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A difícil relação Mãe-Filha

A mulher, a maternidade e os entrelaces psíquicos entre gerações

Por Marina Rribeiro

Marina Ribeiro é psicanalista, professora do curso "Entrelaces psíquicos entre mães e


filhas" no Instituto Sedes Sapientiae; autora do livro Infertilidade e reprodução assistida -
Desejando filhos na família contemporânea (Casa do Psicólogo, 2004), mestre e doutoranda
em Psicologia Clínica pela PUC-SP, membro efetivo do Departamento Formação em
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Contato: marinarribeiro@terra.com.br

Entre uma mãe e uma filha há muitos mundos... O da paixão, da fusão, da ilusão de que não há limites de
compreensão, nem de amor. O do afeto, da amizade, da delicadeza, da realização, da continuidade, do
resgate, do carinho, da beleza, da maternidade e infinitos outros. Há, também, o universo da raiva, da
rivalidade, da cobrança, do conflito, da inveja, da disputa, da dependência...

O que faz com que mãe e filha sejam referências da sabedoria popular quanto à dedicação e ao carinho e,
ao mesmo tempo, lugar de intensas dificuldades, batalhas e culpas?

Uma relação tão delicada, peça de teatro de Leila Assumpção que ficou alguns anos em cartaz em São
Paulo e foi assistida por inúmeras mães e filhas, emocionou platéias ao testemunharem as atrizes
percorrerem sua trajetória de vida, do nascimento da filha ao envelhecimento da mãe.

Seguindo essa referência, vamos começar a pensar essa relação tão delicada no exato momento em que uma
mulher descobre estar grávida de um bebê do sexo feminino. Apenas para lançar uma luz retroativa a este
instante, o desejo de estar grávida está associado a uma de nossas primeiras identificações maternas −
queremos ser mãe como nossa mãe. Prova desse fato é a brincadeira preferida das meninas pequenas:
"vamos brincar de mamãe e filhinha?" A disputa para ser a mãe no grupo de meninas é feroz. Desejo
primeiro e precoce de toda menina − ser mãe, como a própria mãe.

Interações delicadas

A gravidez é a realização na vida adulta desse desejo primordial e tão postergado. Quando o bebê gestado é
do sexo feminino, há quase uma reedição do que foi vivido com a mãe, o difícil e o fácil dessa relação.
Reedição com aspectos conscientes e inconscientes, afinal, como Freud incomodamente revolucionou,
nossa consciência é apenas a ponta do iceberg do mundo psíquico. Só para exemplificar, as facetas
inconscientes do psiquismo podem se revelar por meio de manifestações físicas. Não é incomum a gestante
de "primeira viagem" descobrir na experiência com o próprio corpo a história da mãe: uma paciente que
teve várias dificuldades para amamentar no peito seu bebê soube a partir desse fato que nem sua mãe, nem
sua avó materna tinham conseguido amamentar. Para três gerações de mulheres a amamentação foi uma
experiência dolorosa e fracassada. Genética? Não apenas, mas sim uma experiência emocional marcada a
ferro e fogo no corpo/psiquismo inconsciente dessas mulheres.
Aquilo que colocamos no porão escuro da nossa vida, e que não queremos ver nunca
mais, aparece em nossos filhos com luzes ofuscantes

Cada dupla de mãe e filha é reeditada na geração seguinte; o que estava no palco na geração anterior, se não
houve nenhum trabalho de elaboração dos conflitos e das dificuldades, tende a se repetir de uma maneira
desconcertante na próxima. Transmissão psíquica entre gerações que é revelada com maestria no livro Cem
anos de solidão de Gabriel Garcia Márquez, no qual as gerações se sucedem, mas as histórias e os nomes dos
personagens se repetem até não sabermos mais quem é a mãe, quem é a filha, quem é o pai, quem é o filho.

Dito de outra maneira, mais figurativa, aquilo que colocamos no


porão escuro da nossa vida e que não queremos ver nunca mais,
aparece em nossos filhos com luzes ofuscantes. Isso é o que torna
mais difícil a relação mãe e filha. Como assim, o leitor pode se
perguntar? O que rejeitamos em nós mesmos, geralmente aqueles
sentimentos que temos, mas não aceitamos, por isso negamos de "pé
junto", pode encontrar em nossos filhos um terreno fértil. Um filho é,
em parte e principalmente no início da vida, uma extensão de nós
mesmos, é um projeto de continuidade, de descendência. Se os pais
têm maturidade psíquica para reconhecer no filho um outro, diferente
deles mesmos, as fronteiras psíquicas entre pais e filhos podem
desempenhar uma importante função na qualidade desse
relacionamento.
Se os pais têm maturidade psíquica
para reconhecer seu filho, as Fronteiras Psíquicas
fronteiras psíquicas exercem
importante função na qualidade desse Nas relações nas quais há fronteiras permeáveis e flexíveis entre pais
relacionamento e filhos o que é vivido na intimidade do lar tende a ser mais
satisfatório para todos. É claro que isso é uma proposição ideal, pois as relações familiares tendem a ser as
mais difíceis, justamente pela proximidade, pela ausência de fronteiras e de reconhecimento de diferenças.
Com a agravante de que pais com dificuldades emocionais sérias tendem a dispor dos filhos como extensões
deles mesmos, para o melhor e para o pior. Para exemplificar, são pais que diante do sucesso do filho
comentam: este é meu filho! E diante do fracasso ou das dificuldades: quem é este, não parece ser meu filho!

Talvez para o leitor leigo seja estranha a colocação da existência ou não de fronteiras psíquicas entre pais e
filhos, ou da necessidade de reconhecimento de que o filho seja um outro. Isso é devido à plasticidade do
psiquismo que não reconhece fronteiras concretas, e ao fato de que nos constituímos como pessoas a partir
de outros, especialmente os pais. Os limites entre o eu e o outro não são fáceis, nem simples, principalmente
entre pais e filhos e especificamente entre mães e filhas.

A partir dessa compreensão podemos pensar o seguinte: se o nosso porão está entulhado de coisas, a filha ou
o filho pode assumir para si a ingrata tarefa de cuidar do que está ali alienado, criando teia de aranha na
mente da mãe e a impedindo de ser uma mãe mais inteira, mais livre e disponível psiquicamente. Uma vez
que manter porões cheios de coisas exige muito trabalho mental, isso significa uma mãe ocupada (sob
pressão) com aquilo que ela não quer saber de si.

As crianças tendem a assumir a tarefa de reparar a mente disfuncional da mãe para que ela possa ser uma
mãe "suficientemente boa" para a criança. Exemplificando, lembrei-me de um desenho de uma caricatura na
qual estava uma mãe toda descabelada, possivelmente deprimida, e seu bebê lhe oferecia um pente para
arrumar o cabelo. Podemos dizer que quanto mais disfuncional é a mente da mãe, mais difícil será a relação
com sua filha. E quanto mais funcional for a mãe, entenda-se uma mãe que reconhece a existência de um
porão e não foge ao trabalho psíquico de reconhecimento de suas humanidades, mais presença e vivacidade
psíquica encontraremos na relação com sua filha que, nesse caso, pode ser reconhecida como alguém
diferente, separada da mãe.

Quanto mais uma mulher se dispõe a reconhecer suas dificuldades, seus fracassos, suas perdas, seus limites,
maior a chance de que sua filha não precise se ocupar do que não lhe diz respeito e seja reconhecida como
uma outra pessoa e não como uma continuidade da mãe.

Filiação Feminina

Mas por que as filhas e não os filhos são convocados a tão ingrata e infrutífera função? Justamente porque a
mãe se identifica com a filha e vice-versa, pertencem ao mesmo gênero e à linhagem feminina da família -
de mãe para filha. Os projetos da mãe para sua menina podem ter como característica a realização pela filha
do que foi frustrante na vida da mãe. A mãe, não aceitando o que não foi possível em sua vida, passa o
bastão a sua filha para que ela tenha quase que a obrigação de realizar planos de vida que pertencem à mãe.
Nesse caso não há o reconhecimento da individualidade da filha, há pouca diferenciação psíquica entre mãe
e filha, uma é quase que totalmente a extensão/continuidade da outra.

O desejo de toda menina é ser mãe, como a própria. A brincadeira preferida é "vamos brincar de mamãe e filhinha?"

O que mais impressiona nessa herança é que ela passa despercebida da consciência da dupla mãe-filha. No
consultório, casos com essa característica tendem a buscar análise por outros motivos: problemas no
trabalho, dificuldade de relacionamento com homens, falta de prazer sexual, sintomas físicos diversos,
transtornos alimentares, infertilidade sem causa aparente, etc. A relação com a mãe é idealizada, não há o
reconhecimento de que a fusão é um sério problema, uma complementa a outra. As queixas que mobilizam a
busca de análise são aparentemente desvinculadas do relacionamento mãe e filha.

À medida que o trabalho avança, vão aparecendo os projetos que são específicos da filha e que não são
compartilhados com a mãe; a partir desse momento podem começar intensas brigas ou simplesmente um
afastamento devido às diferenças e à individualidade da filha que está mais fortificada e definida.
Geralmente esse processo é acompanhado por um estranhamento, e a filha pode se perguntar: quem é essa
mãe que eu não conhecia, parece ser outra? A filha não tinha ousado ser ela mesma por intuir que isso
desagradaria intensamente a mãe, ou ainda, mais preocupante, a individualidade da filha pode ser um fator
de desorganização psíquica da mãe.

Cabe ressaltar que na história entre mães e filhas, quando esta se torna mais difícil, mais conflitiva, não há
vítimas nem algozes, apenas desencontro e tristeza. Há mães deprimidas, enlutadas, frustradas,
incompreendidas pelas próprias mães, avós de suas filhas. Há um elo de tristeza que abrange pelo menos três
gerações (avó, mãe e filha), dor e frustração de não ter sido amada e reconhecida. Não é possível oferecer a
uma filha o que não se tem, o que não se herdou da própria mãe ou não se adquiriu ao longo da vida. Mas há
possibilidade, há chance de que uma nova história seja construída, se essa herança esgarçada e inconsciente
puder ser elaborada e não depositada no porão da próxima geração.

Rupturas necessárias

No entanto, mesmo quando encontramos mães apropriadas de seu mundo psíquico, mães "suficientemente
boas", também observamos queixas, ressentimentos da filha em relação à mãe. Será esta uma relação
impossível? Não sejamos pessimistas, as queixas da filha em relação à mãe têm uma valiosa função: ajudar a
filha a se desprender da mãe. Como assim, isso é necessário? Sim, isso é extremamente necessário; a filha
precisa apropriar-se da sua vida, separar-se da mãe, individualizar-se. Até para ter um relacionamento mais
satisfatório com a própria mãe. Uma filha que fica fusionada, confundida com a mãe corre o risco de ver
naufragarem importantes projetos de vida, como a constituição de uma família ou o prazer de ser mulher que
é vivido na parceria com um homem.

É comum em algumas famílias que seja a filha, geralmente aquela que ficou solteira (mas não
necessariamente), a cuidar dos pais idosos ou membros doentes da família; também encontramos a
profissional bem-sucedida que vive apenas para o trabalho e é mantenedora do lar materno. Ter a liberdade
de usufruir da própria vida sem que isso seja uma deslealdade à mãe ou aos pais nem sempre é uma
conquista fácil, ou podemos até dizer que uma família que transite razoavelmente bem pela individualidade
de seus membros tende a ser exceção e não regra.

Dirão as feministas, aquelas que queimaram o soutien, que constituir uma família não é mais importante
para a mulher contemporânea. Não sejamos radicais, parece-me que hoje a vida profissional, a realização
como mulher e como mãe estão sempre implicadas e representam um sutil e instável equilíbrio entre
demandas diversas.

Podemos imaginar que eram felizes as nossas bisavós que foram simplesmente mães, não raro o fato de
abrirem mão da própria feminilidade, de não usufruírem do prazer de ser mulher? Considerando o risco da
nostalgia pelo passado que diante de nossa visão atual tende a, de maneira ilusória, parecer fácil, a vida da
mulher tornou-se mais rica e mais complexa. Maiores chances de realização em campos diversos, porém
tudo isso dá muito trabalho e nem sempre é possível atender de forma prazerosa e satisfatória a demandas
intensas e diferentes: mãe, mulher e profissional.
Além do fato de que se, há pouco tempo, as avós ainda tinham a honrosa função de ajudar com os netos,
hoje temos um esvaziamento desse lugar, já que muitas avós são profissionais bem-sucedidas. Lembro-me
da tristeza de uma avó médica ao relatar-me que naquele fim de semana não poderia ver seu neto, pois
estaria trabalhando, ou seja, é uma situação que tem perdas e ganhos para todos os envolvidos: avós, mães e
netos.

E por falar em avós, talvez também seja uma constatação do leitor de que a relação da neta com a avó tende
a ser mais fácil do que com a mãe. O que será que acontece? A distância de uma geração parece ter um efeito
favorável, o risco de confusões/fusões entre neta e avó é menor; justamente por isso a avó pode se entregar
emocionalmente mais à neta e vice-versa. É uma relação na qual a agressividade da filha na direção da mãe,
que tem a função de diferenciação, não é mais tão necessária, já que existe entre a neta e a avó a distância de
uma geração. Essa relação pode ser uma bem-vinda oportunidade para ambas realizarem um amor filial
feminino, mais livre de conflitos. As avós tendem a ser mais generosas e tolerantes com suas netas, e as
netas com as avós. Salvo exceções, é claro, há matriarcas que provocam um grande tumulto nas famílias.

Relações transformadoras

Retomando o título desse artigo - a difícil relação entre mãe-filha, o que realmente é difícil? Penso ser o fato
de que muitas vezes existe esse símbolo (-) conectando a dupla, ou seja, não há a transformação de mãe-filha
para mãe e filha, duas individualidades em parceria e não uma individualidade para dois ou um "eu" para
duas, uma vida para duas mulheres. É claro que sempre há um quantum indiferenciado entre mãe e filha.
Exemplificando: às vezes constatamos que algo de que tínhamos certeza que era apenas nosso, um
pensamento, um modo de compreender certa situação, um gesto característico, o jeito de andar, o tom da
voz, etc., alguém de fora da família, uma amiga, um namorado, comenta que é exatamente igual a nossa
mãe. Levamos um verdadeiro susto! Existem várias identificações entre uma mãe e uma filha que passam
despercebidas para ambas.

Não é possível oferecer a uma filha o que não se tem, o que não se herdou da própria
mãe ou não se adquiriu ao longo da vida
Vou relatar uma situação que presenciei no meu período de férias que
também exemplifica essa não diferenciação entre mãe e filha, mas
com a característica de fusão: estava uma avó passeando com seus
netos, quando solicitada socialmente a dizer o nome dos netos; diz e
insiste no nome dos próprios filhos até que uma amiga estranha a
situação e comenta: estes são os nomes dos seus filhos e não dos seus
netos! A avó fica surpresa, mas depois se dá conta de que aquela
situação realmente lembrava seus próprios filhos, pois era o mesmo
lugar a que ela os levava nas férias, e que seus netos, uma menina e
um menino, tinham a mesma diferença de idade de seus filhos e a
mesma personalidade. Uma geração transcorreu, mas a impressão
afetiva dessa avó é de que o tempo parou, que os netos são os filhos.
Desnecessário dizer que essa avó tinha dificuldades consideráveis no
relacionamento com a sua filha!

Essa colagem de gerações, essa diferenciação precária entre uma mãe


e uma filha, pode provocar inúmeras situações conflitivas ou, de uma
maneira ainda mais nefasta, gerar uma situação na qual a mãe e a
filha não conseguem se separar, unidas até que a morte as separe. São
filhas que após a morte da mãe chegam ao consultório extremamente
deprimidas, não encontrando o sentido de sua vida; morreram junto
com a mãe. Toda menina precisa ser arrancada
dos laços estabelecidos com sua mãe;
Essas são situações extremas nas quais fica evidente o que em a função paterna é separar a menina
situações não tão intensas pode passar despercebido: a dificuldade na do corpo/psiquismo oceânico da mãe
separação psíquica entre uma mãe e uma filha, a constituição da individualidade de cada uma. Essa
individualidade nunca é total, mas é condição de realização de uma mulher que também pode ser mãe e
profissional.

Aos cinco anos queremos calçar os sapatos da mamãe, usar sua maquiagem, seus perfumes, suas roupas. Na
adolescência achamos nossa mãe cafona, ultrapassada. As amigas são muito mais interessantes e as mães das
amigas também podem ser boas confidentes, já que não são a nossa mãe. As críticas à mãe, muitas vezes
ferozes, modificam-se apenas quando a filha se torna ela mesma mãe; a partir desse momento o
relacionamento entre mãe e filha pode se transformar em uma parceria mais plena.

Identificar aspectos difíceis em uma relação entre mulheres, geração após geração, não
a torna menos prazerosa e realizadora

Há filhas que após a morte da mãe chegam ao consultório extremamente deprimidas; sem
achar sentido na própria vida
O relacionamento com uma filha pode ser muito gratificante, se a mãe conseguir ser próxima e distante ao
mesmo tempo. Aceitar que sua menina ou sua adolescente precisa disputar atributos femininos com a mãe
em um misto de admiração e reprovação. Os contos de fadas são bons exemplos do que pode acontecer na
intimidade do relacionamento entre mãe e filha, principalmente no que se refere à rivalidade. As produções
culturais fazem parte da formação simbólica de muitas gerações, por isso, são terrenos férteis para
demandas inconscientes que encontram aí uma representação.

Era uma vez...

Toda boa história instiga a pensar sobre várias vertentes, talvez até infinitas possibilidades de articulações,
mas vamos nos ater a uma faceta do conto Branca de Neve: a beleza feminina na sua doçura, fascinação e
tormento e que muitas vezes é objeto de disputa entre mães e filhas.

A madrasta nos contos de fadas é uma representação dos sentimentos hostis entre mãe e filha que precisam
ser distanciados, não é a mãe e sim uma substituta, para serem expressos. No conto de fadas há uma riqueza
de opostos, de cisões extremadas que comportam intensos sentimentos de amor e ódio: a mãe idealizada da
primeira infância e a madrasta má que revela sem pudor sua rivalidade feminina - ela é má, invejosa, dizem
o caçador e os anões.

O conto oferece um continente psíquico para o intenso trabalho de elaboração que é demandado na trajetória
feminina para aproximar e integrar esses sentimentos - nossa amada mãe é também nossa maior rival. Como
compartilhar do amor de um mesmo homem - pai e marido! Desafio travado com culpas inevitáveis e no
qual a beleza pode ser um trunfo mortífero.

Branca de Neve é desejada bela pela mãe: a pele branca como a neve e os olhos negros como ébano. No
adolescer de sua beleza transforma-se em uma linda moça que sonha com seu príncipe que a arrancará da
tirania de sua madrasta/mãe.

Arrancar, violar, raptar são situações que fazem parte do imaginário feminino. Toda menininha precisa ser
arrancada dos laços simbióticos estabelecidos com sua mãe, essa é a importância da função paterna, separar
a menina do corpo/psiquismo oceânico da mãe. Função que é transmitida pelo pai ao seu acordado sucessor.
É o pai que consente com a solicitação do pretendente à mão da filha em casamento, acompanhando-a ao
altar onde a transmissão ritualizada se dá.

Branca de Neve é salva, resgatada sempre por personagens masculinos: o caçador que preserva sua vida e
diz para ela fugir e se esconder, os anões (homenzinhos) que a acolhem e protegem, e por fim o príncipe que
a acorda para o desejo e a sexualidade adormecida.

Espelho, espelho meu, existe alguém no mundo mais bela do que eu?
Sua beleza é grande minha rainha, mas Branca de Neve é mais bela
ainda. O projeto de vida da rainha/mãe é o efêmero da beleza, tão
comum na contemporaneidade. Diante de uma demanda narcísica e
frágil não é possível envelhecer e dar lugar à filha, não é possível
lembrar-se que a filha foi desejada bela para sucedê-la. O luto da
sucessão entre gerações, da passagem do tempo, nem sempre é possível
devido a pendências narcísicas aprisionantes - o desejo envenenado da
maçã. Nessa situação a mãe não admite uma sucessão, complicando o
relacionamento mãe e filha. Não é incomum vermos nas ruas ou na
porta das escolas, mães que se vestem, e algumas se comportam,
exatamente igual a uma adolescente - a mãe de microssaia e a filha com
um jeans bem comportado. A "mãe adolescente" já na faixa dos quarenta não dá espaço para que a filha viva
seu adolescer. Nesses casos constatamos um amadurecimento precoce da filha, que passa a ser mais
responsável que a mãe, ou pode acontecer uma triste inversão: a filha tornar-se mãe da mãe.

A beleza, tão almejada pelas mulheres, pode apenas ser apreciada quando não é objeto de trunfo, de disputa
entre mães e filhas; quando comporta diferenças, parcialidades e quando há o reconhecimento da sucessão
das gerações, da passagem do tempo. Beleza liberta das algemas narcísicas: a mais bela, a única, imortal e
atemporal.

Entre uma mãe e uma filha há a beleza e a feiúra, a bela


rainha e a bruxa má. Toda mãe é rainha, madrasta e
bruxa. Toda filha é sonhada bela para suceder a mãe. A
beleza da filha pode ser apreciada e sustentada
prazerosamente por uma mãe que pode ser uma bela
mulher madura - como a rainha, entre muitas outras
belas mulheres. Compartilhar belezas é possível a partir
de um certo estatuto psíquico que implica a capacidade
de entristecer, de envelhecer, de pensar na finitude e na
infindável sucessão de gerações, na qual somos apenas
um elo.

A relação entre uma mãe e uma filha tem sempre


aspectos difíceis, é verdade, mas quem disse que o difícil As avós tendem a ser mais generosas e tolerantes
também não é surpreendente, realizador e prazeroso? com suas netas, e as netas com as avós

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