por uma área nortenha, compre- to ao termo chegança, alguns especialistas
se batem pela posse da imagem do Santo. endendo as províncias de Entre Douro e afirmam que seja originário de palavras
O motivo histórico e popular da luta Ninho, Beira Alta e Beira Interior, Ribate- náuticas como chegar, dobrar as velas à che-
de cristãos e mouros encontrou na chegan- jo e parte da Estremadura, incluindo Lis- gada do navio, e chegada, no sentido de abor-
boa36. Ainda diz o autor que o Jogo-do-pau dagem; pois sua atuação já se fazia presen-
ça brasileira uma forma que não existe em
foi uma prática social dos proprietários
Portugal nem na Espanha e tampouco na rurais minhotos. A eles estavam associados
te, quando aqui estiveram as Missões Na-
América Latina. Em Alcoy, Espanha, lutam referentes simbólicos próprios da elite tra- turalistas e as Expedições Científicas.
cristianos y mouros pela posse de um caste- dicional agrária. No Brasil, os carros alegóricos, as dan-
lo. Luta simulada representada por ocasião ças mouriscas e outras demonstrações apa-
de festas religiosas ou acontecimentos so- É muito importante clarificar que a receram por volta de 1733 até 1760. Exata-
ciais de relevo. No Brasil, foram vistas a re- representação é um misto de esgrima e ca- mente, sobre esses longes tempos, Astolfo
presentação a cavalo constituída de duas poeira. A sua desenvoltura agrega, além do Serra (1965), em seu Guia Histórico e Sen-
alas inimigas, como descreve o francês Au- som abafado de um tambor, um canto ale- timental de São Luís do Maranhão – capítu-
gustin François Saint-Hillaire, quando as- gre ao amanhecer e murmuroso ao entar- lo Festas e Procissões Antigas –, descreve,

28 Alfanje: Sabre de folha curta e larga.


29 SANTOS, Carlos M. Tocares e cantares da ilha, Funchal, 1937. p. 65.
30 ENGLEKIRK, John E. Notes on the repertoir os the new Mexico spanish folktheater. Southern Folklore Quarterly, IV, 4, 1940.
31 Auto de representação popular evocativos das lutas entre mouros e cristãos. Dicionário Aurélio eletrônico.
32 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez & Latino - aulico, anatomico, architectonico... 1712 – 1728. Coimbra.
33 Pequenos escudos redondos, de madeira e ferro, ou de aço.
34 CF. Seminário: “Tradições e Modernidade – o Resgate do Jogo-do-pau em Fafe”,. Câmara Municipal de Fafe (Org.), 11 jun. 1997.
35 MONTEIRO, Miguel T. Alves. Migrantes, Emigrantes e Brasileiros (1834-1926) – territórios, itinerários e Trajectórias. Braga: Universidade do Minho, 1996.
36 VEIGA DE OLIVEIRA, Ernesto. Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1984. p. 320.
37 CORDEIRO, Luciano. Uma sobrinha do infante. Lisboa, 1894, p. 109, 112, 113, 118, 119.
38 GALLOP, Rodney (1932). Portugal: a Book of Folk Ways. 2. Ed. Cambridge, 1961.
39 No tocante às danças populares de Portugal, para confronto da origem e modificações das brasileiras, ver PINTO, M. Sousa. Danças e bailados. Lisboa, 1924;

e os estudos do folclorista português Luís Chaves: Danças religiosas, separata da Revista de Guimarães, fascículo 4 de 1941; Danças, bailados e mímicas
guerreiras, separata do v. III, de Ethnos, Lisboa, 1942; Páginas folclóricas (3ª parte, ‘Pantomimas, danças e bailados populares’), Porto, 1942. No México,
Robert Ricard, Sur les fêtes de moros y cristianos au Mexique, ‘Journal de la Société des Americanistes de Paris’ (JSAP), XXIV, 51-84, 287-291, 1932, XXIX,
220-227, 1937, XXX, 357-376, 1930; Compte rendu de la XVIe semaine de missiologie de Louvain, 122-134, Bruxelas, 1938; John E. Englekirk, ‘Notes on
the repertoire of the New Mexican spanish folktheater’, Southern folk-lore quaterly, v. IV, nº 4, Gainesville, Flórida, dezembro de 1940.
Boletim 50 / agosto 2011 11
CONTINUAÇÃO

com nitidez, um cenário nostálgico, quan- Ilhéus, viu o desfile com o embate subse-
to a essas encenações em palcos móveis, quente (idem, 86). Na inauguração, da ci- FESTAS JESUÍNAS
conduzidas a pulso pelos homens das Irman- dade de Goiânia do Goiás (1942), Renato
dades religiosas, na forma de padiola, em Almeida estudou o baile equestre de cris- As festas jesuínas foram introduzidas
desfiles pelas ruas de São Luís. Foi assim a tãos e mouros vestidos a caráter, em bata- no Brasil em fins do século XVI. É uma
era religiosa do Maranhão setecentista; lha sob o esquema das velhas quadrilhas de herança da Pastoral Jesuítica de Portugal;
marcada pela influência espiritual da Igre- cavaleiros. Aliás, esses torneios existem se- da Vilâncio da Espanha; da Pastorela da Itá-
ja na América Portuguesa e Espanhola. cularmente na Península Ibérica, desde a lia que, com as adaptações e transforma-
expulsão dos árabes. Não havia cantos e ções de seu ciclo evolutivo, foram se mistu-
As liturgias das procissões eram rigorosa- músicas, como de fato não existem nessa rando às festas populares. Ainda mais com
mente obedecidas nos tempos da Provín- cavalgata. a contribuição de mestiços, negros libertos
cia. Um ofício de 21.01.1777 do Governa- Esse auto que se alterna entre o natal e e escravos, a manifestação assume feições
dor Joaquim Melo e Povoas, consta que peculiares e próprias. As festas jesuínas sim-
o carnaval tem sempre um cortejo inicial,
nesse ano, lhe fez celebrar a procissão de bolizam as caravanas que se dirigiam a Be-
São Sebastião com parada de tropas e sal-
como no teatro grego, cantando e recitan-
vas de tiros. Na procissão de Corpus-Chris- do episódios da vida no mar. Uma nau so- lém, com a finalidade de comemorar o nas-
ti, a Câmara40 pagava os ciganos para freu os efeitos de uma tempestade e vagou cimento do Menino Jesus. São representa-
acompanharem travando diversas danças. errante durante sete anos e sete dias e a ções alegres e brejeiras, nas quais os perso-
Essas procissões como a de Corpus-Chris- fome ataca todos os tripulantes. Na sorte, nagens representam enredos e motivos alu-
ti movimentavam a velha cidade. Traba- escolhe-se um tripulante – o Capitão, que sivos ao júbilo pelo auspicioso aconteci-
lhavam-se para ela o ano inteiro, e além mento. São cortejos que vão de casa em
daqueles ciganos, também, haviam outras
morto, saciará a fome dos demais. Antes de
figuras simbólicas como os farricocos, evo- executarem o capitão, que foi sorteado, Ele casa, cantando e dançando, representando
cações de santos, de quadros bíblicos que, diz que Nosso Senhor fará o milagre de Peças Sagradas, Autos, Cheganças, Pasto-
a caráter dava à solenidade um tom profa- chegarem todos vivos em terra de Espanha. rais e Reisados, a depender da região e da
no e carnavalesco. Esses cortejos religiosos Enquanto isso, Satanás, encarnando-se no época do ano.
valiam por um espetáculo daquela fé extre- Gajeiro, de tudo faz para impedir que isso Juntamos a este trabalho, as pesquisas
ma dos maranhenses41. do Professor José Ribeiro (1970)45 que re-
aconteça. Fazem parte desse teatro popu-
lar os personagens: mestre capitão, coman- presentam uma substancial contribuição
Essas danças dramáticas eram aprecia- histórica, extraídas do pensamento popu-
dante, piloto, cirurgião, Sabóia, marujo e
das pela sociedade, já que eram suportadas lar, sobre as festas jesuínas ou natalinas,
os palhaços vassoura, ermitão e ração.
pela Igreja, a qual, através dos Jesuítas, já enquanto representações culturais.
O auto é alçado pela marcha que dan-
havia utilizado os artifícios expressivos da
ça, com passos marcados, sacudido pelas
dança, da música e do teatro para catequi- músicas próprias e parte versada ou recita- MOUROS
zar índios. Já a Chegança, como dramalhão da, os quais são chamados de jornadas. Em
de rua, só começou a se popularizar no Bra- algumas partes do Brasil, essa opereta é com- Quanto à coreografia, mouros e cris-
sil, no início do século XIX – momento em posta de canções brasileiras e de algumas tãos formam duas hostes distintas, separa-
que os autores românticos abandonaram narrativas populares portuguesas em verso das por uma grande distância. A festa reali-
as regras de composição e estilo dos auto- (xácaras), mas o diálogo ainda é predomi- za-se à beira-mar e os disputantes vestem-
res clássicos e passaram a escrever e divul- nante com relação ao canto, que manifesta se com roupas flutuantes. Emissários esta-
gar seus temas em antigas tradições ibéri- os mitos locais. É uma dramatização da vida belecem comunicação entre as facções, le-
cas. Romances altamente bem difundidos no mar, que representa as aventuras das vando e trazendo recados por correios a ca-
porque narravam as grandes expedições embarcações marítimas portuguesas, que valo. Vestem-se com trajes cômicos. Os cris-
náuticas e, também, as representações tea- representa fome, tribulações, naufrágios, tãos mandam um convite aos mouros para
trais conhecidas como mouriscas, que usu- tempestades, romances, danças, anedotas, se batizarem, convertendo-se, consequen-
almente encenavam o combate entre cris- ditos, lendas e orações. temente, ao catolicismo. Os mouros repu-
tãos e mouros, relacionados a episódios da Vestidos de marinheiros, os atores dan- diam o convite. É declarada a guerra entre
vida marítima e às lutas memoradas entre çam ao som de instrumentos de corda, acor- os oponentes. Os mouros desembarcam e
esses dois povos. deom, percussão e com um sapateado pró- os dois exércitos travam combate na beira
Em 1814, Henry Koster42 presenciou prio da brincadeira. Este dramalhão é uma da praia. Lutam corajosamente. Por fim,
na ilha de Itamaracá na Bahia, a tomada de das heranças ibéricas mais rica e mais viva, os cristãos saem vitoriosos e exigem o ba-
um castelo marítimo dos mouros pelos cris- ainda presente na cultura popular brasilei- tismo do Rei dos Mouros.
tãos. O botânico Carl Friedrich Phillip Von ra, somente variando o nome, de acordo
Martius43 - que chegou ao Brasil em janei- com a localização: fandango, marujada, bar- NAU CATARINETA
ro de 1817 -, em 1818, viajando pelas Mi- ca, chegança de marujos e nau catarineta.
nas Gerais, assistiu à cavalgada luxuosa no Estas apresentações obedecem a um calen- A Nau Catarineta é um episódio épico
Tejuco, comemorando a aclamação de Dom dário instituído nas diversas localizadas que lembra a Odisseia, relatada por Homero.
João VI. Cristãos e mouros vestiam veludo onde existem. A escalada de apresentação É uma Ode romanceada que, pelo fascínio
azul e vermelho, bordados a oiro44, e fize- da Chegança começa no último mês de cada do seu enredo dramático e pelos mirabolan-
ram um lindo jogo de agilidade, com ron- ano. Ainda por coincidência é o mês da tes efeitos pictóricos da coreografia, trans-
das e giros fidalgos, antes da batalha (in Natividade, mês do surgimento do cristia- forma-se em um bailado. A estória se desen-
Antologia do folclore brasileiro, p. 83). Em nismo no século I. volve a bordo de um navio que parte do lugar

40 Eram obrigações das Câmaras com as Igrejas custearem esses rituais de fé.
41 SERRA, Astolfo. Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira S.A., 1965.
42 KOSTER, Henry. Viagem ao nordeste do Brasil, 221, 415. São Paulo, 1942. (Coleção Brasiliana).
43 VON MARTIUS, Carl Friedrich Phillip. In: Antologia do folclore brasileiro. S. Paulo: Ed. Martins, 1944.
44 Oiro: variação de Ouro.
45 RIBEIRO, José. Brasil no Folclore. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Limitada, 1970. p. 426-429.
12 Boletim 50 / agosto 2011

CONTINUAÇÃO

de apresentação à consagrada Lisboa na épo- continua e, afinal, a Nau Catarineta alcan- As festas dos praieiros do norte quase sem-
ca das conquistas marítimas de mil quinhen- ça seu destino. No desembarque, desco- pre giram em torno de cultos populares:
São Pedro, Nossa Senhora dos Navegantes,
tos e quarenta e dois. Depois de cruentos brem um contrabando com os guardas- Bom Jesus dos Navegantes, São José do
combates e lutas dolorosas, chega, afinal, a marinha, que são presos e a mercadoria Ribamar etc. Enfeitam-se as povoações de
um porto seguro. Abaixo, quem afirma este apreendida. Os marinheiros cantam alegres bandeirolas e fogueiras. Estouram fogue-
desenrolar facetado é o renomado mestre e e felizes, com o fim da jornada, depois das tes, rojões. Cores. Luzes. Sons. E, no meio
pesquisador José Ribeiro46, o qual mostra peripécias, nas quais a vida parece chegar de tudo isso, o agitar das canoas e jangadas
engalanadas no mar e o bulir das gentes nas
outra variação desse dramalhão. Sua indu- ao fim e, ao mesmo tempo, renascer. praias onde o canto, a dança e a música
mentária é caracteristicamente de navegado- dominam. Tudo se movimenta. Tudo assu-
res, e o auto se divide em três partes: CHEGANÇA NO NORDESTE me ar festivo, alegre, feliz 48.
1) Surge um navio sobre rodas arrasta- BRASILEIRO
Para que melhor se compreenda a ra-
do pelos marujos. Formam-se em filas, de
zão do fervor com que o povo praieiro do
braços dados, e balançam o corpo, como se A chegança de Mouros, ou simplesmen-
Brasil faz estas festas, bastará ler, nas pági-
tivessem a bordo. O Comandante da nau te chegança, como é chamada pelo povo,
nas do citado artigo – o qual nos descreve
avisa o emissário do navio dos mouros, que continua a vigorar no nordeste, nos Esta-
lhe traz intimação para que se renda. Recu- dos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande com opulência de cores – as ações de uma
sa-se. Travam combate entre os dois navi- do Norte, Ceará e Maranhão. Aparece apre- rapsódia popular, cujo tema revive a luta de
os. Vencem os cristãos e exigem que o filho sentando somente temas marítimos ou cristãos e mouros, através de pitoresca ce-
do Sultão se converta ao catolicismo, sob encenando a luta entre mouros e cristãos. nografia ao ar livre. Afirma, entusiastica-
pena de morte. Ele, para não morrer, con- Em Sergipe, é dançada no período na- mente, o consagrado autor que:
corda em mudar de religião. Eis que chega talino e, às vezes, em outras épocas do ano. Numerosas são as festas locais dos praiei-
o Sultão Pai e desespera-se ao saber que o Empregam o termo marujada para indicar ros e sempre relacionadas com o padroeiro
filho se converteu. Amaldiçoa-o e suicida- as cenas de inspiração náutica e o conjunto da região. No litoral do Maranhão tornou-
se famosa a festa de São José do Ribamar.
se em seguida. Seu corpo é atirado ao mar. dos personagens que as executam. Já o ter-
Nas praias do Recôncavo Baiano constitu-
2) Esgotam-se os víveres da Nau Catari- mo mourama indica ora a representação da em uma nota pictórica de relevo as procis-
neta e grassa a fome entre a tripulação. O luta entre mouros e cristãos, ora os persona- sões marítimas de Nossa Senhora dos Na-
Capitão resolve tirar a sorte para decidir gens mouros, enquanto o folguedo como um vegantes. E assim noutras localidades lito-
quem deverá ser comido, e o seu nome é sor- todo é denominado Chegança. Conservam râneas (Idem, p. 40).
teado. Preparam-se para a execução, e o Capi- ainda certo aspecto religioso. É representa- As Cheganças são também festas das
tão manda o gajeiro (que é o diabo, em figura da no dia de Reis, quando se celebra a festa Janeiras, como se chamava antigamente
de gente) ver se avista terra. O Gajeiro galga o de S. Benedito e Nossa Senhora do Rosário, todos os divertimentos das noites de Reis,
mastro, mas, da primeira vez, só avista sete integrando-se aos demais grupos folclores o que nós hoje chamamos de Reisados. Em
espadas para matar o seu superior; este insis- que vão à igreja fazer louvação aos santos 1976, desvendando esse auto, a antropólo-
te em afirmar sua visão por longo tempo e, padroeiros. Participantes dessa manifesta- ga Beatriz Góes Dantas (1959)49 narra uma
finalmente, o Gajeiro informa: Já vejo terras ção explicam que a Chegança resulta de uma versão contemporânea da Chegança, ain-
de Espanha, / Areias de Portugal! / Também promessa feita por tripulantes de uma em- da com aspecto religioso em duas cidades
vejo três meninas / Debaixo dum laranjal. barcação que, durante uma viagem, enfren- sergipanas, Lagarto e Laranjeiras, já men-
O comandante declara que são as suas tou forte tempestade, recorreram à Virgem cionado anteriormente, com devoção a São
próprias filhas e as oferece ao gajeiro, se ele do Rosário e, por sua intercessão, foram Benedito e Nossa Senhora do Rosário.
o salvar. O Gajeiro, entretanto, exige como milagrosamente salvos. Assim explicam a Desafiando a perspicácia dos estudio-
recompensa a Nau Catarineta. O Capitão encenação do auto na festa da Virgem e ra- sos, continuam a vigorar no Nordeste as
responde que lhe dá todas as três filhas, suas zão da longa louvação no interior do Tem- duas formas de Chegança: uma represen-
terras, todo o seu ouro e prata, menos a Nau, plo após a celebração da missa. tando exclusivamente temas marítimos; a
demonstrando que é uma parte de si mes- Nas páginas da obra do mestre Luís da outra encenando em trechos da luta entre
mo, como se fosse sua alma. Então, o Gajei- Câmara Cascudo (1962)47, encontra-se vas- mouros e cristãos, acrescida de movimen-
ro exige sua alma, para levar para o inferno. tos textos sobre a Chegança e outras danças tos de inspiração náutica. Auto popular
O Comandante diz que sua alma pertence a dramáticas. Consta que, na Paraíba, a che- constituído de várias partes ou jornadas
Deus, a atira-se ao mar. Três Anjos o salvam. gança é chamada Barca; no Rio Grande do independentes entre si, quase sempre sem
3) Os marujos consertam as velas e rea- Norte, a manifestação é relativamente re- sequência preestabelecida em sua represen-
lizam outras tarefas normais de bordo, en- cente, data de 1926; e em Alagoas apresen- tação, a Chegança é, às vezes, representada
quanto cantam melodias ligadas às suas vi- tam-se, também, cheganças unicamente numa armação de madeira em figura de um
das aventureiras, de almas errantes. Sobre- com elementos femininos. Diégues Júnior barco. (DANTAS, 1976, p. 4)
vém uma tempestade e a Nau quase vai a informa a existência da Chegança Flor do Baseado em registros disponíveis, Andra-
pique, mas é salva pela arrojada tripulação. Mar, no município de Marechal Deodoro. de (1959, p. 122) afirma que, na segunda me-
Trava-se uma discussão entre o Capitão e o O escritor Joaquim Ribeiro – em sua tade do século passado (XVIII), já existiam as
Piloto, os dois lutam, e o último ferido des- jangada, navegando em direção às praias do duas Cheganças que, possivelmente, teriam
falece. Pedem a prisão do responsável. Mas, nordeste – descreveu, em seu livro Os bra- sido organizadas mais ou menos literalmen-
quando o Capelão vem para ministrar os sileiros, um capítulo que trata das Festas te por alguns poetas e alguns músicos mais
sacramentos grita que ele ainda vive, já que dos Jangadeiros, outra contribuição subs- ou menos no princípio do século XIX.
o Gajeiro não morre, pois ele é o próprio tancial à cultura brasileira de notável refe-
diabo em forma de gente. Enfim, a viagem rência, que destaca: Continua no próximo Boletim da CMF.

46 Op. cit., idem.


47 CÂMARA CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2. ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, Ministério da
Educação e Cultura, 1962. p. 204-205.
48 RIBEIRO, Joaquim. Os brasileiros. Rio de Janeiro: Pallas; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977. p. 36-40.
49 DANTAS, Beatriz Góis. Chegança. n. 14. Rio de Janeiro: Funarte, 1976. (Série Cadernos de Folclore).
Boletim 50 / agosto 2011 13

A FESTA DO DIVINO EM PINHEIRO50


Aymoré de Castro Alvim51

A
batida é típica, característica: cia do Brasil em 1822, José Bonifácio realizava, na sua residência, a festa com
quem conhece não se engana. sugeriu a D. Pedro I que optasse pelo muita afluência da população local.
Quem nunca a ouviu se admi- titulo de Imperador em vez de o de Rei. Mas foi em 1924, conforme relatos da
ra pela mágica do batuque cadenciado A festa tem o seu ponto culminan- Sra. Inez Loureiro, que uma grande
que parece refletir o gingado das cai- te no dia de Pentecostes, cinquenta festa foi realizada por iniciativa de dona
xeiras. dias após a páscoa, e se reveste de mui- Petronila Durans ou dona Pituca. Dona
Assim é a Festa do Divino, evocan- tas formalidades. Segundo relatos de Francisquinha Castro e dona Amélia
do não somente a devoção religiosa, Gustavo Beyer, 1813, no Rio de Janei- Ubaldo foram escolhidas para Mordo-
bem como, todo um culto às cortes dos ro, o imperador era escolhido por sor- mas régias. Cada uma delas dispunha
reis e rainhas que ainda povoam o ima- teio, podendo recair sobre uma crian- de uma aia, sendo que a de dona Amé-
ginário do nosso povo. ça ou um adulto. Durante todo o perí- lia foi a garota Severa Pessoa, enquan-
As homenagens prestadas ao Divi- odo, o imperador presidia todas as fun- to Geny Jinkings foi a aia de dona Fran-
no Espírito Santo são muito antigas e ções e fazia jus a muitas honrarias, in- cisquinha. Para a imperatriz, cuja es-
sempre estiveram associadas a um for- clusive a de receber continência da tro- colha caiu sobre a mocinha Flora Du-
te apelo popular ou folclórico. No ini- pa, baixar alguns decretos e ter a pre- rans, dona Pituca preparou uma sala
cio do corrente milênio, vários movi- cedência de lugar, na igreja, onde en- muito bem enfeitada, tendo, ao fundo,
mentos religiosos espalharam pela Eu- trava em procissão. Na casa do impera- o trono da imperatriz. Da mesma for-
ropa muitas idéias consideradas heréti- dor, a mesa era sempre farta para o ma, as Mordomas prepararam salas e
cas pela Igreja. Acenavam com o retor- deleite do povo que o acompanhava. tronos para as suas aias.
no de novos messias que, iluminados Fogueiras e fogos de artifícios queima- O dia da Festa era precedido por
pelo Santo Espírito, libertariam da vam todas as noites que antecediam o nove noites; quando, após as rezas e a
opressão os pobres e desamparados. dia de Pentecostes. dança das caixeiras e bandeiras, eram
Estas crendices encontraram fértil ter- No Maranhão, a festa do Divino é servidos aos presentes chocolates, bo-
reno na Alemanha, logo após a morte comemorada em vários municípios, mas los e doces variados, além das brinca-
em 1190, do carismático e muito vene- deiras de pau de sebo e das prisões, no
é em Alcântara onde assume ainda todo
rado Imperador Frederico II. mastro, com pagamento de prendas.
o esplendor dos tempos antigos e se cons-
Estes fatos juntamente com muitos No domingo de pentecostes, após a
titui em um dos mais importantes even-
outros que proliferaram entre os povos missa solene, na Igreja Matriz, todos
tos do seu calendário turístico-cultural.
europeus, ao longo da Idade Média, le- participavam do grande almoço, feito
Segundo Carlos Lima, a festa pos-
varam a hierarquia eclesiástica a uma com as doações recolhidas durante o
sivelmente teve seu inicio em Alcânta-
luta sem trégua para dissuadi-los des- período que antecedia a festa. Era cos-
ra por ocasião da frustrada visita de D.
sas heresias e resgatar a devoção ao tume da Imperatriz levar, em cortejo,
Pedro II àquela cidade (1888).
Divino Espírito Santo. Uma das reações o almoço aos presos, na cadeia públi-
Desde o século passado (século
positivas em favor dos objetivos da Igre- ca, na Praça da Matriz.
XIX), os preparativos começavam no
ja ocorreu em Portugal, quando, por Na década de 1940 e inicio de 1950,
ano anterior, com a escolha do impera- a festa do Divino era realizada, segun-
iniciativa da rainha D. Isabel – esposa
dor ou imperatriz e da mordoma ou do a mesma tradição, por dona Galiana
de D. Diniz, que reinou no início do
século XIV –, foi construída uma igreja mordamo régio. Um grupo de pessoas e dona Rufina que residiam à antiga da
na cidade de Alenquer, consagrada ao entre caixeiras, bandeireiras, dentre Faveira. Mais recentemente, a respon-
culto do Espírito Santo. Durante o rei- outras, iniciava a chamada Folia do sabilidade ficou com dona Iponina Cruz
nado de D. João II (1521-1556), a festa Divino. A visitação para angariar do- que buscava, assim, manter essa antiga
já era muito popular e até constava no nativos se fazia em todo o município e tradição em nossa Pinheiro.
Código Afonsinho. nos municípios vizinhos. Levavam uma Mas pelo que se pode atualmente
Para o Brasil, os festejos foram tra- coroa do Divino e uma pomba em ce- constatar, essas manifestações de cunho
zidos pelos primeiros colonizadores. O râmica branca, evocando o Espírito folclórico-religioso vêm encontrando, a
imperador ou imperatriz, o mordomo Santo. cada ano, grandes dificuldades para a
ou mordoma régia eram componentes Embora não haja relatos a respei- sua promoção. A crise financeira do País
que não podiam faltar. Uma pomba to, acredita-se que, destas visitas que e as mudanças de costumes da socie-
branca representava o Espírito Santo e chegavam até Pinheiro, tenham surgi- dade tem, nesse contexto, marcada in-
a coroa com o cetro, ambos de ouro in- do as primeiras iniciativas para que os fluência. Ao poder público, compete
crustados de pedras preciosas, davam o pinheirenses festejassem também o estimular e garantir a realização desses
caráter real à corte. Em fins do século Divino. festejos pelo retorno que dão em em-
XVII, a festa já estava bastante difun- Os primeiros registros dão conta de pregos, impostos e, principalmente,
dida em várias províncias e gozava de que, na segunda década do século XX, como atração turística, de forma a as-
crescente prestígio, a tal ponto que, dona Madalena Peixoto, provecta se- segurar, através dos tempos, o curso das
quando da declaração da Independên- nhora residente à rua do Cemitério, já nossas tradições.

50 Extraído do livro GOMES, Francisco José de Castro (Org.). Coisas da nossa terra: subsídios para a Historia do Município de Pinheiro. [S.l.: s.n.], 2004. p.221-
223. (Coletanea de artigos publicados no Jornal Cidade de Pinheiro de 1921 a 2003)
51 Professor da UFMA e membro da Academia Maranhense de Medicina.
14 Boletim 50 / agosto 2011

JOÃO AFFONSO DO NASCIMENTO:


um maranhense singular52
João Paulo Soares Júnior53
Leandro Carlos de Carvalho Silva54

O
desenhista maranhense João São Luís. Segundo Iramir Alves Araújo do matracas, cofos61 e abanos, etc.
Affonso do Nascimento, que, (2007, p. 10): Suas publicações mais significativas
segundo o mestre Domingos foram: Anos Bons, Festas e Reis; Nati-
Vieira Filho, era “o nosso Ângelo Agos- João Affonso tinha os olhos sobre a cidade vidade; O Guri e o Seringueiro. Sua
tini55”, nasceu no dia 14 de abril de e nada escapava à sua pena. Sua crítica era obra prima é “Três Séculos de Moda”,
responsável, pois apontava os problemas
1855, em São Luís, Maranhão. Filho de publicada para as comemorações do
que via e os expunha em seu jornal como
portugueses, seus pais foram o comer- contribuição para o melhoramento dos ser- tricentenário de Belém, em 1916, cida-
ciante João Affonso do Nascimento e a viços de limpeza pública, segurança, trans- de na qual residia na época. Segundo o
costureira Germana Maria de Carva- portes, água e iluminação. Afora sua lin- jornalista Murilo Menezes, em seu co-
guagem sarcástica, caricata e mesmo mor-
lho Nascimento. Nos anos de juventu- mentário na Folha do Norte, em 1930,
daz, sua atuação jornalística cumpria um
de, estudou no tradicional Liceu Ma- papel de lembrar aos governantes de suas o livro Três Séculos de Moda era um
ranhense, então localizado no Largo do debilidades no que concerne à atuação mais trabalho pioneiro sendo que:
Carmo, em prédio anexo à Igreja Nos- visível da política: aquela que é estabeleci-
da com o cidadão, no dia-a-dia.
sa Senhora do Carmo. Esta obra, inteiriça, fruto de pacientes pes-
Ainda na juventude, começou a de- quisas, além do seu valor como obra de
senvolver pendor para as artes, tendo Seus trabalhos mais conhecidos são informação fidedigna e pitoresca da histó-
as charges feitas para o jornal A Fle- ria da indumentária através da civilização,
como um dos primeiros mestres o emé- vinha confirmar os seus predicados de fino
rito desenhista Domingos Tribuzi, além cha, na qual retratava aspectos do coti- observador, espírito culto e viajado, e, so-
da forte influência ideológica do pro- diano e da cultura popular nesta cida- bretudo, como crítico de arte.
motor de justiça Celso Magalhães, um de. Além de denunciar, através de suas
dos iniciadores dos estudos folclóricos crônicas e textos diversos, hábitos re- Assim como o comentário de Muri-
no Brasil. Ligou-se a um seleto grupo trógados (e atuais) de uma sociedade lo Menezes, o livro retratava de forma
de moços talentosos, os quais deram à marcada por fortes laços escravocratas, fiel a evolução da indumentária utili-
vida a um periódico denominado “Jor- eurocêntricas e burguesas, ele teve cui- zada pela sociedade desde 1616 a 1916,
nal para todos” e, anos mais tarde, a dado em retratar a cultura popular de destacando seus desenhos e formando
outro meio de comunicação, notabili- forma não depreciativa, demonstrando, o material como um manual de moda
zado pelos desenhos, denominado “A através de inúmeros desenhos deixados explicativo, ligando cada imagem ao
Flecha”. Nestes dois veículos de comu- no jornal A Flecha e no livro Três Sé- tempo e ao espaço que a constituía.
nicação, na segunda metade do Séc. culos de Moda, a riqueza e a diversida- Além de todas as suas qualidades
XIX, João Affonso teve ativa colabora- de do folclore e da cultura popular do como artista gráfico, João Affonso ain-
ção de Arthur Azevedo, Aluízio Azeve- Maranhão. São seus alguns dos únicos da exerceu as atividades de cenógrafo,
do e Américo Azevedo. Além destes registros de manifestações e ofícios teatrólogo, professor de desenho, cro-
dois jornais, Joafnas (como era também oriundos do folclore e da cultura popu- nista, jornalista, escritor e crítico de
conhecido) trabalhou nos Jornais A Pa- lar no Maranhão, a partir da segunda arte. Passou a residir no estado do Pará
cotilha, Diário Maranhense, Folha do metade do Séc. XIX, dentre os quais após sua aprovação em concurso públi-
Norte e O Malho. cita-se o desenho de uma integrante da co da empresa estrangeira Porto Of
Grande chargista e cronista contu- manifestação carnavalesca do baralho56 Pará, exercendo a função de chefe do
maz, João Affonso foi uma voz irrefreá- (negrinha do baralho), a negra mina, tráfego do cais do porto de Belém. Foi
vel ante ao poderio quase que absoluto negros de ganho, os personagens cruz- membro fundador da Academia Para-
da Igreja Católica e foi, também, críti- diabo57, pai Francisco58, divineira do ense de Letras e membro corresponden-
co mordaz dos costumes de uma cida- Espírito Santo59, fofão60, as festas de te da Academia Maranhense de Letras,
de provinciana do nordeste brasileiro, largo, malhação de judas, pessoas usan- ocupando a cadeira de número 3, fez

52 Contendo valiosas contribuições de Diego Lobato, pesquisador da vida e obra de João Affonso do Nascimento.
53 Membro da Comissão Maranhense de Folclore.
54 Esp. em Biblioteconomia e membro da Comissão Helenense de Folclore (in construction).
55 Cartunista pioneiro e artista gráfico do Segundo Reinado, nasceu em Vercelli – Itália em 08 de abril de 1843 e faleceu no Rio de Janeiro em 28 de janeiro de
1910; fez carreira no Brasil e notabilizou-se pelos desenhos publicados na “Revista Ilustrada”.
56 Manifestação carnavalesca tipicamente maranhense e caracterizada pela presença maciça de negros.
57 Personagem típico do carnaval ludovicense, nascido, provavelmente, no século XIX; tinha como principais características macacão grande, feito de seda nas
cores preta e vermelha e máscara representando o diabo.
58 Personagem do bumba-meu-boi.
59 Integrante da Festa do Divino Espírito Santo, conhecida também como tiradeira de jóia.
60 Personagem típico do carnaval maranhense, caracterizado por um macacão grande de chita e máscara com características horripilantes e cômicas.
61 Utensílio muito utilizado por maranhenses feito por trançado de palha de palmeiras diversas.
Boletim 50 / agosto 2011 15
CONTINUAÇÃO

parte do Instituto Histórico e Geográ-


fico do Pará e foi comendador da Or-
dem de Cristo. Casou-se com Maria
Germina de Sousa; desta união teve seis
filhas: Arabella, Helena, Sylvia, Lúcia,
Beatriz e Evangelina. Faleceu em 18
de abril de 1924 em Belém do Pará.
João Affonso segundo João Affonso:

Cidadão brasileiro, casado, despa-


chante geral, conhecido fabricante da
FLECHA por dentro e por fora. Nem
alto nem baixo, mais magro que gordo,
inofensivo quando dorme, nariz verme-
lho, olhos de cor duvidosa, cabelo cur-
tos e russos, bigode transparente, bar-
ba deserta, fato de casimira cor de cas-
tanha, três annéis num só dedo.
Signais particulares: Tem a mania
de endireitar o gênero humano, usa às
vezes bengala preta e quando assigna
caricaturas com J.A. suppõe que isso
quer dizer João Affonso (A FLECHA,
1879).

REFERÊNCIAS

A FLECHA. São Luís, ano 1, n. II,


1879.
________. São Luís, ano 1, n. XXII,
1879.
ARAÚJO, Iramir Alves. Flechadas de
ironia ao jornalismo satírico no Ma-
ranhão do século XIX. Revista
CAMBIASSU. São Luís, v. XVII, n.
3, p. 10, 2007.
MENEZES, Murilo. João Affonso do
Nascimento – Palavras de Saudade.
Folha do Norte. 01, jan. 1930.
MORAES, Jomar (Org.). Estatuto e
Regimento Interno. São Luís: Edi-
ções AML, 2002.
NASCIMENTO, João Affonso do.
João Affonso do Nascimento. A Fle-
cha. São Luís, ano 1, n. 248, 1879.
________. Três Séculos de Moda. LEGENDA
Belém: Conselho Estadual de Cul-
01 - negros de ganho
tura, 1976. (Coleção “Cultura Para-
02 – integrantes da Festa de São Benedito
ense”).
03 – integrante do baralho, negrinha do beralho
VIEIRA FILHO, Domingos. João
Afonso do Nascimento. São Luís:
04 – divineira da Festa do Espírito Santo
Fundação Cultural do Maranhão, 05 – personagem Pai Francisco
1977. 06 – fantasia de cruz diabo
SOARES JÚNIOR, João Paulo. João 07 – tocador de berimbau
Affonso: a flecha jornalística. São 08 – músicos da Festa de São José de Ribamar
Luís, 2010. (Projeto de pesquisa). 09 – buscapé em Festa de São Joao
SOARES JÚNIOR, João Paulo; LO- 10 – banho de São Joao
BATO, Diêgo; SOARES, Max de 11 – homem portando cofo
Medeiros; GONÇALVES, Jandir. 12 – fazedor de abano
Projeto “João Affonso: cultura e 13 - desenho de Celso Magalhaes
arte”. São Luís, 2010. (Projeto de pes- 14 – homem com matracas na mão
quisa). 15 - fofão
16 Boletim 50 / agosto 2011

EU CONHECI ANTÔNIO SILVINO Raimundo Rocha63


62

A casa grande de meu avô paterno era o


ponto certos das reuniões de pessoas
da família, de moradores que residiam em
do, falador da vida alheia, sem maldade, fala-
va-nos das lutas, das mais recentes escara-
muças de cada um desses cangaceiros, na
sete janeiros. Identifiquei sem esforço, pe-
las características apresentadas, que eu esta-
va realmente na frente do famoso, legendá-
sua propriedade no Junco64, ou que mora- costumeira “rodinha” pela manhã e à tarde, rio, Antônio Silvino, que, anos atrás, se con-
vam perto. Era um bate-papo agradável à na calçada da bodega de Manoel Mota, meu siderava o “Governador do Sertão” nordes-
“boca da noite”, à luz de lamparina, na épo- cunhado, no mercado Público. Tínhamos, tino. Procurei enquadrar no homem que se
ca da colheita, quando se fazia a debulha para cada encontro, mais novidade, um de- achava à minha frente, sem que ele me per-
do feijão. Estavam presentes o contador de talhe com que conseguia, com inteligência, cebesse, o destemido cangaceiro de Afoga-
estórias, e o cantador que animava as reu- prender a atenção dos ouvintes, graças à sua dos de Ingazeiro, que não temia forças do
niões. Comentavam-se também os últimos imaginação e retentiva privilegiadas. Antô- governo, pronto para enfrentar a luta a qual-
acontecimentos da região e do País. As no- nio Silvino, o “Rifle de Ouro”, era o herói de quer momento, o valentão que não temia
tícias eram transmitidas de “boca em boca”, sua simpatia, de sua preferência, ainda vivo, adversário, que contava com um grupo por
pois ainda não havia o rádio, e os jornais só e, sobre o qual havia um halo de simpatia e
ele próprio adestrado, como cantava o poe-
existiam nas grandes cidades, como Mos- admiração por onde passava e até onde che-
ta das feiras dos mercados do Nordeste:
soró, ou na capital do Estado. gava sua fama. Não porque o sertanejo ad-
O tema predileto da palestra era sobre mirasse o cangaceiro, mas porque gostava Já ensinei aos meus cabras
o banditismo, todas as noites. Lampião do homem valente, do homem disposto, que, a comer de mês em mês,
havia atacado Mossoró em 1927. Era o as- uma vez ferido na sua honra, resolvia a para- Beber água por semestre,
sunto do dia. Entravam em cena outros da sem pensar nas consequências. Dormir por ano uma vez...
bandoleiros, dos quais alguns já não existi- Fulano de Tal (dizia Joaquim de Olivei- Atirar em um soldado
E derrubar dezesseis!
am, mas permanecia na lembrança do povo ra, citando o nome) certa vez foi visitar
a sua fama. Antônio Silvino, recolhido à Antônio Silvino na Penitenciária do Reci- Estava à minha frente, a alguns metros,
penitenciária de Recife, cumprindo sua fe. Depois de alguma conversa, pensando um cidadão idoso, encanecido, estatura me-
pena, era discutido sempre. em agradar, resolveu comprar um abotoa- diana, risonho, chapéu de massa de aba lon-
Eu contava apenas oito anos de idade. dura de cabelo de animal, para punho de ga, usando terno de brim cáqui, e, na lapela
Imagine-se o medo, a angústia, que me do- camisa, de fabricação do velho e temido do paletó, uma rosa vermelha, bengala à mão,
minavam ouvindo as estórias e façanhas vi- cangaceiro. Solicitou que mostrasse os bo- aparentando calma e tranquilidade.
olentas, que tinham como autor os canga- tões de sua fabricação, indagando o preço. Desmoronava-se para mim um ídolo,
ceiros que infestavam o sertão nordestino. - Oitocentos réis, cada par! - informou o naquele instante, cuja grandeza, fama e po-
Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino, velho Capitão-de-mato, de dentro de sua cela. der seriam impossíveis de se medir. Detive-
Lampião, para só falar na trindade supre- - O Sr. faz uma diferença? - perguntou me ante o herói-bandido de tantas estórias
ma, porque havia um número apreciável, o visitante, no seu costume, muito do gos- impossíveis ouvidas na minha infância, no
de bandidos em escala decrescente, menos to do sertanejo, de pedir abatimento.
Junco, e pus-me a pensar nas determinações
famosos, porém igualmente perversos e te- - É, se eu tivesse do lado de fora, você
do destino. Estava ali o “maior cangaceiro
míveis. Alguns já desaparecidos, outros em não me pedia diferença - trovejou o bando-
do século XX”, homem que manteve toda a
plena atividade, praticando toda espécie de leiro, como fera enjaulada, recolhendo o
população do nordeste à mercê de seus ca-
atrocidade entre cinco Estados. artigo de seu comércio.
prichos, em polvorosa, durante vinte longos
Clamando por minha avó paterna, im- O tempo passou. A civilização penetrou
no sertão adentro. Os cangaceiros famosos anos. Ora atacava cidades, vilas e povoados,
plorando socorro às mais das noites, eu acor-
foram aos poucos desaparecendo. Mataram ora assaltava fazendas de inimigos, ora de-
dava apavorado, aos gritos, pois sonhara que
o bandido da Vila Bela, com seu grupo, ata- Lampião, e, com ele, foram os seus desalma- fendendo a honra de moças pobres, distri-
cava nossa casa, ou outras vezes, as casas dos companheiros de cangaço. buindo aos humildes e famintos o dinheiro
dos nossos vizinhos. Meu mano Lourival, em 1942, se não subtraído dos ricos, de seus inimigos. Dupla
Incendiavam propriedades, praticavam me trai a mente, surpreendeu-me com esta personalidade, tipo curioso que bem mere-
horrores e cometiam toda espécie de violên- pergunta à queima-roupa, em Campina cia ser estudado profunda e cuidadosamen-
cia e atrocidade contra a população rural in- Grande, na Paraíba. te sobre os diversos ângulos de sua vida.
defesa. - Você já viu Antônio Silvino?... Senti, em suma, ao conhecer o legen-
Jamais passou pela minha cabeça, na - Ô chente... Antônio Silvino? aquele dário cangaceiro, recuperado socialmente,
minha infância, que, mais cedo ou mais bandido do nosso tempo de menino? após longos anos vividos na Penitenciária
tarde, teria que me defrontar com um des- Onde? do Recife, tremenda decepção. Estava liqui-
ses cangaceiros, em carne e osso, autêntico - Sim, ele mesmo, em carne e osso... ele dado o ídolo do cangaço de uma época.
bicho-papão da gurizada de minha geração, aparece sempre pela manhã nos cafés da Antônio Silvino me dava a impressão de
flagelo do sertanejo de minha terra-natal. Avenida João Pessoa... um pastor evangélico, com a sua expressão
Patú, então vila pertencendo ao muni- Procurei francamente encontrar-me de humildade e mansidão. Nada, pois, exis-
cípio de Martins miniatura de FAR:WEST com o “herói”, que me roubou muitas noi- tia nele que lembrasse o cangaceiro “jamais
potiguar, imortalizada na crônica do can- tes de sono, na minha infância. E, certo dia, igualado na sinistra fama, nunca excedido
gaço por ter sido berço das extraordinárias observei-o, saindo de um bar, na Avenida João no criminoso mister”. “O maior vulto de
façanhas do “maior cangaceiro do século Pessoa, em Campina Grande, caminhando criminosos dos sertões do Nordeste”, na
dezenove”, Jesuíno Brilhante - no dizer de em minha direção – um cidadão idoso, tó- opinião do historiador Gustavo Barroso.
Gustavo Barroso65. O Sr. Joaquim de Oli- rax ligeiramente caído para frente, supor- Foi assim que conheci ANTÔNIO
veira, de saudosa memória, engraçado, sizu- tando nos ombros o peso de seus sessenta e SILVINO.

62 Publicado no Jornal do Maranhão, em 17 mar. 1968.


63 Comerciante e escritor nascido em Patu, no Rio Grande do Norte, em 1919, e radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da Comissão
Piauiense de Folclore.
64 Na época, pertencente ao município de Matins (RN) e depois ao de Patu, desmembrado dele.
65 Heróis e Bandidos, os cangaceiros de nordeste. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p.225.
Boletim 50 / agosto 2011 17

Janela do Tempo
O CULTO VODOU:
Identificações em São Luís e no Haiti66
Domingos Vieira Filho67

O Maranhão, porque parte do


Brasil que recebeu – como a
Bahia e Pernambuco – contingente
convivência dos fieis das Minas68.
Todos esses pesquisadores – e
alhures Nina Rodrigues, em esfuma-
Lisa está desaparecendo do culto
mina. Em troca, Zomadone ascende
aqui a categoria de vodun poderoso,
apreciável de negros escravos, cujos da referência, quando estudou sobre- quando, no Dahomey, não passa de
descendentes só agora começam a se vivências religiosas africanas na Bahia “un ancêtre” de Zumadunu aux six
diluir, num lento processo de clarifi- – reconheceram profundas influên- yeux d´Abomey”70, herói dahomeaia-
cação, ou antes de mulatização, o Ma- cias dahomeianas no culto professa- no que mereceu um templo.
ranhão, dizíamos, estava inscrito no do pelos descendentes dos escravos Persistem, contudo, aqui, voduns
programa de estudos de dois africa- na Casa das Minas. professados no culto Arada ou Rada
nistas de nomeada: Dr. Artur Ramos Mas não é o caso, neste breve re- do Haiti, o que evidencia o traço
e Dr. Melville Herskovits. Eles pre- gistro, de situar as origens históricas dahomeiano comum às duas áreas
tendiam visitar São Luís com o in- das levas de negros que aportaram mencionadas.
tuito de completar os estudos das so- plagas maranhenses, até porque há Agora, o Sr. Milo Marcelin, jovem
brevivências dos cultos negros no Bra- uma total ausência de dados, de fon- etnógrafo haitiano, traz ao estudo das
sil, encetados na Bahia. Motivos di- tes precisas nesse particular. Espera sobrevivências africanas no Novo
versos, todavia, obstaram a vinda a ainda o Maranhão o historiador do Mundo contribuição das mais valio-
São Luís dos eminentes antropólo- tráfico africano, e devemos confessar sas, com a publicação dos dois pri-
gos. Os estudos, porém, foram feitos que essa é uma tarefa de gigante, que meiros volumes de seu trabalho
por um jovem aluno de Herkovits, o esmorece, pelas dificuldades que
“Mythologie Vodou”.
Dr. Otávio da Costa Eduardo, que apresentam, até mesmo os que se
O autor descreve, exaustivamen-
aqui se demorou por alguns meses, sentem com vocação para Hércules,
te, cerimônias e voduns do culto Ara-
às voltas com a gente da casa das Mi- o personagem miraculoso dos mui-
da e arrola divindades como Loko
nas, o único terreiro relativamente tos difíceis trabalhos...
Atissou, deus das árvores e das flo-
puro existente entre nós. O Dr. O nosso propósito, ao ocupar
restas, Sobo Késsou, Azaká Mede,
Eduardo colheu, ao que parece, ma- estas colunas, é o de corroborar as
assertivas daqueles autores, fazendo Ayizan Vélequété, voduns que podem
terial de primeira e fez identificações
seguras entre voduns dahomeianos, um breve, mas não desdenhável con- ser identificados, mediante acurada
antes assinalados pelo coronel Alfred fronto com voduns ou loas ocorren- pesquisa – o que estamos tentando
Ellis e, posteriormente, pelo Dr. Her- tes no Haiti que, como se sabe, foi fazer há meses – com os seguintes
skovits, e santos e orixás do culto da área de nítida dominação da cultura voduns do culto das minas: Loco,
Minas professados aqui. do Dahomei, e voduns familiares ao Sobô, Azacá, Badé e Averequete.
Um maranhense, Manuel Nunes culto das minas aqui. O Trabalho de Sr. Milo Marcelin
Pereira, íntimo da casa das Minas, pu- No culto vodou do Haiti, há a ado- vem ampliar a série de estudos etno-
blicou em 1947, um documentário ração da serpente, representada pelo gráficos sobre o Haiti, brilhantemen-
referto de dados preciosos sobre esse onipotente loa Damballah Oueddo, te iniciada com o “Ainsin parla
culto africano que resiste com galhar- “dieu de la fecunditité et de la force”.69 l´oncle...”, do dr. Price Mars, e repre-
dia à indiferença do meio e no passar No culto das minas de São Luís, não senta, além do mais uma pesquisa
dos anos, guardando os seus poucos existe vodun incarnado à figura de honesta e vertical, sem mistérios ou
fieis, carinhosamente, a memória dos serpente. É um traço da influência subterfúgios de pseudos etnógrafos
ancestrais. E um escritor português, dahomeiana que foi assimilado pelos que se comprazem imenso em armar
Edmundo Correia Lopes, anos an- efeitos talvez da lei formulada por ao efeito, desprezando a verdade ou
tes fizera sucinta descrição do culto, Th. Reik sobre categorias de religiões dissimulando-a numa roupagem ta-
resultado das horas que passou na e de deuses, assim como o loa Mawu ful e inútil.
66 Transcrito da REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO. São Luís, ano IV, n. 4, p. 90-92, jul. 1952. Publicado
originalmente no jornal Diário de São Luís, em dezembro de 1949.
67 Bacharel em Direito; Professor da UFMA; Pesquisador; Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Comissão Maranhense de Folclore.
Falecido.
68 Vide Otavio C. Eduardo – “Three-way Religious Acculturation”, “in a North Brazilian City” – in Afoamerica – vol. II – México, 1946" e “The Negro in
Northern Brazil: A Study in Acculturation” – New York, 1948; Nunes Pereira – “A casa das Minas” – Rio, 1947; Edmundo C. Lopes – “Vestígios da África
no Brasil”, in O Mundo Português – vol. VI – Lisboa, 1939.
69 M. Marcelin – “Mythologie Vodou” (Rite Arada). Haiti, s.d. 2 vols.
70 R. Bastide – “tambour de Minas”, in “Le Monde Noir”, volume organizado por Theodore Monod. Paris, s.d. p. 386.
18 Boletim 50 / agosto 2011

Resumos e Resenhas – GP Mina


MONOGRAFIA RESUMO: MEIRELES, Jucinaldo Silva. Tenda de
Em novembro de 1876, um caso po- Santo Antonio: historicidade de um ter-
2011 licial ganhou destaque em São Luis: a reiro de Mina em Viana. (História Li-
negra liberta Amelia foi presa acusada cenciatura Plena) – PRORB/UFMA -,
MENDONÇA Jr., Heriverto Nunes. de causar lesões físicas a uma escrava 2008. Orientador: Prof. Dr. Josenildo de
“Vim por mar, vim por terra”. A durante rituais religiosos. O processo- Jesus Pereira.
performance ritual do Tambor de Mina crime de Amelia Rosa permite não só
pensar a respeito da religiosidade dos
do Ilê Axé Ogum Sogbô. 77 f. Mono- RESUMO
negros, mas sobre um contexto social
grafia, (Licenciatura em Teatro). – Uni- Neste estudo, investiga-se a respei-
mais amplo, no qual diferentes visões de
versidade Federal do Maranhão -, São to da Tenda de Santo Antonio, de pro-
mundo se chocam abalando assim a or-
Luís, 2011. Orientador: Prof. Dr. Ser- dem estabelecida. Para as elites e as au- priedade de Dona Dinalva, no contex-
gio Figueiredo Ferretti. toridades, a sociedade brasileira do pe- to do Município de Viana. Trata-se de
RESUMO ríodo imperial padecia de uma série de uma casa onde se pratica o Tambor de
A presente monografia busca ana- problemas, dentre estes podemos desta- Mina, uma das tradições religiosas afro-
lisar a performance ritual em terreiros car a heterogenia cultural e o perigo de brasileiras. Procurou-se compreender o
de Tambor de Mina em São Luís-MA, revoltas iminentes por parte das cama- seu processo de formação histórica, a
tendo como campo para esse trabalho das inferiores da população. Os desvios sua estrutura social, concepção e dinâ-
o Ilê Axé Ogum Sogbô. Apresenta re- religiosos não eram tolerados e represen- mica religiosa, bem como a relação
gistros fotográficos e anotações de cam- tavam um crime contra o Estado e a Igre- deste com a comunidade circundante
po. Descreve elementos performáticos ja, os discursos acerca das religiões de considerando-se que o racismo é, ain-
encontrados na dança, na música e sua matriz africana são exemplos de como da, uma das variáveis da cultura brasi-
relação com o transe. Analisa a casa pes- as proibições se davam a partir da mis- leira.
tura de valores religiosos e legais utili-
quisada a partir das diferenciações per-
zando estes últimos para mostrar que a
formáticas que cada divindade recebi- 2006
prática de outras religiões que não a ofi-
da pelo zelador espiritual do terreiro Pai
cial representavam perigo para a socie-
Airton durante rituais. dade como um todo. É neste cenário que CRUZ, Nadir Olga. Bumba-meu-boi da
se busca compreender as manifestações floresta: Formas de sobrevivência diante
ROCHA, Carolina de Fátima Sopas. A religiosas afro-brasileiras através das prá- do contexto turístico de São Luis-MA.
cartilha “politicamente correto & direi- ticas e sujeitos envolvidos e a sua rela- Curso de Turismo: Bacharelado.
tos humanos”: uma breve análise à luz ção com o contexto social e cultural da Unidade de Ensino Superior de São
do multiculturalismo e da sociolingüís- época, na cidade de São Luís do Mara- Luis Maranhão/ Faculdade de Ciênci-
tica. 117 f. Monografia (Licenciatura em nhão no século XIX. as Humanas Sociais e Aplicadas São
Letras). – Universidade Federal do Ma- Luis: Monografia. 2006. Orientadora:
ranhão –, 2011. Orientador: Prof. Dr. 2008
Prof. Esp. Paulo Sérgio Castro Pereira.
Sergio Figueiredo Ferretti
DINIZ, Márcia Regina Moreira. “Bai-
les de preto” e “bailes de branco” em Viana RESUMO
RESUMO Estudo do Bumba-Meu-Boi, uma
no período de 1950 a 1980. Monografia,
Este trabalho tem por objetivo res- manifestação cultural de expressiva po-
(História-Licenciatura Plena) –
gatar a bibliografia que discute o movi- PROEB/UFMA -, São Luís, 2008. pularidade no estado do Maranhão. As
mento politicamente correto e, mais es- Orientador: Prof. Dr. Josenildo de Je- manifestações folclóricas são motivo de
pecificamente, que discute a cartilha sus Pereira. grande orgulho dos maranhenses, pois
“Politicamente Correto & Direitos Hu-
exibem beleza, originalidade, criativi-
manos”, lançada em 2004, pela Secre- RESUMO
dade e persistência diante das dificul-
taria Especial de Direitos Humanos – Este estudo está inserido no contex-
to de análises relativas ao temo das re- dades existentes. Entretanto, alguns
SEDH, do governo federal. Discute-se,
lações raciais no Brasil e, em particu- questionamentos surgiram diante da
também alguns dos termos presentes na
cartilha, de acordo com os preceitos e lar, em Viana, entre as décadas de 1950 observação do comportamento de um
objetivos do Multiculturalismo e da e 1960, pois se trata de uma territoriali- grupo local que se destaca pela forma
Sociolinguística, e a forma como estes dade, na qual o racismo é uma das va- como consegue evoluir ante as caracte-
são apresentados na cartilha. riáveis de práticas sócio-culturais dos rísticas que determinam a tradicionali-
que compõem a sociedade vianense. dade que envolve o lendário Bumba-
Para se compreender as suas determi- Meu-Boi maranhense. Este trabalho
SANTOS, Thiago Lima dos. “Uma
nações, fez-se um retrospecto da for- pretende identificar e analisar as for-
religião de que não gosta o governo”: mação histórica de Viana. Depois se
práticas religiosas de matriz africana na mas de sobrevivência do Bumba-Meu-
investigou em torno do porquê de “bai-
cidade de São Luís (1847 – 1888). 105 f. les de preto” e de “bailes de branco” Boi da Floresta, no contexto turístico
Monografia (Licenciatura em História). em Viana. Ao longo do trabalho, lida- da cidade de São Luis, tendo como fa-
– Universidade Federal do Maranhão se com a hipótese de que o uso do dis- tor principal a rápida modificação dos
–, 2011. Orientador: Lyndon de Araújo curso racial costurou e deu sentido a significados religiosos, sincréticos e dra-
Santos. essa experiência vivida em Viana. máticos.
Boletim 50 / agosto 2011 19

71
Notícias – Roza Santos
fessor André Arruda Machado, da Uni- Naquela ocasião, os terreiros que se dis-
II SIMPÓSIO DE fesp, lançou o livro “A quebra da mola ponibilizaram a participar da referida
real das sociedades: a crise política do An- comissão foram: Casa Fanti-Ashanti (Pai
HISTÓRIA tigo Regime português na província Euclides), Ilé Omo D´Ossaim (Pai Ma-
OIT OCENTIST
OITOCENTIST A
OCENTISTA Grão-Pará (1821-1825). Além da apre- riano), Terreiro Fé em Deus (Mãe Elzi-
sentação de outra web revista “Alma- ta), Terreiro das Portas Verdes (Dona
“Disputas Políticas e Práticas de Po- nack Braziliense”, pelo professor André Maria de Jesus), Terreiro do Justino
der” foi o tema do II Simpósio de História Machado, foi lançado novo lay-out da (Dona Mundica Estrela), Terreiro de
Oitocentista no Maranhão, realizado revista eletrônica “Outros Tempos” que Iemanjá (Dona Florença e Sr Biné), Ter-
pela UEMA, de 07 a 10 de junho. O even- divulga trabalhos de pesquisadores do reiro Kwue-se To Vodun Badé Só (Pai
to recebeu pesquisadores e professores de Curso de História da UEMA. Lindomar). Além destes, foi acordado
História de todo Brasil que discutiram as- que outros terreiros podem participar
suntos relacionados à Formação do Esta- SEMANA DE POVOS desta comissão desde que manifestem
do Brasileiro e do Maranhão, bem como interesse e participem das reuniões de
a escravidão – gênero e identidades do INDÍGENAS 2011 trabalho.
Brasil nesse período. Coordenado pelo
professor do Departamento de História O Centro de Pesquisa da História Na- 160 ANOS DA
da UEMA, Marcelo Cheche, o evento tural e Arqueologia do Maranhão-(CPH-
reuniu alunos e professores das Universi- NA-MA) realizou a V Semana dos Povos JUCEMA (1851-2011)
dades: Federal Fluminense; Federal de Indígenas (10 a 14 de junho) com o obje-
São Paulo; Rural do Rio de Janeiro; Fe- tivo de estimular discussões sobre a iden-
deral do Pará; Federal de Pernambuco; A Junta Comercial do Estado do Ma-
tidade cultural indígena. Durante a Se-
Federal da Paraíba, Federal do Mara- ranhão celebra 160 anos de serviços ao
mana foram abordados diferentes aspec-
nhão, Estadual Paulista e Fapema. Em seu estado. Criada em 31 de março de
tos da cultura dos índios brasileiros em 1851, com a finalidade de registrar o nas-
seis mesas redondas, nove simpósios te- que se fizeram presentes: Secretários de
máticos, duas conferências e 80 comuni- cimento de todas as empresas do Mara-
Cultura (Bulcão), de Educação (Olga nhão, os arquivos da Jucema guardam a
cações científicas foram abordados, en- Simão) e de Igualdade Racial (Claudett
tre outros, temas como a Balaiada, a par- história dos registros dos primeiros comer-
Ribeiro); representantes da Fundação ciantes, atas com transcrição de fatos
ticipação da mulher na economia do es-
Nacional do Indio, José Piancó Neto, e importantes sobre a criação e fechamen-
tado e o processo de modernização de
das Organizações Indígenas da Amazô- to de todas as fábricas surgidas no Mara-
São Luís nos anos de 1800.
nia, Sonia Bone Guajajara; além de re- nhão e as marcas e patentes registradas.
presentantes de instituições ligadas aos Nesses 160 anos de atividades, passou por
LANÇAMENT OS DE
LANÇAMENTOS povos indígenas, dos próprios índios e co- várias mudanças: foi extinta, restabele-
LIVROS NO II munidade em geral. cida, transformada em autarquia, reor-
ganizada novamente e comemora as vi-
SIMPÓSIO VI EMCAB tórias acumuladas. A partir da década de
1990, “seu objetivo principal é a presta-
Durante o II Simpósio de História ção dos Serviços do Registro Público de
Oitocentista no Maranhão da UEMA A Tenda São Jorge Jardim de Oeira Empresas Mercantis e Atividades Afins
foram lançados livros sobre História do da Nação Fanti-Ashanti, popularmente na área da circunscrição territorial do
Maranhão: “Maranhão Ensaios de Bio- conhecida como “Casa Fanti-Ashanti”, Estado do Maranhão, de acordo com a
grafia e História” – coletânea que reú- vem realizando, desde janeiro, reuniões lei Federal nº 8.934, de 18 de outubro de
ne 20 ensaios biográficos; “Epaminon- preparatórias para o VI EMCAB – En- 1994, abrangendo o registro e arquiva-
das Americano” que conta a história de contro Maranhense de Cultos Afro-Bra- mento dos atos dos empresários, socieda-
um advogado português que chegou ao sileiros – 2011, que deverá ocorrer de 10 des empresariais e cooperativas”. Em 2009,
Maranhão no século XIX, ambos de a 12 de novembro. As reuniões de traba- pelo Decreto 25.343 de 4 de maio de
autoria de Marcelo Cheche e Yuri Cos- lho objetivam discutir propostas de tema, 2009, é vinculada à Secretaria do Estado
ta, professores da Uema; “Uma Atena data e programação; dar continuidade da Indústria e Comércio-SINC, denomi-
Equinocial: a literatura e a fundação de ao processo de preparação do encontro, nada, hoje, Secretaria de Estado do De-
um Maranhão no Império brasileiro”, de bem como analisar e atualizar o Docu- senvolvimento, Indústria e Comércio-
José Henrique Borralho, resultado de mento de reivindicação do V Encontro SEDINC, através do Decreto nº27.225,
sua tese de doutorado defendida na Uni- Maranhense de Cultos Afro-Brasileiros, de 3 de janeiro de 2011, que ratifica esta
versidade Federal Fluminense, em entregue aos órgãos públicos do Estado vinculação. Para expandir a prestação de
2009; Relançamento do livro “Percorren- do Maranhão, durante o V EMCAB, serviços, realizou três ações: o Projeto de
do Becos e travessas: Feitios e Olhares realizado no período de 06 a 08/11/2009. Interiorização – criação de escritórios re-
da História de Caxias” coletânea, orga- Em plenária, foi definida a criação de gionais em diversos municípios mara-
nizado pelas professoras Jordânia Pes- uma comissão de trabalho que em con- nhenses; disponibilização de informações
soa e Salânia Melo, do Centro de Estu- junto com a Casa Fanti-Ashanti, é res- no site www.jucema.ma.gov.br; e do ser-
dos Superiores de Caxias/MA. O pro- ponsável pela realização do VI EMCAB. viço de Ouvidoria.
71 Roza Maria dos Santos - Comunicóloga; membro da CMF.
20 Boletim 50 / agosto 2011

PERFIL POPULAR
Isabel Mineira - Cururupu72
Mundicarmo Ferretti73

I sabel Pinto da Silva - Isabel “Mi


neira” -, como era mais conheci-
da em Cururupu, por ter sido a pri-
meira pessoa a abrir ali um terreiro
de Mina, nasceu em novembro de
1903, no início do século XX, e fa-
leceu com mais de 90 anos. Viveu
até os 9 anos de idade em sua terra
natal. Depois foi para São Luís,
onde morou cerca de 22 anos, de-
pois de que retornou a Cururupu,
onde permaneceu até o fim de sua
vida.
Além de ter se notabilizado
como mãe-de-terreiro, foi parteira
afamada, do que muito se orgulha-
va, costureira, feirante e domésti-
ca, desempenhando todas as suas
atividades com dedicação. Era de-
vota de Santa Rosa de Lima e reali-
zava anualmente, no mês de agosto,
uma festa em sua homenagem, com
três noites de tambor. Naquela fes-
ta recebia, com grande orgulho, Ro- Dona Isabel realizava seus toques de
sinha, filha caçula de Rainha Rosa Mina com abatas (tambores nagô), tambor
e da família de Légua Bogi - encan- da mata (típico de Codó), ferro (agogô), caba-
tado que chefia a linha da mata de ça e taboca (dois pedaços de bambu percuti-
Codó e que, segundo sua explicação, toma- e outro para “morenos”. No primeiro, moça dos numa pedra), considerada típica dos ter-
va conta do terreiro para aquela. solteira não dançava, mas em Frechal, po- reiros de Cururupu. Mas, segundo uma de
Seu pai foi delegado de polícia em Cu- voado próximo a Cururupu, de madruga- suas filhas, antes dela abrir o terreiro, já era
rurupu e, antes dela abrir seu terreiro, per- da, os brancos levavam para o seu salão “es- tocada em São Luís, no Cutim, no terreiro
seguiu muitos curadores. “Caiu no santo” curas “e” solteiras” e se divertiam com elas de Noêmia Fragoso, conhecido como de “na-
em São Luís, antes do seu 10º aniversário até o fim da festa. ção” cambinda, já desaparecido. O terreiro
e, apesar de sua família não gostar de Mina, Teve cinco filhas. Não casou, mas, de dona Isabel tinha a forma de um navio,
foi iniciada nessa religião no Terreiro da como esclareceu, era respeitada e só levava como alguns outros, também antigos, de São
Turquia, por Mãe Anastácia. Recebia vari- para casa quem ela queria. E, um dia, “arre- Luís (o de Clarinda e o de Osvaldo) e o terrei-
as entidades entre as quais Légua Bogi, Ro- pendida da vida que estava levando” e que- ro de Zé Lutrido, em Guimarães, já
sinha, Ariri (encantado da mata), Pingo rendo abandoná-la, fez uma promessa a falecidos.Tinha na frente uma ancora que
d´Água (filho de Légua), que deu nome ao Santa Rosa de Lima. Prometeu andar de era “arreada” na abertura do tambor e levan-
seu terreiro, Mãe Maria e outros. joelho até esfolar, e levantar a sua irmanda- tada no seu encerramento, na chegada e na
Teve pouco estudo. Costumava contar de “com os seus braços”. Para pagar a pro- partida dos encantados.
que só ia para o colégio obrigada pelos pais. messa teve que trabalhar muito. Vendeu Isabel Mineira gostava de falar em terrei-
Era muito alegre, vaidosa e gostava muito mingau de milho, arroz, tapioca, bolo, mas ros antigos e de afamados pais-de-santo de
de dançar. Dizia que, antes de abrir o seu venceu. Abriu em Cururupu o primeiro São Luis que já desapareceram (como Anas-
terreiro, quando ia a uma festa, só voltava terreiro de Mina e nunca mais abandonou tácia, da Turquia, e Pai Cesar, da Madre Deus)
ao amanhecer; dançava sem parar, pois era as suas obrigações espirituais. Preparou e contava as histórias de sua vida com grande
muito disputada pelos rapazes. Conforme muitos filhos-de-santo, mas, em geral, os satisfação. Algumas de suas lembranças fo-
dona Isabel, na sua mocidade, em Cururu- que abriram salão em Cururupu tornaram- ram reunidas por nos em “Cuidando das obri-
pu, os bailes eram realizados em dois salões, se conhecidos como curadores e não como gações”, publicado no livro Maranhão Encan-
um para “brancos” (pessoas “de sociedade”) mineiros, como ela. tado (FERRETTI, M. 2000, p.109).

72 Baseado em texto publicado em: FERRETTI, M. Maranhão Encantado: encantaria maranhense e outras histórias. São Luís: UEMA Editora,
200, p. 109.
73 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.

Anda mungkin juga menyukai