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A sombra lançada pelo valor

Marildo Menegat

1.
É paradoxal que o esforço comum e abrangente de crítica do capitalismo tenha falido justamente na
época em que as formas de existência social são vividas em todo o planeta sempre e mais como um
vasto processo de dessocialização catastrófica. A pálida reminiscência do que ela outrora fora perde
suas últimas forças e energias ao se voltar - fechada em si mesma como uma ostra - à diversas
modalidades de salvacionismo de uma sociedade cujas categorias fundamentais de relações
produtoras de valor são tomadas como trans-históricas. Ao assentar toda compreensão crítica da
sociedade em bases sociológicas, que tipificam modelos e prescrevem sua cópia como sumo fim a
ser perseguido, no momento em que a ordem e as possibilidades de classificação deste modo de
vida dominado inconscientemente pelas formas econômicas se esfuma, tanto o marxismo
tradicional como as formulações mais avançadas das ciências sociais burguesas (que são partes
constituintes da tradição crítica brasileira) se veem na constrangedora situação - em muito
semelhante a projeções neuróticas de indivíduos religiosos - de pensar o inexistente como causa
última, ou de desejar com fervor que o imediatamente dissolvido volte a existir.

2.

Região e coronelismo no Brasil e é um senhor esforço coletivo de furar este bloqueio1. Sua primeira
virtude está em buscar outra perspectiva para o posicionamento da crítica social, não mais fundado
na análise comparativa entre uma situação histórica dada e seu contraste com um vir-a-ser ideal
elaborado a partir da suposição de que haveria algum sentido obrigatório de evolução geral das
formas de vida social da espécie já indicado no presente pelos países industrializados. A
impregnação de um sentido da história dado a priori moldou a própria tradição crítica brasileira,
que se fundamenta nestes supostos e, por isso, se vê compulsivamente compelida a voltar-se contra
pretensos resquícios das formas originárias da formação que ainda estariam presentes na vida social.
Para ela, na evolução, o que não se modifica está fadado a se tornar um resto ou um fóssil vivo que
estorva as condições de possibilidade de se ser bem sucedido na seleção natural das formas sociais,
algo como um peso morto que se carrega por capricho e sem a consciência (de preferência

1 Para um relato-análise pormenorizado da história, debates e atividades do Grupo de Estudos do Labur (crítica do
valor-dissociação) ver TOLEDO, C. de A.; BOECHAT, C. A. e; HEIDEMANN, H. D. "Vinte anos de um grupo de
estudos do Labur - crise e crítica do sistema fetichista produtor de mercadorias e da modernização retardatária
brasileira", in: http://www.revistas.usp.br/rdg/article/viewFile/53847/57810
científica) ou o desprendimento (este sempre moral) para a realização de fins superiores. Deste
marco teórico deriva também um intenso sentimento de falta: o que impediria o Brasil a ascender ao
padrão ocidental de civilização (pois é disto que se trata quando se pensa teleologicamente,
independente das matizes de classe que essa ideologia assume) seria uma sorte de amarra ao solo
árido do atraso formada pela conjunção da vontade entre grupos sociais caprichosos na defesa de
seu egoísmo nas bases arcaicas deste passado - que persistiria no presente -, e as formas
ultramodernas do poder imperialista, que deste estado de coisas deve retirar alguma vantagem ao
manter sua liderança na concorrência mundial em meio a eunucos2. Não é necessário ir muito longe
para perceber o quanto esta crítica se equilibra entre ciência e discurso moral, em que a mistura não
é defeito, mas a força de um argumento fraco.

Para os[as] autores[as] deste livro - distinto da tradição crítica brasileira - a sociabilidade da
sociedade capitalista é estruturada conceitualmente num estranho - pois alheio à vontade - e
destruidor constructo objetivado3 de abstrações impositivas que, tendo se originado nas práticas
sociais que foram se desligando dos laços comunitários feudais da velha Europa do séculos XIV-
XV, se posicionou e autonomizou como uma forma social apriorística e, desde então, domina essas
relações a partir da imposição violenta, porém consentida como uma lei natural, da busca irracional
e incessante de se transformar dinheiro em mais dinheiro. A princípio esta formulação poderia
parecer inverossímil, uma espécie de idealismo torto, enquanto a tradição crítica, ao contrário, se
assentaria na reconhecida (principalmente pelos lugares comuns) análise sociológica de presumível
fundo materialista. Contudo, o vigor do novo prisma interpretativo de um tema antigo da nossa
formação social, como é o caso do coronelismo, é exatamente a capacidade mais abrangente e
profunda de explicar este fenômeno, dando-lhe antes de tudo temporalidade definida a partir da
compreensão do processo constitutivo da internalização do construto objetivado no território de
uma sociedade ao mesmo tempo periférica e convocada a fórceps (assentido, diga-se de passagem,
uma vez que disso resulta a razão de sua existência) para o centro do olho do furacão das
necessidades da acumulação de capital. O centro do sistema mundial produtor de mercadorias que
então se forma, para manter seu lugar na corrida pela apropriação do lucro, tende a perpetuar a
reprodução das desigualdades abismais desta competição surgida originalmente entre nações já em
vias de industrialização, e as novas nações recém saídas da condição colonial. Uma simultaneidade

2 O sentido fálico do que vai aqui exposto não é uma mera escolha casual de imagens, mas o caráter do próprio
processo, como pode ser atestado e compreendido nas formulações de SCHOLZ, R. "O valor é o homem. Teses
sobre a socialização pelo valor e a relação entre os sexos"; in: Revista Novos Estudo - Cebrap, nº 45, pp. 15-36, São
Paulo, 1996.
3 Cf. KURZ, R. Razão sangrenta. Ensaios sobre a crítica emancipatória da modernidade capitalista e seus valores
ocidentais. São Paulo: Hedra, 2010, p. 51.
do não-simultâneo4 é o pressuposto dinâmico do mercado mundial criado neste processo. Na
verdade esta relação entre centro e periferia, essencial para nossa autocompreensão, não pode ser
reduzida à explicação de uma defasagem histórica - do tipo que levaria a periferia a passar pelas
etapas obrigatórias do desenvolvimento do centro -, tampouco se rende a explicação sociológica, de
cunho politicista, de que as nações que chegam depois são obrigadas a ser menos e, por isso, sua
forma subdesenvolvida seria a imposição da máxima condição existencial que os países
imperialistas permitiriam aos atrasados -; mas uma defasagem originada e dada num tempo comum
que sempre a atualiza em novos níveis de contradição - como pode ser visto, por exemplo, no
processo de colonização, que surge e é parte do mesmo processo da constituição das formas
fundamentais do capital no centro e, sem as quais, a periferia seria inviável na sua pretensão
modernizadora. Com isso, o prefixo sub(desenvolvido) que deve explicar a periferia como uma
forma própria, e contra o qual esta deveria insurgir-se, somente pode sustentar estas pretensões
negando o caráter histórico determinado de sua constituição, transformando-a em relação de
subordinação política, como se, uma vez desenvolvidas as formas constitutivas fundamentais desta
sociedade e erigidas em padrão ideal, a necessidade da existência de uma periferia para o sistema
mundial de produção de mercadorias pudesse ser abolida.

Nesta toada, portanto, o esforço que os[as] autores[as] desse livro realizam para entender as
diversas modalidades de constituição do mesmo construto objetivado separado no espaço e desde
sempre em condições desiguais de competição, exige a mobilização de um arsenal dialético que, se
não é de todo original, uma vez que se apoia em elementos de produções anteriores de autores como
Caio Prado Jr., Fernando Novais, Maria Sylvia de Carvalho Franco, entre outros, o resultado da sua
articulação na totalidade do processo é nova. Assim, importa menos saber se o capitalismo é ou
não incompatível com a escravidão - a pergunta é em si descabida, na medida em que não foi outra
a sua necessidade senão aquela da acumulação de capital naquele momento -, do que se os
elementos de similaridade entre escravidão e trabalho assalariado não fariam da escravidão moderna
nas Américas 'apenas' o mais brutal dos capítulos da sangrenta imposição do trabalho como
fundamento da sociabilidade da forma valor, que também estava em curso no centro por aquela
época. A defasagem não se explicaria, deste modo, apenas por etapas sucessivas do
desenvolvimento, mas pelas condições originárias da acumulação, que se realiza a despeito das
formas fundamentais estarem postas de modo desigual no centro e na periferia. Mas, para além
disso, uma vez realizadas as formas concebidas por ideais, como a existência autônoma do trabalho
livre assalariado, agora devidamente qualificado - como se o adjetivo por si criasse o fato -, a
possibilidade de se flagrar no cerne deste a efetivação do incômodo parentesco com o arcaico, no

4 Cf. KURZ, R. "Leituras de Marx no século XX", in: http://obeco.planetaclix.pt/rkurz97.htm


caso, o seu caráter servil de imposição abstrata de uma atividade insana cujo fim catastrófico não
pode mais ser ignorado, não estaria, desse modo, indicando que o apego a esta pseudo-forma
emancipatória é ele mesmo um arcaísmo? Diante de tamanho desengano se poderia também pensar
se a plena constituição de uma sociedade produtora de mercadorias na periferia5, como por muito
tempo se desejou, pode ser proposta como realização emancipada da humanidade? Este processo
talvez não possa ser explicável sem o recurso crítico ao inominável sofrimento sem hora para
término que esta sociedade implica. Este sofrimento não comparece aqui como apelo moral à
justiça, mas como verdade última das daseinform (formas de existência) que este construto requer
para prolongar o seu fim (no duplo sentido).

3.

Para a crítica do valor-dissociação, que se realiza enquanto crítica das categorias fundamentais que
estruturam esta totalidade social, a formação social não é concebida a partir da análise das faltas que
um Estado de Direito devidamente constituído pode suprir (em geral o modelo jacobino é o
arquétipo ainda hoje evocado tanto por marxistas tradicionais como por republicanos radicais), nem
mesmo pela falsa ideia de que a falta de desenvolvimento é a causa em última instância das mazelas
que afligem as classes populares. Sem fazer tábula rasa de diferentes situações de existência social
no espaço das nações modernas, tal modalidade de crítica social não fica circunscrita a um aspecto
particular do modo de produção, como a distribuição de riqueza perturbada pela exploração do
trabalho. A própria crítica do trabalho como atividade abstrata insana, fundamento de uma forma
social cujo fim último é a sua eterna reprodução (contraditória e, por isso, fadada a se deparar com
limites lógicos intransponíveis), se torna um elemento essencial desta perspectiva teórica. As classes
subalternas, portanto, não modificam substancialmente sua condição de existência coativa, e não
deixam de participar de um processo social de produção destrutivo, nem deixam de ser instrumentos
de sua autodestruição - como parte ativa de uma forma social em crise - ao lutarem para se tornar
cidadãs de um Estado Democrático de Direito.

Ora, mas foi justamente esta perspectiva - própria da filosofia da história idealista do Iluminismo,
que tem como pressuposto a formação do sujeito abstrato da sociedade burguesa - que animou boa
parte das pesquisas sobre o coronelismo na tradição crítica brasileira. Por exemplo, a de que ele
seria o sintoma de um Estado fraco (ou da falta de Estado) e, por conseguinte, expressão da
ausência da cidadania plena decorrentes da falta que fez uma autêntica revolução burguesa como

5 Poderia se incluir na intenção deste movimento de modernização, todas as experiências (e plataformas) socialistas
realizadas (ou não) no século XX, a começar pela ex-URSS.
etapa ascendente necessária à civilização ocidental. A explicação ensaiada neste livro procura outra
interpretação, esta montada numa compreensão do processo histórico de constituição do capital
enquanto uma estrutura mundial total6. Dessa maneira, o interesse se volta mais para a compreensão
do processo histórico-estrutural de formação e amadurecimento dos componentes da fórmula
trinitária do capital (capital, terra e trabalho) no território brasileiro e a autonomização do Estado
(como capitalista ideal), do que para a centralidade da análise sociológica da institucionalização
política7. Trata-se da interiorização e imposição violenta do capital no processo de formação
autônoma de suas fontes de rendimento. Este processo teria implicado na constituição de uma
dinâmica interna formadora das regiões a partir de regimes de acumulação de capital brutais, muito
semelhantes ao que foram as características da acumulação primitiva, só que, nesse momento, se
apresentaram muito tempo depois da ocorrência da acumulação primitiva específica (cuja relação
essencial foi uma simultaneidade externa que estabeleceu a relação entre metrópole e colônia). Sua
continuidade interna, em termos históricos, pode ser datada desde a Independência (1822) e a
formação do Estado Nacional (em especial com a Lei de Terras de 1850), até a Abolição da
escravidão (1888). Esta acumulação que deve ser simultânea às exigências do mercado mundial
(com um nível técnico de competição superior àquele da fase originária do sistema), se fará presente
na história do país, entre outras dimensões, por excrescências como a manutenção da produção com
trabalho escravo (que já fora usado ad nauseam no período colonial) para a agro-exportação do
café. Contudo, menos óbvia do que esta modalidade de produção para o mercado mundial, mas
essencial para a estruturação deste processo de formação das regiões e do coronelismo, foi a
organização da fazenda como uma unidade agrária de produção mercantil, esta voltada a um
mercado de consumo interno que não poderia ter existido sem o esforço de exportação referido,
com seus diversos modos coativos de relações de trabalho8, que permite divisar elementos da
particularidade com que se forjou esta atividade abstrata da sociedade burguesa no Brasil de até
meados do séc. XX. É este processo que configura os diferentes momentos que explicam de modo
abrangente por que o Estado teve possibilidades de atuar apenas muito lentamente como uma forma
impessoal da lei - que, não por acaso, é um dos elementos essenciais da sociedade capitalista

6 Neste sentido, estas leituras estão mais ancoradas nas formulações de Marx do Livro III de O Capital, e em
especial, nas críticas feitas por Kurz ao individualismo metodológico (cf. Dinheiro sem valor. Lisboa: Antígona,
2014) do que na Seção III do Livro I, onde até hoje o marxismo tradicional se fundamenta.
7 "Lá onde a base material ainda está ausente, a sociedade moderna já invadiu espetacularmente a superfície social
de cada continente. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside a sua constituição" (DEBORD, G. La
societé du spectacle. Paris: Gallimard, 1992; § 57).
8 Nestas relações se inserem as variadas modalidades "de agregados" (esta forma peculiar de estar o tempo todo a
disposição dos fazendeiros) como meeiros, parceiros, pequenos posseiros e outras formas da 'reprodução
camponesa', que explicam, ao menos em parte, as dificuldades que a sociologia agrária tem de entender o
campesinato na totalidade social não como um resquício pré-capitalista, ou de uma acumulação primitiva
indeterminada, mas o modo específico da constituição da sociedade burguesa nestas condições históricas.
desenvolvida. Portanto, a dependência do Estado em relação a atuação personalista, comum no
fenômeno do coronelismo, não é um problema cuja resposta se encontra num traço patológico da
cultura nacional (sendo que isto também está presente como uma forma relativamente
autonomizada de existência particular dessas relações), mas na formação das condições de
reprodução do capital a partir da interiorização das suas relações sociais de produção nas regiões
naquele momento histórico da constituição de relações de dominação numa sociedade agrária
produtora de mercadoria que precisava controlar o acesso à terra9 para garantir, com isso, a
formação de uma massa de trabalhadores submetida às leis do mercado. A internalização da
acumulação de capital só poderia se realizar em simultaneidade com as condições da acumulação do
mercado mundial. No entanto, uma simultaneidade integral, externa e interna, que implicaria numa
correspondência ideal das formas fundamentais da sociedade capitalista no centro e na periferia,
seria materialmente impossível10, uma vez que a acumulação é uma lógica de dominação social
abstrata objetivada no tempo e no espaço das relações sociais. A não-simultaneidade interna destas
condições com as formas externas, não impede a acumulação, mas, ao contrário, torna possível o
que de outro modo não poderia existir. Falar de uma contradição entre 'arcaico e moderno' no
capitalismo, neste sentido, é desconhecer a própria essência desta sociedade.

4.

A simultaneidade histórica do processo de internalização das formas fundamentais da sociedade


capitalista, em condições desiguais, da periferia com o centro, fará com que o processo de
modernização da periferia seja, em comparação com o centro, ao menos na aparência de um dos
seus aspectos formais, tardio (porém sabemos que isto é tão somente o resultado de uma
desigualdade constitutiva não corrigível num regime de concorrência - no máximo ela pode ser
atualizada), o que cria a ilusão objetivada (e teorizada como diferença de tempos das etapas do
devir histórico) de que o obrigatório esforço recuperador, esta busca desbragada de estar em
condições de competir com o polo mais avançado, se realize na intenção de um emparelhamento
sustentado por um vertiginoso salto supressor do tempo perdido (o passado preso às formas do
presente). Descusado dizer o quanto o próprio salto se apresenta como um tempo perdido da

9 Este instrumento foi inicialmente a Lei de Terras de 1850, que redefine o processo de colonização, antes feito pela
metrópole, como um movimento que passa agora a internalizar a metrópole e deve manter o monopólio do acesso a
este meio de produção abundante no Brasil do séc. XIX, com vistas a separar as massas de outras possibilidades de
sobrevivência que não seja sua submissão a estes proprietários, ou, quando era o caso, a venda de sua força de
trabalho como assalariados. Como se percebe, a Lei de Terras teve uma papel relevante de forçar o processo de
formação do trabalho nas condições ideais do capital - e foi, por isso, essencial para se criar um mercado de
trabalho.
10 "[...] todo conteúdo sensível não é absorvido na forma abstrata do valor, a despeito de permanecer como
pressuposto da reprodução social [...]", cf. SCHOLZ, R. "O valor é o homem", p. 18.
modernização, algo que apenas fica claro na época do seu colapso, quando o inacabado ganha seus
contornos definitivos de ruínas diante das barreiras intransponíveis para o seu desenvolvimento
postas pelos limites lógicos do sistema. Este esforço custoso de sacrifícios que nunca se
completarão, correspondeu à fase histórica em que o capitalismo abocanhou o planeta como seu
território absoluto. A industrialização parcial da periferia e sua urbanização em todos os continentes,
permitiu que a mercadoria como forma social total passasse a reger inclemente as mediações sociais
mundo afora, não como realização de um tipo mais elevado da vida, mas como crua imposição
destrutiva do capital. A realização ampliada do mecanismo de dominação abstrata nesta época foi
deixando pelo caminho as ilusões presentes na concepção de que um dia este sistema seria uma
etapa necessária para a emancipação humana. No Brasil a capacidade do Estado Novo impor um
planejamento de industrialização de base, na segunda metade dos anos 1930, foi tanto o início da
supressão do poder dos coronéis, que indicou a autonomização da ação do Estado em relação ao
mercado, como o amadurecimento das relações de valor11 e a supressão de suas personificações
imediatas (personalização) no processo de domínio social.

A ditadura civil-militar enterrou os suspiros ingênuos das expectativas redentoras com a


modernização. Um importante autor da extinta12 tradição crítica brasileira pensou um dia em
escrever a história do Brasil na perspectiva dos vencidos. Tal livro nunca foi escrito e hoje só faria
sentido como uma história dos perdedores que incluiria também as nações periféricas em tempos de
globalização (e em breve, se o colapso do capitalismo continuar seguindo neste ritmo, a
humanidade). O livro que o leitor tem em mãos é o ponto de inflexão de outra tradição, que
pretende ligar os fios da meada de uma história de ruínas. Se entendermos quem são os inevitáveis
perdedores que o capitalismo produz para se recriar 'quase' permanentemente, e que eles não têm,
pela própria lógica que liga as coisas e mantém esta sociedade na navalha cortante de sua dinâmica,
entre caindo e já integralmente colapsada, como produzir nela outro lugar para suas existências,
pois elas simplesmente não cabem nas formas da economia politica, a compreensão desta história é,
talvez, o primeiro passo para uma crítica radical do capitalismo.

Região e coronelismo no Brasil se configura assim como uma leitura de fôlego do fracasso do
processo de modernização, não como uma particularidade do Brasil, relacionada a algo como o
eterno descaminho de menoridade e incapacidade dos países periféricos, mas sim como parte do

11 [...] quanto mais desenvolvida é a relação de valor, quanto mais claro é o divórcio entre esfera pública e privada,
mais inequívoca é a estrutura patriarcal", cf. SCHOLZ, R. op. cit, p. 19.
12 Cf. Sérgio Buarque de Holanda Para uma nova história. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. O anuncio da
extinção da tradição crítica brasileira foi feito primeiramente, salvo engano, por Paulo Eduardo Arantes na
entrevista "Fim de jogo", Folha de São Paulo, julho de 2004, depois também publicado in: Extinção. São Paulo:
Boitempo, 2007, pp. 213 e ss.
colapso do capitalismo. Parece-me ser um pouco de luz sobre a "sombra lançada pelo valor"
(SCHOLZ; 18), ou, em outras palavras, a compreensão da impossibilidade de que tal processo
pudesse ter sido em algum momento a projeção de uma ventura melhor.

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