CUIDADOS TÉCNICOS NO INÍCIO DO
PSICODIAGNÓSTICO
Bruna Gomes Mônego
O
psicodiagnóstico é um processo que deve ser planejado passo a passo, mas, quando estamos
iniciando a vida profissional, não sabemos exatamente como é o primeiro passo. Existem diferentes
opiniões e posturas, e você tem liberdade para fazer suas escolhas e construir o profissional que ‐
deseja ser. Neste capítulo, procuro trazer um pouco da minha visão, da minha prática e alguns assuntos ou
dicas a que gostaria de ter tido acesso quando iniciei meu trabalho. Espero que ele possa servir como um
guia para acompanhálo nessa incrível jornada do psicodiagnóstico. Não pretendo fornecer um manual de
regras rígidas, mas entendo que a flexibilidade necessária para o trabalho do psicólogo é adquirida com o
amadurecimento profissional e pessoal.
Apresento este capítulo em duas seções. A primeira corresponde ao contato telefônico, à marcação da
primeira entrevista e ao contrato. A segunda abordará a empatia e a relação terapêutica, considerando
características do profissional e do paciente.
COMO TUDO COMEÇA
O contato telefônico
Se você vai começar seu estágio ou trabalhar em uma clínica, é preciso saber que geralmente é o paciente
quem vai procurar o serviço. Ele terá um acolhimento ou uma triagem e, em seguida, você pegará seus
dados para entrar em contato e marcar a primeira entrevista. Ou seja, um pouco do trabalho foi adiantado e
você já tem informações para se preparar melhor. Caso vá atender em seu próprio consultório, você mesmo
coletará os primeiros dados e, se não tiver uma secretária, o paciente fará o contato diretamente com você.
Ele irá contatálo porque, provavelmente, recebeu seu nome como indicação. Você receberá uma
ligação de um número desconhecido e, ansiosamente, pensará: “Será que é um paciente?”. Se essa ansiedade
for muito grande, você não ouvirá nada do que a pessoa do outro lado da linha falará. Portanto, mantenha
sempre um papel e uma caneta à mão. Pergunte e anote o nome da pessoa que será avaliada e sua idade,
solicite uma descrição genérica do problema e marque o horário. Caso não tenha uma agenda em mãos, diga
que ligará depois para confirmar a data. Não há problema algum nisso. Inclusive, se não puder falar no
momento, diga que retornará a ligação, mas nunca deixe de anotar o nome da pessoa e o número do
telefone. Mais tarde, você poderá esquecer essas informações, vindo a se perder na lista de registros. É
importante manter a calma durante esse primeiro contato telefônico, pois o indivíduo já está formando uma
opinião sobre a sua competência ou capacidade de estabelecer confiança.
Promova uma conversa em que você possa demonstrar ser atencioso e acolhedor. Pode per guntar sobre
a demanda da avaliação: “Você poderia me adiantar alguma informação sobre o motivo da avaliação?” e
“Quem a está solicitando?”. Caso obtenha esses dados por telefone, você terá como se preparar um pouco
melhor, não sendo, assim, pego de surpresa na consulta. Além disso, se for uma demanda com a qual não
trabalha, informe isso imediatamente ao indivíduo e, se possível, indique outro profissional ou instituição
que possa ajudálo.
Ao marcar a primeira sessão, solicite que o indivíduo leve documentos e materiais que você julgue
necessários, como o encaminhamento do solicitante, resultados de exames, e laudos médicos e psicológicos.
Quando a ligação é feita pelo responsável da criança para a qual se solicitou uma avaliação, você pode
sugerir que ambos os responsáveis legais (p. ex., pai e mãe) compareçam e orientálos a ir para a sessão sem
a criança. Essa solicitação é feita por ser comum as famílias terem segredos ou opiniões que não são
expressas na frente da criança, ou, ainda, assuntos de conteúdo mais íntimo do casal. En tretanto, muitas
vezes o responsável a leva por não ter com quem deixála. Nessas situações, você poderá avaliar se ela tem
idade suficiente para ficar na sala de espera com a secretária (caso disponha de uma), ou se entrará no
consultório junto com o responsá vel. Se ela ficar de fora, divida o tempo entre os responsá veis e a criança,
de modo a não deixála com a impressão de estar sendo excluída, afinal, ela é o cerne da avaliação. Caso a
criança tenha de acompanhar toda a sessão, introduzaa na conversa. Quando fizer o contrato com o
responsável, explique tudo a ela também. Em qualquer idade, a criança sabe quando está sendo incluída e
valorizada. Olhe para ela, pergunte diretamente a ela, mostrese interessado no que tem a dizer.
Provavelmente você será capaz de observar aspectos da relação entre o responsável e a criança, como o
estímulo e a valorização dada às opiniões infantis.
No caso de adolescentes, você levará em conta a idade e a demanda, mas, em geral, é interessante que
o primeiro atendimento seja conduzido com o próprio adolescente, pois se trata de uma etapa do
desenvolvimento humano que busca identidade e autonomia. Esse posicionamento do psicólogo favorece
uma relação de confiança, na medida em que o jovem percebe que o profissional o vê como alguém capaz
de falar de si mesmo e de suas necessidades.
O contrato
Passado o momento da recepção do indivíduo e do entendimento da demanda, é de extrema importância
esclarecer o que é um psicodiagnóstico, visto que a imensa maioria das pessoas que procuram esse serviço
não sabe bem como funciona esse processo e quais são seus direitos. Mantêlas sem esse conhecimento
reforça ideias irreais, idealizadas ou preconceituosas sobre o processo. Essa explicação já introduz o
contrato.
Para versar sobre o contrato, vamos retomar o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005)
como princípio fundamental: “. . . o psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da
população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da
profissão” e tem como responsabilidade “. . . Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psico ló ‐
gicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional”. Tendo isso em
mente, começo explicitando que o psicodiagnóstico é um processo avaliativo e informo ao avaliando, ou aos
seus responsáveis, que:
Tratase de um processo de investigação, cujo objetivo é responder à pergunta do encaminhamento
Não inclui o tratamento
Há benefícios para o caso em questão (reconhecer as dificuldades para adequar o mane jo parental
e/ou escolar; reconhecer as potencialidades para planejar reabilitações e fortalecêlas; identificar o
diagnóstico para escolher o melhor tratamento; entre tantos outros)
As indicações terapêuticas serão dadas ao final do processo
O processo possui uma estimativa de duração (devendose explicitar o número de sessões e o tempo
de cada uma)
Com o conhecimento do paciente, entrarei em contato com quem eu julgar necessário, como, por
exemplo, familiares, instituições, médicos e outros profissionais que o atendam – tal contato pode ser
telefônico ou presencial
De acordo com o tipo de resposta fornecida pela avaliação e com suas limitações, podese estabelecer
alguns prognósticos ou causas explicativas de alguns problemas
Durante o processo, o paciente tem direito a documentos (declaração) que justifiquem faltas ao
trabalho, caso seja necessário
Farei uma ou mais entrevistas devolutivas ao final do processo, juntamente com duas cópias do laudo,
sendo uma para ele e outra para o profissional da saúde que o encaminhou
No caso de encaminhamento de escolas ou instituições que não são da área da saúde, providenciarei
um atestado. Explicarei, resumidamente, a diferença entre esses documentos (os documentos serão
abordados no Cap. 14).
Esclareça sobre o sigilo. Quanto mais o paciente parecer desconfortável com a situação de avaliação,
mais interessante será conversar sobre quais informações serão repassadas e quem terá acesso a elas.
Adolescentes, por exemplo, tendem a ser mais desconfiados, pois costu mam classificar o psicólogo como
um agente dos pais. A questão prioritária desse aspecto é esclarecer que, como se trata de uma avaliação,
você escreverá sobre o paciente e provavelmente falará com o profissional que o encaminhou (e/ou
responsáveis), mas sempre com o cuidado de comunicar apenas o necessário para ajudálo. Nunca garanta
guardar todos os segredos do paciente. O trabalho do avaliador é responder a alguma pergunta feita e
permitir que o paciente receba ajuda profissional sempre que necessário.
O Código de Ética Profissional (CFP, 2005) aponta que, no contato com profissionais não psicólogos,
deverão ser compartilhadas “so mente informações relevantes para qualifi car o serviço prestado,
resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabili da de, de quem as receber,
de preservar o sigilo”. Entre outras orientações, o International Test Comission (ITC, 2003) sugere que se
explique aos in teressados os níveis de confidencialidade antes de iniciar a avaliação e que se solicite as
autorizações antes da divulgação dos resultados. É sempre difícil dar orientações genéricas sobre o sigilo,
pois dependerá da demanda de cada caso. Assim, recomendase a discussão em supervisão ou com algum ‐
colega mais experiente. Além do conteúdo relatado pelo paciente, também há o material decorrente da
avaliação, como testes e protocolos de registro que deverão ser armazenados conforme a Resolução nº
001/2009 do CFP (2009).
Informe ao paciente que vias de contato ele pode usar com você para, por exemplo, desmarcar o
atendimento. Pode ser telefone, email, aplicativos como o WhatsApp, redes sociais, entre outros. A cada
dia, há mais alternativas de contato. No entanto, o que é comum e prático para algumas pessoas, pode não
ser confortável para outras. Lembrese que você deve estar atento aos canais de comunicação que disponi bi ‐
lizar e tenha grande cuidado com falhas na comunicação, comuns em meios eletrônicos. O mais seguro
continua sendo a ligação telefônica. Destaco que não me refiro ao atendimento online (informações sobre
essa prática devem ser consultadas e adquiridas com o CFP).
Explique, também, que você anotará informações durante a avaliação. Nunca tive pacientes que se
opuseram a essa prática, mas é importante deixar o paciente à vontade. Eu costumo dizer que não posso
confiar na minha memória, que as anotações facilitam a redação posterior do laudo e que ele poderá olhálas
caso sintase desconfortável. Cuidados extras devem ser tomados com anotações oriundas de aplicações de
instrumentos projetivos.
Estabeleça algumas normas sobre faltas e atra sos e comuniqueas ao paciente. Serviçosescola e
clínicas costumam ter regras, como o desligamento do paciente após 2 ou 3 faltas sem aviso prévio; tanto o
atraso quanto a falta podem implicar custo extra para o paciente, além de estender por mais tempo o
processo de avaliação.
Tenha um cadastro de seus pacientes, com in formações como nome completo, endereço, es colaridade,
profissão, contatos telefônicos e email. Você mesmo pode preencher esse cadastro ou entregálo para que o
paciente o faça enquanto espera a sessão. Podese, ainda, acrescentar dados de saúde geral e de tratamentos
ou avaliações anteriores, assim como o controle dos honorários. Existem softwares de gestão que podem ser
utilizados, ou podese, ainda, manter um arquivo físico; acima de tudo, é importante que as informações
sejam mantidas em local seguro e que sejam feitas cópias de segurança (backup) a fim de não perdêlas.
Psicólogos, assim como muitos outros profissionais da saúde, são carentes de conhecimen tos de gestão,
em especial gestão financeira. Para que as finanças também sejam saudáveis, é preciso tratar o consultório
como uma empresa. Os temas “dinheiro”, “valor” e “preço” são pouco discutidos durante a formação do
psicólogo, gerando falta de preparo para essa atividade. Muitos alunos e colegas queixamse de não saber
cobrar e de ficar constrangidos ao fazêlo, mas essa é uma prática necessária e será abordada com mais
detalhes neste capítulo.
Um dos motivos que vejo para termos tantas dificuldades para cobrar, além da falta de treinamento na
graduação, é que não sabemos bem qual é o nosso produto. O que nós vende mos? Você já pensou nisso? Eu
acredito que vendemos nosso conhecimento em saúde. Mas como estabelecer um valor para isso?
Há muitos itens a serem considerados no preço a ser cobrado que são mais concretos do que o
conhecimento. Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2015?),
Calcular corretamente os preços é essencial para a saúde financeira dos negócios. O preço é
quanto o seu produto ou serviço vale para o consumidor. Para o seu negócio, o preço ideal de
venda é aquele que cobre os custos do produto ou serviço e ainda proporciona o lucro desejado
pela empresa.
No preço, você precisa considerar os custos com: aluguel da sala, luz, condomínio, limpeza, telefone,
internet, anuidade do Conselho Regional de Psicologia, anuidade do Sindicato dos Psicólogos (opcional),
assessoria contábil e impostos (imposto predial territorial urbano, imposto sobre serviços de qualquer
natureza, imposto de renda). Além disso, há os custos de materiais como testes e brinquedos, que serão
usados com diversos pacientes, e os que irão variar de acordo com o caso avaliado: contato com instituições
ou profissionais (telefone, gasolina, tempo); horas de supervisão; aquisição de protocolos de registro de
respostas; horas trabalhadas no levantamento, correção e interpretação dos testes; horas trabalhadas na
redação dos documentos e entrevistas devolutivas. Além de tudo isso, há o nosso conhecimento técnico a ser
empregado durante o processo.
A inadimplência é um problema muito co mum em nossa profissão e de difícil solução. A possibilidade
de não receber pelo trabalho feito também deve ser considerada tanto no valor quanto na forma de
pagamento/recebimento. Defina os prazos de pagamento de forma que ele seja feito antes do fim do
psicodiagnóstico. Alguns psicólogos trabalham com contratos por escrito. É uma prática interessante, que
pode ser adotada com o suporte de um advogado.
O profissional escolhe a forma como cobrará pelo serviço. Assim, você pode dar o valor da avaliação
completa, com uma estimativa de tempo do processo, ou cobrar por sessão. Na segunda opção, é importante
que se tenha maior precisão sobre quantas sessões serão necessárias para que o paciente possa se organizar
financeiramente. Devese ter clareza de que, em qualquer das alternativas, o tempo da sessão propriamente
dita é somente uma parte de tudo o que deve compor o preço.
É comum as pessoas perguntarem o preço do psicodiagnóstico ao telefone, na primeira ligação. Pode
ser difícil dar um valor preciso sem conhecer bem a demanda, mas você poderá informar um preço médio,
dizer que precisará de mais informações sobre a demanda e/ou marcar uma sessão para esclarecimento da
demanda e estipulação do valor.
Para finalizar, considero de extrema im por tância apontar alguns aspectos éticos en volvidos na cobrança
dos honorários. Nossa profissão tem algumas diferenças em relação ao restante do mercado. Não podemos
fazer promoções, nem reproduções não autorizadas dos testes. Tampouco podemos desqualificar o processo
a fim de reduzir o valor financeiro do psicodiagnóstico. O trabalho deve ser sempre competente, coerente e
confiável, assim como assegura nosso Código de Ética Profissional (CFP, 2005):
Ao fixar a remuneração pelo seu trabalho, o psicólogo: a) Levará em conta a justa retribuição aos
serviços prestados e as condições do usuário ou beneficiário; b) Estipulará o valor de acordo com
as características da atividade e o comunicará ao usuário ou beneficiário antes do início do
trabalho a ser realizado; c) Assegurará a qualidade dos serviços oferecidos independentemente do
valor acordado.
RELAÇÃO PSICÓLOGOPACIENTE NO PSICODIAGNÓSTICO
A relação terapêutica auxilia na cooperação do paciente durante o processo avaliativo e na sua disposição
em buscar tratamento (quando for o caso) após a avaliação. A demonstração de empatia e a construção de
uma relação de confiança também facilitarão a devolução dos resultados. Embora este capítulo não aborde a
etapa de devolução, sabemos que, com certa frequência, o esforço conjunto entre psicólogo e paciente
culmina em resultados que podem ser inesperados ou bastante ansiogênicos para o avaliado. Para o
momento da comunicação desses resultados, a empatia é ainda mais crucial.
. . . uma interação de mútua influência entre terapeuta e cliente. Nela, a pessoa que buscou ajuda é
privilegiada pelo trabalho de um profissional capacitado a utilizar técnicas e procedimentos
específicos, ao mesmo tempo em que lança mão de habilidades sociais importantes, como a
empatia. (Meyer & Vermes, 2001, p. 101).
Comumente, os pacientes sentemse envergonhados ou desconfortáveis ao ter de falar sobre
sentimentos, pensamentos e/ou comportamentos entendidos como inadequados por seu meio social. É
possível que já tenham sido criticados ou ridicularizados pela família, por amigos e por colegas. A
capacidade do psicólogo para demonstrar sua empatia, para valorizar a expressão desses temores (Thwaites
& BennettLevy, 2007) e para apresentar respeito, interesse e compreensão é essencial para que o paciente
se sinta acolhido e atendido (Araújo & Shinohara, 2002), fortalecendo, assim, o vínculo. Uma relação
terapêutica satisfatória é importante tanto para o paciente quanto para a saúde do profissional, pois melhora
sua satisfação com o trabalho (Larson & Yao, 2005).
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