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AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Sociedade e poder nas estruturas de Antigo

Regime coloniais - Pedro Perez Herrero

4.1 Correntes historiográficas e critérios analíticos

Depois das múltiplas monografias realizadas para distintas regiões do continente


americano, parece bastante claro que não é possível entender as dinâmicas sociais americanas
correspondentes à época colonial em função exclusivamente da tensão colonizador-colonizado.
Não parece haver dúvidas de que a tese colonialista não tem a capacidade suficiente para
explicar o complexo caleidoscópio social que se originou no séc. XVI no Novo Mundo.

Os conceitos de Estado e de Nação foram manejados de forma anacrônica para estudar


as realidades históricas coloniais latino-americanas. Sublinhou-se acertadamente a
improcedência de falar do Estado colonial já que, se o que define ao Estado é sua
independência, não é lógico falar de um Estado dependente de outro. Parece incorreto
argumentar que o nacionalismo estivesse adormecido ou latente na época colonial.

Não se põe em dúvida que durante os séculos XVI e XVII se desse em parte da
população um sentimento de autoconsciência de pertencer a um conjunto como o de Castela,
Nova Espanha ou Peru, mas o que não se pode medir hoje em dia por falta de informação
documental é a extensão destes sentimentos de identidade, assim como a intensidade dos
mesmos. Em uma sociedade de AR colonial composta por estamentos, em muitas ocasiões os
documento da época se referem a amplos grupos sociais como nações (a nação maia, a nação
mexica) e em outros se menciona de forma explicita que esta se compõe pela República de
espanhóis e a República de índios.

A inexistência de uma educação formal homogênea a todos os integrantes da sociedade,


a ausência de um corpo legal homogêneo e o fato de que dentro do Império se falavam distintas
línguas dificultou a formação de um sentimento de identidade.

O Império não significava que os distintos reinos estivessem fundidos, mas que estavam
conectados entre si na medida em que compartilhavam um mesmo Rei. Tinha-se claro que,
quando por qualquer causa faltasse o rei, os reinos seguiriam mantendo sua autonomia e seus
corpos legais próprios já que nunca os haviam perdido. Neste conglomerado de povos, costumes
e regulamentações foi sumariamente útil para dar coerência ao conjunto que se aceitasse a
existência de um Deus único e uma única fé considerada como verdadeira. O catolicismo se
converteu assim em um elemento de identificação por cima das diferenças sociais, culturais e
étnicas.

Desde começos do séc. XVI, a Coroa projetou uma política social que tinha como fim
manter a cada grupo social separado, mas formando parte de um todo. Em um principio
ordenou-se que os “índios” deviam viver em “pueblos de índios” separados dos “pueblos de
españoles”. Igualmente, os escravos procedentes do continente africano não podiam conviver
com o resto dos grupos sociais. Explicava-se que a política segregacionista não tinha como fim
a exclusão, mas sim preservar as comunidades étnicas originárias dos abusos e desvios dos
conquistadores-encomenderos, além de evitar a propagação das enfermidades.
O mestiço, ao não poder demonstrar legalmente sua origem, não podia inscrever-se
dentro de nenhuma das então consideradas “raças puras” pelo que não podia ocupar distintas
posições, desempenhar certos cargos públicos e religiosos, nem cumprir com certas práticas
legais como herdar, etc.

Durante os séc. XVI e XVII a categoria de “índio” não era sinônimo de posição social
ou classe social. Os “índios” podiam ser ricos ou pobres, proprietários ou não, mas ficava claro
que juridicamente todos eram “índios”. No séc. XVI a identificação se deu entre “índio” e
tributário. No séc. XVII a relação foi mais ambígua, pois as encomiendas haviam diminuído
notavelmente e ainda não havia aparecido um princípio organizador baseado em critérios
econômicos. Os “índios” eram basicamente vassalos aos que se somava sua condição de
pertencer a uma República diferente pelo que tinham obrigações e direitos específicos.

A cor da pele não era o elemento que definia de forma mecânica e exclusiva a posição
social do indivíduo nas sociedades coloniais de AR indígenas. Tanto “índio” encomendado
como um escravo podiam adquirir em teoria a condição jurídica de “branco” ou “mestiço”
durante o séc. XVII através do sistema de gracias al sacar.

O princípio que regeu a conformação das sociedades americanas foi o da relação


política dos súditos com o monarca. O núcleo da dinâmica das sociedades de AR coloniais
americanas estava composto por relações de tipo sócio-políticas.

4.5 A gestação das relações de poder coloniais. Considerações teóricas.

A organização e exercício do poder nas sociedades coloniais indígenas se foram


estabelecendo de forma paulatina e foi evoluindo de forma distinta segundo as regiões e as
épocas.

Não é possível extrapolar conceitos explicativos próprios do Estado Liberal às


sociedades de AR e menos ainda às coloniais. Nessas as relações eram pessoais antes que
institucionais. A administração dos reinos se gerenciava em boa medida como um assunto
patrimonial, privado, cujo epicentro o ocupava a figura do rei. Em conseqüência o monarca
tinha que exercer o poder apoiando-se em relações pessoais estabelecidas a sua vez em
reciprocidades, compromisso e lealdades. A fidelidade era a melhor bagagem para ser
selecionado para ocupar um cargo de poder e desempenhar as funções de governo e
administração do reino. O rei precisa mais de leias do que de profissionais qualificados.

Não se deve falar de cidadãos mais ou menos livres, mas sim de vassalos mais ou
menos leias.
É incorreto etiquetar o sistema monárquico-imperial e o sistema de autoridade de uma
sociedade de AR colonial como uma ditadura, já que a autoridade se baseava precisamente na
existência de uma complicada maquinaria de pactos e reciprocidades que funcionavam em
múltiplas direções e intensidades.

O monarca podia exercer o poder na medida em que delegava parte do mesmo em


outras pessoas e estabelecia reciprocidades políticas. Por exemplo, um descobridor. Nenhum
conquistador tinha possibilidade de adquirir m território em seu nome por sua conta e converter-
se no rei do conquistado, pois não dispunha de nenhum instrumento que lhe dotasse da
legitimidade para obter autoridade necessária. O rei era o único que tinha dita chave.

“A lei se acatava, mas não se cumpria”. O que transmitia essa sentença era que a
autoridade não se podia colocar em dúvida (o súdito estava obrigado a acatar ao monarca), mas
se esta lei era desmedida e não se dava lugar ao estabelecimento de reciprocidades era
simplesmente ignorada (não se cumpria). Ou seja, não se colocava em dúvida que o rei era o
monarca, mas somente era obedecido se não exercesse o poder unilateralmente.

A interdependência dos grupos de poder, as reciprocidades e o jogo de pesos e


contrapesos é o que primava na sociedade de AR.
É quase um costume que não se tenha o hábito de diferenciar entre as instituições de
governo, os agente e o poder próprio. Não se estabelece a delimitação oportuna entre instituição,
cargo e pessoa. Não se distingue tão pouco entre o poder individual que podia exercer uma
pessoa e um agente coletivo (vizinhos, comunidade étnica, famílias). Não se definiu
conscientemente na época as distintas atribuições e extensão dos cargos durante os séc. XVI –
XVIII. Alguns historiadores culparam a administração imperial de não haver distinguido
adequadamente os assuntos pessoais e os assuntos públicos.

Nas índias, os conquistadores trataram por todos os meios de criar uma nobreza
indígena na que eles fossem seus titulares, mas o rei manteve claro desde um principio que
havia que cortar todo tipo de experimento que lhe restasse poder. Os conquistadores sonharam
de forma permanente com o regresso ao passado e se acostumaram a conviver entre ilusões e
realidades. A América se converteu rapidamente em uma ilusão, uma idealização.

Cada senhor – entenda-se vice-rei hacendado ou capitão segundo o caso – tinha sua
corte, sua área de influência, sua clientela na que o principio da lealdade e da reciprocidade
operavam de igual maneira.

4.6 A Corte como simbologia do poder

Se o rei era na sociedade de AR a encarnação da autoridade, a Corte se converteu no


palco simbólico das relações de poder. Era o espaço e o momento onde se tramitavam,
conseguiam e pactuavam ou acordos. A prática de fazer a corte se converteu na sociedade de AR
em uma ação imprescindível para conseguir posto, nomeações, privilégios, perdões, favores,
isenções. Na sociedade de AR tudo estava protocolizado. Tudo eram símbolos.

A honra era mais importante que as rendas econômicas. Podia-se adquirir honra por
serviços ao rei e não por êxito nos negócios. Perder a honra era perder a proteção do rei. O que
adquiria a suficiente honra não trabalhava com suas mãos e podia viver das rendas, dos favores,
do patrimônio.

4.7 A família como elemento de interconexão social

Existe uma tese clássica bastante aceita que interpreta que quando o Estado é poderoso,
o papel da família como elemento de integração social decresce e, vice-versa, quando a
capacidade organizativa do Estado diminui a influência e o papel da família como elemento de
organização social aumenta.
Na história das sociedades coloniais se detecta que, tanto nos períodos que a Coroa
perdeu a capacidade de influência em dirigir os destinos dos territórios americanos, como nas
regiões que estão mais distantes dos centros político-administrativos mais importantes, algumas
grandes famílias desempenharam um importante papel como elementos configuradores das
relações sociais e de poder.

Frente à inexistência de dinâmicas de classe, de partidos políticos ou de sindicatos, e


ante a presença de estamentos que supunham barreiras para alcançar índices mais elevados de
coesão social e impediam que o êxito econômico pessoal se acabasse convertendo em um
veículo de ascensão social, algumas grandes famílias formaram-se como um mecanismo capaz
de facilitar a existência de um certo nível de integração social vertical e horizontal (exemplo:
famílias formadas por hacendados). A legitimidade do poder do pater famílias destas grandes
famílias residiu durante as primeiras gerações (séc XVI) em serem herdeiros dos
conquistadores-encomenderos ou dos primeiros povoadores, para depois (séc. XVII) evoluir
claramente para a posse da terra.

As 3 únicas formas de mudança social eram: oferecer serviços ao rei para depois
receber as recompensas oportunas; entrar na Igreja para alcançar postos elevados na hierarquia
eclesiástica; ou aumentar o patrimônio através do casamento.

Nos territórios americanos a mobilidade social foi mais intensa que na Península Ibérica
para certos grupos sociais, tanto por ser, uma sociedade mais jovem, como por não existir uma
nobreza de título consolidada. Esta mobilidade se restringia basicamente ao âmbito dos
indivíduos que integravam a República de espanhóis.

4.8 O cabildo como poder intermediário

O cabildo estava formando nas índias durante a época colonial unicamente pelos que
eram considerados como vizinhos (os notáveis), isto é, um núcleo de famílias composto por
proprietários e herdeiros dos fundadores do centro urbano. Os cabildos devem ser interpretados
mais como a representação do poder dos grupos de notáveis locais, que como do conjunto da
sociedade. Os cabildos utilizaram o poder dos hacendados-terratenientes e o poder do rei
quando o acreditaram oportuno ou o necessitaram, apoiando-se no jogo de forças baseado nas
reciprocidades. O monarca confiava nos conselhos a gestão da fiscalização municipal.

4.9 As comunidades e os pueblos de índios como elementos articuladores da República de


índios

As sociedades coloniais indígenas estiveram desde suas origens marcadas pelo princípio
diferenciador da presença da República de espanhóis e da República de índios. Era impossível
que ambas repúblicas vivessem totalmente separadas, quando a primeira vivia em boa medida
dos serviços oferecidos pela segunda.

Os “pueblos de índios” tinha a missão de ajudar a concentrar a população indígena


dispersa para facilitar os trabalhos de evangelização, administração (tributo) e governo (controle
e defesa), além de facilitar a fratura das dinâmicas comunitárias existentes. Obviamente, depois
as cidades, se foram mestiçando.
Uma prova de que estes novos “pueblos de indios” eram um resultado de uma mescla de
membros de comunidades diversas e que em muitos casos, ao não poder entender-se entre eles
por falar línguas diferentes, começaram a utilizar o castelhano como uma língua comum que
lhes facilitava o contato entre si como com os novos colonos. Isso não deve ser entendido como
um processo de hispanização, mas que ditos indivíduos começaram a se acostumar a serem
bilíngües ou trilíngües segundos os casos.

A organização política dos “pueblos de índios” residiu nos cabildos, compostos em


principio a imagem e semelhança dos castelhanos. Os governadores, caciques, curacas ou
principais, tinham funções de governo e justiça, além de cumprir de cadeia de transmissão entre
os “pueblos de índios” e a administração colonial. Entretanto a diferença mais notável que se
pode apreciar é que estes cabildos não tiveram uma distância tão marcada entre o notáveis
(vizinhos) e o resto dos habitantes da cidade, pelo que se podia dizer que tenderam a ser mais
“democráticos”  cabildos de índios.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 2 - O MUNDO COLONIAL (SÉCULOS


XVI A XIII) - Ciro Flamarion

A) AS BASES DA ECONOMIA COLONIAL

1. Problemas teóricos

Dilema  Por um lado, sociedades surgidas na América Latina só adquirem pleno


sentido se são abordadas como parte de um conjunto de vastos, posto que surgem como anexos
complementares da economia européia, e sob a dependência de núcleos metropolitanos. Por
outro, a empresa colonial fez aparecer sociedades com estruturas internas que possuem uma
lógica que não se reduz a sua vinculação externa com o comércio atlântico e suas respectivas
metrópoles políticas. É necessário também abordar as próprias estruturas internas, descobrir
suas especificidades e seu funcionamento.

Wallerstein  "sistema econômico mundial"  foi em fins do século XV e princípios


do seguinte que se constituiu uma "economia mundial européia". Trata-se de um sistema
“mundial” pelo fato de ser mais amplo que qualquer unidade política (de fato englobava várias
em seu interior), e “econômico” porque o que vinculava suas partes constitutivas era, sobretudo,
laços do tipo econômico. Wallerstein afirma que o mencionado sistema econômico mundial
estava baseado no modo de produção capitalista, que vê como já dominante e quiçá único
dentro do sistema, posto que os demais modos de produção (pré-capitalistas) só puderam
sobreviver em função de sua adaptação ao novo marco, o do capitalismo.

Que se pode dizer a respeito do esquema explicativo de Wallerstein? Em primeiro lugar,


que estamos de acordo com vários de seus aspectos: de fato, existiu algo que podemos chamar
de “sistema econômico europeu”, ou cujo centro econômico encontrava-se na Europa Ocidental;
é certo que tal sistema tendia a tornar-se crescentemente “mundial”; e sem dúvida constituiu
algo sem precedentes na história da humanidade até então.
Onde iniciamos a afastar-nos de sua opinião, é na caracterização de tal sistema
econômico como capitalista e do capitalismo como modo de produção dominante – se não
único – desde fins do século XV e princípios do seguinte. Se durante os Tempos Modernos o
que vemos é somente a gestação e o progressivo desenvolvimento do capitalismo, que sentido
pode ter a denominação “capitalista” atribuída ao incipiente mercado mundial constituído e
dominado pelo capital mercantil?

Por outro lado, nos parece falsa a crença de que as transferências do excedente da
semiperiferia e da periferia para o núcleo tenham sido fator central no advento do capitalismo.
O processo de acumulação primitiva de capital não foi algo ligado só ou principalmente ao
comércio com as áreas coloniais e dependentes, ao tráfico de escravos, etc. Seus momentos
decisivos se deram no próprio núcleo de Wallerstein, isto é, na Europa Ocidental.

Duas vias de desenvolvimento do capitalismo – aquela em que um setor da classe


mercantil se apodera da produção; e aquela em que um setor dos próprios produtores acumula
capital e começa a organizar a produção em bases capitalistas -, sendo a segunda “o caminho
realmente revolucionário”, enquanto que a outra se opôs ao “verdadeiro regime capitalista” e
desapareceu com seu desenvolvimento.

Fernando Novais  “antigo sistema colonial” (séculos XVI-XVIII): O autor define o


“antigo sistema colonial” como o sistema colonial do mercantilismo, o conjunto das relações
entre metrópoles e colônias na época do “capitalismo comercial”. Sua finalidade consistia em
propiciar a dinamização da vida econômica metropolitana através das atividades coloniais. O
mercantilismo que possibilitava que tal função fosse cumprida era o do exclusivo ou monopólio
comercial.

Para que o sistema pudesse funcionar, as formas de exploração do trabalho deveriam ser
de tal tipo que permitissem a concentração da renda nas mãos da classe dominante colonial:
ainda quando a maior parte do excedente se transferia para a metrópole, a parte restante se
concentrava, garantindo assim a continuidade do processo produtivo e da importação de artigo
europeus.

A grande contradição nas economias colônias consistia em que surgiram como setores
produtivos altamente especializados, inseridos no processo de ampliação da economia
mercantil, vinculadas às grandes rotas do comércio mundial; internamente, porém, as próprias
maneiras de produzir impostas pela lógica do sistema determinavam um mercado muito
reduzido. As áreas coloniais estavam à mercê de impulsos provenientes do centro econômico
dominante, e não podiam auto-estimular-se. Novamente as estruturas latino-americanas
aparecem reduzidas a meras conseqüências ou projeções de um processo cuja lógica profunda
lhes é exterior.

Generalizações tão vagas, tendentes, pelo contrário, a assimilar a escravidão, a mita, a


encomienda, etc. a um mesmo esquema, resultam não só inúteis, mas nocivas, se nenhum
esforço é feito para esclarecer a importância das diferenças existentes entre as estruturas e
processos internos das diversas regiões da América, cuja dinâmica ainda que dependente em
ultima instância de impulsos metropolitanos, em nenhum caso se reduz a tais impulsos.
Dizer que o sentido do sistema colonial mercantilista foi preparar o advento do
capitalismo industrial moderno não explica a racionalidade que aquele sistema apresentava para
os homens que foram seus contemporâneos.

2. Expansão comercial e tipo de colonização

A colonização da América foi sem dúvida, em última análise, uma conseqüência da


expansão comercial e marítima européia, um aspecto do grande processo de constituição de um
mercado mundial.

As relações entre metrópole e colônia foram regidas pelo sistema de “exclusivo” ou


“pacto colonial”, através do qual cada metrópole reservava-se o monopólio do comercio de suas
colônias estas últimas tinham por sua vez garantido o mercado metropolitano e o apoio naval da
potência colonizadora. Por outro lado, as estruturas econômicas colônias orientavam-se de
forma complementar a da metrópole. A colonização orientou-se essencialmente para a
constituição de sistemas produtivos destinados a abastecer o mercado europeu com metais
preciosos e produtos tropicais.

Pierre Vilar  Não se deve empregar sem precaução a palavra “burguesia” e deve
evitar-se o termo “capitalismo” enquanto não se tratar da sociedade moderna na qual a produção
maciça de mercado repousa na exploração do trabalho assalariado do não-proprietário pelos
proprietários dos meios de produção.

Acreditamos que a economia dos Tempos Modernos (da metade do século XV até a
segunda metade do século XVIII) é fundamentalmente pré-capitalista, o que se aplica à Europa,
ao mundo colonial a ela submetido, e ao incipiente mercado mundial. O capitalismo, como
modo de produção, está sendo então gerado, porém não se instalará plenamente – e menos ainda
será dominante – antes da revolução industrial. A superação histórica da fase de acumulação
prévia de capitais foi, justamente, o surgimento do capitalismo como modo de produção.

Critérios mais usuais para a classificação das sociedades americanas:

1º Segundo as potências colonizadoras: É correto que certas diferenças importantes


entre distintas áreas coloniais resultavam dos níveis heterogêneos da evolução econômico-social
das potências metropolitanas. Caso, porém tomarmos o Brasil açucareiro (colônia portuguesa) e
as Antilhas francesas e inglesas produtoras de açúcar, teremos colônias escravistas
essencialmente similares entre si, ainda que colonizadas por três países diferentes.

2º Segundo o grau de vinculação ao mercado mundial: Uma tipologia não pode


somente basear-se na esfera da circulação, sem considerar a produção e a estrutura social.

3º Segundo os tipos de produção: Estes dependem em medida considerável dos dados


geográficos e dos recursos naturais, variáveis de uma zona para a outra na América. Teríamos
colônias de mineração, colônias exportadoras de produtos tropicais e colônias produtoras de
alimentos para os próprios mercados da América.

4º Segundo a questão da mão-de-obra e do caráter da colonização: Na zona nuclear, a


conquista significou uma distribuição dos fatores produtivos fundamentais (terra e trabalho), e a
colonização baseou-se na exploração das comunidades indígenas. As sociedades resultantes
foram, sobretudo euro-indígenas. No resto do continente, podemos distinguir duas alternativas
principais: 1) onde as condições naturais permitiam o desenvolvimento das culturas tropicais de
exportação, a importação maciça de escravos africanos levou à constituição de sociedades
principalmente euro-africanas; 2) onde as condições naturais eram próximas às das zonas
temperadas da Europa, constituíram-se colônias de povoamento a partir de uma imigração
européia mais ou menos importante, e surgiram sociedades euro-americanas.

B) SENHORES E INDIOS: MINAS E FAZENDAS NA AMERICA ESPANHOLA

Em meados do século XVI – entre 1540 e 1570 -, a colonização espanhola adquiriu


características plenamente definidas. Os tempos de exploração e conquista cediam a vez ao
assentamento efetivo. Este se baseou na fundação de uma rede de cidades estendida por todo o
continente conquistado, e consolidou-se a organização política e estatal através dos vice-
reinados da Nova Espanha(1535) e do Peru (1551). As Leis novas põem fim, em 1542, à
exploração irrestrita de mão-de-obra aborígine, dando lugar à encomienda de tributos e ao
repartimiento de índios. Por fim são descobertas as grandes minas de prata de Potosí (1545).

1. Os sistemas de trabalho

As Leis Novas de 1542 e as disposições relativas ao repartimiento (1548) delinearam


um sistema de exploração de mão-de-obra indígena que implicava em um compromisso entre os
interesses da Coroa, da Igreja e dos conquistadores. A primeira conseguiu garantir para si
receitas fiscais de importância (ao transformar encomienda de serviços em encomienda de
tributos), e, através do controle de mão-de-obra indígena, impediu a formação de uma poderosa
aristocracia na América.
No conjunto, o sistema de exploração de mão-de-obra era, comparado com a
escravidão, muito mais rentável e com menos risco a curto e longo prazo. Não exigia
desembolso de capital inicial para a aquisição de escravos, a preocupação com os custos de
subsistência dos indígenas foi mínima, e, mesmo sob os efeitos da catástrofe demográfica, o
sistema se reproduzia. Seu segredo residiu em algo que não conhecemos bem: o funcionamento
das comunidades indígenas.

Prestações rotativas de trabalho  Estas constituíam o repartimiento, destinado a


trabalhos de construção urbana e à lavra das terras e minas, remunerados ao menos na lei, ainda
que a taxa mais baixas que o salário livre. O sistema acarretou, muitas vezes, transferências
maciças de população e consideráveis distâncias. As mitas destinadas às minas de prata de
Potosi e de mercúrio de Huancavelica, estabelecidas nos anos 1570, constituem dois exemplos
de funcionamento do sistema de repartimiento. Em menor escala, o sistema de repartimento
funcionou em todas as regiões da América Hispânica que contavam com populações indígenas
sedentárias, mais ou menos densas, uma vez passado os estragos da conquista.

O repartimiento foi, ao menos entre 1550 e 1650, a roda-mestre na exploração de mão-


de-obra indígena. A queda da população, a decadência das minas e a crescente importância da
grande propriedade rural abriram caminha a um sistema mais próximo de servidão pessoal, que
datava os primórdios da colonização. Referimo-nos ao yanaconaje peruano, e aos naboríos do
México. Neste, caso o índio e sua família deixavam em forma permanente sua comunidade para
viver na fazenda.

O trabalho livre existiu em todas as regiões e durante todo o período colonial; porém,
em que pese os esforços legais da Coroa para entendê-lo, nunca excedeu um caráter
excepcional. Mestiços, espanhóis e criollos pobres e índios trabalharam como assalariados em
múltiplas atividades. A decadência do repartimiento originou, desde o século XVIII, a difusão
da peonagem por dívida e outras formas de sujeição pessoal.

2. A terra e os recursos naturais


A política agrária colonial obedecia a 5 princípios básicos:

a) Senhorio da Coroa espanhola, por direito de conquista, sobre a totalidade das terras: a única
via legal de obtê-las era mediante uma mercê;
b) a terra como atração para impulsionar a conquista e a colonização, pela possibilidade que o
colono tinha de converter-se em latifundiário;
c) O princípio de que a ocupação prolongada criava direitos que, permitiam legalizar a
posteriori a posse de terras realengas ou indígenas usurpadas, através do pagamento de uma
soma à Coroa;
d) a idéia de que as aldeias indígenas devia dispor de terras suficientes para garantir a
reprodução da força de trabalho e o pagamento dos tributos;
e) o bloqueio agrário a que estavam submetidos os mestiços, o qual canalizava este setor da
população para o artesanato ou formas variadas de subemprego urbano.

A monopolização das terras começou no século XVI, beneficiando primeiro a


encomenderos e burocratas, e mais tarde a proprietários de minas e comerciantes. O processo
generalizado de apropriação de terras e o surgimento das fazendas situam-se no século XVII e
são considerados como resultado da catástrofe demográfica e da queda da produção das minas.

Ao lado de grandes latifúndios existiu, em grau variável, a pequena propriedade


parcelaria de espanhóis e criollos pobres nos arredores das cidades, e inclusive de mestiços e
aborígines; porém, esta forma de apropriação do solo não foi predominante, e quando existiu,
converteu-se rapidamente em um apêndice das grandes propriedades.

Como funcionavam as colônias? A rentabilidade originava-se, inteiramente, do controle


sobre a força de trabalho e da abundância de terras. As ordens religiosas, e em particular os
jesuítas, foram os melhores administradores de fazendas. As maiores riquezas originaram-se na
exploração dos metais preciosos. Não é exagerado afirmar que todo sistema imperial espanhol
esteve voltado para a produção, o transporte e a proteção da prata.

3. As técnicas de produção

A primeira constatação, se atentarmos para as técnicas de cultivo e de coleta, é a do


primitivismo. Uso generalizado da coivara; precários instrumentos para lavrar a terra; um baixo
nível de produtividade e uma extrema vulnerabilidade a pragas e a contratempos
meteorológicos.
A tradicional oposição espanhola entre pecuaristas e agricultores reproduziu-se na
América, em escala ampliada, e excluiu desde logo uma agricultura diversificada que os
aborígines também desconheciam.
Nos campos agrícola e pecuário, a simbiose de técnicas indígenas e européias parece ter
redundado em um processo de estagnação ou de involução.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Capítulo 2 - A MINERAÇÃO NA AMÉRICA


ESPANHOLA COLONIAL. - Bakewell

O grande auge da prata do norte: Zacatecas (1546), Guanajuato (c. 1550), Potosi (1545).

Técnicas extrativas

A mineração colonial da prata, normalmente explorava os filões mediante o sistema de


escavação aberta, para depois aprofundar a prospecção à maior profundidade em busca de
concentrações mais ricas de mineral. Este procedimento, que chegou a traçar túneis retorcidos e
estreitos, se chamou na Nova Espanha “sistema do rato”. Dito sistema perdurou em pequenas
minas ao longo de toda etapa colonial e também depois. Culpou-se a esse sistema de muito dos
problemas da mineração colonial. Mas o método surgiu de forma natural. Os mineiros
profissionais que havia inicialmente na América resultavam insuficientes para transmitir seus
conhecimentos sobre o trabalho subterrâneo aos milhares de extratores individuais que vagavam
pelos distritos mineiros. E a coroa não fez nada para racionalizar a exploração do mineral. De
fato, fez o contrário. Ansiava obter o máximo proveito de seus direitos sobre os metais
preciosos, e considerou que deixando plena liberdade para prospecção e a extração se
conseguiria o máximo de produção.

A disponibilidade de mão-de-obra indígena não favorecia a boa planificação das


explorações: resultava mais barato, por exemplo, empregar o “sistema do rato”, fazendo que os
trabalhadores tirassem o material através de uma cadeia serpenteante, que cavar poços verticais
especiais. Isso foi assim especialmente nas primeiras décadas, enquanto abundou a mão-de-obra
indígena; por volta de finais do século XVI esta se foi fazendo escassa e cara, e os indícios de
racionalização que evidenciaram então nas explorações foram, provavelmente, conseqüência
dessa contração da oferta de mão-de-obra (mdo).

A primeira melhora que conduziu a uma notável racionalização das explorações


subterrâneas foi a escavação de túneis: túneis ligeiramente inclinados que, desde a superfície,
intersectavam as galerias inferiores da mina. Os túneis também serviram para consolidar as
explorações como sistemas mais amplos. Os mineiros começaram a propor-se tal consolidação
por volta de meados do século XVII, comprando as concessões adjacentes e conectando-as
mediante túneis e galerias.

Matérias primas

O tratamento do mineral de prata requeria uma certa variedade de matérias primas,


algumas das quais eram limitadas.

- Sal  para a amálgama.


- Chumbo  para fundições.
- Ferro  para maquinaria e pulverizado pra amálgama.
- Madeira  para construção e combustível.
- Água  lavagem dos minerais refinados e fonte de energia.
- Mercúrio  quase todo mercúrio utilizado na América Espanhola, vinha de Huancavelica, nas
terras altas do centro do Peru. A coroa não somente exerceu um estreito controle sobre a
produção e distribuição de mercúrio, mas também determinou o preço da venda. Os preços do
mercúrio seguiram uma tendência à queda ao longo do período colonial, já que os refinadores
solicitavam constantemente reduções e a coroa fazia concessões ante o argumento de que os
preços baixos do mercúrio se veriam compensados com acréscimos pelo incremento da
produção de prata.

Sistemas de trabalho

A mineração dependia da força de trabalho indígena. Os negros, escravos ou livres,


representavam tão somente uma pequena proporção, exceto nas minas de ouro, onde integravam
a maior parte da mdo. A ocupação mais próxima ao trabalho físico das minas que realizavam os
brancos era a prospecção; geralmente eram supervisores e proprietários.

Os sistemas comuns de trabalho implantados na etapa colonial foram, por ordem


cronológica: a encomienda, o escravismo, o trabalho forçado e o trabalho a jornal.
O recrutamento forçado de trabalhadores indígenas sucedeu a encomienda, embora não
se possa distinguir uma separação nítida entre ambos sistemas. Nos dois vice-reinados, o
recrutamento de mdo para mineração estava amplamente organizado por volta de fins da década
de 1570: tratava-se do “repartimiento” na Nova Espanha e a mita no Peru.

Ao longo do século XVI, a coroa e muitos colonos começaram a encontrar vantagens


nos sistemas de recrutamento de mdo, já que sua conseqüência imediata era a de apartar aos
índios do arbitrário controle dos encomenderos e colocá-los a disposição do crescente número
de espanhóis não encomenderos. Os recrutamentos oficiais proporcionavam à coroa a
possibilidade de criar uma força de trabalho nativa assalariada na América.

O mais extenso, organizado, famoso e – segundo as estimativas gerais – infame doa


recrutamentos forçados mineiros foi a mita de Potosi. Normalmente se responsabiliza
pessoalmente da mita de Potosi e de sua crueldade, ao vice-rei peruano que implantou o sistema,
D. Toledo. Mas Toledo atuava de acordo às instruções gerais a coroa para forçar aos índios a
mineração.

A mita contribuiu à despovoação, já que acelerou o declive já existente ao provocar a


fuga das pessoas das províncias nas que se realizavam as levas, e ao impulsionar a alguns
mitayos a permanecer em Potosi, ao amparo anônimo que lhes proporcionava as massas de
população indígena da cidade, e ao desarticular os ritmos agrícolas e da vida familiar. A esta
sobrecarga de trabalho lhe seguiram flagrantes abusos. Os índios capazes de fazê-lo compravam
sua isenção da mita, contratando substitutos os pagando a seus próprios curacas o dinheiro
necessário para fazê-lo.

Depois da mita de Potosi, a de Huancavelica ocupava o segundo lugar em relação a


quantia dos índios recrutados. Também esta foi criada por Toledo. Mas os mitayos dessa mita
deviam padecer muitas mais calamidades que os de Potosi, a julgar pelos extraordinários riscos
que comportava o trabalho nestas minas de mercúrio: vapores tóxicos e rocha branda propensa a
desabamento.

Na ordem de 1601, a coroa expressava seu desejo de que a mão de obra mineira fosse
voluntária. Desde logo, o trabalho voluntário dos índios em todos os setores produtivos era o
ideal que se perseguia desde os começos da era colonial. Nas culturas caribenhas, os espanhóis
encontraram o naboria, “plebeu dependente de um nobre e que portanto não participava
plenamente nos direitos e obrigações gerais da comunidade”. Os espanhóis aplicaram o mesmo
termo à uma categoria social similar na Nova Espanha. Em território inca, o yanacona ocupava
mais ou menos a mesma posição. Essas duas categorias sociais assumiram rapidamente uma
ampla gama de funções na sociedade colonial, em troca de muitas das quais recebia um salário,
convertendo-se assim nos primeiros trabalhadores assalariados. Uma de suas ocupações
características era a mineração.

Esta forma insipiente de trabalho assalariado na mineração incrementou-se rapidamente


por duas razões. 1º A mineração requeira habilidades que uma vez adquiridas eram muito
apreciadas. 2º Muitos dos centros mineiros se encontravam em zonas onde a população não era
suscetível de ser recrutada ou submetida à encomienda, que fosse por sua dispersão ou por sua
belicosidade.

- Negros  nas terras altas de prata (Potosi), não se empregava aos negros para os trabalhos
subterrâneos; ocupavam-se nas refinarias e sobre tudo no artesanato, ou como serventes
pessoais dos mineiros. Nas minas de ouro das terras baixas, os negros tinham uma boa
resistência às enfermidades e aos trabalhos duros.
- Índios tudo ao contrário.

Repercussões sociais

Para os imigrantes espanhóis ou os colonos pobres a mineração supunha uma forma


rápida, embora perigosa, de ascensão social. A riqueza da mineração reportou a quem a ostentou
não somente o reconhecimento social, mas também autoridade política.
Também para os índios a mineração podia supor mudanças sociais profundas. O mais
radical era o deslocamento do meio rural para o urbano que impunha a mineração, que supunha
o abandono das comunidades agrícolas tradicionais e a ida às cidades dominadas pelos
espanhóis.

A mineração e o Estado

Em princípio, a coroa havia obtido o máximo proveito da mineração explorando as


minas por si mesma. A lei obrigava no século XVI a reservar uma parte de todo novo filão para
a coroa. A coroa conservou sempre o interesse particular na produção de mercúrio. A
propriedade das jazidas de Almadén e de Huancavelica permaneceu totalmente nas mãos do rei.

As grandes jazidas de ouro e prata na América ficavam fora do alcance da gestão real
direta. Invocando seu antigo direito de propriedade universal das jazidas de metais preciosos, a
coroa exigiu um direito sobre a produção, em troca de conceder a liberdade de prospecção e
exploração das jazidas aos súditos espanhóis. Deste modo o governo se desfazia dos custos de
produção, ao tempo que encorajava atividade prospectiva. Foi estabelecida finalmente em 1504
a regalia de uma quinta parte, o famoso quinto real.

A ostentação pela coroa de 3 poderes legais sobre a mineração – 1. controle dos direitos
reais. 2. controle da distribuição do mercúrio e do seu preço. 3. poder de conceder ou negar o
recrutamento de mdo – conferia a dita indústria um certo ar de empresa estatal.

O capital

- Prata  a produção mediante o primitivo sistema de fundição requeria escassos investimentos


de capital: o mineral se encontrava geralmente perto da superfície, e era muito simples construir
um forno de fundição, peça essencial do processo de refinaria. Os investimentos cresciam para a
amálgama de prata. Neste caso, a refinaria precisava de um amplo conjunto de instalações.
Assim, em geral, uma hacienda de refinaria figurava entre os bens mais custosos que podiam
comercializar-se nas colônias.
- Aviador  abastecedor de mercadorias e créditos. Eram fontes de crédito externo para
financiar a mineração. Os primeiros eram comerciantes que concediam créditos aos mineiros
sobre o gênero que lhes abasteciam como parte normal do negócio. Logo começaram a
emprestar também dinheiro. Como pagamento, aceitavam prata refinada, mas sem cunhar.
Portanto, o aviador se converteu também em um comprador de prata bruta ou “resgatador”.

A produção de prata

Os metais preciosos da primeira década posterior à conquista procediam na realidade


dos saques, e não da produção da minas. Os conquistadores se apropriaram de grandes reservas
de ouro, mas grande parte delas haviam sido exploradas durante muito tempo pelos povos
autóctones, de maneira que quando os espanhóis tomaram conta deles já estavam parcialmente
esgotados. Portanto, a produção de ouro tendeu a diminuir no século XVI. Pelo contrário, a
produção de prata tendeu a aumentar, já que as jazidas se haviam explorado muito pouco
anteriormente, e se adaptaram bem às novas técnicas.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - A exploração da prata em Potosí - Pierre


Vilar

O Sistema de Exploração de Potosí

A) Propriedade e exploração

Em princípio, o subsolo pertence ao rei. Portanto, não há proprietários de minas, mas


concessionários perpétuos que garante a exploração. É a eles que se chama "mineiros". Esses
concessionários são muito numerosos e diversos.

Quanto à qualidade dos concessionários, vai desde o próprio rei e os mais altos
funcionários até viúvas de colonos, humildes eclesiásticos e modestas companhias, onde às
vezes entram índios - e também portugueses.

A primeira fase de exploração (1545 - 1564) que corresponde à técnica da "guaira"


tinha sido entregue quase inteiramente aos índios. Esses índios que tentavam a aventura mineira
entendiam-se com um proprietário de concessão para que os deixasse explorar tantas "varas"
deste filão. Por isso foram chamados "índios-varas".

Na segunda fase da exploração (depois de 1570/72) a mão-de-obra, mais numerosa, é


proporcionada pela "mita" ou trabalho forçado. Os índios desempenham um papel menor e
menos remunerador para eles.

Finalmente, como os "mitayos" - índios requisitados - nunca são suficientemente


numerosos para a crescente exploração, aluga-se mão-de-obra livre, remunerada a 4 reais
diários e menos submissa (os "mitayos" cobram um salário de 3 reais e meio).

B) Técnica de investimento

A necessidade de transformação técnica fez-se notar quando os filões mais ricos


começaram a esgotar-se e a introdução do amálgama originou necessidades de investimento que
a primeira fase não havia conhecido. Mas o tratamento por amálgama exige uma aparelhagem
complexa e cara.

C) A mão-de-obra e as condições de trabalho: "mitayos", escravos e trabalhadores livres

Demograficamente menos mortífero do que o trabalho dos "placeres", o trabalho das


minas tornou-se o símbolo da opressão colonial espanhola sobre os índios. A forma de trabalho
determinada "mita" tem aspectos horríveis.
"Não é prata o que se envia para a Espanha, é suor e sangue dos índios"

a) O trabalho é duro: O índio passa 8 horas na mina, mas as dimensões das galerias só
permitem quatro horas de trabalho por operário. Cada carregador deve tirar duas arrobas (23 kg)
de mineral numa bolsa.

b) Os donos (ou capatazes) são duros: Dizem ao índio que é um cachorro, e que trouxe pouco
metal ou que se demorou muito, ou que é terra o que extraiu ou que roubou.

c) O trabalho é insano: O que ameaça o índio que trabalha no fundo, em curto prazo, é a
pneumonia, ao sair do calor da mina e encontrar-se nesta montanha exposta ao vento, a 4.000m
de altitude; em longo prazo é a "tosse", silicose pulmonar contraída no pó de fumo de vela das
galerias.

d) O trabalho e mal pago: Não se deve acreditar que o trabalho forçado seja gratuito; não é uma
escravidão. O "mitayo" requisitado tem direito a um "jornal" em prata, com o qual deve
alimentar-se: é de 3 reais e meio, mas de fato o dono só paga a "norma", isto é, que o índio que
não supera a quantidade prevista só recebe uma parte do soldo. O índio alugado livremente -
"mingado" - é pago com 4 reais e tem o direito de discutir seu pagamento, mas disto resultam
muitas desordens.

e) A "mita": Instaurada pelo vice-rei Toledo, como único meio de fazer render ao máximo as
minas de Potosí, a "mita" está relacionada teoricamente com os costumes incas dos deveres do
indivíduo para com o Estado. Não é dever pessoal, é um imposto coletivo das aldeias, das
comunidades. Cada comunidade deve designar jovens mobilizados para a mina. Isto começou
em 1559 quando se requisitaram índios sob pretexto de fazê-los pagar, em forma de trabalho, os
tributos em espécie devidos pela comunidade. Foi convertida em sistema em 1570 e acabou por
ser legalmente generalizada.

f) A escravidão: apesar das "Leyes de Indias" oporem-se formalmente a isso, pratica-se a


escravidão de índios. É normal confundir "mita" com "escravidão"; com efeito, o "mitayo" é,
teoricamente, livre; é mobilizado temporariamente; não é propriedade de ninguém e tem um
salário; em troca, tem que se alimentar em quanto que o escravo é alimentado.

D) A defesa dos índios, as "leis sociais", a participação nos lucros:

Os sermões apaixonados, indignados, de alguns religiosos, demonstram infelizmente


que as injustiças e brutalidades nunca desapareceram, que as discussões teológicas entorno do
direito natural nunca se transformaram em debates a favor de uma igualdade real, e que as leis -
por muito admiráveis que sejam em teoria, como as "Nuevas Leyes de Indias" de 1545 - nunca
foram aplicadas efetivamente. A fórmula dos colonos era: "se obedece y no se cumple".
Naturalmente, o argumento era que o futuro econômico de todo sistema estaria comprometido
pela aplicação exata das leis de proteção ao índio.

Apesar de tudo, a existência dessa legislação e destas discussões produz certos


resultados: existem funcionários especializados, os "protetores dos índios"; muitos se
aproveitam de suas funções para dedicar-se a especulações várias. É certo que existem
verdadeiras instituições de segurança social: hospitais, casas de previsión,inspeções de
segurança nas minas. É este aspecto moderno que permitiu exaltar o espírito social das
instituições coloniais espanholas.

E) Sistema de realização do produto: o mercado livre da prata


A prata extraída do mineral bruto pelo sistema de amálgama é "ensayada" no
estabelecimento administrativo que ao mesmo tempo deduz o quinto correspondente ao rei.
Sabe-se então quanto vale um "peso ensayado", moeda corrente de Potosí.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 3 - FORMAÇÃO E ESTRUTURA


ECONÔMICA DA HACIENDA NA NOVA ESPANHA - Enrique Florescano

Transformação econômica

1ª Revolução  invenção da própria agricultura.


2ª Revolução combinação da decida brutal da população nativa com a penetração dos
espanhóis no território e a propagação neste de plantas e animais europeus.

Em poucos anos o grão transformou a paisagem tradicional dos campos indígena,


inaugurou a exploração de riquíssimas terras, introduziu o uso permanente de técnicas de
cultivo espanholas, tais como o arado. A meados do século XVII, as terras antes desoladas do
Bajío se converteram nas terras agrícolas mais modernas, importantes e prósperas da Nova
Espanha.

A cana-de-açúcar foi outro dos veículos que contribuiu para a grande transformação do
meio natural e social. Introduziu-se a partir da década de 1530. À margem de sol, de água e
terras extensas e planas, a safra exigiu também de grandes investimentos para converter o suco
da cana em cristais açucarados. Portanto desde um princípio, a exploração e processamento da
cana esteve associado aos senhores poderosos.

A penetração européia nas terras temperadas e quentes foi também estimulada pela
demanda de produtos tropicais como o tabaco e o cacau, que desde a segunda metade do século
XVI passaram a explorar-se a escala comercial. Entretanto, o impacto mais violento na
paisagem natural e cultural da NE o produziu a introdução do gado. Entre muitas das surpresas
que aguardavam aos colonizadores, nenhuma teve o impacto similar como a que produziu a
prodigiosa multiplicação das vacas, cavalos, ovelha, cabras, porcos, mulas e burros que, em
poucos anos repovoaram NE e mudaram subitamente a fauna original e o uso do solo.

Planícies costeiras de Veracruz e do Pacífico  áreas de “gado maior” chamadas


“estâncias” pelos espanhóis, onde vacas, cavalos e mulas podiam reproduzir-se.
O gado, a agricultura e as minhas de prata atraíram numerosas ondas de população
branca, índia e negra aos territórios, completando o processo de colonização e de integração da
economia.

A expansão e multiplicação do gado permitiu a introdução das técnicas espanholas de


pastoreio: a utilização comum dos pastos, pequenos bosques e baldios e a mesta ou agrupação
de pecuaristas. Estes últimos foram quem estabeleceram as regras de pastoreio e transito do
gado.

Criou-se o homem a cavalo, o vaqueiro, que junto ao mineiro e o missioneiro, foi uma
das figuras centrais da colonização do norte. Ao mesmo tempo, as carretas e carros puxados por
bois revolucionaram o sistema de transportes, encurtando distâncias e facilitando o translado de
mercadorias e produtos. Estes animais foram a primeira força de tração não humana que se
utilizou no México, e com eles começaram-se a mover moinhos para triturar minerais e para
processamento do açúcar.
O frade evangelizador foi outro dos agentes que contribuiu a grande transformação
ecológica que se experimentou na NE. Cada missão, convento ou pueblo de índios, que os
missionários fundaram, viam nascer sua horta de árvores frutíferas européias, tais como
laranjeiras e limoeiros.

Distribuição da terra

A primeira distribuição regular de terras foi feita pelos ouvidores da Segunda Audiência
(1530 – 35).
A partir da segunda metade do século XVI, o desinteresse dos espanhóis pela terra e
pelas atividades agrícolas mudou repentinamente, e começaram, cada vez mais, a solicitar novas
mercês de terras. Os dois períodos de intensiva distribuição de terras, 1553-63 e 1585-95,
estiveram estritamente relacionados com as grandes epidemias que dizimaram a população
indígena.

A decisão da Coroa de levar a cabo uma massiva distribuição de terra entre muitos
colonos institucionalizou o processo original de ocupação desordenada da terra, e deu
estabilidade aos proprietários agrícolas, precisamente em um momento que o descobrimento de
minas, a expansão colonizadora e a decadência da agricultura aborígine requeriam a criação de
novos recursos alimentícios. A demanda e oferta de mercês de cavalaria e estâncias atraíram
tanto a velhos como a novos colonos sem recurso algum aos novos pueblos agrícolas, que desde
1560 em diante foram estabelecendo-se no Bajío e mais ao norte, dedicados principalmente a
abastecer os centros mineiros. Do mesmo modo, a subida dos preços dos produtos alimentícios
e a abundante disponibilidade de terra, estimulou a formação de haciendas e ranchos mistos, isto
é, agrícolas e pecuaristas, que rodeavam as cidades e capitais administrativas do centro e sul do
vice-reinado.

Mão-de-obra

A hacienda conseguiu estabilizar-se quando conseguiu criar seu próprio sistema de


atração, manutenção e reposição dos trabalhadores. Demorou pouco mais de um século para
consegui-lo, devido à luta constante mantida pela comunidade indígena.

De 1521 a 1542, os encomenderos dispuseram livremente da energia dos índios da


encomienda. Sob o sistema de encomienda, o indígena conservou seus vínculos com o pueblo e
grupo ao que pertencia, estabelecendo com o encomendero uma relação temporal, que consistia
em um trabalho estacional e sem especialização, que devido ao caráter político de vassalagem
não implicou remuneração salarial alguma.

Esta situação começou a mudar quando a Coroa avaliou a diferença entre a renda em
tributos que proporcionava os indígenas, e a renda em moeda que começava a dar a exploração
agrícola, pecuarista e mineira. Mas na medida em que estas atividades necessitavam uma mão-
de-obra fixa e permanente que a encomienda não podia proporcionar, os espanhóis introduziram
o escravismo tanto para os índios como para os africanos.

Em 1548, proibiu-se a escravidão dos índios, e muitos dos índios liberados se


converteram nos primeiros "naborías", que viveram e trabalharam permanentemente nas
haciendas e nas minas em troca de um salário. Entretanto, foram os escravos vindos da África
os que se converteram em trabalhadores permanentes, e especialmente, durante os anos críticos
entre 1570 e 1630, quando a população indígena entrou em colapso.

Para terminar com o monopólio da mão-de-obra indígena, a Coroa, em 1549, decretou a


abolição dos serviços pessoais das encomiendas. Em 1550, ordenou-se ao vice-rei Velasco a
implantação de um sistema, mediante o qual os índios deviam trabalhar a jornal nas explorações
espanholas, dispondo dessa vez, que se não o faziam voluntariamente, as autoridades deveriam
forçá-los a fazê-lo. Este sistema, conhecido como "repartimiento" ou coatequitl, passou a
generalizar-se desde 1568 a 1630.

Entre 1550 e 1560, também foi decretado que, no lugar de pagar os tributos mediante
produtos diversificados, estes deveriam pagar-se somente através de duas formas: pagamentos
em dinheiro e pagamentos em espécie, os últimos preferencialmente em produtos agrícolas
(milho e trigo). Levando em consideração que a única via para que os índios pudessem obter
dinheiro era trabalhando nas minas, haciendas e serviços públicos, esta disposição foi outra das
maneiras de forçar aos índios a trabalhar nas explorações espanholas.
Em fins do século XVI e nas primeiras décadas do XVII, os hacendados começaram a
se opor ao reparto forçado dos trabalhadores indígenas levado a cabo pelos corregidores e
reclamaram do direito de contratação em um mercado livre de trabalho, sem interferências das
autoridades. Exigiam que os índios fossem "livres para trabalhar como quisessem e em qualquer
atividade que escolhessem, e a ir com aqueles patrões que oferecessem as melhores condições".

Assim, os hacendados começaram a reter os trabalhadores indígenas em suas haciendas


e a compensá-los com um jornal. Em 1632 a Coroa ratificou este sistema novo de trabalho, ao
decidir a supressão do repartimiento forçado de trabalhadores agrícolas, e aprovar a contratação
voluntária dos mesmos mediante o pagamento de um jornal.

Deste modo, os proprietários de grandes haciendas agrícolas e pecuaristas puderam


dispor, pela 1° vez, de uma força de trabalho permanente, e não escrava, ao longo de todo o ano.
A expansão territorial da hacienda se reforçou com a aquisição destes trabalhadores, que a partir
de 1630 em diante passaram a residir e a reproduzir-se nos confins territoriais da propriedade,
constituindo a peonagem enclausurada (peonaje encasillado), trabalhadores que praticamente
careceram de toda liberdade de movimento.

A hacienda deixou de ser uma mera "terra de labor" ou "estância de gado" para
transformar-se em uma unidade de produção independente.
Norte  não havia populações de índios sedentários suscetíveis de serem forçados a
trabalhar nas empresas espanholas
Durante o século XVII, os trabalhadores permanentes das haciendas pecuaristas do
norte, das açucareiras das costas e dos vales tropicais eram escravos negros, mulatos, criollos e
mestiços, todo eles sem uma posição estável dentro do grupo dos espanhóis e dos índios, setores
que constituíam os dois pólos da hierarquizada sociedade.

Norte  era onde existia uma grande mobilidade laboral. O meio mais comum para
atrair os trabalhadores foi através da "peonagem por dívidas", que consistia em adiantar dinheiro
e roupa por conta do futuro jornal. Além disso, na medida em que se continuava lançando
dinheiro ou artigos, o endividamento se convertia na forma mais habitual de manter os
trabalhadores permanentemente presos, retidos e atados à hacienda.

O grande problema das haciendas agrícolas era o de dispor de um número considerável


de trabalhadores estacionais para as temporadas de semeadura, plantio e colheita. No século
XVII, os hacendados do Bajío resolveram o problema mediante o arrendamento de parte de suas
terras aos camponeses, sob um compromisso pelo qual estes se comprometiam a trabalhar para a
hacienda durante os períodos estacionais. Esta solução deu lugar a formas de posse da terra,
como os chamados "tienda de raya" (comércio dentro da hacienda onde os salários eram pagos
em espécie).
O mercado e o funcionamento econômico da Hacienda

A hacienda surgiu para satisfazer a demanda interna dos mercados urbanos e mineiros.
Cidade do México foi o primeiro mercado que impulsionou a seu redor a formação de um
cinturão de haciendas mistas, agrícolas e pecuaristas. Este mercado concentrava o maior número
de habitantes e grande parte dos benefícios monetários da atividade econômica do vice-reinado.
Ainda assim, a capital não pode competir com os dinâmicos mercados mineiros, onde se
realizavam os investimentos mais elevados, se pagavam os salários mais altos e a maioria da
população usava dinheiro ou créditos para suas atividades comerciais.

Naqueles lugares onde não houve grandes investimentos ou concentração de riqueza


importante e a população não aumentou, os reduzidos mercados apenas deram lugar a pequenas
estâncias pecuaristas que requeriam pouco investimento e escassa mão-de-obra.

O setor agrícola mercantil da NE se concentrou em torno de dois eixos que vinculavam


a colônia com a metrópole: os complexos mineiros e os centros político-administrativos. A
produção agrícola estava condicionada, não somente pela área cultivada, mas também pelas
freqüentes oscilações climáticas. Levando em conta que NE dependia exclusivamente da
produção agrícola interna para satisfazer suas necessidades, as abismais flutuações cíclicas
determinaram o volume da oferta, as características da demanda, o nível e flutuação dos preços
e a estrutura do mercado dos produtos de primeira necessidade: milho, trigo e carne.

Os grandes hacendados obtinham seus maiores benefícios precisamente nas épocas em


que a maior parte da população sofria os estragos da carestia, a fome e a desocupação. Nos
casos de considerável diminuição das colheitas, eram o milho e o trigo os que iniciavam
rapidamente a subida dos preços, seguidos depois pela carne, já que as secas e geadas destruíam
também os pastos e causavam grande mortandade do gado.

Os anos de más colheitas significavam uma escassez geral de produtos alimentícios


básicos, uma subida galopante de preços e dilatação do mercado de produtos agrários. Nestes
anos, o volume das vendas de grão dos mercados urbanos e mineiros duplicava ou triplicava ao
das épocas de boas colheitas. Aqueles que em épocas de abundância nunca compravam, por
serem produtores e autoconsumidores de seus próprios frutos, em períodos de más colheitas se
convertiam em puros consumidores de produtos alheios.

Ao igual que toda empresa dedicada à venda de seus produtos, a hacienda organizou-se
para obter um excedente, que deveria beneficiar aos proprietários. Para obter tal excedente, os
hacendados necessitavam aumentar os benefícios em conceito de vendas e reduzir ao mínimo a
compra de insumos, para assim poder manter sua classe e condição social e adquirir os artigos
europeus que eles não produziam. Uma maneira de alcançar estes objetivos era através da
ampliação territorial da hacienda.

Na maior variedade possível de terras (irrigadas, estacionais e pastagens) e de recursos


naturais (rios, bosques), os proprietários buscavam precisamente uma economia equilibrada. Por
uma parte, a multiplicidade de recursos fez diminuir a aquisição de insumos do exterior e, por
outra, dotou a hacienda de maiores defesas frente às flutuações do clima, pois coma
disponibilidade de terrenos mais extensos e diversificados, os mais férteis e melhor irrigados
podiam ser destinados aos cultivos comerciais, outros a cultivos de autoconsumo, deixando o
resto em descanso.

Séculos XVI e XVII  mercados pequenos, demanda fraca e preços baixos = maioria dos
agricultores se concentrou no aproveitamento máximo dos setores reservados ao autoconsumo e
os deixados em descanso, reduzindo os dedicados a atividades comerciais.
Século XVIII  crescimento dos mercados, incremento da demanda, subida dos preços e
expansão demográfica = setores destinados a cultivos comerciais e de autoconsumo se
estendiam em detrimento dos descansos, e então se criava a necessidade de arrendar ou adquirir
novas terras. A terra aumentava de valor, e, em consequência, a mais fértil se destinava a aquele
bens mais comercializáveis, enquanto que para os produtos de autoconsumo e para a pecuária se
colocava em usos a menos fecunda.

Os estudos sobre as haciendas coloniais mostram que todas elas tentavam ser auto-
suficiente em produtos básicos, especialmente milho, pois os hacendados entregavam rações
deste produto aos jornaleiros permanentes e aos estacionais, em lugar de salário. As grandes
propriedades territoriais e as pertencentes às ordens religiosas, além de serem auto-suficientes
em grãos e produtos pecuários, se auto-abasteciam de muitos outros artigos básicos, pois as
haciendas possuíam oficinas de carpintaria e de ferro. As haciendas criaram, em benefício
próprio, um complexo produtivo e inter-relacionado. Neste sentido, o que uma não produzia em
quantidades suficientes, era proporcionado por outras, e vice-versa, sem necessidade de recorrer,
portanto, ao mercado aberto.

Século XVI  principais cidades da região central (Cidade do México e Puebla) eram
abastecidas pelos agricultores indígenas.
Séculos XVII e XVIII  estas cidades já estavam dominadas pela produção das haciendas que
haviam crescido em seus arredores.

O crédito

O problema central na formação da hacienda foi a disponibilidade de dinheiro em


efetivo para criar, desenvolver e manter a hacienda. Portanto, a história da hacienda está
estritamente vinculada àqueles indivíduos que estavam em posse do recursos mais escasso de
toda a economia colonial: capital disponível e facilidade de crédito. A base da progressiva
simbiose entre hacendados, funcionários, mineiros, comerciantes e membros da Igreja foi o
crédito.

Ante a inexistência de instituições de crédito, durante os séculos XVI e XVII, os


agricultores tinham que recorrer aos funcionários, proprietários mineiros e comerciantes ou
membros da Igreja para obter créditos. Como garantia, o agricultor era avaliado por uma pessoa
econômica e socialmente solvente (paga o que deve ou tem meios para pagar), ou deixava que
suas propriedades ficassem hipotecadas. Em suma, o agricultor tinha que recorrer a pessoas
alheias à agricultura para conseguir dinheiro ou créditos.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 3 - Política e administração na


sociedade colonial hispânica - Susana Bleil de Souza

O Conselho das Índias  a autoridade suprema para todas as questões coloniais em Madri. A
este grupo de conselheiros encarregados de todos os assuntos referentes aos territórios recém
descobertos deu-se o nome de Real y Supremo Consejo de las Indias. O Conselho foi,
predominantemente, um órgão legal e suas decisões dependiam somente do rei. Além de ser
uma autoridade administrativa era também um tribunal superior em todas as causas cíveis e
penais referentes aos territórios americanos.
As decisões do Conselho se estendiam a todos as instâncias da vida colonial:
consultivas, legislativas e jurídicas. Como cabeça hierárquica de toda a autoridade
administrativa, ele dirigia a administração civil, militar, fazendária e da justiça, além de estar
encarregado do padroado régio. Nesta função, controlava a administração eclesiástica nas
Índias, bem como os contatos entre o clero colonial e a Cúria romana.

Casa de Contratação  o principal órgão administrativo referente à colônia era de natureza


econômica. Fundada em 1503, em Sevilha, destinada a fomentar e regular o comércio e a
navegação com os novos territórios. A Casa não era uma organização dedicada ao comércio,
deixado exclusivamente nas mãos de particulares, mas ao seu controle.

Leis e Decretos
Um vasto corpo de leis e decretos promulgados na metrópole regiam os destinos das
Índias. De todas as ordens da Coroa, a de maior alcance era a provisión, uma lei geral que se
referia às matérias de Justiça e de governo. Assim, as famosas Leis Novas eram na verdade
provisiones reais relativas à organização do governo e ao tratamento que deveria ser dispensado
aos indígenas. O documento mais comum usado pela monarquia era a real cédula e na maioria
dos casos tratava de questões bem concretas, com recomendações do Conselho das Índias.
Havia ainda o auto, sem destinatário concreto, mas também contendo decisões do Conselho ou
das audiências.

Os Vice-reinos
O cargo político mais importante nos territórios ultra-marinos espanhóis era o de vice-
rei: o primeiro nomeado para a Nova Espanha, em 1535 e o seguinte para o Peru em 1543. O
seu poder era grande: exercia o cargo de governador na província pertencente à sua capital,
presidia à audiência do vice-reino e era também capitán general. Os poderes e atribuições do
vice-rei eram regulados pela Coroa: as nomeações para as sedes episcopais e a organização de
tropas pagas pra repelir uma invasão, por exemplo, tinham que ter a prévia aprovação do rei.

As Audiências  um tribunal de apelação de estrutura colegiada. A audiência era um tribunal


composto por juízes profissionais, os oidores, que tinham formação jurídica e seguiam direito
civil geral. Foi um instrumento eficaz de controle das autoridades representantes da Coroa
contra o abuso de poder. Uma instância de caráter exclusivamente jurídico. Além dos tribunais e
conselhos consultivos nas sedes dos vice-reinos, elas assumiam as funções do governo no
interregno entre a saída de um vice-rei e a chegada do seguinte.

O rei concedia meios de controle recíproco aos vice-reis e às audiências, passando a


enviar juízes visitadores para fiscalizar a conduta de seus altos funcionários, preservando
também deste modo, seus súditos das arbitrariedades de seus agentes de poder. Dois eram os
procedimentos de controle: a visita e a residência.

A visita consistia no exame do desempenho de uma autoridade e era decidida pelo


Conselho das Indias quando existiam informações sobre irregularidades graves. Pela residência
passavam todos os funcionários no final de seus mandatos, inclusive o vice-rei. A residência se
dividia em duas etapas: uma secreta, onde eram examinados os dossiês administrativos, e a
outra pública, onde eram apresentadas as queixas contra o funcionário, perante o juiz
investigador. Nesta etapa, qualquer particular, espanhol ou indígena podia apresentar-se como
acusador desde que munido de provas. O funcionário tinha oportunidade de expor sua defesa e
chamar testemunhas a seu favor.

No Império colonial espanhol, de um modo geral, os cargos públicos só eram


preenchidos por espanhóis europeus e os criollos, espanhóis nascidos na América estavam
excluídos de tais cargos.
Havia ainda outros impostos, que eram arrecadados pelos funcionários da Fazenda: a
alcabala, ou imposto sobre a venda; o almoxarifado, cobrado sobre as importações; e o imposto
religioso, conhecido como cruzada.
Os vice-reis, os governadores e as audiências formavam o nível superior da administração
colonial.

As reformas administrativas do século XVIII

No séc. XVIII, sob nova dinastia dos Bourbons, foram realizadas reformas
administrativas e econômicas com o objetivo de aumentar as rendas reais. As reformas
atingiram tanto a metrópole quanto as Indias, e o objetivo era organizar um aparelho estatal
mais controlado pela Coroa. Felipe V, em 1714, criou quatro ministérios, entre os quais o das
Indias, que usurpou algumas das funções mais importantes do antigo Conselho das Indias. O
novo ministério tornou-se uma agência real para a emissão de ordens sobre as finanças, o
comércio, a guerra ou qualquer outro assunto de estado que fosse importante.

Outros dois novos se formaram após a reorganização administrativa. O de Nova


Granada, estabelecido definitivamente em 1739, compreendia, originalmente, o território das
atuais repúblicas da Venezuela, Colômbia e Equador. O vice-reino do Peru, abarcava os
territórios que hoje formam as repúblicas da Argentina, Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia.
Para outorgar maior poder de decisão às autoridades regionais dentro dos vice-reinos, foram
criadas as capitanias gerais: a da Guatemala, a do Chile, a da Venezuela, e da de Cuba.

O vice-reino do Prata, com sua capital em Buenos Aires, tinha uma finalidade
defensiva, pois o estuário, além de rota conveniente para o contrabando, era vulnerável à
agressão estrangeira. Na América, a reforma administrativa de maior impacto foi a criação das
intendências, outros executivos de jurisdição mais reduzida que os vice-reinos e que reuniam
atribuições na esfera da guerra e da Fazenda. Na América, constituíram-se de um corpo
administrativo dirigido pela metrópole e formado por peninsulares. Amplas.

Pela primeira vez o império possuía um sistema racional de administração territorial e


um funcionário administrativo nomeado pela ordem central. Os intendentes eram
administradores profissionais independentes dos vice-reis, ao menos em matérias financeiras.
Os intendentes melhoravam o controle fiscal e a cobrança dos tributos, progrediram na abolição
dos abusos tais como o sistema do repartimiento de mercadorias indígenas e o sistema de mita
mas, apesar disto, eram cordialmente detestados em todas as Indias.

O sistema comercial espanhol

Carrera de Índias  como era conhecida a navegação e o comércio marítimo entre a


Espanha e a América, tendo em Sevilha o término de sua rota.
A instalação da Casa de Contratação em 1503 tornara Sevilha o centro da economia
atlântica. A Casa regulava, normalizava e centralizava as atividades da Carrera de Índias. Todos
os embarques para as Índias saíam de Sevilha e para lá deveriam retornar.

Na América, 3 portos eram importantes: 1) Santo Domingo para as ilhas; 2) Veracruz -


San Juan de Ulúa para a Nova Espanha; 3) Nombre de Díos e Portobelo (1598) para o Peru.

Nas Índias, assim como em Sevilha, foram fundados consulados de comércio: o da NE


em 1594 e o do Peru em 1613. Os Consulados compunham-se de grandes comerciantes que, em
função de seu poder econômico, convertiam-se em árbitros das atividades mercantis do vice-
reino. Seus membros compravam a maior parte das cargas dos navios e as redistribuíam para o
resto do vice-reino. Estes grandes comerciantes financiavam as prospecções mineiras e
concediam crédito à mineração e à agricultura.

Outras rotas e outras formas de navegação, fora das Carreras de Índias, abasteciam a
vasta colônia hispânica. As colônias distantes dos portos comerciais eram abastecidas por navios
isolados, e se chamavam navíos de registro. Saíam da Espanha com uma licença especial da
Coroa e com a mercadoria registrada, dá seu nome, e iam abastecer principalmente Buenos
Aires, as costas venezuelanas e centro-americanas e as ilhas antilhanas.

As reformas comerciais do século XVIII

O século XVIII foi para a Espanha u século de recuperação, depois do período de crise
que passou sob o reinado dos últimos Habsburgos.
Transferência da monarquia espanhola para os Bourbons  equilíbrio entre as potências
européias rompido  aliança entre ESP e FRA  Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1713)
 Paz de Utrecht  Inglaterra recebe o direito de asiento (fornecer escravos às colônias
espanholas)

Em 1717, o Consulado de Sevilha, a Casa de Contratação e toda a máquina


administrativa da Carrera de Índias foi transferida de Sevilha para Cádiz.

O monopólio tornara-se muito mais teórico do que efetivo, pois a Espanha era incapaz
de mantê-lo a contento. Prova disto era o privilégio de asiento concedido aos ingleses, que lhes
possibilitava a introdução de escravos negros em território americano, além do volume anual de
mercadorias que podiam ser vendidas livremente nas Índias.

Buscando reanimar o comércio com as Índias, na década de 1720-30 o governo


espanhol decidiu criar empresas, através das quais grupos particulares de investidores recebiam
privilégios comerciais e às vezes administrativos em determinadas regiões da América, tendo,
em contrapartida, o compromisso de desenvolver recursos daquelas regiões e dominar o
contrabando. Assim foi criada, em 1728, a Companhia Guipuzcoana de Caracas, com o
monopólio do comércio na costa da Venezuela.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 12 - ECONOMIA-MUNDO E


ECONOMIA COLONIAL: MERCADO EXTERNO E MERCADO INTERNO -
Garavaglia e Marchena
12.2 – Os metais preciosos e o Novo Mundo

No início da colonização, ouro e prata tiveram duas fontes principais: os placeres, ou


seja,lavagem de ouro de aluvião, e os tesoros (objetos rituais e ornamentos) acumulada
durante séculos pelas sociedades indígenas.

Como chegava este metal à Espanha? Evidentemente, fazia-se por mar. Os envios desde
o México se embarcavam em Veracruz, os que chegavam desde as ricas jazidas auríferas de
Nova Granada, o faziam desde o porto de Cartagena de Índias e aqueles que vinham desde o
Alto Peru mineiro realizavam ainda uma longa viagem por mar desde El Callao, porto limenho,
até o istmo do Panamá e cruzando-o por terra, se embarcava finalmente em Nombre de Dios
para a península.

Durante muito tempo, até meados do século XVI, deixou-se aos navios à própria sorte
na travessia de volta desde a América, mas as incursões crescentes dos piratas e dos navios das
outras potências européias interessadas em apropriar-se do tesouro espanhol obrigaram a
recorrer ao sistema de frotas. Instituíram-se assim duas frotas: 1) se dirigia a Nova Espanha. 2)
conhecida como “os galeões” navegava até Terra Firme.

Obviamente, a economia européia sofreu um enorme impacto com a irrupção dessa


massa enorme de metais preciosos. A partir dos anos 1500-03, os preços europeus detiveram sua
evolução negativa; assim, desde essa primeira década e, sobre tudo, desde meados do século
XVI, uma onde inflacionária sacudiu a economia européia que se converteu, pouco a pouco, em
um dos centros mais dinâmicos da economia-mundo e informação.

Maior atividade econômica (no mercado interno)  maiores preços  crescente demanda de
metais preciosos  maior atividade mineira.

12.3 O fluxo de metal e o mercado interno colonial

Qual é a relação entre esse fluxo externo de metal para a metrópole e funcionamento do
mercado interno colonial?

Poderíamos calcular de forma aproximada que menos de um quarto do total do enviado


legalmente durante grande parte do período estava composto por remessas realizadas às custas
do Estado metropolitano (produto de impostos). O resto, ou seja, mais de três quartos desse
total, era o resultado dos envios privados, realizados por traficantes e particulares. Isso nos
mostra a importância que tem o estudo da economia interna das colônias.

O metal precioso, medida de todos os valores, mas ao mesmo tempo, mercadoria,


abundava e, portanto, era relativamente barato. As restantes mercadorias escasseavam e por isso
eram relativamente caras.

Evidentemente, nem todo o metal produzido era exportado, pois uma parte era
entesourada pela igreja e pelos particulares, e outra parte – e não pequena – era utilizada nos
gastos de defesa internos. Voltava assim aos processos de circulação – salários de soldados,
compras de alimentos, etc. – para reiniciar a sua vez novamente esse caminho. E finalmente,
uma porcentagem, muito escassa por certo, funcionava como circulante.

Em Sevilha, também o metal americano era relativamente barato e as mercadorias, que


chegavam de toda a Europa, relativamente caras. Obviamente, isto conduziu ao conhecido
fenômeno da fuga do metal para as cidades e centros econômicos da Europa mais avançada que,
em última instância, eram os que lucravam provendo, por intermédio de Sevilha, ao mercado
americano. Com certeza, também os gastos europeus da Coroa – e, sobre tudo, os militares –
contribuíram a este “derrame” do metal para outros horizontes.

Deste modo, grande parte do metal americano seguia seu caminho, mas nem se detinha
muito no espaço econômico da Europa ocidental, pois em grande medida terminava sua longa
viagem no Oriente, em especial, graças à intermediação otomana e as viagens portuguesas pelo
cabo da Boa Esperança.

Sendo uma sociedade fortemente estratificada de Antigo Regime, o mercado estava


recorrido por divisões sociais profundas. No mundo urbano colonial, a vestimenta ocupava um
lugar central como elemento de distinção, tanto na vida privada, como nas cerimônias públicas.

 O mercado interno era a roda maior sobre a qual descansava todo sistema de
circulação de metais preciosos.

Além dos metais, a América enviava ao Velho Mundo outros produtos que tinham
importância na estruturação de alguns sistemas produtivos no interior do espaço americano. Os
dois produtos que formavam parte do grupo mais relevante em valor eram a cochonilha e o
índigo ou anil, dois tingimentos que resultaram muito importantes para prover a indústria têxtil
européia da época. Depois desses produtos se encontrava o açúcar, que foi tomando maior
relevância desde fins do século XVI e cresceu enormemente durante o XVIII. Junto com outros
tingimentos (o pau-brasil) foi o artigo mais importante no tráfico mercantil desde a colônia
lusitana e mais tarde, desde as Antilhas. Finalmente por volta do século XVIII, se somaram o
cacau, o tabaco e o couro bovino.
Os sete artigos assinalados acima representavam a quase totalidade do valor do enviado em
produtos americanos – se descontarmos os metais preciosos, é claro – desde as colônias à
Europa.

Quais são as principais mercadorias que se enviavam à América neste primeiro período?
O produto mais importante que chegava às costas americanas, mesmo que não saísse da
Espanha, mas sim do continente africano, eram... homens, ou seja, escravos negros. Muito
provavelmente, de trás dessa “mercadoria” tão peculiar se localizem os tecidos de qualidade.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 3 - A ESPANHA DOS BOURBONS E


SEU IMPÉRIO AMERICANO - Brading

O estado bourbônico

Não pode haver dúvidas sobre o estado de abatimento absoluto em que se encontrava o
país a fins do século XVII. O reinado de Carlos II (1664-1700) resultou ser um desastre total,
uma série crônica de derrotas militares, a bancarrota real, regressão intelectual e a fome por toda
parte. Por volta de 1700, a população havia descido pelo menos um milhão de pessoas a baixo
de seu nível na época de Felipe II. O preço de coroa debilitada foi a guerra civil, a invasão
estrangeira e a partição do patrimônio dinástico, porque a morte, longamente esperada, de
Carlos II em 1700 provocou uma guerra geral européia, cujo prêmio principal era a sucessão ao
trono da Espanha.

Felipe de Anjou (neto de Luís XIV) - FRA - e apoio de Castela


Carlos da Áustria - GBR, HOL, POR e Catalunha

O papel relativamente passivo que desempenhou a Espanha na guerra que decidia seu
destino fez-se patente no tratado de paz, firmado em 1713 em Utrecht. A Grã Bretanha obteve o
"asiento" durante um período de 30 anos. Assim, ela usufruía de um direito monopolístico de
introduzir escravos africanos por todo o império espanhol e, além disso, se assegurava o direito
ao envio de um barco anual com 500 toneladas de mercadorias para comercializar com as
colônias espanholas do Novo Mundo. Finalmente cedeu-se a Portugal, fiel aliado dos ingleses,
Sacramento.

A entronização de Felipe V sob a ameaça de uma guerra civil e invasão estrangeira


permitiu aos conselheiros franceses assentar as bases de um estado absolutista com notável
rapidez. E, o que era igualmente importante, Felipe seguiu o exemplo de seu avô e excluiu a
aristocracia dos altos conselhos do estado. Embora os grandes fossem eventualmente
confirmados na posse de suas terras e em sua jurisdição privada, não influenciaram mais nas
direções do governo da coroa.
Com a chegada de Isabel de Parma, segunda esposa de Felipe, definhou-se
consideravelmente o processo de reforma. Além disso, Isabel gastou os recursos da nova
monarquia, tão laboriosamente conseguidos, em aventuras dinásticas, conquistando feudos para
seus filhos. A subida ao trono de Fernando VI (1746-59) marcou o abandono da ambição
dinástica em favor de uma política de paz no exterior e entrincheiramento interior. Temos o fim
do "asiento" inglês em 1748. Entretanto, somente com a chegada de Carlos III (1759-88) dispôs
a Espanha, por fim, de um monarca comprometido ativamente com um completo programa de
reformas.

Embora as ambições e a personalidade dos monarcas bourbônicos influenciou sem


dúvida nas diretrizes da política, era, porém, a elite ministerial a que introduziu o equivalente a
uma revolução administrativa. Ao contrário dos Habsburgos, os Bourbons confiavam em uma
nobreza funcionarial, concedendo títulos a seus servidores de confiança, tanto em qualidade de
recompensa como para reforçar sua autoridade. O estado absolutista foi instrumento essencial
da reforma.

Enquanto com a nova ênfase na autoridade real a aristocracia foi simplesmente excluída
dos conselhos de Estado, ao contrário, atacou-se severamente a Igreja. Por exemplo, a
concordata de 1753, na que o papado cedia à coroa o direito de nomeação de todos os benefícios
fiscais da Espanha. Em 1767 expulsou-se dos domínios espanhóis a ordem jesuítica, principal
bastião da Contra-reforma e defensora ao extremo do papado.

A principal preocupação da elite administrativa era o grande problema do progresso


econômico. Como ia a Espanha recuperar sua antiga prosperidade? Impôs-se como resposta
preferida a promoção da ciência e do conhecimento pragmático. Mais concretamente,
construíram-se canais e estradas para abrir novas rotas ao comércio. E os ministros da dinastia
bourbônica tentaram aplicar o mesmo tipo de medidas protecionistas da França e da Inglaterra
para livrar a península de sua dependência das manufaturas do norte da Europa.

A grande conquista da nova dinastia foi a criação de um estado absolutista, burocrático,


condenado ao princípio do engrandecimento territorial. O renascimento da autoridade e dos
recursos da monarquia foi precursor, claramente, do despertar da economia. De fato, há razões
que sugerem que grande parte da renovação econômica, pelo menos em sua etapa inicial,
derivou das necessidades das forças armadas e da corte.

À frente do novo regime estavam os ministros, os secretários de Estado, Fazenda,


Guerra, Armada e Índias, que substituíram aos antigos conselhos habsburgos como a principal
fonte de ação executiva. A nível provincial o intendente era a figura chave, o símbolo da ordem
nova.

Os rendimentos públicos:
1700  5 milhões de pesos
1750  18 milhões
1785-90  36 milhões
São nessas cifras onde encontramos o segredo do ressurgir político espanhol. Como em
qualquer estado dinástico, os primeiros beneficiários do orçamento foram a família e a corte
com a construção de três novos palácios.

Despossuída de suas possessões européias pelo Tratado de Utrecht, a Espanha dependia


agora de seu vasto império americano para assegurar-se um lugar no palco europeu. No Novo
Mundo o estado bourbônico demonstrou ter um êxito notável, tanto na hora de salvaguardar
suas fronteiras, como explorar os recurso coloniais. O renascimento do poder espanhol durante
o reinado de Carlos III foi, em grande medida, uma consequência do florescimento do comércio
com as Índias e do aumento das rendas que o mesmo produzia.

A revolução no governo

Se a nova dinastia queria obter benefício de suas vastas possessões de ultramar, teria
primeiro que voltar a controlar a administração colonial e criar então novas instituições de
governo. Somente então poderia introduzir as reformas econômicas. O catalisador da mudança
foi a guerra contra a Inglaterra. A tardia irrupção da Espanha na Guerra dos Sete Anos (1756-63)
lhe acarretou um revés imediato com a captura inglesa de Manila e La Habana.
Os ministros de Carlos III se orientaram para o programa de reforma elaborado no
Nuevo sistema de gobierno económico para la América (1743). Se suas propostas consistiam
freqüentemente na aplicação na América de reformas já introduzidas na Espanha, sua
concretização resultou ter efeitos mais drásticos já que a revolução administrativa do império foi
iniciada por soldados e funcionários enviados da península. Não surpreende que fora chamada a
reconquista da América.

O 1° passo deste programa foi a provisão de uma força militar adequada, como
salvaguarda contra ataques estrangeiros e levantamentos internos. Este interesse na força militar
produziu bons frutos. Em 1776 uma expedição atravessou o rio da Prata, recobrou Sacramento
pela 3° e última vez e expulsou aos portugueses de toda a Província Oriental, vitória ratificada
pelo Tratado de Santo Ildefonso (1778).

A monarquia reivindicou seu poder sobre a Igreja de forma dramática quando, em 1767,
Carlos III seguiu o exemplo de Portugal e decretou a expulsão de todos os jesuítas de seus
domínios. Era, com certeza, uma medida que avisava a Igreja da necessidade de obediência
absoluta, dado que os jesuítas eram conhecidos por sua independência da autoridade episcopal,
sua intransigência acerca do pagamento de dízimos eclesiásticos, sua devoção ao papado, sua
extraordinária riqueza e sua habilidade na hora de lidar contra a burocracia real. Em todas as
cidades principais do reino, os colégios jesuítas educavam a elite criolla.

De maior alcance foi a reforma radical da administração civil. Em 1776 se estabeleceu o


novo vice-reinado da Prata, com capital em Buenos Aires; e antes, em 1739, o de Nova
Granada, para assegurar a defesa de Cartagena e sua costa.

Em nenhum lugar foi mais evidente o impacto das novas tendências da administração
que na mudança da composição das audiências, os altos tribunais de justiça, cujos juízes
aconselhavam aos vice-reis em todas as questões mais importantes de estado. No reinado de
Felipe V colocavam-se em venda cargos nas audiências americanas a qualquer leiloante
qualificado. Como consequência disso, letrados criollos ricos compravam magistraturas em uma
escala sem precedentes. Em 1776-77 decidiu-se ampliar o número de membros da maioria das
audiências e depois, mediante uma verdadeira política de transferências, promoções e retiros, a
acabar com o predomínio criollo.

Peça central da revolução no governo foi a introdução dos intendentes, funcionários que
encarnavam todas as ambições intervencionistas e executivas do estado bourbônico. Os
intendentes, recrutados entre militares e oficiais da Fazenda, e peninsulares em sua imensa
maioria, conseguiram um moderado êxito, sem chegar a alcançar as expectativas dos
reformadores em nenhum sentido. Nas capitais de província foi onde a reforma teve um impacto
maior, porque aqui os intendente desenvolveram sua máxima atividade, pavimentando as ruas,
construindo pontes e prisões e reprimindo desordens populares. Se os intendentes resultaram ser
menos efetivos do que se esperava, foi em parte porque o sistema de rendas havia-se reformado
amplamente antes de sua chegada. As inovações chave foram a nomeação de uma burocracia
fiscal assalariada e o estabelecimento de novos monopólios da coroa.

A revolução administrativa criou um novo estado absolutista, baseado, como no caso da


Europa, em um exército permanente e uma burocracia profissional. Este estado se consagrava,
tanto como seus equivalentes do Velho Mundo, ao princípio do engrandecimento territorial, mas
se diferenciava de seus modelos europeus em que não conseguiu formar nenhuma autêntica
aliança, fundada em interesses comuns, com os setores dirigentes da sociedade colonial. Em
resumo, o preço da reforma foi a alienação da elite criolla.

A expansão do comércio colonial

O renascimento da economia colonial, tanto como o da peninsular, derivava da


aplicação de medidas mercantilistas. Se a reforma avançava lentamente era porque a guerra de
Sucessão e a subseqüente paz de Utrecht deixaram o império à mercê da navegação estrangeira
e do contrabando. Assim, durante a primeira metade do século XVIII, Espanha esteve imersa em
uma batalha desesperada para recobrar o controle do comércio colonial. Se a Espanha queria
obter benefícios de suas possessões americanas, primeiro era necessário desbancar as
manufaturas estrangeiras e o contrabando de seu papel acentuado no comércio atlântico, e
depois desalojar a aliança mercantil de sua posição dominante nas colônias.

A Guerra dos Nove Anos (1739-1748) supôs uma mudança no desenvolvimento do


comércio colonial. Desde então, todo o comércio legal com as ilhas do Caribe e com a América
do Sul se fez com "registros", barcos isolados que zarpavam com licença desde Cádiz. E outro
grande benefício que trouxe consigo a guerra foi o fim do comércio autorizado com outras
potências. Pelo menos, depois de quatro décadas, a Espanha havia recobrado o exercício sem
restrições de seu monopólio comercial sobre o império americano.

Um elemento importante do renascimento do comércio espanhol durantes as décadas de


meados do século foi devido à Real Companhia Guipúzcoana de Caracas, criada em 1728 com
direitos exclusivos de comércio entre São Sebastião e Venezuela.

As economias de exportação

Indústria da prata mexicana  obra-mestra da era bourbônica


A "ave-fênix" da última época bourbônica foi Cuba, porque, embora a ilha produzisse
açúcar e tabaco desde o século XVI, foi tão somente depois da ocupação inglesa de La Habana
quando se propôs seriamente concorrer com o modelo de produção que se seguia nas possessões
francesas e inglesas. A coroa interveio decisivamente ao promover a indústria do açúcar através
de uma crescente importação de escravos e generosas concessões de terras aos plantadores.

Mas então, com a revolução de Santo Domingo e a subseqüente destruição de suas


plantações, a indústria cubana entrou em uma época de rápida expansão e mudanças técnicas, e
tanto a produção como os preços se elevaram.

A economia interior

O século XVIII experimentou uma significativa, embora limitada e desigual,


recuperação da população indígena na América Central e, em menor medida, nas terras altas
andinas, junto com um crescimento explosivo da população hispano-americana e criollos em
todo o hemisfério. O grosso desta população colonial encontrava emprego e sustento na
agricultura. No século XVIII muitos povoados indígenas seguiam mantendo terras suficientes
para manter seus habitantes. A maior parte das comunidades indígenas produziam o grosso de
seus próprios alimentos e tecidos.

Em contraste, os latifúndios estavam dirigidos desde o princípio à economia de mercado


e, em particular, à produção para as cidades. A maior parte das plantações, certamente, proviam
a demanda européia, embora no Peru como na Nova Espanha a indústria açucareira também
abastecia o mercado interno.

O desenvolvimento do latifúndio foi acompanhado pela aparição de um novo


campesinato composto de mestiços, mulatos, espanhóis pobres e índios aculturados. Este novo
campesinato às vezes competia com o latifúndio, e às vezes via-se obrigado a depender dele em
suas operações. Mas por todo o império foi o mesmo grupo social o responsável em maior
medida do aumento demográfico e do crescimento econômico das regiões fronteiriças que
desempenhou um papel tão importante no ressurgimento bourbônico.

Século XVII  idade de ouro dos "obrajes" (oficinas artesanais) de Puebla e Quito

Em resumo, o abatimento da Espanha, combinado com o firme crescimento da


população colonial, permitiu a aparição de uma economia americana baseada no intercâmbio
inter-regional e a longa distância de alimentos, metal precioso e manufaturas, e com Cidade do
México e Lima atuando como os centros predominantes desta rede comercial.

Os últimos anos do império

O renascimento bourbônico da monarquia espanhola havia dependido sempre da


proteção prestada pelo equilíbrio de poderes na Europa.
1793  coroa se uniu à coalizão continental contra o regime revolucionário da França
1795  ESP cede Santo Domingo e ING impõe um rigoroso bloqueio naval
1802-04 Paz de Amiens: suspenso todo o comércio entre ESP e o império até que a invasão
francesa de 1808 ergueu o cerco de seus portos
 perda de Trinidad para GBR e cessão da Luisiana para Napoleão

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 5 - As transformações do espaço rio-


platense - Garavaglia

5.1 O eixo dinâmico se inclina

Uma economia que se volta ao litoral

Em um processo que se iniciou no século XVII, mas que se acentuou no XVIII, Buenos
Aires e o litoral em geral encabeçaram um movimento de reorientação das economias regionais
para os mercadores litorâneos. O papel crescente da cidade portuária, seja como mercado - em
função de seu peso demográfico e econômico, - seja como porta para o Atlântico, indica de que
modo iam a inclinar algumas das economias regionais para este litoral superabundante de terras
férteis.

5.3 O interior rio-platense durante o século XVIII

NOA (Noroeste Argentino)

Jujuy  era a cidade mais próxima ao Alto Peru e sempre manteve vínculos muito estreitos com
o sul alto peruano. Era a jurisdição que durante o século XVIII possuía a maior porcentagem de
população indígena de todo o Rio da Prata e essa população mantinha estreitas e muito velhas
relações com os vales do sul alto peruano, assim como com a área chilena de Atacama. A
mudança da alfândega de Córdoba a esta cidade a fins do século XVII havia consolidado a
presença de um setor peninsular na população local e as migrações do norte da Espanha
reforçaram este grupo. Jujuy desempenhou um papel importante na exportação de vacas e mulas
ao Peru.
San Miguel de Tucumán  fundada no século XVI, foi uma das jurisdições agrícolas mais
importantes. Era a cabeça de uma jurisdição muito rica em bosques, e sobre a madeira se
assentou um dos pilares da riqueza local, permitindo-lhe a exportação de matéria-prima para a
indústria mineira alto peruana. A maior parte da população rural era espanhola e mestiça.

Santiago de Estero  conservava no século XVIII uma estrutura de pueblos de índios bastante
consolidada que sobreviveu não somente à independência do século XIX. Esta é a única região
da Argentina onde o quéchua segue sendo uma língua usual na área rural.

Córdoba  seria durante o século XVIII a região do interior rio-platense mais densamente
povoada e mais rica em relação a sua produção agropecuária. Contava com 50mil habitantes e
era o primeiro lugar entre os núcleos urbanos (10mil), só superada por Buenos Aires a fins do
XVIII. Era a única cidade universitária, além de Charcas, em toda aquela zona. O setor
mercantil urbano consolidado controlava uma parte relevante do tráfico comercial para Buenos
Aires, o Alto Peru e Cuyo. Esta posição central na geografia dos intercâmbios interiores
outorgou a Córdoba um papel destacado no tráfico mercantil rio-platense.

Cuyo (centro-oeste)

Mendoza contava com uns 18mil habitantes a fins do século XVIII e San Juan com mais
ou menos 16mil. No século XVIII, a especialização produtiva desta duas áreas de vinhas era
bastante clara: Mendoza centrou-se no vinho e San Juan na aguardente. As medidas
liberalizantes do comércio de 1776 - ao permitir que a produção mediterrânea peninsular
acessasse livremente aos mercados coloniais - deram um duro golpe à economia de Cuyo. Na
realidade, a região de Cuyo era a passagem obrigatória para o Chile e o Pacífico, dado que a
viagem marítima pelo cabo de Hornos constituía uma aventura terrivelmente arriscada. O
comércio entre Buenos Aires e o Pacífico, via Cuyo e Santiago do Chile, cresceu de forma
evidente entre 1730 e 1780.

5.4 Buenos Aires e o crescimento do litoral

A sociedade rio-platense do século XVIII

Nesta sociedade urbana das vilas do interior e do litoral que cresciam visivelmente,
Buenos Aires era o núcleo urbano mais destacado. A cidade estava socialmente dominada pelos
comerciantes, que ocupavam os lugares mais destacados no cabildo e na burocracia
constituindo, além disso, redes familiares que controlavam os diversos espaços do poder local.
A migração de homens chegados do norte da península, que se acentuou desde meados do
XVIII, consolidou, mediante alianças matrimoniais, a um grupo mercantil poderoso que
aspirava a todos os símbolos sociais de seu êxito econômico. Sem minas em seu território e com
um papel muito secundário para aqueles que eram somente proprietários de terras, esta
burguesia mercantil portuária o era quase em estado puro, sendo ainda muito fracas suas
relações com o mundo da produção.

A economia rio-platense

Qual era a estrutura agrária da campanha de Buenos Aires?


A oferta de terras férteis, que se mantive até o início do XIX, permitiu que as correntes
migratórias do interior e do Alto Peru (Paraguai e as ex-missões jesuíticas) abundassem em
indivíduos que se foram assentando como camponeses, como arrendatários de estancieiros e
fazendeiros. Assim, o crescimento da produção agropecuária permitiu multiplicar seus efetivos
em benefício de uma população rural que, vivendo muito pobremente, pode acompanhar a esse
incremento com um movimento positivo da demografia.

Logicamente, com certa freqüência as melhores terras ou as mais próximas ao mercado


urbano foram ocupadas primeiro e as sucessivas ondas tiveram que situar-se mais distante e, em
certos casos, muito próximas à fronteira indígena. A fronteira indígena separava o mundo dos
camponeses brancos pobres das sociedades indígenas do pampa. É preciso assinalar a luta sem
piedade entre estas duas sociedades pelo controle deste fértil território. Durante a primeira
metade do século, os avanços indígenas são evidentes, e desde mais ou menos os anos 1776-
1780 estabeleceu-se uma paz que duraria quase quarenta anos entre ambas as sociedades. A paz
possibilitou uma expansão da economia camponesa dos pastores e lavradores do pampa.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - Cap. 8 - Mestiços e mulatos na sociedade


colonial - Garavaglia e Marchena

8.1 O problema da mestiçagem e sua historiografia: México no século XVIII

2 correntes:
a) por volta de finais do século XVIII, já não era a condição racial ou étnica a que determinava a
posição de uma pessoa na sociedade colonial, mas sim seu status em termos de classe.
b) visão mais tradicional: era a condição étnica a que estabelecia a posição na sociedade
colonial

Em uma sociedade como a da América colonial, os limites étnicos e os limites sociais


nunca podem tomar-se como categorias contrapostas, mas como sistemas de representação
mutuamente significativos.

Qual é o problema da "mestiçagem" neste conceito?

Acreditamos que não há um conceito de mestiçagem, mas vários. A maioria dos autores
se refere a este quando falam da mescla de diferentes "castas", segundo a terminologia hispânica
colonial.

Castas  grupo resultante de uma mescla

A mestiçagem geralmente faz referência às diversas mesclas raciais entre brancos,


negros e índios, com todas suas infinitas variantes, resultado dos casamentos entre diferentes
etnias. Este é um aspecto da questão, é mais uma causa, que uma conseqüência do fenômeno
que estamos analisando.

Não parece sério supor que toda a sociedade multirracial da colônia edificou-se durante
longos três séculos sobre a violência sexual. Pensamos, pelo contrário, que a maior parte das
uniões sexuais entre indivíduos de distintos grupos raciais são o resultado da aproximação entre
duas pessoas, de sua proximidade cultural e social, do fato de compartilhar situações, lugares
de encontro, línguas, gestos.

Exemplo hipotético da jovem indígena e do comerciante de mulas espanhol  se a língua (ou


os gestos) o permitem, começa a haver um intercâmbio de palavras ou de gestos. Este
intercâmbio pode ou não terminar em uma união sexual entre duas pessoas, mas o importante
neste contexto é que a mestiçagem na realidade é prévia a essa união sexual; a mestiçagem é
justamente o mecanismo social que possibilita essa relação sexual, fruto da qual pode ser um
filho "mestiço".

* A distante origem da palavra "mulato" - que assimila aos híbridos (mula) - não
desmente a forte carga negativa que leva, pois segundo afirma Joan Corominas em seu
Dicionário crítico etimológico, foi usada pela primeira vez na península no século XVI para
designar aos "mestiços de europeu e mouro...” Esta assimilação tem 2 aspectos de interesse: 1)
por um lado, ao relacioná-la com os "mouros", outorgou-se à palavra um tom pejorativo
desvalorizado desde o ponto de vista religioso; 2) por outro, a aproximação aos híbridos aponta
a um fato simbolicamente mais forte: os híbridos, como as mulas, como é sabido, são estéreis...

8.2 O problema visto desde o Rio da Prata: a "tolerância" racial e seus limites

Vamos agora ao outro extremo do Império hispânico, o distante Rio da Prata, em uma
área que se estende desde o noroeste do atual território argentino (NOA) até a região pampeana.
Nesta área nos encontramos com uma sociedade que se acha imersa em um intenso processo de
mestiçagem. No NOA, os indígenas que se estavam desagregando das estruturas de seus antigos
pueblos ou que haviam sido capturados nas guerras e nas incursões ao Chaco entraram em um
franco processo de mestiçagem.

Este processo tem aspectos múltiplos, "raciais" e, sobre tudo, culturais, pois, em efeito,
muitas vezes é o resultado de uma intensa mobilidade espacial e da progressiva adoção de novos
padrões culturais - língua, vestimenta - que aproximariam a esses índios, que circulam já fora de
seus âmbitos originários de identidade étnica, ao universo dos brancos pobres e de alguns
descendentes arruinados dos primeiros conquistadores ou encomenderos que, geração após
geração, foram perdendo todo o papel relevante na economia e na sociedade colonial. Deste
modo, uma progressiva aproximação física e cultural entre ambos grupos contribuiu com os
contatos entre etnias e, com certeza, acelerou o processo de mestiçagem.

Lentamente, nasceu o campesinato "típico" do interior rio-platense com todas as suas


características: uma fala peculiar na qual o castelhano mistura-se com palavras quéchuas,
guaranis ou araucana. Também as atividades econômicas destes camponeses lhe são peculiares:
geralmente, encontramos famílias onde os homens passam sua vida em arreios ou tropas ao Peru
e em distantes migrações. Muitas vezes essas migrações eram também familiares; em geral, os
homens vão na frente e poucos anos depois, o resto da família lhe segue. Muitos desses
migrantes já são considerados "espanhóis" quando chegam, outros tornam-se muito rapidamente
nesta fronteira cultural aberta abundantemente de "homens novos" e, assim a mestiçagem social
se multiplica e acelera.

AMÉRICA I - Trechos Selecionados - A América Latina na época colonial -


Schwartz e Lockhart

Mestizo ou mameluco  pessoa de ascendência mista de espanhol e indígena


Mulato  mistura de espanhol e negro

Na hierarquia concebida pelos espanhóis, eles naturalmente estavam no topo, e o


princípio para a classificação dos outros era seu grau de semelhança com os espanhóis. Os
negros se situavam mais perto dos espanhóis e agiam de modo mais parecido com o deles e
assim sua posição, levando em conta todos os aspectos no sentido sociocultural, era mais
elevada, embora os índios, que se pareciam mais com os espanhóis, tivessem a precedência
quanto ao fenótipo; além disso, a maioria dos negros eram escravos, e a maioria dos índios não,
o que dava a estes últimos uma nítida vantagem em termos legais. Mas nas relações diretas entre
negros e índios, geralmente os índios é que estavam em posição subordinada.

Os tipos mestiços, que constituíam o principal acréscimo ao esquema étnico original,


falavam espanhol e pertenciam ao mundo hispânico, embora mais para a periferia. Eram o novo
grupo marginal, e assumiam um papel cada vez maior nas áreas de habilidades manuais
específicas, comércio varejista e supervisão direta dos índios. Anteriormente, essas atividades
haviam sido dominadas por espanhóis recém-chegados, estrangeiros europeus e negros, já que
estes eram os habitantes marginais espanhóis no período da conquista.

Todos os tipos intermediários tinham muito em comum, e constantemente se


misturavam e assimilavam-se uns aos outros; mamelucos, mulatos e negros formavam, em certo
sentido, uma única categoria intermediária, e como tal eram às vezes chamados de castas.

No período da conquista, a imigração era, primordialmente, um caso de espanhóis


sediados nas índias Ocidentais que atraíam para si parentes e conterrâneos; os recém-chegados
muitas vezes já tinham contatos para conseguir ajuda, mas, ao mesmo tempo, tinham um
condição inicial inferior como novatos numa sociedade que prezava e recompensava a
antiguidade. No entanto, duas ou três gerações depois da conquista, os recém-chegados não
estavam mais simplesmente se introduzindo, mas eram pessoas nascidas na Espanha que
atuavam num setor espanhol local composto de membros que, em geral, haviam nascidos na
América. Em outras palavras, onde antes houvera apenas velho e novo, agora havia o que hoje
muitas vezes se chama de "criollo" e "peninsular".

Na época esta divisão étnica tinha pouca importância. No século XVIII ninguém era
ainda chamado de "peninsular", e "criollo" era, então, apenas um apelido depreciativo, exceto
quando usado para negros nascidos fora da África. Os dois componentes do setor espanhol eram
considerados igualmente "espanhóis", sem distinção de categoria étnica e não tão bem
diferenciados quanto à função na sociedade.

Situação eclesiástica

O clero secular e as ordens  Em geral, as entidades eclesiásticas eram mais intimamente


entrelaçadas com a população hispânica local do que as instituições governamentais. Os
hispânicos locais não só viam os prédios das igrejas como verdadeiros símbolos de suas
comunidades, e demonstravam interesse correspondente pela construção e decoração das
igrejas, mas realmente ingressavam em grande escala nas organizações eclesiásticas.

Os jesuítas  ainda não existiam como ordem religiosa quando começaram as conquistas; só
surgiram com toda a força nas Índias Ocidentais espanholas a partir da década de 1570.
Concentravam-se nas cidades, principalmente nas maiores, com suas sedes e principais
estabelecimentos em Lima e na Cidade do México. Rivais dos dominicanos.

A Inquisição  o Santo Ofício, embora fosse um braço do governo real, tinha como objetivo
combater a heterodoxia religiosa e seus níveis superiores eram ocupados por homens da igreja.
Ausente desde o período da conquista, durante o qual as funções inquisitoriais foram delegadas
a bispos, a instituição propriamente dita chegou às Índias Ocidentais com a criação de dois
tribunais no início da década de 1570, na Cidade do México e Lima, seguidos de um terceiro em
Cartagena.

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