011434-6, de Chapecó Relator: Des. Subst. Luiz Felipe Schuch
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REGRESSO
CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PEDIDO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVAS CAPAZES DE DERRUIR A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA APRESENTADA PELA AGRAVANTE. PROPRIEDADE DE BEM MÓVEL INSUFICIENTE PARA REPELIR O QUADRO DE HIPOSSUFICIÊNCIA APRESENTADO. PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES DO BENEFÍCIO. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "Se a parte alega que não tem condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio ou de sua família, e havendo nos autos elementos suficientes para corroborar tal afirmação, não há motivos para que o pedido de gratuidade judiciária seja negado, sobretudo para o exato cumprimento da garantia constitucional timbrada no art. 5º, inc. LXXIV, assegurando que 'o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos'". (AI n. 2015.014906-1, de Criciúma, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 3-9-2015).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
n. 2016.011434-6, da comarca de Chapecó (2ª Vara Cível), em que é agravante Jéssica Czarnobai e agravada Juliana Carlet:
A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por unanimidade,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para conceder à agravante o benefício da justiça gratuita. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador João Batista Góes Ulysséa, com voto, e dele participou o Desembargador Substituto José Maurício Lisboa. Chapecó, 6 de junho de 2016. Luiz Felipe Schuch RELATOR
Gabinete Des. «Relator atual do
processo sem tratamento» RELATÓRIO
Jéssica Czarnobai interpôs recurso de agravo de instrumento contra
decisão proferida nos autos da ação de regresso cumulada com indenização por danos morais e materiais n. 0306778-88.2015.8.24.0018, requerida em face de Juliana Carlet perante o Juízo da Segunda Vara Cível da comarca de Chapecó, a qual indeferiu seu pedido de justiça gratuita. Enfatizou o desacerto do pronunciamento hostilizado em decorrência de não ter condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo do próprio sustento. Afirmou que a concessão da benesse tem fundamento na Lei n. 1.060/1950, na Constituição Federal e na pacífica jurisprudência, destacando que os documentos apresentados são suficientes para amparar sua pretensão. Ressaltou estar desempregada, não possuir bens imóveis registrados em seu nome, ser proprietária apenas de um veículo popular de baixo valor econômico, assim como residir com seus pais, pois desde o momento que concluiu seus estudos não logrou êxito em obter um emprego formal. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela recursal e, ao final, a reforma da decisão recorrida. Recebido o recurso, este relator admitiu seu processamento, concedeu a almejada tutela de urgência e determinou a intimação da parte agravada para apresentar contraminuta (fls. 38-40). Nada foi apresentado, alegado ou requerido (certidão de fl. 46). Na sequência, retornaram os autos conclusos para julgamento. É o necessário relatório.
VOTO
De início, assinala-se que, não obstante a existência de outros feitos
mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do Gabinete Des. «Relator atual do processo sem tratamento» presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Ademais, devido à própria essência do agravo de instrumento e ao efeito prejudicial que a demora no seu julgamento pode provocar no andamento do processo em que a decisão recorrida foi proferida, seria ilógico que um recurso dessa natureza tivesse tratamento igual ao conferido à apelação (classe recursal que ocupa aproximadamente 90% do acervo desta Câmara) no que tange ao “tempo de espera” para análise pelo órgão colegiado. Registrada essa premissa e satisfeitos os requisitos legais de admissibilidade, conhece-se da irresignação e passa-se a enfrentar o seu objeto. Inicialmente, frisa-se que "o recurso de agravo de instrumento se presta apenas para verificar o acerto ou desacerto da decisão hostilizada, nos limites em que foi dada, sem adentrar ao mérito da lide ou resolver questões não levadas ao conhecimento do Togado singular" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.035333-4, de Palhoça, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. 29-5-2014). Pois bem. Ao analisar o pronunciamento combatido, verifica-se ter a Magistrada singular indeferido o benefício da justiça gratuita sob o argumento de que "a autora é proprietária de um veículo Citroen/C3 EXC 16 A Flex, placas MIE-8635, devidamente quitado (não consta gravame anotado no registro). Tal situação é incompatível com o alegado desemprego e ausência total de renda e demonstra, por si só, que a autora não se enquadra no conceito de pobreza, tendo sim condições para arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família" (fl. 12). Nesse palmilhar, é cediço a possibilidade de relativizar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência firmada pela requerente, quando Gabinete Des. «Relator atual do processo sem tratamento» aportam aos autos elementos que comprovem sua capacidade de custear a demanda. Assim, revela-se lícito ao julgador, inclusive, condicionar a concessão do benefício ou a continuidade da sua percepção à demonstração concreta da ausência de recursos financeiros. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "embora milite em favor do declarante a presunção acerca do estado de hipossuficiência, esta não é absoluta, podendo o magistrado negar o benefício pleiteado, quando não se encontrar convencido do estado de miserabilidade da parte". (STJ, AgRg no Ag 1.262.528/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 2-12-2014). Ocorre que, na hipótese presente, a denegação não se revela adequada, remanescendo verossímeis as alegações apresentadas quando do pedido de concessão do benefício, ainda mais porque não foram derruídas de plano. Com efeito, os documentos apresentados nesta insurgência comprovam a alegada hipossuficiência, na medida em que a recorrente não é proprietária de nenhum bem imóvel (certidão de fl. 31) e possui apenas um bem móvel registrado em seu nome (certidão de fl. 32 – preço médio do automóvel em questão na tabela Fipe R$ 26.549,00), estando atualmente desempregada, conforme cópia da carteira de trabalho anexa (fls. 21-24). Ademais, mutatis mutandis, "a existência de bens imóvel e móvel em nome do apelado e a percepção de renda mensal razoável, por si só, não obstam a concessão do benefício erigido na Lei n. 1.060/50, se ausente prova da capacidade econômica daquele, relativamente ao custeio dos encargos do processo" (TJSC, Apelação Cível n. 2004.031061-1, de Orleans, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 7-10-2005). De qualquer modo, ressalta-se, "no particular, que não se exige da parte absoluta condição de miserabilidade para que tenha o benefício deferido, bastando que o postulante não possua renda suficiente para honrar o pagamento Gabinete Des. «Relator atual do processo sem tratamento» das despesas do processo sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, não se me afigurando razoável que, para ver garantido seu direito de acesso à Justiça, deva se desfazer de algum bem a fim de possuir liquidez para fazer frente às custas processuais". (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.014906-1, de Criciúma, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 3-9-2015). Até porque, a Constituição Federal consagrou o amplo acesso à prestação jurisdicional (art. 5º, inciso LXXIV), de modo que a simples declaração de hipossuficiência subscrita pela parte, afirmando não possuir condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio ou de sua família, adquire, como dito alhures, presunção relativa de veracidade e afigura-se suficiente para a concessão da gratuidade de justiça. Em situações semelhantes, julgou este Sodalício: PROCESSUAL CIVIL - JUSTIÇA GRATUITA - DENEGAÇÃO DA BENESSE EM 1º GRAU - INCONFORMISMO - HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA - DEMONSTRAÇÃO - BENEFÍCIO DEFERIDO - DECISUM REFORMADO - RECLAMO PROVIDO. A parte tem direito aos benefícios da justiça gratuita quando não possuir condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios sem prejuízo próprio e de sua família. (Agravo de Instrumento n. 2015.016830-8, de Criciúma, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 17-9-2015).
PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL
SECURITÁRIA. SFH. JUSTIÇA GRATUITA. LEI N.º 1.060/50. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO A QUO. PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA. CF, ART. 5º, LXXIV. REQUISITOS AUTORIZADORES DO BENEPLÁCITO POR ORA PRESENTES. INEXISTÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA EM SENTIDO CONTRÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. A teor do § 1º do art. 4º da Lei n.º 1.060/50, basta à parte, pessoa natural, que entende estar enquadrada na hipótese legal acima requerer ao juízo o benefício da justiça gratuita por meio de declaração de hipossuficiência de recursos. 2. Nada impede que essa presunção juris tantum seja derruída pela parte adversa através do incidente próprio ou mesmo através das contrarrazões de recurso, evidentemente, com provas que dêem alicerce ao insurgimento. Desaconselhável, por se traduzir numa lamentável negativa de jurisdição, o indeferimento de plano pelo julgador. (Agravo de Instrumento n. 2015.015731-2, de Lages, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 15-9-2015).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. DECISÃO
Gabinete Des. «Relator atual do processo sem tratamento» QUE INDEFERIU O PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE AUTORIZAM A CONCESSÃO DA BENESSE. INTELIGÊNCIA DO ART. 4º, DA LEI N. 1.060/50. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Comprovado documentalmente que a parte não possui bens que externem sinais de riqueza, mas, apenas, possui em seu patrimônio bens que lhe permitem viver com dignidade, a concessão da gratuidade da justiça é medida que se impõe, mesmo porque não se pode exigir a miserabilidade do litigante para a concessão do benefício. (Agravo de Instrumento n. 2011.016857-1, da Capital, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 29-8-2011).
E também o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA (LEI N. 1.060/50) - DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INAFASTABILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - FORMULAÇÃO DO PEDIDO A QUALQUER TEMPO E GRAU DE JURISDIÇÃO, MEDIANTE SIMPLES PETIÇÃO - PRESUNÇÃO (RELATIVA) DE MISERABILIDADE EM FAVOR DO POSTULANTE - AUSÊNCIA DE ANÁLISE DO PEDIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - PRESUNÇÃO FAVORÁVEL AO REQUERENTE - OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA - PRECEDENTES - DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO E CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO - NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO, PARA TAIS FINS, COM APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE (ART. 257 DO RISTJ). I - Em decorrência do princípio constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional, é admitida a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita às partes, nos termos da Lei n. 1.060/50; II - O benefício da assistência judiciária pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente para sua obtenção que a pessoa física (ou entidade filantrópica ou de assistência social), afirme não possuir condição de arcar com as despesas do processo, havendo presunção legal juris tantum (relativa) de miserabilidade em favor do postulante; III - É certo que a parte ex adversa, contudo, pode demonstrar a inexistência do estado de miserabilidade, ou mesmo o Magistrado ou Tribunal indeferir o benefício, caso encontrem elementos que infirmem a hipossuficiência do requerente, não sendo esse o caso dos autos; IV - Na falta de exame expresso, pelo Juiz ou Tribunal, do pedido de justiça gratuita, e, aplicando-se o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, tem-se por deferido o benefício, em favor da facilitação do acesso à Justiça; V - Recurso especial provido. (REsp 1.185.599/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 15-5-2012).
PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. TURMA
processo sem tratamento» [...]. 3. O benefício da gratuidade da justiça, que consiste na dispensa provisória do pagamento de despesas, custas e taxas referentes ao processo, possui natureza híbrida (caráter material-processual). Malgrado o deferimento da benesse esteja vinculada a um processo judicial, encontra-se inserido no conceito de assistência jurídica integral e gratuita, direito subjetivo insculpido no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, tendo como objetivo garantir o acesso dos mais desfavorecidos à prestação da efetiva tutela jurisdicional. 4. Viável, portanto, o ajuizamento da presente reclamação, já que a controvérsia acerca da concessão do benefício da justiça gratuita atinge a esfera jurídico-material da parte, não se tratando de instituto que se restringe à questão meramente instrumental ou adjetiva. 5. No mérito, não merece guarida a pretensão porque o aresto reclamado, em momento algum, contrapôs-se à jurisprudência consolidada desta Corte de que a declaração de hipossuficiência firma em favor do requerente a presunção juris tantum de pobreza, circunstância suficiente para a concessão da gratuidade da justiça, apenas ressaltou que se permite ao magistrado indeferir o pedido de justiça gratuita diante da ausência de comprovação dos requisitos necessários à concessão da benesse. Precedente. 6. Reclamação improcedente. Liminar cassada. (Rcl 4.909/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 22-6-2011).
Desse modo, o contexto dos autos revela a hipossuficiência da
requerente, não havendo motivos para duvidar da declaração apresentada. Por oportuno, em qualquer momento processual, advindo novas provas ou alteração da situação econômica/financeira da agravante, poderá ser impugnada a concessão da benesse, nos termos do art. 100 do Código de Processo Civil. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para conceder à agravante o benefício da justiça gratuita. É o voto.