ARTIGO REVISÃO
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ABORDAGEM PSIQUIÁTRICA
DO TRANSPLANTE HEPÁTICO
RESUMO
Com base na literatura existente abordam-se os principais aspectos psiquiátricos
envolvidos no processo de selecção e acompanhamento dos doentes submetidos a
transplantes hepáticos.
As perturbações psiquiátricas são muito frequentes no período pré transplante, sendo
a prevalência de depressão cerca de 33%, de ansiedade clinicamente significativa de
34%, de abuso/dependência de álcool (no transplante hepático) de 59%, de delirium de
24%, de alexitímia de 39%. A prevalência de perturbações de personalidade pré
transplante hepático ronda os 28%.
As perturbações psiquiátricas no período pós transplante também são muito frequentes,
sendo a prevalência da depressão pós transplante cerca de 30%, de ansiedade pós
transplante 26%, de delirium 30%, de PTSD 6,4% e de psicose 7,5%. A taxa de recaída
do alcoolismo pós transplante hepático é de cerca de 29%,
Os doentes hepáticos apresentam alterações metabólicas importantes, facto que
determina alterações nos mecanismos farmacocinéticos dos fármacos a eles
administrados. São listadas no artigo um conjunto de medicações psiquiátricas mais
indicadas nestes doentes.
Alguns factores são determinantes para a qualidade de vida do doente transplantado
nomeadamente o estado neuropsiquiátrico e o acompanhamento psiquiátrico do doente
transplantado, o suporte social, a planificação, a dieta e exercício e a adesão à terapêutica.
Entre os principais factores que são desfavoráveis à aceitação de dadores vivos
destacam-se a coação ou incentivos financeiros no processo de doação do tecido
vivo e a incapacidade de compreensão dos riscos inerentes a todos os procedimentos
médicos a que vão ser submetidos.
SUMMARY
PSYCHIATRIC APPROACH OF LIVER TRANSPLANT
There is enough evidence about the importance psychiatric disorders (in the pré or
post-operative period) have on the transplanted patient’s clinical evolution and quality
of life.
In this review we describe, the main psychiatric items involved in the selection of
candidates and accompaniment of transplanted patients.
We concluded that psychiatric disorders are common in candidates in the pré -operative
period. In this period the prevalence of depression is 33%, anxiety 34%, alcohol
dependence/abuse (in hepatic transplant candidates) 59%, delirium 24% and alexythimia
28%.
Psychiatric disorders are also common in candidates in the post -operative period. In
this period the prevalence of depression is 30%, anxiety 26%, delirium 30%, PTSD
6,4% and psychosis 7,5%. The alcohol relapse after liver transplant occurs in about
29% of the transplanted patients.
Patients with liver disease present metabolic specificities. In this article we list the
psychiatric medications that are indicated in these kind of patients.
Quality of life of he transplanted patient is determined by many factors such as
neuropsychiatric status, psychiatric accompaniment, social support, planification, diet
and compliance.
Living donors must not be accepted when factors such as coercion and financial
incentives or no understanding of he risks inherent in hepatic lobectomy are present.
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inferior a 40 anos, possam contribuir para uma pior adesão9. esta altura, antes do transplante, deverá ser traçado um
A presença de perturbações psiquiátricas, como per- plano de prevenção de recaídas nos doentes de risco (es-
turbações depressivas ou perturbações de ansiedade no pecialmente nos alcoólicos ou consumidores de droga)1,31.
pós-transplante, podem reduzir dramaticamente a adesão
2,26-28. De facto, a forma mais grave de não adesão pode PERTURBAÇÕES PSIQUIÁTRICAS NO PERÍODO
corresponder a uma tentativa de suicídio nos doentes PRÉ-TRANSPLANTE
gravemente deprimidos. A única forma de prevenir estas Muitos doentes com doença crónica, incluindo falên-
situações é através da prevenção, do diagnóstico preco- cia de órgão, experimentam uma redução importante na
ce e do tratamento das perturbações depressivas pós- sua qualidade de vida que muitas vezes contribui para o
-transplante2. desenvolvimento de perturbações psiquiátricas9,31. Por
Dew, demonstrou que o risco de não adesão era pro- outro lado, o estado psiquiátrico pré-transplante pode,
porcional ao número de factores de risco psicossociais influenciar o prognóstico dos doentes transplantados,
presentes (alterações cognitivas, dificuldade em comuni- quer na evolução clínica propriamente dita (sucesso da
car, rebeldia, arrogância, negação da doença, suporte so- cirurgia, morbilidade e mortalidade pós-transplan-
cial inadequado)29. te)9,15,16,29,30,32,33, quer na qualidade de vida e no estado
Dobbles concluiu que a prevalência da não adesão psiquiátrico posterior ao transplante20,21,33-36. De referir
pré-transplante em doentes submetidos a transplantes de que num número reduzido de estudos se verificou que o
pulmão, fígado e coração era de 16,7% (sem diferenças estado psiquiátrico pré transplante não se correlacionava
significativas entre os diferentes tipos de órgãos trans- com a evolução clínica (mortalidade e morbilidade médica)
plantados). Os factores psicossociais que, neste estudo, pós transplante36,37. No entanto, não foi encontrado qual-
se correlacionavam com a não adesão eram: quer estudo que verificasse que a morbilidade psiquiátri-
1) elevado nível educacional; ca pré-transplante não se correlacionava com baixa quali-
2) deficiente suporte social; dade de vida e morbilidade psiquiátrica pós-transplante.
3) alguns traços de personalidade; O tratamento das perturbações psiquiátricas pré-trans-
4) depressão30. plante tem sido referido como uma mais valia para a evolu-
ção do doente no período pós-transplante, sobretudo no
4) Contra-indicações psiquiátricas que diz respeito à adesão ao tratamento1.
Segundo a Nettwork for Organ Sharing (UNOS), não
existem contra-indicações psiquiátricas absolutas para o 1) Depressão
transplante hepático, mas sim relativas31 (Quadro II). Se- A maioria dos doentes que aguardam transplantação
gundo as indicações desta entidade, o acesso ao trans- apresenta alguns sintomas depressivos. Estes podem cons-
plante deverá ser ponderado após uma entrevista estrutu- tituir uma perturbação depressiva major ou distímia, po-
rada por um técnico de saúde mental, em que seja pedido ao dem ser secundários à medicação ou fazer parte de uma
doente que assine um contracto para seguir as indicações perturbação de adaptação9.
prescritas (nomeadamente manter a abstinência alcoólica) e Por outro lado, o diagnóstico das perturbações de-
colaborar com os técnicos de saúde. Por outro lado, por pressivas nesta fase pode apresentar alguns problemas
uma vez que sintomas característicos da depressão como
Quadro II - Contra-indicações Psiquiátricas Relativas Para o a baixa energia vital, a anorexia, a insónia, entre outros,
Transplante Hepático podem estar presentes nas situações de doença médica
- Não adesão ao tratamento actual avançada32,38. No entanto, existem escalas psicopatoló-
- Suporte social inadequado gicas (HAM-D – Hamilton Depression Score; HADS –D
- Consumo actual de álcool ou outras substâncias - Hospital Anxiety and Depression Score – Depression;
- Ideação suicida ou comportamentos autodestrutivos e BDI –Beck Inventory Score), que podem ser utilizadas
actuais para eliminar esses viéses. Da análise dos estudos que
- Perturbações psicóticas primárias utilizam estas para o diagnóstico de depressão no perío-
- Perturbação factícia * do pré transplante hepático, os resultados variam desde
- Alterações cognitivas irreversíveis (especialmente se
4,5% até 64%, sendo a média de 33%20,21,37,39,40 (QUA-
suporte social inadequado)
- Incapacidade de colaborar com a equipa de DRO III). A justificação para esta variação de valores,
transplantação pode prender-se com o facto de terem sido avaliadas
populações diferentes do ponto de vista epidemiológico
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graves; 4) Delirium
3) Assinatura de um compromisso de abstinência; O delirium surge com frequência nos doentes he-
4) Suporte social páticos que aguardam o transplante 9,32,37. Porém, nem
5) Contra-indicações psiquiáticas54. (Quadro IV). sempre esta situação é fácil de diagnosticar, podendo
passar despercebido em até 65% dos casos 55 . O
Quadro IV - Transplant Guidelines for Patients with Alcoholic delirium apresenta-se como uma combinação de sin-
Liver Disease – Traduzidas e adaptadas tomas que incluem incoerência, alteração da activida-
Categoria de Risco
Critérios Baixo Alto
de psicomotora, desorientação, alterações da percep-
Prognóstico favorável do alcoolismo (HRAR) SIM NÃO ção, défices de atenção e da memória, alterações do
Persistência no consumo após sensibilização de que alcoolismo
produziu lesões hepáticas graves
NÃO SIM
ciclo sono-vigília, entre outros 56. Para o diagnóstico
Assinatura de um compromisso de não persistência do consumo SIM NÃO
Suporte social BOM MAU desta situação podem ser úteis instrumentos como a
Contraindicações psiquiáticas NÃO SIM
escala MMSE (Mini Mental State Evaluation) ou tes-
tes mais específicos como a escala «Delirium Rating
O item Prognóstico favorável do alcoolismo tem por Scale 57 .
base o HRAR score (Quadro V), sendo positivo se HRAR Entre as principais causas de delirium pré-
score é superior a 12 ou o intervalo de abstinência for -operatório destacam-se a insuficiência hepática, a
superior a 12 meses. acumulação de drogas metabolizadas no fígado, o aci-
O item Suporte social tem por base a escala Psycosso- dente vascular cerebral, a insuficiência renal, a hiper-
cial Asessment of Candidates for Transplantation (Qua- glicémia secundária a corticosteróides, a infecção, a
dro I). neoplasia do SNC, a síndroma de abstinência alcoóli-
O item Contraindicações psiquiáticas tem por base a ca, entre outros 32,37,57 .
presença de: Foram revistos vários artigos em que se avaliava a
1) perturbação grave de personalidade; prevalência de delirium no período pré transplante
2) atraso mental grave; hepático, situando-se entre os 18% e os 30% com uma
3) demência; média de 24%58-60 (Quadro III).
4) psicose crónica. Segundo Trzepac a presença de delirium pré trans-
Neste centro, à semelhança de praticamente todos os plante não influencia a evolução clínica pós transplan-
outros, o consumo activo de drogas constitui uma contra- te 58.
-indicação absoluta e os candidatos elegíveis deverão apre-
sentar um baixo risco para todas as cinco variáveis. Po- 5) Alexitímia
dem ser aceites, ocasionalmente, doentes com uma predo- A alexitímia, sendo considerada como um traço de
minância de variáveis com a classificação de baixo risco. personalidade que interage com eventos potenciadores
de stress, aumentando a susceptibilidade para deter-
Quadro V - High-Risk Alcoholism Relapse Scale (HRAR) minadas doenças, pode ser medida através da escala
Traduzida e adaptada
TAS (Toronto Alexithymia Scale) 61, que avalia várias
VARIABLE POINT dimensões:
VALUE 1) Dificuldade em identificar e descrever sentimen-
Anos de alcoolismo tos;
<11 0
2) Dificuldade em distinguir sentimentos de sensa-
11-25 1
>25 2 ções corporais somáticas;
Número diário de bebidas 3) Pobreza do pensamento imaginativo ou
<9 0 fantasioso;
9.17 1 4) Orientação cognitiva para o exterior 61,62 .
>17 2
Número de internamentos por alcoolismo
0 0 Verificou-se num único artigo que os doentes que
1 1 no período pré transplante cumpriam os critérios para
>1 2 o diagnóstico de alexitímia tinham uma maior probabi-
TOTAL lidade de apresentar perturbações psiquiátricas no pe-
Legenda: Baixo Risco: TOTAL- 0,1,2; Risco Moderado:
ríodo pós-transplante 21 . Neste estudo a prevalência
TOTAL- 3,4; Alto Risco: TOTAL- 5,6
de alexitíma pré transplante era de 38,7% (Quadro III).
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taxa de recaída do alcoolismo (com as complicações ine- Muitos dos sintomas psiquiátricos são secundári-
rentes) 48. os à medicação administrada neste período. São revis-
São apontados outros factores de risco de recaída tos alguns dos principais efeitos dos medicamentos mais
como a história familiar de alcoolismo ou a comorbilida- utilizados nesta fase9,79,80.
de psiquiátrica (nomeadamente perturbações de perso- Entre os imunossupressores, principais fármacos
nalidade e história de consumo de outras substânci- usados na fase pós transplante, os corticosteróides são
as) 1,74 . Os estudos provenientes de países europeus aqueles que mais efeitos secundários neuropsiquiátri-
também parecem referir taxas de recaída superiores aos cos apresentam, embora o uso de ciclosporina, OKT3 e
estudos realizados noutros países 75. tacrolimus também se possa complicar com sintomas
Por outro lado, as diferenças entre as taxas de reca- deste tipo (Quadro VIII).
ída nos vários estudos também se devem aos critérios Entre outros tipos de fármacos frequentemente uti-
de recaída (que dependem dos centros) e a altura em lizados neste período, aqueles que mais se associam a
que a recaída é avaliada (quanto mais tempo tiver pas- efeitos neuropsiquiátricos são o interferão, o
sado do transplante maior é a probabilidade de recaí- trimetoprim/sulfametoxazol (TMP/SMT), o propanolol
da)75. e a morfina (Quadro VIII).
A recaída alcoólica pós transplante é uma situação
muito grave, podendo associar-se a lesões histológicas
Quadro VIII
hepáticas que se desenvolvem rapidamente conduzin-
Imunossupressores
do à fibrose 75. Corticosteróides Depressão, irritabilidade, euforia, delirium,
Um aspecto que deve sempre ser lembrado é que o psicose aguda
Ciclosporina Confusão, ansiedade, depressão,
alcoolismo corresponde a uma doença crónica e, como irritabilidade, delirium, tremor
tal, deve ser realizado um seguimento rigoroso para pre- Azatioprina Raros efeitos psiquiátricos
OKT3 Delirium, convulsões
venir as recaídas1,76. Tacrolimus Cefaleias
Assim, quando um doente alcoólico é submetido a
um transplante, mesmo que já esteja abstinente há vári- Outros
Interferão Depressão, ideação suicida, labilidade
os meses ou anos, deverá ser seguido regularmente por emocional, irritabilidade, delirium
técnicos de saúde mental, sendo pesquisado o consu- TMP/SMT Anorexia, depressão
Propanolol Depressão, labilidade emocional,
mo de álcool (que deverá ser nulo, sem permissão de desorientação
beber socialmente), quer através de entrevistas estru- Morfina Agitação, euforia, défice de atenção e
concentração
turadas, quer através de análises sanguíneas77,78.
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- Iniciar o tratamento com dosagens muito baixas, ser evitados na doença hepática grave80,81.
sobretudo para os fármacos que se ligam muito a proteí-
nas ou que apresentam no seu metabolismo um efeito 2) Estabilizadores de Humor
de primeira passagem importante. O lítio não é metabolizado pelo fígado e desta forma
- Ter um cuidado especial (doses reduzidas) com a pode ser administrado se a função renal estiver
administração de fármacos extensamente metabolizados mantida9,54,81,82.
no fígado (praticamente todos os psicofármacos, com O valproato é contra-indicado na doença hepática,
excepção do sulpiride, amisulpride, lítio e gabapentina, uma vez que é hepatotóxico e a carbamazepina também
que são minimamente metabolizados naquele orgão). não deverá ser utilizada nestes casos porque é um
- Ter em atenção que a semivida dos fármacos está fármaco extensamente metabolizado pelo fígado e
aumentada nos doentes com insuficiência hepática e, indutor dos citocromos P45081,82.
desta forma que os aumentos das dosagens deverão
ser feitos de forma mais gradual. 3) Ansiolíticos e Hipnóticos
- Monitorizar com cuidado os efeitos secundários, As benzodiazepinas devem ser utilizadas com cau-
que poderão surgir mais tardiamente nestes doentes. tela na doença hepática grave, uma vez que o seu meca-
- Evitar fármacos demasiado sedativos, para impedir nismo de acção interfere com o sistema neurotransmissor
a precipitação de episódios de encefalopatia hepática. gabaérgico e a encefalopatia hepática parece também
- Evitar fármacos que provoquem obstipação, para estar relacionada com o GABA54. A sedação nos doen-
prevenir a precipitação de episódios de encefalopatia tes hepáticos pode ser conseguida em alternativa atra-
hepática. vés de baixas doses de antipsicóticos54. Se for neces-
- Evitar fármacos que sejam hepatotóxicos (clorpro- sária a administração de benzodiazepinas, os fármacos
mazina, antidepressivos IMAO). de eleição são o oxazepam, o lorazepam ou o temazepam
- Escolher fármacos de baixo risco e monitorizar a (hipnótico), cujo metabolismo se mantém praticamente
função hepática regularmente. inalterado na insuficiência hepática9,81,82.
1) Antidepressivos 4) Antipsicóticos
Tricíclicos – São todos metabolizados hepaticamen- O haloperidol é descrito por vários autores como
te, ligam-se extensamente a proteínas e apresentam um sendo o antipsicótico de escolha nestas situações,
grande efeito de primeira passagem, devendo ser evita- embora seja necessário monitorizar as doses9,54,81,82.
dos no contexto de doença hepática81,82. Deve se ter um especial cuidado com as fenotiazinas,
SSRI – São todos metabolizados hepaticamente. A particularmente com a clorpromazina que é hepatotóxi-
fluoxetina apresenta uma semivida muito longa, o que a ca9,54,81,82,84. Igual cautela exige o uso de risperidona
torna um fármaco especialmente difícil de manejar na nestes casos, uma vez que este fármaco apresenta uma
insuficiência hepática59,60. Por outro lado, em trabalhos ligação importante às proteínas séricas59. A quetiapina
recentes, verificou-se que a fluoxetina podia aumentar é metabolizada pelo fígado, mas apresenta uma curta
os níveis sanguíneos dos imunossupressores até valo- semivida, podendo também ser utilizada em contexto de
res tóxicos porque inibe o citocrómo P450 3-A41 . De doença hepática.
acordo com vários estudos, a paroxetina parece ser a O amisulpride e o sulpiride são minimamente meta-
escolha mais segura81-83 , sendo utilizada por várias bolizados pelo fígado, podendo, nos casos de doença
unidades de hepatologia com bons resultados81. O es- hepática, ser utilizados com segurança81,82.
citalopram e o citalopram são extensamente metaboliza-
dos pelo fígado devendo ser utilizados com precaução 5) Medicações para Prevenir a Recaída do Alcoo-
e em doses reduzidas81. lismo
Outros - Embora exista pouca experiência relatada A prevenção das recaídas do alcoolismo pode fa-
com venlafaxina nos doentes hepáticos, este fármaco zer-se mediante a prescrição de vários fármacos.
não é recomendado nos casos de doença hepática gra- A naltrexona não é recomendada nos doentes com
ve, acontecendo o mesmo com a reboxetina81,82. A mir- hepatite alcoólica activa ou insuficiência hepática, uma
tazapina, é metabolizada a nível hepático e apresenta vez que pode ser hepatotóxica.
efeitos sedativos importantes, pelo que o seu uso deve O acamprosato não é metabolizado pelo fígado, po-
ser cauteloso81. Os IMAO são hepatotóxicos, devendo dendo ser administrado com segurança nos casos de
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insuficiência hepática, desde que a função renal esteja - Estado neuropsiquiátrico do doente transplan-
mantida1,81,82. tado
O dissulfiram não é recomendado nos doentes trans- Como referido antes neste artigo, as perturbações
plantados ou nos candidatos a transplante uma vez que psiquiátricas são frequentes no doente com transplan-
este fármaco bloqueia a oxidação do álcool e pode, além te hepático (quer no período pré, quer no período pós
de náuseas, vómitos e mal estar, provocar instabilidade transplante). Embora o estado neuropsiquátrico melho-
hemodinâmica. Além disso um dos metabolitos do re bastante após o transplante, perturbações psiquiá-
dissulfiram é um inibidor do citocrómio P450 3A4, po- tricas como a depressão, a ansiedade e o delirium são
dendo aumentar os níveis sanguíneos dos imunossu- frequentes no período pós-transplante e podem preju-
pressores 81,82. dicar gravemente a qualidade de vida do doente.
O estado psiquiátrico pós-transplante relaciona-se
QUALIDADE DE VIDA NO PÓS TRANSPLANTE segundo vários estudos com o estado psiquiátrico pré-
-transplante, havendo características psiquiátricas/psi-
Aquando dos primeiros transplantes, e no que toca cológicas no período pré-transplante, como a
ao período pós-transplante os investigadores alexitímia21, a ansiedade20,28, e determinados traços de
preocupavam-se sobretudo com questões relacionadas personalidade (neuroticismo)36,44 que se associam a um
com a sobrevivência do doente. À medida que as técni- maior número de perturbações psiquiátricas pós-
cas cirúrgicas se foram aperfeiçoando, e a sobrevivên- -transplante. Noutros estudos comprovou-se que o
cia aumentando, foi atribuída uma maior importância à apoio psicofarmacológico e psicoterapêutico pós-
qualidade de vida do doente transplantado. Por defini- -transplante se associava a um melhor prognóstico psi-
ção, em questões de saúde, a qualidade de vida de um quiátrico e a uma melhor qualidade de vida28,36.
doente relaciona-se com o impacto que o estado de saú- O estado psiquiátrico do doente também pode influ-
de tem sobre o seu bem estar objectivo e subjectivo9. enciar negativamente a sua adesão e, consequentemen-
Numerosos sistemas de avaliação da qualidade de vida te, a sua evolução clínica1,9,28 e a sua qualidade de
têm sido propostos ao longo dos anos. Entre as diver- vida1,28.
sas escalas de qualidade de vida destacam-se a World
Health Organization WHOQOL-10020 e a EORTC Quality - Suporte social
of Life Questionaire 36. O suporte social é fundamental nos doentes trans-
A maioria dos estudos existentes são unânimes em plantados, sobretudo nos doentes com perturbações
afirmar que o transplante hepático trás ao doente uma psiquiátricas ou com alterações cognitivas. Nestes ca-
grande melhoria na sua qualidade de vida20,24,37,85, so- sos é fundamental existir um cuidador que acompanhe
bretudo nos primeiros anos do pós-transplante28, mas o doente nas suas novas tarefas diárias desde a medi-
também se tem tornado evidente que nem todos os do- cação até à reinserção social 1,28,86,87.
entes apresentam uma igual melhoria da qualidade de
vida, havendo factores que condicionam estas diferen- - Planificação
ças. Este factor, muitas vezes esquecido, é determinante
Vários estudos apontam que a qualidade de vida é para uma boa evolução do doente transplantado. Sim-
pior nos doentes transplantados infectados pelo vírus ples tarefas, como as idas frequentes à consulta, a pla-
da hepatite C37,86, enquanto que noutros aquela é me- nificação criteriosa dos recursos a despender com a me-
nor para os doentes com doença hepática alcoólica 5,9. dicação, a reorganização sócio-ocupacional e do estilo
Vários estudos concluíram que a história psiquiátrica de vida, a planificação dos seguros, entre outros, po-
prévia podia também influenciar negativamente a quali- dem ser muito importantes para uma boa evolução do
dade de vida pós-transplante, quer através de uma pior doente e para a sua qualidade de vida 28.
evolução clínica9,15,16,29,30,32,33, quer através de um
aumento da morbilidade psiquiátrica pós- - Dieta e Exercício
-transplante 20,21,33,36. Foi já demonstrado que a malnutrição constitui um
Estes factores de risco não são modificáveis, mas factor de risco importante para morbilidade e mortalida-
muitos estudos têm comprovado que existem outros fac- de pós-transplante 88. O exercício pode ajudar a preve-
tores, modificáveis, que podem ser determinantes para nir as complicações cardiovasculares que os doentes
a qualidade de vida dos doentes, destacando-se: muitas vezes apresentam no período pós-
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ABORDAGEM PSIQUIÁTRICA DO TRANSPLANTE HEPÁTICO
-transplante28,88. A educação do doente em relação a mente por familiares, uma vez que estes apresentam um
aspectos nutricionais e à prática de exercício físico, maior risco de serem manipulados por membros da fa-
podem contribuir para melhorar a sua evolução clínica mília ou amigos1. Na mesma linha, é importante per-
e a sua qualidade de vida28,88. ceber se o dador possui expectativas de que a doação
do tecido vivo possa alterar, de alguma forma, a relação
- Adesão com o receptor ou com o resto da família1. É de salientar
Este factor tem, ultimamente, sido muito referido nos que alguns centros apenas aceitam como dadores de
projectos de investigação desta área. tecido vivo pessoas que não tenham relação familiar ou
A não adesão pode, conforme já referido, ser uma afectiva com o receptor1.
das principais causas de mortalidade pós-transplante41.
Alguns estudos verificaram também que a não adesão Por outro lado, os dadores devem ser informados
se associava a uma pior evolução clínica, ao aumento dos riscos inerentes a todos os procedimentos médi-
do risco de rejeição e de aparecimento de complicações cos a que vão ser submetidos. Desta forma, a incapaci-
como a diabetes89. Outros estudos recentes demons- dade de compreensão destes processos e de assinar
traram também que a não adesão influenciava negativa- um consentimento informado tornará inconcebível a
mente a qualidade de vida no período pós- realização do transplante1.
-transplante 1,9,28.
A adesão é determinada por vários factores, entre A presença de perturbações psiquiátricas no perío-
os quais se destacam factores relacionados com a saú- do pré-transplante pode, à semelhança do que aconte-
de mental do doente2,12. ce com os receptores, influenciar a recuperação da in-
No screening pré-transplante deve ser avaliado o tervenção cirúrgica 8. Também poderão estar presentes
nível de adesão pré-transplante, como já referido. Tem- nos dadores, com alguma frequência, perturbações psi-
-se debatido se os doentes com risco de não adesão quiátricas no período pós-transplante, nomeadamente
pós-transplante devem ou não ser transplantados28,90. depressão e ansiedade 21 . Segundo um trabalho de
Os trabalhos mais recentes, porém, referem que a avali- Fukunishi, a alexitímia presente no período pré-
ação pré-transplante é o momento ideal para identificar -transplante pode associar-se com o aparecimento de
os doentes com risco de não adesão e formular estraté- perturbações psiquiátricas no período pós-transplante,
gias para reduzir esse risco, tais como, uma intervenção quer nos receptores, quer nos dadores21.
psicofarmacológica e psicoterapêutica nos doentes com Estudos recentes mostraram que os receptores e
perturbações psiquiátricas como a depressão e a ansie- dadores envolvidos num transplante podem apresentar
dade ou uma intervenção psicoterapêutica directamen- perturbações psiquiátricas no período pós-transplante,
te orientada para melhorar a adesão12. que são paradoxais, uma vez que ocorrem na ausência
de qualquer complicação médica. Esta situação, que
TRANSPLANTES DE DADOR VIVO surge maioritariamente nos receptores de transplante
hepático de dador vivo, foi denominada por Fukunishi
Nos EUA e na Europa, o número de transplantes de Síndroma Psiquiátrico Paradoxal (SPP) 8,21
hepáticos de dador vivo tem aumentado bastante nos relacionando-se a sua, segundo um estudo de Fukunishi,
últimos anos8. Isto prende-se fundamentalmente com o com a presença de alexitímia no período pré-
número crescente de doentes candidatos ao transplan- -transplante21 .
te e a indisponibilidade de dadores em morte cerebral8. O seu diagnóstico é feito na presença de quatro cri-
É consensual, que os dadores devem ser submeti- térios21:
dos a uma selecção rigorosa, que passa por uma exten- • Conflitos proeminentes associados com o trans-
sa avaliação psicossocial, à semelhança do que aconte- plante (por exemplo sensação de culpabilidade em
ce com os receptores1. relação ao dador);
Na avaliação psicossocial é prioritário compreender • Sintomas de depressão, ansiedade, conversão,
se existe algum tipo de coação ou incentivos financei- somatização, psicose ou de uma perturbação de
ros no processo de doação de tecido vivo, que devem adaptação;
constituir critérios de exclusão. Relativamente a estas • Ocorrência tardia, cerca de um ano após o trans-
situações, é necessário ter um particular cuidado com plante;
dadores que já tenham sido abusados física ou sexual- • Ausência de complicações médicas.
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ABORDAGEM PSIQUIÁTRICA DO TRANSPLANTE HEPÁTICO
6) O número de transplantes hepáticos de dador vivo DM, CLAVIEN PA: Effect of orthopic liver transplantation
tem aumentado bastante nos últimos anos. on employment and health status. Liver Transpl Surg
É consensual que os dadores devem ser submeti- 1996;2:148-153
11. HETZER R, ALBERT W, HUMMEL M et al: Status of
dos a uma selecção rigorosa, que passa por uma exten-
patients presently living 9 to 13 years after orthotopic heart
sa avaliação psicossocial, à semelhança do que aconte- transplantation. Ann Thorac Surg 1997;64:1661-8
ce com os receptores1. Entre os principais factores que 12. LIMBOS MM, JOYCE DP, CHAN CK, KESTEN S: Psy-
são desfavoráveis à aceitação de dadores vivos chological functioning and quality of life in lung transplant
destacam-se a coação ou incentivos financeiros no pro- candidates and recipients. Chest 2000;118:408-406
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Devido à importância que as perturbações psiquiá-
symptom levels and their correlates in lung and heart lung.
tricas pré e pós transplante poderão ter sobre a evolu- Psychossomatics 1999;40:503-509
ção clínica e a qualidade de vida do doente transplanta- 15. KUHN WF, MYERS B, BRENNAN AF et al: Psychopa-
do, ao tipo de patologia psiquiátrica que estes doentes thology in heart transplant candidates. Heart Transplanta-
apresentam, aos sintomas médicos ou secundários à tion 1988;7:223-226
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