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Apesar de ter nascido em Niterói e ter vivido praticamente minha vida inteira no Rio, eu

diria que a região do Brasil em que me sinto mais brasileiro é a do Nordeste. Haveria a
explicação histórica de que afinal de contas o Brasil começou lá e que o fato de ter
ficado na Bahia a capital do país até 1763 criou naquelas bandas a primeira irradiação
econômica e cultura. Mas isso é a racionalização e a explicação de um sentimento que
vai fundo em mim e se manifesta mais como emoção.

Por exemplo: visitei como jornalista, em 1968, o Vietnã do Norte em guerra com os
Estados Unidos, e a maior impressão que guardei foi a da luta nos campos vietnamitas,
porque se pareciam demais com os do Nordeste brasileiro. Aliás, diga-se de passagem,
antes de chegar ao campo estive na capital, Hanói, que me fez lembrar, em sua
arquitetura, nas ruas largas e sombreadas, Belém do Pará. Mas foi uma lembrança
tranquila, urbana, uma constatação, digamos. Nos campos, plantados de fumo, de
mandioca, de banana, trabalhados por camponeses que às vezes, sem tirar nem pôr,
lembravam caboclos do sertão da Paraíba, a impressão de Brasil foi de me cortar o
fôlego. Tanto os camponeses vietnamitas como as professorinhas das escolas rurais
podiam, num abrir e fechar de olhos, se transformar em soldados ou soldadas de
capacete na cabeça e fuzil em punho, enquanto as crianças desapareciam em cavernas
ou em abrigos cavados debaixo de currais e até de lavouras. Mas nem quando um
alarma antiaéreo levava a essa brusca transformação desfazia-se totalmente em mim a
impressão do déjà vu, de terra minha, brasileira. Mesmo porque, já vi o Nordeste quase
em pé de guerra também, nos dias de antes de 1964, dias das Ligas Camponesas de
Julião e dos Sindicatos Rurais de Gregório Bezerra.

Fiz três viagens de repórter ao Nordeste, viagens que eu próprio inventei dentro dos
jornais em que trabalhava. Pelo Correio da Manhãvisitei o Nordeste durante o ano seco
de 1953 e lá estive de novo, em 1959, para fazer uma série de reportagens sobre as
Ligas. Em 1963, pelo Jornal do Brasil, fui ver o que em Pernambuco realizava o
governador Miguel Arraes, que, meses depois, era derrubado pelo golpe de 64. Não há
muitos anos me casei com mulher pernambucana, o que agravou meu nordestinismo.

Alguma coisa me diz que no Nordeste – onde vive, em sua maioria paupérrimo mas
valente e inconformado, um terço da população do país – se forma um Brasil novo. Um
certo espírito profético se manifesta mais lá do que em outro lugar qualquer do território
nacional. Na década de 1920, por exemplo, o vigoroso romance do Nordeste arrancou a
literatura brasileira à perigosa futilidade que mergulhava desde a morte de Machado de
Assis (1908). A voz de José Américo de Almeida, com A bagaceira, de 1928, foi um
imperioso comando que arregimentou Zé Lins, Graciliano, Rachel, que se fixou na obra
mineiro-cangaceira, mineiro-nordestina de Guimarães Rosa, e que continua a vibrar
entre nós. Este comendo volta nossa atenção para a terra brasileira e para o homem que
habita o interior. Só quando deixarmos que esse homem se realize, saia da sua miséria e
se transforme numa grande classe rural é que o Brasil há de sair do atraso para a
civilização e a sofisticação cultural genuína, brotada de nós mesmos e não decalcada em
moldes de fora.

Talvez a imagem tão positiva que me ficou do Nordeste venha da primeira viagem, a de
1953, quando ouvi agrônomos e botânicos me falando sobre as plantas xerófilas, as que
continuam vivas mesmo durante a pior seca porque armazenam a água e se preparam
para a calamidade. Isso é das minhas anotações de reportagem: “Além de espinhos,
engrossamento de cutícula, cobertura de cera, redução da superfície das folhas, as
plantas adaptadas à terra escaldante atravessam as secas anuais e os verões sem chuvas
graças a reservas alimentícias armazenadas em raízes tuberculadas, batatas, e
xilopódios. Até algumas plantas de fora adquirem aos poucos a capacidade de gerar
tubérculos. Formam suas reservas de água, amidos, gomas resinosas, gomas
mucilaginosas, açúcares, albuminas, ácidos orgânicos”...

Mal caem as primeiras chuvas, as xerófilas entram em rápido ciclo de folhas, flores e
frutos. Estavam prontas por dentro
Crônicas da Seca
D. Serena, com mais de setenta anos de vida, que dizem ser a ‘melhor idade’, já havia
escrito três cartas ao seu filho Sabino, residente e domiciliado na capital, que eram de
dar dó. Vejamos um só trecho da última: SABINO, MEU FIOZINHO DE FÉ, MEUS
ZÓIO NUNCA QUE VIRAM COISA TÃO FEIA POR ESTE SERTÃO DE MEU
DEUS. EVITO INTÉ IR LÁ NO ROÇADO. AS CABRITINHAS DO ARTUZINHO,
MEU NETO E TEU AFIADO, NUN EXISTE MAIS. A ÚTIMA MORREU ONTI, LÁ
PELAS HORA DA AVE MARIA. EU NUN TENHO MAIS IDADE PRA TANTO
SOFRIMENTO. A VONTADE QUE TENHO É DE MORRÊ E MI ENTERRÁ
JUNTO CUN OS ANIMAIS. Sabino leu e releu a carta. No entanto, lhe faltou força
para dar a resposta. Suas lágrimas corriam tão rapidamente pelo papel, que até
lembravam cobra assustada. Ficou de crista baixa, como diz o povo da zona rural, lá de
Cachipó. E perdeu logo o apetite. No dia seguinte, tomou uma decisão que lhe parecia a
mais acertada. Esperou seu filho Disney voltar do colégio e sentenciou: - Avise amanhã,
na sua escola, que na próxima semana você vai precisar faltar às aulas. - Mas, pai...
faltar ... Sabino nem o deixou completar. - Isso mesmo! F altar as aulas, sim. É por uma
causa nobre. Você, que há muito tempo não quer nada com a “Hora do Brasil”, vive
repetindo um ano atrás do outro, pois, agora, vai aplicar suas teorias lá no interior
nordestino, onde eu vivi quando tinha a sua idade, moleque! Diante daquela
contundente colocação, Disney nem sequer levantou a cabeça. Só lhe restou a
obediência de filho. Dez dias depois, estava ele rompendo estrada de chão, se banhando
de pó pelo sertão adentro.... A salvação era se agarrar aos sonhos. Aliás, isso era o que
ele mais fazia, na condição de adolescente. Até o seu nome, Disney, lhe proporcionava
sonhos fantásticos. Mas, como ter sonhos coloridos naquele cenário tão funesto, cuja
chuva havia se evadido por tanto tempo? Ali, havia de cumprir a sua missão: levar
esperança à sua avó Serena. Em seguida, entregar-lhe a quantia enviada pelo seu pai e
relatar timtim por tim-tim, a situação em que se encontravam os demais parentes
próximos. Para surpresa de Sabino, o seu filho Disney estava se saindo muito bem. No
primeiro telefonema já relatou o balanço que fizera de quase tudo, e, com orgulho,
acrescentou: - Pai, prometo que quando eu voltar serei uma pessoa diferente. Serei,
acima de tudo, um guerreiro. Terei mais olhos para o homem do campo. E, por favor,
avise lá na escola que na próxima semana estarei de volta... – Foi aí que Sabino o
interrompeu: - Não se avexe não, filho! É que os professores entraram em greve.
Aproveite, por enquanto, as aulas práticas daí do sertão. A coisa parece que vai ficar
meio feia, por aqui. Os professores, também, têm sede e têm fome... Não completou o
seu raciocínio, e a ligação caiu.
DIA DO NORDESTINO: ESSA GENTE SERTANEJA

A inteligência e a percepção do escritor Euclides da Cunha inspirou-lhe uma frase tão


singela quanto verdadeira que ultrapassa o tempo e se eterniza na memória de quantos
conhecem as vicissitudes da gente do sertão: “O sertanejo é, antes de tudo, um
forte” (Os Sertões, 1ª Edição, 1902). O trovador usa a frase como mote dos seus versos,
quando nas feiras livres exalta o inconfundível perfil do nordestino. Os políticos dela se
aproveitam quando na empolgação dos seus discursos nem sempre transmitindo o
desejado convencimento.

Não basta fazer poesia ou tecer altos elogios em oratórias cheias de empolgação, mas é
preciso ter a sensibilidade para sentir e interpretar o verdadeiro significado do adjetivo
“forte” de Euclides. Também não tenho a pretensão de fazê-lo. A capacidade de
resistência da gente sertaneja vai além dos limites de meras definições literárias ou
científicas. O suor com sabor de sangue que lhe corre nas faces parece emergir das suas
entranhas como lenitivo e bálsamo para a pele que queima sob a intensidade do sol. Não
se quebranta com pouco sofrimento, nem se arrefece ante os grilhões da dor, da sede e
da fome, como se lhe fossem alimentos de vida. É um forte que está mais para o
verdadeiro sentido de fortaleza, muralha, que resiste bravamente às adversidades.

A enxada do sertanejo parece ser a caneta que escreve no solo do semiárido, ressequido
e tórrido, os seus sonhos e esperanças. Imagine, o homem do sertão sonha! Sonha que
come e nesse momento se alimenta. Sonha que chove e nesse instante tem a sensação de
que gotas de água lhe banham o corpo marcado pelo sol. Planta a semente e sonha que
ela vai nascer. Os sonhos e fantasias têm o poder de tornar a sua vida menos sofrida.

No rosto do catingueiro as rugas do sofrimento e do cansaço parecem desenhar


pequenos córregos pelos quais rolam gotas de suor que se precipitam ao solo, como se
desejassem irrigar a terra de novas esperanças. A lição de resistência, de pertinácia, de
fé, de humildade, de esperança, e até de saber sonhar, tem de servir de exemplo aos
mortais urbanos. Não é um aprendizado fácil, sobretudo quando as autoridades
constituídas ao invés de darem as condições básicas que permitam a convivência do
trabalhador com as dificuldades climáticas e naturais destroem a essência principal da
sua índole que é a coragem pelo trabalho. Impõem-lhe a cultura da doação e da
malemolência. É o estímulo ao nefasto princípio de dar o peixe ao invés de ensinar o
homem a pescar.
Será que vamos assistir impassíveis ao desenvolvimento do conceito de que melhor que
trabalhar e dar exemplo às novas gerações de filhos e netos é viver sustentado pelas
benesses oficiais? Até quando este povo deixará de usar das suas reservas morais
históricas para resistir e enfrentar os apelos a uma vida de inércia e indolência que lhe
está sendo oferecida, não se sabe.

Mesmo sabendo que esse sertanejo obstinado “é, antes de tudo, um forte”, incorremos
no risco de desconhecer os seus limites e, assim, um futuro incerto pode nos reservar
um povo decadente e destruído no cerne da sua estrutura: a luta pela vida através do
trabalho.

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