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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MILTON SILVA DOS SANTOS

RELIGIÃO E DEMANDA:
O FENÔMENO RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS

CAMPINAS-SP
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 140137/2012-2; CAPES

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Santos, Milton Silva dos,


Sa59r Religião e demanda : o fenômeno religioso em escolas públicas /
Milton Silva dos Santos. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

Orientador: Ronaldo Rômulo Machado de Almeida.


Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Ensino religioso. 2. Religião. 3. Religiões afro-brasileiras. 4.


Religião nas escolas públicas. I. Almeida, Ronaldo Rômulo Machado
de,1966-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Religion and demand


Palavras-chave em inglês:
Religious education
Religion
Afro-Brazilian religions
Religion in the public schools
Área de concentração: Antropologia Social
Titulação: Doutor em Antropologia Social
Banca examinadora:
Ronaldo Rômulo Machado de Almieida
Maria da Graça Jacinto Setton
Salomão Barros Ximenes
Rui Luis Rodrigues
Rodrigo Toniol Ferreira
Data de defesa: 29-09-2016
Programa de Pós-Graduação: Antropologia Social
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de defesa de Tese de Doutorado, composta


pelos professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 29
de Setembro de 2016, considerou o candidato Milton Silva dos Santos aprovado.

Prof. Dr. Ronaldo Rômulo Machado de Almeida (Orientador)

Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton

Prof.Dr. Salomão Barros Ximenes

Prof. Dr. Rui Luis Rodrigues

Prof.Dr. Rodrigo Ferreira Toniol

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, conta


no processo de vida acadêmica do aluno.
Para minha mama, Dona Rita. Ela sempre teve
a certeza que esta tese se realizaria.
AGRADECIMENTOS

Disse em outras situações que a realização de uma pesquisa de mestrado ou


doutorado não é um ato (ou processo) heroico. Mesmo os heróis e heroínas nunca
estão sozinhos(as) em suas jornadas e sagas heroicas.

Este trabalho não é resultado de uma epopeia, mas tem em comum o longo trajeto
percorrido, que teve seu início em 2011. De lá para cá, muitas pessoas se juntaram
a ele de múltiplas formas. É neste momento que surge o desafio de recordar cada
nome, num esforço de não esquecer ninguém.

Primeiramente, agradeço os profissionais da educação que atuam no Centro de


Referência da Educação (CRE- Mário Covas), nas Diretorias Regionais de Ensino e
nas escolas públicas estaduais de São Paulo (capital) e Campinas.

Agradecimento especial para os professores que aceitaram minha presença durante


suas aulas de ensino religioso; em especial, a Maristela Coccia, que me recebeu em
suas atividades de formação de professores de história e ensino religioso (Diretoria
de Ensino – Região Campinas Oeste), tendo me facilitado o acesso ao seu material
de trabalho, aqui tratado enquanto fonte de pesquisa.

Tal parceria também se estende a todas as editoras que, através de seus


departamentos comerciais e de divulgação, doaram as coleções de livros didáticos
de ensino religioso analisadas neste trabalho.

Quanto aos amigos, agradeço as leituras preliminares de Cris, Mafê, Ana,


Josemeire, Val, César, Fabricio, Matheus, Luan e, especialmente, Kati Shishito – a
quem sou grato pelo auxílio com as tabelas, quadros e, sobretudo, pela escuta,
estímulo e sabedoria budista nas horas difíceis de escrita.

O Vine, o Aledyson e o Astan, pelo “auxílio técnico” com a digitação de fontes e


edição de imagens.

Sempre me lembrarei do apoio, presença constante e incentivo dos amigos citados,


incluindo Jaqueline, Edilene, Marilea, Sandra e meus irmãos – em especial, Maria e
Moisés que, mesmo distantes, estiveram comigo neste processo.
Marco Aurélio (Comitê de Ética e Pesquisa/PUC-SP), Angelita Garcia, Cristina
Sacramento, Matheus Oliva e os professores Sergio Junqueira (PUC-PR), Vera
Candido (UNIFESP), pelas indicações de leitura e envio de material bibliográfico
solicitado.

Às professoras Brenda Carranza e Ana Almeida por suas presenças, leituras e


críticas. Espero ter cumprido ao menos parte das recomendações que ambas
indicaram durante o exame de qualificação.

Sou grato aos professores Graça Setton, Salomão Ximenes, Rui Luis Rodrigues e
Rodrigo Toniol, membros da banca de defesa, pelas arguições, críticas e sugestões
recebidas.

À ONG Ação Educativa Pesquisa e Formação, onde pude apresentar os dados e


resultados preliminares desta pesquisa durante as atividades de formação
continuada que ministrei nos cursos “Educação, Relações Raciais e Direitos
Humanos”, “A Cor da Cultura” (Canal Futura), “Laicidade e Intolerância Religiosa na
Educação”, “Educação e Relações Raciais: Apostando na Participação da
Comunidade Escolar”.

À Capes e o CNPq pelos auxílios concedidos, que facilitaram a concretização desta


tese.

Agradeço a orientação paciente do Ronaldo; afinal, como ele mesmo disse durante a
defesa pública: “O Milton não é uma pessoa óbvia”.
Provavelmente não há nada mais apropriado,
mais homogéneo à história das religiões e à
própria religião do que tudo aquilo que não é a
história da própria ideia de religião.
Maurilio Adriani
(2000:157; itálicos no original)
RESUMO

SANTOS, Milton Silva dos. Religião e demanda: o fenômeno religioso em escolas


públicas. Campinas, 2016, 237p. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2016.

Inserido na perspectiva de um movimento mais amplo de crescimento do religioso na


esfera pública brasileira, esta tese trata da oferta obrigatória do ensino religioso (ER)
nos sistemas oficiais de ensino. Partindo da literatura produzida em diferentes áreas
das ciências humanas, tem como eixo os usos e sentidos que o conceito de religião
(enquanto fenômeno sociológico, histórico e cultural) adquire nesta polêmica
disciplina facultativa para o estudante e oficialmente desprovida de caráter
doutrinário ou catequético. Analiso a legislação que normatiza a oferta estatal do ER;
as demandas (disputas, debates ou confrontos) entre grupos favoráveis e contrários
à sua permanência na escola pública; seus modelos epistemológicos (ER
confessional, inter-religioso, fenomenológico etc.); os conteúdos oferecidos em livros
didáticos em circulação nacional; as brochuras de ER elaboradas por intermédio da
parceria entre professores e pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP); as
definições de religião presentes no material empírico/bibliográfico e o lugar (ou não-
lugar) que ele reserva para as religiões de matrizes africanas no Brasil. Neste
debate, que envolve múltiplas vozes e interesses de natureza ideológica e científica,
a noção de religião é quase sempre empregada no sentido de fenômeno
extraordinário, atemporal e identificável entre todos os povos e culturas; dimensão
imanente ao sujeito, a ponto de dispensar qualquer racionalização prévia; patrimônio
cultural composto por um arsenal complexo, que permite às religiões se identificarem
e se expressarem por meio de símbolos, objetos e liturgias diversas. Enquanto
suportes para uma disciplina que tem a diversidade religiosa como justificativa, as
fontes de pesquisa sobre o ER examinadas tendem a destacar o candomblé e a
umbanda, em prejuízo de outros modelos de culto afro. Embora compartilhem
características comuns, que permitiriam compará-las com outras formas religiosas
coexistentes no país, as religiões afro-brasileiras raramente recebem o mesmo
tratamento no material didático e nas aulas de ER observadas in loco nas escolas
públicas estaduais visitadas durante a pesquisa de campo realizada em São Paulo
(capital) e Campinas.
Palavras-chave: Ensino religioso; Religião; Religiões afro-brasileiras; Religião nas
escolas públicas.
ABSTRACT

Inserted in a broader perspective of the growth of the religious in the Brazilian public
sphere, this thesis covers the mandatory offer of religious education (RE) in the
official educational systems. Starting from the literature produced in different areas of
Human Sciences, it has as axis the usage and sense that the concept of religion (as
sociological, historical and cultural phenomenon) acquires in this controversial
facultative discipline for the student and officially devoid of doctrinal or catechetical
character. I analyze the law that standardizes its offer by the state; its demands
(disputes, debates or conflicts) among favorable and contrary groups concerning its
permanence in the public school; its epistemological models (confessional, inter-
religious, phenomenological RE etc.); the content offered in textbooks in national
circulation; the RE brochures elaborated from the partnership of professors and
researchers of the State University of Campinas (UNICAMP) and the State
Secretariat of Education of São Paulo (SEE-SP); the definitions of religion present in
the empirical / bibliographic material and the place (or abscence of a place) that it
reserves for the religions of African origin in Brazil. In this debate, which involves
multiple voices and interests of ideological and scientific nature, the concept of
religion is almost always used in the sense of an extraordinary, timeless and
identifiable phenomenon among all peoples and cultures; dimension immanent to the
subject, to the point of exempting any previous rationalization; cultural heritage
composed of a complex arsenal, that allows religions to identify and express
themselves through symbols, objects and various liturgies. As supports for a
discipline having the religious diversity as justification, the sources of research on RE
examined tend to highlight candomblé and umbanda, in detriment of other Afro
models of cult. Besides, although sharing common characteristics that allow
comparing them to other forms of coexisting religions in the country, the Afro-
Brazilian religions rarely receive the same treatment in the didactic material and in
the RE classes observed in loco at the state public schools visited during the field
research carried out in São Paulo (capital) and Campinas.

Key words: Religious education; Religion; Afro-Brazilian religions; Religion in the


public school.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – “A força negra”: Iansã. Aquarela (Carybé 1911-1997) ..........................106

Figura 2 – Ilustração da capa do livro Cultura religiosa (Edson Steel, Global).......110

Figura 3 – Encarte do disco “Macumba”..................................................................133

Figura 4 – Cortejo de Oxalufã (“Oxalá velho”) (Aquarela de Carybé, 1911-


1997)........................................................................................................................137

Figura 5 – Estátua de Iemanjá: deusa da maternidade, dos mares e oceanos..... 143

Figura 6 – Preto Velho.............................................................................................144

Figura 7 – Ogum. Escultura de Tati Moreno (Dique do Tororó, Salvador/BA)........151

Figura 8 – Mulheres em ritual de candomblé..........................................................151

Figura 9 – “Saída de iaô” (Candomblé).................................................................. 158

Figura 10 – “Limpeza ritual” (Umbanda)..................................................................159

Figura 11 – Ponto Riscado de Umbanda (Desenho de aluno de ER).....................184

Figura 12 – Símbolos cristão e islâmico (Desenhos de alunos de ER)...................185

Figura 12 – Imagem de “macumba”, com definição do termo.................................188


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Modelos de Ensino Religioso.................................................................61

Quadro 2 – Livros didáticos de ensino religioso: amostra examinada......................96


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO / 15
Fontes de dados e percurso metodológico / 19

CAPÍTULO 1
DE FIEL À CIDADÃO: CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ENSINO RELIGIOSO
EM ESCOLAS PÚBLICAS / 29

1.1 Escola laica, mentira jurídica? / 32

1.2 O ensino religioso após a década de 1930 / 40

1.3 O ensino religioso após os anos 1980 / 45

CAPÍTULO 2
NA ENCRUZILHADA ENTRE A FÉ E A CIÊNCIA: MODELOS E FORMAS DE
ABORDAGEM DO FENÔMENO RELIGIOSO / 54

2.1 Catequese na paróquia, ensino religioso na escola / 59

2.2 Modelos tipológicos de ensino religioso / 60


2.2.1 Catequético / 62
2.2.2 Teológico / 63
2.2.3 Confessional e interconfessional / 64
2.2.4 Ecumênico / 66
2.2.5 Inter-religioso (“pluralista”) / 67
2.2.6 Ciências da religião / 68
2.2.7 Fenomenológico / 70
2.2.8 Transconfessional e transreligioso / 73
2.2.9 História das religiões / 74

2.3 Modelos impuros e ambiguidade conceitual / 76

CAPÍTULO 3
PELOS MARES DA RELIGIÃO: O ENSINO RELIGIOSO VISTO A PARTIR DOS
LIVROS ESCOLARES / 82

3.1 Livro escolar: de mídia de massa a objeto cultural complexo / 85


3.2 Livros didáticos em escolas do Brasil: discursos autoritários e apreensão do
conhecimento / 89
3.3 Religião não é letra morta / 92
3.3.1 Coleções didáticas de ensino religioso / 95
3.4 Religião, do substrato cultural ao fenômeno social / 115
3.4.1 O nascimento da religião / 120
CAPÍTULO 4
MACUMBA É RELIGIÃO? ABORDAGENS ESCOLARES SOBRE AS MATRIZES
CULTURAIS DO MUNDO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO / 131

4.1 Religiões afro-brasileiras em livros escolares de ensino religioso / 138

4.2. Religião é católica, a crença é negra / 147


4.2.1 Da “saída do iaô” ao descarrego de umbanda / 157

CAPÍTULO 5
COSTUMES, CRENÇAS E RITOS: PERCEPÇÕES SOBRE RELIGIÃO E ENSINO
RELIGIOSO EM ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DOS MUNICÍPIOS DE SÃO
PAULO E CAMPINAS/SP / 163

5.1 A religião no espaço público da escola / 166

5.2 Da norma legal para a prática real / 178


5.2.1 Religião sem ofensas / 181
5.2.2 Religião e seus significados / 186
5.2.3 O ensino religioso sob o ponto de vista estudantil / 194
5.2.4 “Nunca ouvi falar em umbanda”: invisibilidade e intolerância religiosa / 196

CONSIDERAÇÕES FINAIS / 205

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / 210

LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO RELIGIOSO / 227

APÊNDICES
A Pesquisas realizadas em Instituições de Ensino Superior (IES) / 228
B Pesquisas realizadas por ano de defesa / 229
C Pesquisas defendidas por Região, Nível e Área de Conhecimento / 230
D Roteiro de Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas (professores) / 231
E Roteiro de Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas (alunos) / 233

ANEXOS
1 Ofício da Diretoria de Ensino - Região Campinas Leste (DECLESTE) / 234
2 Informativo Tambor (ano III, nº 24, p. 2, Guararema-SP, ago.2001) / 235
3 Informativo Tambor (ano III, nº 27, p. 2, Guararema-SP, nov.2001) / 236
4 Informativo Tambor (ano III, nº 28, p. 2, Guararema-SP, dez.2001) / 237
15

INTRODUÇÃO

Os defensores da tese da secularização, ao concordarem com os “pais


fundadores da sociologia”, afirmam que as organizações, crenças e práticas
religiosas perderam sua importância social, poder e prestígio nas sociedades
modernas. No outro extremo do debate, existem aqueles que, ao refutarem o mito da
morte ou do desaparecimento da religião, argumentam que ela ainda desempenha
um papel significativo no mundo atual, sendo um fator determinante na própria
composição e configuração do espaço público; assim, a religião não se enfraqueceu
como força simbólica e, tampouco, deixou-se declinar ou retrair-se ao silêncio dos
lares modernos e núcleos religiosos.

Na atualidade, a religião não só tem adquirido novas formas de


espiritualidade, como também sentido, relevância investigativa, visibilidade ou
mesmo legitimidade, se associada ao conjunto dos fenômenos sociais mais amplos,
como a política, o mercado, a mídia, a família, a educação, etc. – instâncias de
alguma forma unidas ou interdependentes, mas que podem ser distinguidas para fins
analíticos, como recurso didático ou metodológico. Portanto, o que se entende, hoje,
por religião depende do contexto de significação no qual esteja inserida (BRELICH,
1977) e deve ser apreendida como dimensão dotada de uma lógica própria e
distinta, mas que se relaciona com a esfera da não-religião (ALMEIDA, 2010;
POMPA, 2012).

Embora não constituam propriamente o problema central desta pesquisa,


as posições acima de alguma forma atravessam o tema aqui investigado, isto é, as
conexões entre religião, educação e sociedade. Em sentido restrito, porém inserido
na perspectiva de um movimento mais amplo de crescimento do religioso na esfera
pública (BURITY, 2001), esta tese tem como objeto o oferecimento obrigatório do
ensino religioso1 em escolas públicas brasileiras, de matrícula facultativa para o
aluno de ensino fundamental, não sendo obrigatório oferecê-lo aos estudantes do
ensino médio.

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


– LDBEN 9.396/1996 –, a “Educação Religiosa” foi inserida no conjunto das dez

1
Doravante, ER.
16

áreas do conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, História etc.) previstas no


ensino fundamental, conforme Resolução CEB/CNE nº 2/1998.2 Trata-se, em
termos oficiais, de uma disciplina voltada à “formação básica do cidadão”, que visa
o ensino/aprendizagem sobre a diversidade religiosa brasileira, mas proíbe o
proselitismo e a afirmação de uma ou outra religião em sala de aula.

Para além do Ensino Religioso (ER) legalmente autorizado, a dimensão


religiosa na esfera público-escolar, constatam Moraes e Guimarães (2010), também
se revela nas experiências de construção de identidade que os alunos vivenciam em
diferentes espaços de socialização (família e comunidades religiosas), assim como
em datas comemorativas, feriados religiosos, exibição de ícones das religiões
dominantes e da cultura religiosa assumida por professores e funcionários. Embora
esta dimensão religiosa apareça frequentemente em tais contextos, preocupam-se

[...] os professores, e com certa razão, de que não possam


desenvolver o tema sem ferir ou permitir que se firam
suscetibilidades de alguma religião, causando mal-estar, rejeição da
parte dos alunos, animosidades entre alunos e censura de pais e
dirigentes escolares. No entanto (...), o tema nem por isso está
ausente da sala de aula e quando surge, por conta dessa recusa de
ser enfrentado, pode gerar justamente o que se tenta afastar: o
conflito, a tensão surda, a manutenção dos preconceitos etc.
(MORAES; GUIMARÃES, 2010, p. 137).3

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Pluralidade


Cultural, a inclusão do ER no currículo das escolas públicas brasileiras exige
atenção, pois se trata de uma temática vinculada...

[...] em termos de direito, à liberdade de consciência e de crença, a


presença plural das religiões no Brasil constitui-se fator de
possibilidade de escolha. Ao indivíduo é dado o direito de ter religião,

2
A Resolução CEB/CNE 7/2010, em seu art. 15, usa a nomenclatura “Ensino Religioso”: “Os
componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação
às áreas de conhecimento: I – Linguagens: a) Língua Portuguesa; b) Língua Materna, para
populações indígenas; c) Língua Estrangeira moderna; d) Arte; e) Educação Física; II – Matemática;
III – Ciências da Natureza; IV – Ciências Humanas: a) História; b) Geografia; V – Ensino
Religioso.”Cf.<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf>. Acesso em: jan.2015.
3
Trecho do comentário referente ao texto “Religião: sistema de crenças, feitiçaria e magia em sala de
aula”, da antropóloga Paula Montero (2010), publicado em Sociologia, obra distribuída pelo Ministério
da Educação (MEC) aos professores do ensino médio. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7843-2011-
sociologia-capa-pdf&category_slug=abril-2011-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: set.2013.
17

quando criança, por decisão de seus pais, ou, quando adulto, por
escolha pessoal; de mudar de religião, por determinação voluntária
ao longo da vida, sem restrições de ordem civil; e de não ter religião,
como opção consciente. O que caracteriza, portanto, a inserção
social do cidadão, desse ponto de vista, é o respeito, a abertura e a
liberdade.4

Essas ponderações possibilitam levantar algumas reflexões que, de certa


forma, orientaram a elaboração desta tese: de que maneira o ER previsto na atual
Constituição Federal de 1988 vem sendo posto em execução? Em específico, qual
lugar ele ocupa, atualmente, nas escolas públicas do Estado de São Paulo? É
possível mensurar a relevância pedagógica do ER entre os professores e alunos,
tendo como ênfase a definição e a relação que os envolvidos elaboram com a
categoria religião? São estas as perguntas que se buscará responder nos capítulos
que seguem, sem perder de vista que, ao inferir a perspectiva da religião, tal como
sinalizado neste estudo, outras problemáticas apresentaram-se como fundamentais
para entender a complexidade do ER no universo escolar.

Tendo em vista a “hipótese da anterioridade do fato religioso na


sociedade brasileira”5 – que se diferenciaria de outros fenômenos sociais por ser
uma esfera mediadora que procura responder certas questões sobre o sentido da
vida e outros “aspectos primordiais da existência humana” (DINIZ; LIONÇO, 2010b,
p. 16), sinalizo as seguintes indagações que merecem um tratamento minucioso.

Ao discutirem os fenômenos religiosos que compõem a experiência social


de determinados grupos culturais, os produtores de conhecimento6 para ER buscam
enfatizar, em suas narrativas, a “essência” e estrutura específica destes fenômenos
ou procuram explicitar os contextos socioculturais nos quais eles emergiram? O que
é “religião” para eles e como definem o “religioso” que diferencia o ER – e o seu
objeto de estudo – das outras disciplinas do currículo escolar? Qual tratamento

4
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997, p. 30-31. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso: jan.2015.
5
As “verdades religiosas não se subordinariam ao julgamento de mérito, um processo corriqueiro a
todos os campos científicos” (DINIZ; LIONÇO, 2008b, p. 16).
6
No caso desta pesquisa, são eles: os autores e organizadores de livros didáticos e cadernos
pedagógicos de ER; os professores de ER atuando em escolas da rede estadual paulista e os
professores-formadores que atuam exclusivamente nas oficinas pedagógicas das Diretorias
Regionais de Ensino de São Paulo (capital) e Campinas/SP.
18

reservam para as religiões decisivas na formação da cultura nacional não-religiosa,


como as afro-brasileiras, cujas práticas rituais não formalizadas em corpos
doutrinários sistemáticos soam estranhas para muitos brasileiros?

Cabe recordar que o estranhamento em relação às religiões afro-


brasileiras tem desembocado em práticas de intolerância e perseguição religiosas
que não são recentes na sociedade e na história do Brasil.7 Talvez o que haja de
“novo” no presente século sejam as formas de ataque, que muitos interpretam como
“cruzada” ou “guerra santa”, por vezes diretas e virulentas, multiplicadas e
intensificadas nas últimas décadas, com consequências dramáticas. Dentre os
ataques – que ultrapassam as discussões meramente verbais – podemos citar
invasões, quebras e apedrejamentos de comunidades-terreiro, agressões físicas,
etc., e até mesmo mortes de mães-de-santo que tiveram seus templos profanados e
suas reputações vilipendiadas por segmentos religiosos neopentecostais (CEERT,
2004).

Daí o espanto, por exemplo, em ver um dos autores de livros didáticos de


ER afirmar que no Brasil, o país da pluralidade e do sincretismo religioso, “convivem
pacificamente quase todas as religiões do mundo: cristianismo, judaísmo,
islamismo, hinduísta, budismo, espiritismo, candomblé, umbanda etc., além
das religiões indígenas com os seus rituais (...)”.8

É exatamente em função de um problema – isto é, da tolerância religiosa


(e do seu reverso) – que as religiões afro-brasileiras são abordadas em parte do
material didático, inclusive nas brochuras de ER descritas no capítulo final. Elas
raramente são apresentadas individualmente – tratamento mais corriqueiro para as
religiões ditas universais –, mas normalmente vinculadas com outros temas, tais
como pluralidade e diversidade cultural e religiosa. Visto que parte dos livros
didáticos selecionados neste estudo foi publicada por editoras católicas, pode-se

7
Sobre os efeitos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro, indica-se a coletânea
organizada por Silva (2007), a etnografia de Almeida (2009) sobre “A Igreja Universal e seus
demônios”, bem com o artigo de Miranda e Maia (2014) sobre religião, política e controvérsias da luta
contra a intolerância religiosa.
8
STEEL, Cultura religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida
comunitária), “Pluralismo religioso”, p. 19; grifos em negrito no original. Os livros didáticos de ER
examinados nesta pesquisa serão citados desta forma nas notas de rodapé (referências completas
podem ser conferidas no final do trabalho). Com isso, os leitores poderão acompanhar os conceitos,
temas e títulos escolhidos pelos autores dessas fontes de pesquisa examinadas no terceiro e quarto
capítulos.
19

presumir que o catolicismo hegemônico na sociedade brasileira tenha um espaço


laudatório e privilegiado nestas fontes. E qual é o espaço destinado para as
denominações religiosas minoritárias, aqui delimitadas pelas afro-brasileiras? Elas
recebem um tratamento diferenciado ou igualitário nas coleções de livros escolares
dirigidos ao ER?

Essas interrogações serão discutidas ao longo deste trabalho, que tem


por base alguns estudos existentes sobre o ER, entrecruzando-os com as
legislações nacionais e estaduais (leis, decretos, resoluções, pareceres, etc., que
têm assegurado a continuidade da oferta do ER nas escolas públicas brasileiras);
com os conteúdos veiculados em livros escolares e cadernos pedagógicos dirigidos
aos professores de ER; e com os dados registrados durante o acompanhamento
direto das aulas de ER oferecidas em escolas públicas estaduais localizadas em São
Paulo (capital) e Campinas/SP (anotações de campo, provas, planos de aulas,
slides, etc., cedidos pelos professores; trabalhos, provas e cadernos de alunos).

Este recurso metodológico permitiu não só contornar as dificuldades


encontradas em campo, cujo trabalho exigia a realização de entrevistas em
profundidade com os professores, como também ampliar os dados registrados
durante as observações diretas das poucas aulas – na rede estadual paulista, o ER
é oferecido numa única aula semanal para os estudantes do 9º ano (antiga 8ª série).
Se a “confiabilidade das evidências está no caráter espontâneo das cenas sociais”
(DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 26), não será desconsiderada, aqui, a possibilidade de
que as aulas observadas alteravam-se, quase sempre, com a presença do
pesquisador.

FONTES DE DADOS E PERCURSO METODOLÓGICO

A propósito do objeto de pesquisa desta tese, é preciso apresentar duas


ressalvas em relação ao título e subtítulo escolhido. A primeira refere-se ao termo
“demanda” que não deve ser lido e interpretado no sentido de demanda educacional,
demanda popular, reivindicação de um direito ou efetivação de alguma política
pública específica. O sentido pretendido tem a ver com discussão, confronto,
embate, etc., entre duas correntes de opinião antagônicas (grupos laicos e
20

religiosos9) que buscam defender, na esfera pública, seus argumentos contrários e


favoráveis ao ER nas redes oficiais de ensino. A segunda ressalva refere-se ao
termo “fenômeno religioso”, que sinaliza o campo empírico da pesquisa. Não se trata
de uma análise do fenômeno religioso em si – em termos de crenças, ritos, valores,
práticas e doutrinas religiosas –, mas da maneira como este fenômeno é abordado
nas escolas públicas e tematizado no material didático coletado.

Ao propor esta investigação, não interessavam exclusivamente as


polêmicas diretamente relacionadas ao “processo de escolarização” do ER no Brasil,
que já foram suficientemente discutidas por outros autores (JUNQUEIRA, 2002;
CURY, 2004; CAVALIERI, 2007; GIUMBELLI, 2008, 2004; LUI, 2007, entre outros).
Ainda que inevitável contorná-las, o foco do trabalho são os usos, os sentidos ou os
elementos que constituíram historicamente a noção teórica de religião, identificando,
por extensão, quais representações sobre as religiões de matriz afro-brasileira têm
permeado o ER e os materiais didáticos destinados para este componente curricular.

As interrogações formuladas conduziram-me a uma pesquisa bibliográfica


que teve como objetivo mapear a produção acadêmica relativa ao ER em escolas
públicas brasileiras. Esta etapa teve como ponto de partida o levantamento de teses
e dissertações sobre religião e educação disponíveis nos repositórios do Portal
Capes10 e das bibliotecas universitárias.11 Através dos termos de busca “ensino
religioso” e “educação religiosa” foi possível localizar, entre 2012 e 2015, mais de
100 registros distribuídos em 36 acervos, incluindo uma tese de doutorado defendida
numa universidade espanhola. Ressalta-se que é impossível atingir a totalidade de
pesquisas, livros, teses, dissertações e artigos sobre o ER publicados no Brasil. As
referências citadas aqui representam uma parte dessa produção, pois certamente
existem outros estudos não registrados nos acervos/catálogos de teses e
dissertações consultados.

9
Quanto ao "Grupo do Sim” ao ER (CÂNDIDO, 2007), pode-se falar de “demanda” pelo religioso em
sentido amplo; isto inclui não somente as escolas públicas, mas também as particulares.
10
Para o catálogo do Portal Capes, ver <http://bancodeteses.capes.gov.br/>. Acessos entre 2012 e
2015.
11
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade de São Paulo (USP), Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Paraná (PUC-PR), Campinas (PUCCAMP),
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Universidade Presbiteriana Mackenzie, universidades federais e estaduais com cursos de graduação
e pós-graduação em ciência(s) da religião (Paraíba, Juiz de Fora, entre outras.)
21

A maior parte das pesquisas encontradas foi realizada entre 1995 e 2014,
sendo que em 2012 foram defendidos 32 trabalhos de pós-graduação – detalhes
deste levantamento podem ser conferidos nos Apêndices desta tese. O Sul e o
Sudeste são as regiões brasileiras com o maior número de estudos acadêmicos
sobre o ER, realizados em diferentes áreas do conhecimento: a primeira região com
38 trabalhos e a segunda com 58.

A leitura dos resumos, das introduções, dos sumários e das conclusões das
teses e dissertações levantadas, evidencia que a maioria das pesquisas tem um
caráter nitidamente ideológico de defesa do ER.12 Nota-se a prevalência das
abordagens que, partindo de diferentes campos do conhecimento – em especial,
teologia, ciências da religião e educação –, enfatizam questões sobre a
regulamentação e a implementação do ER nos Estados brasileiros; do ER nas
Constituições federais e legislações educacionais; dos debates entre os defensores
da laicidade e os que aprovam a legitimidade do ER enquanto componente curricular
e outros enfoques. Em caráter mais abrangente, alguns trabalhos de mestrado
discutem certos aspectos de interesse para esta tese, entre os quais os modelos de
ER – confessional, ecumênico, inter-religioso etc. –, que serão retomados em outros
momentos deste estudo (LIMA, 2003; BRASILEIRO, 2010).

Verificou-se, ainda, a existência de poucos estudos sobre a efetivação do


ER nas redes de ensino de São Paulo (DERISSO, 2012; LUI, 2006; 2011).
Entretanto, são quase inexistentes investigações que tratem (para o contexto da
escola pública paulista – universo empírico desta pesquisa) dos materiais didáticos
empregados pelos professores que lecionam “religião”; dos conteúdos previstos ou
oferecidos nessa disciplina; do ensino da matriz africana na religiosidade popular
brasileira, destacando-se, por proximidade temática, apenas a tese de doutorado em
antropologia social defendida por Rachel Bakke (2011), que aborda os cultos afros
inseridos no contexto de aplicação da lei federal nº 10.639/2003.13

12
Derisso (2006) apresentou diagnóstico parecido como o nosso ao informar que teve dificuldade
para localizar estudos específicos com abordagem crítica. Observou, entretanto, a recorrência de
materiais de divulgação utilizados como suporte para a aplicação do ER e artigos provenientes de
instituições confessionais ou de professores e intelectuais comprometidos com o ER.
13
A lei nº 10.639/2003 obriga a inclusão do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nos
currículos escolares (artes, história, literatura, etc.) dos estabelecimentos de ensino públicos e
22

Apesar da vasta literatura sobre secularização, laicidade e


14
“redimensionamento” da religião na esfera e no espaço público , o ER ainda é um
nicho carente de investigações nas ciências sociais. Do total de trabalhos
acessados, apenas sete foram defendidos em programas de pós-graduação desta
área: três mestrados em antropologia social (LUI, 2006; BRAGA, 2007; SANTOS,
2013), três em ciências sociais (RANQUETAT JR., 2007; JACHELLI JUNIOR, 2011;
NUNES, 2012) e um doutorado em ciências humanas, com concentração em
antropologia cultural (LUI, 2011).

Segundo Meirelles (2012), os estudos antropológicos se ocupam da temática


educacional, mas sem fazer dela o objeto central de suas análises. Na maioria das
vezes, ela somente tangencia ou se associa a outros campos de estudo como, por
exemplo, a questão indígena e o ensino bilíngue ou a questão religiosa relacionada
à intolerância e à diferença. Em contrapartida, trata-se de uma presença intensiva
nas áreas da educação, teologia e ciências da religião. No exterior, o ER é
amplamente discutido por cientistas sociais da Europa, Estados Unidos e de alguns
países latino-americanos (RANQUETAT JR., 2007).

O “ER tem sido tema evitado pelos laicos – apenas seus defensores mais
ostensivos dele tratam”, confirma Luiz Antônio Cunha, em estudo sobre religião,
moral e civismo no Brasil (CUNHA, 2006). Religião e educação é, de fato, um
capítulo pouco visitado pela história, pela antropologia e pela sociologia das
religiões. Talvez o que ainda falta, nas ciências humanas de modo geral, é
considerar que as religiões, “enquanto produtoras de cultura” e “sistemas de
símbolos”, compõem uma das matrizes socializadoras do indivíduo contemporâneo
(SETTON, 2008, p. 16). Isto não quer dizer, como visto nesta tese, que as religiões
possam se vivenciadas no espaço da escola pública da mesma forma como são
vividas no interior das comunidades religiosas.

privados. Um dos objetivos dessa norma é estimular medidas em prol de uma educação antirracista,
que repudie quaisquer formas de preconceito, racismo institucional e discriminação étnico-racial.
14
Espaço público é entendido como o campo de relações, fora do âmbito doméstico, no qual ocorrem
as interações sociais. A esfera pública equivale ao universo discursivo, onde normas e ideias são
difundidas e submetidas ao debate público (CARDOSO DE OLIVEIRA apud MIRANDA; MAIA, 2014,
p. 82, nota 3).
23

Após a etapa de levantamento jurídico e bibliográfico sobre o ER, mas


antes da ida às escolas, às Diretorias Regionais de Ensino (DREs) e aos seus
Núcleos Pedagógicos, estive na sede da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo (SEE-SP) em busca de variadas informações, a saber: a inserção do ER em
escolas estaduais paulistas, os critérios para a formação das turmas dessa disciplina
e se existia algum material didático de ER produzido e distribuído no âmbito
estadual. Verificando que este material existe e resulta de uma política pública para
o ER no Estado de São Paulo – a única nos últimos treze anos –, ele foi obtido junto
ao acervo do Centro de Referência da Educação (CRE-Mário Covas) e incorporado
ao material de análise. Trata-se de um conjunto de cinco “brochuras” com ênfase em
“história das religiões”, elaborado em parceria com a UNICAMP e distribuído pela
SEE-SP em 2003. Analisar os objetivos das brochuras, seus principais eixos
temáticos, principais conceitos e a maneira como o ER deveria ser desenvolvido,
impôs-se como uma etapa metodológica necessária – tópico retomado no quinto
capítulo deste trabalho.

A obtenção dos dados sobre o ER, em São Paulo, foi árdua e marcada
por algumas dificuldades previsíveis (falta de retorno das assessorias dos dirigentes
regionais de ensino, desconfiança em relação à pesquisa, desconhecimento e
dificuldade dos servidores para localizar e fornecer informações mínimas sobre as
escolas com turmas de ER homologadas). Isso ocasionou mudanças nos rumos da
pesquisa de campo que, inicialmente, abarcaria somente escolas públicas
localizadas no município de São Paulo. Algumas escolas estaduais da região de
Campinas e suas Diretorias de Ensino – Região Campinas Leste (DECLESTE) e
Região Campinas Oeste (DECOE) – foram incorporadas ao estudo. Nestas
diretorias de Campinas tive amplo acesso aos seus dirigentes regionais e aos
profissionais que atuam nos Núcleos Pedagógicos, cujos professores responsáveis
pelo ER contribuíram com planilhas contendo as relações das escolas que
homologaram, ou não, turmas de ER a partir de 2013.15

15
Após o levantamento numérico de 2013, solicitado através da Assessoria do Dirigente Regional de
Ensino, foi possível verificar que das 42 escolas de 5ª a 8ª séries abrangidas pela DECLESTE, 39
encaminharam os dados sobre a formação de turmas de ER de 2003 a 2012. Desde 2009, as escolas
24

Vale antecipar que apesar do número de escolas visitadas – sete em São


Paulo, seis em Campinas e duas em Valinhos16–, e do volume de material recolhido,
não foi realizado um trabalho etnográfico – ou uma etnografia do ordinário
(AHLERT, 2008) –, no sentido mais estrito do termo. Ainda que não tenha realizado
uma pesquisa exaustiva em todas as unidades escolares visitadas, não foram
descartadas as anotações diversas, entrevistas e conversas informais com os
professores de ER. Estes professores possibilitaram o acesso aos seus
planejamentos de aula e materiais didáticos, incluindo, em alguns casos, a consulta
aos cadernos e trabalhos escolares mediante consentimento dos estudantes
matriculados nas aulas de ER.

Com esse arsenal é possível ter um panorama ilustrativo do que se passa


em uma classe de ER. Afinal, como sinalizado, o intuito aqui é mapear os conteúdos
de ER abordados nas salas de aula, tendo por base as fontes de dados abaixo
selecionadas e classificadas em dois blocos: o material obtido em escolas públicas
estaduais de São Paulo (capital) e o material oriundo das escolas públicas estaduais
vinculadas à Diretoria de Ensino - Região Campinas Oeste:

São Paulo (seis escolas visitadas):17

 Levantamento, leitura e registro dos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs),


realizado ao longo do primeiro semestre de 2015;

 “Para que Ensino Religioso?”, documento interno elaborado pelo Núcleo


Pedagógico da Diretoria Regional de Ensino Centro-Sul;

 Cinco brochuras de ER distribuídas pela SEE-SP (SÃO PAULO, 2002);

 Declarações de requerimento de matrícula, incluindo a apresentação da


disciplina e a pergunta “O aluno deseja assistir as aulas de Ensino Religioso?” – em

públicas estaduais da Região Leste de Campinas não têm homologado turmas de ER, inclusive em
2013 (ver Anexo 1).
16
As duas escolas públicas estaduais localizadas no município de Valinhos (SP) pertencem ao
quadro oficial da DECOE (Diretoria de Ensino - Região Campinas Oeste).
17
O trabalho de campo nas diretorias de ensino e escolas públicas estaduais sediadas no município
de São Paulo foi realizado em 2012. Em 2015, retornei em algumas escolas paulistanas para coletar
dados pós-qualificação – em especial, consultas aos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs), a fim de
verificar se havia alguma referência, nestas fontes, ao ER. Voltarei ao percurso empírico no quinto
capítulo.
25

algumas escolas, a nomenclatura ER foi alterada para “Ética” e “História das


Religiões”;

 Respostas manuscritas entregues por estudantes matriculados no ER às


questões: “O que é religião para você?”; “Qual a importância do Ensino Religioso
nas escolas?”;

 Respostas manuscritas entregues por estudantes às questões: “Durante esse


ano, com as aulas de Ensino Religioso, o que você levará de aprendizado?”;

 Provas bimestrais digitadas e cedidas pelo professor de ER; trabalhos


escolares sobre temas diversos (Censo IBGE 2010, intolerância religiosa,
preconceito na religião etc.); fotocópias dos conteúdos das aulas de ER reunidos em
cadernos escolares; avaliações de aproveitamento em “História das Religiões”;

 Questionários semiestruturados (perguntas abertas e fechadas) respondidos


por professores de ER e profissionais da Educação atuando em Núcleos
Pedagógicos (Diretorias Regionais de Ensino).

 Questionários respondidos por estudantes matriculados no ER, contendo


perguntas (abertas e fechadas) que visavam sondar se tinham ou frequentavam
alguma religião, com quem (mãe, pai, tia, avós, amigos, etc.); religiões que
gostariam de conhecer e suas percepções sobre religião e a oferta do ER em
escolas públicas.

Campinas (oito escolas visitadas):18

 Levantamento, leitura e registro dos Planos Políticos Pedagógicos (PPPs),


realizado ao longo do primeiro semestre de 2015;

 Material (slides, ilustrações, legislações impressas etc.,) distribuído durante as


atividades de capacitação – oficialmente denominadas de Orientações Técnicas
(OTs) – de professores de ER da DECOE, ocorridas em março de 2013 e 2014;

18
A pesquisa de campo nas diretorias de ensino e escolas públicas estaduais do município de
Campinas ocorreu entre 2013 e 2015. Voltarei a isto no capítulo cinco.
26

 Respostas manuscritas respondidas por estudantes: atividade de aula contendo


as seguintes perguntas: “Qual é a sua religião?”, “O que é religião para você?”, “O
que acha da matéria de ensino religioso?”, “O que você levará dessa disciplina?”;

 Avaliações bimestrais entregues por estudantes de ER; cadernos das aulas de


ER; trabalho manuscritos – “Opinião sobre religião”, entregues por duas alunas
umbandistas; “Preconceito na religião”, texto redigido por uma aluna do candomblé;

 Diário de Classe (ano letivo 2013), contendo os resumos do conteúdo


programático e das atividades desenvolvidas no componente curricular
“Ética/Ensino Religioso”; planos de aula referentes aos anos letivos 2013, 2014 e
2105, para o componente curricular “Ensino Religioso”;

 Questionários semiestruturados (perguntas abertas e fechadas) respondidos por


professores de ER;

 Questionários respondidos por estudantes matriculados no ER, contendo


perguntas (abertas e fechadas) que visavam sondar se tinham ou frequentavam
alguma religião, com quem (mãe, pai, tia, avós, amigos, etc.); religiões que
gostariam de conhecer e suas percepções sobre religião e a oferta do ER em
escolas públicas.

II

A tese está dividida em cinco capítulos. O primeiro trata das “grandes


regras e princípios legais” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 4) sobre o ER previsto num
“verdadeiro cipoal jurídico” (SOARES, 2007, p. 8) composto por dispositivos
constitucionais, decretos, portarias, resoluções, deliberações, pareceres, indicações
e outras normatizações federais e estaduais. Dentre os textos legais acessíveis em
sites do governo federal estão o Parecer nº 05/1997, co-assinado pelo relator e
conselheiro José Arthur Giannotti, e o Parecer nº 097/1999, de autoria da relatora e
conselheira Eunice Durham – os dois foram membros do Conselho Nacional de
Educação (CNE), na gestão do ex-ministro da educação Paulo Renato Souza.

O segundo capítulo discute as concepções teóricas que caracterizam os


modelos de ER – confessional, interconfessional, ecumênico, inter-religioso,
27

fenomenológico etc. – sugeridos por especialistas da área, autoridades religiosas,


entidades representativas e até mesmo legisladores, que impulsionam o debate
relativo ao paradigma de ER mais recomendável para as escolas públicas do país
(PASSOS, 2007; DANTAS, 2007; JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013; entre outros).
Convém antecipar que uns defendem um ER sem proselitismo, de caráter inclusivo e
mais interessado nas questões gerais e comparativas dos fenômenos religiosos, ao
passo que outros, ao rejeitarem o ER laico, propõem que:

(...) a educação religiosa nos estabelecimentos públicos de ensino


fundamental não deve ser diluída em questões gerais de sociologia e de
antropologia religiosa; ou reduzida ao estudo comparado de temas
religiosos; nem deverá ser proposta como uma espécie de “religião
genérica”, indefinida e não confessional. Tal religião não existe; ou então
19
seria uma espécie de religião oficial oferecida pelo Estado.

O ensino de uma “religião genérica”, aconfessional e indefinida, seria, nos


termos de Michael Becker (2010, p. 291), a propagação de um “ateísmo
metodológico”, que potencialmente transformaria o ER em uma “cientificidade
asséptica, incapaz de atender aos interesses e às necessidades religiosas e
espirituais dos alunos”. Entretanto, a sugestão em torno de um ER desvinculado de
dogmas e teologias procura alinhar-se à laicidade do Estado brasileiro, em comum
acordo com as normas federais de educação, que reconhecem a diversidade
religiosa existente na sociedade mais ampla.
O terceiro capítulo procura discutir os diferentes significados do conceito
de “religião” presentes numa amostragem de livros didáticos de ER (exemplares
para análise do professor) publicados pelas principais editoras do país (Ática,
Paulinas, Vozes, Global e outras). Em consonância com esse propósito, o quarto
capítulo enfatiza o tratamento conceitual reservado às religiões de matrizes africanas
no Brasil na mesma amostragem de livros escolares de ER. Este tratamento é
acompanhado por vários aportes visuais (fotografias, pinturas, mapas e ilustrações
diversas), basicamente da umbanda e candomblé, em prejuízo de outras variações
regionais de culto afro-brasileiro ausentes dos manuais escolares de ER. Uma vez

19
Trecho do artigo do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Sherer, publicado jornal O Estado de S.
Paulo, 9 de maio 2009, p. A2, aspas no original. O fragmento citado foi publicado nos volumes de ER
da coleção Entre Amigos, “Suplemento para o Professor de Ensino Religioso”, subitem “Ensino
Religioso: direito cidadão no Estado laico” (EDITORA MODERNA, 2009, vol. 9, p. 5).
28

que a religiosidade popular brasileira se desdobra numa multiplicidade de formas,


cabe dizer que, além da familiaridade com este universo de pesquisa, as religiões
afro-brasileiras foram escolhidas por serem consideradas como decisivas na
formação do patrimônio cultural e intelectual do povo brasileiro, cujas marcas são
perceptíveis em diferentes domínios socioculturais – música, artes plásticas, cinema,
literatura, festas religiosas e populares etc.
O quinto e último capítulo baseia-se na pesquisa de campo realizada,
entre 2012 e 2015, em escolas públicas estaduais paulistanas e campineiras. Ele
trata das percepções de alunos e professores sobre a oferta do ER; a nomenclatura
através da qual ele é identificado (e diferenciado) em meio às demais disciplinas
escolares; a concepção de religião vigente no ER escolar e, novamente, o espaço
reservado para as religiões afro-brasileiras no modelo de ER regulamentado pelo
Estado de São Paulo em 2001.

Ressalta-se que o foco deste trabalho está delimitado pela presença


oficial da religião na escola vinculada a uma disciplina específica – ou seja, o ER.
Mesmo sem a intenção de abarcar a escola pública em sua totalidade, não se está
desconsiderando que a religião esteja presente em outras dimensões da vida
escolar – em suas práticas pedagógicas, atividades recreativas, símbolos, imagens,
pinturas ou cartazes com motivos bíblicos e católicos publicamente visíveis no
espaço interno das escolas. Quanto a isto existem outros estudos com enfoques
variados, incluindo os conflitos de caráter religioso que extrapolam o ER escolar e
podem ocorrer, por exemplo, na disciplina de biologia, cuja teoria da evolução
diverge da cosmologia e da cosmogonia defendida por estudantes evangélicos
(CAVALIERI, 2007; MENDONÇA, 2012; MIRANDA& MAIA, 2014).
29

CAPÍTULO 1

DE FIEL À CIDADÃO: CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO ENSINO RELIGIOSO


EM ESCOLAS PÚBLICAS

No ano em que a lei nº 10.783, de 2001, que regulamentou o ER nas


escolas estaduais paulistas, foi aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo
(ALESP)20, a Folha de S. Paulo publicou, em outubro daquele ano, a seguinte
opinião no “Painel do Leitor”:

O projeto sobre a inclusão do ensino de religião nas escolas


[públicas] deveria tratar a questão da forma mais simples e
democrática possível: ensinar a história das religiões – e ponto.
Sem interpretações. Cada religião tem diversos desdobramentos
riquíssimos na arquitetura, na música, na pintura, na escultura etc.
História é história, e cada pessoa, à medida que amadurece, deve
poder escolher livremente a sua crença pessoal – ou mesmo várias
delas –, já que a essência de qualquer religião procura sempre
desenvolver as qualidades positivas de todo ser humano.21

Embora a opinião acima remeta-nos à legislação paulista, ela pode ser


ampliada para outras regiões do país onde o ER sofreu alguma regulamentação.22
Esta opinião encerra os principais aspectos referentes ao entendimento jurídico das
controvérsias, disputas e demandas pelo “religioso” que sempre pontuaram a
trajetória do ER na educação em particular, e na sociedade brasileira de modo geral.
Refiro-me à inserção do ER como componente regular da educação básica; o ER
como ofensa aos princípios básicos que configuram a laicidade do Estado brasileiro;
a ausência de identidade acadêmica ou epistemológica que lhe caracterize enquanto
componente curricular; as disputas em relação à escolha dos conteúdos a serem
ministrados e o perfil do professor responsável em ministrá-los, que não pode
posicionar-se como catequista ou pregador da sua própria religião no espaço público

20
Projeto de lei nº 1036/1999, do ex-deputado José Carlos Stangarlini (PSDB).
21
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1110200111.htm. Acesso em: jun. 2014.
Grifos meus.
22
Parte das normas, princípios, dispositivos jurídicos, etc., citados ao longo deste estudo ode ser
encontrada em Junqueira, Corrêa e Holanda (2007), cujo livro-referência reúne as legislações
educacionais que normatizam o ER em âmbito nacional e nos Estados brasileiros.
30

da sala de aula; a liberdade de escolha de “crença pessoal” do estudante que opte


ou recuse frequentar as aulas de ER; e uma percepção socialmente difusa que vê a
religião enquanto fonte de moralidade capaz de despertar valores éticos nos
indivíduos – leia-se, as “qualidades positivas” sugeridas pela leitora da Folha de S.
Paulo. Este último aspecto tem sido recorrente nas narrativas que apoiam o
oferecimento público do ER.

Outro ponto a ser destacado é o da metodologia. É possível, conforme


sugerido na opinião acima, o ensino de história (ou sociologia, antropologia,
filosofia...) das religiões sem a interpretação dos fatos que constituem seu objeto de
estudo? E qual seria o tratamento “mais simples e democrático possível” na
abordagem dos fatos relacionados à esfera religiosa quando examinados, por
exemplo, no cotidiano de uma sala composta por jovens estudantes do ensino
fundamental?

As respostas para estas e outras questões podem ser encontradas nas


secretarias e conselhos, municipais e estaduais, de educação. Isto porque a lei
federal nº 9.475/1997 (art. 33) atribuiu a estes órgãos de gestão escolar a
incumbência de definir conteúdos e requisitos para admissão e contratação dos
professores de ER. Garantido nas Constituições federais, desde o Estado Novo, as
polêmicas em torno dessa matéria inserida no âmbito escolar nunca cessaram. Os
aspectos conflitivos que marcam sua escolarização atravessaram o último século,
ganharam novos adeptos, discursos e demandas, sendo que, pela primeira vez em
sua história, foi matéria debatida no Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro
de 2015.23

Um dos embates que envolvem diversos atores e agências em torno da


legitimidade do ER (DICKIE; LUI, 2007), diz respeito às suas modalidades de ensino.
Este tema – tratado no próximo capítulo – mostra que os modelos vigentes ainda
carregam vestígios confessionais, contrariando, assim, a atual legislação federal,
que prevê um ER sem proselitismo ou discurso religioso. Disto decorre um dos

23
Entidades religiosas, organizações da sociedade civil, representantes dos sistemas públicos de
ensino, bem como especialistas em ER, estiveram em Brasília para discutirem o Acordo entre o Brasil
e a Santa Sé, decretado em 2010, que prevê o oferecimento do “ensino católico e de outras
confissões religiosas” nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. A Ação
Direta de Inconstitucionalidade do Acordo (ADI 4439), proposta em 2010 pela Procuradoria-Geral da
República (PGR), aguarda julgamento do ministro Luís Roberto Barroso.
31

motivos da polarização entre os defensores do Estado laico – que propõem a


retirada do ER da escola pública, sobretudo o ER de caráter confessional – e os
militantes favoráveis ao ER, que o defendem enquanto componente curricular
necessário para a “construção de um novo cidadão”, e não apenas como conteúdo
curricular que almeja “formar” ou “confirmar” um fiel (CARNEIRO, 2004).

“O mundo jurídico é parte do mundo social e político”, escreve Ximenes


(2009a, p. 90). Talvez por isso a legislação do ER permaneça como um dos
principais assuntos presentes nas pesquisas mapeadas, cujo foco incide sobre as
normas que regulamentam o ER, suas formulações e variações em diferentes
momentos da história do país. Essa permanência também pode ser observada na
produção de materiais institucionais (cartilhas, cadernos ou apostilas para formação
continuada de professores) e até mesmo em algumas coleções de livros didáticos
também dirigidas aos professores e alunos de ER.

Independente da filiação acadêmica dos pesquisadores e das questões


que queiram investigar, qualquer estudo referente aos desdobramentos que o ER
assume na sociedade abrangente requer um conhecimento da dimensão jurídica
que norteia esta questão. Assim, o objetivo deste capítulo está centrado nas
controvérsias sobre o ER em escolas públicas, cuja obrigatoriedade da oferta
corresponde à facultatividade da frequência. Para isso é necessário um mergulho,
ainda que não muito profundo, no conjunto de leis, decretos, resoluções, etc., que
normatizam, implementam e financiam o ER em escolas públicas.24

O retorno ao contexto jurídico-legal do ER permite conhecer seus


dispositivos, diretrizes teóricas, metodológicas ou mesmo pedagógicas que
deve(riam) orientar a inserção do ER no conjunto das disciplinas oferecidas nas
redes oficiais de ensino. Considera-se tal análise relevante, uma vez que há um
desconhecimento observado in loco das legislações específicas e modalidades
teóricas de ER, inclusive entre professores e gestores dos órgãos oficias de
educação dos municípios pesquisados.

24
As referências que serviram de base para este capítulo podem ser conferidas em: Albuquerque
(2004), Cury (2004), Pauly (2004), Carneiro (2004), Giumbelli e Carneiro (2006), Junqueira (2007),
Giumbelli (2008), Casseb (2009), Fonaper (2009), entre outras.
32

1.1 Escola laica, mentira jurídica?

Os debates jurídicos sobre a presença do ER na rede pública de educação


antecedem a primeira Constituição Republicana (1891) e avançam, “com vários
matizes, ao longo de todo o século, sendo aguçados antes, durante e após a
promulgação da Constituição Federal de 1988” (QUADROS; MIRANDA, 2004, p.
81). É possível mencionar muitos nomes, reconhecidos e desconhecidos, que se
posicionaram neste campo de disputa política e ideológica. Dentre eles, o baiano Rui
Barbosa, “o grande mestre do direito pátrio” (FRANCA, 1953, p. 90), e outros
juristas, como João Barbalho, Pontes de Miranda, Pedro Lessa, Araújo Castro,
Antonio Carlos de Andrada e Silva, Filinto Bastos, João Pandiá Calógeras, Aristides
Milton, Hermes Lima, Teixeira Mendes, Mário Lima, entre outros.25

Além destes “constitucionalistas acatados nos meios jurídicos” (FRANCA,


1953, p. 93), há ainda os intelectuais católicos que festejaram a volta do ER no início
dos anos 1930, entre os quais o citado Pe. Leonel Franca, o filósofo Jackson de
Figueiredo e o crítico literário, ensaísta e teólogo Alceu Amoroso Lima. Também
tiveram os grupos contrários à influência da religião na vida pública – protestantes,
ateus, agnósticos, positivistas, maçons, socialistas, liberais e os educadores da
Escola Nova. Dentre estes últimos estavam Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Cecília Meireles e outros “Pioneiros da Educação”, movimento que agregava as
correntes políticas que exigiam a preservação do “ensino leigo” conquistado após a
instauração da República.

Ademais é preciso mencionar a atuação de representantes das


denominações religiosas então minoritárias num país hegemonicamente católico,
destacando-se, neste caso, o reverendo metodista Guaraci Silveira, deputado
federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o único eleito para a Constituinte de
1933/1934, autor de emendas, discursos e artigos sobre o ER público, que

25
Considerando seus limites e propósitos, não se pretende recuperar aqui todos os debates travados
entre estes personagens da história nacional, que não se limitavam, em complexidade e alcance, às
discussões sobre ter ou não ter aulas de religião no ensino público. O que estava em jogo, para
muitos, era a formação e a consolidação de uma sociedade brasileira secular na primeira metade do
século XX.
33

polemizavam, portanto, com os interesses da bancada católica paulista (ALMEIDA,


2002).26

Apesar da lista variada de interessados no tema desde o início do século


XX, pode-se atribuir ao Pe. Leonel Franca o primeiro estudo sistemático nessa
área, intitulado “Ensino Religioso e Ensino Leigo: aspectos pedagogicos, sociaes e
juridicos”27, publicado em 1931, posteriormente reeditado pela carioca Agir Editora,
em 1953. Antes disso, porém, no início da segunda metade do século XIX, o
deputado alagoano Aureliano Candido Tavares Bastos publicou, anonimamente, no
Correio Mercantil (Rio de Janeiro), as Cartas do Solitário (1862), nas quais discutiu
diversos assuntos da vida pública imperial, entre os quais, tráfico negreiro,
liberdade dos africanos, centralização administrativa, abertura do rio Amazonas à
navegação, relações entre o Brasil e os Estados Unidos, etc., e “Ensino religioso”.
Homem de ideias liberais, não poupou críticas ao Segundo Reinado e à Igreja
Católica – para a qual o governo deveria encarar com a mais profunda
desconfiança – e propunha o fim das aproximações entre os poderes temporal e
eclesiástico (TAVARES BASTOS, 1938).

Ferrenho partidário da autonomia institucional do Estado, Tavares


Bastos centra fogo no decreto ministerial sancionado em outubro de 1851, que
facultava aos bispos conceder licenças aos docentes dos seminários mantidos
pelos cofres públicos. Em resposta às acusações de reformista, anticatólico,
herético e ateísta que lhe foram dirigidas pelo Jornal do Commercio, ele rebate ao
dizer que “não era um protestante”, mas um fiel consagrado ao catolicismo. “Eu
não movo guerra ao catholicismo; combato as pretenções gothicas do fanatismo”
(TAVARES BASTOS, 1938, p. 116). Deveria o Estado ter estabelecimentos de
ensino nos quais se lecionem teologia, canto gregoriano, história sagrada, em
oposição a outros “em que se ensinam o justo e o injusto [princípios ético-

26
Mediante consulta ao amplo material bibliográfico disponível, não é presunçoso afirmar que parte
razoável dos estudos acadêmicos sobre o ER em escolas públicas reserva pouca ou nenhuma
atenção aos protestantes (igrejas Presbiterianas, Batista, Metodista, Congregacional e Episcopal, as
igrejas de missão) que, desde as primeiras décadas do século XX, estavam preocupados, assim
como os segmentos católicos, em participar mais intensamente da “intrincada teia política do país”
(ALMEIDA, 2002, p. 26). Esta preocupação não se limitava às atuações parlamentares em defesa da
laicidade na vida nacional, mas ambicionavam uma “participação política ampla, estendida a temas
instigantes e densamente interligados” (ALMEIDA, 2002, p. 26).
27
Ortografia oficial da época, também presente noutras referências citadas neste capítulo.
34

filosóficos], as linhas e os planos, os mistérios do seio da terra e os segredos dos


astros que gyram no espaço”? – (TAVARES BASTOS, 1938, p. 109).

Contrário à ingerência da Igreja em assuntos civis, ele sustenta que a


“instrução do clero” – ensino religioso teológico – deveria ser ministrada em
estabelecimentos particulares, não subvencionados pelo governo, nem
inspecionados por ele e mantidos pelos fiéis e dirigidos pelos bispos. Por trás deste
raciocínio está o princípio da liberdade de consciência e de culto, pois o que era o
Estado senão o representante de uma nacionalidade, cujas funções se limitam a
manter a ordem e distribuir a justiça?

Não se pode impor nem sustentar uma religião privilegiada ou uma


crença única. Ao constatar que a organização religiosa nos Estados Unidos
permitia o livre exercício de todas as “seitas”, mas sem auxiliar ou inspecioná-las,
Tavares Bastos ressalta, numa visão bastante atual, que a “liberdade de ensino
como todas as mais, só pode caber á egreja catholica quando ella se achar
colocada no mesmo pé de egualdade perfeita com todas as outras perante o
estado” (TAVARES BASTOS, 1938, p. 96).

Com efeito, durante o regime do Padroado, a religião católica era


componente curricular obrigatório em seminários e colégios confessionais, com
destaque para a missão jesuítica, cujo propósito visava à cristianização e
evangelização dos “gentios” e dos negros, em obediência aos acordos firmados
entre o Sumo Pontífice e o monarca de Portugal (CASSEB, 2009). A educação
religiosa mantinha o caráter catequético historicamente ligado aos interesses da
Igreja e à preservação da sua doutrina, ministrado por religiosos que pertenciam a
alguma ordem religiosa ou leiga, “vinculada a grupos ou movimentos da igreja,
serviços de catequese ou outros serviços comunitários” (GIUMBELLI; CARNEIRO,
2006, p. 4).28 Educação e catequese29 estavam, portanto, indissociavelmente
relacionadas e foram a grande obra dos missionários católicos (CORDEIRO, 2004).

28
Quanto ao domínio do pensamento religioso num determinado período da educação brasileira,
Santo avalia “que o que acontece no Brasil em termos de atraso não se deve a um modelo
educacional eclesiástico, mas ao descaso que a educação foi submetida tanto pelos governos
coloniais, como imperial. Sem a participação da Igreja a educação estaria em condições muito pior”
(2005, p. 102).
29
Para os especialistas preocupados em distinguir os termos, a catequese refere-se à “educação
permanente e sistemática da fé” então seguida pelo adepto que participa espiritualmente de uma
35

A determinação da modalidade confessional católica, observada ainda


hoje em certos Estados da federação, é citada no artigo 6º do próprio Decreto
Imperial de 15 de outubro de 1827, onde se lê a primeira menção ao ER e às
competências dos professores que:

[...] ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de arithmetica,


pratica de quebrados, decimaes, proporções, as noções, mais
geraes de geometria pratica, a grammatica da língua nacional, e os
princípio de moral christã e da doutrina da religião catholica e
apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição do Império e a historia do
Brasil (BRASIL, 1827).

Cabe ressaltar que, em 1824, a Constituição Política do Império do


Brazil declara o catolicismo como religião oficial do Estado, porém ignora e silencia
sobre a questão da educação – talvez o tenha feito porque o Brasil ainda não era
uma nação secularizada e pouca ou nenhuma importância havia em regulamentar
o ensino catequético, que na prática já era uma realidade. A Independência impôs
ao povo uma religião, mas negou-lhe educação e representação política. “A nação
livre nasce com um povo sem cidadania por razões econômicas, étnicas e
religiosas” (PAULY, 2004, p. 174).

As transformações desse cenário, que tanto incomodava os defensores


do liberalismo e da não intromissão da Igreja em assuntos civis, ocorreu após o
Decreto nº 119-a, de 7 de janeiro de 1890, que extinguiu o regime do padroado
com todas as suas instituições, privilégios e prerrogativas. Também neste ano, o
Ministério do Interior aboliu, por meio do aviso nº 17/1890, as aulas de catequese,
teodiceia e moral eclesiástica ministradas no tradicional Colégio Pedro II, localizado
na antiga capital federal, um dos estabelecimentos públicos mais renomados da
época. Em decorrência das demandas em favor da laicidade do Estado e do
ensino, a Igreja iniciou toda uma campanha para influenciar a Carta Magna que
logo viria, em 1891.

comunidade religiosa (CRUZ, 1997, p. 13). No entanto, a associação entre ER e catequese, para
muitos considerada problemática, é frequente, seja na escola pública, em particular, seja na
sociedade mais ampla. Voltarei ao ER catequético no segundo capítulo.
36

Em Carta Pastoral que veio a público ainda no ano de 1890, os bispos


receavam que a jovem República seguisse os rumos da revolução francesa. A
questão era óbvia para os bispos, que utilizaram o seguinte argumento, igualmente
empregado pela Liga Eleitoral Católica (LEC) durante os debates que precederam
a Constituinte de 1934: Se a maioria da população brasileira era católica, logo a
Constituição Federal não poderia ser ateia: “Como admitir a liberdade (de todos os
cultos) garantindo o livre exercício de práticas repugnantes como essas do
ateísmo, do mormonismo, islamismo, fetichismo”, interroga o deputado Coelho e
Campos (ROMANO, 1992, p. 268).

Fato é que, após a Constituição Republicana de 1891, algumas


dimensões da vida social foram separadas do domínio religioso. Foi instituído o
casamento civil, a secularização dos cemitérios, decretou-se o fim da destinação
de verbas a qualquer culto religioso, e a liberdade de culto era permitida, porém em
local próprio e distante do ambiente escolar (ALBUQUERQUE, 2004). O poder
público não poderia estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos
religiosos. O Artigo 70 da mesma Constituição de 1891 excluía do processo
eleitoral os mendigos, os analfabetos, as “praças de pré”, exceto os alunos das
escolas militares de ensino superior, “os religiosos de ordens monásticas,
companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a
voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade
Individual”.

Já o Artigo 72 declarava “leigo” o ensino ministrado nos


estabelecimentos oficiais de ensino. Determinação, esta, que desencadeou “muitos
debates sobre liberdade de ensino, liberdade religiosa, liberdade de consciência,
direito a um ensino que não seja ateu, respeito à consciência das famílias” (CRUZ,
1997, p. 12). Apesar dos propósitos modernizantes com vistas à consolidação da
laicidade republicana, o ensino de religião não foi extinto por completo do cotidiano
escolar, nem desapareceu das normas legais que o regulamentavam.30

30
“Em que pese esse cenário, o ensino religioso continuou sendo ministrado em alguns estados,
como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina, Ceará, Sergipe e Pernambuco, contando
com o apoio de alguns juristas da época” (LEITE, 2011, p. 49). Em 1924 o governo de Minas Gerais
autorizou sua oferta em escolas oficiais fora do horário normal; em 1928, autorizou aulas de
catecismo; em 1929, expandiu o ER para as escolas primárias, secundárias e normais (OLIVEIRA,
2008, p. 114).
37

Ao rever de forma crítica a oferta do ER público, resultado da forte


influência positivista, a Constituição de 1891 foi a única a assumir uma posição
secularizada, mas posteriormente derrotada pela revisão constitucional de 1926 na
“rumorosa questão do ensino religioso” (PAULY, 2004, p. 175). Além disso, a
prática religiosa não foi proibida, uma vez que a Constituição republicana
autorizava às confissões religiosas ocuparem, se assim o desejassem, o espaço
escolar fora do horário regular. Observa-se que a Constituição não nega atuação
pública às instituições clericais, nem reduz a escolha religiosa dos alunos a tema
de foro íntimo ou familiar. Assim, a Igreja Católica continuou orientando as
chamadas “aulas de Religião” na incipiente rede de escolas públicas do país.

Em sua avaliação negativa acerca dos efeitos da primeira Constituição


Republicana, o Pe. Leonel Franca argumenta que a mesma desconhecia as
condições históricas da formação nacional dos brasileiros, ao menosprezar a
“conservação das grandes realidades espirituais que alimentam, conservam e
desenvolvem a vida dos povos” (1953, p. 96). Para este padre, o ER era

[...] um direito individual intangível das consciências, é uma


necessidade suprema para a vida moral do país. Se com êle se
concilia a nossa Carta de 1891, tanto melhor; se não, corrija-se-lhe
imediatamente este êrro fundamental”, um “vício original da causa
primeira e mais profunda”, do qual “provieram todos os males” do
Brasil vividos durante os quarenta anos de república
(FRANCA,1953 p. 96).

Para um Brasil que se queria moderno e, por conseguinte, secularizado,


era paradoxal afirmar que a Carta Magna de 1891 fosse responsável pelos males
da nação. Se havia ou não algum erro a ser corrigido, fato é que a Revolução de
1930 “significou o momento de volta da Igreja Católica ao proscênio político em
larga escala” (CURY,1993, p. 26), tendo o presidente Arthur Bernardes recorrido à
Igreja Católica para que esta o auxiliasse na contenção da onda revolucionária e na
busca da promoção do progresso nacional.

Nesse cenário, o político articulado com a hierarquia da Igreja, Francisco


Campos, então Ministro da Educação e Saúde, reintegrou o ER nas escolas
públicas por meio do Decreto nº 19.941, assinado por Getúlio Vargas, chefe do
38

Governo Provisório, em 30 de abril de 1931. Esse dispositivo, além de facultar o


ER nos estabelecimentos de ensino primário, secundário e normal, ampliou a
licença para as escolas oficiais organizarem o ER, como também permitiu às
autoridades eclesiásticas proporem os conteúdos programáticos, escolherem os
livros escolares, designarem professores e fiscalizarem sua fidelidade aos
ensinamentos e à moral da Igreja.31 Agora, “a doutrina católica não era apenas
uma doutrina religiosa, mas uma doutrina do Estado” (HORTA, 1993, p. 70).

Tristão de Athayde, pseudônimo adotado por Alceu Amoroso Lima,


apesar de discordar dos termos do decreto de 1931 – “longe de ser uma lei”, era
imperfeito e merecedor de “severas críticas” –, avaliou que tal dispositivo seria o
passo inicial no sentido de corrigir o erro da Constituição Federal de 1891. Além
disso, possibilitaria ainda corrigir a interpretação dada ao princípio da neutralidade
pública em matéria religiosa. Ao reintroduzir o ER facultativo nas escolas, o decreto
não tolhia a livre expressão das “forças de desintegração nacional” (ateus, laicistas,
protestantes e agnósticos), mas garantia a liberdade dos crentes, rebate Athayde.
As famílias, segundo ele, privadas dessa liberdade de escolha em decorrência do
“laicismo opressivo” da primeira Constituição republicana, que “eliminara Deus da
escola pública”, poderiam agora solicitar ao Estado o ensino da sua religião nos
estabelecimentos oficiais (ATHAYDE, 1931, p. 91; 92).

O Pe. Leonel Franca (1953) também avaliou negativamente o referido


decreto de 1931 – para o qual apresentava defeitos e lacunas –, mas ao reintegrar
o ER às escolas oficiais, reaproximava-se da realidade concreta, viva, orgânica.
Todos, católicos, crentes ou não crentes, deveriam “unir-se (...) para aplaudir com
unanimidade a sabedoria de uma reforma que condiciona, de modo absoluto, a
regeneração moral do Brasil” (FRANCA, 1953, p. 110). Desponta-se, neste trecho,
32
um recado aos “polemistas” e “opositores” , sendo que a “tecla mais batida” foi a
da liberdade de consciência ferida pelo novo decreto. Este dispositivo, segundo
31
“Em resposta, foi lançada a Coligação Nacional Pró-Estado Leigo, composta por representantes de
todas as religiões, além de intelectuais, como a poetisa Cecília Meireles” (Fonte: Projeto “O caráter
educativo da laicidade do Estado para a esfera pública” - UMESP/USP/MPD/FAPESP). Disponível
em:<http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/33156/leis-brasileiras-ensino-religioso-escola/>. Acesso
em: 23 nov. 2014.
32
Entre os opositores do Decreto de 1931 estavam as igrejas evangélicas que, reunidas em
congresso ocorrido no Rio de Janeiro, reconheciam a “importância e necessidade do ensino religioso
e moral”, porém o mesmo não deveria ser ministrado em escolas públicas, e sim nas Igrejas e
escolas paroquiais (FRANCA, 1953, p. 101).
39

Franca, não constrangia, mas respeitava as liberdades ou opiniões alheias à


educação católica. A intolerância partia dos adeptos do laicismo, contrários ao
decreto de 1931, cujas opiniões irreligiosas pretendiam impor opressivamente.

Um segundo protesto também mencionado por Pe. Franca refere-se à


relação oficial entre Igreja e Estado. Tanto o ER quanto a interdependência entre
os poderes temporal e espiritual eram questões distintas, baseadas em princípios
diversos. Estado e religião deveriam colaborar-se estreita, harmônica e
ininterruptamente. “Que as duas esferas sejam distintas, compreende-se; que se
devam separar, nada mais irracional” (FRANCA, 1953, p. 100; itálicos no original).

Outra objeção igualmente rebatida por Pe. Franca e Tristão de Athayde,


então convertido ao catolicismo pelo primeiro, diz respeito a um tópico ainda hoje
atual, relacionado às consequências da reintrodução do ER nas escolas das redes
públicas: tal disciplina poderia “despertar dissidências religiosas nos colégios
publicos” (ATHAYDE, 1931, p. 78) e o pluralismo de opções religiosas das famílias
poderia causar, consequentemente, “atritos e discussões entre estudantes com
perturbação da disciplina escolar” (FRANCA, 1953, p. 104; itálicos no original).
Mas, essa pluralidade, depreende-se da argumentação de Pe. Franca, restringe-se
aos judeus, católicos e protestantes.33

Pe. Franca vai mais longe ao defender o ER enquanto disciplina


formadora do caráter nacional, responsável pelo progresso e pela conservação das
nações – os “destinos de um povo se jogam nos seus estabelecimentos de
educação” (FRANCA, 1953, p. 9). Embora reconhecesse a instituição da escola e
da moral leigas, achava impossível formar homens, teórica e praticamente,
desprovidos de religião.

Antipedagógica, porque impotente para formar a personalidade


humana, a escola, sem Deus, é necessàriamente antissocial,
porque incapaz de conservar êste tesouro de virtudes cívicas que

33
Não se localiza no escrito do Pe. Leonel Franca nenhuma referência à organização do espiritismo,
das religiões afro-brasileiras e do protestantismo dividido em diferentes denominações. Ele indaga,
aliás, se era verdade que existiam, na população brasileira dos anos 1930, “grupos tão consideráveis,
pertencentes a outros credos”; se houvesse, recomendou-lhes que convivessem harmônica e
socialmente uns ao lado dos outros (FRANCA, 1953, p. 105). Essa “quebra da hegemonia católica”
poderia fomentar a diversidade religiosa e beneficiar os adversários históricos do catolicismo, entre os
quais o protestantismo brasileiro (ALMEIDA, 2002, p. 27).
40

constitui o patrimônio espiritual indispensável à vida das nações


(FRANCA, 1953, p. 43).

O posicionamento de Pe. Franca estava direcionado a combater as


correntes que ele considerava radicais, que reivindicavam a escola leiga. Em seu
entendimento, as instituições públicas não poderiam se revestir de uma “côr
religiosa”, sendo que “o laicismo, expressão desta neutralidade necessária,
representa a fórmula jurídica do respeito à liberdade das consciências,
indispensável à paz social” (FRANCA, 1953, p. 44). Em sua análise, a escola leiga
reivindicada pelos partidos radicais, extremistas de esquerda, socialistas,
comunistas e maçons34, não era, em verdade, uma escola neutra ou leiga, mas um
território de incredulidade, materialismos, ceticismos, indiferentismos e
sectarismos.

Em seus próprios termos, a neutralidade era “palavra vazia, um


narcótico para adormecer as consciências das almas ingênuas” (FRANCA, 1953, p.
62). Ou seja, não “há, não pode haver educação neutra: a pedagogia ou cessa de
ser pedagogia ou cessa de ser neutra” (FRANCA, 1953, p. 63). Deste modo,
também não há professor neutro, pois todos têm “suas convicções, a elas adapta
os seus atos, e por elas exerce naturalmente a sua influência” (FRANCA, 1953, p.
63).

1.2 O ensino religioso após os anos 1930

As críticas ao Decreto de 1931 partiram de diversos meios, Cecília


Meireles, como jornalista e educadora desapontada com os rumos da Revolução
de 1930, ironizou o “decretozinho do ensino religioso” e questionou os rumos da
reforma empreendida pelo então ministro Francisco Campos. Este

[...] com o seu feixe de reforma na mão. E, em cada feixe, pontudos


espinhos de taxas. Foi mesmo mais uma reforma de preços, que
tivemos. E esperávamos uma reforma de finalidades, de ideologia,
de democratização máxima do ensino, de escola única - todas

34
Franca postulava que o projeto da “seita” maçônica era demolir a religião. “O fim explícito da
maçonaria é destruir a religião nas almas, combater o catolicismo, e para este fim faccionário, lançar
mão de todos os recursos do Estado” (FRANCA, 1953, p. 58; itálicos no original).
41

essas coisas que a gente precisa conhecer e amar, antes de ser


ministro da educação... (MEIRELES apud MORAES, 2007, p. 111-
112).

Em 1932, foi criada a Liga Eleitoral Católica (LEC), com o objetivo de


articular-se com o mundo da política, que elegeu deputados, os quais influenciaram
na redação da Constituição Federal de 1934.35Ao contrapor-se às propostas
articuladas pela LEC, o constituinte e reverendo metodista Guaraci Silveira, foi
apoiado por lideranças políticas que pretendiam garantir no texto constitucional,
então debatido entre 1933 e 1934, a laicidade do ensino conquistada em 1891.
Para Guaraci Silveira, o anteprojeto constitucional relativo ao ER nas escolas
públicas poderia ser compreendido enquanto palavras “inocentes”, mas não
passava, contudo, de “uma forma de opressão à consciência das crianças”.
Afirmava que o ER facultativo então experimentado no Estado de São Paulo
revelou-se um “engodo”, visto que seus professores católicos contrariavam a
liberdade de crença ao utilizarem o espaço da sala de aula para catequizar seus
alunos (ALMEIDA, 2002, p. 30).

Sendo os protestantes minoritários no Brasil dos anos 1930, Guaraci


Silveira coloca outra ressalva contundente, que nos remete ao polêmico modelo de
ER “separado por credos”. Os protestantes não teriam como cumprir os requisitos
para atender os alunos que exigissem a presença de um religioso protestante
responsável pelas aulas de religião. Além do constrangimento ao aluno não
católico, como evitar que o ER fosse confundido com catequese e o catolicismo
entendido como a “religião oficial” das escolas públicas?

Apreensivas quanto ao “perigo da aprovação do Ensino Religioso” e


consequente fortalecimento da presença católica nas escolas, a Confederação das
Sociedades Auxiliadoras Femininas do Presbitério de Minas Gerais, “uma entidade
que agregava as mulheres protestantes da Igreja Presbiteriana daquele Estado”,
manifestou-se por meio do seguinte comunicado, que também parabenizava
Guaraci Silveira pela “oposição aos representantes católicos”:

35
Para Ghiraldelli Jr. (1991), citado em Pauly (2004, p. 175), a Carta Constitucional de 1934 era a
mais progressista em “matéria educacional”, pois o Artigo 150 determinava como competência da
União “fixar o plano nacional” de educação.
42

Somos 490 mulheres, na sua maioria esposas e mães. Somos


protestantes e, por conseguinte, estamos sempre em minoria. A
maioria é católica. Os nossos filhos ficarão expostos ao
menosprezo do mestre da religião e à zombaria dos colegas da
religião da maioria (...).

[...]

Nos centros urbanos mais civilizados, não haverá tanto o que


temer, aí se encontram os jornais e as autoridades esclarecidas.
Mas o Brasil é muito grande. Transportai-vos conosco, Exmo. Sr.,
para o interior de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, ou da maioria
dos estados onde o sectário padre, frade ou qualquer outro beato
impera com absolutismo. Aí acender-se-ão as fogueiras de martírio,
e ninguém ousará gritar, e, se gritarmos, quando os nossos brados
vierem a alcançar os que tudo podem, já as nossas almas terão
passado pelo cadinho das mais acerbas aflições (ALMEIDA, 2002,
p. 38-39).

Atento aos receios das mães presbiterianas, Guaraci Silveira propõe a


seguinte emenda publicada no periódico metodista Expositor Cristão, de 6 de
janeiro de 1934, que obviamente se contrapunha aos interesses da Igreja católica
e, por extensão da própria LEC:

Onde se diz: “A religião é matéria facultativa nas escolas, etc.”,


diga-se: “Educação Moral e Cívica é matéria de ensino obrigatório
nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais ou
normais, de acordo com o plano e texto estabelecido pela União”
(ALMEIDA, 2002, p. 31).

Entretanto, a proposta em torno de um ensino de “Moral e Cívica” só foi


oficiosamente sancionada noutro momento da história do Brasil, isto é, treze anos
após a morte do deputado Guaraci Silveira, ocorrida em 1953.36 A menção ao
“religioso” foi mantida em todas as Constituições Federais, sendo que em 1934, o
ER ultrapassou o âmbito do ensino primário e secundário, pois também constituía-
se matéria das escolas normais e profissionais, devendo ser ministrado conforme

36
O Decreto-Lei nº 869/1969 dispôs sobre a disciplina de Educação Moral e Cívica como matéria
obrigatória nas escolas públicas de todos os graus e modalidades. No artigo 2º, consta como
finalidade: “A defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da
dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de
Deus”.
43

os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada por seus pais ou


responsáveis legais.

Já na Constituição Federal de 1937, em seu Artigo 133, determina-se


que o ER “poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas
primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de
obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte
dos alunos”. Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1946,
ratificou-se a concepção de ER já mencionada em 1934, mas não menciona em
qual grau de ensino o ER deveria ser oferecido. O ER permanece facultativo,
integrado aos horários das escolas oficiais e ministrado conforme confissão
religiosa do aluno. O Estado não poderia estimular qualquer forma de culto, nem
proibir sua prática, assim como não “poderia obrigar o professor a ministrar o
ensino religioso em contradição com sua fé (...)” (OLIVEIRA, 2008, p. 112).

Anos depois, especificamente em 1961, foi promulgada a primeira Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a de nº 4024, que manteve o
ER “legitimado sempre como elemento eclesial no universo escolar”
(FIGUEIREDO, 1996, p. 61). Em seu Artigo 97, o ER é citado na seguinte
formulação:

O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais das


escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem
ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa
do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu
representante legal ou responsável.

1º parágrafo - A formação de classe para o Ensino Religioso


independe de número mínimo de alunos.

2º parágrafo - O registro dos professores de Ensino Religioso será


realizado perante a autoridade religiosa respectiva.

Essa normativa reitera os princípios já estabelecidos na Constituição de


1946. O ER permanece como disciplina inserida nos horários das escolas públicas,
de matrícula facultativa, "sem ônus para os poderes públicos", com a determinação
de que deveria considerar a identidade religiosa do aluno, dos pais ou
responsáveis legais. Trata-se de um componente curricular secundário no universo
44

dos saberes escolares, fato que perdura até hoje (FIGUEIREDO, 1996). “Dá-se
abertura para o proselitismo, uma vez que o serviço voluntário é responsável pela
prática escolar, legitimado pela autoridade respectiva a cada confissão religiosa”
(BERTONI, 2009, p. 154).

Da sua parte, os ministros dos governos militares mantiveram o ER na


Constituição Federal de 1967, estendendo-o para o 2º grau: “O ensino religioso, de
matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais
de grau primário e médio”.37 A Emenda Constitucional 1/1969 reforçou a redação
do Artigo 176, que estabeleceu “o ensino como direito de todos, baseado em
princípios como a unidade nacional, ideais de liberdade e solidariedade humana”
(Constituição Federal de 1967), porém, “constituindo-se dos elementos da doutrina
militar (unidade nacional), do liberalismo (liberdade) e da doutrina social da Igreja
Católica (solidariedade)” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 6).

Dez anos após a publicação da primeira lei da educação nacional, a


LDBEN nº 5.692, de 1971, repete, em seu Artigo 7, o dispositivo da Constituição de
1967 e da Emenda Constitucional nº 1/1969. O ER permanece nos horários
normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus, mas agora integrado à área
de estudos formada pelas disciplinas de Moral e Cívica, Artes e Educação Física.
Edilia Coelho Garcia, relatora do Parecer nº 540/1977, avaliou que a LDBEN nº
5.692/1971 resultou do “entendimento de que a escola e a família devem-se
complementar na formação integral do aluno e que a educação religiosa explica o
sentido da existência e congrega os homens levando a uma vida harmoniosa”.38 O
ER é

[...] sentido da vida [defesa também recorrente entre militantes,


acadêmicos e autores de livros escolares de ER] buscando de
modo condizente com a dignidade de pessoa humana e a sua
natureza social, mediante liberdade de escolha que fica assegurada

37
A Reforma Capanema, realizada ao longo da Era Vargas (1930-1945), sob o comando do ministro
da educação e saúde Gustavo Capanema, institui as Leis Orgânicas que criaram os ramos de ensino:
primário, secundário, industrial, comercial e agrícola.
38
Parecer nº 540/1977, p. 33. Disponível no acervo de fontes do Grupo de Estudos e Pesquisas
“História, Sociedade e Educação no Brasil”, Faculdade de Educação, UNICAMP. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br>. Acesso em jul.2016.
45

pela matrícula facultativa ao aluno e o oferecimento do ensino de


vários credos.39

Contudo, em seu voto e parecer, a própria relatora admitiu a dificuldade


no cumprimento do Artigo 7, em razão do reduzido número de professores aptos e
interessados em ministrar o ER nos sistemas oficiais de ensino.

Nota-se o velho paradoxo. Concede-se liberdade de crença aos


estudantes que porventura optarem pelo ER em sua modalidade confessional, para
depois os doutrinarem através de um conjunto de princípios religiosos específicos
que impossibilitam, quase sempre, o diálogo ecumênico entre as religiões. Além
disso, o mesmo Parecer 540/1977 delegava à escola o planejamento dos seus
currículos, com exceção do ER, cuja escolha dos objetivos e conteúdos eram
atribuições das autoridades religiosas ou confessionais, e não dos Conselhos de
Educação.

Reside, aqui, a possibilidade de uma catequese mal disfarçada, visto


que “cada confissão ao assumir a condução do Ensino Religioso pode estender
para dentro da escola suas comunidades confessionais e suas reproduções
doutrinais” (PASSOS, 2007, p. 61). Aliás, ressalta Nagamine em texto sobre os
cursos de licenciatura em ER e formação docente, “não há uma teologia
aconfessional ou supraconfessional, isso porque a Teologia sistematiza
experiências religiosas e orienta o modo como os adeptos de uma denominação
religiosa devem crer e agir na organização de suas vidas” (2007, p. 92).

1.3 O ensino religioso após os anos 1980

Entre as décadas de 1980 e 1990 ocorreram vários debates,


mobilizações e discussões organizadas entre diferentes setores da sociedade civil
(professores, especialistas em ER, universidades, entidades e representantes
religiosos, políticos, etc.), que exigiam que o ER nas escolas públicas fosse
incluído em um dispositivo constitucional. No cerne dessas discussões estão a

39
Parecer nº 540/1977, p. 33.
46

permanência da oferta do ER e a já mencionada identidade dessa disciplina. Após


“um forte lobby das igrejas cristãs” (LUI, 2007, p. 333)40, a Constituição Federal de
1988, seguindo o compasso das Constituições precedentes, ao ceder às pressões
religiosas, manteve o ER facultativo nos horários normais das escolas de ensino
fundamental. Em seu Artigo 210, consta que:

Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de


maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos
valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Esse lobby foi intensificado por representantes de instituições cristãs e o


ER voltou ao debate público quando da aprovação da lei LDBEN nº 9.394/96 –
denominada “Lei Darcy Ribeiro”. Em sua versão original, o Artigo 33 desta lei
determinava que:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos


horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com
as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus
responsáveis, em caráter:
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do
seu responsável, ministrado por professores ou orientadores
religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou
entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas
entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do
respectivo programa.

Destaca-se nesta normativa a definição de ER a ser oferecido nas


escolas públicas de Ensino Fundamental. O enunciado “confessional” agora é
associado à “opção”, pois entra em vigência a expressão preferência manifestada

40
“Participaram ativamente desse lobby: a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba/ PR
– Assintec –, o Conselho de Igrejas para a Educação Religiosa de Santa Catarina – Cier – e o
Instituto Regional de Pastoral do Mato Grosso/MS – Irpamat; mas foi o esforço conjunto da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB –, Associação de Educação Católica do Brasil –
AEC – e Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas – Abesc – que conseguiu juntar em
uma só emenda a proposta governamental para os estabelecimentos privados visando manter o
ensino religioso nas escolas públicas” (LUI, 2007, p. 334).
47

pelo aluno ou por seus responsáveis legais. Pela primeira vez abre-se espaço para
o ensino interconfessional. Admite-se ou flexibiliza a diversidade religiosa,
favorecendo assim “a fragmentação da transmissão simbólica de sentidos
religiosos de mundo, produzidos por múltiplos agentes e agências, sejam igrejas ou
instituições religiosas” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 16).

Contudo, o mesmo dispositivo contém duas contradições: se o Estado


brasileiro é laico – mesmo que seja uma laicidade atenuada ou flexível –, e a
preocupação da escola pública é formar o cidadão, por que a LDBEN (1996)
manteve a oferta do ER? Não seria paradoxal garantir a liberdade de crença, ou de
descrença, mas logo em seguida doutrinar os estudantes do ensino fundamental?
O que está por trás do dispositivo em exame: o ensino de religião ou a educação
da religiosidade? Intenciona formar o cidadão ou fazer seguidores? Como
entender, portanto, o ER? Tamanha contradição pode ser detectada já na
Constituição de 1934, que, desde então, tem sido referência na regulamentação do
ER nos sistemas públicos de ensino (FONAPER, 2009).

José Arthur Giannotti e João Antonio Cabral de Monlevade, relatores do


Parecer 05/1997, propõem a seguinte resposta:

A Constituição apenas reconhece a importância do ensino religioso


para a formação básica comum do período de maturação da
criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e
permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida
em vista do interesse público e respeitando - pela matrícula
facultativa - opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa
de frequência de tal ensino na escola.
[...]
Por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública
abre para que estudantes, facultativamente, se iniciem ou se
aperfeiçoem numa determinada religião. Desse ponto de vista,
somente as igrejas, individualmente ou associadas, poderão
credenciar seus representantes para ocupar o espaço como
resposta à demanda dos alunos de uma determinada escola.41
(Grifos meus)

41
Conselho Nacional de Educação, Parecer 05/1997, p. 2. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PNCP0597.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2013.
48

Em plena década de 1990 admite-se que o controle e a legitimidade do


ER estejam sob responsabilidade de representantes religiosos, do que pela própria
Escola. Tanto na determinação que declara que o ER deve ser ministrado por
professores ou orientadores religiosos credenciados pelas respectivas igrejas ou
congregações religiosas, quanto no segundo trecho do parecer supracitado, é
possível observar a predominância do poder religioso sobre o escolar. Como seria,
por exemplo, a associação entre as escolas públicas e as organizações civis,
constituída pelas diferentes confissões religiosas? Não são os saberes científicos42
se impondo como autoridade de reflexão acerca dos conteúdos de ER, e sim os
saberes das confissões religiosas constituídos por seus respectivos referenciais e
valores morais.

A Constituição de 1934 e as subsequentes pretendem responder essa


questão com o acréscimo do caráter facultativo da disciplina. Uma vez legalmente
resguardado o direito de não participar do ER, a liberdade de crença estaria
garantida. No entanto, na prática, a hegemonia católica manteve o privilégio de ter
seus ensinamentos contemplados na educação pública, excluindo, ao mesmo
tempo, as religiões minoritárias, ou não hegemônicas, como as afro-brasileiras.

Quanto à formulação “sem ônus para os cofres públicos”, expressa na lei


nº 9.394/96, a mesma desagradou o clero, os educadores, os militantes e as
entidades civis e religiosas favoráveis ao ER público.43 Sob a liderança do
deputado Pe. Roque Zimmerman (PT/PR) – membro da Comissão de Educação de
Cultura e Desporto –, apoiado pelo Ministério da Educação (MEC)44, foi aprovada a
lei nº 9.475/97, que alterou o Artigo 33 da lei federal nº 9.394/1996 (o único
dispositivo modificado). Para o teólogo Evaldo Luis Pauly, o lobby eclesiástico que
exigiu tamanha alteração “cometeu um erro político estratégico”, pois deu
plausibilidade à suspeita de que as igrejas não quiseram assumir os custos para a

42
Estes “que fixam os rumos das ciências e dos saberes e, a partir daí, vão disseminando o
conhecimento, até este chegar ao ensino básico” (MONTEIRO, 2008, p. 100)
43
Entidades civis e religiosas que participaram deste lobby foram: CNBB, CONIC, AEC, Fonaper,
entre outras.
44
Paulo Renato Souza, ex-ministro da educação (1995-2002), defendeu a revisão do artigo 33 pois a
proibição do financiamento público provocaria “restrição para a atuação das diferentes denominações
religiosas” (CARON, 1998, p. 59).
49

implementação do ER, nem “abrir mão de eventuais vantagens que dela


presumiam receber” (PAULY, 2004, p. 172).45

A redação atual do Artigo 33 removeu expressão “de acordo com as


preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis”, eliminando,
portanto, o caráter (inter)confessional, bem como a restrição “sem ônus para os
cofres públicos”. Insiste no respeito à “diversidade cultural religiosa” do país, proíbe
quaisquer formas de proselitismo religioso (e também político46), e determina as
seguintes providências:

1º parágrafo - Os sistemas de ensino regulamentarão os


procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso
e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos
professores.

2º parágrafo - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,


constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a
definição dos conteúdos do ensino religioso (lei 9.394/96, Art. 33)

Além de prever a participação de entidades civis/religiosas nos


processos para implementação do ER nos Estados, o novo Artigo 33 confirma a
presença do religioso no espaço oficialmente laico da escola pública. Ao
estabelecê-lo como disciplina integrante da formação básica do cidadão, o Estado
parece assumir que ter uma religião e, logo, uma prática religiosa, é algo
necessário para a promoção da cidadania e da vida em sociedade.

A própria lei maior da educação nacional vincula o atual modelo de ER


“à cidadania, que parece ser significada no contexto desses eventos como uma
convivência regrada e pacífica entre os indivíduos no ambiente público nacional”
(SANTOS, 2012, p.12). Daí a provável conexão entre a formação integral do

45
O “poder temporal da Igreja repousa também sobre o controle de cargos que podem dever sua
existência à simples lógica econômica (quando vinculados a empreendimentos econômicos
propriamente religiosos, como as peregrinações, ou com dimensão religiosa, como as empresas da
imprensa católica) ou à ajuda do Estado, como os cargos de ensino” (BOURDIEU, 1996, p. 195;
itálicos no original).
46
Nilton de Freitas Monteiro, Procurador Geral do Estado de São Paulo, ressalta que ideologias e
crenças influenciam na elaboração das leis; no entanto, um professor de ER ou de outra matéria do
currículo escolar “não pode, em princípio, fazer proselitismo político em aula, em nome do socialismo
e do liberalismo, pois isso romperia com o princípio da laicidade” (MONTEIRO, 2008, p. 92).
50

cidadão e “uma certa percepção do religioso como dimensão da existência coletiva”


(CARNEIRO, 2004, p. 6).

Mas, se o ER é compreendido como componente integrante da


“formação básica” do cidadão, como sua escolha pode ser facultativa? Esta
interrogação partiu de Arthur Fonseca Filho, que, em 2001, presidia o Conselho
Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP). Para ele, não haveria problema em
oferecer o ER na rede pública desde que o “caráter generalista da matéria” fosse
preservado, cuja abordagem privilegie “a história das religiões, ética e cidadania”,
sem favorecer “nenhum tipo de credo”.47

Do ponto de vista ontológico, a defesa em torno da educação integral,


que, para muitos, incluiria a dimensão religiosa intrínseca, ainda põe em questão a
plena cidadania dos sujeitos que não atribuem valor algum à experiência religiosa,
que rejeitam a influência da religião na vida individual, política e social e
dispensam, deste modo, o ER oferecido nas escolas públicas ou privadas. Seriam
os indivíduos sem fé, ateus, agnósticos, etc., cidadãos de segunda classe e,
consequentemente, sujeitos de uma cidadania inferior e uma humanidade
incompleta?

Esses reveses e questões mal resolvidas que perseguem o atual


paradigma de ER parecem ser estruturais em virtude de dois aspectos já
verificados em outros estudos e textos legais. O primeiro refere-se à ausência, no
plano federal, de diretrizes nacionais para o ER e o segundo refere-se justamente
ao caráter facultativo. Ao contrário das outras disciplinas do currículo obrigatório, o
ER reformulado em 1997 não tem Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
oficiais, que servem como uma linha de apoio e orientação para o trabalho docente
no ensino fundamental e médio. Não é por acaso que Edson Machado48, ex-chefe
de gabinete do MEC, ao constatar tal ausência, afirmou que o ER “também deve
merecer um tratamento nacional que tenha uma Base Nacional Comum”
(FONAPER, 2002, p.3-4).

47
Depoimento concedido ao jornal Folha de S. Paulo, Cotidiano, 18 de agosto de 2001. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1808200118.htm>. Acesso em: 7 abr. 2014.
48
Edson Machado foi chefe de gabinete do MEC durante o período de 1995 a 2001.
51

Em relação ao segundo aspecto igualmente lembrado, isto é, a facultatividade


do ER, cabe destacar que facultativo significa não obrigatório – não é um dever e
implica o livre-arbítrio do indivíduo disposto a realizar ou recusar a execução de uma
ação ou atividade que lhe é proposta, de fazer ou não, de agir ou não. Assim, a
facultatividade do ER deve salvaguardar, “para não ofender, o princípio da laicidade”
(CURY, 2004, p. 189). Não compete ao Estado “induzir, ou deixar induzir, que os
alunos optem, explícita ou implicitamente, por ter ou não ter aulas de religião (...), de
ter ou de deixar de ter uma religião” (MONTEIRO, 2008, p. 96). Religião, tanto no
espaço interno da escola, quanto na sociedade envolvente, também é um assunto
de escolhas individuais.

Para que a facultatividade do ER se efetive, e o direito à livre escolha


seja exercido, é preciso que as instituições escolares contemplem atividades
alternativas para que os estudantes não interessados no ER não se sintam
inativos, nem apartados em locais que gerem constrangimentos (CURY, 2004).
Não há sentido, na escola pública, o ensino desta ou daquela denominação, que
leve ao convencimento de que determinada religião é a porta-voz de toda verdade
religiosa. Ao menos juridicamente, a atual redação do ER vigente na lei federal nº
9.475/1997 (art. 33) evita privilegiar qualquer confissão religiosa e volta-se para o
mundo secular enquanto área do conhecimento (BERTONI, 2009). Ainda que
concordássemos que houve um enfraquecimento do predomínio confessional no
universo escolar, as “aulas de religião” mesmo hoje conferem uma feição
problemática ao ER público.

Para evitar o vi[es catequético, impôs-se a formulação de novas


epistemologias desvinculadas do confessionalismo e voltadas à efetivação do ER
cientificamente laico ou neutro. Entidades civis e religiosas, os militantes e
educadores pró-ER propõem a criação de metodologias que auxiliem os
professores, voluntária ou involuntariamente responsáveis por essa disciplina, a se
debruçarem sobre as religiões nas sociedades contemporâneas “sem medos nem
paixões” (MORAES; GUIMARÃES, 2010, p. 137). Que possam abordá-las não
como experiência de fé, mas como objeto do conhecimento científico, de natureza
histórica, sociológica e antropológica. Que lhes possibilitem ferramentas para
52

discuti-las, quer elas adentrem o espaço da sala de aula de forma inusitada, quer
elas sejam uma escolha racionalmente planejada.

As “religiões não são meramente especulativas”, elas “têm também


regras a cumprir, práticas externas a observar, não menos dignas de respeito que a
crença de que são resultado, ou a que andam anexos”, escreveu João Barbalho
em comentário sobre a liberdade de crença prevista na Constituição de 1891
(CUNHA FERRAZ, 2008, p. 59). Daí a necessidade de epistemologias alternativas,
aconfessionais, que abordem as práticas religiosas no espaço público das escolas
não como experiência de fé, mas enquanto saber científico.

Assim, de acordo com Luiz Antônio Cunha, as práticas religiosas


poderiam ser compreendidas como “objeto do conhecimento científico, portanto,
um fenômeno objetivamente observável, mediante o emprego do método científico”
que permita apreender “as religiões como fatos sociais, políticos, culturais, mentais
e civilizatórios – históricos, o que quer dizer que são produto da vida humana em
sociedade” (CUNHA, 2006, p. 1242). Dessa forma, as epistemologias alternativas
poderiam fornecer aos docentes de ER subsídio para discutir as múltiplas formas
de expressão cultural e religiosa.

Tais propostas são salutares em uma sociedade multiétnica, cultural e


religiosamente diversa como a brasileira. Entretanto, pode-se questionar se a
efetivação dessas propostas requer a existência de uma disciplina específica
(muitas vezes isolada das demais disciplinas do currículo obrigatório) ou se pode
se juntar aos demais componentes curriculares previstos na educação básica.49 Se
aceita a tese em prol de uma disciplina específica para o ER, caberiam então as
seguintes indagações: A quem compete o exercício do ER, caso exista, de fato,
algum espaço que lhe seja reservado nas redes públicas de ensino? Qual é a área
ou quais são as áreas do conhecimento mais habilitada(s) para tratar,
cientificamente, do eixo religião/religiões em ambientes escolares? É possível
ensinar algum conteúdo relacionado ao fenômeno religioso numa perspectiva
imparcial?

49
Luiz Antônio Cunha, líder do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ) e professor da
Faculdade de Educação (UFRJ), sublinha que no caso francês, o ensino sobre o fato religioso é
tratado na disciplina de história (CUNHA, 2006, p. 1242).Ver
<http://www.scielo.br/pdf/es/v27n97/a08v2797.pdf>. Acesso em dez.2015.
53

Dentre os modelos curriculares dirigidos ao ER que reivindicam a


ocupação deste nicho que se quer laicizado, mas sem ser a-religioso, bem como o
encaminhamento das respostas para as questões anteriores, destacam-se o
fenomenológico, endossado pelo Fonaper, e o das ciências da religião, aceito pela
maioria dos pesquisadores que apostam em um ER de caráter científico, não-
confessional, catequético ou teológico – registra-se que, no Brasil, parte dos cursos
de pós-graduação em ciências das religiões estão sediados em instituições
confessionais católicas. Uma vez que modelos teóricos podem se assemelhar aos
tipos ideias ou “mapas ideais extraídos da realidade a partir de práticas concretas”,
segundo definição de Passos (2007, p. 52), é recomendável observá-los não como
referências exclusivas, desprovidas de ligações e contradições.50

Nesse sentido, paradigmas ou teorias não deveriam funcionar como


“camisas de força da realidade” concreta (CONCONE, 1998, p. 136). Portanto,
considera-se mais produtivo visualizar as modalidades de ER enquanto propostas
flexíveis, que permitem aproximações ou afastamentos mútuos. Cito enquanto
exemplo, o ER baseado no ecumenismo, que se aproxima do inter-religioso, que
flerta com o fenomenológico, cujos objetivos se afastam da proposta da história das
religiões defendida por Silva e Karnal (2002) – integrantes do convênio firmado
entre a UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e a Secretaria de Estado
da Educação de São Paulo (SEE-SP). Este ponto será retomado adiante, em outro
momento.

O propósito do próximo capítulo é apresentar exatamente as modelos de


ER catequético, teológico, confessional, fenomenológico etc. Os conteúdos que
definem cada modelo visto a seguir estão refletidos em normatizações federais e
estaduais, materiais didáticos, e têm motivado a realização de pesquisas em
diferentes áreas do conhecimento acadêmico. Consequentemente, há uma farta
literatura, produzida sobretudo por teólogos e cientistas da religião, sobre as
diferentes possibilidades de ensinar religião ou falar “sobre” as religiões.

50
Por “paradigma” entende-se “modelo”, “esquema mental” ou “referencial” que, além de fundamentar
uma visão da realidade, também orienta concepções e atitudes (CORDEIRO, 2004, p. 10).
54

CAPÍTULO 2
___________________________________________________________________
NA ENCRUZILHADA ENTRE A FÉ E A CIÊNCIA:
MODELOS E FORMAS DE ABORDAGEM DO FENÔMENO RELIGIOSO

A historicidade do ER no Brasil recente não se constitui somente por


fatos, controvérsias, disputas políticas e religiosas em torno da sua presença nas
redes oficiais de ensino, mas também pelos diferentes modelos tipológicos de ER –
catequético, confessional, interconfessional, fenomenológico etc. – que almejam
lhe conferir uma “cidadania epistemológica” (FIGUEIRA, 2012, p. 13) e consolidá-lo
enquanto área do conhecimento.

O intuito deste capítulo é apresentar esses modelos, suas tensões,


ambiguidades conceituais e desafios. Apesar das características gerais de cada
modalidade descrita a seguir, não se pode afirmar que elas surgiram, uma após a
outra, numa trajetória linear de desenvolvimento. São propostas que variam
conforme as diferentes fases e transformações pelas quais o ER passou desde
1934, cuja oferta foi mantida na Constituição Cidadã de 1988. Elas podem ocorrer
de forma combinada, sobreposta e simultaneamente de acordo com os lugares e
interesses desta ou daquela instituição de ensino.

Os parâmetros curriculares nacionais de sociologia – para citar um entre


outros exemplos possíveis – permitem-nos conhecer os critérios para seleção dos
conteúdos, as competências e os conceitos específicos desta área – sociedade,
classe social, poder, indivíduo, dominação, entre outros também relevantes para a
compreensão dos fenômenos sociais. E quanto ao ER? Qual é o enfoque do seu
objeto? Existe um formato de ER mais ajustado ao caráter laico do Estado brasileiro
que permita a execução dos objetivos deste componente curricular?

Muitos autores sustentam que o objeto de estudo do ER é a leitura e


decodificação dos sinais e expressões da religiosidade presentes nas diversas
culturas e sociedades. Tal objeto ainda se desdobra em um segundo: o estudo do
“Fenômeno Religioso enquanto Patrimônio Imaterial do povo brasileiro”,
55

reconhecidamente plural em termos de pertença e práticas religiosas (CARNIATO,


2010, vol. 9. p.10).

O ER difere das outras matérias, pois é a única no interior da escola


pública que se relaciona com duas áreas: educação-ensino (escola) e religião, que
“abrange não apenas uma dimensão humana comum, mas também as
manifestações das tradições religiosas”, afirma Junqueira (2001, p. 12). No
entendimento de Maria Inês Carniato (2005), trata-se de uma disciplina diferenciada,
pois além de possuir objetivos, conteúdos, estratégias e procedimentos próprios
para a abordagem das religiões, o ER é o único componente curricular que lida com
questões humanas universais.

“É diante deste problema: o sentido da vida” – ou do “absurdo da


existência” – que Eulálio Figueira (2012, p. 2)51 sugere que o ER seja localizado,
mas em articulação “com outras disciplinas de educação, e assim contribuir para a
tarefa da formação da educação integral”. Se o campo da ciência está assentado na
busca do conhecimento factual sobre mundo natural ou empírico, do que ele é
constituído e como funciona, a religião abarcaria as questões de sentido moral,
valores éticos, origem, destino e sentido da vida, transcendência e desenvolvimento
da espiritualidade. Para Therezinha Cruz, a “Religião” envolve não somente os
aspectos de ordem afetiva ou emocional, mas também o “mistério de fé, de
liberdade de consciência, que não costuma nos preocupar quando a aula é de
Matemática ou Geografia” (CRUZ, 1987, p. 12). No entanto, religião “não é só uma
questão de opinião e sentimentos. Há fatos concretos, históricos, sobre os quais se
baseia qualquer reflexão”, completa (CRUZ, 1987, p. 12).

Essa defesa do ER enquanto conteúdo curricular que transita do “mistério


de fé” aos aspectos de ordem não religiosa aproxima-se da resposta dada pelo
jurista católico Ives Gandra da Silva Martins à consulta formulada pela
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ao avaliar os dispositivos que
regem o ER no âmbito federal52, ele afirma que o “ensino da religião” enquanto
“fenômeno cultural e histórico” e “manifestação cultural sociológica é obrigatório, e

51
Teólogo, professor da PUC-SP e coordenador de Grupos de Trabalho (GTs) sobre religião
educação e sociedade.
52
Artigo 11 (decreto nº 7.107/2010, que rege a Concordata Brasil-Santa Sé), artigo 210 (Constituição
Federal de 1988) e artigo 33 (LDBEN 9.394/96).
56

está inserido nas diversas matérias em que a religião penetrou e influenciou”


(MARTINS, 2012, p. 218).

Não se pode estudar, prossegue o jurista, filosofia, sem se estudar


Tomas de Aquino ou Agostinho. Não se pode (...) estudar a Idade
Média, sem estudar as Cruzadas e sem examinar a sua inspiração
predominantemente religiosa. Não se pode estudar sociologia, sem
se pesquisar o papel da formação dos povos através da religião.
Não se pode estudar Astronomia, sem referência aos estudos dos
primeiros astrônomos sacerdotes – Copérnico, por exemplo. Não se
pode estudar genética, sem se referir às experiências do Padre
Mendel. Não se pode estudar arquitetura, sem se referir às catedrais
construídas pela Igreja Católica. Não se pode estudar matemática,
sem fazer referência aos grandes matemáticos da Igreja Católica.
Não se pode estudar geologia, sem aludir ao Padre Nicolau Steno,
que estabeleceu a maior parte dos princípios da geologia moderna e
assim por diante.
Tal ensino é obrigatório e pode ser ministrado por professores não
confessionais.
Facultativo é o ensino confessional. É aquele em que o professor
versado na fé explica tais fundamentos a seus alunos, que
completam sua formação humana com a formação religiosa. (...).
(MARTINS, 2012, p.219).53

Explicitamente, o autor dessa defesa deseja convencer-nos que a ciência


moderna é caudatária do pensamento cristão, sendo impossível o
ensino/aprendizagem de qualquer conteúdo sem referência aos ícones e
pensadores ligados à Igreja católica. Além disto, sugere que se faça uma distinção
entre o conhecimento escolar proporcionado pelas diferentes áreas citadas – da
filosofia à geologia –, e o conhecimento de natureza confessional a ser transmitido
pelo “professor versado na fé”, em comum acordo com a convicção pessoal e a
religião declarada pelo aluno. O que Gandra Martins pretende é afirmar o ER como
um saber especializado, com conteúdo de teor científico, universal e secular, a ser
ministrado na escola pública. Se tal proposta fosse honestamente cumprida, os
conteúdos oferecidos no ER escolar não poderiam se confundir com os
ensinamentos de caráter (ou procedência) religioso. Tais conteúdos teriam que ser
submetidos ao “julgamento de mérito, um processo corriqueiro a todos os campos
científicos” (DINIZ; LIONÇO, 2008b, p. 16).
53
Cf.<http://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/15301/Tratado%20BrasilSanta%20S%
C3%A9.pdf?sequence=1>. Acessos em: dez. 2015; jul.2016.
57

Coloca-se como uma das muitas tarefas da escola, a abordagem da


temática da “Religião” como “um dado cultural profundamente presente na
civilização em que vivemos”, sendo que ignorá-la “não é mera falta de fé; é
deficiência de cultura geral. Não se compreende o mundo em que vivemos sem uma
apreensão da história e do sentido do cristianismo”, insiste Cruz (1987, p. 11).

Autora de livros didáticos de ER, entre outros títulos publicados pela


editora FTD dirigidos à formação de professores desta área, Cruz admite, no
entanto, que escola e igreja são instituições distintas, com “clientelas”,
características e objetivos próprios. Ambas são responsáveis pela educação,
socialização e formação de crianças e jovens, mas devem atuar em áreas e
dimensões distintas. Como destacado no capítulo anterior, no espaço interno da
escola pública deve ser proibido a veiculação de princípios e valores de toda e
qualquer confissão religiosa. Seria paradoxal, portanto, o ensino de viés
confessional. Neste caso, a escola estaria assumindo o papel da igreja na formação
religiosa dos alunos, sendo que esta formação compete às comunidades religiosas.

Segundo os autores vinculados ao âmbito das ciências da religião, o ER


é a transposição didática dos saberes relacionados ao eixo religião/religiosidade54.
Por religião entende-se a organização da experiência religiosa “como sistema
simbólico, social e institucional”, ao passo que a religiosidade seria a abertura do
indivíduo “à experiência do Transcendente [“socialmente produzido”] nos termos da
fé, das expressões devocionais e das dinâmicas psíquicas que processam essa
experiência”(PASSOS, 2007, p. 30). Nas palavras da autora de livros didáticos da
editora Paulinas, a especificidade do ER afirma-se nas

[...] Ciências da Religião que têm por objetivo o estudo sistemático


da religião, ou seja, das expressões culturais da religiosidade
humana, em todas as suas dimensões, formas, conteúdos, práticas,
significações. Por isso a sua estrutura é multidisciplinar. Diferentes

54
Dantas propõe que a “Religiosidade” está associada à “abertura do homem ao sentido radical, mais
profundo de sua existência (fé em sentido amplo, abertura a tudo aquilo que lhe transcende e dá
sentido à sua existência) e a “Religião” seria uma forma concreta do indivíduo “viver a sua
religiosidade, o que supõe adesão a um credo e pertença a uma comunidade de fé (fé
institucionalizada, pública), sujeita a todas as contingências históricas e culturais que isto implica”
(2007, p. 122). Para Francisco Catão, as religiões são organizações, associações ou instituições com
“finalidades religiosas”, tratadas como “pessoas jurídicas de direitos e deveres perante a lei”, que têm
“suas exigências internas de ordem doutrinária, cultual, moral e disciplinar”, e que desempenham, “na
sociedade, algum papel, julgado mais ou menos irrelevante (...)” (CATÃO, 1995, p. 18; 123).
58

disciplinas, como Sociologia, Antropologia, História, Geografia,


Filosofia, Psicologia, dentre outras, auxiliam na abordagem e
compreensão desse fenômeno (CARNIATO, 2010, vol. 9, p. 7).

Pesquisadores e especialistas ocupados em formular propostas


pedagógicas e capacitar professores de ER insistem na integração efetiva desta
disciplina no currículo regular das escolas públicas “sem o pressuposto da fé (que
resulta na catequese) e da religiosidade (que resulta na educação religiosa), mas
com o pressuposto pedagógico (que resulta no estudo da religião)” (PASSOS, 2007,
p. 32).

Essa ressalva relaciona-se à distinção entre “ensino religioso”, “educação


da religiosidade”, “ensino da religião” (ou das religiões) e “ensino sobre as religiões”.
A primeira nomenclatura, abordada neste trabalho através da sigla ER, é a de uso
mais recorrente na literatura especializada, na legislação educacional, no universo
acadêmico e nos sistemas oficiais de ensino. Conforme Passos (2007, p. 33), ela
“designa o estudo da religião como componente regular dos currículos escolares”.

Há um debate em torno dessas nomenclaturas e suas possíveis


variações. Empregado como sinônimo, a expressão “Educação Religiosa”, tal como
define o Conselho Nacional de Educação (CNE), pode soar distinta para os grupos
que reivindicam o ER público. Esta distinção ocorre uma vez que a “Educação
Religiosa” pode ser associada ao âmbito privado da família e da confissão religiosa;
ao passo que o “ensino religioso” diz respeito (ou deveria dizer) ao ER secular.
Segundo este argumento, o ER tem que ser oferecido sem doutrinação e
proselitismo de nenhuma religião, mas pautado nos elementos históricos,
sociológicos, antropológicos e filosóficos, constituintes daquilo que, no Ocidente, se
convencionou chamar de “religião”.

No contexto desta tese, os campos da educação e da religião serão


vistos como universos conflitantes, mas nem sempre inconciliáveis. O processo de
ensino-aprendizagem relativo ao patrimônio religioso não deveria ter como objetivo
o aprimoramento da fé ou o cultivo da religiosidade do aluno, caso este tenha
alguma. Essa atribuição não é da escola, mas das famílias e congregações
religiosas. Considera-se, entretanto, que numa perspectiva secular, os fundamentos
teórico-metodológicos, assim como os conteúdos relacionados à abordagem das
59

religiões, sejam definidos academicamente, tendo como parâmetro os estudos


cientificamente consolidados sobre o objeto religião.

Assim, o que deve ser salientado nessa discussão é que a escola é o


espaço, por excelência, de construção e aquisição do conhecimento submetido ao
debate e ao exame crítico, o que a torna diferente do espaço da espiritualidade,
onde ocorre o ensino de valores, dogmas e crenças, muitas vezes transmitidos
como verdades absolutas.

2.1 Catequese na paróquia, ensino religioso na escola

A variedade de propostas pedagógicas para o ER, detectada no Brasil


recente, decorre das etapas de sedimentação dessa disciplina no quadro maior da
educação nacional. O ER é uma área do conhecimento cuja regulamentação não
tem uma diretriz nacional, sendo atribuída aos sistemas estaduais e municipais de
ensino. Isso resultou em diversas normas jurídicas que visam regular sua oferta nos
Estados, definir sua modalidade (ou caráter), conteúdo programático, critérios para
habilitação e admissão de professores e a carga horária a ser cumprida pelo
estudante matriculado.

Para os relatores do Parecer CNE nº 97/1999, essa

[...] questão, no Brasil, tem se revelado de maneira particularmente


espinhosa no que tange ao ensino religioso nas escolas públicas e o
Estado tem se orientado em sentidos diversos, de acordo com
diferentes constituições, [logo é] impossível prever a diversidade das
orientações estaduais e municipais e, assim, estabelecer uma diretriz
curricular uniforme.55

Em vista disso, quais seriam os modelos de ER possivelmente em vigor nas


escolas públicas brasileiras? O que os aproximam e o que os distanciam? Como os
paradigmas de ER confessional e interconfessional, nominalmente citados na lei nº

55
A antropóloga Eunice Durham (ex-conselheira do Conselho Nacional de Educação) foi uma das
relatoras do Parecer CNE nº 97/1999. Documento disponível no banco de dados do CRE-Mário
Covas. Ver:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:M1HR_QlqtSYJ:www.crmariocovas.sp.gov.
br/pdf/diretrizes_p0596-0601_c.pdf+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 13 fev. 2013.
60

9.394/96, foram definidos pelos especialistas em religião e educação?


Consideramos que as características, definições de religião, objetivos e
pressupostos teóricos (sociológico, filosófico, antropológico, histórico, teológico etc.)
relacionados às etapas de escolarização do ER resultam em posturas didáticas e
conteúdos diversos, mas, ao mesmo tempo, podem conter similitudes e não
exclusivamente oposições.

2.2 Modelos tipológicos de ensino religioso

No decorrer do “processo de evolução” teórico-metodológico do ER, é


possível localizar diversas modalidades de ER frequentemente citadas na literatura
acadêmica sobre o tema. Elas surgiram ao longo das mudanças política,
educacional e social brasileira. Estas mudanças nos levam, assim como Junqueira e
Nascimento (2013), a relacionar “o crescente pluralismo das filiações religiosas com
a consolidação da vida democrática e o desenvolvimento descentralizado das
regiões do país” (LOPES, 2013, p. 6).

Em sua descrição, Junqueira (2001) localiza três variações de ER


recorrentes: o de caráter confessional, o interconfessional e o fenomenológico.
Passos (2007) também sistematizou três modelos: o de orientação catequética, o
teológico e o das ciências da religião. Sem excluir essas variações, mas com base
em pesquisa realizada em escolas públicas estaduais da Região Metropolitana de
Belo Horizonte/MG, Dantas (2007) descreve quatro “modelos de compreensão” do
objeto desta disciplina: o confessional, o ecumênico (“irênico”), o interconfessional e
o inter-religioso (“pluralista”). Para Becker, a teologia e as ciências da religião são
áreas de referência para a maioria dos modelos de ER aqui expostos.

Para sintetizar os modelos de ER mencionados em seu livro de caráter


introdutório, Passos recorreu à “estratégia weberiana dos tipos ideais”, a fim de
justificar que os

[...] tipos são mapas mentais extraídos da realidade a partir de


práticas concretas, não puras. As práticas são sempre impuras,
contêm misturas de elementos diversos que a tipologia ideal não
expressa em seus esquemas unívocos e simples. Contudo, os
61

modelos esquemáticos visam fornecer referências para a


visualização e análise das práticas concretas (2007, p. 52).

Considera-se que os modelos esquemáticos de ER almejam especificar e


legitimar os conteúdos desta disciplina. Tais modelos não são tipos puros, mas
aproximações deles. As estruturas e as dinâmicas de cada um deles podem diferir
em algum ponto, conforme visualizado abaixo:

Quadro 1- Modelos de ensino religioso

MODELO CATEQUÉTICO TEOLÓGICO CIÊNCIAS DA


RELIGIÃO
Cosmovisão Unirreligiosa Plurirreligiosa Transreligiosa
Contexto político Aliança Igreja-Estado Sociedade Sociedade secularizada
secularizada
Fonte Conteúdos doutrinais Antropologia, Ciências da Religião
teologia do
pluralismo
Método Doutrinação Indução Indução
Afinidade Escola tradicional Escola Nova Epistemologia atual
Objetivo Expansão das igrejas Formação religiosa Educação do cidadão
dos cidadãos
Responsabilidade Confissões religiosas Confissões Comunidade científica
religiosas e do Estado
Riscos Proselitismo e Catequese Neutralidade científica
intolerância disfarçada

Fonte: Adaptado de: PASSOS, 2007, p. 59, 63, 66.

Essa síntese “sinótica e comparativa” tem como propósito expor cada


concepção a partir da “cosmovisão religiosa” que a sustenta e do “contexto político”
no qual se coloca a relação entre Igreja e a sociedade civil; menciona-se, ainda, a
fonte dos conteúdos a serem ministrados pelo professor de ER. Também visa
apresentar o “método” adotado e as “afinidades”, ou aproximações, com certas
correntes pedagógicas. Percebe-se, ainda, que cada modelo encerra um “objetivo”,
aponta os sujeitos responsáveis por sua gestão e execução e pode esconder alguns
riscos, como observado em qualquer prática educativa (PASSOS, 2007, p. 54-55).

Embora seja uma síntese didática, nota-se a ausência de informações


mais detalhadas em relação aos critérios que conduziram Passos aos aspectos por
ele elencados no quadro. Por exemplo, a correspondência, ou “afinidade” sugerida
62

pelo autor entre o paradigma teológico – uma espécie de “catequese disfarçada” – e


a Escola Nova é, no mínimo, duvidosa. Os integrantes deste movimento de
renovação da educação brasileira, ao lado de outros grupos pró-Estado leigo
(políticos, intelectuais, religiosos protestantes, etc.), militaram contra o decreto de
1931, sancionado por Getúlio Vargas, que autorizou o retorno do ER às escolas
públicas até então republicanas. Lembremos que entre as conquistas da
Constituição Republicana de 1891, destacam-se a liberdade de crença e culto e a
garantia de que seria leigo o ensino oferecido nos sistemas oficiais de ensino.

No próximo item, apresento aos diferentes modelos de ER, o que difere,


aproxima ou, ambiguamente, confunde cada um deles.

2.2.1 Catequético

“Catequese, define Cruz, é educação permanente e sistemática da fé.


Supõe que a pessoa (...) já se ligou a um grupo religioso, que faz parte de uma
comunidade de fé e ali celebra, cresce espiritualmente, participa” (1997, p. 13). O
modelo derivado dessa experiência – catequético – é o “mais antigo” de todos e
relacionado a contextos nos quais “a religião gozava de hegemonia na sociedade”,
porém ainda sobrevive “em muitas práticas atuais que continuam apostando nessa
hegemonia, utilizando-se (...) de métodos modernos” (PASSOS, 2007, p. 54).

O ER catequético baseia-a na ideia de reeligere, no entendimento do


reescolher, com o intuito de fazer seguidores e proporcionar uma formação cristã.
Também reflete a linguagem simbólica da comunidade religiosa, suas
características próprias, razões de ser, concepções, textos sagrados e doutrinários.
Adotado durante o período colonial e imperial, tinha um caráter explicitamente
confessional e católico, uma vez que Igreja e Estado ainda não eram domínios
separados.

Trata-se de um paradigma que tem a “verdade da fé como ponto de


partida” (CATÃO, 1995, p. 5), cuja cosmovisão é unirreligiosa. Assim, tem como
conteúdo e método a doutrinação das denominações cristãs, objetivando a
expansão das igrejas por meio do proselitismo, tendo por risco a intolerância
religiosa. Este modelo apresenta afinidade com a escola tradicional, caracterizando-
63

se como evangelização, aula de religião e ensino bíblico. Deste modo, a


transmissão destes conteúdos cabia à Igreja por se entender que a religião é
assunto de sua competência, o que pode resultar em proselitismo religioso e
intolerância nas escolas.

Em razão da impossibilidade de efetivar-se na conjuntura moderna, na


qual a cisão entre Igreja e Estado é uma realidade, o ER catequético só poderia
subsistir através de um acordo entre esses dois poderes. Tal acordo visaria um
modo de acomodar os seus valores fundantes, mas sem que houvesse uma
“supremacia de um poder sobre o outro” (PASSOS, 2007, p. 59). A linguagem
catequética é mais comum em escolas privadas confessionais, “mas ainda é muito
utilizada por docentes de escolas públicas, o que reforça as acusações de que o
Ensino Religioso subjuga e domestica por ser ‘o braço estendido’ das igrejas cristãs
dentro da escola” (DANTAS, 2007, p. 58).

2.2.2 Teológico

Se o modelo acima deveria se restringir aos lares e comunidades


paroquiais, o teológico “procura uma fundamentação para além da
confessionalidade estrita, de forma a superar a prática catequética” (PASSOS,
2007, p. 60). Este paradigma assume a concepção de religare, significando religar
as pessoas a si mesmas, aos outros, à natureza e a Deus, visando torná-las mais
religiosas. Nesse contexto, o ER caracterizou-se como pastoral, ensino de ética e
valores. Sustenta-se na ideia da educação da religiosidade um valor antropológico,
no qual a dimensão transcendente marca o ser humano na sua profundidade,
independentemente de sua confissão religiosa.

Tendo por base uma cosmovisão plurirreligiosa, sua fundamentação


pretende superar a confessionalidade, o proselitismo e promover o diálogo com
outras denominações religiosas. Mesmo interessado na construção de um diálogo
com a sociedade secular religiosamente plural, o risco do modelo teológico é
transformar-se em “catequização disfarçada” (PASSOS, 2007, p. 64). Tal risco
decorre não tanto pela oferta dos seus conteúdos, mas pela responsabilidade e
condução atribuída às confissões religiosas. Estas, ao assumirem a execução do
64

ER, podem “estender para dentro da escola suas comunidades confessionais e


suas reproduções doutrinais” (PASSOS, 2007, p. 61).

2.2.3 Confessional e interconfessional

O modelo confessional é um dos mais antigos e duradouros, presente em


colégios do Brasil desde o período colonial e assumiu “a concepção de AULA DE
RELIGIÃO” – Junqueira (2013, p. 233; destaques no original) faz uma breve menção
ao ensino da moral e doutrina católica vigente na legislação de 1827. O caráter
confessional do ER pressupõe que todos, professores e alunos, pertençam à
mesma confissão religiosa, com sua visão de mundo própria, culto, ritos, princípios
ético-morais, costumes, organização hierárquica etc. A responsabilidade pela
transmissão dos conteúdos mencionados é da autoridade confessional, a quem
ainda compete a confiabilidade e a formação dos professores credenciados em
alguma instância oficial. Nesse caso, “o ensino confessional se confundiria com
educação religiosa, semelhante àquela oferecida pelas comunidades religiosas para
a formação de membros de um determinado grupo”, avaliam Diniz e Lionço (2010b,
p. 14).

Nas escolas cristãs, não necessariamente católicas, pode ocorrer a


separação entre os credos, mas os alunos matriculados sempre estarão “sujeitos à
confessionalidade da instituição” escolhida por seus pais ou responsáveis legais
(DANTAS, 2007, p. 46). Os limites desse modelo é a proximidade com a catequese
cristã e a pressuposição de que todos os alunos cultivam uma religiosidade, tenham
uma identidade confessional exclusiva ou frequentem alguma religião; isso nem
sempre ocorre se consideradas as tendências contemporâneas do pluralismo
religioso. Mesmo após a laicização do Estado, em fins do século XIX, o ensino
confessional continua presente não somente em colégios confessionais, mas
também, formal ou informalmente, nas escolas públicas brasileiras.

Por sua vez, o modelo interconfessional, também designado como “inter-


relacional” (JUNQUEIRA, 2001), articulou, inicialmente, as confissões cristãs,
incluindo, posteriormente, outras tradições religiosas, que fizeram um acordo mútuo
65

para elaboração, execução e corresponsabilidade pelo respectivo programa


curricular.

Em termos históricos, este modelo surgiu a partir do movimento


ecumênico, nos Estados do sul do Brasil após a década de 1970 e difundido para
outras regiões do país ao longo dos 1980 e década de noventa. É uma concepção
que não está mais formalmente presente na norma federal, mas quase se
consolidou na primeira versão do artigo 33 da lei nº 9.394/96, que permitia às
escolas públicas o oferecimento do ER confessional ou interconfessional.

Em tese, a proposta interconfessional não almeja catequizar o aluno ou


lecionar uma religião específica. Tem como proposta a evangelização ampla
seguindo “os valores existenciais da pessoa humana, que (...) é o sujeito e agente
de sua história, inserido em uma comunidade de fé e que dela participa e (...) deve
ser respeitado em sua consciência e em sua liberdade” (JUNQUEIRA;
NASCIMENTO, 2013, p. 235). Mesmo pressupondo que o aluno tenha uma
identidade religiosa prévia ou assumida, o objetivo a ser atingido ainda é o de fazer
seguidores. O que se quer aqui é educar a suposta religiosidade do educando,
compreendida como atitude dinâmica de abertura ao sentido radical da existência
humana.

A partir de observações concretas ocorridas na década de 1990, em


colégios católicos e redes de ensino públicas estaduais e municipais, Cruz (1997)
vai apontar as vantagens e desvantagens destes modelos. O confessional, ao
separar os alunos, impede o ecumenismo e a aprendizagem proporcionada pelo
diálogo entre as religiões – leia-se religiões cristãs. O interconfessional “evita a
discriminação entre adeptos das diversas Igrejas cristãs”, facilita “a organização do
trabalho” e auxilia no “diálogo ecumênico” (CRUZ, 1997, p. 14).

Entretanto, os riscos que se afiguram no ER interconfessional são


variados. Podemos citar o risco da intolerância cristã em relação aos adeptos de
outras religiões – como as afro-brasileiras. Também pode haver o despreparo do
professor para lidar com a diversidade de confissões religiosas, bem como a
tentativa de conversão do aluno. A subordinação dos conteúdos pedagógicos aos
interesses confessionais do professor é proselitismo, uma prática oficialmente
proibida e condenada por entidades civis e também religiosas.
66

2.2.4 Ecumênico

O ecumenismo remete ao sentido de comunhão, unidade, movimento de


abertura, diálogo e “aproximação das Igrejas cristãs, em busca da aceitação mútua,
superação das divergências, partilha do patrimônio comum e construção da unidade”
(CRUZ, 1997, p. 14). Enquanto modelo curricular para o ER visa mais as
semelhanças do que as diferenças entre as confissões cristãs (católicos, ortodoxos,
batistas, presbiterianos, luteranos, metodistas, entre outros ramos do cristianismo).
Há uma ideia de que o ecumenismo procura incentivar o diálogo com diversas
religiões; no entanto, não se trata de “mistura” ou “salada mista de religiões”, explica
Cruz; tal distinção não é consensual, nem regra aceita por todos: “Há quem aplique
o termo ecumenismo a todos os casos” (CRUZ, 1997, p. 25).

A limitação dessa vertente é justamente a ênfase na matriz confessional


cristã, fundamentada “numa teologia que a considera caminho privilegiado de
relação da pessoa com o Transcendente, e modelo para os demais credos”
(DANTAS, 2007, p. 47). Quanto a este modelo, contrapõe-se também Carlos Steil –
citado por Dantas –, que defende um projeto de ER baseado na seguinte proposta
pluralista:

Quando analisamos os currículos de Ensino Religioso das escolas


públicas podemos constatar que as religiões dominantes na
sociedade acabam impondo suas concepções. Do mesmo modo,
quando se observa a prática cotidiana da escola pública percebemos
que nem todos os grupos religiosos podem expressar, da mesma
forma, o que sentem e pensam. Inserida numa tradição científica de
caráter racionalista, a tendência da escola é de homogeneizar a
diversidade religiosa dentro de uma única ‘religião humana
purificada’ que se colocaria acima das religiões e grupos religiosos
concretos. Partindo da premissa de que não há um só Deus, igual
para todos, procura-se reduzir as diferenças a um denominador
comum. Este denominador, no entanto, geralmente se apresenta
como o ‘deus’ cristão das religiões dominantes e mais
racionalizadas. Para que se implante uma educação religiosa
pluralista é preciso que a escola se compreenda como um projeto
aberto, promotor de uma cultura de diálogo e comunicação entre os
grupos sociais e religiosos que se apresentam no seu cotidiano. O
pluralismo é real quando existe a possibilidade efetiva de
manifestação da variedade das crenças e concepções religiosas
sem restrições impostas por preconceitos e proselitismos. O Ensino
Religioso tem um compromisso com a mudança de atitude e
mentalidade de professores, administradores e alunos numa
67

perspectiva de acolhida da diversidade religiosa que aparece no


espaço escolar (STEIL apud DANTAS, 2007, p. 49-50).

2.2.5 Interreligioso (“pluralista”)

As desvantagens relacionadas ao ecumenismo dificilmente se repetiriam,


em teoria, na perspectiva interreligiosa ou “pluralista”. Dentre os modelos descritos,
ele é o “mais inclusivo” de todos, acredita Dantas (2007, p. 61), pois se aproxima da
“finalidade última da escola pública, aberta a todos, crentes e não-crentes”. Este
modelo foi concebido no sentido de “abranger as mais variadas opções e
modalidades de religiosidade, filosofias de vida, e até mesmo o agnosticismo e o
ateísmo” (DANTAS, 2007, p. 53).

Baseada no diálogo interreligioso, essa proposta visa à aproximação


entre as religiões, seja sob o ponto de vista do discurso, seja das práticas de cada
congregação, com vistas ao convívio pacífico e à solução dos problemas que
afligem a humanidade (SANCHEZ, 2010). Ela não pressupõe, portanto, que o aluno
se identifique com algum “credo” ou que pertença a uma instituição religiosa.
Baseia-se em categorias antropológicas de transcendência e alteridade, nutrindo um
diálogo com a antropologia cultural, psicologia, fenomenologia e sociologia da
religião. Para estas disciplinas o sentimento religioso e a sua institucionalização
“são expressão e sistematização das necessidades de grupos humanos,
concepções de sagrado e percepção de mundo, em determinadas épocas e
contextos históricos” (DANTAS, 2007, p. 54). Segundo Steil, o ER pautado na visão
pluralista

[...] deve apresentar uma visão positiva da diversidade religiosa,


situando-a como parte de um contexto democrático onde a liberdade
de pensamento e de credo pode se expressar. Neste sentido, deve
estimular o diálogo e a interação entre os alunos de diferentes
tradições religiosas, buscando superar os preconceitos e revelar
seus pontos de convergência. Uma perspectiva histórica e
sociológica das religiões pode ser importante para desvendar as
razões de muitos conflitos que dividem grupos e pessoas. Muitos
preconceitos e discriminações estão relacionados com fatos
históricos que, uma vez analisados, permitiriam construir uma outra
imagem dos grupos e pessoas que estão diretamente relacionados a
68

eles. A educação religiosa deve buscar ainda internalizar nos alunos


uma ética de ação e de comportamento dentro de um mundo
plurirreligioso. Uma ética que deve se traduzir em práticas e atitudes
apropriadas para uma convivência humana numa sociedade
pluralista. Ou seja: que os impulsionem a comportar-se
responsavelmente no meio cultural democrático que se apresenta
em consonância com a afirmação da liberdade religiosa e respeito a
outras religiões diferentes da sua (STEIL apud DANTAS, 2007, p.
54-55).

Apesar das pretensões acima, o modelo interreligioso, cujo formato


defende a existência de um suposto “denominador comum” entre as religiões, foi
criticado pela educadora Roseli Fischmann. A proposta deste ensino,

[...] dê-se a ele que nome for, traz consigo riscos de muitas violações
de direitos. Por exemplo, a afirmação frequente nesses casos de
que a divindade “é sempre a mesma”, esconde uma ânsia, ainda
que inconsciente, de submeter o outro a certa visão de fé, que não é
necessariamente a dele (FISCHMANN, 2004; aspas no original).56

2.2.6 Ciências da religião

Da mesma maneira que a concepção pluralista, as vertentes baseadas


na fenomenologia e nas ciências da religião apresentam-se como concepções
divergentes das modalidades de ER mais próximas do ideário religioso. “É bem
diferente da doutrinação. Estamos falando de uma proposta científica avançada”,
explica Afonso Ligorio Soares, ex-professor do Departamento de Ciência da
Religião da PUC-SP.57

Em razão da complexidade dos temas abordados, a descrição e análise


dos fenômenos religiosos requerem a adoção de “um conjunto sinérgico de saberes
e procedimentos intelectuais e técnicos” (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013, p.
249), que tratem a religião enquanto objeto de investigação filosófica, teológica,
histórica, antropológica e sociológica. Segundo o esquema comparativo
desenvolvido por Passos (2007, p. 54), o ER orientado pelas ciências da religião
56
Reportagem sem paginação. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/200407/reportagens/09.shtml>. Acessos em: 2015; 2016.
57
Trecho de entrevista publicada na reportagem “Jesus vai à escola”, Época, 1º de setembro de 2008
(ARANHA; MENDONÇA, 2008, p. 112).
69

“fornece referências teóricas e metodológicas para o estudo e o ensino da religião


como disciplina autônoma e plenamente inserida nos currículos escolares”.

Para escapar das armadilhas da catequese, do confessionalismo e do


proselitismo, os especialistas deste campo defendem que o modelo das ciências da
religião58 é o “mais ideal” e habilitado a sustentar a autonomia epistemológica do ER.
Consideram as ciências da religião enquanto área do conhecimento “construída em
seus princípios e métodos, dentro da tradição das ciências modernas”
(MENEGHETTI, 2003, p. 94), detentora de uma episteme própria e compatível com
a educação laica. Apesar do caráter científico que lhe é atribuído, os especialistas
da área reclamam que o ER ainda não foi assimilado pelos sistemas oficiais de
ensino.

É nesse campo do saber que se devem procurar, aconselham os


cientistas da religião, os objetivos orientadores, o vocabulário e os conteúdos do ER.
Reconhecem a “a religiosidade e a religião como dados antropológicos e
socioculturais” (PASSOS, 2007, p. 65) a serem abordados nos sistemas de ensino,
mas submetidos às mesmas regras ou exigências das demais disciplinas escolares.
Isso permitiria afastar o ER da disputa entre as instituições da Igreja e do Estado,
rompendo, desse modo, com as estruturas eclesiásticas ou confessionais. Propõe-
se uma “visão transreligiosa”, que transcenda as “religiões particulares”, em busca
de uma “visão ampla capaz de abarcar a diversidade e, ao mesmo tempo, captar a
singularidade que caracteriza o fenômeno enquanto tal” (PASSOS, 2007, p. 66).

A proposta em torno do ER cientificamente neutro, tendo as ciências da


religião como modelo epistemológico, é quase hegemônica no âmbito acadêmico

58
Será adotado, neste trabalho, o termo “ciências da religião”, pois trata-se de uma nomenclatura
usada para definir um dos modelos aqui apresentados (PASSOS, 2007, p. 64-67). Existem outros
termos em uso. Quem opta pela “ciência da religião” tende a pressupor a existência de um método
científico para um objeto unitário. Quem opta pelas “ciências das religiões” o faz por estar convencido
tanto do pluralismo metodológico quanto do pluralismo do objeto, cuja estrutura é dinâmica e aberta.
“Entre estes dois termos encontramos duas soluções intermediárias: os que falam de ciência das
religiões ou, pelo contrário, os que preferem falar de ciências da religião” (FILORAMO; PRANDI,
1999, p. 12). No Brasil, a maioria dos cursos de bacharelado, licenciatura plena e pós-graduação,
emprega a nomenclatura “ciências da religião”, ao passo que outros docentes de universidades
públicas e Instituições de Ensino Superior confessionais defendem a “ciência da religião”, no singular,
como área autônoma e modelo de referência para o ER. A propósito da institucionalização desse
campo disciplinar em países da Europa, em especial na Alemanha, ver Frank Usarski (2007; 2013).
Para o caso brasileiro, confiram as publicações de Teixeira (2007), Camurça (2008), Soares (2010) e
Rodrigues (2013).
70

atual, presente nas centenas de publicações especializadas e assim estimulada pelo


protagonismo de várias entidades e Instituições de Ensino Superior.59 Enquanto voz
dissonante, Becker manifesta-se veementemente contrário às ciências da religião
como área de referência para o ER. Ele considera impossível, ao professor e
pesquisador, abstrair-se do “envolvimento pessoal” com a disciplina de ER (2010, p.
295-296).

Para ele, o “modelo interteológico”, também chamado de “modelo inter-


religioso”, “autêntico”, indica a possibilidade do ER ser tematizado sob o ponto de
vista “das próprias religiões” e “responsabilizado por teólogos, membros das próprias
religiões que conhecem e valorizam sua religião” (BECKER, 2010, p. 291). Contudo,
ele próprio reconhece a impossibilidade de efetivação deste formato interreligioso;
afinal, não existem, no Brasil, docentes-teólogos para todas as matrizes religiosas –
africanas, indígenas e orientais – em número e qualidade suficientes para compor
um colegiado interteológico.

2.2.7 Fenomenológico

A abordagem fenomenológica tem como ponto de partida o fenômeno


religioso presente na sociedade e todas as ciências humanas lhe servem de
referência (JUNQUEIRA, 2001). No vocabulário das ciências humanas, fenômeno é
o que “torna manifesta uma realidade não diretamente perceptível, à qual se chega,
porém, através de suas expressões ou sinais” (CATÃO, 1995, p. 17). Parte do
subtítulo desta tese, o termo fenômeno religioso designa exatamente as
manifestações religiosas da religião. A concepção fenomenológica

[...] reconhece o valor histórico-social e cultural da religião, assim


como o traço simbólico que confere aos sujeitos religiosos
dispositivos para a vivência da religião, pragmática e
ontologicamente, promovendo entre os educandos o conhecimento
necessário para o fortalecimento de noções como o reconhecimento

59
Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) e outras instituições de ensino confessionais;
universidades públicas federais e estaduais, que oferecem cursos de ciências da religião, algumas
com a oferta de licenciaturas em ER (Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade
Federal de Sergipe (UFS), Universidade Estadual do Pará (UEPA), Universidade Federal da Paraíba,
etc., entre outras instituições públicas).
71

da alteridade e o respeito pela diferença (RODRIGUES, 2013, p.


231).

A proposta de ER baseada na fenomenologia da religião foi difundida a


partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso-
PCNER (FONAPER, 2009). Este documento foi originalmente elaborado em 1995,
entregue ao Ministério da Educação (MEC) um ano depois, mas não
institucionalizado, nem integrado às diretrizes oficiais que orientam as disciplinas da
educação básica. Há nos PCNER uma tentativa de conferir “certo grau de
cientificidade” ao ER, porém seus conteúdos situam-se nos limites do ecumenismo
católico, avalia Tania Amaral (cf. DERISSO, 2006, p. 11; 102).

Numa orientação programática que também procura se distanciar do ER


confessional, catequético e teológico, os parâmetros do Fonaper reúnem cinco
blocos temáticos sintetizados abaixo:

a) Culturas e tradições religiosas: aspectos relacionados à função e


valores da tradição religiosa; relação entre tradição religiosa e
ética; existência histórica e destinação humana nas diferentes
culturas, etc.;
b) Escrituras Sagradas e/ou tradições Orais: registros escritos ou
orais; narrativas sagradas e seus contextos culturais;
c) Teologias: conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados
pelas tradições religiosas, seja a respeito das “divindades”,
“verdades de fé” ou sobre “vida além da morte” (ressurreição,
reencarnação, ancestralidade ou nada após a morte);
d) Ritos: celebrações rituais, seus símbolos e espiritualidades;
e) Ethos: conjunto de valores éticos que orienta a conduta e o
comportamento dos fiéis pertencentes a uma determinada
comunidade religiosa.

Essa proposta do Fonaper (2009, p. 49-63), na qual o “Transcendente” é


o objeto de estudo do ER – defendido como “um só [mas] com muitos nomes”
(FONAPER, 2000, p. 46) – têm sido uma das principais referências para os autores
de livros didáticos e cadernos pedagógicos de ER distribuídos por órgãos oficiais de
72

ensino. Além de influenciar nas definições de conteúdos e programas de ER em


diferentes regiões do país, o paradigma fenomenológico é perceptível, inclusive, nos
marcos legais de alguns Estados brasileiros. Por exemplo, a Resolução nº
197/2004, sancionada pelo governo estadual da Paraíba, afirma que o ER objetiva a
“compreensão do fenômeno religioso, presente nas diversas culturas e
sistematizado em Tradições Religiosas (...)”.60

No Decreto nº 3.882/2005, do Estado de Santa Catarina, entende-se


como objetivo do ER “possibilitar ao educando o conhecimento das diversas
culturas e tradições religiosas para maior abertura e compromisso consigo mesmo,
com o outro, com o mundo e com o transcendente (...)”.61 Essa divulgação da
concepção fonaperiana de “Transcendência” também ocorre em fóruns regionais e
nacionais, congressos, seminários, cursos de formação continuada de professores,
boletins e outras publicações.

Os pressupostos defendidos pelo Fonaper para a identidade do ER são


abrangentes do ponto de vista de uma educação que defende a abordagem da
diversidade religiosa brasileira. Entretanto, seu objeto – o “Transcendente” – é posto
de forma inequívoca, que implica o dado da fé, tal como vimos noutros modelos
descritos. Esperar que o educando, em sala de aula, seja um crente, e não um
cidadão, pode ser interpretado como um retorno à confessionalidade anteriormente
combatida.

A complexidade do fenômeno religioso tem revelado novas formas de


espiritualidade e vínculos religiosos cada vez mais individuais, autonomizados e
menos institucionalizados. O pressuposto em torno do “Transcendente” enquanto
um dado prévio “precisaria ser relativizado” (DANTAS, 2007), pois desconsidera as
atuais demandas e características do cenário social e religioso. A complexidade do
contexto contemporâneo ultrapassa os códigos, símbolos e discursos institucionais,

60
Resolução completa disponível no acervo online do GPER (Grupo de Pesquisa Educação e
Religião). Ver: <http://www.gper.com.br/biblioteca_download.php?arquivoId=112>. Acessos em: 2015;
2016.
61
Ver: SANTA CATARINA (Estado). Decreto nº 3.882, de 28 de dezembro de 2005. Regulamenta o
Ensino Religioso nas escolas de Ensino Fundamental da rede pública estadual. Disponível em:
<http://www.edulaica.net.br/uploads/arquivo/sc_decreto_n_3882_2005.pdf.>. Acesso em: nov.2014.
73

o que não quer dizer que tais aspectos – menos institucionalizados – não exerçam
alguma influência na sociedade.

2.2.8 Transconfessional e transreligioso

Além dos modelos descritos, existem outras concepções decorrentes de


pesquisas acadêmicas como a realizada por Marislei Espíndula Brasileiro (2010),
que propõe o modelo “transconfessional”. Esta modalidade de ensino-aprendizagem
visa ultrapassar os aspectos confessionais de cada religião, mas, ainda assim,
mantém-se presa ao termo confessional (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013).
Maria Cristina Lima (2003) aponta a necessidade de uma nova
“fisionomia” para o ER, que permita superar a confessionalidade e não exija a
pertença do aluno a nenhum “credo”. A esta “categoria” de ER, denominou
“transreligiosidade”, cuja construção recorre à leitura sociológica da condição pós-
moderna, reflexo da desregulamentação das identidades religiosas, da não-
linearidade entre elas, da descontinuidade, diferença, pluralismo religioso e
necessidade do diálogo, “marcas da Pós-modernidade” (LIMA, 2003, p. 69).
Essa perspectiva trans instaura a dúvida, aponta para a perda das
certezas postas pelas religiões hegemônicas, as “únicas depositárias da Salvação”
(LIMA, 2003, p.70). Ela não visa, contudo, o fim das narrativas religiosas, mas
descarta o caráter totalizante de tradições religiosas que querem “sequestrar o
inefável mistério de Deus, tentando reduzi-lo aos seus limites históricos e culturais”
(LIMA, 2003, p.70). Nos termos da própria autora:

As dimensões do homem religioso que o Ensino Religioso


Transreligioso inclui são a confiança no Transcendente, o sentido de
missão a realizar-se na relação com os outros, a compreensão da
vida como manifestação do Sagrado, o equilíbrio entre valores
materiais e altruístas de solidariedade e partilha, uma visão positiva
diante dos acontecimentos estressantes da existência humana, como
o sofrimento e a morte, uma visão positiva do mundo, apesar de
todas as suas negatividades, a violência, a fome, a exploração
capitalista dos fortes aos mais fracos (LIMA, 2003, p.73).

Ainda que ambicione superar as dimensões da confessionalidade, das


narrativas totalizantes, das verdades religiosas e os pressupostos que acompanham
74

esta visão, Lima mantém-se presa a determinados pilares defendidos pelas


confissões religiosas que ocupam uma posição hegemônica na sociedade brasileira.
Poderíamos citar, dentre eles, a religião enquanto dimensão do “homem religioso”; a
confiança na transcendência, que pode remeter-nos à ideia de fé explicitada pelo
sujeito religioso; a vida como manifestação do sagrado (com “s” maiúsculo); e a
evocação a certos valores – solidariedade, partilha, altruísmo etc. – que podem ser
relacionados ao universo cristão, mas que não obrigatoriamente se repetem em
outras religiões populares existentes no Brasil.

2.2.9 História das religiões

Esta última vertente – uma alternativa laica quando comparada com


algumas propostas descritas – é pouco explicitada na literatura especializada e
raramente mencionada por teólogos, cientistas da religião e os que defendem uma
orientação mais fenomenológica para o ER.
A abordagem histórica baseia-se no estudo dos fenômenos religiosos
compreendidos a partir dos seus próprios contextos socioculturais. Ela tem como
ênfase as “ideias, crenças, comportamentos, literatura, arte e instituições que hoje
chamamos de religiosos” (SILVA, 2003, p. 208). Aplicada ao ER, objetiva “ensinar
religiões (e não uma religião) na Escola”, não “para defesa de uma delas, em
detrimento de outras, mas discutindo-se princípios, valores, diferenças e tendo em
vista – sempre – a compreensão do outro” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 8).
Ao abster-se de “juízos de valor (ou de fé)”, o estudo histórico da religião
tem como princípio básico o “autocontrole científico”, ou o “agnosticismo
metodológico”, e não deve ser pautada “pelos termos do discurso que a religião
elabora sobre si mesma” (MATA, 2010, p. 18).62 Portanto, uma noção científica e
acadêmica de religião

[...] não pode atender compromissos religiosos específicos, nem ter


definições vagas ou ambíguas como, por exemplo, definir “religião”
como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões de
mundo” fossem religiosas. [...] Outras definições são muito
restritivas: a definição “acreditar em Deus” deixa de fora todos os

62
Para Eduardo Basto de Albuquerque: “Fazer História das Religiões não é fácil, porque exige a
disposição de manter certo afastamento, se é possível isso ser feito!” (2004, p. 61).
75

politeísmos e o Budismo, enquanto a crença numa realidade


sobrenatural ou transcendental também não satisfaz, por não ser
comum a todas as culturas religiosas (SILVA; KARNAL, 2002a, p.
18; aspas no original).

Para fins de análise, a seguinte definição de religião tem sido a mais


aceita pelos estudiosos deste fenômeno histórico, social e cultural, de acordo com
Silva e Karnal: “religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres
sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos” (2002a,p. 19;
itálicos no original). Necessário sublinhar, contudo, que existem culturas ou
civilizações (a hindu, por exemplo) onde inexistem o termo “religião”, porém existem
manifestações que no mundo ocidental seriam designadas como “religiosas” – tema
do capítulo seguinte.
A noção teórica de religião depositada na crença em “seres sobre-
humanos” parece-nos muito restritiva. Não são todas as culturas religiosas que
interagem com mundos sobrenaturais ou que creem na existência de um “Deus”,
como se verifica nas religiões ditas universais. Daí a orientação segundo a qual a
análise do fenômeno religioso deve considerar o ponto de vista

[...] da História Cultural que tem, na definição básica do historiador


Roger Chartier, o objetivo central de identificar a maneira através da
qual, em diferentes tempos e lugares, uma determinada realidade
social é construída, pensada e lida (SILVA; KARNAL, 2002b, p. 13).

Recomenda-se, aos educadores e professores preocupados com a


intolerância religiosa, a abertura para o diálogo, respeito e compreensão mútua da
alteridade

[...] atrás de seus véus e templos, rituais e orações. Entender


aspectos e a originalidade das religiões, as formas de mobilização e
como se situam no tempo e no espaço, é tarefa urgente dos
professores e educadores preocupados com a tolerância
fundamental para o respeito em favor da Pedagogia, integrando-as
aos novos programas escolares (SILVA, 2003, p. 216).

Se algumas formulações de ER têm a transcendência enquanto objeto de


estudo do ER e elemento indispensável da educação integral do cidadão, o mesmo
jamais pode ser dito em relação à perspectiva histórico-cultural das religiões. Disto
76

decorre a oposição de alguns autores e militantes, entre os quais Viviane Cristina


Cândido63, para quem o ER, além de contemplar o aspecto histórico das religiões,
deveria “trazer um conhecimento e, ao mesmo tempo, a necessária reflexão sobre o
sentido da vida” (CÂNDIDO, 2008, p. 265). Em texto semelhante, embora não
mencione a história, a antropologia ou a sociologia da religião, Fernando Henrique
Cavalcante de Oliveira acredita que o “fenômeno religioso não pode ser reduzido a
um fato cultural” (2011, p. 161), enquadrado em campos específicos, como as
ciências ou filosofia da religião. Há, segundo ele, “uma experiência com o sagrado,
um universo espiritual, que essas ciências não abarcam” (OLIVEIRA, 2011, p. 161).

De fato, não são todas as áreas das ciências humanas que estão
interessadas, ou preocupadas, em fornecer respostas para certas perguntas – “de
onde viemos?”, “para onde vamos?” ou “qual o futuro da humanidade?”. Essas
interrogações estão associadas ao universo das religiões. Daí advém a recepção
crítica à proposta de ER mais laicizada que se tentou implantar nas escolas públicas
da rede estadual paulista – esta observação será discutida com mais
aprofundamento no quinto capítulo.

2.3 Modelos impuros e ambiguidade conceitual

As regulamentações do ER nos Estados brasileiros reproduzem


trechos das normatizações federais, reiterando que o ER é parte da formação
integral do educando, devendo ser inserido nos horários normais das escolas e
garantir o direito à liberdade de consciência e de crença do aluno. Ainda reafirmam o
respeito à diversidade cultural e religiosa que, em termos legais, impediria a
influência das confissões hegemônicas no interior das redes públicas de ensino. 64

Vimos que o ER possui uma variedade de modelos surgidos no decorrer


da sua trajetória enquanto área específica. Entretanto, há uma falta de unanimidade

63
Cientista da religião, ex-Assessora de Ensino Religioso da Associação de Educação Católica de
São Paulo (AEC/SP).
64
Decerto, as denominações religiosas minoritárias – em especial, os grupos evangélicos – também
querem exercer alguma influência no espaço público das escolas, seja por meio da participação na
seleção e execução dos conteúdos de ER, seja na escolha dos responsáveis pelo desenvolvimento
destes conteúdos.
77

em torno deles, sendo isto um reflexo da “história dessa disciplina (...) dependente
da ideologia religiosa católica e de conjuntura políticas dominantes, até meados do
século XX” (DANTAS, 2007, p. 60). Além disso, “legislações de ensino antagônicas
se alternam e até convivem, não sem conflitos, num mesmo momento histórico ou
espaço físico, o que não é exclusividade do Ensino Religioso” (DANTAS, 2007, p.
60).

Os dispositivos jurídicos nem sempre auxiliam na apreensão do “caráter”


do ER escolhido pelas redes oficiais de ensino. Faltam estudos sobre a aplicação
dos marcos legais do ER nessas redes, que forneçam uma classificação mais
segura do ponto de vista empírico e classificatório. A legislação vigente nos Estados
da federação, e provavelmente no interior dos municípios brasileiros, não explicita
textualmente a modalidade de ER a ser implementada em suas escolas públicas.65
Poucos foram os Estados que procuraram defini-la, textualmente, através de leis,
decretos, resoluções etc. Este é o caso de São Paulo, que sancionou o Decreto nº
46.802/2002, no qual o ER tem caráter supraconfessional.

Na Bahia foi instituído, por meio da lei nº 7.945/2001, o ensino


“confessional pluralista”. A Portaria nº. 1.128/2010, da Secretaria Estadual de
Educação, reorganizou a matriz curricular do Estado e a “Educação Religiosa” foi
desdobrada “em atividades” desenvolvidas conforme o Projeto Político Pedagógico
das escolas. Essas atividades não preveem notas ou conceitos para efeito de
promoção do aluno e devem observar o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil.66 Na Paraíba, o ER caracteriza-se através da Resolução nº 197/2004,

[...] como Educação Religiosa Escolar, tem caráter interconfessional,


distinto da catequese, tanto nos seus objetivos como no seu
conteúdo, devendo assegurar o respeito e tolerância à diversidade
cultural-religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.67
65
Existem alguns mapeamentos das legislações nacionais e estaduais que procuraram classificar os
modelos de ER (JUNQUEIRA; NASCIMENTO, 2013; DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010; XIMENES,
2009; GIUMBELLI, 2007). Não nos coube, neste trabalho, realizar a mesma classificação, sendo
preferível deter-se na nomenclatura explicitada nas legislações consultadas.
66
Ver<http://www.sec.ba.gov.br/jp2011/legislacao/PORTARIA_N__1.128_de_janeiro_de_2010.pdf>.
Acesso em 12 nov. 2014.
67
PARAÍBA (Estado).Resolução nº 197/2004, de 3 de junho de 2004.Regulamenta a oferta do ensino
religioso nas escolas públicas do ensino fundamental do estado da Paraíba e dá outras providências.
78

No Espírito Santo, o ER foi disponibilizado e regulamentado pela lei nº


7.193/2002,
[...] na forma confessional, de acordo com as preferências
manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de
16 (dezesseis) anos, inclusive, assegurando o respeito à diversidade
cultural e religiosa do Espírito Santo, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.68

Essa escolha pelo ensino confessional, normatizada em 2002, teve outra


compreensão após o Decreto nº 1.736-R/2006, que reconheceu, em artigo primeiro,
o Conselho de Ensino Religioso do Estado do Espírito Santo (Coneres) como
entidade civil representativa das diversas organizações religiosas do Estado para o
ER. Compete-lhe a elaboração dos programas curriculares e o credenciamento dos
professores de ER – de caráter interconfessional – que lecionam nas escolas da
rede pública estadual.69

Em Pernambuco, a Resolução CEE/PE Nº 5/2006 definiu que a oferta de


ER nas escolas públicas estaduais,

[...] tem como objeto a compreensão do fenômeno religioso presente


historicamente nas civilizações e culturas, expresso em
manifestações religiosas [e] terá caráter interconfessional e
expressará a diversidade cultural-religiosa da sociedade brasileira,
distinguindo-se da “doutrinação”, nos conteúdos e nos objetivos,
excluindo qualquer conteúdo, linha ou forma de proselitismo,
garantindo o respeito às crenças de cada indivíduo e o direito
subjetivo de não professar qualquer credo religioso.70

Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:66-


tQ2Fpf_AJ:www.gper.com.br/biblioteca_download.php%3FarquivoId%3D112+&cd=1&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: nov.2014.
68
ESPÍRITO SANTO (Estado). Lei Estadual nº 7.193, de 25 de junho de 2002. Dispõe sobre ensino
religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do Estado do Espírito Santo. Disponível
em: <http://www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/images/leis/html/LO%207193.html>. Acesso em:
nov.2014.
69
ESPÍRITO SANTO (Estado). Decreto nº 1736-R, de 26 de setembro de 2006. Dispõe sobre a oferta
da disciplina do Ensino Religioso nas escolas públicas Estaduais do ES. Disponível em:
<http://www.gper.com.br/biblioteca_download.php?arquivoId=147>. Acesso em: nov.2014.
70
PERNAMBUCO (Estado). Resolução CEE/PE nº 5, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre a oferta
de ensino religioso nas escolas públicas integrantes do Sistema de Ensino do Estado de
Pernambuco, regulamenta os procedimentos para a definição dos conteúdos e as normas para
habilitação e admissão dos professores e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.cee.pe.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/RESOLU%C3%87%C3%83O-CEE-PE-
N%C2%BA-05-2006.pdf>. Acesso em: nov.2014.
79

Em relação às modalidades de ER confessional, interconfessional ou


supraconfessional, expressas nos dispositivos destacados, nota-se uma
“ambiguidade conceitual” nesses paradigmas, pois “todo ensino interconfessional é
também confessional em seus fundamentos” (DINIZ E LIONÇO, 2010b, p. 14). A
diferença entre eles estaria na amplitude da confessionalidade. O confessional
assemelha-se à educação religiosa praticada nos templos ou igrejas, não prevê
acordo inter-religioso, sendo ministrado por representantes religiosos credenciados
por suas respectivas confissões. A perspectiva interconfessional, embora preserve o
sentido da confessionalidade, “partiria de consensos entre as religiões, uma
estratégia educacional mais facilmente posta em prática pelas religiões cristãs (...)”
(DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 14-15).
Por mais científicas que sejam certas propostas pedagógicas, elas
permanecem vinculadas às denominações religiosas e/ou elaboradas a partir de um
viés confessional. Luzia Sena (2007, p. 92) recorda que “não há teologia
aconfessional ou supraconfessional”, pois “a Teologia sistematiza experiências
religiosas e orienta o modo como os adeptos de uma denominação religiosa devem
crer e agir na organização de suas vidas”.

Ainda assim, o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto


jurídico da Igreja Católica no Brasil, promulgado através do Decreto nº 7.107/2010,
reafirma o confessionalismo.71 No parágrafo único do artigo 11, consta:

O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de


matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a
Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação.72

71
Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em tramitação junto à Procuradoria Geral da
República, “instando o Supremo Tribunal Federal a se pronunciar sobre a legitimidade do modelo
confessional” (GIUMBELLI, 2011, p. 262). Em outubro de 2015, mais de trinta entidades religiosas ou
ligadas à educação participaram da audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso
(STF), na qual se debateu a constitucionalidade ou não de se incluir o “ensino confessional católico e
de outras confissões” no quadro das disciplinas das escolas da rede pública.
72
Sobre o Acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja
Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, ver:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7107.htm. Acesso em: ago.2016.
80

Esse acordo, ao apontar para que o ER respeite a identidade religiosa do


aluno, abre espaço para que haja, na escola pública, diferentes “ensinos religiosos”.
A manutenção da confessionalidade, além de comprometer o princípio da laicidade
do Estado brasileiro, apresenta dificuldades de sustentação em sua prática. Este é o
caso do Rio de Janeiro, que multiplicou o número de professores então contratados
para ministrar a mesma disciplina.73 Aprovados em concurso público realizado em
2004, os professores de ER tinham que ser credenciados pela autoridade religiosa
competente e ter formação religiosa obtida em alguma instituição por ela mantida ou
reconhecida. Católicos e evangélicos foram os mais beneficiados com essa
medida.74

Além de causar embaraços entre gestores escolares e professores-


religiosos, o caráter confessional adotado no Rio impôs novas demandas para as
escolas públicas estaduais. Após a regulamentação da lei estadual nº 3.459/2000,
as escolas são obrigadas a oferecerem atividades alternativas aos alunos que
rejeitarem as “aulas de religião”. Mesmo procurando “garantir um espaço de
intervenção na sociedade (que toca na socialização de crianças e jovens)”, num
momento em que a presença católica “se vê ameaçada por outras referências,
inclusive religiosa” (GIUMBELLI, 2004, p. 11), é possível afirmar que o modelo
“conservador” instaurado no Rio de Janeiro tornou-se um corpo estranho no interior
de suas escolas públicas.

Como vimos até aqui, dispomos de muitas informações sobre as


definições legais do ER ao longo da sua historicidade na educação brasileira, no
entanto, “quase nada conhecemos sobre as condições concretas, no passado e no
presente, do ensino religioso em cada uma das escolas” (GIUMBELLI, 2004, p. 60).
Como já destacado nos poucos estudos realizados nas ciências sociais, a realidade
pode contrastar com as normatizações legais. “As práticas confessionais e
proselitistas persistem apesar da lei e das propostas curriculares definirem a
necessidade de uma educação religiosa pluralista” (RANQUETAT, 2008, p. 302).

73
A adoção do modelo confessional nas escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro foi sancionada
após a lei nº 3.459/2000.
74
“Das quinhentas vagas disponíveis, trezentos e quarenta e duas foram destinadas aos professores
“católicos”, cento e trinta aos “evangélicos” e vinte e seis aos “outros credos” (MIRANDA; MAIA, 2014,
p. 85).
81

Expostas as características principais das concepções teóricas de ER,


convém verificar se elas têm alguma ressonância para além do quadro jurídico
brasileiro. Pretende-se, nos próximos capítulos, verificar se os modelos de ER estão
refletidos na produção de livros escolares e nas aulas de ER observadas em
escolas públicas paulistas. O objetivo é compreender se o material didático e a
prática docente se aproximam do modelo confessional, se dialogam com os eixos
temáticos do Fonaper (2009), com as ciências ou história das religiões ou se
mesclam estas referências. Também procura observar se, tanto os autores de livros
de ER, quanto os professores desta disciplina, reeditam a ambiguidade entre os
modelos ou se buscam uma configuração conceitual mais precisa.

No caso dos livros didáticos examinados no próximo capítulo, será que


eles reforçam o vínculo religião-confissão ou se espelham na atual legislação
propondo novas formas de abordagem do fenômeno religioso em sala de aula? O
principal intuito é perseguir os diferentes sentidos atribuídos à noção de “religião”
presentes no material empírico e bibliográfico e verificar qual é o tratamento
conferido às religiões de matriz afro-brasileira.
82

CAPÍTULO 3

PELOS MARES DA RELIGIÃO:


O ENSINO RELIGIOSO VISTO A PARTIR DOS LIVROS ESCOLARES

A concretude ou materialidade do livro didático, ou manual escolar,


enquanto objeto material, bem como a função pedagógica que exerce no processo
de ensino-aprendizagem, não se constituem como tópicos centrais deste capítulo.
Também deixaremos para outros especialistas interessados neste campo
inexplorado, a tarefa de investigação relativa à compreensão cognitivo-escolar do
tema “religião” – isto é, o momento em que se constrói a primeira imagem, positiva
ou negativa, sobre o fenômeno religioso e suas variações socioculturais.

Sem desfazer a relevância desse enquadramento analítico mais afeito às


ciências da educação e suas práticas de ensino, interessam aqui os aspectos
conceituais relacionados ao ensino das (e sobre as) religiões.75Para isso, foi
analisada uma amostragem de livros didáticos de ER publicada entre 2009 e 2011
pelas editoras Ática, Vozes, Moderna, Paulinas, Editora do Brasil, entre outras. A
análise deste material manteve a estratégia utilizada em outro trabalho.76 O método
consistiu em capturar, numa determinada unidade, capítulo, tema ou seção, que
subdividem internamente os livros didáticos reunidos, a maneira como seus autores
ou organizadores conceituam a noção teórica de “religião” e outros termos
derivados ou indexados nesta definição primeira, tais como fé, crença e
religiosidade. Procuramos verificar se os produtores dessas fontes didáticas
dirigidas ao ER tendem a enfatizar a “essência” das religiões (os pontos em comum
nas manifestações religiosas) ou a estrutura delas a fim de descrever os
fenômenos convencionalmente associados à esfera da Religião, em particular, e
das religiões de modo geral.
75
Este capítulo discute alguns pontos debatidos durante o evento A Rede do Livro – VIII Edição do
Fórum de Editoração (USP, 2012), onde acadêmicos e editores abordaram os mecanismos de
produção editorial, seus diversos gêneros, etapas da produção, uso e difusão. Uma das mesas tratou
das “Editoras na sala de aula: livros didáticos e paradidáticos”, na qual pesquisadores e editores
analisaram o funcionamento e a divulgação dos livros escolares direcionado a professores e
estudantes, além da influência, avanços e restrições impostas pelos editais do Governo Federal na
produção do livro escolar.
76
Refiro-me ao artigo onde abordo a intersecção entre corpo e religião em livros escolares de ER,
parte deles compõe a amostragem de títulos presentes neste capítulo. Ver Santos e Rigoni (2015).
83

Cabe recordar que foi Mircea Eliade, em O sagrado e o profano, quem


constatou a existência de orientações metodológicas divergentes, porém
complementares, na investigação dos fenômenos religiosos: alguns historiadores
(mas, também, sociólogos e antropólogos) concentram-se nos estudos das
estruturas específicas do fenômeno – a essência da religião. Outros, interessados
preferencialmente no contexto histórico desses fenômenos, “trabalham por decifrar
e apresentar sua história” (ELIADE, 2008, p. 13).

A religião enquanto fenômeno histórico e sociocultural é um tema


privilegiado para os produtores de materiais didáticos de ER, cujos projetos
editoriais almejam sistematizar as diferentes religiões coexistentes no mundo.
Contudo, apesar da centralidade que ocupa no processo de transposição didática
de uma disciplina escolar qualquer, o livro didático pode apresentar defasagens e
atrasos em relação às transformações do saber científico (MORAND, 2012). Dessa
forma, os conceitos cristalizados em livros escolares encontram-se muitas vezes
desatualizados, o que acarreta, entre os professores, uma postura interpretativa
que não leva em consideração as transformações do real (ZAMBONI, 1998).

Especialmente no campo de estudos das religiões existe uma vasta


literatura, não apenas antropológica, que tem procurado repensar o conceito de
religião (DERRIDA; 2000; GEERTZ, 2001; BURYTI, 2001; POMPA, 2008; ASAD,
2010; ALMEIDA, 2010; entre outros). No entanto, parece pouco provável que este
“repensando a religião” (nome de coletânea de escritos acadêmicos da editora
Paulinas) tenha ressonância imediata nos livros didáticos de ER, pois, como
descrito adiante, seus autores e organizadores tendem a reproduzir, de modo
acrítico, o pressuposto universalista e a-histórico de que existem “verdades em
toda parte – e o divino se manifesta entre todos os povos”.77

Importante ressalvar que, atualmente, os livros didáticos de ER não são


avaliados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), nem distribuídos para
as escolas públicas do país. Mas, será que eles estarão em uso nas redes públicas
de ensino nos próximos anos? Há um episódio, ainda pouco conhecido, sobre a
trajetória recente do ER: além da Concordata Brasil-Santa Sé, mencionada no
primeiro capítulo, encerrou-se, em 15 de março de 2016, a consulta pública da

77
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, Apresentação, vol. 1 (Vidas), p. 3; itálico no original.
84

“versão preliminar” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 78. Esta Base
poderá valer, segundo palavras do ex-ministro da Educação (MEC), Renato Janine
Ribeiro, para todas as escolas do país.

Pela primeira vez, após efetiva participação do FONAPER, o ER está


incluído neste processo que irá resultar em uma nova BNCC, cuja previsão está
programada vigorar após 2018.79Uma vez analisado pelo já mencionado CNE
(Conselho Nacional de Educação), reencaminhado ao MEC e contabilizadas as
opiniões das “várias comunidades de pesquisadores e docentes e também da
sociedade como um todo” (RIBEIRO, 2015, p. 2), o ER poderá ter, pela primeira vez
em sua história, uma diretriz oficial para os nove anos do ensino fundamental.80

Caso isto ocorra, contrariando a militância do “Grupo do Não” (CÂNDIDO,


2007) – movimentos sociais e educacionais contrários ao oferecimento obrigatório
do ER facultativo em escolas públicas –, os livros didáticos dessa disciplina decerto
participarão dos editais públicos dos órgãos oficiais de educação. Dentre estes
editais destaca-se o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), onde serão
avaliados, aprovados ou reprovados, posteriormente distribuídos e adotados nas
redes oficiais de ensino.

Embora os livros didáticos analisados nesta pesquisa não tenham


chegado (ainda) até as redes públicas de ensino, contemplar sua formulação,
estrutura e conteúdo, é relevante, considerando-se o lugar privilegiado que este

78
Documento não analisado nesta pesquisa. Aguarda-se tanto sua aprovação e/ou reprovação pelo
MEC, bem como a decisão do STF em relação ao decreto que rege a Concordata Brasil-Santa Sé.
Dificilmente será decretado o fim do ER nas escolas públicas brasileiras, uma vez que se discute, no
âmbito federal, a criação de uma diretriz oficial para esta disciplina. O que se espera, do STF, é a
proibição do ER confessional vigente nos marcos legais de alguns Estados brasileiros.
79
Ver notícias do FONAPER em: <http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=1760>. Acesso: abr.
2016.
80
A Folha de S. Paulo tem uma posição publicamente contrária à oferta pública do ER. No dia em
que Renato Janine Ribeiro, então ministro da educação, anunciou a consulta online da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), a Folha... publicou uma breve matéria, com a seguinte manchete:
“Proposta de ministério para currículo nacional faz crítica a ensino religioso”. Nota-se o modo
enviesado escolhido para noticiar a proposta tramitada na esfera federal. A crítica do MEC, bem como
do STF, não é em relação ao ER de modo geral, mas em relação à oferta do ER em sua modalidade
confessional, que tende a resvalar para o ensino católico.
Cf.<http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/09/1686895-proposta-de-ministerio-para-curriculo-
nacional-faz-critica-a-ensino-religioso.shtml>. Para editoriais da Folha... sobre o ER:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0103201102.htm>. Ver também:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2108200103.htm>. Acessos em: mai.2016.
85

recurso ocupa no cotidiano e no universo da cultura escolar.81Tal universo inclui,


obviamente, as instituições de ensino privadas ou confessionais que, mesmo não
sujeitas às certas regras aplicadas ao ER público, não estão acima da lei maior que
rege a educação nacional – lembremos que a lei federal nº 9.475/97, em seu artigo
33, determina o respeito à “diversidade cultural religiosa do Brasil”.82 O que se
observa, por ora, é que são os estabelecimentos de educação privada que têm
utilizado os manuais de ER em circulação nacional.

Considerando-se esse preâmbulo necessário, este capítulo está dividido


em três partes. A primeira foca nas características do livro escolar enquanto objeto
cultural veiculador de discursos e representações sociais. A segunda trata do livro
didático de ER no Brasil e indica-se a amostragem dos livros selecionados para
análise. A última parte discute a categoria “religião” explanada nos livros didáticos
apresentados a seguir.

3.1 Livro escolar: de mídia de massa a objeto cultural complexo

A bibliografia sobre a influência do livro escolar – termo usado neste


capítulo como equivalente de livro didático ou manual escolar – no quadro do
sistema educativo formal é extensa e diversificada. Existem inúmeras contribuições
sobre seus usos (e abusos), que procuram conceituar e distingui-lo de outros
gêneros bibliográficos, pois são classificados como obras de referência destinadas
ao processo de difusão da escolarização em massa que acompanhou a formação
das consciências nacionais (ROCHA; SOMOZA, 2012). Para a especialista Circe
Bittencourt (2008, p. 299), ele é um “objeto cultural de difícil definição, mas, pela
familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros livros”.

81
A expressão “cultura escolar” designa o “conjunto de teorías, ideas, principios, normas, pautas,
rituales, inercias, hábitos y prácticas (formas de hacer y de pensar, mentalidades y comportamientos)
sedimentadas a lo largo del tiempo en forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no
puestas en entredicho, y compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas”
(VIÑAO apud AZEVEDO, 2011, p. 106). Ela “propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias
de pensamento que tornam possível a comunicação”, escreve Pierre Bourdieu (2007, p. 205) em sua
reflexão sobre o papel de integração cultural assumido pela escola.
82
Ainda hoje se pergunta por que a reformulação do artigo 33 da citada lei federal fez desaparecer o
conectivo “e”, transformando a diversidade cultural e religiosa em “diversidade cultural religiosa”
(FISCHMANN, 2008, p. 213).
86

A priori, define-se o livro didático por oposição ao paradidático83 em razão


da sua linguagem não ficcional, com objetivo pedagógico delimitado, que apresenta
e abrange os conteúdos de uma determinada área do conhecimento. Trata-se de um
objeto comunicacional, com propósito formativo, segundo valores que se deseja
perpetuar. Livros didáticos são transmissores de “conteúdos reveladores de
estratégias representacionais, que permitem ao pesquisador refletir sobre os
projetos hegemônicos de formação social” (NASCIMENTO, 2011, p. 153).

Enquanto recurso didático integrado ao universo escolar, não se pode


negar o papel que o livro didático exerce nas sociedades atuais, ou letradas,
constituindo-se como uma das mais complexas “mídias de massa”, segundo
definição de Brigitte Morand (2012, p. 69). É justamente por cumprir uma função
relevante na formação de jovens e crianças que vários autores, ao analisar os
discursos e narrativas visuais presentes em livros didáticos, “acabaram por perceber
e denunciar os graves problemas que acompanham este tipo de texto” (MEKSENAS,
2010, p. 31). Mesmo estruturados com certo rigor científico, eles podem assumir um
papel explicitamente ideológico, apresentar estereótipos84 e regionalismos,
85
reducionismos, lacunas teóricas ou ausência de determinados temas , informações
errôneas, fatos e conceitos formulados incorretamente e manipulados de forma
preconceituosa.

Desse modo, os princípios éticos e os critérios de avaliação determinados


pelo PNLD86 recomendam que os livros didáticos devam retratar, adequadamente, a
diversidade e pluralidade social e cultural do país. Assim, deve-se evitar a difusão de
estereótipos de condição socioeconômica, origem regional, étnico-racial, orientação

83
O livro paradidático costuma ser adotado de forma paralela e complementar aos livros
convencionais – daí o sentido do “para” (MENEZES; SANTOS; 2001). É um recurso lúdico e
conceitual, que apresenta uma linguagem ficcional e “o imaginário como suporte ou manipulação do
conceitual” (COELHO; SANTANA apud BAPTISTA, 2008, p. 11).
84
Estereótipos "(...) não flutuam sobre o nada. Razão pela qual eles podem nos informar de maneira
bastante útil sobre as realidades concretas e afetivas que eles deformam sempre, camuflam quase
sempre e, finalmente, revelam" (JEANNENEY apud MORAND, 2012, p. 85).
85
Para Azevedo as lacunas teóricas e de conteúdo de um livro didático são compreensíveis. Os
autores deste gênero bibliográfico realizam suas escolhas seguindo critérios editoriais ou que
julgarem mais relevantes. Alguns temas podem ser mais privilegiados que outros; “isso é plenamente
aceitável, uma vez que os autores têm autonomia para proporem o que deve ser discutido”
(AZEVEDO, 2005, nota 14, p. 116).
86
Ver GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS PNLD 2012: História. Disponível em:
<http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico>. Acesso em 26 fev. 2012.
87

sexual87, idade, entre outras formas de discriminação e violação de direitos, bem


como respeitar a autonomia e a laicidade do ensino público.

O livro escolar constitui-se um “veículo poderoso de transmissão do


patrimônio cultural socialmente partilhado” e “instrumento privilegiado de
socialização” (NUNES, 2008, p. 104), pois contribui para a apropriação das
representações dominantes numa dada sociedade. Enquanto item comunicacional,
ele desempenha o papel de mediador entre a realidade e o público-leitor. Reúne,
portanto, múltiplos discursos situados em diferentes níveis de percepção e
configurados por dois códigos: o linguístico e iconográfico, que se enquadram e se
articulam, “com maior ou menor convergência e/ou coerência, com outros discursos
– educativos, institucionais (curriculares e programáticos) e científicos” (NUNES,
2008, p. 105).

Livros didáticos não são simples suportes pedagógicos, acima disso, eles
se constituem como objetos culturais que devem ser considerados em sua
complexidade. O conjunto dos elementos textuais e visuais neles veiculados como
fontes não se limitam à maneira como explicam ou apresentam um determinado fato,
mas também remete às representações sociais nele contidas.88 Como nada é
“neutro, politicamente falando, em educação” (CRUZ, 1997, p. 102), logo, não é
impossível localizar, ao longo de suas páginas, algum aspecto ou tratamento
conceitual do qual se possa discordar.

A riqueza iconográfica presente nos livros escolares transformou-os em


verdadeiros “livros de imagens”. Neles, as fotografias, mapas, cartazes, etc.,

87
A partir de uma pesquisa baseada na análise de quatro coleções de ER, Diniz afirma que o
“estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de ‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma
constante nas publicações”. Cf. “Ensino religioso no Brasil estimula o preconceito e a intolerância”,
Secom UnB (Secretaria de Comunicação da UnB), 21 de junho de 2010. Disponível em:
<http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=552%3Aensino-
religioso-no-brasil-estimula-o-preconceito-e-a-intolerancia&catid=57%3Alivros&Itemid=1>. Acessos:
2015; 2016.
88
Representações são “sistemas de interpretações sociais que regem nossa relação com o mundo
e com os outros, que orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais” (JODELET,
2001, p. 22). Por "representações sociais queremos indicar, escreve Serge Moscovici, um conjunto
de conceitos, explicações e afirmações interindividuais”, que equivalem, “em nossa sociedade, aos
mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; poder-se-ia dizer que são a versão
contemporânea do senso comum" (MOSCOVICI apud COSTA; ALMEIDA, 1999). Artigo
originalmente publicado em periódico acadêmico, disponibilizado em online livre sem a devida
paginação. Ver: <http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev13/as_teorias_das_repres.html>. Acesso
em. nov. set. 2015.
88

“funcionam em rede, respondem-se mutuamente e participam da elaboração de uma


‘visão de mundo’ dessa vez em seu sentido figurado (...)” (MORAND, 2012, p. 69).
Essa visão de mundo, acrescenta a pesquisadora francesa, aproxima-se muito mais
de uma narrativa mítica do que histórico-cientifica e “os manuais escolares, pelo seu
funcionamento interno, se tornaram, nos dias de hoje, uma mídia de massa”
(MORAND, 2012, p. 69).89

Objeto interlocutor entre o professor e o aluno, o livro didático é uma


“mercadoria” sujeita às influências sociais, econômicas, políticas e culturais sofridas
por qualquer item comercial que percorra o passo a passo da produção, distribuição
e consumo (PAVÃO, 2006). Sua “elaboração se dá no cruzamento de lógicas
institucionais, científicas, didáticas e editoriais” (MORAND, 2012, p. 67). Trata-se de
um item sujeito às demandas institucionais – nacionais ou provinda de uma estrutura
mais descentralizada – e diretrizes editoriais ou educativas à qual uma determinada
coleção se encontra vinculada. Além disso, pode refletir as concepções de autores
ou organizadores (publicações que envolvem autorias coletivas) sobre um
determinado universo temático. Essas situações podem interferir e modelar os textos
didáticos a partir de “considerações ideológicas, tradições didáticas ou, ainda, pela
memória individual dos autores, memória essa que guia a seleção e a interpretação
dos acontecimentos” (MORAND, 2012, p. 70).

Consequentemente, o processo de produção e consumo deste


“dispositivo de ensino” (ROJO, 2006, p. 49), mobiliza a participação de sujeitos que
não podem ser compreendidos isoladamente no decorrer deste processo: os
autores, organizadores, trabalhadores técnicos e, em especial, os professores e
alunos, consumidores finais que vivem a experiência da sala de aula. Cada qual
atribui significados variados ao livro escolar, que pode vir a ser, inclusive, uma marca
de distinção social, ou “referência de status”, principalmente para a população
estudantil economicamente desfavorecida.90

89
Essa observação poderia ser estendida aos livros escolares de história do Brasil, onde fatos reais
são narrados de forma mítica, como se fossem grandes sagas ou epopeias heroicas.
90
Oliveira (2006, p. 40) reporta-se, em nota explicativa, ao estudo realizado por Circe Bittencourt. Em
pesquisa realizada em escolas de São Paulo, Bittencourt comenta que para os estudantes de baixa
renda, a posse individual do livro didático conferia um status social e até mesmo garantia de
segurança em caso de “batidas” policiais ocorridas fora dos perímetros das escolas.
89

O valor do livro didático incorpora, portanto, algo a mais que a


expectativa pedagógica, aparentemente a mais óbvia deste que é um dos
principais meios para a aquisição do conhecimento. Sua produção engloba
aspectos econômicos, políticos, técnicos e culturais, que uma vez observados,
podem abrir novas possibilidades de pesquisa, que ultrapassem a ênfase limitada à
“denúncia” das faltas, erros ou ideologias do livro escolar. No entanto, as pesquisas
que privilegiam unicamente a “externalidade” da sala de aula, não dialogam com a
empiria vivida nos ambientes escolares (OLIVEIRA, 2006). Neste trabalho
buscamos olhar de forma multidimensional para a questão do ensino e das práticas
escolares referentes ao ER. Esta abordagem está construída em uma trajetória que
compreende o material jurídico, passando pelos livros escolares de ER, até
alcançar o universo empírico da sala de aula.

3.2 Livro didático em escolas do Brasil: discursos autoritários e apreensão do


conhecimento

Não é novidade encontrar, hoje, certa interdependência entre as


disciplinas escolares, a prática docente e o livro didático. Apesar de alguns autores
insistirem na compra, leitura e uso de materiais paradidáticos e outros que se
apresentam como recursos alternativos, ainda assim os livros didáticos servem
como suporte e guia para a construção do conhecimento em sala de aula. Em
muitos casos, tal suporte pode ser percebido por meio da orientação de uso e de
sugestão de avaliação dos conteúdos encontrados nos livros escolares, fazendo
com que estas fontes sejam utilizadas como principal instrumento pedagógico.91

Para Heloisa Dupas Penteado, o livro didático deve ser avaliado em um


âmbito mais amplo, visto que ele é “o material disponível, e de uso generalizado em
nossas escolas, muitas vezes até por ser o único material impresso de que o aluno e
até mesmo a escola e o professor dispõem” (2010, p. 234). A “quase inexistência de
textos didáticos obriga muitos docentes a uma prática altamente criativa de

91
Ressalta-se que também existem “professores que abominam os livros escolares, culpando-os pelo
estado precário da educação escolar” (BITTENCOURT, 2010, p. 71). Este repúdio ao uso do livro
didático pode ser decorrente das políticas de seleção, distribuição e controle do Estado sobre a
escola pública brasileira.
90

elaboração de seus próprios textos, a partir de livros não didáticos”, afirma Paulo
Meksenas (2010, p. 30) em sua análise dos manuais de sociologia.

Mesmo disponíveis nas escolas, não há garantia que os conteúdos


reunidos nos livros didáticos cheguem de forma completa e total aos alunos – a
autonomia dos professores e as particularidades de cada realidade escolar podem
desembocar em contornos específicos (BALESTRA, 2015). Há que se considerar os
variados contextos sociais, econômicos e culturais, bem como as dificuldades ou
limitações com as quais muitos professores se defrontam cotidianamente. Tais
situações os obrigam a adotar o livro escolar como o principal ou mesmo único
recurso didático, aos quais os professores ainda subordinam seus projetos de
ensino.92 Apesar das disparidades existentes no Brasil, o livro didático não deveria
assumir o papel de protagonista na cultura escolar (CARVALHO et al., 2006).

Presença marcante na sala de aula, o livro escolar deixa de ser um


recurso auxiliar no processo de disseminação do saber, para tornar-se autoridade,
dispositivo absoluto, única fonte de informação em diferentes regiões brasileiras
onde o livro escolar é o único tipo de material escrito e ilustrado a que a população
tem acesso (MEKSENAS, 2010). Consequentemente, a autonomia dos sujeitos
frente aos discursos e às representações visuais veiculados em tais fontes continua
sendo posta e debatida entre os especialistas da área (linguistas, historiadores,
pedagogos etc.), críticos ou defensores desse prestigiado “comandante do processo”
de ensino e aprendizagem (CRUZ, 1997, p. 101).

Os desdobramentos desses debates ultrapassam o universo restrito ao


livro didático. Um deles refere-se à diversidade de sentidos em torno do que venha
ser “religião” e de como deve ser ministrado o ER, tal como esboçado no capítulo
segundo. Neste caso, mais uma vez o Estado do Rio de Janeiro é paradigmático
para entender as nuances do processo de implementação do ER nas escolas
públicas. Ao sancionar o ER “separado por credos” presumia-se que as entidades
religiosas envolvidas nesta decisão teriam garantias do controle doutrinal dos

92
Para Azevedo (2005, p. 110) é “ilusório, já que empiricamente impossível nas atuais circunstâncias,
o professor pensar que ele terá condições de produzir seu próprio material didático. A dupla jornada
de trabalho – em alguns casos a tripla jornada – não permite sequer que o professor prepare as aulas
com outros materiais pedagógicos. Essas são as condições históricas nas quais os professores do
Ensino Fundamental e Médio se encontram”.
91

conteúdos ministrados em aula. Entretanto, as diferentes realidades presentes nas


escolas públicas fluminenses levam os professores a veicularem suas próprias
visões em relação ao que consideram importante para os alunos matriculados no ER
(CAVALIERI, 2007).

Em certos casos, essas experiências, como a relatada acima, podem


tensionar o campo das religiões (quais religiões podem e quais não podem ser
abordadas na escola pública?), com consequências e repercussões dramáticas e
inesperadas. Este foi caso Ana Luiza, umbandista declarada, professora de língua
portuguesa de uma escola pública da Prefeitura de Macaé/RJ que, ao trabalhar a
temática da história e cultura afro-brasileira, resolveu adotar o livro paradidático
Lendas de Exu, de Adilson Martins (Pallas Editora), autorizado pelo Ministério da
Educação (MEC), em conformidade com os conteúdos previstos na lei federal
10.639/2003.

Sua metodologia consistiu em trabalhar com lendas e mitos africanos,


realização de atividades em sala, onde os alunos desenharam as suas
representações de Exu, personagem central do livro escolhido. Os conflitos
começaram dois meses depois. Segundo descrição de Miranda e Maia (2014, p. 89):

Os problemas teriam se iniciado no momento em que foram


passados trabalhos a serem realizados em casa pelos alunos. O
diretor adjunto recebeu reclamações de pais referentes à atuação da
professora em sala, pensando a princípio que se tratava de
preconceito. Porém, frente às crescentes reclamações, preferiu
averiguar, descobrindo que o que estava sendo trabalhado em sala
não era a literatura afro-brasileira, mas o que classificou de “místico
religioso”. Propôs, portanto, uma reunião com a professora. Este
insistiu para que fosse substituído o livro por outro, intitulado Menina
Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, “para evitar
problemas” para a professora. Na reunião, Ana Luíza se negou a
trocar o livro e afirmou ter buscado desmistificar Exu durante suas
aulas. A professora argumentou que não concordava com o fato de
que se podia falar da mitologia grega, mas não dos mitos que
compõem o panteão africano. Porém, o diretor adjunto argumentou
que isto se tratava de assunto envolvendo ensino religioso – uma
matéria não prevista na grade curricular da Prefeitura de Macaé – o
que era incompatível com uma escola e com um Estado Brasileiro
laico. A professora então responde que o diretor adjunto estava “indo
contra a sua própria raça”, tendo o diretor respondido que não se
92

tratava disso, mas que seria uma questão de “igualdade, justiça e


cidadania”.93

Este fato revela que os livros adotados em contextos escolares, sejam


eles de caráter didático ou paradidático, são, antes de tudo, objetos multipolares. 94
Quando integrado à cultura escolar, ele cumpre a função de promover o ensino-
aprendizagem (nem todos discordariam que Ana Luiza teve a melhor das intenções),
mas também podem escancarar as tensões muitas vezes camufladas no cotidiano
das escolas.

São as contradições, aquilo que se evidencia ou que se esconde nas


entrelinhas das estratégias discursivas, que precisam ser identificadas pelos
usuários dos recursos com finalidades educativas. Não por acaso há um
investimento das editoras na produção de “exemplares do professor” do ensino
fundamental e médio, para que este avalie as coleções de livros didáticos
disponíveis no mercado editorial. Do mesmo modo, o PNLD disponibiliza um
conjunto de resenhas que procuram orientar os professores na escolha dos livros
que melhor correspondam às suas expectativas pedagógicas e realidades
socioculturais.

3.3. Religião não é letra morta

Embora o livro escolar seja objeto de atenção entre investigadores de


diversas áreas e países, no Brasil há uma “inexistência de estudos publicados sobre
o livro didático de Ensino Religioso” (GILZ, 2009, p. 141). A despeito dessa queixa,
existe uma quantidade considerável de artigos reunidos em coletâneas diversas,
teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas em universidades
brasileiras. Estas publicações encontram-se disponíveis sobretudo nos repositórios
93
O dado mais notável desta descrição é que Exu, um dos principais deuses da mitologia nagô-
ioruba – do qual a professora tentou remover a indevida (e “sincrética”) imagem negativa –, foi
ironicamente o principal personagem da polêmica que envolveu diferentes atores e agências (a
professora, seus alunos e os pais destes, a direção geral e a direção adjunta da unidade escolar e a
Secretaria de Educação) e resultou no afastamento de Ana Luiza então acusada de apologia místico-
religiosa.
94
Trata-se de um objeto “multipolar” no sentido em que envolve a demanda institucional, as pressões
editorias e econômicas, o saber universitário, as representações sociais que modelam seus
conteúdos e a transposição didática destes conteúdos (MORAND, 2012, p. 71).
93

das Instituições de Ensino Superior (IES) confessionais, nas quais é possível


encontrar algum capítulo ou seção destinados ao livro didático, então onipresente no
processo de formação dos referenciais básicos das gerações de estudantes.

Dentre as pesquisas localizadas, duas foram realizadas em cursos de


pós-graduação em educação e orientadas por docentes favoráveis à oferta do ER
nas escolas públicas e privadas. Uma delas foi publicada em livro por Claudino Gilz,
assessor pedagógico da coleção Redescobrindo o universo religioso. Gilz escolheu
exatamente essa coleção da editora Vozes como objeto de sua pesquisa de
mestrado, na qual defende que o livro didático representa “um dos recursos de
sustentação da teia dos processos educacionais” (GILZ, 2009, p. 138).95 Essa
avaliação levou-o a investigar de que maneira o livro escolar de ER pode contribuir
para a formação do docente que atua nessa área do conhecimento.

A segunda dissertação foi realizada por Sérgio Luiz Nascimento (2009)96,


que procurou analisar os discursos sobre os segmentos raciais negros e brancos em
livros de ER de 5ª a 8ª séries publicados entre 1977 e 2007. Nascimento concentra-
se nos títulos produzidos segundo os principais paradigmas de ER presentes em
escolas brasileiras e discutidos no segundo capítulo desta tese – modelos
confessional, interconfessional, fenomenológico etc.

Especificamente no campo das ciências sociais existem poucas


referências disponíveis sobre o livro didático. A falecida antropóloga Aracy Lopes
(1949-2000) foi uma das principais incentivadoras desses estudos durante sua
permanência na Universidade de São Paulo (USP), tendo publicado uma série de
artigos e coletâneas sobre a questão indígena em sala de aula. Numa dessas
coletâneas localiza-se o texto de Mauro W. B. Almeida (1987), no qual este autor
examina o “racismo” em livros didáticos de Estudos Sociais, Moral e Civismo
publicados nos anos 1970 pelas maiores editoras brasileiras sediadas nos grandes
centros urbanos e patrocinados, na época, por órgãos oficiais de educação. Sem
desconsiderar o racismo sofrido pela população negra brasileira, o foco da reflexão

95
Gilz é pedagogo, mestre em Educação pela PUC-PR, membro do GPER (Grupo de Pesquisa
Educação e Religião), professor universitário e pesquisador do CEP (Centro de Estudos e Pesquisas
Bom Jesus).
96
Filósofo, mestre e doutor em Educação pela Universidade Federal Paraná. É professor de filosofia
na PUC-PR.
94

desenvolvida por Almeida concentra-se nas populações indígenas do Brasil. É deste


autor o uso da noção de “índio genérico” então presente em livros escolares, que,
ainda hoje, não contempla a diversidade existente entre povos, linguística e
etnicamente diversos, que habitam o vasto território brasileiro.

Quanto às pesquisas centradas nos livros didáticos de ER realizadas no


âmbito da antropologia é possível mencionar duas – na verdade, as únicas
encontradas durante a etapa de levantamento nos repositórios da Capes e de várias
universidades públicas e privadas, sobretudo as de caráter confessional. A primeira
pesquisa foi coordenada por Emerson Giumbelli, com participações regionais de
professores e pesquisadores do Sul, Sudeste e Norte do Brasil – Sandra de Sá
Carneiro, Carlos Steil, Raymundo Heraldo Maués, Janayna Alencar Lui, Vanda
Pantoja e Nicolas Alexandria.97 Esta equipe de investigadores procurou mapear as
legislações do ER vigentes em alguns Estados brasileiros98, levantar o material
didático e analisar os conteúdos curriculares presentes nessas fontes.

Parte dos resultados do projeto foi publicada por Giumbelli (2010), em


artigo no qual propõe analisar algumas diretrizes curriculares e dois exemplares de
ER publicados, respectivamente, pelas editoras Vozes e FTD. Inspirado na literatura
recente, que têm explorado o estatuto contestado da categoria “religião”, o propósito
desse autor é saber o que se define por religião nos “documentos” acima, como se
organiza o universo daí derivado e, sobretudo, a forma como se equaciona o que
seria comum e o que seria específico aos grupos religiosos particulares.

Em consonância com os objetivos e os questionamentos da pesquisa


descrita acima, também nesta tese interessa-nos investigar os usos e as percepções
a respeito da categoria religião. A amostragem de livros de ER examinada aqui tem
maior abrangência e atualidade em relação ao trabalho coordenado por Giumbelli.
Ela reúne títulos – listados no quadro abaixo – distribuídos por diferentes editoras,
de ampla circulação, o que permitiu reunir um maior número de definições referentes

97
Projeto de pesquisa intitulado “Mapeamento do Ensino Religioso no Brasil: definições normativas e
conteúdos curriculares”, proposto pelo ISER (Instituto de Estudos da Religião) e apresentado ao
Programa de Apoio a Projetos em Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (PROSARE
EDITAL 2007).
98
Amapá, Pará, Alagoas, Paraíba, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul.
95

ao objeto “religião” e prolongar essa análise para as religiões de matriz afro-


brasileira, conforme objetivo já delimitado.

A segunda investigação mapeada foi coordenada por Debora Diniz,


antropóloga, professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Anis –
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, uma organização feminista, não-
governamental, sem fins lucrativos e de utilidade pública federal. Trata-se de um
estudo solicitado pela UNESCO, que também procurou mapear o conjunto das
regulamentações do ER nas escolas públicas brasileiras e analisar a maneira como
a diversidade cultural e social e o proselitismo religioso são tratados em algumas
publicações de ER.99 As conclusões deste estudo estão publicadas no citado livro
Laicidade e ensino religioso no Brasil (DINIZ; LIONÇO; CARRIÃO, 2010).

3.3.1 Coleções didáticas de ensino religioso

Os títulos analisados adiante foram escolhidos conforme a


disponibilidade das editoras. Através de visitas a feiras de livros, envio de cartas,
e-mails e contatos com as áreas comerciais e setores de divulgação, foram
doadas as coleções (“exemplares para análise do professor”) publicadas pela
Ática, Scipione, FTD, Moderna, Vozes, Paulinas, Editora do Brasil, Companhia
da Escola (que distribui as apostilas da Rede Salesiana), Global e Rideel. 100 A
análise mais adensada dessas fontes permite conhecer, internamente, a maneira
como elas são elaboradas, os temas escolhidos, o tratamento reservado para as
diferentes religiões e se estão em acordo ou desacordo com as formulações
legais que regulamentam a oferta do ER.

Após leituras dos sumários, apresentações, contracapas, suplementos e


orientações metodológicas, geralmente localizados no final de cada exemplar,
foram selecionados os seguintes volumes, que constituem o material de análise

99
Pesquisa intitulada “O ensino religioso nas escolas públicas brasileiras: qual pluralismo?”, que teve
apoio da CCR (Comissão de Cidadania e Reprodução) e do Programa de Apoio a Projetos em
Sexualidade e Saúde Reprodutiva (Prosare). Diniz e Lionço (2010a) analisaram as coleções de ER
das editoras FTD, Ática, Saraiva, Moderna, Vozes, Paulinas, etc., sem se aterem à noção de religião,
mas com foco no proselitismo e na diversidade religiosa.
100
Parte desse acervo foi doada para a Biblioteca “Prof. Joel Martins”, Faculdade de Educação,
UNICAMP.
96

deste capítulo:

QUADRO 2
Livros didáticos de ensino religioso: amostra examinada

Livro Título e autor Volume Editora/Edição Ano


De mãos dadas: ensino religioso 5ª série, 6º ano do Scipione
1 2007
Avelino Antonio Correa e Amélia Scheneiders ensino fundamental (8ª edição)
Entre amigos 9º ano: Moderna
2 2009
Obra coletiva e organizada pela própria editora ensino fundamental (2ª edição)
Jeitos de crer: vivendo a vida 3º ano: Ática
3 2009
Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto ensino fundamental (1ª edição)
Jeitos de crer: buscando Deus 4º ano: Ática
4 2009
Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto ensino fundamental (1ª edição)
Novo Fé na Vida: eu e os outros presentes no mundo vol. 4, 4º ano: ensino Ed. do Brasil
5 2009
Margarida Regina de Almeida e José Donizetti dos Santos fundamental (2ª edição)
Novo Fé na Vida: construindo um mundo novo vol. 5, 5º ano: Ed. do Brasil
6 2009
Margarida Regina de Almeida e José Donizetti dos Santos ensino fundamental (2ª edição)
Cultura religiosa: segundo segmento do ensino fundamental: EJA Global
7 vol. único 2010
Edson Steel (1ª edição)
Manual compacto de ensino religioso Rideel
8 vol. único 2010
Ana Vasconcelos (1ª edição)
Expressões do sagrado na humanidade Paulinas
9 7º ano: professor 2010
Maria Inês Carniato (1ª edição)
Diversidade religiosa no mundo atual Paulinas
10 8º ano: professor 2010
Maria Inês Carniato (1ª edição)
Nossa opção religiosa Paulinas
11 9º ano: professor 2010
Maria Inês Carniato (1ª edição)
Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes
12 2011
Viviane Mayer Daldegan vol. 1 (4ª edição)
Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes
13 2011
Adecir Pozzer vols. 6 e 9 (3ª edição)
Redescobrindo o universo religioso: ensino fundamental livro do professor Vozes
14 2012
Marcos Sidney Pereira vols. 2, 4, 5 (4ª edição)
Todos os jeitos de crer Ática
15 vol. 1 (Vidas) 2010
Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)
Todos os jeitos de crer Ática
16 vol. 3 (Tradições) 2010
Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)
Todos os jeitos de crer Ática
17 vol. 4 (Ideias) 2010
Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto (2ª edição)
Fonte: Acervo disponibilizado pelas editoras, 2013, 2014. Elaboração do autor.

As editoras que trabalham com literatura religiosa são muitas, há uma


pujança de amplitude nacional neste segmento, porém não são todas que assumem
o livro didático como mercadoria principal e nem todas deveriam ser classificadas
como religiosas. De acordo com Junqueira (2010), ao refutar a classificação de
Diniz e Lionço (2010a), é incorreto afirmar que a FTD seja uma editora secular e a
Scipione seja religiosa (hoje integrada ao grupo Ática). Segundo levantamento de
Agueda Bittencourt (2014) sobre os “selos católicos” e do espaço que eles ocupam
97

no mercado editorial brasileiro, das oito editoras listadas na tabela anterior, FTD
(Grupo Marista), Vozes (Franciscanos) e Paulinas (Filhas de S.P.), são
reconhecidamente católicas.101 Quanto às demais não há informações suficientes
que possam atestar a associação com congregações religiosas, o que não quer
dizer que suas coleções de ER sejam “seculares” ou não-religiosas.

Além disso, Ática, FTD, Scipione e Moderna, têm o livro didático como
trabalho significativo em todas as áreas do conhecimento, o que inclui, portanto, o
ER; mas, este não é o caso das editoras Vozes e Paulinas, que não são
tradicionalmente voltadas ao mercado editorial didático. No geral, todas elas têm
“produtos cristãos” em seus catálogos, incluindo a editora Rideel, especialista em
literatura jurídica, mas que também publica os livros do padre carismático Cleodon
Amaral de Lima.

Passo agora aos perfis das coleções e títulos de ER que serviram de


base para a discussão relativa às noções de religião e religiões de matriz afro-
brasileira:

a) Entre amigos (Editora Moderna)

Trata-se de uma “obra de educação religiosa”, concebida em nove


volumes (1º ao 9º ano), redigida pela própria Moderna, com direção editorial de
Sônia Cunha de Souza Danelli e assessoria pedagógica de Luciana Possagnolo. 102

Na apresentação de cada exemplar é reafirmado que a coleção propõe


uma aprendizagem pautada na convivência, no respeito, no diálogo com as
diferenças e na tolerância diante da diversidade e da pluralidade cultural que
caracterizam as sociedades modernas. A contracapa de cada volume informa que o
foco da coleção “está no desenvolvimento e na ampliação da Cidadania, da

101
Em seu artigo Bittencourt (2014, p. 117) trata do “livro católico”, examinando “os efeitos da
circulação internacional das congregações religiosas na produção editorial no Brasil, buscando
compreender as estratégias e os investimentos do clero e de leigos dedicados à produção de livros,
revistas e jornais católicos”.
102
Possagnolo é pedagoga, licenciada em artes cênicas pelas Faculdades Integradas Teresa D’Avila;
especialista em psicopedagogia pelo Centro Universitário Santo André; professora de ensino
fundamental na rede particular de ensino.
98

solidariedade, da fraternidade e da justiça”.103

Nos títulos destinados às séries iniciais (1º ao 5º ano), o foco recai sobre
a vida de Jesus e a origem do Cristianismo. Nas séries finais (6º ao 9º ano)
trabalha-se com conceitos oriundos da história, sociologia e da “antropologia
religiosa”, mas sem “perder o foco no ensino da doutrina e da liturgia da igreja
Católica”104, nos princípios da ética e da moral cristã, nos ensinamentos e na
doutrina social da Igreja.

Assim como as coleções concorrentes, Entre amigos tem um propósito


formativo, conta com uma assessoria pedagógica, que propõe trabalhar com
princípios morais e valores sociais: ética, justiça social, solidariedade, tolerância,
liberdade religiosa e de opinião, assegurados pela Declaração dos Direitos
Humanos, pela Constituição Federal de 1988 e pela Igreja.

Como uma espécie de pré-requisito, a equipe organizadora pressupõe


(ou quiçá espera) que os alunos do 6º ao 9º ano já tenham se preparado para a 1ª
Eucaristia e dominem alguns aspectos da vida de Jesus e outros conhecimentos
bíblicos. Em seus doze objetivos pedagógicos se repetem as palavras “Deus”,
“Jesus Cristo”, “Igreja Católica”, “fé cristã” e “cristianismo”. Quanto às capas de
todos os volumes, da educação infantil ao ensino fundamental, elas se reportam ao
universo cristão: Adão e Eva no Jardim do Éden; Noé, a arca, os animais e o
dilúvio; o nascimento do menino o Jesus; cenas do Vaticano (habemus papa na
Praça São Pedro); celebração da primeira missa no Brasil etc.

Apesar do viés religioso pretendido, uma vez que se apoia em


documentos “aprovados pelo Concílio Vaticano II e na doutrina social da Igreja” 105,
não há informações no site da editora que possa atestar o vínculo com alguma
instituição de caráter religioso e/ou confessional. A despeito da ênfase no
cristianismo, os organizadores procuram abordar as religiões orientais (hinduísmo,
budismo, confucionismo e xintoísmo), as práticas dos povos antigos que veneravam

103
MODERNA, Entre Amigos, 9º ano, contracapa.
104
Ibidem, p. 2.
105
Ibidem, p. 2.
99

“falsos deuses” (a Grécia é textualmente citada)106 e as “religiões primitivas”,


incluindo algumas práticas “animistas” de povos da África subsaariana.

Vimos no capítulo anterior que os modelos básicos de ER (confessional,


interconfessional, inter-religioso etc.) são aceitos como tipos-ideais, conforme
acepção weberiana aplicada por Passos (2007). Modelos não são realidades puras,
mas mapas aproximativos – isto dificulta não só precisar os limites conceituais de
cada modelo, bem como propor uma classificação das coleções didáticas
apresentadas neste item.

Por exemplo, se considerarmos as escolhas dos organizadores de Entre


amigos, poderíamos dizer que se trata, por um lado, de uma publicação com viés
confessional, uma vez que procuram nas “autoridades religiosas” (Concílio
Ecumênico Vaticano II) a definição dos conteúdos desenvolvidos nos volumes. Por
outro lado, ela também poderia ser caracterizada como interconfessional, visto que
há uma abrangência desta confessionalidade, que almeja apresentar a diversidade
das religiões por meio de um conteúdo supostamente comum e do consenso entre
elas.

Entretanto, essa ponderação revela outro problema, pois o sentido de


“confissão” também é utilizado, nos livros de ER, como sinônimo de religião, logo
teríamos uma Entre amigos inter-religiosa – opção da editora Ática – e/ou
interconfessional, mas sem saber precisamente a configuração que difere uma da
outra.107

Dos exemplares desta coleção, interessa o 9º volume, onde se discute o


binômio “religião e sociedade”. Neste volume as unidades selecionadas abordam os
temas centrais para os propósitos deste capítulo: “o que é religião” e o “cristianismo
contemporâneo”, cuja seção destina três páginas para os “cristianismos sincréticos”,
com ênfase no “espiritismo” de Allan Kardec e nos “cultos afro-americanos”

106
“Deus nos ama e não quer o substituamos por falsos deuses”, escrevem Correa e Schneiders
(2007, p. 121), autores de outra coleção, numa nítida referência aos deuses da antiguidade, que
exigiam “sacrifícios de animais” (incluindo humanos), em troca de proteção contra as “desgraças”,
garantia de “pesca, caça e colheitas abundantes”.
107
“Na verdade, o que seria o modelo não confessional não designa uma configuração tão precisa
quanto a primeira [a modalidade de caráter confessional]; daí a multiplicação dos termos para
denominá-lo (...): interconfessional, supra-confessional, não-confessional, ecumênico, inter-
religioso...” (GIUMBELLI, 2011, p. 262).
100

(santeria cubana, umbanda e candomblé).108

b) Mãos dadas (Scipione)

“Dar as mãos é um gesto rico de significados”. Ele expressa “Amizade,


União, Respeito à diversidade, Solidariedade, Compreensão”. Esse trecho em letras
maiúsculas procura explicar o título Mãos dadas localizado, por sua vez, no
informativo eletrônico desta coleção também composta por nove volumes.109
Ao trabalhar com “temas transversais e possibilidades de
interdisciplinaridade”, Avelino A. Correa e Amélia Schneiders110, autores desta
coleção, frisam que, apesar das mudanças, a coleção manteve-se fiel ao projeto
pedagógico que a consagrou. Isto inclui abordagens de assuntos relacionados ao
fenômeno religioso, “que se manifestam em praticamente todas as culturas e
define-se pela necessidade do Transcendente (chamado Deus, Alá e outras
denominações)”. Seus conteúdos estão alicerçados em “cinco pontos básicos”
assim resumidos: “no respeito à pluralidade e diversidade cultural e religiosa, na
solidariedade, no diálogo e na preparação para a cidadania, propósito que deve ser
valorizado em todas as áreas do ensino fundamental” e, também, no “ecumenismo”
– sugere-se que tal coleção pode ser adotada por qualquer instituição escolar de
“orientação cristã”.111
De mãos dadas se aproxima das demais coleções cujos conteúdos são
explicitamente confessionais, de nítido teor cristão, como se evidencia no seguinte
texto de divulgação: “O cristianismo encerra uma mensagem de alegria, conforme
os Evangelhos: ‘Não tenhais medo, eis que vos anuncio uma boa nova que será
uma grande alegria para todo o povo: acaba de nascer, na cidade de Davi, o
Salvador (Lc, [Lucas], 2,10)’”.112

108
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]:
Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, p. 135-137.
109
Cf. <http://www.livrariacultura.com.br/p/de-maos-dadas-ensino-religioso-1-ano-ensino-
fundamental-i-1-ano-42752790>. Acesso em: jun.2016.
110
Avelino A. Correa é professor de Ensino Médio, formado em Filosofia e Teologia. Amélia
Schneiders é professora de Ensino Religioso no Ensino Fundamental e Médio e de Didática e Prática
de Ensino nos cursos de Magistério.
111
CORREA; SCHNEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano, Assessoria pedagógica,
“Apresentação”, p. 3.
112
Ver: <http://www.jornalplaneta.com/produto/L/269012/de-maos-dadas---ensino-religioso---7o-ano---
6a-serie---ensin.fundam.-amelia-schneiders-avelino-guedes.html>. Acessos em: jul.2016.
101

Se a intenção desta coleção é, conforme informação disponível na


página da Ática & Scipione, incentivar “o respeito a todas as religiões, permitindo
que alunos de diferentes crenças possam participar da aula e compartilhar suas
experiências e vivências”113, nota-se a ausência em relação às religiões afro-
brasileiras, que não foram abordadas nos volumes do 6º ao 8º ano recebidos como
doação.
Destaca-se, no presente capítulo, a leitura e a análise do exemplar
dirigido à 5ª série/6º ano, onde Correa e Schneiders expõem as noções de “religião”
e “religiosidade”.

c) Ensino Religioso Fundamental (Paulinas Editora)

A autora dessa coleção, Maria Inês Carniato114, baseia-se no modelo


fenomenológico difundido nos parâmetros do Fonaper (2009). No texto de abertura
dos nove volumes da coleção argumenta-se que o ER não é uma “proposta de fé”,
mas a compreensão do “Fenômeno Religioso como aspecto positivo da cultura
humana”, que permite “cultivar na escola a convivência com a diversidade”, sendo
este “um dos principais objetivos do Ensino Religioso”.115

Em cada exemplar, a autora busca fornecer respostas para o “duplo


objetivo” do ER: “proporcionar conhecimento sobre o fenômeno religioso como
componente da cultura e da sociedade”, de acordo com os cinco eixos do Fonaper,
e “sensibilizar para a reverência ao mistério do sagrado que circunda a vida

113
Confira: <http://www.aticascipione.com.br/produto/de-maos-dadas-6-ano-777>. Acessos em
jul.2016.
114
Carniato pertence à Congregação das Irmãs Paulinas, é bacharel em filosofia pela Universidade
Estadual do Ceará, bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
em São Paulo, mestranda em Dogmática pelo CES (Centro de Estudos Superiores da Companhia de
Jesus de Belo Horizonte) e estudante de Teologia Judaica (Confederação Israelita de Belo
Horizonte). Foi membro do GRERE (Grupo de Reflexão de Ensino Religioso) da CNBB
(Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), da equipe de reflexão pastoral do Regional Sul III da
CNBB, do grupo de teólogas do CONIC (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), do conselho editorial
da editora Paulinas, e atualmente trabalha no SAB (Serviço de Animação Bíblica), com assessoria de
conteúdo e metodologia para agentes de pastoral bíblica. Informações disponíveis no site da editora
Paulinas,
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:U1kCyq3RCy4J:www.paulinas.org.br/edito
ra/%3Fsystem%3Dautores_ilustradores%26action%3Ddetalhes%26autor%3D105410+&cd=2&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: fev.2016.
115
CARNIATO, Nossa opção religiosa, “Convite a quem ama a educação”, vol. 9, 9º ano, p. 5 e 10.
102

humana, a cultura e a natureza, e educar para a cidadania, a construção de um


mundo para todos e o respeito às diferenças que constituem a diversidade cultural
da sociedade brasileira”.116

Assim como as demais, esta coleção da editora Paulinas cobre os nove


anos do ensino fundamental, mas nesta pesquisa foco nos exemplares do 7º ano
(Expressões do sagrado na humanidade), 8º ano (Diversidade religiosa no mundo
atual) e 9º ano (Nossa opção religiosa). O primeiro “oferece um panorama sobre a
origem e o sentido dos principais símbolos presentes nas tradições orais e escritas
para um aprofundamento transcendente da convivência humana”; o segundo
apresenta o “conteúdo para o discernimento de sinais da religiosidade na cultura
pós-moderna e a descoberta de uma ética que leve à realização humana aberta à
transcendência”; o terceiro “contempla a possibilidade de optar [supõe-se que a
autora esteja se referindo ao leitor] por uma vida cidadã e solidária na dimensão do
transcendente”.117 Em um dos exemplares é afirmado que o brasileiro é um “povo
religioso”. Também menciona a “tradição africana ioruba” e o sincretismo presente
nas tradicionais festas de Iemanjá ocorridas em alguns litorais brasileiros.

A coleção visa atender “as expectativas de professores de todas as


regiões do País”, usuários dela “há mais de 15 anos”, e encontra-se em sua terceira
versão revisada e ampliada, de acordo com as “orientações do MEC acerca da
inclusão, da interdisciplinaridade, do currículo multicultural e das leis referentes às
culturas africana e indígena e à musica na escola”.118 Como veremos em item
específico, essa revisão é falha, sobretudo em relação aos tópicos perseguidos
nesta tese – religião e religiões afros –, e a escrita desenvolvida pela autora pode
soar inatingível para estudantes de ensino fundamental. Essa característica, que
marca os volumes do sexto ao nono ano, também foi detectada por Albuquerque
(2004).

116
Ibidem.
117
Informações divulgadas no folheto de divulgação da coleção distribuído nas filiais da livraria
Paulinas.
118
Ibidem.
103

d) Redescobrindo o universo religioso (Vozes)

Os exemplares desta coleção dirigidos ao profissional de ER (“livro do


professor”) também se apoiam nos parâmetros do Fonaper, para o qual “cada
cultura tem, em sua estruturação e manutenção, o substrato religioso que a
caracteriza” (FONAPER, 2009, p. 32).119 Assim sendo, considera que a “dimensão
transcendental sempre estará presente na vida das pessoas de uma forma ou de
outra”.120

Segundo Gilz, que assina o texto de apresentação repetido em todos os


volumes, o título Redescobrindo...está associado à ideia de “redescobrir a dimensão
religiosa do educando na perspectiva pessoal e social” ou, em termos semelhantes,
“aprofundar aquilo que é a essência do Ensino Religioso, que é trabalhar essa
dimensão de religião e religiosidade presente em cada um” (GILZ, 2009, p. 100-
101).121

Além de sabermos o porquê Redescobrindo... traz este e não outro título


qualquer, ela é uma das únicas que apresenta, em quase todos os exemplares,
alguma referência às “tradições africanas e afro-brasileiras”. Como exemplo,
podemos citar a culinária ritual (“comida de santo”); a divisão do trabalho ritual
distribuída entre homens e mulheres (que remete o leitor para a estrutura
hierárquica e a organização sociorreligosa dos cultos afros); o corpo enquanto
instrumento de expressão religiosa, que possibilita a manifestação das divindades e
entidades por meio da incorporação; a oralidade como mecanismo de
aprendizagem dos ensinamentos religiosos; a convivência entre iguais e diferentes
e sua associação à questão da tolerância e intolerância religiosas.

Quanto à ênfase depositada na religiosidade ontológica, ou “inerente ao


ser humano”, a discussão sobre a “Religião” – onde e quando surgiu, o que é,
finalidade etc. – só vem à tona nos volumes oito e nove, ambos redigidos por Adecir

119
Do latim substratu, “o que está estendido no chão, o que é essencial, o que serve de suporte ou de
fundamento para alguma coisa” (GILZ, 2009, p. 100).
120
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8 Unidade 1 (Cultura e religiosidade), p. 13.
121
Explicar ou contextualizar o título da coleção é um recurso pertinente, porém ausente em Todos os
jeitos de crer, Novo fé na vida, De mãos dadas etc. Grosso modo, esta informação tem que ser
depreendida pelo leitor a partir da associação entre aportes visuais (capas e ilustrações), conteúdo e
objetivos pretendidos.
104

Pozzer.122 As manifestações tratadas como religiões nas coleções concorrentes são


referenciadas pelos autores da Vozes como “Tradições Religiosas”. Esta expressão,
quase sempre empregada em letras maiúsculas, refere-se à “religiosidade [que]
serve de base para os grupos humanos estruturarem e/ou institucionalizarem o que
conhecemos por Tradição Religiosa, religião ou outras denominações”.123

Daí o incômodo causado em Diniz e Lionço (2010a, p. 69) quando


argumentam que as “religiões afro-brasileiras” e “indígenas” não são sequer
tratadas como religiões nos livros de ER, mas como “tradições ou denominações
religiosas”. Apesar da discordância, Diniz e Lionço não explicitam qual seria o
sentido de religião empregado por elas, se as religiões afro-brasileiras são tradições
e/ou religiões e tampouco se detêm nos elementos que poderiam ajudar na
compreensão destas enquanto religiões brasileiras.

e) Todos os jeitos de crer (Ática)

Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto124, autores desta coleção,


almejam “inaugurar um novo caminho para o Ensino Religioso: o do Ensino Inter-
Religioso”, que não é, repetem em todos os volumes, discutir as diferentes religiões
isoladamente, mas estabelecer um diálogo entre elas, que comportam “diferentes
maneiras de ver o mundo, mostrando paralelos, encontrando conexões”. 125

122
Pozzer é mestre e doutorando em Educação pela UFSC. Bacharel em Ciências Religiosas pela
PUC-PR (2002). Graduação em Ciências da Religião - Licenciatura em Ensino Religioso pela FURB
(2010). Especialização em Formação de Professores para o Ensino Religioso (2006). É membro dos
grupos de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD/FURB) e Hermenêuticas da
Cultura, Mundo e Educação (UFSC). Coordenador da Comissão de Currículo do Fórum Nacional
Permanente do Ensino Religioso (FONAPER, 2014-2016). Assistente Técnico-Pedagógico da
Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC) e Professor no Centro Universitário
Municipal São José (USJ). É um dos membros da “Equipe de Assessores e Especialistas”
responsáveis pelo ER incluído na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está em tramitação
junto ao MEC (Ministério da Educação). Informações disponíveis
em:<http://lattes.cnpq.br/9395941287057357>. Acesso em: mai.2016.
123
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8 Unidade 1 (Cultura e religiosidade), p. 14.
124
Dora Incontri é jornalista, especialista em “educação espírita”, doutora e possui pós-doutorado em
Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com a pesquisa Ética, filosofia, religião e artes, um
projeto interdisciplinar em escola pública. Alessandro Cesar Bigheto é pedagogo, mestre em História
e Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e membro do
Histedbr/UNICAMP – Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”.
125
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), Manual do Professor, p. 3.
105

Embora afirmem não privilegiar nenhuma corrente religiosa, Incontri e


Bigheto empregam, explicitamente, mais citações e referências oriundas do
cristianismo. Trata-se, justificam, da “tradição cultural” na qual a maioria dos
brasileiros está inserida – conforme um dos volumes, o “Brasil é o país com maior
número de católicos no mundo”.126

Na apresentação aos “queridos alunos”, repetida nos volumes do 6º ao 9º


ano, os autores afirmam que Todos os jeitos de crer “foi elaborada com muita
reflexão, pesquisa e fé”. Pretendem aproximá-los “do que há de mais belo e elevado
nas religiões do planeta” e “ajudá-los a refletir criticamente sobre as religiões e
sobre os problemas humanos”.127

Desta coleção acompanhada por muitas ilustrações de diferentes áreas


das ciências humanas, interessa-nos sobretudo os volumes um, três e quatro. O
primeiro discute “para que serve a religião” e o “candomblé brasileiro” (vol. 1:
Vidas). O terceiro aborda a “fé brasileira” e de onde vêm as crenças (vol. 3:
Tradições). O quarto discute as religiões enquanto “manifestações da verdade” (vol.
4: Ideias).

Ainda no terceiro volume os autores introduzem, no capítulo “A Força


Negra”, uma ênfase na “religião dos orixás”. Discorrem sobre a umbanda – “uma
proposta brasileira” – e o sincretismo afro-católico. Também trabalham com a arte
contemporânea brasileira inspirada nos emblemas rituais que sintetizam os
atributos de alguns orixás – neste caso, é feita uma única referência à obra visual
do sacerdote-artista Mestre Didi (1917-2013). Relacionado aos arquétipos da força
e da bravura, esse capítulo voltado ao “conhecimento do candomblé” é aberto de
modo bastante significativo, com uma representação visual de Iansã, ou Oiá, orixá
da cor vermelha, que cospe fogo pela boca. Trata-se de uma aquarela do artista
plástico Carybé (1911-1997), também fascinado, assim como o fotógrafo e
etnógrafo Pierre Verger, pela cultura e religião afro-baianas.

Incontri e Bigheto explicam aos leitores que Iansã “dirige as tempestades,


os poderosos ventos da natureza, a beleza feminina e encaminha os espíritos dos

126
Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade?), p. 18.
127
Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), Apresentação, p. 3.
106

mortos para o outro mundo”.128 Como visto a seguir, na iconografia de Carybé,


Iansã carrega um alfanje de cobre – ligeira mulher guerreira – e um eruexim, rabo
de cavalo com o qual espanta os espíritos egun, os mortos na cosmogonia de
matriz iorubana.

Figura 1 – “A força negra” Iansã


(Carybé- 1911-1997)

Fonte: INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol.3 (Tradições), p. 33

Esse universo relacionado à religião dos orixás é apresentado aos


leitores já no terceiro (“Os orixás que protegem a vida”) e quarto volumes (“Deuses
na Bahia de Todos-os-Santos”) de Jeitos de crer, coleção dirigida às séries iniciais
do ensino fundamental, também assinada por Incontri e Bigheto. Estes empregam,
ao longo dos exemplares, referências míticas extraídas do livro Mitologia dos orixás,
compilação realizada por Reginaldo Prandi (2001). Como exemplo, podemos citar o
momento no qual se discute a “compatibilidade” entre mito, religião e ciência, e é
narrado o mito ioruba da criação do mundo. Noutra passagem, Incontri e Bigheto

128
Idem, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 37.
107

mencionam as narrativas nas quais “Obatalá separa o Céu da Terra” e “Ossaim”,


divindade das folhas e dos preparados medicinais e rituais, recusa-se a “cortar
ervas miraculosas”.129

f) Novo fé na vida (Editora do Brasil)

Os autores desta coleção, Margarida Regina de Almeida e José Donizetti


dos Santos130, têm como objetivo “resgatar os valores essenciais para a formação
do ser humano”.131 Sua divisão interna não é organizada em capítulos, mas em
“Encontros”, “um momento de fé e de esperança, em que Deus se faz presente e
vai, respeitosamente, tocando no coração de cada um”.132 Deus, presume-se que
seja o cristão, é textualmente citado já na apresentação dos volumes, embora seus
autores mencionem a diversidade étnica e religiosa do país, incluindo aqueles “que
vêm de família sem nenhuma crença”. A palavra “crença” também é empregada, ao
menos em dois volumes examinados, como termo equivalente para religião.133
A fundamentação teórica dos autores baseia-se em artigo da cientista da
religião Maria Paula Rodrigues (2003), para quem o ER visa à compreensão
positiva das diversas manifestações religiosas que “interferem na realidade
humana, levando-a para além de seus limites, valorizando o pluralismo e a
diversidade cultural”.134
Essa proposta, orientada pelo modelo do Fonaper (2009), exige a
compreensão do fenômeno religioso “com base em experiências próprias do
ambiente cultural” do aluno. Assim, espera-se, segundo a proposta fonaperiana,
que o estudante matriculado no ER seja despertado para as questões existenciais

129
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), p. 24-25; 107; 210.
130
Não foram localizadas informações sobre a autora Margarida Regina de Almeida. José Donizetti
dos Santos, que assina sua página pessoal como “Professor Doni”, atua no ensino fundamental e
médio lecionando “Filosofia, Educação para a Vida e Sociologia”. Possui “formação internacional
avançada em hipnose ericksoniana” e especialização em “Neurociências e Psicanálise Aplicadas à
Educação”, pelo Centro Universitário São Camilo. Mais informações disponíveis em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7qONLE08VgUJ:www.profdoni.pro.br/hom
e/index.php/a-travessia/perfil+&cd=20&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-b-ab>. Acesso em:
mai.2016.
131
ALMEIDA; SANTOS, Novo fé na vida, “Apresentação”, vol. 4, p. 5.
132
Ibidem, p. 5.
133
Ibidem, p. 5.
134
Ibidem, p. 6.
108

ou relacionadas ao sentido da vida (“Quem sou eu?”, “De onde vim?”, “Para onde
vou?”, “Que faço aqui?”). Que ele também possa compreender o papel das diversas
religiões em seus respectivos contextos socioculturais; que possa “interpretar
construtivamente” as afirmações destas “tradições religiosas” e seja “esclarecido
sobre o direito à diferença e sobre a importância da valorização do outro para uma
sociedade baseada em valores como liberdade e justiça”.135
Segundo a orientação teórica de Rodrigues (2003), estes pontos
“constituem verdadeiro programa de ensino”, dirigido ao cultivo da paz, liberdade,
respeito mútuo, e pode ser desenvolvido entre estudantes de qualquer crença
religiosa ou mesmo não crentes.136 Tal programa reitera os cinco eixos temáticos do
Fonaper em torno dos quais também se apoiam os autores de Novo fé na vida
(culturas e tradições religiosas; escrituras sagradas e/ou tradições orais; teologias;
ritos; ética).
Dessa coleção de nove exemplares foram separados o quarto e o quinto
volumes do Ensino Fundamental I. No quarto o conteúdo é composto pelo “16º
Encontro: Sobre a religiosidade” e “17º Encontro: Sobre a comunicação com o
sagrado”. O quinto reúne o “11º Encontro: A busca do sentido da vida” e o “13º
Encontro: Liberdade religiosa: um direito de todos”.

g) Cultura religiosa (Global)

Este volume assinado por Edson Steel137 não é propriamente um livro


didático, mas é o único dirigido à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Steel se
vale, mas sem explicações, do termo “cultura religiosa” cujo sentido de “cultura”
pode oscilar “entre ser parte ou todo”. Isto porque neste volume, o termo “cultura”
adquire o significado de “conjunto de costumes de uma sociedade, entre os quais
estariam os religiosos; mas ela [a cultura] é também a própria religião, cujas
impressões imprimem marcas no plano pessoal e coletivo” (GIUMBELLI, 2010, p.
49). Quando empregada numa determinada tarefa dirigida ao estudante-leitor
(Indique algum aspecto de sua cultura religiosa...), cultura e religião “se confundem

135
Ibidem, p. 6.
136
Ibidem, p. 6.
137
Steel é bacharel em letras, com licenciatura em língua portuguesa e inglesa pela Universidade
Paulista (UNIP), revisor e produtor de textos didáticos na editora amazonense Novo Tempo.
109

para designar uma vivência individual” (GIUMBELLI, 2010, p. 63). Pode-se dizer
que esta expressão sinaliza a aproximação de pessoas que partilham crenças
comuns, isto é, que se alimentam de uma cultura religiosa.

Em sua “Introdução” e contracapa, Steel afirma que o livro em análise


pretende conferir ao ER um perfil pedagógico, sem foco teológico, doutrinário ou
proselitista, mas coloca, curiosamente, “Deus em experiência no dia a dia”.138
Argumenta que o “estudo religioso” não deveria tratar exclusivamente do “caráter
histórico das religiões”, mas também “conscientizar para que todos ajam em relação
uns aos outros com espírito de fraternidade (irmãos)”.139

Ao invés de conduzir sua escrita em torno da ética, Steel opta pela


“consciência”, uma vez que suas ideias não intencionam

[...] sugerir religiões, nem mostrar “erros” ou indicar “caminhos


certos” para ninguém. Como disciplina [o “estudo religioso”]
conscientiza à moralidade e à prática de valores ensinados por
todas as crenças: praticar a justiça, a caridade, a tolerância, o
respeito... Busca, enfim, a consciência a Deus ou à fé espiritual, tão
necessária em uma sociedade cada vez mais estressada.140

Afirma ainda que, apesar do “pluralismo religioso”, que leva os indivíduos


a percorrerem “caminhos diferentes”, todos são “filhos do mesmo Deus”.141
Contudo, essa pluralidade religiosa defendida por Steel está aprisionada a uma
divindade exclusiva, a cristã. Assim como noutros exemplares de ER nos quais os
autores afirmam tratar-se de uma proposta editorial ajustada à lei federal nº
9.475/97, desprovida, portanto de “foco doutrinário”, que valoriza a diversidade
religiosa, etc., esta edição da Global contempla um maior número de citações
relativas ao cristianismo. Pode-se perceber esta tendência, a começar pela
ilustração da capa (Bíblia aberta no primeiro plano tendo ao fundo um globo
terrestre, e alguns símbolos que representam outras religiões em tamanho menor,

138
STEEL, Cultura religiosa, Introdução, p. 5.
139
Ibidem, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida comunitária),
“Autoconsciência”, p.12.
140
Ibidem, p. 12.
141
Ibidem, “Pluralismo religioso”, p. 20.
110

acima do globo ao fundo).

Figura 2
Ilustração da capa do livro Cultura religiosa (Edson Steel, Global)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

Estas contradições e vieses encontrados nos livros didáticos de ER


podem levar qualquer estudioso das religiões a se perguntar: O que os autores e
organizadores de livros escolares de ER entendem por “doutrinação” e “proselitismo
religioso”?

Em relação às normas federais e estaduais que regulam o ER, nota-se


que elas não apresentam uma definição explícita de proselitismo. Este conceito
encerra uma forma de dogmatismo, que “parte da certeza de verdade única no
campo religioso e ignora a diversidade” (DINIZ; LIONÇO, 2010b, p. 29). No âmbito
do governo estadual paulista, onde está sediada a maioria das editoras de livros
didáticos do país, determina-se que o ER não seja
111

[...] um aglomerado de conteúdos que visam evangelizar ou


procurar seguidores de doutrinas, nem associado à imposição de
dogmas, rituais ou orações, mas um caminho a mais para o saber
sobre as sociedades humanas e sobre si mesmo.142

Se existe uma pergunta em aberto, ao menos uma tentativa foi realizada.


Do autor de Cultura religiosa – Edson Steel – não houve retorno das mensagens
referentes às perguntas acerca da participação dele na edição final do livro e na
seleção das imagens; se ele também era responsável pelas ilustrações, a fim de
melhor examinar os conteúdos reunidos no exemplar analisado. Deste volume,
retive os capítulos “Religare”, “Gênese: origens das religiões”, “Candomblé” e
“Umbanda”.

As religiões afro-brasileiras aparecem em último lugar no segundo


módulo de Cultura religiosa (“Autoconhecimento: necessidade fundamental para a
compreensão da existência”). Nesta parte do trabalho Steel sintetiza os aspectos
históricos de algumas religiões do Brasil e do mundo. Sua intenção é fornecer aos
leitores o conhecimento das origens de cada religião presente no índice do livro, e
que eles possam, gradualmente, compreender a variedade do fenômeno religioso.

h) Manual compacto de ensino religioso

Este manual editado em formato de bolso, de Ana Vasconcelos 143, autora


dos manuais compactos de sociologia e filosofia da mesma editora Rideel, também
não se caracteriza como livro didático. Entretanto, na contracapa lê-se que ele
veicula, de forma concisa e linguagem acessível, as principais religiões do Brasil e
do mundo e os conteúdos programáticos escolares vigentes e atuais do ER.

De acordo com seus editores, a escolha dos textos e dos conteúdos

142
Ver Indicação CEE-SP, nº 07/2001, disponível em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DQEujf0zWloJ:www.regiaolapa.org.br/edu
cacao/index.php%3Foption%3Dcom_phocadownload%26view%3Dcategory%26download%3D17:cart
ilha-do-educador%26id%3D2:apostila-de-ensino-religioso%26Itemid%3D12+&cd=3&hl=pt-
BR&ct=clnk&gl=br#12>. Acesso em abr.2016.
143
Não foram localizadas informações sobre a qualificação acadêmica ou inserção profissional de
Ana Vasconcelos. Raramente esses dados são publicados nos livros didáticos.
112

segue os pressupostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino


Religioso (FONAPER, 2009), do Referencial Curricular Nacional, além das matrizes
curriculares do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) – essas
referências não estão arroladas na bibliografia citada por Vasconcelos.

A cada final de capítulo, Vasconcelos propõe um conjunto de exercícios


(“Teste seu saber”), com perguntas em formato de múltipla escolha, num estilo
semelhante às apostilas de cursos pré-vestibular. Tais exercícios visam sistematizar
os conteúdos abordados, possibilitando a aplicação prática dos mesmos. Alguns
exercícios são perguntas retiradas de gabaritos de concursos públicos para
professores de ER ocorridos em municípios do Paraná, Santa Catarina, Amapá e
Rio Grande do Norte.

No final de cada “Teste seu Saber” os leitores deparam-se com um box


intitulado “Descomplicando o ensino religioso”, com perguntas, resolução e
comentários. Deve-se perguntar, por exemplo, de que maneira um curto texto de
história do Brasil, com ênfase no “trabalho escravo” de indígenas e africanos,
poderia “descomplicar” o já complicado ER.

Desse Manual compacto...foram selecionados os capítulos “O sagrado na


vida humana”, que trata da transcendência, do divino e da noção de religião
baseados no Fonaper, e “No caminho da tolerância”, capítulo onde estão
localizados os temas “religiões de origem africana”, diversidade religiosa e um box
(“Saiba”) reservado ao espiritismo.

***

Considerando os materiais de ER apresentados acima, restam discutir


dois pontos. O primeiro refere-se ao manejo da bibliografia especializada utilizada
nos livros escolares – é sabido que a referência à bibliografia confere maior
credibilidade ao texto didático, acadêmico ou de outra natureza. Esse manejo, no
entanto, é variável. Pode ser “uma mistura e o nível muito acima do nível dos alunos
para os quais os livros são indicados”, avalia Albuquerque (2004, p. 14) em sua
análise dos cadernos de catequese da Diocese de Osasco e dos exemplares de ER
113

da editora Paulinas.

Nem todos os autores separam um item para a listagem das fontes


consultadas (obras acadêmicas, literárias, jurídicas, catequéticas ou teológicas).
Este é o caso de Cultura religiosa, assinado por Steel, e dos exemplares da editora
Ática, nos quais as citações se encontram distribuídas no corpo do texto. Nos
capítulos de Todos os jeitos de crer há uma seção – “Bebendo na fonte” – que visa
oportunizar ao leitor entrar “em contato direto com os textos originais dos autores e
dos livros citados”.144 Esta estratégia pode ser mais atraente para o leitor, mesmo
porque este “contato direto” se faz mediante texto e imagem – em termos de
“requinte visual”, a coleção da Ática pode ser apontada como a melhor da
amostragem referenciada.

Em contraste, os títulos distribuídos pela Moderna, Vozes, Rideel,


reservam, sempre, uma seção final para a bibliografia e sites consultados. As
referências citadas refletem os objetivos da “educação religiosa” e podem ser
divididas em três blocos. O primeiro deles é o bloco “entender as religiões”, que visa
o aprofundamento do conteúdo temático abordado nos livros– história, tradições,
fundamentos das religiões ou “crenças” existentes no mundo. O segundo volta-se
ao aprimoramento da prática religiosa – aqui entram as referências bibliográficas de
catequese e doutrina lançadas por selos católicos. O último bloco reúne obras de
caráter mais acadêmico sobre o ER na escola – incluindo referências sobre etapas
do desenvolvimento cognitivo (Walon, Piaget e outros teóricos da educação) e
legislação do ER, também citada pelos autores dos manuais descritos.

A lista do primeiro bloco é seletiva e quase restrita às “religiões da


humanidade” – catolicismo, islamismo, judaísmo – e às “religiões tradicionais” –
budismo, hinduísmo, taoísmo, confucionismo e xintoísmo; as indicações de obras
sobre as religiões afro-brasileiras são raras. Num ou noutro exemplar de
Redescobrindo o universo religioso são citadas as obras de Rudolf Otto, Emile
Durkheim, Joseph Campbell, Jean Delumeau, dos teólogos Wolfang Gruen, Hans
Küng e Leonardo Boff. Quanto às religiões de matriz afro menciona-se o livro
Orixás, de Pierre Fatumbi Verger, e o homônimo Orixás, escrito pelo médium e

144
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), “Por dentro do seu livro", p. 4.
114

escritor Rubens Saraceni.

Na bibliografia única de Entre amigos, repetida nos quatro exemplares


das séries finais, estão listadas as obras de Mircea Eliade, Marcello Massenzio,
Filoramo Giovanni, sem nenhuma referência relativa às “religiões afro-americanas”
abordadas no nono volume. Convém destacar que no “Suplemento para o
professor” consta o excerto de um artigo do cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom
Odilo Scherer.145 Nele, o cardeal defende o acordo sobre o ER confessional
(católico e de outras confissões) nos estabelecimentos públicos assinado entre as
autoridades oficiais do Vaticano e do Brasil.

O segundo e último ponto a ser compartilhado refere-se à circulação


desse material, sobre a qual também discutem Diniz e Lionço (2010a). Quanto a isto,
Felipe Furtado (Gerente Comercial da Ática & Scipione) respondeu que

[...] as secretarias estaduais e municipais não têm adquirido as


coleções de Ensino Religioso do grupo Ática & Scipione. As
informações que temos é que as secretarias produzem o próprio
material para trabalho em sala de aula, são reportagens de jornais,
revistas e outros veículos de informação. Vale uma pesquisa mais
aprofundada sobre o tema para saber se realmente estão atuando
nesta direção.146

A Paulinas Editora informou que

[...] a Coleção Ensino Religioso Fundamental I e II tem sido vendida


basicamente para as escolas particulares. As escolas da rede pública
até nos procuram solicitando como cortesia a fim de conhecerem a
proposta da coleção, porém, nas esferas das Secretarias Municipais
e Estaduais não houve compra para a rede de escolas.147

O “basicamente” presente na informação acima citada pode sugerir que


as redes públicas adquiriram, no passado, os títulos de ER da Paulinas. De fato, as

145
Dom Odilo Scherer. Estado laico e Ensino Religioso. O Estado de S. Paulo,9 de maio de 2009, p.
A2. Citado em: MODERNA, Entre amigos, vol. 9, Suplemento para o professor, p. 5.
146
Correspondência digital por e-mail de Felipe F. Furtado recebido em 18.02.2013. Outras editoras
apresentadas no quadro 2 também foram contatadas mas não retornaram com as repostas
solicitadas.
147
Correspondência digital por e-mail de Celmo Carlesso (Supervisor de Divulgação) recebido em
18.02.2013.
115

informações oriundas desta editora se contradizem. Segundo Carniato, autora, vale


repetir, dos livros didáticos de ER,

[...] esta coleção [de ER] existe desde a década de 1990 e já passou
por três revisões e ampliações, conforme foram ocorrendo avanços
nas Diretrizes Curriculares da Educação e também no Ensino
Religioso. A última versão é a de 2010, que inclui o Ensino
Fundamental de 9 anos, a nova ortografia e as leis sobre a inclusão
da música e da cultura afro-brasileira e indígena na escola. Esta
coleção, em seus quase 20 anos de existência foi adotada parcial
ou totalmente por diversas secretarias municipais148, como
também a Diálogo - Revista de Ensino Religioso, mas infelizmente,
com as trocas de partidos nos governos, os cortes de verbas e a
mudança de pessoas referências nas equipes técnicas das
secretarias, as adoções não são permanentes. Existe também o
grande problema da multiplicação indevida do material no âmbito das
próprias secretarias. Os livros são adotados com mais frequência e
estabilidade por colégios particulares.149 (grifos meus)

Não há garantia formal de que tal compra seja efetuada diretamente pelos
órgãos estaduais ou municipais de educação. Faltam dados que possam comprová-
la. O único registro desta tentativa de compra ocorreu no Estado do Rio de Janeiro,
aponta Junqueira (2010): trata-se de uma coleção produzida pela Arquidiocese do
Rio de Janeiro/Vozes, de caráter explicitamente confessional, seguindo o modelo de
ER “separado por credos” vigente nas escolas públicas fluminenses.150

3.4. Religião, do substrato cultural ao fenômeno social

O que é ou não é uma religião? O que é designado por esse nome?


Existe um denominador comum para os diversos fenômenos religiosos que permite

148
O setor de divulgação da Paulinas não retornou e-mail sobre quais secretarias adquiriram, no
passado, as coleções de ER (grifos meus).
149
Correspondências digitais por e-mails: 18.01.2013; 21.01.2013.
150
Ver comentários de Sérgio Junqueira em: Editorial do GPER, Grupo de Pesquisa Educação e
Religião, de 4 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=966>.
Acessos: abril; maio; junho/2016.
116

defini-los como tais? Mas com quantos, ou quais, elementos se produz uma religião?
Quem decide sobre isso?151

A definição de religião “é ela mesma o produto histórico de processos


discursivos” (ASAD, 2010, p. 264). Enquanto fenômeno sociológico, não pode haver
uma definição transcultural, trans-histórica ou universal de religião. Os elementos
que lhe constituem, bem como suas relações, são historicamente específicos,
sinaliza Asad (2010) em ensaio no qual examina a teoria da religião proposta pelo
“eminente antropólogo” Clifford Geertz (1989).

Propor essas questões em pleno século XXI talvez pareça absurdo para
muitos que, no calor da hora, não hesitariam em propor alguma resposta a respeito
deste que é considerado um dos principais fenômenos da humanidade. Se,
conforme Geertz (2001, p. 151), existem “coisas demais a que se quer dar o nome
de ‘religiosas’”, alguns talvez arriscassem dizer que a religião é um fenômeno
“natural”, estranho ao devir, cujos significados (ou pressupostos) a ele atribuídos
seriam isentos da revisão ou submissão crítica. Outros poderiam concebê-la como
sinônimo de crença ou fé em alguma divindade distante e onipresente ou talvez
mencionassem a adesão às atividades cerimoniais, rituais e a frequência aos cultos
e reuniões de uma congregação religiosa qualquer (POMPA, 2008; ALMEIDA,
2010).

Apesar da multiplicidade de respostas possíveis, vale incorporar a esse


debate a distinção operacional entre Religião e religião com “r” minúsculo. “São duas
coisas completamente diferentes”, argumenta David Steindl-Rast, em diálogo com
Fritjof Capra e Thomas Matus, no qual discutem as fronteiras da ciência e da
espiritualidade. A Religião com um R maiúsculo serve para distingui-la das várias
religiões. “Traduzida para a vida do dia-a-dia, Religião torna-se espiritualidade;
institucionalizada torna-se uma religião” (STEINDL-RAST, 1998, p. 26; itálico no
original). A diferenciação proposta pelo monge beneditino Steindl-Rast encontra
abrigo em Pannikar, que compara

151
Os manuais de introdução aos estudos das religiões geralmente se detêm em cinco elementos
supostamente universais: origem histórica das religiões, doutrina, culto, ética, livro sagrado (se
houver). Este roteiro também se repete nos livros didáticos de ER.
117

[...] a Religião com a Linguagem. Os humanos têm uma Linguagem,


mas ninguém pode falar a Linguagem; você tem de falar uma língua.
(...). Você não pode ter Religião exceto na forma de uma religião.
Você não pode ter apenas Religião pura, assim como você não pode
falar a Linguagem pura (PANNIKAR apud STEINDL-RAST, 1998, p.
26; itálicos no original).

No Ocidente, recorda Giddens (2005), a maioria das pessoas relaciona a


religião ao cristianismo. Ora, se a história de uma palavra está ligada à história de
uma língua, a da palavra “religião” está vinculada justamente à expansão do
cristianismo (AMADO, 1989). No Brasil, a propósito, não é incomum a íntima
associação entre religião e catolicismo, que foi a religião oficial do Estado até o fim
do Império. Mas, nem mesmo a busca das “filiações ou genealogias histórico-
semânticas” garante um porto seguro aos estudiosos do fenômeno religioso, uma
vez que a noção teórica de “religião” apresenta diferentes concepções e ao menos
“duas fontes” etimológicas possíveis (DERRIDA, 2000, p. 51-55).

A primeira fonte, que remonta aos primeiros cristãos (Lactâncio e


Tertuliano), é religare (reatar, ligar), “aquilo que é capaz de religar, de estabelecer
uma ponte entre deuses e homens” (MATA, 2010, p. 126). A segunda “filiação
semântica e formal comprovada” é relegere (de legere, colher, juntar, congregar) e
se apoia nos textos do orador romano Cícero (De natura deorum), de onde provem a
etimologia religio, expressão latina que designa algo realizado com “a atenção
escrupulosa, o respeito, a paciência, inclusive o pudor ou a piedade” (DERRIDA,
2000, p. 52).

Para os romanos, ser religiosus era sinal de “escrúpulo” em relação ao


culto e observação adequada dos ritos. Segundo Émile Benveniste, somente após “a
vitória do cristianismo é que se impõe à palavra religio a ideia de uma “ligação” entre
o praticante e o objeto do culto” (BENVENISTE apud MATA, 2010, p. 126). Derrida
designa esta imposição cristã-latina como “mundialatinização” da religião, ao refutar,
ironicamente, as interpretações de Benveniste como “inconsequência lógica ou
formal” (DERRIDA, 2000 p. 53).

Antes de qualquer apriorismo que almeje uma definição última para o


termo “religião”, aconselha-se delimitar um sentido mais seguro e amplo para este
conceito, que ultrapasse a referência sedimentada exclusivamente no
118

cristianismo.152 Quanto a isto, é o próprio Giddens (2005), baseado em autores


clássicos do pensamento sociológico (Marx, Weber e Durkheim), quem sugere uma
alternativa diversa daquela observada no senso comum das religiões. Em seus
próprios termos, uma das formas para se evitar as armadilhas de um pensamento
culturalmente tendencioso e, portanto, etnocêntrico, é tratar, primeiro, do que não é
religião.

Essa dimensão da vida social não deveria ser identificada com os


monoteísmos, pois há religiões com diversos deuses ou seres espirituais e religiões
sem nenhuma divindade reconhecida ou cultuada. Mesmo portadoras de preceitos
morais, existem religiões nas quais os deuses não estão interessados no modo
como os humanos se comportam ou conduzem suas vidas na esfera mundana. Além
disso, nem toda religião se ocupa “em explicar como o mundo acabou se
transformando no que é hoje” (GIDDENS, 2005, p. 427; itálicos no original) – há
registros de religiões com mitos de origem – cosmogônicos –, mas essa explicação
não está presente em todas as religiões.

A religião também “não pode ser identificada com o sobrenatural”


(GIDDENS, 2005, p. 427; itálico no original). O confucionismo, por exemplo, não está
preocupado em descobrir se existem verdades que ultrapassem “o domínio dos
sentidos”, e sim na “harmonia natural do mundo” (GIDDENS, 2005, p. 427). Convém
recordar que antes de Giddens, Durkheim abriu este campo de debate em As
Formas elementares da vida religiosa, ao mostrar que a religião não tem por
fundamento essencial a ideia da existência de Deus ou de outro ser divino,
sobrenatural e misterioso, mas a distinção entre o sagrado e o profano.

Se as religiões são “espécies do mesmo gênero” e comparáveis entre si


(DURKHEIM, 2003, p. 150), quais seriam os elementos essenciais que lhes são
comuns? Todas elas estão enredadas em um “conjunto de símbolos” (GIDDENS,
2005, p. 427; itálico no original) que pode provocar sentimentos de temor ou
reverência, e estão vinculados a cerimônias ou rituais apropriados (rezas, cânticos,

152
Dentre os aspectos relacionados ao cristianismo está a “crença em um ser supremo, que (...)
ordena um comportamento moral na terra, prometendo uma vida após a morte” (GIDDENS, 2005, p.
427). Sobre o fideísmo cristão, que pautou a cultura ocidental, recomenda-se o texto de Pompa
(2008, p. 153), onde o conceito de religião é submetido “à mesma revisão crítica sofrida pelo conceito
de cultura”.
119

canções, a ingestão de certos de alimentos etc.) que podem sofrer variações e exigir
a celebração coletiva ou a experiência isolada e solitária.

Apesar das ponderações sugeridas pelo sociólogo britânico, os debates


sobre a natureza (ou origem, como preferem outros) da religião são recorrentes e
recolocados de múltiplas maneiras. Quais seriam as evidências do “religioso” que
permitiriam uma terminologia a priori de religião, seja como categoria analítica, seja
enquanto conceito didático ou metodológico? Seja qual for a solução apresentada,
ela não elimina o problema porque a multiplicidade religiosa no mundo
contemporâneo é imensa, a ponto de não convir um único referencial, que seja
amplamente aceito e empregado para denominar realidades cultural e
religiosamente diversas.

Estamos, portanto, em face de um objeto nomeado de múltiplas formas,


desde os sentidos atribuídos pelo senso comum às nuanças que lhes conferem os
especialistas de diversas áreas. No entanto, elas remetem, quase sempre, à relação
do sagrado com o profano, dos deuses com os homens, dos mortos com os vivos e
deste com o outro mundo – tema perene das reflexões sobre o que nomeamos de
“religião” (DAMATTA, 1991). O fato de não possuir uma definição a priori, universal,
“é um defeito”, admite o cientista da religião Hans-Jürgen Greschat (2005, p. 21),
“mas não uma catástrofe, uma vez que o objeto permanece e a qualidade de
palavras inventadas ou a serem inventadas atinge o objeto apenas marginalmente”.

Ao basear-se nas contribuições de Thomas Luckmann, Mata (2010) propõe


um sentido no qual a possibilidade da experiência religiosa (seja ela individual ou
massificada, como as peregrinações) possa ocorrer mesmo onde não haja um apelo
ao mundo sobrenatural. Ele sugere uma conceituação de religião que possa
comportar, inclusive, sistemas tradicionalmente vistos como filosóficos, por exemplo,
o budismo e o confucionismo. Nestes termos, a religião seria “uma forma
universalmente difundida de prover o homem de mecanismos psicológicos e sociais
capazes de equacionar o problema da contingência” (MATA, 2010, p. 128). Por
serem históricas, as religiões são cultural e temporalmente variáveis e podem
assumir características diversas, conforme os contextos onde tenham se
desenvolvido.
120

Instituída através das práticas de um grupo territorialmente circunscrito, a


religião – nem sempre deísta ou povoada por entidades sobrenaturais153 – visa a
organização de certos “pontos cruciais” da existência individual e coletiva
(MERCIER, 1974, p. 131). Vista por esse ângulo, alguém poderia sugerir que esta
esfera a qual reconhecemos como “religiosa” é localizável em toda parte, tão
universal quanto “a linguagem e o manejo das ferramentas” (SAPIR apud POMPA,
2008, p. 169). Mas, o que pensar das “sociedades onde a esfera do religioso não
adquiriu uma autonomia nítida em relação aos demais momentos e campos da vida
social”? – o autor refere-se às sociedades negro-africanas, em especial a Ioruba
(RISÉRIO, 1996, p. 58).154

Nota-se a desconfiança em torno do conceito demasiadamente estreito de


religião. De acordo com Mata, onde não se observa a “referência explícita a um
além-mundo, experiência do sagrado e uma noção qualquer de ‘salvação’, não
haveria religião” (MATA, 2010, p. 81; grifado no original).

Daí o retorno à hipótese posta inicialmente: parece pouco provável que tanto
as crises do conceito de religião, quanto a sua revisão crítica alcancem as coleções
de livros didáticos de ER. A visão essencialista em torno desse conceito pode se
intensificar segundo o perfil dos autores (formação universitária, militância e
participação em entidades civis ou religiosas vinculadas à implementação do ER) e a
intencionalidade das coleções (e das editoras, é claro!).

3.4.1 O nascimento da religião

Grosso modo, as coleções de ER constituintes da amostra desta pesquisa


exploram o tema Religião/religiões em três níveis principais: a religião enquanto 1)
fonte de sentido da (e para a) vida; 2) aspecto universal da cultura, presente em
todas as sociedades sobre as quais temos alguma notícia; e 3) linguagem composta
por mecanismos que permitem às diferentes religiões se identificarem e se

153
Por exemplo, o budismo, que já foi citado por Durkheim, embora não negue a “existência de seres
divinos”, é ateu, pois não está interessado no problema de saber se existem ou não existem deuses
(AUGÉ, 1994, p. 180).
154
Um “dos marcos da vida tradicional [africana] é a extensão em que as crenças, atividades, hábitos
mentais e comportamentos em geral são perpassados pelo que os europeus e norte-americanos
chamariam de “religião”’ (APPIAH, 1997, p. 156; grifado no original).
121

expressarem religiosamente por meio de emblemas simbólicos, vestes e adornos


corporais, cultos e ritos propiciatórios que favorecem a comunicação com as “forças
divinas”.

Esses três níveis de compreensão do conceito de religião são recorrentes


nos livros de ER examinados; entretanto, a significação conceitual sobre o que é,
afinal, religião, nem sempre é posta de maneira direta aos potenciais leitores
estudantis e se diluem, muitas vezes, nas muitas páginas que compõem cada
coleção.

Num dos volumes de Redescobrindo o universo religioso (Vozes), lê-se, por


exemplo, que as

[...] expressões religiosas são o conjunto de manifestações


referentes à relação das pessoas com seus Antepassados,
Ancestrais e o Transcendente. Existem expressões religiosas que
são manifestadas nos rituais em cada tradição, que acontecem nos
Espaços Sagrados específicos. Há outras expressões que vão além
dos locais de culto, por estarem associados à maneira de ser, agir e
viver de cada pessoa ou grupo humano155.

Quanto à afirmativa na qual a religião é uma experiência atemporal, ou


fenômeno identificável em qualquer circunstância, Correa e Scheneiders não apenas
defendem que “todos os povos são religiosos, e sempre o foram em todos os
tempos”, como creem que a religião é “um dos fenômenos mais extraordinários da
história” e “um dos grandes patrimônios universais da humanidade, assim como a
inteligência e a vontade, a linguagem e os costumes”.156 Para fundamentar esta
visão, os autores recorrem a Plutarco – uma das estratégias frequentes nos livros
didáticos é o emprego de referências e ilustrações relacionadas à antiguidade
clássica:

‘Lançai um olhar por toda a superfície da terra’, diz Plutarco,


historiador grego (aproximadamente 50-120 d.C), ‘e podereis achar

155
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 3 (O jovem e a religiosidade), cap. 1
(O jovem e as expressões religiosas), p. 36.
156
CORREA; SCHENEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano do ensino fundamental, cap. 8
(Religiosidade), p. 63
122

cidades sem trincheiras, sem letras, sem magistrados, sem


habitações, sem uso de dinheiro, mas um povo sem deus, sem
orações, sem rito religioso, sem sacrifícios, não encontrareis’.157

Se “onde quer que tenha existido ou existam povos, existiu, existe e


existirá religião”158, Ana Vasconcelos vai mais adiante a ponto de indicar,
geograficamente, as regiões do globo onde o fiat lux – faça-se a religião – teria se
concretizado: “na Polinésia, Europa, América, Índia, enfim, em todos os cantos do
mundo”.159 Baseada na proposta do Fonaper (2009), ela reitera que “a crença em
algo divino, a fé em um ser superior”, pode ser observada desde “os tempos mais
longínquos, em todas as épocas, em todos os povos”. 160 Sempre houve, “ao longo
da história da humanidade, (...) diferentes e variadas manifestações de substratos
religiosos, consideradas vitais para os seres humanos”.161
Lembremos que o sentido de “substrato” difundido em documentos e
publicações do Fonaper remonta ao termo latino substratu – algo concebido como
essencial, suporte ou fundamento de certo fenômeno; os “conhecimentos religiosos”
(cultura religiosa) estariam na base do “substrato cultural presente em todos os
povos da humanidade” (FONAPER, 2009, p. 8).
Em um dos capítulos de Entre amigos no qual se trata dos “sistemas de
crença, fé e ateísmo”, é dito que os estudiosos de diversas áreas – linguistas,
filósofos, sociólogos, teólogos, incluindo São Tomás de Aquino, no século XIII – se
debruçaram sobre o melhor significado para o latino termo “religião”. Ele foi definido
ora como “fenômeno”, ora como “movimento social de massa”, composto pelos
seguintes “fatos sociais” compartilhados entre grupos religiosos: “um sistema de
crença; um código de práticas, rituais e celebrações; um código de comportamento
moral e uma rede de instituições atuantes e visíveis na sociedade”.162

157
Malba Tahan citado em CORREA; SCHENEIDERS, De mãos dadas, 5ª série/6º ano do ensino
fundamental, cap. 8 (Religiosidade), p. 63.
158
VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p.
29.
159
Ibidem, p. 29.
160
Ibidem, p. 28.
161
Ibidem, p. 29.
162
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença:
fé e ateísmo), p. 33.
123

Em razão disso, segundo avaliação dos organizadores de Entre amigos, é


impossível compreender a história de qualquer civilização, povo ou país, sem ater-se
ao “sistema de crença religiosa que embasa sua vida social”.163 Assim, conhecer as
religiões, é o mesmo que compreender e “identificá-las como parte de uma cultura
mundial”.164

De fato, em diferentes períodos da história, os estudiosos do fenômeno


religioso buscaram responder como surgiu a religião, o que ela é e qual a sua
finalidade, escreve Pozzer, que assina especificamente as obras do 6º ao 9º ano da
editora Vozes. Numa escrita que se aproxima, em alguns capítulos, da linguagem
das ciências sociais da religião – cita Durkheim, Frazer, Tylor e, indiretamente, Marx
–, esse autor propõe um jogo de “Caça-palavras” que, preenchido, fornece os
seguintes pontos de vista sobre o que é “Religião”:

a) Há os que defendem que a Religião é o anseio do ser humano


abatido pela desgraça, a alma de um mundo sem CORAÇÃO. Ao
mesmo tempo em que ela alivia a dor, torna o ser humano indolente,
sem vontade de mudar.
b) Outros dizem que a Religião é o conhecimento dos nossos
DEVERES exigidos pelas divindades.
c) Há aqueles que entendem que ela é o CULTO dos homens.
d) Para outros, ela é um sistema de crenças e práticas referentes
às coisas SAGRADAS, em que seus adeptos formam uma
comunidade.
e) Há os que concordam que ela é DESLUMBRAMENTO frente
ao Sagrado.
f) Outros ainda a definem como sendo um VÍNCULO, ou seja,
espaço em que o ser humano mantém uma profunda relação com
algo ou alguém que o transcende.165

Não satisfeito, Pozzer, ex-coordenador da Comissão de Currículo do


Fonaper, recorre aos parâmetros deste fórum, que define religião como “conjunto de
atitudes e atos pelos quais o ser humano manifesta sua dependência em relação a
potências invisíveis consideradas sobrenaturais”.166 Considera, no entanto, que a

163
Ibidem, cap. 2 (Religião e sociedade), p. 57.
164
Ibidem, cap. 1 (Sistemas de crença: fé e ateísmo), p. 10.
165
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, cap. 2 (Religião: como surgiu, o que é e para
quê?), p. 20; destaques em letras maiúsculas no original.
166
Ibidem, p. 20.
124

[...] maneira como o ser humano lida com essas potências nas
diferentes Tradições Religiosas, por meio dos seus ritos e cultos,
pode se tornar positiva e benéfica, ou também prejudicial, à medida
que leva pessoas ao fundamentalismo, gerando atitudes
discriminatórias e preconceituosas em relação ao Outro.167

As “potências invisíveis” evocadas nessa passagem podem ser associadas


ao “mistério” sobre o qual escreve Carniato. Para esta autora das edições da
Paulinas, a religião é a consequência da tentativa humana de compreender “o
significado da existência no mistério transcendente e no ser criador que as tradições
religiosas chamam Deus”.168

Além do componente misterioso – “Deus e mistério” –, para que haja


“religião” ainda são necessários dois elementos: o sagrado e as atitudes religiosas,
completam os organizadores da coleção da editora Moderna. Atitude pode remeter-
nos à ação, logo, a religião seria um “fato ou experiência humana”, cujos indivíduos
acatam “a existência de uma realidade suprema, que dá sentido ao universo, à vida,
à história coletiva e individual da humanidade”.169

Existem, como visto, diferentes maneiras de se definir o que é a religião,


da mesma forma, existem muitas religiões no mundo. Porém, de acordo com Ana
Vasconcelos, que assina o Manual compacto de ensino religioso, todas as religiões
sinalizam a ideia de aproximação com o sagrado, que fornece “sentido à vida”. Sem
nenhuma menção à clássica definição de Durkheim, a autora acrescenta que a
religião é concebida enquanto “sistema solidário de crenças e de práticas que se
ligam às coisas sagradas”.170 Na coleção da Ática, a referência ao sagrado é
exclusivamente remetida à obra de Eliade (2008), também citado em outros textos
didáticos de ER.
Enquanto “fato universal”, “fato social”, “parte da cultura” ou “movimento
social de massa”, a religião (também) se expressa, conforme escrito em Entre

167
Ibidem, p. 20.
168
CARNIATO, Diversidade religiosa no mundo atual, Unidade 2 (O caminho da montanha), 8º ano,
p. 23.
169
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença:
fé e aeísmo), p. 11.
170
VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p.
29. Cito Durkheim (2003, p. 32), que definiu a religião como “um sistema solidário de crenças e de
práticas relacionadas com coisas sagradas, isto é, separadas e interditas, as quais unem numa única
comunidade moral, chamada Igreja, todos aqueles que a elas aderem” (itálicos meus).
125

amigos, no domínio pessoal – por decisão ou conversão do próprio crente; nos


espaços e atuação dos grupos de adeptos, como templos, grupos de leigos, meios
de comunicação (livros, revistas, jornais e outras mídias de massa); nas normas de
conduta que os orientam; e na sociedade global, onde se constata a ocorrência de
diversas manifestações religiosas.171
Dentre alguns fatores listados no volume da editora Moderna, as religiões
desempenham não só “funções individuais e coletivas, como movimentos de massa
de grande importância social”, mas ao mediar “as instâncias do sagrado e do
profano”, terminam por fornecer “aos seus fiéis uma explicação do mundo e da vida
de forma transcendente, o que lhes oferece um horizonte de esperança”.172
Nas muitas páginas escritas pelos autores dos livros escolares de ER,
cada religião tem seus rituais, suas celebrações, suas doutrinas, seus símbolos e
suas crenças. “Se existe algo em que há diferenças, é precisamente nas
religiões”173, entretanto, todas elas, argumenta Vasconcelos, “objetivam orientar
moralmente o ser humano, religando-o ao Criador”.174 Esta grafia do termo Criador
oscila do “C” maiúsculo ao “c” minúsculo, mas a baliza comparativa é sempre a
mesma: o Deus do cristianismo, onipresente em todas as coleções examinadas.
Os autores de Novo fé na vida defendem que as palavras fé – do grego
pistia e do latim fides (“confiança firme, convicção”) – e religião – derivada do tronco
latino religare – estão presentes na vida de milhares de pessoas espalhadas pelo
mundo.175 Se, por um lado, o sentido de religare encontra-se bastante difundido no
material analítico, por outro, a vinculação entre religião e relegere não é citada. A
propósito, o uso do verbo relegere indica, segundo Adriani (2000, p. 160), “que a
religião deveria entender-se “releitura”, “reeleição”, “revisão”, levando à identificação
e à escolha positiva do soberano Poder divino” (aspas no original).
Na contramão da sugestão vista inicialmente, que recomenda evitar que a
religio seja identificada com o sobrenatural (ou supraempírico), reitera-se justamente
o contrário no volume de Entre amigos. É dito aos leitores que o denominador

171
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença:
fé e ateísmo), p. 33.
172
Ibidem, p. 34
173
Ibidem, p. 10.
174
VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p.
30.
175
“Fé não é apenas confiar, mas confiar e acreditar com afeição, com amor naquilo que acredita,
confia e aposta” (ALMEIDA; SANTOS, 2010, vol. 4, p. 120).
126

comum entre as religiões é precisamente “a crença no mundo sobrenatural”, com o


qual é possível estabelecer algum contato mediante a prática religiosa.176 Os autores
de Todos os jeitos de crer seguem neste mesmo compasso: “todas as religiões
cultuam alguma divindade”; nem o budismo escapou dessa generalização; segundo
Incontri e Bigheto, ainda que não acreditem “num Deus criador”, os budistas
“veneram Buda e os seres que atingiram a iluminação”.177
As relações entre o mundo empírico e supraempírico podem ser
mediadas por fatores diversos, que compreendem um “conjunto de crenças” (Deus,
supremo, transcendência), de “ritos”, que permitem o contato com o transcendente,
e “obrigações”, que condicionam o agir e o pensar. Esta mediação é acrescida por
instituições que visam a tornar a religião visível, ou seja, os “templos e o
sacerdócio” (“o conjunto de ritos que tornam a religião um fato social”) e a
“hierarquia sacerdotal”.178
Apesar de reconhecerem as diferenças entre as religiões, Almeida e
Santos, da coleção Novo fé na vida, também postulam que existe algo de universal
nelas, como certos valores que, mesmo nomeados de maneiras diferentes,
expressam sentimentos comuns: amor, respeito, justiça, fraternidade, solidariedade,
amizade etc.179 As “religiões são muitas”, reforça Steel, contudo, elas buscam,
através de suas doutrinas e ensinamentos, “levar as pessoas à compreensão dos
assuntos referentes a Deus”.180 Se os rituais e orientações morais são diferentes, “o
objetivo é sempre o mesmo: praticar sempre o bem para o crescimento espiritual”.181

A caracterização do que venha a ser “religião” nas fontes analisadas


articula-se a outros fatores que podem ser evidenciados, se observarmos as noções
temporais explicitadas. Em suas explicações sobre a origem ou nascimento das
religiões, parte dos autores não se arrisca em estabelecer um momento exato para
isso; no entanto, eles mobilizam interpretações baseadas em tempos remotos, onde

176
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A
religião na Antiguidade), p. 59.
177
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a
divindade?), p. 10.
178
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A
religião na Antiguidade), p. 56; destaques em negrito no original.
179
ALMEIDA; SANTOS, Novo fé na vida, vol. 4, 16º Encontro (Sobre a religiosidade), p. 120.
180
STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida
comunitária), “Religare”, p. 26.
181
Ibidem, p. 26.
127

as “raízes das religiões” estão perdidas em um passado imemorial ou na pré-história


da humanidade. Neste período, considera-se que os humanos acreditavam “na
transcendência e explicava o mundo de forma mágico-religiosa”.182 Tal explicação,
acrescenta os organizadores de Entre amigos, pode ser deduzida a partir da análise
da forma como o homem (“animal religioso”) sepultava seus mortos, realizava suas
pinturas, esculturas e monumentos de pedra lascada.

Posteriormente, outros povos como astecas e maias, adoraram astros e


acreditaram em deuses celestes. Cidades e templos foram construídos e dedicados
aos deuses considerados pagãos. Antes disso, porém, a religião existiu nas
“sociedades menos complexas”, nas “primitivas” ou “tribais”, onde, assim como nas
atuais, observava-se a existência de crenças religiosas e valores morais que
orientavam a vida em sociedade.

Em outras ocorrências, a religião é posta como dimensão intrínseca, pois


é entendido que não há ser humano desprovido de algum tipo de religião: “Deuses,
espíritos, forças da natureza – em todos os tempos, a humanidade acreditou em
alguma coisa”.183 Os autores de Todos os jeitos de crer, em exemplar destinado ao
8º ano, são mais enfáticos ao afirmarem que a religião é a forma de saber

[...] mais antiga de conhecimento humano. Antes de existir a filosofia,


antes que a ciência fosse praticada, antes que o direito político fosse
estabelecido, o ser humano já possuía práticas de devoção aos
deuses e aos espíritos, rituais de invocação e adoração das forças
da natureza. Nunca houve uma cultura que não tivesse alguma forma
de religiosidade.184

É possível extrair ao menos duas percepções do material analisado. A


primeira diz respeito à crença segundo a qual desde que o mundo é mundo a
humanidade sempre foi religiosa. A religião – e, por suposto, o sentimento dela
oriundo – seria derivada da mais íntima e profunda necessidade dos “seres
religiosos” se relacionarem com as forças invisíveis através de alguma forma de

182
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 2 (As religiões do passado e presente), cap. 3. (A
religião na Antiguidade), p. 59.
183
INCONTRI; BIGHETO, Todos os Jeitos de crer, vol. 1 (Vidas), cap. 1 (Cada um com a sua crença),
p. 12.
184
Idem, Todos os Jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a divindade), p. 10.
128

culto ou adoração.185 Reafirma-se, assim, a universalidade da religião, mas a torna


relativa, pois se existe algo no qual haja diferença, este algo é a religião: “Há
diversos modos de encararmos as religiões. Eis a mais tradicional: conhecemos
apenas a nossa religião e achamos que só ela está com a verdade”.186

Nesta lógica, os seres humanos d’agora seriam herdeiros de uma


religiosidade ancestral, incluindo os indivíduos que não atribuem importância alguma
à vida religiosa, que recusam toda e qualquer visão divinizada do mundo. Mesmo
que o dogma do inatismo187 fosse admitido, não seria descabido indagar novamente:
a “necessidade do sagrado” é uma “invariante da condição humana” (PIERUCCI,
1997, p. 110)? A transcendência está “na raiz de toda criação cultural”
(FIGUEIREDO, 2001, p. 19-20)? Sem considerar estes questionamentos, é possível
que os produtores de ER continuem a afirmar em uníssono que a religião é uma
constante da espécie humana, a ponto de dispensar toda e qualquer racionalização
prévia.

Posta de maneira axiomática e imanente, a religião essencializa os


indivíduos e sua função é preencher o “vazio” – ou “buraco” –, a “falta”, a “carência”,
espantar a tristeza, evitar a solidão e o isolamento social.188 Entretanto, os sujeitos
modernos têm se voltado, cada vez mais, para “novas formas de religião”, deixando-
se conduzir pelos prazeres mundanos – moda, diversão, consumismo, culto ao
corpo etc. –, em prejuízo da “espiritualidade” e abandonam “virtudes tão necessárias
no dia-a-dia”. Resultado: “muitos choram”, lamenta Steel.189

Esta mensagem, que se aproxima do tom religioso de uma pregação ou


homilia, é frequentemente elaborada por meio de frases e termos amenos, que
visam a acolher aqueles que procuram auxílio espiritual e alívio dos estados de

185
Ainda nos termos de Steel, a “religião é a “ponte” entre o sobrenatural e as pessoas, ou a “ligação”
entre o ser humano e o Ser supremo, do qual imaginamos depender e ao qual reverenciamos de
acordo com o nosso entendimento” (STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual
para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p. 25).
186
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), cap. 1 (Onde está a verdade?), p.
10.
187
Para uma abordagem crítica do inatismo religioso em Jung, por exemplo, ver Dalgalarrondo
(2008).
188
“(...) o vazio, um “buraco”, manifesta-se no coração pela ausência de uma coisa bem mais simples
que qualquer um pode dar: afeto!” (STEEL, Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual
para mais consciência na vida comunitária), “Autoconsciência”, p. 13).
189
Cultura Religiosa, Módulo 1 (O conhecimento individual para mais consciência na vida
comunitária), “Autoconsciência”, p. 26.
129

aflição causados pela modernidade secular. Os incrédulos, aqueles que desdenham


o fato religioso, ainda não tocados pelo “beliscão do destino”, jamais poderão
compreender o sentido da vida – cujo significado deste sentido é mais poetizado que
propriamente conceituado pelos autores citados. Assim, estes incrédulos saem
mundo afora “em busca de soluções extremas, como o uso de drogas, de álcool e
outros riscos à saúde e à vida”.190 Para que a vida tenha algum sentido, o recado
dado pelos manuais de ER é que existe, sim, uma luz no fim do túnel; no entanto,
para que haja luz, defende-se o engajamento religioso.

A segunda percepção foi, de certa forma, antecipada por Albuquerque


(2004) durante simpósio temático ocorrido numa das reuniões anuais da Anpocs.191
Em sua exposição a respeito das conexões entre “Estado e ensino religioso” no
Brasil, ele foca em alguns cadernos de catequese distribuídos pela Diocese de
Osasco (São Paulo) e nos livros didáticos de ER do 6º ao 9º anos publicados em
2001 pela editora Paulinas.192 Argumenta que as edições de ER da Paulinas
apresentavam narrativas erradas, superficiais e enviesadas; assuntos religiosos
retirados dos respectivos contextos e tratados de maneira desconexa e deslocada.

Das quatro ocorrências apresentadas pelo autor, o cristianismo “é


explicado como bem simples”, entretanto, “se busca tornar difícil a compreensão das
outras religiões, apesar da forma diplomática” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 16). O
budismo é interpretado numa linguagem teísta: “(...) subitamente ele [Buda]
compreendeu que o sofrimento não é a vontade de Deus, mas é o resultado das
ações erradas das pessoas que prejudicam os outros ou a si mesmos” (CARNIATO
apud ALBUQUERQUE, 2004, p. 14). Em resumo: apresentar as várias religiões
coexistentes no mundo contemporâneo não necessariamente contribui para o

190
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, Unidade 1 (Religião e sociedade), cap. 1 (Sistemas de crença:
fé e ateísmo), p. 35. Cito trecho literal: “Segundo pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp-SP): “[...] estudos realizados em diferentes contextos socioculturais demonstram
que em populações de estudantes adolescentes e jovens verifica-se a associação entre não ter
religião [...], ter pouca crença religiosa, não frequentar igreja e cultos e maior uso de álcool e drogas”’
(MODERNA, 9º ano, 2009, p. 35).
191
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais.
192
Desde as primeiras publicações da coleção da Paulinas passaram-se mais de dez anos. Apesar
das alterações nas edições mais recentes, o conteúdo severamente criticado por Albuquerque, em
2004, permanece quase inalterado. As edições da mesma editora incluídas na amostra deste capítulo
são mais recentes e foram publicadas em 2010.
130

aprendizado delas; ao contrário, pode reforçar a fixação e a banalização de


estereótipos étnico-religiosos.

Albuquerque enfatiza que, além da “linguagem infantilizada”, responsável


por transformar as crianças em seres “imbecis”, em contraste com o “nível
sofisticado” da bibliografia citada nos volumes redigidos por Carniato, há um enorme
desperdício de espaço em tratar de formas religiosas temporalmente distantes de
nós. Este desperdício ocasiona um prejuízo ao não se abordar as religiões de
grupos étnicos ou nacionais mais próximos de nós, tais como coreanos, bolivianos,
africanos de diversas partes do continente, haitianos etc. Estes grupos estão
presentes, sobretudo, mas não apenas, nas grandes capitais brasileiras. Dessa
forma, “seria extremamente importante mostrar seus usos, costumes e crenças
religiosas, de modo a contribuir para a cidadania que conhece o outro”
(ALBUQUERQUE, 2004, p. 14).

Seguindo nessa linha, nos questionamos também quanto à religiosidade


de matriz afro-brasileira, esta “outra” que sempre esteve muito próxima de nós,
presente em diferentes domínios da cultura nacional. Quais elementos são
invocados na abordagem conceitual dos cultos afros cujas cosmovisões e
ritualísticas soam estranhas para muitos brasileiros? Voltarei a este assunto no
próximo capítulo seguinte.
131

CAPÍTULO 4

MACUMBA É RELIGIÃO? ABORDAGENS ESCOLARES SOBRE AS


MATRIZES CULTURAIS DO MUNDO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO

A consciência religiosa deve,


primeiramente, processar o encontro
dissonante, do ponto de vista cognitivo,
com outras confissões e outras religiões.
Jürgen Habermas (2002)

Nenhum pai evangélico aceitará que seu


filho assista aulas que falem de
espiritismo ou umbanda.
(Pr. Ciro Melo)193

Em razão da hegemonia que ocupa na sociedade brasileira, bem como


noutras regiões do globo, é sabido que o cristianismo dito universal tem sido,
histórica e culturalmente, o modelo padrão de definição e classificação do que é
considerado religião. Cabe então observar quais são os parâmetros empregados na
abordagem conceitual das religiões afro-brasileiras. Uma vez que essas religiões
recobrem uma variedade de ritos (nações) e são caracterizadas por um arsenal
complexo, que envolve conceitos, símbolos, objetos, liturgias diversas etc., como
elas são explanadas nos livros didáticos de ER?

Antes de prosseguir com esta interrogação, é necessário situar que o


título que serve de inspiração a este capítulo decorre de uma “brincadeira” feita por
um aluno matriculado na “aula de Religião” ministrada em uma escola pública
estadual localizada na “periferia” de Campinas/SP. Ao recordar sua expressão facial,
é possível assegurar que tal indagação continha certo “espanto” ou mesmo uma
desconfiança – “Como assim, macumba é religião?!”.

193
Convenção Nacional das Assembléias de Deus no Brasil (ARANHA; MENDONÇA, 2008, p. 114).
132

Esta indagação, seja por recato ou diplomacia, não é posta naqueles


termos nos livros escolares de ER reunidos na amostragem deste e do capítulo
anterior. A expressão macumba194 sequer é citada mesmo quando se discute a
(in)tolerância religiosa que afeta as religiões afros. É sabido que a extensão do
significado dela pode variar segundo a perspectiva e a intencionalidade do emissor
do discurso. No contexto escolar registrado, ela veio à baila com sentido de pecha
ou jocosidade.

A palavra macumba é geralmente empregada com este tom pejorativo


quando os emissores do discurso desejam se referir às oferendas, ou despachos,
que os afro-religiosos depositam em locais específicos (encruzilhadas, matas,
cachoeiras, praias etc.). Além desta associação, a macumba encerra outro sentido
relacionado aos demais: “a ação e o efeito da manipulação de entidades de
esquerda por uma pessoa sobre ou contra outra” (BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p.
346; itálicos no original). Nessa acepção, ela equivaleria a “trabalho”, “feitiço”, “coisa
feita”, “coisa mandada”, prática mágica com finalidade nefasta. O que se percebe é
que a mesma expressão transita da religião à magia e desta para a primeira, uma
vez que as religiões afro-brasileiras são conhecidas (e combatidas) em razão do
aparato mágico-religioso a elas associado – o “arsenal da macumba”, segundo
Yvonne Maggie (2005, p. 36).

Mas, antes do surgimento da umbanda195, nos anos 1920, a designação


macumba era usada de forma genérica, nem sempre depreciativa ou acusatória,
para nomear o conjunto das religiões mediúnicas afro-brasileiras. Destacam-se,
neste conjunto, de modo mais restrito, a própria umbanda e o candomblé também
praticado pelas camadas populares das grandes cidades, sobretudo do Rio de
Janeiro (ISAIA, 2006).

Ao discorrer sobre os usos e o histórico da palavra, eis que localizo o


encarte de uma gravação musical, de 1955, coincidentemente intitulada Macumba,

194
A procedência etimológica pode ser o termo banto makuba – “reza” ou “invocação” – encontrado
nas línguas Kikongo e Kimbundo (CASTRO, 2005).
195
A origem da palavra umbanda vem da raiz banto mbanda, “tabu”, “coisa sagrada”, “súplica” ou
“invocar os espíritos” (CASTRO, 2005, p. 347).
133

do músico, compositor, pintor naïf e fundador de escolas de samba do Rio de


Janeiro, Heitor dos Prazeres.

Figura 3 – Encarte do disco “Macumba”

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

Heitor dos Prazeres era frequentador das macumbas de Tia Ciata, João
Alabá, João Abedé e outros “tios” e “tias” baianas que migraram de Salvador/BA
para a antiga capital federal. No precioso e colorido encarte (uma pintura do próprio
Heitor dos Prazeres), que vai do didático ao artístico, a palavra macumba nomeia

[...] na linguagem popular (...) uma dansa de origem Africana, cujo


ritual é de Angola e com fundo religioso. As suas canções
representam orações que eleva, com o som de seus batuques e
ritmo, espiritualmente, as preces aos Orixás, que são seus
protetores. Por exemplo: Jesus Cristo – OXALÁ; N.S. da Conceição –
OXUM; Santa Bárbara – INHANSSAM; S. Jorge – OGUM; S.
Jerônimo – XANGÔ, etc. O pai de Santo é um sacerdote, homem ou
mulher, com conhecimentos profundos do ritual, sendo acatado é
conhecido. O pai de Santo tem como seus auxiliares os cambônos e
as sambas. Cambônos são os seus tocadores de Atabaques, que
134

são os tambores, enquanto que as Sambas são suas auxiliares


atendentes.196

É possível extrair deste encarte ao menos três elementos característicos


dos cultos afro-cariocas, que não foram identificados por um juiz federal – sobre o
qual voltarei ainda neste capítulo. Ele apresenta a liturgia dansada nos terreiros
(cantigas, batuques, preces e orações), passando pelo paralelismo ou similitude
entre santos e orixás e, por último, os diferentes níveis da estrutura hierárquica dos
cultos afros. O encarte menciona pais, mães, sambas – equivalente às iaôs do
candomblé – e cambonos – posto masculino, porém ocupado, na prática
umbandista, conforme autonomia de cada terreiro, podendo ser, indistintamente,
desempenhado por homens e mulheres de qualquer idade. O cambono é o que está
mais próximo do posto ritual do ogã na hierarquia do candomblé que, ao contrário da
umbanda, veda às mulheres a percussão dos atabaques.

Os elementos explicados acima poderiam ser citados pelo professor de


ER da turma de Campinas, quando foi questionado se “macumba era religião”. Ele
foi surpreendido, durante sua aula, com uma questão referente a um tema tratado
quase sempre, para não dizer, literalmente, como tabu no universo escolar –
retomarei este ponto no capítulo seguinte. Tal digressão serve de pré-texto para este
capítulo e permite-me prosseguir neste “pantanoso tema do que venha ser religião”
no Brasil, segundo despacho do juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugênio
Rosa de Araújo.

Ao julgar uma ação pública na qual indeferiu o pedido do MPF (Ministério


Público Federal) para que o Google excluísse quinze vídeos ofensivos aos cultos
afros postados pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o citado magistrado
resolveu ditar, em poucas linhas, o que seria ou não uma religião.197 Em sua

196
Macumba. Heitor dos Prazeres e sua gente (Long Play). Rádio Serviços e Propaganda Ltda. Rio
de Janeiro-RJ, 1955. A aproximação entre santos e orixás foi originalmente destacada, no encarte,
em letras maiúsculas.
197
Quatro dias após a primeira declaração, em 20 de maio de 2014, o juiz reconheceu publicamente,
diante do “forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil”, que os cultos afros eram, ou melhor,
são religiões. Reportagem completa, incluindo íntegra do texto no qual o “juiz volta atrás” em:
<http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/juiz-federal-volta-atras-e-afirma-que-cultos-afro-
brasileiros-sao-religioes.html>. Cobertura parcial realizada pela imprensa paulista (Folha de S. Paulo
e O Estado de S. Paulo), que menciona a participação de fiéis e pastores evangélicos, mas não
informa aos leitores que os vídeos foram postados no site Youtube pela IURD – “bispo Macedo
135

decisão, ele afirmou que “macumba, umbanda, candomblé ou quimbanda” não eram
religiões. A contradição perceptível nesta decisão – que passou despercebida pela
imprensa, comentaristas e pareceristas que surgiram de todos os cantos – é que ao
se referir aos “cultos afro-brasileiros”, o juiz empregou a expressão “manifestações
religiosas centenárias” (itálico meu), para negar-lhes, em seguida, o qualificativo
“religiosas” anteriormente atribuído.

Segundo o mesmo juiz, as religiões afro-brasileiras não apresentavam os


“traços necessários” de uma religião: um livro sagrado que sistematize suas práticas,
um quadro sacerdotal e um Deus único a ser venerado por seus adeptos. Essa visão
classificatória das religiões está em desacordo com tradições ou culturas religiosas
que não têm um ser transcendente – Deus –“como o seu horizonte último” ou que
não possuem “uma teologia elaborada que defina uma identidade para esse Divino,
ou seja, Deus não é um dado evidente, uma realidade indiscutível, mas um conceito
equívoco” (DANTAS, 2007, p, 52).

Em relação ao livro sagrado ou à “Escritura” divinamente


produzida/interpretada (ASAD, 2010), Deotins Roberts escreve que, ao contrário das
religiões semíticas, asiáticas e do Oriente Médio, as de origem africana não são
religiões do Livro, ou do Verbo, sendo impossível compreendê-las recorrendo à
lógica ou à metafísica ocidental (AMADO, 1989). Quanto às religiões de matrizes
africanas praticadas em território brasileiro, elas se mantêm culturalmente vivas, de
fato, através de práticas que se apoiam na transmissão oral, mas sem rejeitar a
escrita. Admite-se o uso interno de cadernos de fundamento onde os fiéis registram
o conhecimento paulatinamente acumulado por meio da experiência religiosa
individual e coletiva – rezas, cantos, ritmos rituais; técnicas divinatórias (jogo de
búzios); classificação, manipulação e utilidade das folhas sagradas; a linguagem
litúrgica, cujo vocabulário de uso religioso difere de uma nação para outra, entre
outros elementos raramente (re)conhecidos por aqueles que produzem materiais
didáticos para o ensino escolar das (e sobre as) religiões.

Não obstante a convergência entre as afro-religiões brasileiras, elas são


internamente diversificadas. Como exemplos, podemos citar a crença num conjunto

entrevista ex-pai-de-santo que o desafiou”. Vale destacar que o mesmo juiz também classificou a
Igreja Universal como não-religião. Ver <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1455758-
umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes-diz-juiz-federal.shtml>. Acessos em: abr./mai.2016.
136

variável de orixás, inquices, voduns, guias ou encantados, os repertórios específicos


de coreografias rituais, que se relacionam com a música vocal e instrumental; o
calendário festivo, que sofre algumas variações regionais e organiza as cerimônias
sacras distribuídas ao longo do ano; a hierarquia religiosa, que distribui as funções e
atividades rituais baseadas na senioridade – tempo de iniciação – e no sexo/gênero
enquanto aspecto (de)marcador das tarefas atribuídas aos homens e às mulheres.198
Tais religiões ainda comportam uma explicação de mundo ou cosmovisões que se
pautam em um patrimônio de mitos e ritos que tem o efeito de produzir um conjunto
de crenças partilhadas entre os adeptos.

Quanto à ausência de um “deus criador”, segundo entendimento do juiz


Eugenio Rosa, cito uma narrativa cosmogônica corrente no candomblé de matriz
nagô-ioruba199, cuja procedência geográfica remete-nos ao Oeste da atual Nigéria,
centro e sul da República da Benin. Não se pretende, com a narrativa abaixo, querer
reivindicar, para o candomblé ou outras variações rituais e regionais de culto afro-
brasileiro, uma configuração ocidental-cristã de “religião”, a fim legitimá-las como
“religiões”. O importante é demonstrar que as cosmovisões africanas associadas às
religiões afro-brasileiras não são baseadas em uma concepção binária de mundo
(bem versus mal, por exemplo), e sim na noção de equilíbrio. Em certos casos,
tamanho equilíbrio pode ser consequência de uma batalha entre seres espirituais ou
daquilo que chamarei, a seguir, de discórdia mítica.

O mito informa a crença em um ser supremo, todo-poderoso, chamado


Olorum ou Olodumaré. Este ser criador incumbiu os orixás, “entidades obreiras”, de
conduzir o mundo e as ações humanas. O velho Obatalá é quem ocupa o lugar
primordial na narrativa – tido como “o grande orixá”, sempre apoiado em seu cajado

198
Quer cultuem um único Deus (monoteísmo), quer celebrem inúmeros deuses (politeísmo), as
instituições religiosas necessitam de especialistas preparados para lidar com a(s) força(s) divina(s).
No candomblé, assim como em outras denominações próximas, não é diferente. Suas relações de
poder são hierarquicamente ordenadas mediante laços de parentesco ritual (famílias-de-santo)
expressos em termos africanos: abiã, primeiro degrau, pessoa não-iniciada, aspirante, que participa
de algumas cerimônias, sobretudo públicas; iaô, filha ou filho-de-santo iniciada(o); ebomin, adepta(o)
que cumpriu suas obrigações de sete anos de iniciada(o); babalorixá e ialorixá, pai e mãe-de-santo,
os postos mais elevados na hierarquia sacerdotal dos terreiros. Há, ainda, os postos auxiliares
ocupados pelas equedes (mulheres que cuidam dos orixás manifestados e de seus objetos rituais) e
pelos ogãs (homens responsáveis pelos cânticos, toques de atabaques e outras atividades
masculinas) (SANTOS, 2012).
199
A civilização nagô, ou ioruba, é composta por vários subgrupos étnico-culturais – oyó, ijexá, ketu,
entre outros. Sobre a etnogênese Ioruba, recomenda-se a leitura de Matory (1998).
137

ancestral, representado na aquarela do artista Carybé (1911-1997), que ilustra um


mito sobre a separação entre o “céu e terra” narrado na coleção Todos os jeitos de
crer.200

Figura 4 – Cortejo de Oxalufã (“Oxalá velho”)


(Aquarela de Carybé)

201
Fonte: INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), p.107.

Obatalá foi o primeiro ser criado por Olorum– o dono do Orum, espaço
infinito202 –, de quem recebeu a missão de criar a Terra. Entretanto, ao se descuidar
das oferendas de Exu – senhor do movimento –, Obatalá é acometido por uma sede
inumana, embriaga-se de vinho de palma e cai num sono profundo. Oduduwa, outro
lendário ancestral dos Ioruba, rapidamente recolheu o saco que continha a terra
primordial e lançou-a sobre o mundo inacabado. Plantou uma palmeira de igiopé –
dendezeiro – e uma galinha d’angola ciscou e espalhou a terra. Esta Terra recém-
criada mais tarde seria batizada de Ilê-Ifé, centro difusor da cultura iorubana. A
iniciativa de finalizar a criação do mundo gerou uma discórdia entre Obatalá e
Oduduwa. Com isto, Olorum conferiu ao primeiro (Obatalá dirigiu-se ao ser supremo

200
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 4 (Ideias), cap. 8 (O paraíso onde fica?), p.
107.
201
No centro da ilustração (cortejo) encontra-se Oxalufã acompanhado por: 1) Ogum (deus guerreiro
de espada na mão), em seguida, 2) Obaluaiê (de capuz de palha, orixá da cura), atrás dele, no canto,
3) Ossaim, o deus das folhas rituais e medicinais; ao seu lado, 4) Oxum, a deusa do amarelo, do ouro
e da beleza; 5) outro Obaluaiê (de capuz de palha) e, a sua frente, 6) Xangô, orixá da justiça, que
carrega um machado duplo (a justiça, enquanto princípio, tem, no mínimo dois lados).
202
“Devemos pensar que o Orum, o lugar de Olodumaré e de onde partiram Odudua e Obatalá, é lido
não como céu, mas como o outro lado, o longínquo” (ARNAUT; LOPES, 2005, p. 32; itálicos meus).
138

a fim de expor sua queixa) o poder de criar, através da lama ancestral, a


humanidade e todos os seres vivos que habitariam o aiê, a terra firme.

Essa narrativa cosmogônica reproduzida nos terreiros pode sofrer


alterações, mas reúne os principais elementos que permitem-nos debater com o juiz
Eugênio Rosa, que negou ao candomblé o estatuto de religião pela suposta falta de
um deus supremo. Alguns reconhecem o candomblé como religião politeísta, ao
passo que outros o defendem enquanto tradição monoteísta, uma vez que se admite
a existência de um ser supremo, criador do universo. Assim como em outras
cosmogonias, este ser afasta-se de sua obra sem exigir culto de louvor ou adoração,
tendo delegado às entidades menores – orixás – o ordenamento e o governo da vida
na terra.

E quanto ao que foi exposto acima, o que diriam os autores dos manuais
voltados ao ensino das religiões? Como definem ou classificam as religiões de
matrizes africanas no Brasil? Seriam elas politeístas ou monoteístas? Seitas,
crenças ou tradições culturais?

4.1 Religiões afro-brasileiras nos livros escolares de ensino religioso

É comum os autores das coleções examinadas insistirem que um dos


pilares do ER é o respeito à pluralidade cultural e religiosa e o reconhecimento de
outras religiões. Longe “de excluir ou desprezar qualquer experiência ou pertença
religiosa”, completa a autora da Paulinas, o ER “valoriza os diferentes
conhecimentos vivências e modos de crer, presentes na sala de aula, na escola e na
sociedade”.203

Entretanto, são poucas edições que tratam, com mais profundidade, das
religiões afro-brasileiras em comparação com outras formas de religiosidade
coexistentes no país. Após observar a amostragem reunida, considerando sua
totalidade e abrangência, percebe-se, por contraste, o espaço diminuto destinado
para as religiões afros, muitas vezes centrado no sincretismo religioso afro-brasileiro,
sem propor outros desdobramentos. Como sinalizado anteriormente, sem
desconsiderar que as “tradições” afro-religiosas compartilham características
203
CARNIATO, Nossa opção religiosa, 9º ano (professor), “Convite a quem ama a educação”, p. 5.
139

comuns, que permitem contrastá-las com outras religiões praticadas pelos


brasileiros, são raras as ocasiões nas quais elas são abordadas isoladamente – por
exemplo, “no Candomblé...”, “na Umbanda” etc.

Os exemplares da coleção Redescobrindo o universo religioso (Vozes)


destinados aos professores de ER contêm, sempre, alguma referência, mesmo
superficial, sobre as “tradições africanas” e “afro-brasileiras”. Isto é, “grupos culturais
religiosos de matriz africana”, com destaque para o candomblé e uma única
referência aos demais cultos afros, como o “Tambor de Mina, a Umbanda, Xambá,
Catimbó, Omolocô, Batuque”.204 Nota-se, nos volumes de Redescobrindo..., a
terminologia genérica – “cosmologias africanas”, “Tradições africanas”, “religiões
africanas” – associada a outros termos empregados para se referir às “Tradições
Religiosas Afro-brasileiras”.

À revelia da variedade de cultos que constitui o complexo religioso afro-


brasileiro, os autores de livros didáticos de ER concentram-se nas variações mais
conhecidas no país: o candomblé e a umbanda. Ocorrências sobre essas variações
rituais são mais frequentes nas coleções da Ática e Vozes, porém visivelmente
escassas nas edições da Paulinas, Scipione e Editora do Brasil. Nota-se, inclusive, o
tratamento diferenciado conferido aos líderes das “grandes religiões” em prejuízo
das lideranças religiosas afro-brasileiras. Dentre os mais citados nos livros didáticos
examinados encontram-se Jesus, Gandhi, Martin Luther King, Dalai Lama, Madre
Teresa de Calcutá, papas católicos, entre outros. Mãe Menininha do Gantois (1894-
1986) é uma das únicas “belas vidas” lembradas num dos títulos da editora Ática. 205
Da Bahia, que tem um “povo moreno e bonito”, “muita religião” e “muita arte”,
também são citados os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil e o escritor Jorge
Amado.206

Candomblé e umbanda são apresentados aos estudantes-leitores


seguindo-se uma temporalidade histórica na qual a formação do primeiro antecede o
surgimento metropolitano da segunda. A umbanda seria uma “nova religião” que se
espalhou pelo Brasil a partir do Rio, tendo desembarcado nos países do

204
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 4 (O jovem: diferenças e
discernimento), cap. 2 (Discernimento e Tradições Religiosas), p. 54.
205
INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, 3º ano, cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 42-43.
206
Idem, Jeitos de crer, 4º ano, cap. 4 (Deuses na Bahia-de-Todos-os-Santos), p. 58.
140

MERCOSUL e da Europa, onde é praticada por sujeitos de múltiplas nacionalidades


e classes sociais, dispostos a vivenciar a “técnica” do transe mediúnico e outras
práticas rituais das religiões afro-brasileiras. Segundo Bastide (1971), ela é o
resultado último do que se tornaram as “religiões africanas” ao perderam seus
valores e características tradicionais, no meio urbano e industrializado do Sudeste
brasileiro.

O “mito” relacionado à sua origem informa que o primeiro templo


umbandista foi fundado pelo comerciante Zélio Fernandino de Morais (1891-1975),
em Niterói/RJ, no dia 15 de novembro de 1908. Daí nascera a Tenda de Umbanda
Nossa Senhora da Piedade, local onde Zélio, ‘“o anunciador” da nova religião, pôde,
a partir de então, cultuar as entidades afro-brasileiras banidas dos centros e
associações que pregavam o espiritismo kardecista e desprezavam as tradições
herdadas do continente africano (SANTOS, 2012). Resultado de uma discordância
com a doutrina de Kardec, ainda assim os umbandistas não abandonaram certos
princípios, como a ideia de hierarquia astral (entidades agrupadas em “superiores” e
“inferiores”), evolução espiritual, reencarnação e prática de caridade. Talvez se
possa afirmar que a umbanda já nasce como religião reformada. Uma reforma,
assim como uma religião, não se inicia do zero. A “constituição de uma religião nova
é algo essencialmente histórico e progressivo”.207

Apesar da ênfase depositada no candomblé e na umbanda, escapa aos


autores de livros escolares de ER, a base linguística dos termos que poderiam
ilustrar o elo cultural desses cultos com o continente africano. A palavra
“candomblé”, explica a etnolinguista Yeda Pessoa de Castro (2001, p. 196), é
oriunda de kandombele, termo africano de raiz banto, que significa “rezar”, “invocar”
ou “pedir ajuda dos deuses”. De uso corrente na sociedade brasileira, ela nomeia
tanto as nações de candomblé208, quanto o espaço sagrado (templo, terreiro, roça,

207
ZUBIRI, Xavier. El problema filosófico de la historia de las religiones, Madrid: Alianza, 1993, in
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, 2009, p. 58.
208
O conceito de nação, outrora político e associado às origens geográficas, étnicas e culturais das
religiões de matriz africanas, transformou-se numa categoria teológica e classificadora do padrão
ritual que distingue as variações de candomblé (“nações”) existentes no Brasil, cujas crenças, práticas
e liturgias subdividem-se em angola (banto), jeje (ewe-fon) ou queto (nagô-ioruba). Para Raul Lody
(1994, p. 2), as nações de candomblé “caracterizam cada terreiro como uma África em miniatura”. No
entanto, os candomblés não são sistemas religiosos fechados em si mesmos, do tipo exclusivista,
pois os processos de mudança fizeram surgir, em diversas regiões do país, terreiros que podem ser
identificados, simultaneamente, como queto-angola-caboclo (PARÉS, 2006). Para revisão do conceito
141

ilê axé, etc.) onde são realizadas as cerimônias públicas. Entre os candomblés mais
antigos, estão aqueles que foram fundados na Bahia (Engenho Velho da Federação,
Alaqueto, Bogum, Gantois, de Mãe Menininha, Axé Opô Afonjá, Bate Folha etc.) e
noutros Estados do Brasil onde as religiões afro-brasileiras são reconhecidas como
patrimônio histórico-cultural.

Sem se ater à contextualização etimológica sugerida, Steel, autor do título


Cultura religiosa (Global), escreve que o candomblé é uma religião afro-brasileira
surgida no Brasil entre os séculos XVI e XIX, e aqui desembarcada com os
“escravos africanos”.209 Escreve que ao lado do “deus supremo Olodumaré”, criador
dos orixás, são cultuados apenas dezesseis orixás de um total de mais de duzentos
existentes em solo africano. Comenta que nessa religião, os orixás são consultados
por meio do jogo de búzios ou da incorporação dos filhos-de-santo (iaôs); que suas
cerimônias ocorrem em terreiros, onde as preparações para os “trabalhos” são
fechadas, envolvem sacrifícios animais e os rituais são acompanhados de danças ao
som de atabaques, cujos ritmos variam conforme o orixá festejado.

Steel acrescenta que os “cultos dessa religião” foram reprimidos pelos


colonizadores portugueses, visto que eram julgados como práticas de feitiçaria,
bruxaria, charlatanismo, etc., pelas autoridades eclesiásticas, civis e militares,
motivo, esse, que teria levado à associação (ou disfarce) entre os orixás e os santos
da Igreja. Para sobreviver, os supostos feiticeiros negros “misturavam” o culto aos
santos da Igreja e elementos indígenas à religião dos orixás, surgindo dessa “fusão”
o que chamamos de sincretismo religioso. Como consequência deste fenômeno,
Steel menciona São Sebastião, correspondente a Oxóssi, Santa Bárbara/Iansã, São

de “nação”, ver Vivaldo da Costa Lima (1976) em texto que completou 40 anos, mas sua relevância
não se apagou com o passar dos anos e avanços dos estudos afro-brasileiros.
209
A grafia “escravos africanos” empregada por Steel (2010, p. 144) e demais autores de livros
didáticos de ER, incorre num erro primário em relação à empresa escravista. Os africanos eram
capturados em suas terras, transformados primeiramente em cativos pelos traficantes (que contavam
com a ajuda e interesse comercial das realezas africanas ou chefias locais) e posteriormente
vendidos como escravos para a realização de trabalho compulsório no “Novo Mundo”. Portanto, o
correto seria o inverso, africanos escravizados. Ressalva semelhante vale para as populações
indígenas também escravizadas em territórios do Brasil – indígenas escravizados, e não índios
escravos (ALMEIDA, 1987).
142

Lázaro/Omolu.210 Entre as festas mais conhecidas dos brasileiros, o autor menciona


a de Iemanjá, ocorrida, em Salvador/BA, no dia 2 de fevereiro.211

Se tivéssemos que (re)conhecer os elementos estruturais ou fundantes do


candomblé – também presentes em outras afro-religiões –, seguindo o resumo en
passant traçado por Steel, diríamos que o autor percorre os seguintes pontos.
Primeiro, destaca a crença num deus criador, cita o sistema oracular (jogo de
búzios) e o culto aos dezesseis orixás, mas sem indicar quem são esses orixás ou
as particularidades de cada um deles. Também discorre sobre os “trabalhos”
incluindo os sacrifícios rituais, que visam à preparação dos terreiros para os dias de
festa ou cerimônias públicas.

Além desses, existem ao menos dois aspectos não abordados por Steel e
pelos demais autores, exceto Pozzer, que assina os exemplares da editora Vozes.
Um destes aspectos refere-se ao processo iniciático (feitura do santo) nas
comunidades-terreiro, que estabelece o vínculo e o pertencimento religioso. Esta
iniciação implica em um estágio de recolhimento por um período de dias, durante o
qual o neófito vivencia uma série de rituais. O segundo, decerto o aspecto mais
controverso de todos, diz respeito à ausência do orixá Exu no material examinado –
a exceção fica por conta da coleção Jeitos de crer (Ática) –, mas trata-se uma
ilustração (desenho), sem informações adicionais.

Mesmo ligeira, a síntese relativa ao que venha a ser o candomblé, nos


termos escolhidos por Steel, é ilustrada com uma litorânea estátua de Iemanjá, de
feição mestiça, morena, com as palmas das mãos abertas, de onde podem brotar
pérolas ou gotas d’água, que contracenam com o mar azul do fundo da imagem,
tendo sob seus pés oferendas de velas e flores também azuis.

210
Steel escreve “Omolum”, mas o termo êmico é Omolu, orixá também conhecido como Obaluaiê –
do ioruba obá, rei, e ayê, terra, “o rei ou o dono da terra” –, associado à varíola, à cura desta e de
outros males, não só os do corpo, mas também os espirituais.
211
STEEL, Cultura religiosa, Módulo 2 (Autoconhecimento: necessidade fundamental para a
compreensão da existência), “Candomblé”, p. 144 – todas as citações sublinhadas entre aspas foram
extraídas desta mesma página referenciada.
143

Figura 5 – Estátua de Iemanjá:


Orixá da maternidade, dos mares e oceanos

Fonte: STEEL, Cultura religiosa, “Candomblé”, p. 144.

Esta ilustração abre passagem justamente para a umbanda, apresentada


através de uma narrativa igualmente sintética que poderia ser comparada com um
verbete de um dicionário de religiões. A escolha pela representação de Iemanjá é
plena de sentido uma vez que ela é o “orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade,
mãe de muitos orixás”212, e cultuada na maioria das religiões afro-brasileiras, não
somente nas duas modalidades afro-religiosas destacadas pelos autores dos livros
escolares em análise.

Se o candomblé “surge” com o desembarque de africanos escravizados


vindos da África do Oeste, do Congo e Angola, a umbanda, por sua vez, é apontada
como uma religião brasileira. Essa explicação consolidada na literatura acadêmica
se repete nos livros escolares de ER.

212
Ibidem, p. 144.
144

Figura 6 - Preto Velho

Fonte: STEEL, Cultura religiosa, “Umbanda”, p. 145.

Ao lado da ilustração de um preto-velho – sobre o qual não há maiores


informações, a não ser que ele é uma entidade espiritual –, Steel descreve a
umbanda rapidamente em três parágrafos, que exponho a seguir:

Religião brasileira nascida no início do século XX (por volta de 1920),


no Rio de Janeiro. Também é uma mistura de crenças e cerimônias
(rituais) africanos e indígenas.
Tem suas raízes em duas religiões vindas da África: a cabula, dos
bantos, e o candomblé, dos nagôs. A umbanda imagina o mundo
povoado de entidades espirituais (caboclos, pretos velhos e o espírito
dos antepassados). Estes servem de “guias” e aconselham os fiéis,
por meio dos médiuns que os incorporam. Entre eles, por exemplo,
está a pombajira, uma das figuras mais conhecidas dos umbandistas.
A mistura com elementos do catolicismo resulta numa identificação
de orixás com santos. Sofre influências do espiritismo, rituais
indígenas e mágicas europeias (sincretismo religioso). Segundo o
Censo de 2000, há 397 mil seguidores, o que representa uma
redução em comparação aos anos 1990, em que eram cerca de 542
mil.213

O que sobressai nesta definição, isto é, o que há de novo, é a referência


à redução do número de adeptos da umbanda, segundo estatísticas citadas, bem
como a menção indireta a Exu – espírito das encruzilhadas, em sua manifestação

213
STEEL, Cultura religiosa, Módulo 2 (Autoconhecimento: necessidade fundamental para a
compreensão da existência). “Umbanda”, p. 145; itálicos meus.
145

umbandizada ou na vertente mais conhecida como quimbanda. Afinal, no trecho


acima citado, eis que surge a sua contraparte feminina: a transgressora “pombajira,
uma das figuras mais conhecidas dos umbandistas”214 e, certamente, a mais
controvertida.

Observa-se, também, que entre as religiões constituintes da umbanda,


segundo definição de Steel, o candomblé figura não mais como elemento que
“surgiu” no Brasil durante a escravidão. Num abrir e fechar de olhos, ele deixa de
ser um culto afro-brasileiro para tornar-se uma religião vinda da África, tendo
desembarcado no Brasil com os africanos de origem nagô, que, ao lado da cabula
de raiz banto, serve de matriz para a umbanda.

Quanto aos nagôs, os autores de Jeitos de crer seguem com a mesma


interpretação ao afirmarem que o candomblé e a umbanda são “duas religiões de
influência africanas” no Brasil; imediatamente, no mesmo box, dizem que a
umbanda é brasileira, ao passo que o “candomblé chegou ao Brasil” com os
“primeiros escravos de origem africana trazidos pelos portugueses”.215 Vale recordar
que Incontri e Bigheto afirmam que foram os portugueses que trouxeram a “cultura”
e a “religião católica”. Se alguma coisa chegou por aqui durante a empresa
escravista, ela “chegou” de que forma? Veio pronta? Em estágio processual ou
inacabado?

Ambiguidades dessa natureza se repetem no material analítico. Apesar


disso, alguns estudiosos acreditam que a umbanda deriva, de fato, da extinta
cabula, culto de origem banto, cujas reminiscências podem ser encontradas nas
denominações sincréticas do Sudeste. Para alguns pesquisadores foi a cabula
quem originou a macumba carioca que, por sua vez, finalizou na umbanda
(CONCONE, 1987). Mary Karasch, historiadora citada por Sergio Ferretti (2001),
associa a prática umbandista com as religiões curativas de Angola, região de onde
saíram inúmeros cativos destinados ao Brasil.

214
Ibidem, p. 145. O autor emprega o “j” e não com “g” – pombagira –, forma também encontrada na
literatura acadêmica e doutrinária. A escrita com “j” remete erroneamente, segundo discurso religioso,
ao inquice (nkisi, equivalente a orixá no candomblé angola) Pambu Njila ou Nzila, cujo arquétipo se
aproxima do orixá Exu, sendo igualmente associado aos caminhos, fronteiras, encruzilhadas e à
mediação entre humanos e inquices.
215
INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, 3º ano, cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 42.
146

Entre os dirigentes reunidos no Primeiro Congresso do Espiritismo de


Umbanda, ocorrido em 1941, no Rio de Janeiro, foi defendida a curiosa tese na qual
a umbanda teria surgido na Índia – do sânscrito “aumbhanda” –, de onde teria sido
levada para o continente africano. Se esta tese tivesse vingado, a umbanda teria um
ingrediente a mais em sua mixagem à moda brasileira (ISAIA, 2006). Uma das
finalidades do congresso era uniformizar o ritual e a doutrina umbandistas, no
entanto isto não ocorreu. A “Umbanda difere de Estado para Estado, de cidade para
cidade, de município para município, de vila para vila e de tenda para tenda”, diz
Dom Cirilo Folch Gomes (1976, p. 29).216

Seguindo a presumível direção tomada por outros autores, nos volumes


de Todos os jeitos de crer (Ática), a umbanda reaparece como “proposta brasileira”.
Continua a ser tratada como exemplar do vigor sincrético, síntese das culturas
africana, indígena e europeia, “carregada de valores e qualidades, representados
nas suas personagens” também “presentes nos cultos do candomblé”.217 Ainda
nessa coleção, é dito que alguns terreiros optam em fazer uma “mistura”, de onde
surgiu uma terceira modalidade de culto: “a umbandomblé”, terreiros mistos de
candomblé com culto aos seres espirituais dos “ritos da umbanda”.218

Resultado do “grande número de religiões, o sincretismo religioso


acabou-se tornando comum”, sendo decorrente desta diversidade religiosa, avalia
Ana Vasconcelos, que assina o Manual compacto de ensino religioso.219 Este
processo, prossegue a autora, é utilizado normalmente para nomear o “cruzamento
religioso” que resulta da “fusão de duas ou mais crenças religiosas”. 220 No Brasil,
exemplifica, ocorreu a “fusão das religiões africanas, europeias e ameríndias”. 221
Fenômeno comum em todo o país, ainda assim, a Bahia de Todos-os-Santos,
conhecida e reconhecida como a Roma negra, meca tradicional do candomblé,

216
Citação extraída do opúsculo Macumba, publicado pela Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), com intuito de “encarar com discernimento a situação criada pelo sincretismo
religioso”, de modo a “encontrar pistas para um equilibrado aproveitamento de elementos da
religiosidade popular em nossa vivencia eclesial” (ISNARD, 1976, p. 5).
217
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 40.
218
Ibidem, p. 40.
219
VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 2 (O sagrado na vida humana), p.
30; grifado em negrito no original.
220
Ibidem, p. 30.
221
Ibidem, p. 30.
147

continua sendo o exemplo de sincretismo religioso afro-brasileiro mais citado nos


livros examinados.

Em sentido literal, o sincretismo poderia ser o tal cruzamento entre


religiões distintas, mas Vasconcelos acrescenta o vocábulo “fusão” em sua
formulação, que mais parece um sinônimo de “cruzamento” do que propriamente
uma consequência ou efeito deste. Isso aponta para a multiplicidade de expressões
empregadas para explicar o mesmo fenômeno ou processo. Nessa definição, as
religiões africanas são apresentadas de forma genérica, assim como a religião dita
“ameríndia”, que, segundo nota de Vasconcelos, refere-se “à religião dos nativos do
continente americano em substituição à palavra indígena”.222

4.2. Religião é católica, a crença é negra

Apesar do que foi exposto acima, pode-se ir além da tese relativa ao


sincretismo afro-católico em apoio à tese da dupla pertença religiosa: ainda que os
orixás tenham relações simbólicas e funcionais com os santos da Igreja, isto não
quer dizer que eles se fundem; o que resulta dessa realidade é o paralelismo entre
ambos. O devoto ou filho de Ogum sabe que este não é São Jorge, ou Santo
Antônio, mas os dois serão alvos de culto em momentos e locais específicos: uma
vela para o santo, outra para o orixá – sem esquecer o caboclo! Esta tem sido a
prática devocional daqueles que vivenciam a aproximação entre o catolicismo
popular e o mundo religioso afro-brasileiro.

No Brasil, o “mecanismo sincrético” é genérica e frequentemente


relacionado ao universo das religiões afro-brasileiras em razão da situação de
desigualdade à qual essas práticas foram submetidas ao longo da nossa história
(ALMEIDA, 2009). No entanto, os livros didáticos de ER não informam aos seus
leitores que o sincretismo nem sempre resulta de um processo harmonioso e
ausente de conflitos – isto é, ele envolve muito mais que “mistura” entre elementos
culturais heterogêneos. O fenômeno sincrético, cabe recordar, “significa também o
fenómeno do encontro e do confronto das religiões”, sendo este um capítulo de
excepcional importância nos estudos das religiões (ADRIANI, 1988, p. 132).

222
Ibidem, p. 30.
148

Mesmo a contragosto, muitos antropólogos, sociólogos, historiadores,


cientistas da religião, etc., brasileiros costumam recordá-lo enquanto categoria social
para explicar a composição afro-luso-ameríndia, portanto, sincrética, dos cultos
afros. Ferretti (1995, p. 91), por exemplo, ao realizar uma ampla revisão da
bibliografia do tema, enumera, com base em pesquisas etnográficas no Maranhão,
três variações de significados para este termo: “mistura, junção ou fusão”,
“paralelismo ou justaposição” e “convergência ou adaptação”. Pode haver uma
convergência entre as ideias africanas e de outras religiões a respeito da concepção
de Deus ou paralelismo (e não necessariamente hierarquia) nas relações entre os
santos do catolicismo e os seres espirituais dos cultos afro-brasileiros.

As variações sugeridas por Ferretti não se reduzem à leitura e


interpretação das matrizes culturais que constituem as religiões afro-brasileiras. “O
cristianismo também é múltiplo em suas várias denominações”, explicam os
organizadores da coleção Entre Amigos.223 Parte das “religiões e seitas hoje
existentes mesclam conhecimentos e liturgias variados” oriundos “de dois ou mais
sistemas religiosos que produzem um novo sistema”, como “a santería, de Cuba,
que misturam elementos das religiões tradicionais iorubás (África Central) (...), com o
catolicismo e elementos da cultura indígena local”.224

Para além dos exemplos descritos, é importante observar que o uso mais
alargado da noção de sincretismo tem sido empregado para descrever e explicar as
práticas de outras denominações religiosas. Isto pode ser observado na vertente
carismática e no catolicismo popular e devocional – uma “leitura subalterna” do
catolicismo romano, diriam Brumana e Martínez (1991). A mesma observação pode
ser estendida para o novo pentecostalismo, Santo Daime ou as religiões japonesas
no Brasil (NOVAES, 2001).
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por exemplo, incorporou em
seus cultos, elementos rituais e uma legião de espíritos ou entidades supostamente

223
MODERNA, Entre amigos, 9º ano, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]:
Diálogo Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, p. 135.
224
Ibidem, p. 135. Há um erro de localização geográfica no trecho destacado. Os povos de origem
Ioruba não estão localizados na África Central, e sim na África Ocidental. Durante o tráfico negreiro,
eles provinham da antiga Costa dos Escravos, área correspondente aos litorais do Togo, Benin e
Nigéria.
149

“malignas” oriundas dos cultos afros. Almeida chamou este processo de inversão
simbólica, baseado numa chave estritamente negativa, de “sincretismo às avessas”
(2009, p, 123). A “síntese elaborada [pela IURD] buscou no polo negativo da
religiosidade cristã – o diabo – o elemento equivalente às entidades” – leia-se os
seres supostamente malignos da umbanda e do seu reverso, a quimbanda
(ALMEIDA, 2009, p. 123).
Observamos, assim, o emprego da ideia de equivalência, uma expressão-
chave para a compreensão do sincretismo, mas que pode “disfarçar-se com
sinônimos mais elegantes”, mais ou menos “conflituais”, como “pastiche, patchwork,
marronização, híbrido, mélange, mulatismo, aculturação: todos ligados ao jogo, por
excelência ambíguo, da chamada contaminação” (CANEVACCI, 1996, p. 13; itálicos
no original). Em consonância com as suas dinâmicas, variações e diversas
configurações, o “trabalho sincrético” também pode se realizar enquanto
“bricolagem, reinterpretação, ressemantização, “misturas”, transferências de
matrizes a matrizes, deslizamentos e novas construções” (SANCHIS, 2001, p. 47).

A múltipla identidade religiosa do brasileiro não escapa aos organizadores


de Entre amigos quando afirmam que os praticantes do espiritismo também
“consideram-se cristãos, apesar da Igreja acusarem-nos de rejeitar a Bíblia, os ritos
e a teologia”.225 Não é possível afirmar se há uma acusação por trás deste trecho
entre aspas (consideram-se cristãos, mas praticam o espiritismo!) ou se os autores
ignoram o ethos e a dinâmica religiosa vivida pelos brasileiros.226 Umbandistas e
candomblecistas, por exemplo, também se batizam na Igreja católica e praticam os
sacramentos desta, incluindo os de casamento e morte. Acrescenta-se, ainda, que o
processo iniciático na religião dos orixás é finalizado, em muitos terreiros, com a ida
do neófito (iaô) à missa, sem a qual tal processo ritual permaneceria incompleto.227

225
Ibidem, p. 135.
226
Dentre os “elementos mínimos” constituintes da religiosidade popular brasileira, segundo Lísias
Nogueira Negrão, citado em artigo no qual Pierre Sanchis discute os “percursos do sincretismo no
Brasil”, estão a “crença em Deus e nos espíritos, a manipulação destes últimos e das demais figuras
sagradas intermediárias entre Aquele e os homens, dentro de um contexto moral cristão (...)”
(SANCHIS, 2001, p. 19).
227
Além da romaria dos neófitos às Igrejas, da identificação entre santos e orixás, há outros aspectos
do sincretismo afro-religioso: o modo de festejar os santos católicos sincretizados; a superposição
dos calendários religiosos; a ressignificação dos dias da semana (sexta-feira é dia do Senhor do
Bonfim e de Oxalá também); a lavagem das escadarias de Igrejas e de outros espaços públicos; as
missas rezadas em memória dos mortos etc. (CONSORTE, 2004).
150

O sincretismo também é citado, no mesmo volume de Entre amigos, como


constituinte das “práticas cristãs" condenadas, ao longo de sua história, pela Igreja
como “heresia” e “desvios de fé”, tais como a rosa-cruz (“uma seita de origem cristã”)
e a maçonaria, que “desenvolveram um sistema religioso mesclado com astrologia,
magia e cabala judaica”.228 O mesmo fraseado é empregado durante a explanação
dos “ritos” surgidos com a expansão do cristianismo nas Américas, Ásia e África,
cujas populações adaptaram suas tradições locais aos “rituais cristãos”. Dos
resultados oriundos deste processo está o mencionado “catolicismo popular”
amalgamado por “diversos ritos da cultura local [ou regional], aceitos pela Igreja
depois do Concílio Vaticano II”.229

Dentre muitas alternativas tidas como sincréticas, os organizadores de


Entre amigos ainda decidem analisar dois exemplos de “sincretismo cristão”: o
primeiro deles resultado da imigração europeia nos EUA – os mórmons da Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias; e o segundo refere-se ao candomblé,
religião de “origem negra, criada pelos afro-americanos descendentes de escravos
trazidos para o nosso continente”.230

Interessa-me o segundo exemplo – candomblé – seguido por três


ilustrações. A primeira é uma litografia do século XIX – escravos numa fazenda de
cana-de açúcar. A segunda é uma escultura do orixá da guerra – Ogum
empunhando sua espada – instalada no Dique do Tororó (Salvador/BA), cujo artista
plástico, Tati Moreno, não é mencionado no texto que o acompanha.231

228
MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo
Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 135.
229
Ibidem, p. 135.
230
Ibidem, p. 135.
231
Ibidem, p. 135.
151

Figura 7 – Ogum
Escultura de Tati Moreno (Dique do Tororó, Salvador/BA)

Fonte: EDITORA MODERNA. Entre amigos. São Paulo: Moderna, p. 135.

A terceira é uma fotografia de um grupo de “mulheres em ritual de


Candomblé”, também em Salvador, conduzida pela mãe-de-santo que segura o adja
(campânula de metal, um símbolo de poder e chamamento dos orixás),
acompanhando uma filha-de-santo incorporada.

Figura 8 – Mulheres em ritual de candomblé

Fonte: EDITORA MODERNA. Entre amigos. São Paulo: Moderna, p. 136.


152

Assim como na imagem de Ogum, cuja legenda assinala a


correspondência entre este orixá e São Jorge ou Santo Antônio, os organizadores
de Entre amigos repetem informações previsíveis: a chegada dos africanos
escravizados ao Brasil, a preservação das suas “religiões” e “traços de identidade”, o
batismo e a adoção do catolicismo obrigatório. Também citam que os africanos
recém-chegados enxergavam seus deuses ancestrais “por trás das imagens dos
santos católicos”, que receberam atributos dos orixás. Disto decorre a associação
entre São João e Xangô, Santa Barbara e Iansã, Nossa Senhora e Iemanjá.232

Numa escrita da qual se extraem novos equívocos é dito, no mesmo


capítulo de Entre amigos, que “as duas maiores religiões afro-brasileiras são o
candomblé, trazido por escravos iorubás, jejes e bantos, entre os séculos XVI e XIX”
– criminalizado como “bruxaria pela Igreja e autoridades civis” –, e a umbanda, “de
criação mais recente”, forjada através da união de elementos diversos. Nenhuma
referência é feita ao indígena brasileiro, associado ao orixá Oxóssi e aos espíritos
caboclos, sem os quais dificilmente algum adepto reconheceria a umbanda como
uma genuína “proposta brasileira”.233 Observa-se, ainda, que os organizadores de
Entre amigos tinham a prática umbandista como “seita” ou “ramo”; mas agora, na
mesma seção reservada às “formas de sincretismo cristão”, ela passa de “sistema
religioso” autônomo para vertente do “espiritismo” (de umbanda) ou “espiritismo
sincrético de origem afro-brasileira”.234

Quem aponta outra percepção a esse respeito são os autores de Todos


os jeitos de crer quando avaliam que a aproximação entre umbanda e espiritismo
pode ofender os seguidores da “doutrina” de Kardec. É que a matriz francesa do
kardecismo não apresenta nenhum parentesco ou proximidade cultural com os
“rituais afro-brasileiros”, apesar de espíritas e umbandistas reconhecerem a
mediunidade – “capacidade de se comunicar com o mundo invisível” – enquanto
elemento comum de suas práticas religiosas.235 Vale recordar que após a
proclamação da primeira República e do Código Penal Brasileiro de 1940,

232
MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo
Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 137.
233
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 39.
234
MODERNA, Entre amigos, cap. 6 (O cristianismo contemporâneo), Descobrir [seção]: Diálogo
Inter-religioso: Os cristianismos sincréticos, 9º ano: ensino fundamental, p. 135.
235
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 3 (A força negra), p. 40.
153

empregava-se o termo “baixo espiritismo” como designativo para os cultos


mediúnicos marginalizados, que criminalizavam as práticas de curandeirismo e
charlatanismo (CEERT, 2004).

É inegável o desconforto em relação ao sincretismo religioso afro-


brasileiro justamente porque há adeptos religiosos que não admitem “que as
diferentes correntes [modelos de candomblés] usem elementos do espiritismo ou do
catolicismo”, ao passo que outros defendem não só o uso como também a “mistura”
de elementos religiosos provenientes da diversidade e pluralidade étnico-cultural
brasileira.236 Para estes, o sincretismo “é próprio do Brasil e um fator positivo de
tolerância e popularização das crenças”.237

Este mito de criação da nação brasileira por meio do sincretismo religioso


entre os três grupos que a compõem é uma estratégia discursiva recorrente nas
fontes em análise. Porém, “não há igualdade de representação nesse que poderia
ser um espaço rico para se explorar o sincretismo ou a convivência entre os grupos
religiosos no país”, assinalam Diniz e Lionço (2010a, p. 83). No entanto, a
convivência não pode ser sinônimo de pacificidade. Frente aos resultados positivos
ou negativos, o fenômeno ou processo sincrético comporta, e encobre, outra face: a
do conflito entre iguais e diferentes.

Quanto a isso, recordam Incontri e Bigheto que, ao desembarcarem no


Brasil, os portugueses encontraram os índios238, que “tinham suas próprias crenças
e rituais” e “donos de uma cultura riquíssima”; os colonizadores do Brasil trouxeram
a “cultura do europeu” e “a religião católica com os missionários jesuítas”.
Posteriormente, chegaram os “negros” ou “africanos”, que trouxeram seus “costumes
e crenças”, suas “culturas ricas e variadas”. Não obstante a “influência poderosa dos
portugueses, a cultura dos colonizadores não conseguiu apagar a dos índios e dos
africanos. Na verdade, ela se misturou a essas culturas”.239

236
Ibidem, p. 40.
237
Ibidem, p. 41.
238
Para Diniz e Lionço (2010a, p. 83), a função dos índios nos livros de ER é meramente retórica,
uma vez que representam, assim como os povos e culturas africanas, o elemento não-cristão da
matriz religiosa brasileira. Os indígenas do Brasil, escreve um dos autores da coleção Redescobrindo
o universo religioso, “são animistas, ou seja, tudo tem alma, Deus está em tudo, nas árvores, nas
pedras...” (PEREIRA, 2012, p. 36).
239
INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de Crer, 5º Ano (Mudando o mundo), cap. 3 (Os povos precisam se
unir), p. 41.
154

Estas citações merecem o devido destaque. Um dos resultados da


pesquisa de Diniz, Lionço e Carrião (2010) revela a discrepância em relação ao
espaço de representação que os livros didáticos de ER reservam para as religiões
não-hegemônicas. Consequentemente, esta desigualdade fortalece o predomínio
cristão, notadamente em sua vertente católica. Em meio a isto, as religiões afro-
brasileiras nem sempre são citadas como religiões, e sim “costumes e crenças”
herdadas de antigos africanos, sem nenhum registro sobre suas particularidades
rituais, hierarquias, lideranças religiosas etc. Isto impede, inclusive, que o estudante-
leitor descubra o dinamismo próprio das comunidades-terreiro, que as mesmas
nunca estiveram alheias às transformações ocorridas no mundo secular, mas que
vêm garantindo, mesmo assim, a continuidade das variações regionais de culto afro-
brasileiro.

Outra ocorrência de fundamental importância, também observada por


Diniz e Lionço, diz respeito à existência de uma superposição entre raça, etnicidade
e pertencimento religioso que age “como uma camada corporal à cultura e à etnia –
negros representam o candomblé, muçulmanas usam véu e indianas, sari” (DINIZ;
LIONÇO, 2010a, p. 85). Essa linearidade entre religião e pertença étnico-racial num
único sujeito, numa só individualidade ou corporalidade, é explicitamente perceptível
nas ilustrações dos exemplares da Ática, Paulinas e Vozes. Em Jeitos de crer, há

[...] uma turma de crianças brasileiras de variadas origens étnicas


que estudam numa escola diferente [baseada na Escola da Ponte]
viaja no tempo e no mundo para conhecer diversas culturas e
diversas formas de fé, aprendendo a lição de que todos fazemos
parte da vida humana.240

Muhamed, Davi, Mirela, Susi, Uirá e Bantinho sãos os viajantes da


“Escola da Tia Sofia”. Como “bons brasileiros”, eles “descendem de povos
diferentes, mas se dão muito bem, porque se respeitam e se gostam!”. 241 Algumas
páginas adiante do primeiro volume, há uma ilustração desses personagens infantis:
Uirá, o índio do grupo, gosta da natureza “verde colorida, cheia de sons e de vida”,
toma banha de rio, tendo ao fundo uma floresta; Bantinho, o viajante negro da turma,

240
Idem, 1º ano (Sendo gente), contracapa.
241
Idem, Apresentação, p. 3.
155

diz ter “uma vida boa”, que adora “música e dança”, ouve música num fone de
ouvido; Susi, a oriental, abraça um coração e, num ato de devaneio, vê-se adulta,
casada e carregando um bebê nos braços; Mirela (branca) tem um livro aberto sobre
as mãos; Davi (branco) está diante de um computador, visto que “adoro aprender,
saber de tudo, pesquisar e matar a curiosidade”; Muhamed estuda numa
escrivaninha, ama “poesia” e “as palavras bonitas e rimadas”.242

Quanto a Bantinho, nota-se que o nome escolhido para este personagem


mirim é um diminutivo de banto: povos da África Central, em especial das regiões do
Congo e Angola, aqui desembarcados durante os séculos de tráfico negreiro.
Presume-se que a escolha deste nome para o único personagem negro da turma
não tenha sido aleatória. Ora, Bantinho é neto de “Pai Oru”, um “senhor negro, muito
velho e muito simpático”, um “pai-de-santo”, mas que fala somente “em nome da
tradição iorubá” (lembremos, ele fala nestes termos para um público infantil), tem
cabelo branco, suas vestes também são brancas e foi à escola conversar com as
crianças “sobre os orixás, os deuses da religião africana [ou melhor, do candomblé
nagô-queto]”.243

Nesta mesma direção, nos exemplares do 1º ao 4 ano de Redescobrindo


o universo religioso, o equivalente negro da turma chama-se Rodrigo, apresentado
aos leitores no capítulo “Um mundo tão diferente”, composto por continentes, países,
estados, cidades e outras localidades onde “moram muitas famílias”. 244 Uma delas é
a própria família do Rodrigo – apenas sua mãe e a irmã Letícia, negras e praticantes
do candomblé.

Essa percepção difundida nos livros didáticos de ER impede que as


religiões afro-brasileiras sejam mostradas enquanto religiões de conversão universal,
praticadas por adeptos não-negros. No entanto, não há pais ou mães-de-santo
brancos nessas publicações, nem mesmo as tentativas de positivação da
diversidade, a fim de inseri-la em um diálogo inter-religioso, “o resultado pode ser um
esquadrinhamento da ordem social onde cada grupo deve ter a sua religião de
acordo com sua inserção étnica ou nacional” (DINIZ; LIONÇO, 2010a, p.85).

242
Idem, cap. 1 (Viver é muito bom!), p. 10-11.
243
Idem, 3º ano (Vivendo a vida), cap. 4 (Os orixás que protegem a vida), p. 37.
244
DALDEGAN, Redescobrindo o universo religioso, vol. 1, cap. 1 (Um mundo tão diferente), p. 11.
156

Outro aspecto relevante de certo modo atrelado ao que foi dito tem a ver
com outro fenômeno muitas vezes colado ao sincretismo: o trânsito inter-religioso de
sujeitos que deambulam pelo campo religioso, desenvolvem um interesse por
práticas religiosas diversas, mas não se alienam em relação a nenhuma delas.
Sobre isto, num dos volumes de Jeitos de crer, é possível ler que “uma pessoa
[pode] ser católica, mas também frequentar um centro espírita; outra vai a um culto
evangélico, mas se interessa pelo estudo do budismo, e assim por diante”.245

Esse trecho, presente em um volume destinado aos estudantes de nove


anos de idade, sinaliza a ideia de pertencimento: a pessoa pode ser católica, mas
frequentar duas, três ou mais religiões próximas ou distintas, pouco importa. Em
segundo lugar, indica que religião não é somente prática, mas também “estudo”. Não
é qualquer religião a ser estudada por qualquer agente religioso, e sim por alguém
que “vai a um culto evangélico” (este “vai” mantém-se ancorado à ideia de trânsito),
mas que se interessa pelo “budismo” descrito nos livros de ER como “religião” ou
“sistema filosófico”. Mesmo com finalidade espiritual, o ato de filosofar requer, por
suposto, algum estudo e reflexão, sendo o budismo caracterizado por orações,
meditações e outros ensinamentos que visam à “superação do sofrimento com o
objetivo de atingir o nirvana através de disciplina, mente e vida correta”.246

Posto isso, alguém poderia indagar se esse movimento revelador de


novos comportamentos e adesões religiosas pouco institucionalizadas ou
exclusivistas, resultaria, inevitavelmente, na criação (e também recriação) de novos
sincretismos. Será possível manter o trânsito entre religiões diversas – nem sempre
díspares ou totalmente desconexas –, sem que haja algum grau de fusão entre
elas? Sobre isso, também indaga Regina Novaes: “(...) para que a ‘mistura’ possa
dar lugar a algum tipo de sincretismo, (...) basta que haja encontros e elementos
culturais disponíveis?” (2001, p. 200). Em outros termos, até que se prove o
contrário, é pouco provável que, mesmo em terra de sincretismo, a ida evangélica a
um templo budista possa resultar num buddhismevangelical.

245
INCONTRI; BIGHETO, Jeitos de crer, vol. 4 (Buscando Deus), cap. 4 (Deuses da Bahia-de-Todos-
os-Santos), p. 48.
246
VASCONCELOS, Manual compacto de ensino religioso, cap. 3 (Religiões universais), “Budismo”,
p. 56.
157

4.2.1 Da “saída do iaô” ao descarrego de umbanda

Em razão do conteúdo organizado conforme os cincos eixos do modelo


fonaperiano (culturas e tradições religiosas; oralidade e textos sagrados; teologias;
ritos; ethos), os volumes de Redescobrindo o universo religioso (Vozes) reúnem
novos conteúdos relativos à religião dos orixás, incluindo o processo de iniciação
nas comunidades-terreiro. Os conteúdos discorrem sobre a culinária e oferendas
rituais; a liderança religiosa exercida por mães e pais-de-santo, que agem como
conselheiros e mediadores; o senso de pertencimento à comunidade, dos laços
entre o grupo e os ancestrais.

Num dos títulos encontram-se trechos sobre os ritos mortuários nos


candomblés, acompanhados por citações míticas que se reportam a Iansã, orixá
feminino “responsável por levar o espírito dos que morrem ao Orum, considerado o
lugar onde habita o criador”.247 Além disso, a mesma Redescobrindo...destaca,
ainda, a oralidade como forma de aprendizagem dos valores, preceitos e
conhecimentos necessários à experiência religiosa (danças litúrgicas, ritmos e
cantos de cada orixá etc.), recebidos e retransmitidos por meio da prática interna.
Esta “pedagogia religiosa” teria como “base a integração homem/natureza,
indivíduo/comunidade, comunidade/sociedade”.248

Redescobrindo... é a única coleção que aborda, com recurso visual, o


fenômeno da possessão no candomblé: “modo de se encontrar com os Orixás (...)
por meio da música tocada, cantada e dançada ao som de atabaques”. 249 O volume
quatro, cujo tema de um dos capítulos é a “Iniciação na comunidade religiosa”, trata,
ao lado de exemplos oriundos de outras religiões, da cerimônia ritual na qual o(a)
neófito(a) no candomblé é publicamente apresentado para a comunidade religiosa
na qual um dia se filiou como filho ou filha-de-santo.

A figura 9 apresenta uma ilustração fotográfica em que mostra dois iaôs


usando vestes e colares rituais, com seus corpos estirados no chão, batendo palmas

247
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, Unidade 4 (Após a morte a vida continua?),
cap. 1 (Niilismo, ancestralidade indígena e africana), p. 52; itálicos no original.
248
Idem, Redescobrindo o universo religioso, vol. 8, Unidade 4 (O jovem: diferenças e discernimento),
cap. 2 (Discernimento e Tradições Religiosas), p. 54.
249
DALDEGAN, Redescobrindo o universo religioso, vol. 1, Unidade 2 (Aprendendo grades lições),
cap. 2 (Encontro com o sagrado), p. 28.
158

(paó) no centro do terreiro – local onde, geralmente, estão plantadas as substâncias


rituais associadas a cada um dos orixás cultuados no candomblé.250

Figura 9 – “Saída de iaô” (candomblé)

Fonte: POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 9, p. 15.

Trata-se de uma cerimônia pública, de caráter conclusivo do rito de


iniciação, no qual o iniciado (iaô), em estado de possessão pelo seu orixá,
ritualmente paramentado com vestes e colares rituais, é apresentado para a
comunidade religiosa e convidados em dia de festa. Na etapa que antecede a saída
pública, o crânio do iniciado é raspado e pintado com cores simbólicas, bem como
“outras partes do seu corpo também marcadas com incisões (curas) que, além de
permitir a passagem do orixá, estreitam, na carne, o vínculo com a África mítica”
(SANTOS; RIGONI, 2012, p. 290).

Ainda relacionado ao tópico anterior, o fenômeno da possessão ritual,


considerado o ápice das liturgias afro-brasileiras, reaparece em outro volume de
Redescobrindo... onde é dito aos leitores que os orixás incorporam em seus filhos
(ou duplos) no mundo terreno “para fortalecer o axé (energia vital) que protege os
terreiros e seus membros”.251 É dito que na umbanda, os médiuns incorporam o
espírito de alguma entidade espiritual “para fazer consultas e dar passe” – gestual
realizado através da imposição das mãos ou pelo estalar dos dedos em volta do

250
PEREIRA, Redescobrindo o universo religioso, vol. 4, Unidade 1 (Sou religioso?), cap. 1 (A
iniciação na comunidade religiosa), p. 15.
251
POZZER, Redescobrindo o universo religioso, vol. 6, Unidade 4 (Textos sagrados na formação
religiosa das comunidades), cap. 2 (Práticas religiosas), p. 48.
159

corpo do consulente, cuja finalidade pode ser tanto a “movimentação das energias
do universo onde a pessoa se dirige ao espírito”, quanto um ritual de limpeza ou
purificação.252

Esse é o caso da representação abaixo, então veiculada num dos títulos


de ER da católica Editora Paulinas.

Figura 10 – “Limpeza ritual” (umbanda)

Fonte: CARNIATO, Maria Inês. Nossa opção religiosa, 8º ano, p. 51.

Diante desta imagem é impossível esquecer que não existe neutralidade


em matéria de educação. Isto vale para o processo de escolha dos recursos
iconográficos que objetivam expandir a leitura de um texto didático. A representação
visual encerra uma mensagem denotativa e conotativa. A primeira consiste na
percepção dos elementos gráficos ou visuais que a compõem e este exercício situa-
se ao nível da descrição literal do conteúdo representado ou retratado. A segunda
leitura corresponde às evocações ou associações que ultrapassem o sentido
expresso nos elementos retidos durante a fruição estética – essas experiências
estéticas, incluem, obviamente, o livro didático enquanto “mídia de massa”

252
Ibidem, p. 48.
160

responsável pela veiculação de discursos e representações visuais (MORAND,


2012).

A explicação proposta por Maria Teresa Alvarez Nunes, aqui rapidamente


resumida, é nítida! Segundo a autora, a imagem tem a façanha de esconder e
revelar-se ao mesmo tempo e sucessivamente. A seleção de uma imagem envolve
visões de mundo, crenças, vivências pessoais, pressupostos teóricos, valorativos e
éticos, os quais, por si só, já determinam a escolha e o próprio direcionamento
pretendido. Esse processo pode condicionar e orientar “a construção, a percepção, a
interpretação e a atribuição de sentido à imagem” (NUNES, 2008, p. 106).

Se admitido que num livro didático a imagem não pode ser meramente
decorativa, mas que deve encerrar funções cognitivas, incluindo a de despertar
emoções e atitudes, fornecer subsídios que agucem o interesse do leitor etc., o que
reter, portanto, da ilustração que revela o rito de purificação umbandista (leia-se
também rito de descarrego) agora retomado? Ela apresenta alguma “analogia” com
o texto abaixo sublinhado, que lhe serve de complemento?

Decisão pela vida


As tradições religiosas procuram lidar com os mistérios da
liberdade e do sofrimento. Vários símbolos e analogias aparecem
nos textos sagrados orais e escritos, em relação à origem e às
consequências dos males. Algumas tradições falam em deuses da
morte, opositores do Criador, empenhados na destruição. Outras
falam de espíritos e de entes cujo trabalho é provar as pessoas, para
que exercitem a liberdade nas opções pela vida e pelo caminho de
Deus. É impossível compreender com clareza o sentido do mal,
da dor, do sofrimento, e da morte. [...] O mal pode atingir o
íntimo de uma pessoa, mas, ao mesmo tempo, faz parte da
condição humana a capacidade de lutar contra a tendência ao mal, o
egoísmo, a injustiça, ganância, o ódio e tudo o que prejudica a si e
aos outros. As tradições religiosas ensinam que Deus quer a
libertação da pessoa [...].253

Como ressaltado por Albuquerque (2004, p. 145), os livros didáticos da


Paulinas expõem certos “rituais e festas de maneira a torná-los repugnantes, como
os ritos de iniciação”. No rodapé da imagem apresentada acima há uma legenda que

253
CARNIATO, Nossa opção religiosa: 8º ano, professor. São Paulo: Paulinas, p. 51; grifos meus.
161

informa a batalha contra os “espíritos negativos” comandada por uma velha


madrinha de santo254 num dia de festa para Iemanjá. Entre os detalhes da cena
fotografada, percebe-se o barco diminuto usado para transportar as oferendas da
deusa marítima antecedido por garrafas de champanhe – bebida ritual da linha das
pombagiras.255 Observa-se, por um lado, o uso de uma linguagem pretensamente
compreensível para o leitor adolescente; por outro, em nenhum momento este
mesmo leitor, que pode ser inteiramente leigo no assunto, é auxiliado durante sua
interação com os elementos visuais da cena religiosa retratada versus o texto que
lhe acompanha – registra-se que é pouco provável que algum umbandista empregue
a expressão “lavagem” como sinônimo de limpeza e/ou purificação espiritual.

Livros didáticos não se transformam em instrumentos pedagógicos do


nada, uma vez que existem justificativas ou motivações que precisam ser
identificadas – por exemplo, a diretriz editorial ou educativa a qual uma determinada
coleção encontra-se vinculada (AZEVEDO, 2005). Sem abandonar a discussão
anteriormente desenvolvida, e reconhecendo os limites impostos ao livro escolar
enquanto objeto cultural complexo, reitera-se que este capítulo não deve ser lido
como empreendimento de denúncia. Ele está mais para diagnóstico a respeito do
que se veicula nas fontes descritas do que propriamente uma caça às bruxas.

Contudo, não se pode negligenciar a crítica aos erros e desatenções


conceituais presentes em livros didáticos de modo geral, não exclusivamente nos
manuais de ER. Em relação ao material bibliográfico examinado, há, quiçá, uma
recusa ou mesmo desinteresse deliberado entre os autores em não se obter
informações menos genéricas sobre as religiões afro-brasileiras. Informações que
ultrapassem o estilo dicionaresco para mostrá-las como religiões vivas e sociedades

254
Expressão registrada durante diálogo com uma velha senhora umbandista, cujo Templo do
Caboclo Pele Vermelha está localizado na Zona Leste de São Paulo, próximo ao Cemitério da Vila
Formosa. Ela rejeitava qualquer associação entre umbanda e candomblé, por isso preferia o termo
“madrinha”, ao invés de mãe-de-santo, que remete ao segundo. A diferença entre ambos é mínima,
pois se originam de mater – mãe em latim –, sendo a madrinha uma espécie de segunda mãe. No
âmbito dos terreiros, independente da modalidade praticada – umbanda ou candomblé –, tanto a
mãe-de-santo quanto a madrinha exercem papeis rituais semelhantes, de liderança religiosa.
255
Os umbandistas “cultuam, além dos orixás e santos católicos, inúmeros guias, espíritos ou
entidades que, segundo discurso religioso, tiveram vida terrena, mas que retornam ao mundo dos
homens incorporando em seus médiuns para orientar, aconselhar ou guiar através de seus poderes e
conhecimentos mágico-curativos. Eles são agrupados em linhas, falanges ou legiões (de espíritos)
lideradas por um orixá ou um santo católico que, ao atuar dentro de uma determinada faixa ou
corrente vibratória, desempenham funções específicas” (SANTOS, 2012, p. 15; itálicos no original).
162

religiosas reelaboradas na diáspora, nunca fixas ou estáticas. Afinal, é deste modo


que elas têm interagido, ao longo dos séculos, com as transformações histórico-
sociais advindas de fora, mas sem perder o elo com o passado fundador.
163

CAPÍTULO 5
COSTUMES, CRENÇAS E RITOS:
PERCEPÇÕES SOBRE RELIGIÃO E ENSINO RELIGIOSO EM ESCOLAS
PÚBLICAS ESTADUAIS DOS MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO E CAMPINAS/SP

Este capítulo discute dados coletados em trabalho de campo que teve


como objetivo investigar como o modelo de ER legalmente regulamentado no Estado
São Paulo tem sido implementado em sua rede pública de ensino fundamental. A
pesquisa foi desenvolvida em escolas que homologaram turmas de ER entre 2012 e
2015. Essas escolas estão geograficamente localizadas em áreas onde residem
majoritariamente populações de baixa renda dos municípios de São Paulo e
Campinas/SP.

A pesquisa de campo teve duas dinâmicas. A primeira foi o


acompanhamento das aulas de ER para um contato mais direto com os professores
e estudantes matriculados nesse tipo de ensino. A segunda foi o registro das
percepções de diretores, vice-diretores, coordenadores pedagógicos, professores e
estudantes, a respeito do ER inserido no horário normal das escolas públicas da
rede estadual paulista.256 Nesse sentido, a investigação teve como foco reunir as
opiniões sobre o caráter facultativo e o designativo “religioso” que distingue o ER das
matérias do currículo básico (português, matemática, história...). Também busca
compreender a concepção de religião que permeia o ER e qual lugar este
componente curricular reserva para as religiões não hegemônicas, aqui
representadas, repito, pelas religiões afro-brasileiras.

A seleção das escolas, tanto em São Paulo quanto em Campinas, teve


por base alguns parâmetros, dentre os quais a confirmação da existência de turmas
de ER nas unidades visitadas, autorização do grupo gestor para a execução da
pesquisa, aceite do(a) professor(a) responsável pela disciplina, localização, horário

256
Por “horário normal”, leia-se que o ER é oferecido durante o período de permanência do aluno na
escola. Alguns servidores afirmaram que o horário normal é o período de funcionamento integral da
escola. A Deliberação CEE nº 16/2001 permite o ensino confessional em escolas estaduais paulistas,
porém ministrado fora do horário normal, sob execução das autoridades religiosas, mediante
autorização prévia da gestão escolar, após avaliação do conteúdo pelo Conselho de Escola e
autorização expressa dos pais ou responsáveis. O artigo 244 da Constituição do Estado de São
Paulo (1989) também determina que o ER público tenha caráter facultativo.
164

das aulas.257 Sendo o ER paulista restrito aos alunos do 9º ano (antiga 8ª série),
com apenas uma aula semanal, frequentemente “prejudicada” (expressão usada nas
secretarias) por motivos diversos (feriados, falta de professores, aula preenchida
com atividades de outra matéria etc.), optou-se pelas escolas que apresentaram ao
menos duas aulas consecutivas de ER (“dobradinhas”) no mesmo dia e,
preferencialmente, no mesmo turno.

Antes da chegada às escolas nas quais o trabalho de campo foi realizado,


alguns levantamentos preliminares foram feitos, tais como o acesso aos websites da
SEE-SP (Secretaria de Estado da Educação), incluindo suas Diretorias Regionais de
Ensino de São Paulo (capital) e Campinas. Estes levantamentos iniciais
possibilitaram localizar as escolas com turmas de ER formadas nos últimos anos nos
dois municípios.

Em 2012, início da pesquisa empírica, o levantamento obtido nas 13


Diretorias Regionais de Ensino da capital paulista informava que 70 escolas
estaduais apresentaram aulas de ER.258 Destas escolas, 38 estavam localizadas em
distritos do extremo Sul de São Paulo; 19 na Zona Leste; cinco em bairros da região
Centro Sul (Ipiranga, Cambuci, Vila Moraes, Arapuá e Jardim Patente); cinco na
Zona Norte (Jardim São Paulo, Vila Guilherme, Casa verde, Chora Menino, Jardim
Peri) e três na região Centro-Oeste (Rio Pequeno, Lapa Vila Sonia).259

Partindo desse mapeamento, a pesquisa prosseguiu selecionando duas


destas escolas, relativamente próximas, ambas localizadas na Zona Norte de São
Paulo. Uma delas foi sugerida pela diretora do Núcleo Pedagógico da diretoria de
ensino local. A escola havia sido indicada, numa ocasião anterior, para um canal de
televisão paulista que realizou uma série de reportagens sobre Religião e Estado
laico. Numa das pautas estava o ER em escolas públicas.

257
Em cumprimento ao anonimato acordado entre pesquisador, professores, alunos e equipes de
gestão escolar, as identidades dos sujeitos e os nomes das escolas serão preservados. Dentre os
documentos utilizados em campo, estão uma carta de apresentação geral da pesquisa (assunto,
objetivos, recorte empírico, metodologia etc.) e um termo de consentimento de entrevista.
258
Diretorias de Ensino de São Paulo (capital): Centro, Centro Oeste, Centro Sul, Leste 1, Leste 2,
Leste 3, Leste 4, Leste 5, Norte 1, Norte 2, Sul 1, Sul 2 e Sul 3.
259
Importante ressalvar que a confirmação desses números não foi concretizada por todas as
diretorias de ensino, em especial as diretorias das regiões Sul 1 (32 escolas) e da Leste 1 (13
escolas), cujos números despontam em relação às demais áreas citadas.
165

A partir de 2013 o trabalho de campo foi iniciado no município de


Campinas, então composto por duas Diretorias de Ensino citadas anteriormente – a
Região Leste (DECLESTE) e a Região Oeste (DECOE).260 Somente as escolas
abrangidas pela segunda registraram turmas de ER nos últimos anos. Em 2013
foram oito escolas registradas. No ano seguinte, esse número diminui para sete. A
ocorrência do ER em escolas públicas estaduais campineiras tem ocorrido,
sobretudo, em bairros de afastados da região central. A pesquisa se concentrou em
duas unidades escolares da região Oeste.

Não se pode afirmar, contudo, que o ER seja uma demanda exclusiva do


alunado campineiro, dos pais ou responsáveis legais. Em certos casos, pôde-se
concluir que o grupo gestor (direção e vice-direção) parecia tomar a decisão de
inserir o ER no horário das turmas do 9º ano, pautado na aposta de que tal
disciplina tem como propósito a transmissão de valores éticos e morais. Ou seja, o
ER poderia minimizar o quadro de violência e indisciplina escolares. Essa
percepção difusa tende a reforçar a crença na religião enquanto “solução ou
antídoto para os males sociais” e instituição capaz de exercer um controle social
sobre os “jovens de hoje” – “desorientados”, “sem valores”, “sem referências”
(CAVALIERI, 2007, p. 312).

A escolha pelo trabalho de campo também em Campinas ocorreu em


virtude do Núcleo Pedagógico da DECOE oferecer, há mais de dez anos,
Orientações Técnicas (OTs) exclusivas para o aperfeiçoamento dos professores de
ER.261 Os participantes dessas atividades de caráter formativo e permanente são
convocados mediante envio de “Ofícios” encaminhados às escolas, sendo essas
convocações publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo – fonte de dados
também consultada durante a fase anterior à chegada às escolas.

260
Encaminhei uma solicitação para a Assessoria de Gabinete da DECLESTE, onde perguntei sobre
os motivos desta diretoria não ter escolas com turmas de ER nos últimos anos – as últimas turmas
foram formadas em 2009. Havia algum motivo que explicasse esse “desinteresse” pelo religioso?
Não obtive retorno da Assessoria e a situação permanece sem explicação. Procurei alguma pista
pessoalmente, no primeiro semestre de 2015, durante as conversas informais com os supervisores
de ensino da DECLESTE, que ficaram confusos e tampouco souberam fornecer uma informação
mais segura, apesar de cada um deles ser responsável por um número determinado de escolas, as
quais acompanham e supervisionam ao longo do ano letivo.
261
Trata-se de um diferencial em relação às trezes diretorias de ensino paulistanas, nas quais não
obtive nenhuma informação sobre atividades de formação continuada dirigida aos professores de
ER.
166

Durante a pesquisa empírica, tive a oportunidade de acompanhar as OTs


ocorridas na DECOE em dois anos consecutivos, nos meses de março de 2013 e
2014. Isto possibilitou que eu me aprofundasse no conhecimento da legislação
estadual que regulamenta a proposta de ER paulista, bem como dos conteúdos
específicos e cuidados exigidos do professor que assume essa disciplina. Os
principais cuidados são relacionados à visão de mundo dos professores, sua
perspectiva moral e religiosa. Em tais ocasiões também foi possível obter os dados
necessários à continuidade do trabalho de campo: endereço das escolas com salas
de aula de ER constituídas, turnos, horários e professores que assumiram as aulas
de ER no período informado. Assim, foi possível decidir quais professores entrevistar
e reunir dados referentes às suas trajetórias na rede estadual de ensino e o que
pensavam sobre o ER de caráter público.

Posto isso, apresento a seguir uma explanação geral, necessária ao


entendimento da regulamentação do modelo de ER adotado em São Paulo. Foram
utilizados os dados de campo obtidos em normatizações estaduais e circulares
emitidas em diretorias de ensino orientando a formação de turmas de ER. Para
conhecer os conteúdos previstos na legislação paulista que regula o ER, e saber se
eles estavam sendo implementados, consultamos as brochuras de ER da SEE-SP,
os planejamentos de aulas e diários de classe disponibilizados pelos professores
entrevistados, e analisamos as informações obtidas através de conversas informais
e aplicação de questionários com docentes e gestores escolares.262 Este é o trajeto
de pesquisa desenvolvido a seguir.

5.1. A religião no espaço público da escola

Vimos na abertura desta tese que há um vasto repertório de legislações e


referências bibliográficas que ajudam a compreender os embaraços

262
Somando os dois municípios investigados, 14 professores de ER foram entrevistados, sendo 6 em
São Paulo (capital) e 8 em Campinas. A entrevista ocorreu por meio de aplicação de questionário e,
em alguns casos, através de conversas gravadas preservando-se o mesmo roteiro do questionário
(ver Apêndice D). Do total citado, 9 professores eram licenciados em história, 2 em filosofia, 1 em
geografia, 1 em teologia, 1 em Recursos Humanos. Este último entrevistado, especializado em
Logística (curso também realizado na Universidade Paulista (UNIP), onde trabalhou no setor de
recursos humanos), estava desempregado ao efetuar o cadastro para contratação temporária de
professores da rede estadual de ensino. Mesmo sem formação específica em ciências humanas, no
ano letivo 2014, ele assumiu as aulas de história e ER na mesma unidade estadual localizada na
região Oeste de Campinas.
167

epistemológicos, políticos e religiosos referentes aos processos de regulamentação


do ER em diferentes regiões do Brasil. Isto vale, portanto, para o Estado de São
Paulo, cuja implementação da nova proposta de ER teve início em março de 2001.

Ao referendar as normas federais, a Assembleia Legislativa paulista


promulgou a lei estadual nº 10.783/01 e instituiu o ER nos horários normais das
escolas públicas estaduais, assegurando o respeito à diversidade religiosa, a
proibição do proselitismo e o estabelecimento de qualquer primazia entre as
religiões.263 A mesma lei também estabeleceu que a definição do conteúdo
programático de ER teria a participação do Coner-SP (Conselho de Ensino Religioso
do Estado de São Paulo) e de outras entidades civis representativas das diferentes
denominações religiosas.264 Entretanto, ao invés de ouvir as “entidades civis” 265 ou
representações religiosas, a SEE-SP firmou convênio com uma equipe de
professores da UNICAMP – instituição laica de ensino superior –, que ficaram
responsáveis pela capacitação docente e redação das brochuras de ER retomadas
neste capítulo.266

No mesmo ano, o Conselho Estadual de São Paulo (CEE-SP) aprovou a


Indicação CEE nº 07/2001 e a Deliberação CEE nº 16/2001.267 Estes dispositivos
estaduais indicam que nas séries iniciais, permitem aos portadores de licenciatura
em Pedagogia lecionar ER como tema transversal – essa orientação é problemática,
pois retira o caráter facultativo do ER, diluindo seus conteúdos em todos os
conteúdos oferecidos no 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Em relação aos anos
finais, o ER deve ser oferecido exclusivamente aos estudantes do 9º ano (antiga 8ª
263
Cf. <http://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/132260/lei-10783-01>. Acesso em: jul.2016.
264
O Projeto de lei nº 1.036/1999, do deputado José Carlos Stangarlini (PSDB), mencionava apenas
a participação do Coner-SP quanto à escolha dos conteúdos de ER (LUI, 2007). Os Coners são
conselhos criados nos Estados brasileiros como entidades civis que, ao menos oficialmente,
procuram reunir diversos grupos religiosos com o propósito de auxiliar as escolas na escolha dos
conteúdos de ER.
265
Coner-SP, Asper-SP (Associação de Professores do Ensino Religioso do Estado de São Paulo),
CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), AEC-SP (Associação de Educação Católica de
São Paulo) e outras.
266
Capacitação dirigida aos supervisores de educação e aos antigos ATPS (Assistentes Técnicos
Pedagógicos) que atuaram como multiplicadores das “ações de capacitação” para o ER em escolas
da rede estadual paulista. Eliane Moura, Leandro Karnal e uma equipe de estudantes do Programa
de Pós-Graduação em História (IFCH-UNICAMP) realizaram as ações no período de 2002 a 2003,
sob coordenação de Paulo Miceli, docente do mesmo instituto e coordenador geral do projeto.
Detalhes sobre este convênio, que excluiu a participação de entidades civis/religiosas, podem ser
conferidos em Dickie & Lui (2007) e Lui (2007).
267
Os dispositivos jurídicos deste capítulo podem ser acessados em:
<http://deadamantina.edunet.sp.gov.br/legislacao/delib_CEE_16_2001.htm.>Acessos em: mai.2016.
168

série) e ministrado por licenciados em história, filosofia e ciências sociais (ou


sociologia). Por conta das graduações que realizaram, supõe-se que tenham
“formação para abordar os conteúdos da forma como foram propostos, ou seja,
vinculados às demais áreas de conhecimento” (Indicação CEE 07/2001, III –
Professores Habilitados).268

Além de insistir que as entidades civis sejam ouvidas durante a seleção


dos conteúdos específicos, o CEE-SP orienta que o ER esteja fundamentado no
respeito à alteridade, nos princípios da cidadania e das práticas a ela pertinentes,
em valores éticos como honestidade, justiça, amor ao próximo, bondade e
solidariedade. Mesmo específicos a um determinado grupo social e religioso, tais
valores são apresentados como universais e assim devem ser considerados na
organização dos temas de ER.

Vista sob o enfoque histórico-cultural, o que a orientação do CEE-SP


pretendia, era fazer do ER uma disciplina que promovesse o reconhecimento das
diferenças entre grupos sociais e estilos de vida, mas sem nenhuma forma de
discriminação ou hierarquização entre eles. Isso inclui, por suposto, a rejeição a toda
e qualquer expressão de proselitismo e doutrinação. Em comum acordo com as
perspectivas contemporâneas inter e transdisciplinares, recomenda-se que se “deve
cuidar da articulação entre os saberes, priorizar a rede entre os conhecimentos e a
polivalência das informações” (Indicação CEE-SP 07/2001, I - Considerações Gerais
sobre o ensino religioso e sua implementação). A articulação entre diversas áreas do
conhecimento é posta enquanto alternativa ao conhecimento dividido em
compartimentos estanques, quase sempre incomunicáveis.

Das normas consultadas, entre diretrizes e leis estaduais e federais sobre


o ER, a indicação do CEE-SP é a mais longa de todas. Nela há um subitem que
define as religiões como

268
As aulas de ER podem ser atribuídas como carga horária suplementar aos professores titulares,
não efetivos ou aqueles contratados temporariamente, portadores de licenciatura plena nas três áreas
informadas (Resolução SE nº 5, de 2016, artigo 10, inciso 3). Enquanto hipótese, a pouca frequência
de licenciados em ciências sociais e filosofia ministrando ER nas escolas públicas estaduais talvez se
explique em razão dessas disciplinas serem oferecidas apenas no ensino médio. Em sua maioria, os
professores de ER são licenciados em história. Nos Núcleos Pedagógicos das diretorias de ensino, os
Professores Coordenadores de Núcleo Pedagógico (PCNPs) responsáveis pelas atividades de
formação do ER também são licenciados em história. Há uma queixa frequente em relação à
sobrecarga de trabalho, que também acomete as demais áreas e seus respectivos professores-
formadores.
169

[...] corpos doutrinais de construção histórica, têm contextos


vinculados à etnologia, história social, geografia, arte, política,
economia etc. Conhecê-las e desvendá-las significa ampliar a rede
de conhecimentos dos estudantes sobre o patrimônio cultural
humano e, ao mesmo tempo, propiciar-lhes suporte emocional e
social do ponto de vista do binômio: autoconhecimento/alteridade
(aprender a ser/aprender a conviver). (Indicação CEE-SP 07/2001, I
– Considerações Gerais sobre o ensino religioso e sua
implementação)

Uma vez estudadas a partir de uma dupla perspectiva – não apenas


histórica, mas também antropológica –, as diretrizes de São Paulo apostavam no
estudo das religiões enquanto fenômenos capazes de promover, por meio do
conhecimento, o respeito e a valorização das identidades culturais . Nesse sentido,
as religiões seriam

[...] uma porta de acesso para outros valores e práticas culturais,


identificáveis na arte de seus templos, nos cantos e nos rituais, nos
textos sagrados (no caso das sociedades letradas), nas concepções
de tempo que as orientam, nas permissões e proibições
estabelecidas, entre tantas outras possibilidades. (Indicação CEE nº
07/2001, II – O conteúdo)

Visto que o discurso oficial pró-ER insiste que os alunos conheçam novas
formas de religiosidade e os elementos que as constituem, em junho de 2002 foi
promulgado o Decreto nº 46.802. Essa normatização ratifica que o ER, mantido no
quadro curricular das escolas públicas estaduais paulistas, seria oferecido na
modalidade

[...] supraconfessional, devendo assegurar o respeito a Deus, à


diversidade cultural e religiosa, e fundamentar-se em princípios de
cidadania, ética, tolerância e em valores universais presentes em
todas as religiões. (Decreto 46.802/2002, Art. 2; itálico meu)

Essa normatização pretendia estabelecer um conteúdo comum para o ER,


que transcendesse os limites de cada confissão religiosa (daí o sentido de
“supraconfessional”). Tal medida se mostra aparentemente coerente em um país
170

religiosamente diverso, embora cultural e profundamente influenciado pelo


cristianismo, ou melhor, pelo catolicismo de Portugal. Em consequência dessa
influência notam-se as menções expressas a Deus presentes tanto no decreto acima
quanto no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, posta “sob a proteção de
Deus” (LEITE, 2014, p. 308). Ao deixar transparecer essa visão teísta e etnocêntrica,
pois projetada para a totalidade das religiões, o modelo de ER escolhido em São
Paulo compromete o pretendido tom relativista (DICKIE; LUI, 2007).

Observa-se, ainda, que a noção de cidadania presente nas normas


citadas apoia-se em valores éticos e religiosos associados ao cristianismo. Mesmo
não se reconhecendo “como devedor do credo cristão”, o Estado de São Paulo fez
do ER um “mecanismo de regulação da Religião na esfera pública” (LUI, 2007, p.
347). A interpretação da lei que prevê o ER público tende a reforçar a ideia do “bom”
cidadão, como se apenas os alunos “mais religiosos fossem efetivamente capazes
de exercer a cidadania!” (LUI, 2007, p. 340).

Ressalta-se, no entanto, que meses antes da promulgação do decreto


supracitado, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão
vinculado à SEE-SP, por meio de um comunicado expedido em 26 de fevereiro de
2002, solicita das autoridades em epígrafe (órgãos e gestores estaduais de
educação) cuidado especial no desenvolvimento dos conteúdos de ER. Também era
solicitado que fosse observado o cumprimento dos princípios e dos fundamentos que
lhes caracterizam.

O Comunicado do CENP define a seguinte ordenação temática formulada


a partir da Indicação CEE nº 07/2001: para as séries finais do ensino fundamental,
recomenda que os eixos temáticos (abaixo) sejam trabalhados de maneira
contextualizada e interdisciplinar, em articulação com outras áreas – geografia,
antropologia, sociologia, literatura e arte. O texto pressupõe que estas áreas possam
facilitar, articuladamente, o desenvolvimento dos seguintes eixos do ER:

Histórico, em que os projetos [pedagógicos] deverão assegurar


oportunidades de reflexão sobre valores e princípios éticos e de
conhecimento da história das grandes religiões, seus corpos
doutrinais, os milenarismos e as religiões do Brasil.
171

Sociológico, em que os princípios da diversidade, da pluralidade, da


ética, do direito à cidadania, e da tolerância como expressão do
respeito à pessoa humana, devam ser destacados ao se tratar de
comunidade e sociedade; religião e instituições estabelecidas (igrejas
e seitas), e das relações entre religião e política

Antropológico, em que o eixo condutor das atividades programadas


deverá enfocar a relação religião/subjetividade com ênfase no
sentido antropológico-cultural da morte.

Cultural, em que em que as atividades programadas, estimulando


reflexões coletivas, deverão privilegiar os ritos, mitos e símbolos e
dar conta de enfoques que abordem as relações entre a religião e a
natureza/ecologia, a religião e a arte e a religião e a memória (SÃO
PAULO, 2002, p. 49; destaques em negrito no original).

Os termos “seitas” e “grandes religiões”, presentes no eixo sociológico


citado, divergem das ideias propostas nas brochuras O Ensino Religioso na Escola
Pública do Estado de São Paulo.269 No primeiro volume deste material assinala-se
que um dos valores mais importantes do exercício da cidadania é o respeito à
diversidade cultural e religiosa. Por conseguinte, seria incorreto afirmar que existem
seitas, grandes ou pequenas religiões; do mesmo modo, seria incorreto afirmar que
esta ou aquela religião é superior, mais verdadeira, pura ou impura do que outra.
Todas as religiões expressam “uma visão de um grupo e cada uma teve e tem seu
valor específico, exatamente por serem diferentes” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 9).

Se admitido que existam grandezas em termos de religião, poderíamos


tratar dessa mensuração em termos quantitativos ou qualitativos. Pode ser que a
grandeza atribuída a uma determinada religião se refira aos seus milhares de
adeptos espalhados pelo mundo e/ou à importância cultural a ela conferida. Em
ambos os casos, as “grandes religiões” que mais predominam nas ementas e aulas
de ER são as religiões ditas universais – logo “grandes religiões”. Esse fato
supervaloriza o lugar de destaque conferido ao judaísmo, cristianismo, islamismo e,
com algumas exceções, budismo e hinduísmo. A explicação dada por um professor
de ER entrevistado em São Paulo revela esta visão sobre as grandezas religiosas:

269
O texto de abertura de cada brochura é assinado por Gabriel Chalita, ex-secretário de educação
de São Paulo (2003-2007). Em seus termos, o “ensino religioso tem de ser uma ponte que conduza
os estudantes ao caminho do bem, aos valores humanistas construídos com as bases sólidas do
amor, da fraternidade, da bondade, da honestidade, da humildade e, principalmente, do respeito
àqueles cujas opiniões divergem das nossas” (CHALITA, 2002, vol. 1, p. 5-6).
172

Falamos de Judaísmo... É que a base do Cristianismo tá lá trás, na


religião Judaica. Não deixei de falar no Velho Testamento, tudo...
Você acaba abordando tudo isso. Depois eu falei dos muçulmanos,
daí, eu peguei tratei ... Tratei até da questão de formarem... De
formar religiosidade de boa parte dos seres humanos. São as duas
religiões que formam toda a bagagem... A formação de...
praticamente quase toda a humanidade tá aí, dentro dessas duas
religiões.
[...]
No segundo bimestre, eu fiz, eu percebi isso na prática. No segundo
bimestre eu percebi o preconceito muito grande com relação ao Islã,
pela mídia. Me devo atentar a essas coisas todas. Aí, no segundo
bimestre, eu praticamente trabalhei só o Islã. Falei da Xaria, falei da
questão da mulher, entendeu? Falei da aplicação, oh inclusive aqui
oh, o senso comum ocidental e a realidade da mulher muçulmana.
Trabalhei uma aula, porque nosso senso comum é que ela se sente
oprimida, mas tá na cultura dela. Toda mulher muçulmana quer ser
igual a uma mulher ocidental? Sabe, eu levantei essas questões
sobre eles. E se você correr está todinho ligado ao roteiro... [o
professor aponta para o planejamento de aula submetido à
coordenação pedagógica].270

São essas religiões, com suas questões de ordem interna, como a


situação da mulher muçulmana, que têm determinado a seleção dos temas e
recursos didáticos utilizados em sala de aula. Se estatísticas oficiais em relação ao
número de adeptos de algumas religiões conferem certa hegemonia a estas, e,
justificam certas escolhas pedagógicas, o que dizer, então, das religiões afro-
brasileiras? A importância delas não se mede numericamente (0,3% de adeptos no
Censo IBGE 2010), e sim em termos de significado e representação simbólica, visto
o peso e a influência que exercem em diferentes domínios da cultura nacional não-
religiosa (língua, música, literatura, artes etc.), além de valores sociais,
representações místicas e concepções religiosas forjadas a partir da chegada dos
povos africanos aqui desembarcados ao longo dos séculos de escravidão.

Questões como essa são tratadas, ainda que pontualmente, nas


brochuras de ER citadas. A ênfase na história das religiões que orientou a
elaboração deste material cumpre, segundo Dickie e Lui (2007, p. 241), “o papel de

270
Professor, 57 anos, formado em história pela extinta Universidade São Marcos (Santana). Efetivo.
Leciona história, com carga suplementar em ER na mesma escola estadual localizada na Zona Norte
de São Paulo. Declarou-se católico não praticante. Entrevista realizada no 2º semestre/2012.
173

ensinar sobre religião sem que nenhuma religião fique de fora e principalmente sem
que haja qualquer tipo de proselitismo nas aulas” (grifado no original).
Consequentemente, o conteúdo desenvolvido nos cinco volumes desse material
segue em direção oposta ao ER dogmático, exclusivista ou concebido sob o ponto
de vista da confessionalidade. O material trata de temas clássicos e centrais,
seguindo uma visão transdisciplinar, que relaciona as contribuições de diferentes
campos do conhecimento interessados no estudo dos fenômenos religiosos.271
Chama atenção, entretanto, que a terceira brochura é integralmente dedicada ao
cristianismo, sem contar os capítulos e itens dos outros volumes que, de alguma
forma, tratam desta vertente religiosa.

O índice dos exemplares, abaixo, fornece-nos uma visão geral das


temáticas escolhidas:

1) Brochura 1: Religião e diversidade; História e religiosidade; Função e


valores culturais religiosos; Diversidade religiosa como parte da
cultura; Tradição Religiosa e Ética;

2) Brochura 2: Textos sagrados, com dois subitens (Imagens,


linguagens e comunicação; Os Livros Sagrados); História e Narrativas
Sagradas; Textos e Contextos (Torá, os Evangelhos e o Corão);
Análise dos textos sagrados;

3) Brochura 3: O Pluralismo Religioso e Cristão; Origens do


Cristianismo; O Cristianismo no início da Idade Média; A Contra-
Reforma Católica no século XVI, incluindo subitem referente ao
Concilio de Trento; Diversidade cristã: a Reforma, com subitem sobre
A expansão do protestantismo;

4) Brochura 4: Tolerância: uma ação afirmativa; Uma raiz profunda, com


dois subitens (O candomblé; Reconhecer as diferenças); A questão da
tolerância; Pluralismo e diversidade; A tolerância como prática ativa e
afirmativa; Exclusivismo, Inclusivismo e Pluralismo; A Força das
mudanças;

271
Cada brochura tem, em média, cinquenta páginas.
174

5) Brochura 5: este exemplar reúne um conjunto de atividades que


relaciona arte e religião, com destaque para imagem religiosa,
simbolismo, iconografia e arquitetura sagrada. No fim dos cinco
volumes, há uma lista com verbetes e a bibliografia consultada.272

Para os autores desses volumes, o “Ensino de religiões, estudo de


diversidades, exercícios de alteridade podem ser conteúdos trabalhados na Escola
pública” (SILVA; KARNAL, 2002c, p. 9). O que se propõe é que o fenômeno religioso
seja metodologicamente abordado de forma não catequética ou confessional. A
“diferença entre ensinar religião e ensinar sobre religiões mudou a maneira de se
abordar esta polêmica questão, o que não evitou o surgimento, crítico e propositivo,
de novas questões” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 11; itálicos no original).

Essa perspectiva histórico-cultural inibe, ao menos em tese, a prática do


proselitismo religioso em sala de aula. Ainda assim, ela não foi amplamente aceita
em São Paulo. Para a Associação de Professores do Ensino Religioso do Estado de
São Paulo (Asper-SP), “falar de história das religiões faz parte da disciplina “História”
e não da disciplina ‘Ensino Religioso’” (LUI, 2007, p. 24). Ainda conforme a Asper-
SP, o conteúdo do ER deveria ser autônomo e baseado nos Parâmetros Curriculares
Nacionais - Ensino Religioso (PCNER), então definidos pelo já citado Fonaper. Para
este Fórum, a finalidade do ER é

[...] subsidiar o conhecimento através do tratamento didático de eixos


de conteúdos que incluem: culturas e tradições religiosas; escrituras
sagradas e/ou tradições orais; teologias; ritos e ethos, para ir
sensibilizando para o mistério, capacitando para a leitura da
linguagem mítico simbólica e diagnosticando a passagem do psico-
social para a metafísica/Transcendente (DICKIE; LUI, 2007, p. 242).

Oficialmente, é possível dizer que os parâmetros do Fonaper não fazem


parte do modelo de ER legalmente adotado no Estado de São Paulo. Entretanto,
pode-se dizer que, extraoficialmente, eles estão presentes nas escolas. Ao tratar dos

272
Os participantes da capacitação realizada em 2003 receberam um CD com as imagens ilustradas
neste volume, que ainda contém indicação de bibliografia básica, informações sobre vídeos e
recomendações sobre como trabalhar com websites de instituições religiosas.
175

elementos históricos associados ao ER, afirma-se que toda cultura apresenta um


“substrato religioso que a caracteriza” (FONAPER, 2009, p. 32). Numa terminologia
parecida, o excerto abaixo, extraído do documento “Para que Ensino Religioso?” –
obtido em uma Diretoria Regional de Ensino da Zona Sul de São Paulo –, afirma que
“um povo” é identificado por “cultura” e que as “Tradições Religiosas” são o
“elemento forte” dessa cultura.

O Ensino Religioso reforça e sustenta a cultura religiosa de cada


educando. (...).
O Ser Humano é um ser religioso por natureza. No Ensino Religioso
respeita-se a fé dos alunos, seja qual for sua crença. O objetivo do
“Ensino Religioso na escola é proporcionar ao aluno experiência,
informações e reflexões que o ajudem a cultivar uma atitude de
abertura ao sentido mais profundo de sua existência em comunidade,
e a encaminhar, assim, a organização responsável do seu projeto de
vida”.
O papel do educador é (...) mostrar que as diversas culturas
religiosas são maneiras diferentes de se viver a religiosidade e que
se pode, também, viver a religiosidade sem seguir qualquer religião.
(...) A escola precisa ensinar o jovem a condição humana, enfim, a
descobrir o verdadeiro sentido da vida. (...) o século XXI nos convoca
como educadores à formação de uma cidadania terrestre.273

Seguindo o que foi defendido acima, um “Professor de História das


Religiões”274, vinculado à mesma diretoria da Zona Sul, elaborou um detalhado
“Plano de Ensino” para o ano letivo de 2012. Este mesmo plano foi mantido até
2014, quando encerrou suas atividades como professor de ER. Em seus termos:

Os conteúdos a serem administrados não levam em consideração a


crença ou a fé religiosa do aluno. Os mesmos têm a finalidade de
promover dentro e fora da sala de aula o entendimento e a vivência
de valores universais, éticos, morais, religiosos e de cidadania.
Dentro deste contexto se insere: respeito ao outro, amor ao próximo,
tolerância, honestidade, justiça, bondade, solidariedade. Todos estes
elementos devem estimular formas voluntárias e autônomas de

273
Texto sem autoria reconhecida – inclusive o trecho entre aspas –, consultado no Núcleo
Pedagógico da Diretoria Regional de Ensino Centro-Sul (São Paulo-SP).
274
Professor, 37 anos, graduou-se em história numa universidade no interior de São Paulo. Curso
incompleto em filosofia. Efetivado em história, mas com carga suplementar de ER na mesma unidade
escolar da Zona Sul de São Paulo. Nascido em família católica. Foi seminarista, mas resolveu
abandonar o sacerdócio e recomeçar a vida na capital paulista. Declarou-se “católico apostólico
romano”, identidade religiosa manifestada em um visível crucifixo preso ao pescoço.
176

participação e de exercício de cidadania; devem integrar o


conhecimento das principais religiões mundiais e brasileiras, como
corpo doutrinal de construção histórica, contextualizada à etnologia,
história social, geografia, arte, política e economia. Inspirado nestes
valores, as aulas de História das Religiões, direcionada ao público
do 9º ano do Ensino Fundamental II, tem como uma de suas
premissas o respeito, a liberdade de crença e as tradições religiosas
de cada aluno. Por fim, ao estudarmos as mais variadas religiões,
daremos certa ênfase ao Cristianismo, que moldou e forjou de forma
muito direta, o pensamento da civilização Ocidental.275

Em consulta aos diários de classe preenchidos pelo professor, que


também lecionava história na mesma escola, pôde-se confirmar a quantidade de
vezes nas quais o Cristianismo foi enfatizado, em prejuízo de outras religiões
coexistentes no Brasil e no mundo. No caso das religiões afro-brasileiras, estas são
lembradas em dois diários enquanto conteúdo ministrado no final do ano letivo.
Entretanto, não localizei, junto ao material disponibilizado pelo professor, nenhuma
atividade, prova, referência, etc., relacionada à religiosidade afro-brasileira, suas
origens, características ou tradições rituais. A única exceção pode ser feita em
relação ao verbete “sincretismo religioso”, cujo significado foi cobrado numa
avaliação bimestral. Nas anotações do professor, o significado desse termo nada
tem a ver com a ideia de mistura entre religiões diversas, mas com a prática de “uma
pessoa que frequenta várias religiões ao mesmo tempo”. Esse sentido relaciona o
sincretismo ao trânsito religioso que já vimos no capítulo anterior.

Também preocupado em cumprir o estabelecido na legislação estadual, o


diretor de uma escola localizada na Zona Norte de São Paulo redigiu, em novembro
de 2012, com o auxílio do professor de ER, um termo intitulado “Critérios para a
oferta de Ensino Religioso nas escolas do Sistema Educativo”, no qual os pais ou
responsáveis deveriam autorizar (ou desautorizar) a participação de seus filhos nas
aulas de ER oferecidas no ano seguinte – em 2013. Neste documento, que tive
acesso na primeira visita à escola, repete-se que o ER, além de assegurar o respeito

275
O uso da expressão “História das Religiões” foi estabelecido pela diretora da unidade escolar
visitada, mas nem sempre lembrado pelos alunos, visto que parte deles registrou o nome “Aula de
Religião” ou apenas “Religião” em seus cadernos, provas e trabalhos escolares. O plano de aula do
professor citado não contém nenhuma referência bibliográfica, legislação federal ou estadual sobre o
ER. Parte do argumento utilizado por ele foi originalmente publicado na Indicação CEE nº 07/2001.
Mantive o trecho citado conforme o texto original, incluindo as palavras grifadas em negrito. Os
itálicos no final a citação são meus.
177

à diversidade religiosa e a todas as crenças individuais, pretende ajudar o aluno a


compreender que o fenômeno religioso está “presente nas diversas culturas e
sistematizado por todas as tradições religiosas”.276 Assim, ele deveria ter o mesmo
tratamento conferido às demais matérias da educação básica.

Nota-se o seguinte erro de interpretação: se o ER é facultativo para as


escolas públicas estaduais, logo ele não é igual e, portanto, não tem o mesmo
tratamento (e prestígio) concedido aos demais componentes do currículo obrigatório.
O próprio termo informava que as avaliações de aprendizagem de ER não seriam
consideradas para fins de promoção do aluno matriculado.

A fim de auxiliar o aluno durante sua decisão, o termo apresentava quatro


eixos temáticos da disciplina – é nítida a semelhança com os parâmetros do Fonaper
vistos no segundo capítulo desta tese. O primeiro eixo aqui resumido refere-se à
“Antropologia das Religiões”, que entende o fenômeno religioso enquanto
“construção cultural da humanidade, manifestada por meio de crenças e religiões,
que interagem com o cotidiano por ela vivido e produzido”. Do conhecimento
antropológico passa-se para a “Sociologia das Religiões”, onde o mesmo fenômeno
seria estudado a partir dos “aportes e conflitos civilizatórios, criados por sociedades
humanas, formados por experiências de diferentes crenças”. Da sociologia segue-se
para a “Filosofia das Religiões”, que trata o fenômeno religioso enquanto
“manifestação ética da humanidade” e “forma de compreensão do vivido, assim
como da destinação humana, por meio das divindades, dos textos sagrados, das
espiritualidades”. O último eixo enfatizava a “Literatura sagrada” e os símbolos
religiosos das religiões monoteístas e as referências “orais, culturais e simbólicas,
dos cultos de matriz africana e dos indígenas brasileiros” – esses eixos encontram-
se sequenciados na primeira folha do termo que apresenta os “Critérios...” para o
oferecimento do ER formulados pela gestão escolar.

Uma última observação sobre este documento. A Resolução SE nº


21/2002, que orienta os critérios referentes à atribuição de aulas de ER nas escolas da
rede estadual paulista, determina que a matriz curricular dos alunos do 9º ano (antiga 8ª
276
Em nenhum momento os documentos relativos ao ER formulados internamente nas escolas
visitadas mencionam os alunos ateus, agnósticos ou sem religião. Apesar da pouca idade, encontrei
alunos campineiros, matriculados em turmas do 9º ano, na faixa dos 13 aos 15 anos, que não
declararam pertencimento religioso. Alguns afirmaram que frequentavam as aulas de ER por
imposição da diretoria, uma vez que a escola não tinha atividades pedagógicas alternativas.
178

série) seja acrescida de uma aula semanal para o desenvolvimento dos conteúdos de
“História das Religiões”. Apesar disso, nenhum dos eixos descritos no termo formulado
pela escola supracitada menciona este conteúdo programático oficialmente adotado
pelo Estado de São Paulo. Outro ponto a ser destacado é que a mesma Resolução SE
nº 21/2002 encerra uma ambiguidade reproduzida no ambiente escolar: Afinal, o que
deve ser oferecido aos alunos da rede pública estadual? Aulas de “ensino religioso” e/ou
de “história das religiões”?

5.2. Da norma legal para prática real

Embora o principal objetivo desta pesquisa tenha sido o levantamento dos


conteúdos veiculados durante as aulas de ER, outras questões vistas desde o
princípio sobre o tema ressurgem a todo instante. Dentre as situações observadas in
loco nas escolas paulistanas e campineiras, em coerência com os registros de
campo e informações coletadas por meio de entrevistas, questionários e conversas
informais, muito se falou sobre:

1) a facultatividade do ER – alguns professores, sem perceber, se


contradiziam durante suas falas ao se referirem ao ER como uma “disciplina como
outra qualquer”, para, em seguida, dizerem que ela é facultativa para o aluno.

2) a curta duração da aula desta disciplina (45 minutos), que impede o


aprofundamento do conteúdo, sem esquecer que ele é ministrado numa única aula
semanal.

3) as normas legais descumpridas em relação à habilitação exigida do


professor de ER, que nem sempre corresponde ao determinado na legislação
estadual paulista.

4) a estratégica mudança do nome “ensino religioso” como forma de se


evitar possíveis conflitos entre gestores escolares, pais e alunos – procedimento tido
como incorreto, pois quem o pratica evita explicitar que o ER, além de não ser
obrigatório, não tem caráter reprovativo.

Partindo da análise dos materiais coletados em campo observa-se que o


ER, com raras exceções, não tem sido ofertado conforme as normas legais já
179

conhecidas. Os motivos para isso não são diferentes dos encontrados no Rio de
Janeiro ou em uma escola pública do Sul do Brasil – fato esse que mostra a
existência de certos problemas relacionados ao ER que se repetem
independentemente da localidade geográfica.

De acordo com uma professora277, favorável ao ER público, responsável


por essa disciplina ha quase duas décadas em duas escolas da Zona Norte da São
Paulo, se os gestores escolares perguntassem aos alunos se eles queriam ER, ela
acredita que muitos diriam que sim. Mas, prossegue:

E aqueles que não ficariam, e seriam a maioria, ficariam em que


lugar da escola? Você viu a estrutura da escola? Não tem um pátio.
Tem a quadra, as escadas, corredores. Eles não têm espaço. Não
teria sala... Eles ficariam fazendo o quê? Então, se eles estão ali [nas
aulas de ER], estão vendo, estão escrevendo, estão fazendo uma
atividade. Se tiver opção [escolha do aluno] vai ficar com três gatos
pingados na sala. Se a mãe falar: “Não autorizo”, eles vão ficar lá
fora, vão perturbar. Então nós optamos por falar para eles: é uma
aula de história a mais, ninguém vai ofender ninguém aqui. (Itálicos
meus)

A saída pela tangente, isto é, pela história das religiões, também foi a
solução posta em prática por um grupo de três professoras, todas com carga
suplementar de ER durante o ano letivo de 2012. Uma delas lecionava geografia e
as outras eram professoras de história, todas efetivadas na mesma unidade escolar
– lembremos que a legislação paulista proíbe aos licenciados em geografia
assumirem a regência de ER. Durante uma conversa informal, gravada, com
participação das três professoras, uma delas informou que:

Nos primeiros dias de aula colocamos qual era o fundamento... Eu


lembro que eu discuti com eles a religião, se eles tinham religião. No
que eles acreditavam. Porque quando você chega na sala e fala
assim: “Eu vou dar aula de ensino religioso”.
“Ah! Religião não professora, pelo amor de Deus. (risos). Religião?!
Tô fora! Eu vou pedir pra minha mãe vim aqui me tirar”.

277
Professora, 62 anos, licenciada em história pela PUC-SP. Aposentada pela rede de ensino do
Estado de São Paulo. Em 2012, era professora contratada na “categoria O” (contrato temporário) para
lecionar ER na última escola da Zona Norte onde trabalhara. Declarou-se católica.
180

“Olha professora eu não quero participar. Eu sou obrigado a


participar?” Eles perguntavam. Eu falei: “Mas por que você não quer
participar, qual o motivo?”.
A gente tinha que falar qual que era a proposta.
Eles têm uma resistência... Os pais tinham uma certa resistência
também porque acreditavam que a gente ia levar a questão da
religião. Por exemplo, dentro do cristianismo, se eu sou evangélica,
vou levar o aluno para a religião evangélica, ou vice-versa. Aí não
teve nenhuma preparação do Estado, absolutamente nada depois...
Acho que depois de 2002, 2003... Depois que surgiram as reuniões
OT [Orientação Técnica] para quem tivesse essas aulas.
[...] a gente fala a história das religiões, a gente nem usa a linguagem
ensino religioso aqui. Por que isso? Porque quando isso foi inserido
aqui na escola, ou em todas as escolas, mas aqui particularmente, a
comunidade não queria porque aí a direção na época... Ela mandou
um aviso que seria optativo pro aluno – sim ou não? (Professora de
ER e história). (Itálicos meus)
Agora, outra coisa que eu acho que dificultou também foi o horário.
Nós escolhemos o horário, e era de sexta-feira, e tinha muitos
feriados. Teve eleição. (Professora de ER e geografia)278

Para contornar a rejeição ao ER, a alteração da nomenclatura “ER” tem sido


frequente, eliminando, assim, a má impressão causada pelo adjetivo “religioso” que
o acompanha. Segundo percepções dos professores, tal adjetivo “mais desqualifica
que qualifica, mais atrapalha que ajuda” na oferta pública do ensino “religioso”.
Como alternativa, entre os professores de São Paulo e Campinas favoráveis à
continuidade do ER no quadro curricular, surgiram os seguintes termos substitutivos,
aqui ordenados por proximidade ou complementaridade:

a) Filosofia para a Vida; Filosofia Religiosa;

b) Ética; Ética e Cidadania; Ética, Cidadania e Valores; Religião e Cidadania;


Educação Social;

c) Religiões; Estudo das Religiões; História das Religiões;

d) Diversidade Cultural; Multiplicidade e Diversidade Cultural; Orientação


Ecumênica;

278
Estive com as duas professoras citadas numa única ocasião, na qual a conversa informal foi
registrada.
181

e) E, os mais inusitados de todos: Falando de Deus279, Antropologia


Teológica e Reflexão Cristã. O primeiro sugerido por um vice-diretor, o
segundo por uma diretora e o terceiro por uma professora de ER.

É pouco provável que os três últimos, assim como os demais que


preservaram o adjetivo “religioso”, solucionem algo na hora da oferta do ER e da
consulta, por escrito, entre os pais ou responsáveis legais. Vale insistir que mudar a
nomenclatura “ensino religioso” visa, da parte do aluno, a aceitação de um ensino
visto como problemático. Isso não quer dizer que todos o recusem enquanto matéria
curricular. Em um estudo efetuado em três escolas públicas estaduais localizadas na
região Leste da capital paulista280, dos vinte e oito alunos que participaram dos
grupos focais conduzidos por Oliveira (2006), doze afirmaram que a disciplina
“Educação Religiosa” era importante. As argumentações favoráveis ao ER se
justificavam uma vez que tal disciplina era voltada ao convívio social e ao respeito à
religião do “outro”. Porém, temas como o ensino da Bíblia também foram apontados
pelos alunos.

Posto isso, o que ensina numa aula que aposta no convívio pacífico entre
diferentes religiões? O que se aprende numa disciplina frequentemente associada à
catequese e ao ensino confessional cristão? Quais conteúdos são repassados aos
alunos? Quais recursos são empregados para implementá-los?

5.2.1 Religião sem ofensas

Numa das escolas que acompanhei na Região Norte da capital paulista, o


tema da aula daquela manhã – 2º bimestre de 2012 – era simbologia religiosa. A
escola funcionava em três turnos diários (manhã, tarde e noite) e atendia alunos do
ensino fundamental e médio residentes, em sua maioria, no entorno. Em seu Plano

279
Ao responder “sim” para a oferta do ER em escolas públicas, a diretora que sugeriu a
nomenclatura “Falando de Deus” manteve esta sugestão ao concluir que “é necessário que falemos
de DEUS para os jovens, muitos cultivam esse amor no coração” (termo “Deus” destacado em letras
maiúsculas no questionário recebido através de correspondência digital (e-mail) do Núcleo
Pedagógico/DECOE).
280
Pesquisa nacional realizada no âmbito do projeto “Afro-brasileiros e Religiosidade no Ensino
Médio”, da atual Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI), na época SECAD (OLIVEIRA, 2006).
182

Político Pedagógico constava que não existiam por ali “redes de lojas e serviços
diversos”, como posto policial, hospital, outras escolas públicas ou particulares,
cartório, áreas de lazer/cultura e transporte coletivo. Quanto ao transporte, na
verdade, o bairro era servido por lotações e duas linhas de ônibus: uma delas
conduzia os passageiros até uma estação de metrô da Linha Azul (Zona Norte); a
outra seguia em direção à região central da cidade, cujo trajeto levava, no mínimo,
uma hora de viagem.

Durante o período no qual a pesquisa foi realizada – isto é, no penúltimo


bimestre de 2012, com dois retornos em anos posteriores –, a escola contava com
uma professora e um professor de ER. A professora era licenciada em história, com
a qual estive em duas ocasiões apenas. Ao longo do ano ela se ausentou em
períodos de licença médica. A coordenação pedagógica não incentivou que a
pesquisa fosse realizada com essa docente: ela não tinha apresentado, no início do
ano letivo, o plano de aula solicitado.

O segundo professor, aqui identificado como Allan, lecionava história e


ER para algumas turmas do 9º ano matriculadas no turno da manhã – todas as suas
aulas de ER ocorriam nesse mesmo turno. Allan, 57 anos, autodeclarado branco,
licenciado em história, concursado e efetivado na rede estadual de ensino, também
era comerciante. Tinha uma barraca, localizada no centro comercial do bairro onde
morava. Nela vendia eletrônicos e outros objetos importados da China adquiridos na
região da rua 25 de Março.

Em questionário cujo fim era conhecer o perfil dos professores de ER,


Allan assinalou que os membros de sua família eram católicos, não-praticantes, e
que frequentavam o espiritismo de Kardec. Curiosamente, quando chegou a vez de
informar sua pertença religiosa, caso tivesse alguma religião – definida por ele como
uma “construção cultural” da humanidade – ele assinalou todas as alternativas
listadas: católica, evangélica(s), protestante(s), espiritismo, islamismo, umbanda,
candomblé, budismo etc. Assinalou, inclusive, o item “outras religiões”, mas sem
especificar qual – talvez porque já estivessem contempladas no rol de religiões
indicadas. Deixou em branco apenas as opções “sem religião”, “ateu” e “agnóstico”.
No entanto, durante uma de nossas conversas, Allan frisara que era “ateu” e
183

“anarquista”. Eis a sua explicação posterior enviada por correspondência digital (e-
mail), quando retomei contato com ele:

Eu sabia que daria um "nó" em sua cabeça. Sou católico, não recebo
hóstia, mas aceito os preceitos da Igreja. Politicamente o anarquismo
tem minha simpatia, adoto posturas ideológicas desse movimento.
Quanto à religiosidade, frequento sim, todas essas religiões,
mas no intuito de conhecê-las e ter subsídios significativos
junto aos alunos, por fim, não sou ateu, mas não dou crédito às
religiões, vejo-as como produtos culturais; embora sou convicto que
o universo tem um propósito isso não quer dizer que sejamos os
protagonistas desse propósito. Eu, como professor de ER, tenho
minha subjetividade, como meio para conviver com o ‘outro’. Eu não
respeito, mas também não chuto macumba. (Allan, professor de ER
e história, São Paulo-SP). (Grifos meus)

Se uma das queixas frequentes nos dados coletados referia-se à falta de


recurso, apoio didático e formação específica oferecida pela SEE-SP, talvez faça
algum sentido a intenção do professor em percorrer diferentes religiões, sem aderir a
nenhuma delas, apenas com o intuito de entendê-las em seus próprios termos e
posteriormente ensiná-las aos seus alunos. Vale recordar, conforme visto no item
anterior, que, ao menos legalmente, o modelo de ER regulamentado em São Paulo
não se vincula a nenhuma confissão religiosa, pois deve ser desenvolvido sob a
perspectiva da história das religiões. Essa orientação dispensa, oficialmente, o
ensino de dogmas e verdades explicitadas pelas várias denominações religiosas.

Dentre os objetivos gerais reunidos nos “Planejamentos de Ensino”


organizados por Allan para quatro bimestres de ER (2012 e possivelmente mantidos
nos anos posteriores), todos eles aprovados pela direção escolar, constavam
diversas passagens que distanciavam o ER da perspectiva da história das religiões.
Dentre elas, cito algumas: 1) auxiliar o aluno a “refletir sobre o sentido da atitude
moral” associado ao fenômeno religioso; 2) “perceber que as representações de
cada tradição religiosa se constituem no valor supremo de uma cultura”; 3) “a
dimensão religiosa como um compromisso diante do Transcendente”; 4) “conhecer o
sentido da vida sustentado pelas doutrinas, crenças, normas e formas de
relacionamento com o Transcendente, com o cosmo, com os outros e consigo
mesmo”. Nota-se, dessa forma, que esses objetivos programáticos mais se
184

aproximam da modalidade defendida pelo Fonaper, que se baseia na ideia de


transcendência enquanto substrato presente em todas as culturas.

Para cumprimento dos objetivos específicos, Allan programou algumas


aulas para discussão dos “múltiplos símbolos religiosos culturais”, que permitiria aos
alunos conhecerem a associação entre os símbolos e suas respectivas culturas.
Essa atividade possibilitaria, em suas palavras, “apresentar a amplitude da
diversidade religiosa e sua importância cultural”. Para isso usou textos diversos e
imagens iconográficas relacionadas ao cristianismo, taoísmo, islamismo, budismo e
um ponto riscado de umbanda.281

Figura 11 – Ponto Riscado de Umbanda


(Desenho de aluno de ER)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.

A exposição do professor Allan sinalizou para a diversidade das religiões


e as escolhas feitas pelos alunos ao trabalhar com os símbolos de várias delas. Ele
tinha como propósito leva-los a conhecer algumas representações por meio da
projeção de slides, que auxiliariam em suas escolhas.

Oh, tá vendo, tem vários símbolos religiosos, diferentes... O símbolo


da umbanda, quase ninguém quer fazer. Hoje eu imprimi um pra uma
281
Conforme explicitado no próprio nome, ponto riscado é um “desenho riscado no chão e composto
por sinais cabalísticos, mágicos e simbólicos, que, assim como as nossas assinaturas, visam
identificar cada um dos guias [espíritos] manifestados” (SANTOS, 2012, p. 16).
185

aluna... Aqui tem o símbolo cristão, o Terço da Virgem Maria, a


Estrela, o Menorah. Tá vendo? O Buda...Eu vou dando, eu vou
passando pra eles. Olha, são diferentes símbolos, a Roda da Lei. Aí,
eu coloco aqui. Olha! O Budismo. Daí você pergunta: “Esse aqui é o
Buda da Índia? Do Japão?” Daí eles falam, da Índia, do Japão ou aí
eles falam: “É da Índia!” Eles identificam, eles sabem que é o Buda
indiano. Aí eu venho pra cá, ponho outro. Aí eu falo: “Vocês estão
errados, esse é o Buda na Indonésia.” Aí, eu falo sobre aquelas
populações pra eles perceberem a extensão da religiosidade Budista.
Aí eu falo: “E no Brasil tem Budista?”. Aí, eles vão: “Tem!”. Eu falo:
“De que linha será que eles são? Será que eles são da linha indiana,
da linha japonesa ou mais dessa linha da região das ilhas do cinturão
de Koga?”. E eu falo sobre essa questão, eu vou pra um pouquinho
de geografia, aquelas várias influências que nós temos do Budismo
ali, pra eles identificarem. Eu sempre pergunto: “Existe Budista só na
Índia? Só no Japão? Não tem no Brasil?” Para eles verem com essa
identificação. Eu vou ver se eu pego lá agora pra você o material que
ela [a professora que lecionava ER] me deu [um livro didático de ER
da coleção Vozes]...
[...]
Oh, aqui eu trabalho as diferentes suásticas pra eles perceberem que
elas estão presentes em todas as religiosidades. Aí como tá em
inglês, eu vejo se eu encontro esse material em português na
internet. Aí eu vou traduzindo, eu falo da suástica cristã, nós temos
aqui, cadê? ... A suástica cristã, até os judeus trabalharam, que
foram perseguidos sob esse símbolo, eles têm a sua prática, a de
Bali, a céltica, na Índia, eu trabalho pra desmistificar também essa
ideia, né? (Allan, professor de ER e história, São Paulo-SP).

Figura 12 – Símbolos cristão e islâmico


(Desenhos de alunos de ER)

Fonte: Fotografia elaborada pelo autor.


186

Durante as aulas observadas, os alunos tinham que escolher um dos


símbolos e depois desenhá-los. Nem todos souberam explicar, na aula posterior, o
significado do símbolo e o motivo dessa escolha. Numa sala apertada, com
aproximadamente trinta e cinco alunos agitados – alguns mais interessados no
chaveiro em formato de canivete exibido pelo professor –, somente uma aluna
escolheu o símbolo referente à umbanda. Disse ela, mas fora da sala, que sua tia
frequentava um “centro”. Essa tia poderia ser, quem sabe, ela mesma ou alguém do
seu núcleo familiar mais próximo.

5.2.2 Religião e seus significados

Se, de acordo com o professor Allan, a religião é uma construção cultural,


logo, humana, os demais professores a definem de maneiras diversas, porém não
tão diferentes. Nos planejamentos e aulas ministradas, avaliações e trabalhos para
recuperação e complemento de nota, etc., percebe-se a presença de conceitos
vistos durante a análise dos livros didáticos de ER descritos nos capítulos anteriores.

Algumas definições indicam que “Religião é uma necessidade humana. O


humano criou Deus”. Ela seria um “caminho para a religiosidade, um meio para se
entrar em contato com a divindade”. A “crença em um ser superior”, “uma força
maior que move o mundo”, respondeu outra professora. Força a qual se pode
acessar através de “rituais, sons, palavras, mantras, cheiro de incenso, velas que
criam um clima propício para o contato com o eu interior e com o Eu cósmico”, disse
um diretor empolgado com o tema desta pesquisa.

Numa direção não muito simpática, uma das respostas obtidas afirma que
“religião é uma instituição para orientar ou disciplinar seus fiéis”. Uma espécie de
“instrumento, um freio capaz de moldar o ser humano para o bem, criar na
consciência humana um mundo mais civilizado e justo”. Afinal, “ela é feita de
normas e regras que devemos seguir a partir de uma filosofia que acreditamos”.

A religião seria, também, uma forma de “conhecimento passado através da


família”, da “convivência com a prática ou até mesmo na escola, onde se aprende
sobre o tema”; um jeito de “aprender a se encontrar no caminho da vida e definir
metas para alcançar no logo mais” (leia-se como algo a ser alcançado sem demora).
187

Religião que “permite religar a alma ao seu Criador. O encontro do ser consigo, com
o próximo, com uma força cósmica (Deus) que rege o universo”.

Ao serem indagados sobre os aspectos facilitadores ou as dificuldades


para se trabalhar o conceito nuclear do ER – “religião” –, um professor, católico,
sempre com uma visível cruz pendurada no pescoço, logo respondeu: “Já parto do
princípio da imparcialidade e quando emito uma ideia, um juízo, deixo bem claro
para o aluno: “Está é a ideia do professor”. Deixo ele à vontade para construir seu
próprio raciocínio e opinião”. Uma professora sinalizou que este tema deveria ser
abordado no ensino médio, onde “o aluno tem maior capacidade de compreensão e
crítica, inclusive para argumentar e comentar o aprendizado com seus familiares”. 282
Tal sugestão seria mais coerente com a própria legislação paulista, uma vez que o
ER é oficialmente atribuído aos licenciados em filosofia e ciências sociais, ambas
ministradas somente no ensino médio.

Como presumido, as religiões de matriz afro-brasileira são sempre as


mais citadas em relação às dificuldades de abordagem do fenômeno religioso. Elas
“sempre causam, inicialmente, algum preconceito”, confirmou uma professora de
ER. Os alunos, disse outra, “associam essas religiões com práticas de macumba,
trabalho em encruzilhadas, velas, sacrifícios de animais”. Eles “acreditam que são
algo ruim. Minha estratégia foi um livro que eu trouxe sobre mitologia africana” – pela
descrição, “livro grosso de capa amarela”, pode ser o próprio Mitologia dos orixás, de
Reginaldo Prandi (2001).

Ainda assim, há um consenso no qual é dito que as religiões de matrizes


africanas são culturalmente importantes para se entender o Brasil, mas polêmicas,
ao mesmo tempo. Em razão disso, surgiram alternativas para que fossem abordadas
nas disciplinas já existentes, tais como história, sociologia, filosofia, artes e, até
mesmo, nas ciências naturais.

O ponto a ser destacado é que a escola da professora que usou o livro


sobre a mitologia dos orixás poderia ser espacialmente identificada, segundo
282
Em depoimento à revista Época, Luiz Antônio Cunha, professor Emérito da UFRJ e líder de
pesquisa do Olé (Observatório da Laicidade na Educação), fez uma sugestão semelhante: “Essa
coisa de ensino religioso científico na escola não existe. Quem quer das Antropologia da Religião,
que o faça no ensino médio, com alunos que podem entender” (ARANHA; MENDONÇA, 2008, p.114;
itálicos meus).
188

descrição dos alunos, como a escola na encruzilhada de Exu. É sabido que os


adeptos dos cultos afros depositam as oferendas do orixá mensageiro nos
cruzamentos entre ruas e estradas. A escola ocupa um quarteirão inteiro, onde se vê
esquinas em todos os extremos. Esquinas que os alunos precisavam atravessar
diariamente. Disseram que de manhã era comum (fui conferir, mas nada vi!)
encontrar por ali oferendas ainda frescas, as macumbas e feitiços citados durante os
relatos.

Figura 13 – Imagem de “macumba”, com definição do termo

Fonte: Fotocópia entregue aos professores durante “Orientação Técnica:


Ensino Religioso”. DECOE (Diretoria de Ensino - Região Campinas
Oeste), Núcleo Pedagógico, março/2014.

Na escola havia uma aluna, das quatro turmas de ER, a única


autodeclarada adepta de culto afro – era umbandista e “roqueira”, sempre vestida de
preto, cor rejeitada por umbandistas porque associada à linha da esquerda, que
cultua exus e pombagiras. Essa mesma aluna comentara, na ocasião, que os
colegas tinham “curiosidade”, queriam saber o motivo ou a finalidade das oferendas.
Mas o professor, membro da Igreja Messiânica, não acolheu o pedido e não
abordou, em suas aulas, o tema das religiões afro-brasileiras, o que a deixou
frustrada. Havia entre a aluna e o professor um mal-estar anterior, porque ele tinha
189

dito, durante uma aula, que “umbanda não era religião” – informação confirmada
pela coordenadora pedagógica. Em conversa comigo, ele negou.

Fato é que, durante o período em que acompanhei as aulas desse


professor, em nenhuma delas as religiões afros foram abordadas; constatação que
procurei conferir em alguns cadernos de alunos. Os apontamentos localizados em
cadernos incompletos tratavam do perfil religioso do povo brasileiro (Censo IBGE
2010), budismo e biografia de Sidarta Gautama, islamismo, sikhismo na Índia e
atentado terrorista contra um templo sikh nos Estados Unidos. Um dos materiais de
apoio usado pelo professor era um caderno de geografia produzido pela própria
SEE-SP.

Alguns dos temas apresentados abaixo também foram trabalhados por


outros professores, sendo possível agrupá-los em dois eixos temáticos: o primeiro
mais atinente à história das religiões; o segundo relacionado a temas de ordem mais
geral, secular, ainda que, em certos casos, permeados por valores de fundo
religioso.283 Essas classificações podem ser organizadas a partir de algumas
palavras-chave, como segue:

Eixo temático de história das religiões:

a) Religião definida como: origens; fenômeno universal e atemporal;


religiões na Antiguidade; etimologia (religio e religare); tipos de religiões;
finalidades da religião; práticas religiosas; calendário (Páscoa e Natal);
noções de sagrado e profano; monoteísmo; politeísmo; marxismo e niilismo;
religião e cidadania; religião e política; religião e ecumenismo; cura/milagre;
ser humano, um ser religioso; religião enquanto experiência individual e
coletiva; conversão; religião e sentido da vida; religião e direitos humanos.

283
Trata-se de um diversificado material reunido ao longo da pesquisa de campo nas escolas:
cadernos de alunos, trabalhos e avaliações bimestrais; reportagens (jornais e revistas); livro didático
de Geografia; verbetes obtidos em sites específicos; Revista Despertai! (Igreja Testemunha de
Jeová); folheto do Pr. Juarez Subirá (Igreja do Nazareno/Campinas); “Mentoreando Jovens com
sucesso” (cartilha sem autoria/referência); fotonovela (cartilha realizada pelo Instituto Avon) e outras
fontes de pesquisa.
190

b) Cristianismo (origem; símbolos; Gênese (Bíblia); Deus (concepção


cristã); perseguições; expansão (África; Ásia; América Latina).

c) Catolicismo (origem; doutrina; sacramentos; religião oficial (Brasil


Império); calendário católico; santos (hagiografia); personalidades (Madre
Teresa de Calcutá, papas e outros); número de católicos no Brasil e no
mundo.

d) Islamismo (origem; pilares; doutrina; situação da mulher muçulmana;


terrorismo; fundamentalismo; ciência islâmica).

e) Judaísmo (diáspora; origem; livro sagrado).

f) Religiões orientais (Ásia: berço das religiões; budismo; Sidarta


Gautama (biografia); xintoísmo; hinduísmo; sikhismo).

g) Brasil: Diversidade religiosa. Estado laico, laicidade (definições).


Constituição Republicana de 1891 (cisão entre Estado e Religião;
secularização; liberdade de crença e culto). Perfil religioso (Censo IBGE
2010). Sincretismo e trânsito entre religiões diversas.

h) Religiões afro-brasileiras (conceito; origens; candomblé; umbanda;


preconceito, intolerância religiosa e discriminação religiosa. Sincretismo
religioso afro-brasileiro).

i) Marcha para Jesus.

j) Conflitos religiosos (Egito; Nigéria; Irlanda do Norte; Irã; Brasil).

Eixo temático de ensino de valores, aspectos existenciais e questões de


interesse mais gerais:

a) Identidade (“Quem sou eu?”); adolescência (“Adolescente não é


aborrecente!”); juventude.

b) O que aprendi no ER? (avaliação discente).

c) Valores (justiça; partilha; solidariedade; caráter (atitude); bondade;


honestidade.
191

d) Meio ambiente e questão hídrica no Brasil recente.

e) Violência doméstica contra a mulher: como agir e procurar ajuda


(folheto de uma delegacia de polícia feminina).

São os conteúdos escolhidos pelos docentes que permitem conformar, ou


confirmar, as modalidades de ER. Quanto à proposta escolhida pelo governo
estadual de São Paulo, em nenhuma das fontes de dados os professores e os
gestores citaram a legislação apresentada nesta tese. Este é um terreno
desconhecido para a maioria.

No questionário encaminhado aos gestores (diretores e vice-diretores) de


escolas de ensino fundamental da região Oeste de Campinas constava uma
pergunta sobre o “tipo” de ER em vigor nas escolas estaduais campineiras. Em
alguns casos, essa pergunta (aberta) foi mal interpretada e alguns gestores não
souberam respondê-la. Isso não causou espanto, visto que não há um
acompanhamento pedagógico efetivo das aulas. Ao menos nas escolas visitadas
durante a pesquisa pôde-se notar que realmente as equipes gestoras estão
distantes dos conteúdos ministrados no ER. Das respostas recebidas, uma parte
delas pode ser agrupada na forma abaixo, e apontaram que o ER tinha as seguintes
características (vide modelos de ER descritos no capítulo dois):

1) católico;

2) catequético; católico e catequético; catequético, que abrange conceito,


objetivo, conteúdo e história; catequético/confessional-religioso;

3) confessional; confessional-religioso; confessional-religioso, voltado para o


cristianismo, ignorando as religiões afro-brasileiras e orientais;

4) não confessional;

5) “acredito que ensina história das religiões”; História das religiões, sem
foco numa determinada religião; História das religiões, sem caráter
confessional; “existe uma diversidade muito grande abrangendo várias
religiões”;
192

6) “creio ser uma combinação de diversas religiões, que resvalam em alguns


dogmas e geram celeumas”;

8) “não sei responder” (cinco gestores), um respondeu citando literalmente


um trecho do Artigo 33 (LDBEN/1996).

O ER de “caráter supraconfessional” sancionado em São Paulo não


apareceu em nenhuma resposta dos gestores escolares, embora este modelo esteja
oficial e literalmente explicitado no decreto estadual de 2002. Por sua vez, a
expressão “história das religiões”, enquanto termo substitutivo, orientador do
conteúdo e da esperada postura neutra em sala de aula, foi lembrado em diferentes
ocasiões. Segundo um professor de filosofia e ER numa escola da Zona Leste de
São Paulo, era impossível classificar o modelo paulista como confessional, “pois ao
se trabalhar conceitos gerais da religião ou da história da religião, não seria possível
uma abordagem que não fosse ecumênica”. Vale recordar que o termo ecumenismo
também é citado como vertente que procura ir além das confissões cristãs, num
sentido mais próximo ao diálogo interreligioso.

O conhecimento relativo ao quadro legal que regulamenta o ER paulista


fica por conta, quem sabe, dos professores de ER que participaram das orientações
técnicas ocorridas na diretoria de ensino da região Oeste de Campinas. Nessas
ocasiões, a professora-formadora apresentou excertos das brochuras escritas por
Silva e Karnal (2002), dispositivos constitucionais, legislação educacional e, no caso
específico do Estado de São Paulo, exibiu trechos literais da Resolução SE-21/2002.
Procurou, a partir desses subsídios, mostrar quais eram os objetivos do ER:
promoção da cidadania; reconhecimento dos múltiplos grupos sociais e
pertencimentos religiosos; tolerância, combate à ignorância, discriminação e
hierarquização entre as diferentes formas de vida; definição de religião segundo
ponto de vista histórico cultural.284

284
A professora responsável pela orientação técnica cita, num dos slides, um trecho do livro De
religiões e de homens, de Jean Delumeau e Sabine Melchior-Bonnet, presente na primeira brochura
de ER redigida por Silva e Karnal (2002c, p. 9): “Esclarecer para compreender e aceitar os outros:
essa viagem pelo universo religioso de ontem e de hoje, na verdade, só se justifica se levar à
tolerância e, portanto, a atitudes pacificadoras. As religiões não são intolerantes por natureza; mas
nas mãos dos homens podem vir a sê-lo e muitas vezes o foram, é precisamente a diversidade que
faz sua riqueza (...)”.
193

Além desses pontos, foram citados os cuidados com o ER, que não
poderia ser um amontoado de conteúdos voltados à evangelização, procura por
seguidores, nem imposição de dogmas, rituais ou orações. Em resumo: a busca por
prosélitos é oficialmente proibida. Em linguagem jurídica, em conformidade com as
normas federais ou estaduais, a percepção referente à proibição do proselitismo é
mais presumida que propriamente conhecida dos professores de ER. Sobre isso,
argumenta uma professora da Zona Norte de São Paulo:

Existem várias possibilidades de religião, é você falar um pouco


sobre cada uma (...) e não direcionar pra nenhuma. Esse é o papel
do professor de filosofia. É falar que existem várias. Falar da
importância de se ter fé independente de qualquer religião ou não.
Esse seria o papel do ensino religioso. Só que a gente não pode
trabalhar isso porque não é muito bem entendido. Então o que a
gente tem trabalhado no ensino religioso? Cidadania que é a matéria
da antiga educação moral e cívica, que a gente tinha no nosso
tempo... E quando você vai falar de ensino religioso, que você vai
falar sobre as possibilidades de religiões que existem, a gente
encontra problemas com pais que não entendem que a gente está só
colocando, que existem outros tipos de religião a não só a dele.
Então não é muito aceito. Teve um pai ligou aqui para a escola uma
vez, dizendo que eu estava influenciando o filho a questionar a
religião dele, e não era nada disso.

[E qual era a religião do pai?]

Evangélico.
Disse que eu estava questionando, ensinando o filho a questionar a
religião dele, a não aceitar os dogmas da religião. Não é nada disso.
Então a gente enfrenta alguns problemas... Nas outras escolas tive
orientação, mas nessa... “Não se toca em religião! Fala sobre
cidadania, bullying, racismo, qualquer coisa. A importância seletiva
da coleta de lixo”.
Todos esses assuntos eram abordados na aula de ensino religioso,
mas, propriamente dito, a questão da fé, de instrução de vários tipos
de religião que existem, que você possa conhecer, isso não tinha.
Nunca teve! (Professora de filosofia e ER, São Paulo-SP)

Esse comentário destaca um dos principais aspectos associados ao ER: o


papel que ele desempenha ou qual importância exerce em meio ao rol dos saberes
escolares. Neste quesito, aqueles que visualizam o ER enquanto disciplina que tem
uma função a cumprir, com uma episteme que o particulariza, o fazem como
194

entusiastas dessa disciplina. Sobre isso, comentou um professor afastado da


regência para assumir o cargo de vice-diretor: “(...) o ER ajuda na formação integral
do aluno”, pois “agrega valores à sua formação, abrange a parte emocional, a
personalidade e o caráter do indivíduo. O ensino religioso não é uma catequese”.

Entretanto, não é incomum encontrar gestores escolares que avaliam a


inserção do ER como problemática e os motivos apontados são variados. Entre os
que responderam o questionário entregue em Campinas, dentre as críticas, seguem
as principais:

a) O Estado é laico e a religião deveria se restringir ao domínio privado;

b) Resistência e dificuldade dos familiares em compreender para que


serve o ER;

c) Desinteresse dos alunos; docentes despreparados e inabilitados para


lidar com a diversidade religiosa;

d) Conteúdos de ER podem ser atendidos pelas matérias de sociologia e


filosofia, evitando que resvale para o cristianismo, catequese, gerando
preconceito de cunho religioso;

e) A maneira como está implantado no Estado não funciona;

f) Deveria ser substituído pelo acréscimo de uma aula de história, não de


matemática, conforme orientação da Coordenadoria Geral de
Educação Básica.285

5.2.3 O ensino religioso sob o ponto de vista estudantil

Os resultados dos questionários aplicados entre estudantes revelam


maior número de evangélicos que católicos.286 Apenas dois estudantes

285
Comunicado CGEB, de 18-1-2012, orienta que a não opção pela matrícula facultativa em ER, seja
substituída pelo acréscimo de uma aula de matemática ou língua portuguesa. Cf.:
<http://desaocarlos.edunet.sp.gov.br/publicacoesdoe/2012/janeiro/doe_19_01.htm>. Acessos: 2015;
2016.
286
Foram aplicados 113 questionários entre alunos matriculados exclusivamente nas aulas de ER
oferecidas em escolas estaduais da região Oeste de Campinas e 62 entre os alunos de escolas
estaduais da capital paulista. Por esse motivo, o número total de respostas pode apresentar alguns
desníveis. É um número pequeno se considerarmos que, em cada escola visitada – 15 ao todo – há,
195

identificaram-se como umbandistas e um espírita, de um total de 133 respostas


válidas. Em uma questão aberta, ao avaliarem a oferta do ER, 30 alunos a
consideraram uma matéria desnecessária (“perda de tempo”, “não serve pra nada”,
“não ajuda entrar em escola boa”); 23 avaliaram positivamente como boa ou legal;
22 achavam importante e interessante; 17 afirmaram não gostar em razão da
dificuldade em compreender os temas das aulas, seguidos de uma variedade de
opiniões que não ultrapassavam dois ou três alunos por resposta.

Sobre o que levariam consigo em relação ao ER, a maioria dos


entrevistados mencionou o aprendizado sobre a diversidade das religiões, seus
ensinamentos, o respeito por elas. No entanto, conforme verificado após consultas
aos planejamentos de aula, aos diários de professor, aos cadernos de aluno e às
avaliações bimestrais, posso afirmar que se trata de uma diversidade religiosa
balbuciante, pois limitada ao próprio Cristianismo em suas múltiplas denominações
(PIERUCCI, 2006). Ainda foram citados os aprendizados sobre a Bíblia (livro
sagrado); hierarquia religiosa (padres, pastores e bispos); história do Brasil
(desembarque português, catequese e expansão do catolicismo); outras religiões
(budismo, islamismo, espiritismo, umbanda (uma menção apenas); relação entre
religião e Estado.

Quanto às religiões que gostariam de aprender, por ordem de preferência


temos a seguinte ordenação: catolicismo, citado 21 vezes; em segundo lugar,
budismo (11), igreja evangélica (11) e espiritismo(11); candomblé (7), judaísmo (6),
umbanda (5), islamismo (5), Igreja Messiânica (4), ateísmo (3), Igreja Batista (3);
cristianismo, metodista, Mórmon, Testemunhas de Jeová, religiões satânicas, Deus
é Amor, com apenas uma ocorrência cada. No total foram 94 respostas.

no mínimo, três salas de 9ª ano em cada uma delas, com aproximadamente 35 alunos em cada uma,
o que alcançaria um total de quase 1.600 alunos. O questionário proposto, a fim de que pudesse ser
respondido em um curto período, não podia exceder uma folha (frente e verso). Foram respondidos
durante os intervalos, espaços físicos fora das salas, aulas vagas, jornadas inteiras no interior da
escola. Em certas situações, os professores resolveram aplicá-lo como atividade pedagógica. Alguns
adotaram o mesmo instrumento, com pequenas modificações, para coletar as opiniões dos alunos
sobre as aulas que ofereceram – avaliações ocorridas no final de 2014. A pesquisa de campo se
beneficiou dos resultados de uma sondagem docente, realizada no início de 2013, na qual os alunos
tinham que escrever uma “Opinião sobre religião” – retomarei estas opiniões adiante.
196

No que diz respeito às concepções de religião aprendidas em aula 287, que


podem ser justapostas com as percepções, positivas ou negativas, a respeito do ER,
as respostas revelaram a associação deste fenômeno social ao ato coletivo e
individual de crer em algo extra-humano, externo a esse mundo. Dentre as
definições sugeridas, a religião enquanto dimensão vinculada à ideia de “crença” –
sobretudo o ato de crer em algo além deste mundo – foi a mais frequente entre os
estudantes, ao passo que noutras respostas essa relação foi com as palavras “fé,
adesão, aliança, união, conexão, ligação ou comunicação do homem com Deus”. O
termo “Deus” também foi citado como “pai eterno, pai sagrado” ou apenas “pai”.

Em outros casos, o fenômeno religioso foi relacionado ao hábito de


frequentar uma igreja; prática ou experiência (orar, cantar, pregar, ler a Bíblia); uma
doutrina (seguir a “regra” estabelecida por uma igreja); cultura, costumes, ideologia,
estilo de vida e respeito pela religião do outro.

Noutra ponta aparecem as relações entre religião e salvação da vida na


Terra, “forma de afastar as pessoas daquilo que não presta”, “tira (sic) várias
pessoas do mundo das drogas”. Religião ainda é vista enquanto “forma de
conhecimento”, ensinamento moral, que permite aprender “as coisas de Deus e de
Jesus Cristo”, como também uma possibilidade de obter respostas para questões
existenciais, não solucionadas pela ciência – “de onde viemos”, “quem somos”,
“existe vida após a morte?”.

5.2.4 “Nunca ouvi falar em umbanda”: invisibilidade e intolerância religiosa

No que diz respeito aos interesses temáticos dos estudantes em querer


aprender sobre outras religiões, para além daquelas que praticam em seus lares e
comunidades religiosas, nota-se, na seção anterior que, juntos, umbanda e

287
A pergunta era “para você, religião é...?”, que foi mal compreendida por alguns entrevistados
mesmo após receberem orientações adicionais do pesquisador. Acharam que se tratava de uma
avaliação da disciplina de ER. Essa confusão entre as nomenclaturas indica, para nós, que o ER
pode, no cotidiano da escola pública, ser literalmente confundido com aula de “religião”.
197

candomblé totalizam doze ocorrências. Foram doze estudantes “curiosos” em saber,


afinal, o que são as religiões afro-brasileiras.288

Uma destas alunas respondeu que gostaria de aprender sobre candomblé


e umbanda, pois sua avó praticava uma delas – ela não soube dizer qual delas, pois
nunca tinha ouvido falar sobre umbanda; não sabia, portanto, distinguir as
variedades de culto afro-brasileiro. Outra estudante, cujo professor havia feito a
distinção entre umbanda e candomblé, fez a seguinte declaração: “Eu amo Ensino
Religioso (...), tinha muito preconceito sobre a religião do candomblé e foi na aula de
Ensino Religioso que esclareci minhas dúvidas”.289

Durante as conversas informais, percebe-se o interesse em obter mais


informações relativas aos cultos afros, mas isso nem sempre é explicitado. Um aluno
perguntou-me se podia escrever “candomblé” no local onde era perguntado qual
religião/quais religiões gostaria de aprender no ER. Esse interesse pode estar
associado ao fato das religiões de matriz afro serem rodeadas por mistérios e
segredos que, não raro, despertam sentimentos meio confusos, que podem ir do
medo ao fascínio ou vice-versa.

O material empírico mostra que as religiões afro-brasileiras praticamente


não foram abordadas no geral das escolas acompanhadas, esta invisibilidade já foi
sinalizada anteriormente nesta tese e também em outros estudos. Alguns
professores alegaram que haviam trabalhado essa temática, mas não havia registros
que confirmassem as experiências. A exceção fica por conta de duas escolas
campineiras, cujos professores de ER manifestaram interesse nas religiões afro-
brasileiras para além dos limites da escola. Não eram praticantes, nem
frequentadores assíduos, mas tinham uma “simpatia” por elas.

288
Ainda que não seja uma curiosidade universal da parte dos alunos, a antropóloga Marilu Márcia
Campelo (2005) percebeu algo semelhante em seus dados coletados numa pesquisa realizada em
escolas públicas estaduais dos municípios de Belém e Ananindeua/PA. Durante as conversas
informais, a autora notou que grande parte os estudantes das séries iniciais do ensino médio tinham
curiosidade em saber mais sobre a cultura e a religiosidade afro-brasileira.
289
A didática do professor citado pela aluna foi negativamente avaliada pela turma. Consistia em
ditados, que os alunos tinham que copiar, muitas vezes interrompido em razão do término da aula,
sem retomada ou finalização na aula seguinte. Lembremos da equação do caso paulista: ER = 1 aula
semanal = 45 minutos de duração. Essa queixa não se restringe ao ER, ouvi relatos semelhantes em
relação ao método do professor de artes da mesma escola.
198

Numa das escolas290, no início de abril de 2013, o professor solicitou aos


alunos uma “Opinião sobre religião”.291A atividade foi acolhida, mas de maneira
diversa daquela pretendida pelo professor, pois eles passaram a discorrer sobre
suas próprias religiões. Das opiniões que li uma tratou do assunto de uma forma
mais ampla:

Bom no meu modo de ver as coisas Religião e futebol não se discute


pois só da confusão.
Mas na minha opinião Religião é aquela que cada um tem a sua,
independente de qual for, católica, evangélica, na [sic] importa. Cada
pessoa acredita naquilo que crê, mas para mim existe apenas um
Deus aquele que criou o Céus e a Terra.
Bom mas isso não é o mais importante a ser lembrado, e sim do
respeito que as pessoas em geral deveriam cumprir com suas
obrigações e além disso respeitar cada uma das religiões não
importa qual seja, pois para mim Deus e o respeito são as coisas que
eu mais AMOOO... (Aluna do 9º ano, Campinas-SP). 292

Do volume entregue ao professor, de uma sala de 30 a 35 alunos ou


talvez mais, apenas duas opiniões mencionaram a religiosidade afro-brasileira – uma
delas estava com o papel bem dobrado, como se fosse uma carta a ser entregue. As
autoras eram umbandistas, brancas – uma delas tinha sobrenome de origem italiana
– e presume-se, frequentadoras do mesmo “centro”, pois finalizaram suas
apreciações sobre o assunto com o seguinte lema: “A Umbanda é paz e amor. É a
força que me dá vida”. Seguem as transcrições literais das opiniões registradas
pelas alunas:

1ª Opinião:
Olá, hoje eu vou falar sobre a “umbada” [sic]. Pois Umbanda como
todos já sabem é uma religião que tem seus direitos a serem
respeitados.
290
Uma ialorixá baiana, há décadas instalada em Campinas, atuante na lavagem das escadarias da
Catedral, informou que no bairro onde fica a escola existem muitos terreiros da nação angola – culto
afro de matriz banto predominante no município. Essa informação sobre a quantidade de terreiros no
bairro da escola não foi mencionada durante as conversas com o professor de história e ER.
291
Para Antonio Viñao, uma das formas de aproximar-se dos alunos é estudando o “produto de seus
trabalhos” (2008, p.17). Essa produção inclui uma variedade de registros escritos (exames, cópias,
redações, ditados, deveres escolares etc.), aqui concebidos como “documentos” que podem ser
usados como fontes de informação (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001, p. 169).
292
As transcrições preservaram literalmente os grifos, aspas, letras maiúsculas, etc., dessas fontes,
conforme originais fotografados.
199

Na Umbanda tem que ter respeito com os “guias”... Guias são almas
que precisam de luz para conseguirem entrar no Céu...
Na Umbanda tem dois lados a Esquerda [aluna escreveu em
vermelho] e a direita [idem]. Na esquerda tem Pombagiras e Exús
[sic], já na direita são guias de luz como Baianos, Caboclos, Pretos
velhos, Iemanjá, Cosmi-Damião [sic], Boiadeiro, Marinheiro... Esses
fazem parte da direita cada um deles como espíritos tem uma missão
para ser cumprida para poderem ir pro Céu...
Irá fazer 13 anos que eu frequento a Umbanda e nunca tive
preconceito.
Eu admiro muito o trabalho deles, gosto de cada um deles, e nem por
isso irei criticar a religião dos outros.
A Umbanda é
paz e amor
É a força que
me da vida.

2ª Opinião:
Bom, professor nem sei como começar, mas vamos lá né eu consigo!
Eu não gosto de criticar a religião dos outros, porque a partir do
momento que Reencarnamos já temos o Livre Arbítrio; e cada um
tem o direito de escolher sua religião!
Sei também que tem muitas pessoas, que criticam a minha religião
Umbanda, como falando várias coisas tipo: Sai isso é coisa do...
[diabo?], mas eu não to nem ai porque é uma coisa que ta no meu
sangue, nas minhas raízes. Tem muitas pessoas que são assumidas,
vão em centro recebe e são pessoas muito boas!
[Aluna desenhou uma estrela de Davi]: “A umbada [sic] é paz e amor
é força que nos da [sic] vida...”.
Fim.

Há um fato notável a ser apontado. Os alunos, que assinalaram, durante a


aplicação do questionário, que desejavam obter mais informações sobre alguma
religião específica, queriam, muitas vezes, aprender mais sobre suas próprias
religiões. Em contrapartida, ao ler as opiniões das alunas umbandistas – escritas no
calor da hora, sem acesso a sites de pesquisa e outras mídias –, nenhum adepto ou
estudioso dos cultos afro-brasileiros duvidaria que elas possuem um conhecimento
sofisticado sobre a cosmovisão umbandista. As respostas dessas alunas revelam
um conhecimento sobre o funcionamento da cosmovisão umbandista – legiões de
200

espíritos hierarquizados que atuam numa determinada faixa ou corrente vibratória –


e ainda mencionam as matrizes da umbanda – candomblé (representado por
Iemanjá), espiritismo (“almas que precisam de luz”, segundo doutrina de Kardec) e
catolicismo popular (Cosme e Damião, santos associados aos espíritos infantis, os
eres ou ibejis). É esse conhecimento, aprendido cotidianamente nos terreiros,
conforme escreve Stela Guedes Caputo, em Educação nos terreiros (CAPUTO,
2012), que a escola pública resiste em reconhecer.

Não se pode esquecer que a escola, além de ser uma “instituição formal
instrucional” (SETTON, 2008, p. 15), é também um espaço de integração cultural.
Sua estrutura compreende “não apenas as relações ordenadas conscientemente
mas, ainda todas as relações que derivam da sua existência enquanto grupo social”,
ensina o clássico texto “A estrutura da escola”, de Antônio Cândido (1974, p. 197).

A escola em seu espaço interior, mas sem perder a ligação com a


sociedade extramuros, “deve circular os conhecimentos de formação pessoal e
humana do indivíduo”, justifica o jovem professor de filosofia293 em seu projeto de
atividades para um semestre de ER numa escola campineira. Ao justificar que o
Brasil é um país religiosamente plural, ele propôs, em 2015, a realização de
palestras, com a finalidade de propiciar o conhecimento sobre as várias religiões
mediante o contato direto entre alunos e representantes religiosos. Dentre as
religiões que compunham o projeto estavam o cristianismo, o catolicismo, o
protestantismo, o islamismo, o hinduísmo, o judaísmo, o candomblé e a umbanda –
em especial, as duas últimas em consideração às particularidades culturais do país.

Intitulado “O Paradigma da Religião: Vivências diferentes do mesmo


fenômeno” constava na “Introdução” do projeto que:

[...] a religiosidade está presente no homem dês de (sic) sua tomada


de consciência de que na natureza existem coisas que fogem de seu
controle e de sua capacidade de conhecer e dominar todos os seus
efeitos, outro fato que se torna fundamental, para o surgimento de
uma manifestação religiosa, foi o reconhecimento da morte, como

293
Licenciado em Filosofia (PUC-Campinas), 28 anos, com especialização em libras. Trabalhava,
mediante aprovação em concurso interno, como tradutor e intérprete temporário na UNICAMP.
Homossexual assumido na “vida lá fora” e no interior da escola também. Não se declarou religioso,
porém tinha um interesse especial (e amigos iniciados) pelo candomblé. Tema que resolveu “encarar”
com o apoio da diretora, sem objeções da coordenadora pedagógica, publicamente evangélica.
201

algo independente de sua vontade e longe de seu controle. Com isso


a ideia de um Ser Superior, que orquestraria todas as ações no
mundo se faz necessária para o alivio de sua angustia frente ao
desconhecido, o qual se torna palpável através da experiência do
sagrado.

Além do tom relativista presente no título – mesmo fenômeno, porém


vivido de diferentes maneiras –, o projeto defendia que a vivência religiosa permite o
restabelecimento da ligação com o “Ser Supremo Espiritual”, com o mundo “além da
morte”, o que obriga o “respeito ou culto aos mortos, sanando a inquietação humana
frente à sua concepção do desaparecer”. Conforme este argumento, sagrado e
profano seriam dimensões responsáveis pelo “encantamento do mundo”, capazes de
desenvolver “valores, éticas e vivencia moral que são difundidas na cultura e em
suas expressões, de seus seguidores”.294

A palestra sobre o candomblé foi realizada por uma amiga do próprio


professor, branca, iniciada na religião dos orixás, também professora do ensino
fundamental em um município vizinho. Vale recordar que este tema – religiões afros
– é apresentado num dos volumes de ER da SEE-SP, no qual é possível ler que o
candomblé “é o nome dado na Bahia” – leia-se, em todo território brasileiro – “aos
cultos, mitos e grupos que representam, para seus adeptos, as tradições dos
antepassados vindos da África” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 12). Ainda segundo os
autores, “os rituais do candomblé são uma liturgia que obedece a uma articulação
lógica, rica e profunda”, pois “reatualizam um sentido de natureza, da relação dos
homens com o meio e ressignificam os papéis de gênero, já que abrigam em seu
panteão divindades masculinas e femininas” (SILVA; KARNAL, 2002d, p. 14).

Ao ler o material entregue pelos alunos após a realização da palestra – 14


opiniões em formato de redações –, pude verificar que o conteúdo resumido, sem
muitas variações, aproximava-se do que já vimos nos livros didáticos de ER.
Destacam-se, entretanto, alguns acréscimos, sendo um deles a referência ao
sacrifício ritual no candomblé, corretamente registrada pelos alunos (algumas partes

294
“Projeto: O Paradigma da Religião: Vivências diferentes do mesmo fenômeno”, Campinas, 2015, p.
1.
202

dos animais sacrificados são reservadas aos orixás e o restante consumido pelos
fiéis e convidados em dias de festa pública).

Os alunos adotaram uma sequência expositiva quase sempre iniciada


com as matrizes culturais, geográficas e rituais do candomblé (nagô, jeje e angola);
citam a expressão macumba enquanto termo a ser evitado; o conjunto dos orixás
cultuados, seus domínios naturais, atividades humano-culturais, cores, etc.; liturgia
(canto, dança e possessão ritual); hierarquia; redistribuição do axé (energia vital),
comensalidade entre orixás e humanos e as quizilas (euós) alimentares; perseguição
policial aos terreiros durante um longo período da história do Brasil; sincretismo afro-
católico, com destaque para o Estado da Bahia; diferença entre umbanda e
candomblé (a primeira cultua “espíritos” e, a segunda, “as manifestações da
natureza, que eles chamam de orixás”); processo iniciático (“feitura do santo”),
reclusão, “estudo e dedicação no ilê”(casa) e, por fim, a presença do candomblé no
“folclore” e na cultura brasileira de modo geral.

Esses itens constituem um repertório temático relativo ao universo das


religiões afro-brasileiras que foi sintetizado pelos alunos presentes na palestra do
professor campineiro. Eles puderam acompanhar, com a projeção de slides em
Power Point, algumas questões de ordem histórico-cultural, fugindo das nuances
relativas à experiência religiosa mais restrita aos iniciados na religião dos orixás.

No entanto, se estivesse viva, Sandra Medeiros Epega – Iyá Sandra


Epega de Xangô –, uma das principais lideranças dos cultos afro-brasileiros em São
Paulo, talvez aprovasse a intenção, mas reprovasse a metodologia pretendida pelo
professor.295 Ela integrou a comissão liderada por Roseli Fischmann, onde
discutiram a regulamentação do ER paulista, em 1995, antes mesmo da aprovação
da atual LDBEN/1996. Caso o ER fosse

[...] realmente implantado, queremos, exigiu Epega, ser


contemplados em igualdade de condições. Não importando (...) se
295
Sandra Epega transitava por diferentes espaços, da academia ao universo político, mas sem
vinculação partidária. Na década de 1990, integrou o Conselho de Participação da Comunidade
Negra do Estado de São Paulo. Publicou artigos (EPEGA, 1999), reportagens, apresentou
comunicações orais em eventos acadêmicos etc. Estivemos juntos, por coincidência, pela última vez,
durante o evento de 18 anos da Diálogo – Revista de Ensino Religioso (Paulinas), comemorado com
o seminário “Ensino Religioso: O que ensinar? Como ensinar?” (São Paulo, de 22 a 23 de agosto de
2013). Ela faleceu logo depois, em dezembro de 2013.
203

nossas Religiões são majoritárias, minoritárias, discriminadas ou


vistas através de uma ótica preconceituosa secular, religiosa e racial,
com a qual estamos tendo uma coexistência difícil e dissimulada,
dentro do mito brasileiro da paridade e tolerância democrática racial
(EPEGA, 2001a, p. 2).

Essa reivindicação foi originalmente publicada em um manifesto contra o


ER nas escolas públicas de São Paulo, posição mantida por Epega nos três
editoriais do Informativo Tambor, periódico criado por ela e distribuído nos
candomblés de São Paulo (ver Anexos 2,3 e 4 no final desta tese). Para essa
militante dos direitos humanos, que se identificava como “sacerdotisa da Tradição do
Orìsà” e rejeitava os termos “terreiro”, “mãe-de-santo” e “candomblé”, as

Aulas magnas [palestras em escolas], professadas eventualmente


por sacerdotes das mais diversas Religiões, são por nós
consideradas perigosas, porque existe, é fato e não adianta querer
negar, o hábito do proselitismo em determinadas Religiões, e nossas
crianças não devem estar expostas a conhecimentos religioso
específico que não o nosso, principalmente ainda em tenra idade,
cursando o primeiro grau. (...). (EPEGA, 2001a, p. 2).

Epega também recomendava que os professores de ER fossem


“recambiados” à Academia para uma “reciclagem mínima de dois anos” em filosofia,
psicologia e história das religiões. Que retornassem às escolas, após a reciclagem
acadêmica, “com uma visão plural religiosa, para lecionar, não Ensino Religioso,
mas Filosofia Religiosa, uma História Mundial das Religiões, sem privilégio de
nenhuma, por mais forte e majoritária que ela seja no país” (EPEGA, 2001a, p. 2).
Que não fossem vinculados a nenhuma confissão religiosa, proibidos de
evangelizarem, cujos sentimentos religiosos não fossem radicalizados em sala de
aula.

Contrária à realização de palestras de caráter religioso ministradas em


escolas públicas – que poderiam configurar uma associação espúria entre Estado e
religião –, durante intervenção realizada na I Audiência Pública do Ensino Religioso,
promovida pelo CEE-SP, em 12 de novembro de 2001, Sandra Epega se dispôs a
conversar com professores de ER e demais funcionários escolares, a fim explicar-
lhes as complexidades das religiões afro-brasileiras. Com isso, poderia auxiliá-los na
resolução de conflitos ou situações de intolerância ocasionados por preconceito ou
204

discriminação religiosa (EPEGA, 2002, p. 82). Essa disposição, ou abertura ao


diálogo inter-religioso, foi mantida nos três editoriais aqui mencionados e anexados.

Reunindo todos esses elementos vistos até aqui, é possível dizer que este
capítulo se beneficia da ampla discussão empreendida neste trabalho. Primeiro
porque retoma a historicidade jurídica dessa disciplina na escola pública, em
particular na paulista. Segundo, porque ele atravessa o debate sobre a classificação
dos modelos de ER citados, direta ou indiretamente, nos marcos legais federais, nos
Estados e na literatura especializada. Este percurso facilitou a chegada ao modelo
supraconfessional do tipo paulista. Ele é o único do país que apresenta uma
proposta de ER que, em teoria, deve ser desenvolvida sob o ponto de vista histórico-
cultural, e não sob o viés confessional, catequético e proselitista.

Falar “sobre” as religiões, ao invés do ponto de vista teológico, ou


estritamente “religioso”, que caracteriza cada uma delas, talvez contornasse a
rejeição escolar ao ER. No entanto, o caráter supraconfessional em si não soluciona
as querelas em torno dessa área do conhecimento, pois a perspectiva confessional
permanece presente. Se forem consideradas as religiões afro-brasileiras como
exemplo de conteúdo raramente abordado nas aulas de ER suspeita-se que a
aprendizagem sobre costumes, crenças e ritos, associados aos diferentes
fenômenos religiosos permanecerá limitada, nas escolas públicas, ao ensino das
religiões hegemônicas. Com isso, perdem as religiões “menores”, também
constituintes das matrizes culturais e religiosas do povo brasileiro.

Se a oferta do ER nas escolas públicas paulistas permanecer como está,


será urgente repensar o modelo em vigor e, se possível, alterar normativamente a
nomenclatura “ensino religioso” para “história das religiões”. Essa medida teria que
contemplar, efetivamente, a diversidade religiosa dos educandos. Todavia, entre a
norma legal e a prática real, mesmo o termo substitutivo “história das religiões” não
seria capaz de impedir que o ER ministrado nas escolas públicas nada fique a dever
ao “ensino religioso” ministrado numa escola confessional qualquer.
205

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde acompanhar nos capítulos precedentes, este trabalho


revela um percurso estruturado em quatro momentos. O primeiro trata do plano
jurídico, que normatiza o ER na esfera pública federal e nas leis que regem a
educação nacional. Na sequência, ainda relacionado a este capítulo inicial, vimos os
diferentes modelos epistemológicos surgidos ao longo das fases e das
transformações históricas do ER, que vai do paradigma catequético e teológico às
propostas baseadas na fenomenologia, ciências e história das religiões. Um terceiro
momento refere-se ao exame dos livros didáticos dirigidos à operacionalização dos
conteúdos relativos ao ensino das (e sobre) as religiões. O último capítulo apresenta
os resultados da investigação empírica realizada em escolas públicas estaduais dos
municípios de São Paulo e Campinas/SP.

A pergunta que norteou esta tese inicialmente referia-se à maneira como


o ER, constitucionalmente previsto, vem sendo desenvolvido nas escolas públicas
brasileiras, em especial nas escolas da rede pública do Estado de São Paulo. Com
isso, também interessava saber qual a importância desse componente curricular
entre os professores e alunos, tendo como ênfase a noção de religião e a relação
que eles elaboram com esta categoria que nomeia e distingue o ER.

Numa segunda frente de pesquisa, mas entrelaçada ao exposto acima,


procurei reunir os olhares sobre fenômeno religioso presentes numa variedade de
fontes e quais seriam as percepções sobre a religião, então considerada como um
dos principais fenômenos históricos da humanidade. No caso específico dos livros
escolares, interessava ver se as narrativas (unidades, capítulos, seções etc.)
privilegiavam uma espécie de “essência” da religião – a estrutura específica deste
fenômeno – ou se procuravam explicitar os contextos socioculturais nos quais as
muitas religiões emergiram.

Essas duas orientações estão presentes nas abordagens dos autores dos
livros escolares de ER, mas ambas são empregadas de maneira diversa daquela
mais afeita às ciências humanas dedicadas ao estudo científico das religiões. No
âmbito acadêmico exige-se, dos pesquisadores, uma coerência nas escolhas
teóricas e metodológicas, porém, o mesmo não se observou entre os autores e
206

organizadores dos livros didáticos de ER. A partir da análise das coleções


apresentadas, foi possível verificar que eles buscaram convencer crianças e jovens
estudantes que a noção de vida boa exige alguma religião e pautaram suas
argumentações na ideia de religião enquanto dimensão intrínseca ao sujeito e de
necessário cultivo.

Se o intuito deste trabalho foi perseguir os usos e sentidos do conceito de


religião presentes nas fontes jurídicas, didáticas e bibliográficas examinadas,
considerou-se relevante incorporar neste debate o lugar reservado às religiões afro-
brasileiras, ainda hoje mal compreendidas em diferentes segmentos da população.
Vimos que os conteúdos de ER visualizados no conjunto de dispositivos normativos,
nos livros escolares, documentos de diretorias de ensino, material do professor, etc.,
refletiram, em alguma medida, os elementos característicos das religiões que
formaram a cultura Ocidental, sobretudo o cristianismo. Essa visão, quando presente
em aulas de ER, sobreleva as denominações hegemônicas em prejuízo da
multiplicidade de filiações religiosas dos brasileiros – fato, este, que deveria inibir o
uso de concepções absolutas ou universalizantes, como reafirmado em diferentes
momentos.

Enquanto área específica reconhecida pelos órgãos federais e estaduais


de educação, os setores favoráveis ao ER o defendem como uma forma de
conhecimento que possibilita ao professor e ao estudante uma compreensão
pluralista do fenômeno religioso. Isto poderia contribuir para a efetivação de uma
sociedade brasileira democrática, na qual o direito à liberdade de crença e culto seja
efetivamente respeitado. Entretanto, a despeito do posicionamento em prol da
pluralidade religiosa, vimos que nem mesmo alguns dispositivos legais zelam pelo
princípio de laicidade – refiro-me, especialmente, ao embaraçoso decreto do ER
paulista que menciona o respeito a Deus.

O ER é tido como componente curricular que proíbe o proselitismo em


respeito à diversidade religiosa e cultural do Brasil. Embora isto sirva de justificativa
para sua oferta obrigatória nas escolas públicas, o ER não tem sido tematizado tal
como preveem s normas legais promulgadas após a LDBEN/1996. Sobre este
ponto, autores e organizadores de livros didáticos insistem em convencer seus
leitores que suas respectivas coleções de ER obedecem às normativas federais,
207

que não intencionam privilegiar nenhuma denominação religiosa; no entanto, eles


empregam, intencionalmente, uma infinidade de referências e aportes visuais
relacionados ao Cristianismo. O catolicismo, conforme destacado no terceiro
capítulo, é apresentado como “tradição cultural” da maioria dos brasileiros e,
portanto, o “Brasil é o país com maior número de católicos no mundo”.296

Se a diversidade das religiões fosse efetivamente abordada nas aulas de


ER das escolas visitadas, as alunas campineiras que escreveram suas opiniões
sobre a religião, a fim de relativizar e explicar as características centrais de suas
pertenças religiosas – a umbanda –, não estariam sozinhas neste processo de
desconstrução de estereótipos e preconceitos causados por um sentimento de
“negrofobia” (SILVA, 2005, p. 121). Este sentimento atinge de maneira contundente
as religiões de matrizes africanas e todo o universo mítico que elas evocam.

Lembremos que em suas respectivas opiniões, citadas no final do


capítulo cinco, as alunas umbandistas sinalizaram o preconceito que os adeptos das
religiões afros vivem nas escolas públicas. Decerto elas não são as únicas
estudantes que escondem, ou omitem, suas participações em comunidades-terreiro
por temor de represálias e discriminação religiosa, seja da parte dos professores,
alunos e demais membros da comunidade escolar. Quanto a isso, existem várias
pesquisas que o demonstram, incluindo a Relatoria do Direito Humano à
Educação297, que tem como um dos eixos a intolerância religiosa nas escolas
públicas.

Em relação aos professores, a transmissão dos valores cristãos também


é frequente. O que leva Oliveira (2006, p. 229) a interrogar: se a “educação religiosa
é algo considerada como algo individualizado”, porque ela tem que induzir os alunos
ao “padrão cristão”?

Como sabido, o universo das religiões é plural, multifacetado, comporta


uma variedade de correntes religiosas, que estimula o percurso religioso entre
denominações diversas. Assim, cabe questionar qual o valor pedagógico do ER

296
INCONTRI; BIGHETO, Todos os jeitos de crer, vol. 3 (Tradições), cap. 1 (Onde mora a
divindade?), p. 18.
297
PLATAFORMA DHESCA BRASIL – REDE NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Relatoria do
direito humano à educação. Informe preliminar. Missão: Educação e racismo no Brasil (2010). Eixo:
Intolerância religiosa na educação. Disponível em: <www.dhescabrasil.org.br>. Acessos: 2015; 2016.
208

escolar que insiste tratar as religiões como se elas fossem experiências culturais
isoladas, e não como fenômenos socioculturais que se relacionam com outras
dimensões da vida social. Ou que ainda insista no ensino de cosmovisões
religiosas, valores éticos ou questões existenciais sobre o “sentido da vida”. É essa
perspectiva que tem orientado as narrativas dos livros escolares, bem como os
programas e aulas de ER dos municípios pesquisados. Realidade, essa, que
provavelmente se repete em outras regiões do país.

Vimos que a oferta do ER é posta como obrigatória em todo o território


nacional. No caso específico de São Paulo, essa obrigatoriedade restringe-se ao
ensino fundamental, mas especificamente para as turmas do 9º ano. No entanto, ao
regulamentar o que está previsto nas normas federais, a rede estadual paulista
estendeu o ER para as séries iniciais, retirando-lhe o caráter facultativo legalmente
estabelecido. Outro fato a ser lembrado é que o Estado de São Paulo atribui o
magistério do ER aos licenciados em áreas das ciências humanas ministradas
exclusivamente no ensino médio – sociologia e filosofia, com exceção do ensino de
história ministrado a partir do ensino fundamental.

Admite-se, portanto, que existem áreas do conhecimento consolidadas e


epistemologicamente aptas ao oferecimento dos conteúdos relativos à “história das
religiões”. Nesta direção, teria que se pensar qual motivo em se manter uma
disciplina que, decorrido mais de dez anos da promulgação da lei paulista de 2001,
tem se mostrado limitada em sua abordagem da diversidade religiosa nas escolas
públicas estaduais de São Paulo.

Em pesquisas de natureza qualitativa há sempre perdas e ganhos.


Assumo, portanto, que não acompanhar apenas uma escola pública estadual, mas
também outras simultaneamente, proporcionou-me uma visão mais geral a respeito
da inserção do ER nas regiões investigadas, seu entendimento enquanto disciplina
escolar, com alguma chance desses arranjos se repetirem em diferentes unidades
da rede estadual paulista. Reconheço, contudo, os limites dessa pressuposição,
pois existem poucos estudos sobre o ER na capital e no interior do Estado. Trata-se
de uma disciplina desprestigiada para muitos alunos e professores, cuja oferta
obrigatória – e matrícula nem sempre facultativa – permanece inalterada no
conjunto dos componentes curriculares oferecidos na educação básica.
209

Posto isso, reitero que este trabalho não teve como propósito dar a
solução para as questões diretivas propostas, pois trata-se de um campo de
estudos ainda por ser explorado. Conhecemos experiências de pesquisas
desenvolvidas nos grandes centros urbanos – sobretudo nas capitais do Sul e do
Sudeste –, mas ainda resta muito por descobrir em relação ao ER que se processa
nas escolas públicas (e também nas instituições particulares confessionais e não-
confessionais) de outras regiões do país, onde, quiçá, o ensino confessional católico
reina soberano.
210

REFERÊNCIAS

ADRIANI, Maurilio. Nota sobre a história da ideia de “religião”. In: História das
religiões. Lisboa: Edições 70, 2000.

AUGE, Marc. Religião. Enciclopéida Einaudi, vol. 30. Religião-Rito. Imprensa


Nacional: Casa da Moeda, 1994.

AHLERT, Martina. Sobre as observações nas aulas de Ensino Religioso. In:


SEMINÁRIO ENSINO RELIGIOSO, GÊNERO E SEXUALIDADE EM SANTA
CATARINA [online], Florianópolis, 2008. Disponível em:
<http://www.nigs.ufsc.br/ensinoreligioso/docs/pesquisa/Sobre_as_observacoe
s_das_aulas_Martina_formatado.pdf>. Acesso em: abr.2015.

ALBUQUERQUE, Eduardo Basto de. Distinções no campo de estudos da religião e


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LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO RELIGIOSO

CARNIATO, Maria Inês. Expressões do sagrado na humanidade, 7º ano:


professor. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulinas, 2010.

______. Nossa opção religiosa, 9º ano: professor. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Paulinas, 2010.
______. Podemos entender sinais, 3º ano: professor. e. rev. e ampl. São Paulo:
Paulinas, 2010.

______. Somos um povo em comunicação, 5º ano: professor. ed. rev. e ampl.


São Paulo: Paulinas, 2010.

DALDEGAN, Viviane Mayer. Redescobrindo o universo religioso: educação


fundamental; livro do professor, vol. 1, 4ª ed. atual. Petrópolis: Vozes, 2011.

EDITORA MODERNA. Entre amigos: ensino religioso: 9º: ensino fundamental. 2º


ed. São Paulo, 2009.

INCONTRI, Dora; BIGHETO, Alessandro Cesar. Deuses na Bahia de Todos-os-


Santos. In: Jeitos de crer: buscando Deus. Ensino fundamental, 4º ano. São Paulo:
Editora Ática, 2010.

______. Os orixás que protegem a vida. In: Jeitos de crer: vivendo a vida. Ensino
fundamental, 3º ano. São Paulo: Editora Ática, 2010.

______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 6º ano, vol. 1 [Vidas]. 2ª ed.
São Paulo: Editora Ática, 2010.

______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 7º ano, vol. 2 [Valores]. 2ª


ed. São Paulo: Editora Ática, 2010.

______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 8º ano, vol. 3 [Tradições]. 2ª


ed. São Paulo: Editora Ática, 2010.

______. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso, 9º ano, vol. 4 [Ideias]. 2ª ed.
São Paulo: Editora Ática, 2010.

PEREIRA, Marcos Sidney. Redescobrindo o universo religioso: educação


fundamental; livro do professor, vols. 2-5, 4ª ed. atual. Petrópolis-RJ: Vozes, 2011.

POZZER, Adecir. Redescobrindo o universo religioso: educação fundamental;


livro do professor, vols. 6-9, 3ª ed. atual. Petrópolis-RJ: Vozes, 2011.

STEEL, Edson. Cultura religiosa: segundo segmento do ensino fundamental:


educação de jovens e adultos-EJA. São Paulo: Global, 2010.

VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de ensino religioso. São Paulo: Rideel,


2010.
228

APÊNDICE A

Pesquisas realizadas em Instituições de Ensino Superior (IES)

Instituições Universitárias n° de estudos sobre ensino religioso

EST 18
PUC-SP 25
PUC-PR 8
UFPB 8
UNIDA 6
UFRJ 4
UNICAP 4
PUC-GO 3
PUC-MG 3
UNESP 3
PUC-RS 2
UERJ 2
UFC 2
UFJF 2
UFSC 1
UnB 2
UNICAMP 2
UPM 2
USP 2
FURB 1
PUC-RJ 1
UCP 1
UEL 1
UEM 1
UEPA 1
UFPR 1
UFS 1
UFSC 1
UFSCAr 1
ULB 1
UMESP 1
UNILASALLE 1
UNISANTOS 1
UNISINOS 1
UNISUL 1
* UNIVERSIDAD
COMPLUTENSE DE 1
MADRID (Espanha)
TOTAL 116

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino


Superior)
229

APÊNDICE B

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino Superior)


230

APÊNDICE C

Pesquisas defendidas por Região, Nível e Área do Conhecimento

REGIÃO n° de trabalhos defendidos


Sudeste 58
Sul 38
Nordeste 13
Centro-Oeste 5
Norte 1
*Exterior (Espanha) 1
total 116

NÍVEL
Doutorado 20
Mestrado 96
Total 116

ÁREA DO CONHECIMENTO
Educação 37
Teologia 45
Ciências da Religião 23
Ciências Sociais 3
Direito 2
Antropologia e Sociologia 2
Antropologia Social 1
Educação, Arte e História da Cultura 1
Filologia e Língua Portuguesa 1
Filosofia 1
Total 116

Fonte: Banco de teses de dissertações (Portal Capes e IES-Instituições de Ensino


Superior)
231

APÊNDICE D

(Roteiro) Pesquisa: Ensino religioso em escolas públicas estaduais (Municípios de São


Paulo e Campinas/SP)

QUESTIONÁRIO DO PROFESSOR
NOME:
ESCOLA:
DATA:

BLOCO I

1. Formação universitária: ( )Bacharelado ( )Licenciatura Plena

2. Onde estudou (Instituição de Ensino Superior)?

3. Curso(s)(Pode assinalar mais de uma resposta):


( ) Filosofia
( ) Geografia
( ) História
( ) Sociologia
( ) Outro (Qual):

4. Pós-Graduação: ( ) sim ( ) não. Curso:

5. Participou de alguma formação continuada, capacitação, aperfeiçoamento,


extensão cultural, etc., sobre “ensino religioso” ou temas afins?

6. Leciona qual disciplina: ( )História ( )Sociologia ( )Ensino Religioso


( )Filosofia ( )Outra (Qual):

7. Qual é a sua religião? (Pode assinalar mais de uma resposta):


( ) Budista
( ) Candomblé
( ) Católica
( ) Espírita
( ) Evangélica Pentecostal
( ) Evangélica Neopentecostal
( ) Judaica
( ) Islâmica/Muçulmana
( ) Protestante
( ) Umbanda
( ) Sem religião
( ) Ateu
( ) Agnóstico
( ) Outra (Qual):

8. Qual nível de ensino leciona atualmente? (Pode assinalar mais de uma resposta)
( ) Ensino Fundamental I
232

( ) Ensino Fundamental II
( ) Ensino Médio
( ) EJA - Ensino Fundamental
( ) EJA - Ensino Médio

BLOCO II

9. Qual é a sua opinião sobre a oferta obrigatória do ER em escolas públicas?

10. Trata-se de uma disciplina inserida no horário normal de aulas? Como as turmas
de ER são formadas e homologadas nas escolas públicas estaduais de São Paulo?

11. Como foi a recepção dos alunos do 9º ano (antiga 8ª série) em relação ao ER?

12. Qual é a sua opinião sobre a nomenclatura “Ensino Religioso”? Mudaria ou


manteria o nome desta disciplina? Qual nome escolheria?

13. O que é religião para você?

BLOCO III

14. Quais recursos didáticos/pedagógicos você utilizou para planejar e ministrar


suas aulas de ER?

15. Quais conteúdos de ER você trabalhou até agora?

16. Teve alguma facilidade e/ou dificuldade em abordar alguma religião específica
durante suas aulas de ER?
Sim ( ) Não( ). Fale dessa experiência.

17. Críticas, comentários, relatos, etc., sobre o objeto desta pesquisa?


233

APÊNDICE E

(Roteiro) Pesquisa: Ensino Religioso em escolas públicas estaduais (Municípios de


São Paulo e Campinas/SP)

QUESTIONÁRIO DO ALUNO

DATA:
NOME:
ESCOLA:
IDADE:
BAIRRO ONDE MORA:

1. Em relação à sua COR, como você se considera?


( ) Amarelo(a) ( )Branco(a) ( )Preto(a) ( )Pardo(a) ( )Indígena

2.Qual é a sua religião?


( ) Budista
( ) Candomblé
( ) Católica
( ) Espírita
( ) Evangélica Pentecostal
( ) Evangélica Neopentecostal
( ) Judaica
( ) Islâmica/Muçulmana
( ) Protestante
( ) Umbanda
( ) Sem religião
( ) Ateu
( ) Agnóstico
( ) Outra (Qual):

3. Você frequenta UMA ou MAIS DE UMA religião?


( ) Uma ( ) Mais de uma (Quais):

4. O que você acha da matéria de “ensino religioso”?

5. Você lembra sobre o que aprendeu nas aulas desta matéria ao longo deste ano?

6. O que é religião para você?

7. Existe alguma religião que você gostaria de aprender na aula de ER? Qual (ou
quais)?
234

ANEXO 1

Diretoria de Ensino - Região Campinas Leste (DECLESTE)

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO


DIRETORIA DE ENSINO DA REGIÃO DE CAMPINAS LESTE
GABINETE DO DIRIGENTE REGIONAL DE ENSINO
NÚCLEO DE APOIO ADMINISTRATIVO
Rua Rafael Sampaio, 485 – Vila Rossi – Campinas – SP – CEP. 13023-240
Telefone: 3741.4110 – 3741.4112 – 3741.4114 – FAX. 3741.4111
E-mail: declt@see.sp.gov.br

Campinas, 18 de março de 2013.


Assunto: Ensino Religioso no Ensino Fundamental
Caríssimo Professor Milton S. Santos:

Informamos-lhe que a disciplina Ensino Religioso consta da matriz curricular do 9º


ano do Ensino Fundamental e é obrigatória para as escolas estaduais, conforme
Resolução citada abaixo. No entanto sua adesão é facultativa ao aluno. Dessa
forma, nossas escolas oferecem, mas não tem tido demanda para formação de
turmas há, aproximadamente, cinco anos.

A Resolução SE nº 81, de 17 de dezembro de 2011, estabelece diretrizes para a


organização curricular do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas
estaduais:

Art. 7º: o Ensino Religioso, obrigatório à escola e facultativo ao aluno, será oferecido
aos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, se houver demanda, na conformidade
do que dispõe a Resolução SE nº 21/2002.

Esperamos, com essas informações, que tenhamos esclarecido suas dúvidas e nos
colocamos à disposição para outros esclarecimentos que venham a contribuir com
seus estudos.

Nivaldo Vicente
RG 19.124.239-1
Dirigente Regional de Ensino
235

ANEXO 2
Informativo Tambor (ano III, nº 24, p. 2, Guararema-SP, ago.2001)
236

ANEXO 3
Informativo Tambor (ano III, nº 27, p. 2, Guararema-SP, nov.2001)
237

ANEXO 4
Informativo Tambor (ano III, nº 28, p. 2, Guararema-SP, dez.2001)

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