O mundo não vai acabar por causa dos miniburacos negros do LHC
MARCELO GLEISER, é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
Ainda neste ano deve entrar em funcionamento a maior máquina já
criada pelos homens (e mulheres), o Grande Colisor de Hádrons, ou LHC. O projeto, com custo estimado em US$ 8 bilhões, envolveu milhares de físicos, engenheiros e técnicos. Seu objetivo principal é explorar uma das questões mais fundamentais da ciência, a origem da massa.
Segundo a física moderna, a matéria é composta por pequenos
corpúsculos indivisíveis, as partículas elementares. Os colisores de partículas são máquinas que aceleram esses corpúsculos uns contra os outros ao longo de circuitos semelhantes à pistas ovais de corrida, ocasionalmente provocando colisões frontais entre eles.
O segredo dos colisores está na violência das colisões: as
partículas são aceleradas até velocidades próximas à da luz; ao colidirem, sua energia de movimento (ou energia cinética) é transformada -segundo a famosa relação E=mc2- em outros corpúsculos. Com isso, físicos podem estudar a composição da matéria e as diferenças entre as massas das partículas.
Mas o assunto hoje não é a física detalhada do LHC, e sim o medo
que a máquina tem gerado. Quando o Centro Europeu de Física Nuclear, o Cern, a casa do LHC, anunciou que dentre as possíveis descobertas está a produção de miniburacos negros, o público logo se interessou. "Opa! Buracos negros sugam tudo, certo? Será que esses físicos loucos vão criar um monstro que vai sugar a Terra inteira, criando o próprio Apocalipse?"
Rapidamente, a notícia motivou inúmeros artigos e discussões em
blogs. Um morador do Havaí chegou até a entrar na justiça com uma ação para tentar deter o LHC, alegando que físicos inconseqüentes poderiam destruir o mundo.
O temor é completamente infundado. É verdade que o LHC atingirá
energias maiores do que no interior do Sol. Mas a diferença essencial é de escala. Quando prótons (os corpúsculos que irão colidir no LHC) colidem, a energia liberada é equivalente a de um bando de mosquitos. O que o LHC fará magnificamente é concentrar essa energia numa escala submicroscópica. Como afirma o relatório divulgado pelos especialistas de segurança do CERN, quando você bate palmas para esmagar um mosquito, está criando uma colisão com energia muito maior do que a do LHC. E ninguém cria mini buracos negros batendo palmas.
(Aliás, uma imagem bem propícia a um conto de ficção científica...)
Em princípio, é possível que a colisão de prótons crie um miniburaco negro. Mas esse buraco negro não tem nada a ver com algo que pode se tornar um gigante, tragando a massa terrestre e nós com ela. Miniburacos negros têm massa microscópica e vivem por muito pouco tempo. Como propôs Stephen Hawking, esses objetos perdem massa – evaporam – muito mais rapidamente do que são capazes de ganhá-la. Isso porque sua massa é pequena demais para exercer atração eficiente sobre outros objetos.
Portanto, mini buracos negros – se criados no LHC, uma
possibilidade no mínimo muito remota – irão desaparecer rapidamente, sem criar qualquer efeito detectável macroscopicamente.
Por trás do pânico está o medo do desconhecido, de estarmos nos
debruçando sobre uma janela que dá para terras nunca dantes vislumbradas.
Juntando a isso o fato de físicos serem mesmo capazes de destruir
o mundo -haja visto as bombas de hidrogênio- e mais as tantas histórias e filmes de ficção científica sobre o cientista louco cuja invenção foge do controle (iniciado com Frankenstein), fica clara a origem do temor. Mas o leitor pode ficar tranqüilo, pois nada de apocalíptico vai ocorrer. A menos, claro, que a máquina não funcione. MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo" Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2007200804.htm
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Livros recomendados::mg
“O fim da Terra e do Céu”, O apocalipse na Ciência e na
Religião, Marcelo Gleiser, 336 páginas, Editora Companhia das Letras, Rio de Janeiro, 2002. www.companhiadasletrinhas.com.br/
“Cartas a um Joven Cientista”, O Universo, a vida e outras
paixões, Marcelo Gleiser, Rio de Janeiro, RJ, Editora Elsevier, 2007.
“Poeira das Estrelas”, De onde viemos? Para onde vamos?
Estamos sozinhos no Universo?, Marcelo Gleiser (Textos de apoio: Frederico Neves), São Paulo, SP, Editora Globo, 2006.
“A Harmonia do Mundo”, Aventuras e desventuras de
Johannes Kepler, sua astronomia mística e a solução do mistério cósmico, conforme reminiscências de seu mestre Michael Maestlin. Marcelo Gleiser, São Paulo, SP, Editora Companhia das Letras, 2006.
“Micro Macro”, Marcelo Gleiser, Publifolha.
“Micro Macro 2”, Marcelo Gleiser, "Micro Macro 2" é uma
reunião das colunas de Marcelo Gleiser, publicadas no caderno "Mais!" da Folha de S.Paulo de 2004 a 2007. Publifolha.
“O Livro do Cientista”, Col. Profissões. Marcelo Cipis /
Marcelo Gleiser, Companhia das Letrinhas.
“Mundos Invisíveis: da Aquimia à Física de Partículas”.
Marcelo Gleiser, 288 páginas. Editora Globo, 2008. Depois do sucesso de Poeiras nas Estrelas, o físico Marcelo Gleiser lança seu novo livro Mundos invisíveis: Da alquimia à física de partículas, pela Editora Globo. Nesta obra, o autor analisa os fenômenos físicos do micro para o macro, partindo das subpartículas do átomo para desvendar o universo. Para explicar tudo isto, Gleiser parte da simples pergunta: Do que tudo é feito?. Logo nas primeiras páginas, o escritor nos apresenta a frase O essencial é invisível aos olhos, de Antoine de Saint-Exupéry, sugerindo a idéia de que geralmente não prestamos muita atenção naquilo que está ao nosso redor.Posteriormente, ele explica ao leitor como a partir da simples observação de um fenômeno natural, ou de algo que intrigava as pessoas, foi possível chegar às principais descobertas do conhecimento.Ao longo de dez capítulos, Gleiser, autor também de um quadro no programa Fantástico, da Rede Globo, aborda os principais questionamentos da ciência na história. A busca do elixir da vida pelos alquimistas, os estudos sobre o cosmo, a eletricidade e o magnetismo e a fascinante teoria da relatividade são alguns dos temas abordados no livro. Com exemplos e analogias simples, presentes no nosso cotidiano, Gleiser explica as descobertas e experimentações de estudiosos como Aristóteles, Isaac Newton e Albert Einstein, na busca de desvendar um mundo invisível que determina a composição de tudo o que existe na natureza. Além de fotos e ilustrações, que enriquecem as teorias apresentadas, a obra também conta com textos de apoio, escritos pelo jornalista Frederico Neves.Desde o pensamento de Nicolau Copérnico, para quem o Sol, e não a Terra, era o centro do cosmo, até o surgimento da bomba nuclear, na Segunda Guerra Mundial, o autor propõe uma espécie de viagem no tempo para contar a história dos mais antigos mestres da ciência e seus discípulos - pessoas que foram capazes de trazer grandes descobertas para a humanidade.O livro é essencial para todos aqueles que querem conhecer os estudiosos que, movidos pela curiosidade e pelo seu espírito criativo, foram corajosos o suficiente para desafiar todos os conceitos de sua época e quebrar paradigmas.