Não se põe em dúvida que durante os séculos XVI e XVII se desse em parte da
população um sentimento de autoconsciência de pertencer a um conjunto como o de Castela,
Nova Espanha ou Peru, mas o que não se pode medir hoje em dia por falta de informação
documental é a extensão destes sentimentos de identidade, assim como a intensidade dos
mesmos. Em uma sociedade de AR colonial composta por estamentos, em muitas ocasiões os
documento da época se referem a amplos grupos sociais como nações (a nação maia, a nação
mexica) e em outros se menciona de forma explicita que esta se compõe pela República de
espanhóis e a República de índios.
O Império não significava que os distintos reinos estivessem fundidos, mas que estavam
conectados entre si na medida em que compartilhavam um mesmo Rei. Tinha-se claro que,
quando por qualquer causa faltasse o rei, os reinos seguiriam mantendo sua autonomia e seus
corpos legais próprios já que nunca os haviam perdido. Neste conglomerado de povos, costumes
e regulamentações foi sumariamente útil para dar coerência ao conjunto que se aceitasse a
existência de um Deus único e uma única fé considerada como verdadeira. O catolicismo se
converteu assim em um elemento de identificação por cima das diferenças sociais, culturais e
étnicas.
Desde começos do séc. XVI, a Coroa projetou uma política social que tinha como fim
manter a cada grupo social separado, mas formando parte de um todo. Em um principio
ordenou-se que os “índios” deviam viver em “pueblos de índios” separados dos “pueblos de
españoles”. Igualmente, os escravos procedentes do continente africano não podiam conviver
com o resto dos grupos sociais. Explicava-se que a política segregacionista não tinha como fim
a exclusão, mas sim preservar as comunidades étnicas originárias dos abusos e desvios dos
conquistadores-encomenderos, além de evitar a propagação das enfermidades.
O mestiço, ao não poder demonstrar legalmente sua origem, não podia inscrever-se
dentro de nenhuma das então consideradas “raças puras” pelo que não podia ocupar distintas
posições, desempenhar certos cargos públicos e religiosos, nem cumprir com certas práticas
legais como herdar, etc.
Durante os séc. XVI e XVII a categoria de “índio” não era sinônimo de posição social
ou classe social. Os “índios” podiam ser ricos ou pobres, proprietários ou não, mas ficava claro
que juridicamente todos eram “índios”. No séc. XVI a identificação se deu entre “índio” e
tributário. No séc. XVII a relação foi mais ambígua, pois as encomiendas haviam diminuído
notavelmente e ainda não havia aparecido um princípio organizador baseado em critérios
econômicos. Os “índios” eram basicamente vassalos aos que se somava sua condição de
pertencer a uma República diferente pelo que tinham obrigações e direitos específicos.
A cor da pele não era o elemento que definia de forma mecânica e exclusiva a posição
social do indivíduo nas sociedades coloniais de AR indígenas. Tanto “índio” encomendado
como um escravo podiam adquirir em teoria a condição jurídica de “branco” ou “mestiço”
durante o séc. XVII através do sistema de gracias al sacar.
Não se deve falar de cidadãos mais ou menos livres, mas sim de vassalos mais ou
menos leias.
É incorreto etiquetar o sistema monárquico-imperial e o sistema de autoridade de uma
sociedade de AR colonial como uma ditadura, já que a autoridade se baseava precisamente na
existência de uma complicada maquinaria de pactos e reciprocidades que funcionavam em
múltiplas direções e intensidades.
“A lei se acatava, mas não se cumpria”. O que transmitia essa sentença era que a
autoridade não se podia colocar em dúvida (o súdito estava obrigado a acatar ao monarca), mas
se esta lei era desmedida e não se dava lugar ao estabelecimento de reciprocidades era
simplesmente ignorada (não se cumpria). Ou seja, não se colocava em dúvida que o rei era o
monarca, mas somente era obedecido se não exercesse o poder unilateralmente.
Nas índias, os conquistadores trataram por todos os meios de criar uma nobreza
indígena na que eles fossem seus titulares, mas o rei manteve claro desde um principio que
havia que cortar todo tipo de experimento que lhe restasse poder. Os conquistadores sonharam
de forma permanente com o regresso ao passado e se acostumaram a conviver entre ilusões e
realidades. A América se converteu rapidamente em uma ilusão, uma idealização.
Cada senhor – entenda-se vice-rei hacendado ou capitão segundo o caso – tinha sua
corte, sua área de influência, sua clientela na que o principio da lealdade e da reciprocidade
operavam de igual maneira.
A honra era mais importante que as rendas econômicas. Podia-se adquirir honra por
serviços ao rei e não por êxito nos negócios. Perder a honra era perder a proteção do rei. O que
adquiria a suficiente honra não trabalhava com suas mãos e podia viver das rendas, dos favores,
do patrimônio.
Existe uma tese clássica bastante aceita que interpreta que quando o Estado é poderoso,
o papel da família como elemento de integração social decresce e, vice-versa, quando a
capacidade organizativa do Estado diminui a influência e o papel da família como elemento de
organização social aumenta.
Na história das sociedades coloniais se detecta que, tanto nos períodos que a Coroa
perdeu a capacidade de influência em dirigir os destinos dos territórios americanos, como nas
regiões que estão mais distantes dos centros político-administrativos mais importantes, algumas
grandes famílias desempenharam um importante papel como elementos configuradores das
relações sociais e de poder.
As 3 únicas formas de mudança social eram: oferecer serviços ao rei para depois
receber as recompensas oportunas; entrar na Igreja para alcançar postos elevados na hierarquia
eclesiástica; ou aumentar o patrimônio através do casamento.
Nos territórios americanos a mobilidade social foi mais intensa que na Península Ibérica
para certos grupos sociais, tanto por ser, uma sociedade mais jovem, como por não existir uma
nobreza de título consolidada. Esta mobilidade se restringia basicamente ao âmbito dos
indivíduos que integravam a República de espanhóis.
O cabildo estava formando nas índias durante a época colonial unicamente pelos que
eram considerados como vizinhos (os notáveis), isto é, um núcleo de famílias composto por
proprietários e herdeiros dos fundadores do centro urbano. Os cabildos devem ser interpretados
mais como a representação do poder dos grupos de notáveis locais, que como do conjunto da
sociedade. Os cabildos utilizaram o poder dos hacendados-terratenientes e o poder do rei
quando o acreditaram oportuno ou o necessitaram, apoiando-se no jogo de forças baseado nas
reciprocidades. O monarca confiava nos conselhos a gestão da fiscalização municipal.
As sociedades coloniais indígenas estiveram desde suas origens marcadas pelo princípio
diferenciador da presença da República de espanhóis e da República de índios. Era impossível
que ambas repúblicas vivessem totalmente separadas, quando a primeira vivia em boa medida
dos serviços oferecidos pela segunda.
1. Problemas teóricos
Por outro lado, nos parece falsa a crença de que as transferências do excedente da
semiperiferia e da periferia para o núcleo tenham sido fator central no advento do capitalismo.
O processo de acumulação primitiva de capital não foi algo ligado só ou principalmente ao
comércio com as áreas coloniais e dependentes, ao tráfico de escravos, etc. Seus momentos
decisivos se deram no próprio núcleo de Wallerstein, isto é, na Europa Ocidental.
Para que o sistema pudesse funcionar, as formas de exploração do trabalho deveriam ser
de tal tipo que permitissem a concentração da renda nas mãos da classe dominante colonial:
ainda quando a maior parte do excedente se transferia para a metrópole, a parte restante se
concentrava, garantindo assim a continuidade do processo produtivo e da importação de artigo
europeus.
A grande contradição nas economias colônias consistia em que surgiram como setores
produtivos altamente especializados, inseridos no processo de ampliação da economia
mercantil, vinculadas às grandes rotas do comércio mundial; internamente, porém, as próprias
maneiras de produzir impostas pela lógica do sistema determinavam um mercado muito
reduzido. As áreas coloniais estavam à mercê de impulsos provenientes do centro econômico
dominante, e não podiam auto-estimular-se. Novamente as estruturas latino-americanas
aparecem reduzidas a meras conseqüências ou projeções de um processo cuja lógica profunda
lhes é exterior.
Pierre Vilar Não se deve empregar sem precaução a palavra “burguesia” e deve
evitar-se o termo “capitalismo” enquanto não se tratar da sociedade moderna na qual a produção
maciça de mercado repousa na exploração do trabalho assalariado do não-proprietário pelos
proprietários dos meios de produção.
Acreditamos que a economia dos Tempos Modernos (da metade do século XV até a
segunda metade do século XVIII) é fundamentalmente pré-capitalista, o que se aplica à Europa,
ao mundo colonial a ela submetido, e ao incipiente mercado mundial. O capitalismo, como
modo de produção, está sendo então gerado, porém não se instalará plenamente – e menos ainda
será dominante – antes da revolução industrial. A superação histórica da fase de acumulação
prévia de capitais foi, justamente, o surgimento do capitalismo como modo de produção.
1. Os sistemas de trabalho
O trabalho livre existiu em todas as regiões e durante todo o período colonial; porém,
em que pese os esforços legais da Coroa para entendê-lo, nunca excedeu um caráter
excepcional. Mestiços, espanhóis e criollos pobres e índios trabalharam como assalariados em
múltiplas atividades. A decadência do repartimiento originou, desde o século XVIII, a difusão
da peonagem por dívida e outras formas de sujeição pessoal.
a) Senhorio da Coroa espanhola, por direito de conquista, sobre a totalidade das terras: a única
via legal de obtê-las era mediante uma mercê;
b) a terra como atração para impulsionar a conquista e a colonização, pela possibilidade que o
colono tinha de converter-se em latifundiário;
c) O princípio de que a ocupação prolongada criava direitos que, permitiam legalizar a
posteriori a posse de terras realengas ou indígenas usurpadas, através do pagamento de uma
soma à Coroa;
d) a idéia de que as aldeias indígenas devia dispor de terras suficientes para garantir a
reprodução da força de trabalho e o pagamento dos tributos;
e) o bloqueio agrário a que estavam submetidos os mestiços, o qual canalizava este setor da
população para o artesanato ou formas variadas de subemprego urbano.
3. As técnicas de produção
O grande auge da prata do norte: Zacatecas (1546), Guanajuato (c. 1550), Potosi (1545).
Técnicas extrativas
Matérias primas
Sistemas de trabalho
Na ordem de 1601, a coroa expressava seu desejo de que a mão de obra mineira fosse
voluntária. Desde logo, o trabalho voluntário dos índios em todos os setores produtivos era o
ideal que se perseguia desde os começos da era colonial. Nas culturas caribenhas, os espanhóis
encontraram o naboria, “plebeu dependente de um nobre e que portanto não participava
plenamente nos direitos e obrigações gerais da comunidade”. Os espanhóis aplicaram o mesmo
termo à uma categoria social similar na Nova Espanha. Em território inca, o yanacona ocupava
mais ou menos a mesma posição. Essas duas categorias sociais assumiram rapidamente uma
ampla gama de funções na sociedade colonial, em troca de muitas das quais recebia um salário,
convertendo-se assim nos primeiros trabalhadores assalariados. Uma de suas ocupações
características era a mineração.
- Negros nas terras altas de prata (Potosi), não se empregava aos negros para os trabalhos
subterrâneos; ocupavam-se nas refinarias e sobre tudo no artesanato, ou como serventes
pessoais dos mineiros. Nas minas de ouro das terras baixas, os negros tinham uma boa
resistência às enfermidades e aos trabalhos duros.
- Índios tudo ao contrário.
Repercussões sociais
A mineração e o Estado
As grandes jazidas de ouro e prata na América ficavam fora do alcance da gestão real
direta. Invocando seu antigo direito de propriedade universal das jazidas de metais preciosos, a
coroa exigiu um direito sobre a produção, em troca de conceder a liberdade de prospecção e
exploração das jazidas aos súditos espanhóis. Deste modo o governo se desfazia dos custos de
produção, ao tempo que encorajava atividade prospectiva. Foi estabelecida finalmente em 1504
a regalia de uma quinta parte, o famoso quinto real.
A ostentação pela coroa de 3 poderes legais sobre a mineração – 1. controle dos direitos
reais. 2. controle da distribuição do mercúrio e do seu preço. 3. poder de conceder ou negar o
recrutamento de mdo – conferia a dita indústria um certo ar de empresa estatal.
O capital
A produção de prata
A) Propriedade e exploração
Quanto à qualidade dos concessionários, vai desde o próprio rei e os mais altos
funcionários até viúvas de colonos, humildes eclesiásticos e modestas companhias, onde às
vezes entram índios - e também portugueses.
B) Técnica de investimento
a) O trabalho é duro: O índio passa 8 horas na mina, mas as dimensões das galerias só
permitem quatro horas de trabalho por operário. Cada carregador deve tirar duas arrobas (23 kg)
de mineral numa bolsa.
b) Os donos (ou capatazes) são duros: Dizem ao índio que é um cachorro, e que trouxe pouco
metal ou que se demorou muito, ou que é terra o que extraiu ou que roubou.
c) O trabalho é insano: O que ameaça o índio que trabalha no fundo, em curto prazo, é a
pneumonia, ao sair do calor da mina e encontrar-se nesta montanha exposta ao vento, a 4.000m
de altitude; em longo prazo é a "tosse", silicose pulmonar contraída no pó de fumo de vela das
galerias.
d) O trabalho e mal pago: Não se deve acreditar que o trabalho forçado seja gratuito; não é uma
escravidão. O "mitayo" requisitado tem direito a um "jornal" em prata, com o qual deve
alimentar-se: é de 3 reais e meio, mas de fato o dono só paga a "norma", isto é, que o índio que
não supera a quantidade prevista só recebe uma parte do soldo. O índio alugado livremente -
"mingado" - é pago com 4 reais e tem o direito de discutir seu pagamento, mas disto resultam
muitas desordens.
e) A "mita": Instaurada pelo vice-rei Toledo, como único meio de fazer render ao máximo as
minas de Potosí, a "mita" está relacionada teoricamente com os costumes incas dos deveres do
indivíduo para com o Estado. Não é dever pessoal, é um imposto coletivo das aldeias, das
comunidades. Cada comunidade deve designar jovens mobilizados para a mina. Isto começou
em 1559 quando se requisitaram índios sob pretexto de fazê-los pagar, em forma de trabalho, os
tributos em espécie devidos pela comunidade. Foi convertida em sistema em 1570 e acabou por
ser legalmente generalizada.
Transformação econômica
A cana-de-açúcar foi outro dos veículos que contribuiu para a grande transformação do
meio natural e social. Introduziu-se a partir da década de 1530. À margem de sol, de água e
terras extensas e planas, a safra exigiu também de grandes investimentos para converter o suco
da cana em cristais açucarados. Portanto desde um princípio, a exploração e processamento da
cana esteve associado aos senhores poderosos.
A penetração européia nas terras temperadas e quentes foi também estimulada pela
demanda de produtos tropicais como o tabaco e o cacau, que desde a segunda metade do século
XVI passaram a explorar-se a escala comercial. Entretanto, o impacto mais violento na
paisagem natural e cultural da NE o produziu a introdução do gado. Entre muitas das surpresas
que aguardavam aos colonizadores, nenhuma teve o impacto similar como a que produziu a
prodigiosa multiplicação das vacas, cavalos, ovelha, cabras, porcos, mulas e burros que, em
poucos anos repovoaram NE e mudaram subitamente a fauna original e o uso do solo.
Criou-se o homem a cavalo, o vaqueiro, que junto ao mineiro e o missioneiro, foi uma
das figuras centrais da colonização do norte. Ao mesmo tempo, as carretas e carros puxados por
bois revolucionaram o sistema de transportes, encurtando distâncias e facilitando o translado de
mercadorias e produtos. Estes animais foram a primeira força de tração não humana que se
utilizou no México, e com eles começaram-se a mover moinhos para triturar minerais e para
processamento do açúcar.
O frade evangelizador foi outro dos agentes que contribuiu a grande transformação
ecológica que se experimentou na NE. Cada missão, convento ou pueblo de índios, que os
missionários fundaram, viam nascer sua horta de árvores frutíferas européias, tais como
laranjeiras e limoeiros.
Distribuição da terra
A primeira distribuição regular de terras foi feita pelos ouvidores da Segunda Audiência
(1530 – 35).
A partir da segunda metade do século XVI, o desinteresse dos espanhóis pela terra e
pelas atividades agrícolas mudou repentinamente, e começaram, cada vez mais, a solicitar novas
mercês de terras. Os dois períodos de intensiva distribuição de terras, 1553-63 e 1585-95,
estiveram estritamente relacionados com as grandes epidemias que dizimaram a população
indígena.
A decisão da Coroa de levar a cabo uma massiva distribuição de terra entre muitos
colonos institucionalizou o processo original de ocupação desordenada da terra, e deu
estabilidade aos proprietários agrícolas, precisamente em um momento que o descobrimento de
minas, a expansão colonizadora e a decadência da agricultura aborígine requeriam a criação de
novos recursos alimentícios. A demanda e oferta de mercês de cavalaria e estâncias atraíram
tanto a velhos como a novos colonos sem recurso algum aos novos pueblos agrícolas, que desde
1560 em diante foram estabelecendo-se no Bajío e mais ao norte, dedicados principalmente a
abastecer os centros mineiros. Do mesmo modo, a subida dos preços dos produtos alimentícios
e a abundante disponibilidade de terra, estimulou a formação de haciendas e ranchos mistos, isto
é, agrícolas e pecuaristas, que rodeavam as cidades e capitais administrativas do centro e sul do
vice-reinado.
Mão-de-obra
Esta situação começou a mudar quando a Coroa avaliou a diferença entre a renda em
tributos que proporcionava os indígenas, e a renda em moeda que começava a dar a exploração
agrícola, pecuarista e mineira. Mas na medida em que estas atividades necessitavam uma mão-
de-obra fixa e permanente que a encomienda não podia proporcionar, os espanhóis introduziram
o escravismo tanto para os índios como para os africanos.
Entre 1550 e 1560, também foi decretado que, no lugar de pagar os tributos mediante
produtos diversificados, estes deveriam pagar-se somente através de duas formas: pagamentos
em dinheiro e pagamentos em espécie, os últimos preferencialmente em produtos agrícolas
(milho e trigo). Levando em consideração que a única via para que os índios pudessem obter
dinheiro era trabalhando nas minas, haciendas e serviços públicos, esta disposição foi outra das
maneiras de forçar aos índios a trabalhar nas explorações espanholas.
Em fins do século XVI e nas primeiras décadas do XVII, os hacendados começaram a
se opor ao reparto forçado dos trabalhadores indígenas levado a cabo pelos corregidores e
reclamaram do direito de contratação em um mercado livre de trabalho, sem interferências das
autoridades. Exigiam que os índios fossem "livres para trabalhar como quisessem e em qualquer
atividade que escolhessem, e a ir com aqueles patrões que oferecessem as melhores condições".
A hacienda deixou de ser uma mera "terra de labor" ou "estância de gado" para
transformar-se em uma unidade de produção independente.
Norte não havia populações de índios sedentários suscetíveis de serem forçados a
trabalhar nas empresas espanholas
Durante o século XVII, os trabalhadores permanentes das haciendas pecuaristas do
norte, das açucareiras das costas e dos vales tropicais eram escravos negros, mulatos, criollos e
mestiços, todo eles sem uma posição estável dentro do grupo dos espanhóis e dos índios, setores
que constituíam os dois pólos da hierarquizada sociedade.
Norte era onde existia uma grande mobilidade laboral. O meio mais comum para
atrair os trabalhadores foi através da "peonagem por dívidas", que consistia em adiantar dinheiro
e roupa por conta do futuro jornal. Além disso, na medida em que se continuava lançando
dinheiro ou artigos, o endividamento se convertia na forma mais habitual de manter os
trabalhadores permanentemente presos, retidos e atados à hacienda.
A hacienda surgiu para satisfazer a demanda interna dos mercados urbanos e mineiros.
Cidade do México foi o primeiro mercado que impulsionou a seu redor a formação de um
cinturão de haciendas mistas, agrícolas e pecuaristas. Este mercado concentrava o maior número
de habitantes e grande parte dos benefícios monetários da atividade econômica do vice-reinado.
Ainda assim, a capital não pode competir com os dinâmicos mercados mineiros, onde se
realizavam os investimentos mais elevados, se pagavam os salários mais altos e a maioria da
população usava dinheiro ou créditos para suas atividades comerciais.
Ao igual que toda empresa dedicada à venda de seus produtos, a hacienda organizou-se
para obter um excedente, que deveria beneficiar aos proprietários. Para obter tal excedente, os
hacendados necessitavam aumentar os benefícios em conceito de vendas e reduzir ao mínimo a
compra de insumos, para assim poder manter sua classe e condição social e adquirir os artigos
europeus que eles não produziam. Uma maneira de alcançar estes objetivos era através da
ampliação territorial da hacienda.
Séculos XVI e XVII mercados pequenos, demanda fraca e preços baixos = maioria dos
agricultores se concentrou no aproveitamento máximo dos setores reservados ao autoconsumo e
os deixados em descanso, reduzindo os dedicados a atividades comerciais.
Século XVIII crescimento dos mercados, incremento da demanda, subida dos preços e
expansão demográfica = setores destinados a cultivos comerciais e de autoconsumo se
estendiam em detrimento dos descansos, e então se criava a necessidade de arrendar ou adquirir
novas terras. A terra aumentava de valor, e, em consequência, a mais fértil se destinava a aquele
bens mais comercializáveis, enquanto que para os produtos de autoconsumo e para a pecuária se
colocava em usos a menos fecunda.
Os estudos sobre as haciendas coloniais mostram que todas elas tentavam ser auto-
suficiente em produtos básicos, especialmente milho, pois os hacendados entregavam rações
deste produto aos jornaleiros permanentes e aos estacionais, em lugar de salário. As grandes
propriedades territoriais e as pertencentes às ordens religiosas, além de serem auto-suficientes
em grãos e produtos pecuários, se auto-abasteciam de muitos outros artigos básicos, pois as
haciendas possuíam oficinas de carpintaria e de ferro. As haciendas criaram, em benefício
próprio, um complexo produtivo e inter-relacionado. Neste sentido, o que uma não produzia em
quantidades suficientes, era proporcionado por outras, e vice-versa, sem necessidade de recorrer,
portanto, ao mercado aberto.
Século XVI principais cidades da região central (Cidade do México e Puebla) eram
abastecidas pelos agricultores indígenas.
Séculos XVII e XVIII estas cidades já estavam dominadas pela produção das haciendas que
haviam crescido em seus arredores.
O crédito
O Conselho das Índias a autoridade suprema para todas as questões coloniais em Madri. A
este grupo de conselheiros encarregados de todos os assuntos referentes aos territórios recém
descobertos deu-se o nome de Real y Supremo Consejo de las Indias. O Conselho foi,
predominantemente, um órgão legal e suas decisões dependiam somente do rei. Além de ser
uma autoridade administrativa era também um tribunal superior em todas as causas cíveis e
penais referentes aos territórios americanos.
As decisões do Conselho se estendiam a todos as instâncias da vida colonial:
consultivas, legislativas e jurídicas. Como cabeça hierárquica de toda a autoridade
administrativa, ele dirigia a administração civil, militar, fazendária e da justiça, além de estar
encarregado do padroado régio. Nesta função, controlava a administração eclesiástica nas
Índias, bem como os contatos entre o clero colonial e a Cúria romana.
Leis e Decretos
Um vasto corpo de leis e decretos promulgados na metrópole regiam os destinos das
Índias. De todas as ordens da Coroa, a de maior alcance era a provisión, uma lei geral que se
referia às matérias de Justiça e de governo. Assim, as famosas Leis Novas eram na verdade
provisiones reais relativas à organização do governo e ao tratamento que deveria ser dispensado
aos indígenas. O documento mais comum usado pela monarquia era a real cédula e na maioria
dos casos tratava de questões bem concretas, com recomendações do Conselho das Índias.
Havia ainda o auto, sem destinatário concreto, mas também contendo decisões do Conselho ou
das audiências.
Os Vice-reinos
O cargo político mais importante nos territórios ultra-marinos espanhóis era o de vice-
rei: o primeiro nomeado para a Nova Espanha, em 1535 e o seguinte para o Peru em 1543. O
seu poder era grande: exercia o cargo de governador na província pertencente à sua capital,
presidia à audiência do vice-reino e era também capitán general. Os poderes e atribuições do
vice-rei eram regulados pela Coroa: as nomeações para as sedes episcopais e a organização de
tropas pagas pra repelir uma invasão, por exemplo, tinham que ter a prévia aprovação do rei.
No séc. XVIII, sob nova dinastia dos Bourbons, foram realizadas reformas
administrativas e econômicas com o objetivo de aumentar as rendas reais. As reformas
atingiram tanto a metrópole quanto as Indias, e o objetivo era organizar um aparelho estatal
mais controlado pela Coroa. Felipe V, em 1714, criou quatro ministérios, entre os quais o das
Indias, que usurpou algumas das funções mais importantes do antigo Conselho das Indias. O
novo ministério tornou-se uma agência real para a emissão de ordens sobre as finanças, o
comércio, a guerra ou qualquer outro assunto de estado que fosse importante.
O vice-reino do Prata, com sua capital em Buenos Aires, tinha uma finalidade
defensiva, pois o estuário, além de rota conveniente para o contrabando, era vulnerável à
agressão estrangeira. Na América, a reforma administrativa de maior impacto foi a criação das
intendências, outros executivos de jurisdição mais reduzida que os vice-reinos e que reuniam
atribuições na esfera da guerra e da Fazenda. Na América, constituíram-se de um corpo
administrativo dirigido pela metrópole e formado por peninsulares. Amplas.
Outras rotas e outras formas de navegação, fora das Carreras de Índias, abasteciam a
vasta colônia hispânica. As colônias distantes dos portos comerciais eram abastecidas por navios
isolados, e se chamavam navíos de registro. Saíam da Espanha com uma licença especial da
Coroa e com a mercadoria registrada, dá seu nome, e iam abastecer principalmente Buenos
Aires, as costas venezuelanas e centro-americanas e as ilhas antilhanas.
O século XVIII foi para a Espanha u século de recuperação, depois do período de crise
que passou sob o reinado dos últimos Habsburgos.
Transferência da monarquia espanhola para os Bourbons equilíbrio entre as potências
européias rompido aliança entre ESP e FRA Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1713)
Paz de Utrecht Inglaterra recebe o direito de asiento (fornecer escravos às colônias
espanholas)
O monopólio tornara-se muito mais teórico do que efetivo, pois a Espanha era incapaz
de mantê-lo a contento. Prova disto era o privilégio de asiento concedido aos ingleses, que lhes
possibilitava a introdução de escravos negros em território americano, além do volume anual de
mercadorias que podiam ser vendidas livremente nas Índias.
Como chegava este metal à Espanha? Evidentemente, fazia-se por mar. Os envios desde
o México se embarcavam em Veracruz, os que chegavam desde as ricas jazidas auríferas de
Nova Granada, o faziam desde o porto de Cartagena de Índias e aqueles que vinham desde o
Alto Peru mineiro realizavam ainda uma longa viagem por mar desde El Callao, porto limenho,
até o istmo do Panamá e cruzando-o por terra, se embarcava finalmente em Nombre de Dios
para a península.
Durante muito tempo, até meados do século XVI, deixou-se aos navios à própria sorte
na travessia de volta desde a América, mas as incursões crescentes dos piratas e dos navios das
outras potências européias interessadas em apropriar-se do tesouro espanhol obrigaram a
recorrer ao sistema de frotas. Instituíram-se assim duas frotas: 1) se dirigia a Nova Espanha. 2)
conhecida como “os galeões” navegava até Terra Firme.
Maior atividade econômica (no mercado interno) maiores preços crescente demanda de
metais preciosos maior atividade mineira.
Qual é a relação entre esse fluxo externo de metal para a metrópole e funcionamento do
mercado interno colonial?
Evidentemente, nem todo o metal produzido era exportado, pois uma parte era
entesourada pela igreja e pelos particulares, e outra parte – e não pequena – era utilizada nos
gastos de defesa internos. Voltava assim aos processos de circulação – salários de soldados,
compras de alimentos, etc. – para reiniciar a sua vez novamente esse caminho. E finalmente,
uma porcentagem, muito escassa por certo, funcionava como circulante.
Deste modo, grande parte do metal americano seguia seu caminho, mas nem se detinha
muito no espaço econômico da Europa ocidental, pois em grande medida terminava sua longa
viagem no Oriente, em especial, graças à intermediação otomana e as viagens portuguesas pelo
cabo da Boa Esperança.
O mercado interno era a roda maior sobre a qual descansava todo sistema de
circulação de metais preciosos.
Além dos metais, a América enviava ao Velho Mundo outros produtos que tinham
importância na estruturação de alguns sistemas produtivos no interior do espaço americano. Os
dois produtos que formavam parte do grupo mais relevante em valor eram a cochonilha e o
índigo ou anil, dois tingimentos que resultaram muito importantes para prover a indústria têxtil
européia da época. Depois desses produtos se encontrava o açúcar, que foi tomando maior
relevância desde fins do século XVI e cresceu enormemente durante o XVIII. Junto com outros
tingimentos (o pau-brasil) foi o artigo mais importante no tráfico mercantil desde a colônia
lusitana e mais tarde, desde as Antilhas. Finalmente por volta do século XVIII, se somaram o
cacau, o tabaco e o couro bovino.
Os sete artigos assinalados acima representavam a quase totalidade do valor do enviado em
produtos americanos – se descontarmos os metais preciosos, é claro – desde as colônias à
Europa.
Quais são as principais mercadorias que se enviavam à América neste primeiro período?
O produto mais importante que chegava às costas americanas, mesmo que não saísse da
Espanha, mas sim do continente africano, eram... homens, ou seja, escravos negros. Muito
provavelmente, de trás dessa “mercadoria” tão peculiar se localizem os tecidos de qualidade.
O estado bourbônico
Não pode haver dúvidas sobre o estado de abatimento absoluto em que se encontrava o
país a fins do século XVII. O reinado de Carlos II (1664-1700) resultou ser um desastre total,
uma série crônica de derrotas militares, a bancarrota real, regressão intelectual e a fome por toda
parte. Por volta de 1700, a população havia descido pelo menos um milhão de pessoas a baixo
de seu nível na época de Felipe II. O preço de coroa debilitada foi a guerra civil, a invasão
estrangeira e a partição do patrimônio dinástico, porque a morte, longamente esperada, de
Carlos II em 1700 provocou uma guerra geral européia, cujo prêmio principal era a sucessão ao
trono da Espanha.
O papel relativamente passivo que desempenhou a Espanha na guerra que decidia seu
destino fez-se patente no tratado de paz, firmado em 1713 em Utrecht. A Grã Bretanha obteve o
"asiento" durante um período de 30 anos. Assim, ela usufruía de um direito monopolístico de
introduzir escravos africanos por todo o império espanhol e, além disso, se assegurava o direito
ao envio de um barco anual com 500 toneladas de mercadorias para comercializar com as
colônias espanholas do Novo Mundo. Finalmente cedeu-se a Portugal, fiel aliado dos ingleses,
Sacramento.
Enquanto com a nova ênfase na autoridade real a aristocracia foi simplesmente excluída
dos conselhos de Estado, ao contrário, atacou-se severamente a Igreja. Por exemplo, a
concordata de 1753, na que o papado cedia à coroa o direito de nomeação de todos os benefícios
fiscais da Espanha. Em 1767 expulsou-se dos domínios espanhóis a ordem jesuítica, principal
bastião da Contra-reforma e defensora ao extremo do papado.
Os rendimentos públicos:
1700 5 milhões de pesos
1750 18 milhões
1785-90 36 milhões
São nessas cifras onde encontramos o segredo do ressurgir político espanhol. Como em
qualquer estado dinástico, os primeiros beneficiários do orçamento foram a família e a corte
com a construção de três novos palácios.
A revolução no governo
Se a nova dinastia queria obter benefício de suas vastas possessões de ultramar, teria
primeiro que voltar a controlar a administração colonial e criar então novas instituições de
governo. Somente então poderia introduzir as reformas econômicas. O catalisador da mudança
foi a guerra contra a Inglaterra. A tardia irrupção da Espanha na Guerra dos Sete Anos (1756-63)
lhe acarretou um revés imediato com a captura inglesa de Manila e La Habana.
Os ministros de Carlos III se orientaram para o programa de reforma elaborado no
Nuevo sistema de gobierno económico para la América (1743). Se suas propostas consistiam
freqüentemente na aplicação na América de reformas já introduzidas na Espanha, sua
concretização resultou ter efeitos mais drásticos já que a revolução administrativa do império foi
iniciada por soldados e funcionários enviados da península. Não surpreende que fora chamada a
reconquista da América.
O 1° passo deste programa foi a provisão de uma força militar adequada, como
salvaguarda contra ataques estrangeiros e levantamentos internos. Este interesse na força militar
produziu bons frutos. Em 1776 uma expedição atravessou o rio da Prata, recobrou Sacramento
pela 3° e última vez e expulsou aos portugueses de toda a Província Oriental, vitória ratificada
pelo Tratado de Santo Ildefonso (1778).
A monarquia reivindicou seu poder sobre a Igreja de forma dramática quando, em 1767,
Carlos III seguiu o exemplo de Portugal e decretou a expulsão de todos os jesuítas de seus
domínios. Era, com certeza, uma medida que avisava a Igreja da necessidade de obediência
absoluta, dado que os jesuítas eram conhecidos por sua independência da autoridade episcopal,
sua intransigência acerca do pagamento de dízimos eclesiásticos, sua devoção ao papado, sua
extraordinária riqueza e sua habilidade na hora de lidar contra a burocracia real. Em todas as
cidades principais do reino, os colégios jesuítas educavam a elite criolla.
Em nenhum lugar foi mais evidente o impacto das novas tendências da administração
que na mudança da composição das audiências, os altos tribunais de justiça, cujos juízes
aconselhavam aos vice-reis em todas as questões mais importantes de estado. No reinado de
Felipe V colocavam-se em venda cargos nas audiências americanas a qualquer leiloante
qualificado. Como consequência disso, letrados criollos ricos compravam magistraturas em uma
escala sem precedentes. Em 1776-77 decidiu-se ampliar o número de membros da maioria das
audiências e depois, mediante uma verdadeira política de transferências, promoções e retiros, a
acabar com o predomínio criollo.
Peça central da revolução no governo foi a introdução dos intendentes, funcionários que
encarnavam todas as ambições intervencionistas e executivas do estado bourbônico. Os
intendentes, recrutados entre militares e oficiais da Fazenda, e peninsulares em sua imensa
maioria, conseguiram um moderado êxito, sem chegar a alcançar as expectativas dos
reformadores em nenhum sentido. Nas capitais de província foi onde a reforma teve um impacto
maior, porque aqui os intendente desenvolveram sua máxima atividade, pavimentando as ruas,
construindo pontes e prisões e reprimindo desordens populares. Se os intendentes resultaram ser
menos efetivos do que se esperava, foi em parte porque o sistema de rendas havia-se reformado
amplamente antes de sua chegada. As inovações chave foram a nomeação de uma burocracia
fiscal assalariada e o estabelecimento de novos monopólios da coroa.
As economias de exportação
A economia interior
Século XVII idade de ouro dos "obrajes" (oficinas artesanais) de Puebla e Quito
Em um processo que se iniciou no século XVII, mas que se acentuou no XVIII, Buenos
Aires e o litoral em geral encabeçaram um movimento de reorientação das economias regionais
para os mercadores litorâneos. O papel crescente da cidade portuária, seja como mercado - em
função de seu peso demográfico e econômico, - seja como porta para o Atlântico, indica de que
modo iam a inclinar algumas das economias regionais para este litoral superabundante de terras
férteis.
Jujuy era a cidade mais próxima ao Alto Peru e sempre manteve vínculos muito estreitos com
o sul alto peruano. Era a jurisdição que durante o século XVIII possuía a maior porcentagem de
população indígena de todo o Rio da Prata e essa população mantinha estreitas e muito velhas
relações com os vales do sul alto peruano, assim como com a área chilena de Atacama. A
mudança da alfândega de Córdoba a esta cidade a fins do século XVII havia consolidado a
presença de um setor peninsular na população local e as migrações do norte da Espanha
reforçaram este grupo. Jujuy desempenhou um papel importante na exportação de vacas e mulas
ao Peru.
San Miguel de Tucumán fundada no século XVI, foi uma das jurisdições agrícolas mais
importantes. Era a cabeça de uma jurisdição muito rica em bosques, e sobre a madeira se
assentou um dos pilares da riqueza local, permitindo-lhe a exportação de matéria-prima para a
indústria mineira alto peruana. A maior parte da população rural era espanhola e mestiça.
Santiago de Estero conservava no século XVIII uma estrutura de pueblos de índios bastante
consolidada que sobreviveu não somente à independência do século XIX. Esta é a única região
da Argentina onde o quéchua segue sendo uma língua usual na área rural.
Córdoba seria durante o século XVIII a região do interior rio-platense mais densamente
povoada e mais rica em relação a sua produção agropecuária. Contava com 50mil habitantes e
era o primeiro lugar entre os núcleos urbanos (10mil), só superada por Buenos Aires a fins do
XVIII. Era a única cidade universitária, além de Charcas, em toda aquela zona. O setor
mercantil urbano consolidado controlava uma parte relevante do tráfico comercial para Buenos
Aires, o Alto Peru e Cuyo. Esta posição central na geografia dos intercâmbios interiores
outorgou a Córdoba um papel destacado no tráfico mercantil rio-platense.
Cuyo (centro-oeste)
Mendoza contava com uns 18mil habitantes a fins do século XVIII e San Juan com mais
ou menos 16mil. No século XVIII, a especialização produtiva desta duas áreas de vinhas era
bastante clara: Mendoza centrou-se no vinho e San Juan na aguardente. As medidas
liberalizantes do comércio de 1776 - ao permitir que a produção mediterrânea peninsular
acessasse livremente aos mercados coloniais - deram um duro golpe à economia de Cuyo. Na
realidade, a região de Cuyo era a passagem obrigatória para o Chile e o Pacífico, dado que a
viagem marítima pelo cabo de Hornos constituía uma aventura terrivelmente arriscada. O
comércio entre Buenos Aires e o Pacífico, via Cuyo e Santiago do Chile, cresceu de forma
evidente entre 1730 e 1780.
Nesta sociedade urbana das vilas do interior e do litoral que cresciam visivelmente,
Buenos Aires era o núcleo urbano mais destacado. A cidade estava socialmente dominada pelos
comerciantes, que ocupavam os lugares mais destacados no cabildo e na burocracia
constituindo, além disso, redes familiares que controlavam os diversos espaços do poder local.
A migração de homens chegados do norte da península, que se acentuou desde meados do
XVIII, consolidou, mediante alianças matrimoniais, a um grupo mercantil poderoso que
aspirava a todos os símbolos sociais de seu êxito econômico. Sem minas em seu território e com
um papel muito secundário para aqueles que eram somente proprietários de terras, esta
burguesia mercantil portuária o era quase em estado puro, sendo ainda muito fracas suas
relações com o mundo da produção.
A economia rio-platense
2 correntes:
a) por volta de finais do século XVIII, já não era a condição racial ou étnica a que determinava a
posição de uma pessoa na sociedade colonial, mas sim seu status em termos de classe.
b) visão mais tradicional: era a condição étnica a que estabelecia a posição na sociedade
colonial
Acreditamos que não há um conceito de mestiçagem, mas vários. A maioria dos autores
se refere a este quando falam da mescla de diferentes "castas", segundo a terminologia hispânica
colonial.
Não parece sério supor que toda a sociedade multirracial da colônia edificou-se durante
longos três séculos sobre a violência sexual. Pensamos, pelo contrário, que a maior parte das
uniões sexuais entre indivíduos de distintos grupos raciais são o resultado da aproximação entre
duas pessoas, de sua proximidade cultural e social, do fato de compartilhar situações, lugares
de encontro, línguas, gestos.
* A distante origem da palavra "mulato" - que assimila aos híbridos (mula) - não
desmente a forte carga negativa que leva, pois segundo afirma Joan Corominas em seu
Dicionário crítico etimológico, foi usada pela primeira vez na península no século XVI para
designar aos "mestiços de europeu e mouro...” Esta assimilação tem 2 aspectos de interesse: 1)
por um lado, ao relacioná-la com os "mouros", outorgou-se à palavra um tom pejorativo
desvalorizado desde o ponto de vista religioso; 2) por outro, a aproximação aos híbridos aponta
a um fato simbolicamente mais forte: os híbridos, como as mulas, como é sabido, são estéreis...
8.2 O problema visto desde o Rio da Prata: a "tolerância" racial e seus limites
Vamos agora ao outro extremo do Império hispânico, o distante Rio da Prata, em uma
área que se estende desde o noroeste do atual território argentino (NOA) até a região pampeana.
Nesta área nos encontramos com uma sociedade que se acha imersa em um intenso processo de
mestiçagem. No NOA, os indígenas que se estavam desagregando das estruturas de seus antigos
pueblos ou que haviam sido capturados nas guerras e nas incursões ao Chaco entraram em um
franco processo de mestiçagem.
Este processo tem aspectos múltiplos, "raciais" e, sobre tudo, culturais, pois, em efeito,
muitas vezes é o resultado de uma intensa mobilidade espacial e da progressiva adoção de novos
padrões culturais - língua, vestimenta - que aproximariam a esses índios, que circulam já fora de
seus âmbitos originários de identidade étnica, ao universo dos brancos pobres e de alguns
descendentes arruinados dos primeiros conquistadores ou encomenderos que, geração após
geração, foram perdendo todo o papel relevante na economia e na sociedade colonial. Deste
modo, uma progressiva aproximação física e cultural entre ambos grupos contribuiu com os
contatos entre etnias e, com certeza, acelerou o processo de mestiçagem.
Na época esta divisão étnica tinha pouca importância. No século XVIII ninguém era
ainda chamado de "peninsular", e "criollo" era, então, apenas um apelido depreciativo, exceto
quando usado para negros nascidos fora da África. Os dois componentes do setor espanhol eram
considerados igualmente "espanhóis", sem distinção de categoria étnica e não tão bem
diferenciados quanto à função na sociedade.
Situação eclesiástica
Os jesuítas ainda não existiam como ordem religiosa quando começaram as conquistas; só
surgiram com toda a força nas Índias Ocidentais espanholas a partir da década de 1570.
Concentravam-se nas cidades, principalmente nas maiores, com suas sedes e principais
estabelecimentos em Lima e na Cidade do México. Rivais dos dominicanos.
A Inquisição o Santo Ofício, embora fosse um braço do governo real, tinha como objetivo
combater a heterodoxia religiosa e seus níveis superiores eram ocupados por homens da igreja.
Ausente desde o período da conquista, durante o qual as funções inquisitoriais foram delegadas
a bispos, a instituição propriamente dita chegou às Índias Ocidentais com a criação de dois
tribunais no início da década de 1570, na Cidade do México e Lima, seguidos de um terceiro em
Cartagena.