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DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA
MARÍTIMA
BRASILEIRA
(Editada desde 1851)

v. 129 n. 04/06
abr./jun. 2009

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt


Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 129 n. 04/06 p. 1-320 abr. / jun. 2009
A Revista Marítima Brasileira, a partir desta edição,
passa a adotar o Acordo Ortográfico de 1990, com base no
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editada pela
Academia Brasileira de Letras – Decretos nos 6.583, 6.584 e
6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha.


–– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro:
Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943.


Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. M A R I N H A — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação


Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359 .005


COMANDO DA MARINHA
Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA
Almirante de Esquadra Marcos Martins Torres

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA


Vice-Almirante (EN-RM1) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA


Corpo Editorial
Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor)
Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva
Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro
Jornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

Diagramação/Assinatura/Distribuição
Celso França Antunes

Departamento de Publicações e Divulgação


Capitão de Fragata (T) Ivone Maria de Lima Camillo

Apoio Administrativo e Expedição


Suboficial-CN Maurício Oliveira de Rezende
Suboficial-MT João Humberto de Oliveira
Segundo-Sargento-SI José Alexandre da Silva
Ilda Lopes Martins

Impressão / Tiragem
Prelo Artes Gráficas e Fotolito / 7.000
A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial da MARINHA DO BRASIL desde
1851. Entretanto, as opiniões emitidas em artigos são da exclusiva responsabilidade de seus autores. Não
refletem, assim, o pensamento oficial da MARINHA. É publicada, trimestralmente, pela DIRETORIA DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As matérias publicadas nesta
Revista podem ser reproduzidas, desde que citadas as fontes.

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do exterior, por vale postal
SUMÁRIO

9 NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE


PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO
Julio Soares de Moura Neto – Almirante de Esquadra – Comandante da Marinha
Aspectos estratégicos. Submarinos convencionais e nucleares – significado da sua posse.
Avanço tecnológico para o País

17 UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASIL


José Maria do Amaral Oliveira – Almirante de Esquadra (Refo)
Encerramento da série – homenagem ao autor

19 O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL (XXII)


Mário Jorge da Fonseca Hermes – Almirante de Esquadra (Refo)
Julgamento da opinião pública. Comissões do Exército, da Marinha e do Congresso.
Veredicto da história – Resgate da honra do Almirante Kimmel pelo Congresso dos EUA.
Encerramento da série – homenagem ao autor

35 A GUERRA DAS CHATAS


Luiz Edmundo Brígido Bittencourt – Vice-Almirante (Refo)
Concentração dos aliados – Combate de Corales. Consequências de Riachuelo. A chata
artilhada – duelos de artilharia. Morte de Mariz e Barros

48 A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O


PARAGUAI
Armando Amorim Ferreira Vidigal – Vice-Almirante (Refo)
A tecnologia disponível na época. Esforço na construção naval. Uma batalha decisiva
– Riachuelo. Preço da guerra – 50 mil mortos

55 OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR


Ilques Barbosa Junior – Contra-Almirante
Importância do conhecimento sobre o oceano. Estudos da oceanopolítica – conceitos e
pesquisas. Poder Marítimo – teoria e prática

69 ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA


Roberto Gama e Silva – Contra-Almirante (Refo)
O elevado tirocínio do Marquês de Pombal na anexação da Amazônia. Estratégia aplicável
aos dias de hoje – sugestões de instalação de unidades da Marinha em pontos estratégicos

76 O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO


Adalberto Casaes Júnior – Contra-Almirante (RM1)
Por que um submarino nuclear? Antecedentes – os principais desafios. Alternativa para
a base de submarinos – a formação e o preparo do pessoal

93 A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO


ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO
Sylvio dos Santos Val – Professor
Resumo histórico de Napoleão – despreparo da França no mar diante da Inglaterra. A
geopolítica sobre Napoleão
104 MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS
Eduardo Ítalo Pesce – Professor
A Marinha na Estratégia Nacional de Defesa. Reaparelhamento da Marinha – constru-
ções e perspectivas

121 O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA


Sergio Lima Ypiranga dos Guaranys – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Modo meticuloso e completo de raciocínio para o exercício do comando – iniciativa,
criatividade, talento

126 POR QUE FERNANDO DE NORONHA?


– Voo 447 da Air France
Milton Sergio Silva Corrêa – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
O acidente com avião da Air France. Fernando de Noronha – ponto a se aproveitar na
Estratégia de Defesa do Brasil – projeto desenvolvido e não executado

128 A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA


Fernando Malburg da Silveira – Capitão de Mar e Guerra (Refo)
Interesse da indústria nacional. Escassez de recursos orçamentários. Aspiração das
Forças Armadas. O Estado como regulador na atividade econômica produtiva – a parceria com
o governo

142 SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL


Germano de Freitas – Capitão de Mar e Guerra (IM-RM1)
Resumo sobre a Independência. Ameaças à soberania da Nação – demarcação de terras
indígenas – ONGs – cobiça sobre a Amazônia

147 ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)


Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (RM1)
Biografia resumida. Influência na mentalidade marítima – estratégia – poder marítimo.
Pensador que influiu na história das nações

174 A EVOLUÇÃO DA GUERRA


Antonio Luiz Porto e Albuquerque – Capitão de Fragata (RM1)
A guerra naval antes do emprego do canhão
História marítima com a evolução das embarcações. Técnicas empregadas – alterações
de conceito, estratégia e tática
A guerra na idade moderna
A guerra terrestre. Evolução na guerra naval com o emprego do canhão

199 EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL


Natália Morais Corrêa Borges de Aguiar – Capitão de Corveta (T)
Discussão da avaliação institucional na educação, em busca de propostas e alternativas.
Sistemas de Avaliação da Escola Básica e do Ensino Superior – evolução conceitual

207 A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS


OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS – COMO O BRASIL SE PREPAROU
PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929
Jeisom de Melo Fajardo – Capitão-Tenente (IM)
A atual crise econômica e os choques no sistema financeiro do mundo. Análise da
eficiência da regulação prudencial brasileira; verificação de como o governo vem mantendo
o sistema financeiro nacional saudável
218 ULTIMA RATIO
Helio Leoncio Martins – Aspirante
Análise da conjuntura mundial em 1934 e sugestão para o Brasil se armar – previsão feita
cinco anos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial

220 ARTIGOS AVULSOS


220 O BOMBARDEIO DE ALVEAR
Antonio Gonçalves Meira – Coronel (Refo)
Relato de bombardeio da cidade argentina por monitores da Flotilha do Alto Uruguai,
em 1878
221 A NACIONALIZAÇÃO DE ITENS DE SUPRIMENTO NO CENTRO
LOGÍSTICO DA AERONÁUTICA
Marcos André Westphalen Palma – Capitão de Corveta (EN)
Carlos Fernandes da Silva Junior – Capitão de Corveta (IM)
Acordo da Marinha com a Força Aérea para aproveitamento da sistemática utilizada pela
FAB a fim de nacionalizar itens de suprimento utilizados em meios navais

225 CARTAS DOS LEITORES


Relato de viagem do Cruzador Barroso a Imbituba – SC, em 1964

233 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL


Oficial moderno entusiasmado, em inspeção particular noturna, rende oficial superior
que realizava serviço
Comandante de navio se aborrece com manifestação involuntária da guarnição em faina
de lona e areia

236 DOAÇÕES AO SDM

238 NECROLÓGIO

241 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

250 REVISTA DE REVISTAS


Sinopses de matérias selecionadas em publicações, entre mais de meia centena –
recebidas e lidas –, do Brasil e do exterior

270 NOTICIÁRIO MARÍTIMO


Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil, de outras Marinhas,
incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima
COLETA DE FONTES
PARA A HISTÓRIA

A Diretoria do Patrimônio Histórico e


Documentação da Marinha (DPHDM) está
interessada em receber correspondência pri-
vada, original ou cópia, de oficiais e praças que
participaram de acontecimentos relevantes da
História do Brasil ou da Marinha, tais como em
campanha nas guerras mundiais ou em missões
de manutenção de paz. Diários, memórias e
fotografias também são bem-vindos.
A DPHDM necessita desse material para
futuras pesquisas de historiadores. Para even-
tual divulgação, a Diretoria se compromete a
solicitar permissão ao próprio autor ou aos
seus familiares, cumprindo a legislação em
vigor.
NOSSA CAPA

A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE


PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO*
JULIO SOARES DE MOURA NETO
Almirante-de-Esquadra
Comandante da Marinha

SUMÁRIO

Aspectos estratégicos
Submarinos convencionais e submarinos nucleares
Submarinos na estratégia naval brasileira
O significado da posse do submarino nuclear
O salto tecnológico
O desenvolvimento de uma indústria nacional de defesa
Conclusão

A grandeza e a abrangência dessa cons- sa, que levará o País à autossuficiência no


trução obrigam que sua análise seja des- projeto e na fabricação do seu próprio ma-
dobrada segundo, pelo menos, três verten- terial militar.
tes principais: a estratégica, que estabele-
ce sua razão de ser; a tecnológica, que sig- ASPECTOS ESTRATÉGICOS
nifica uma mudança de patamar para o Bra-
sil; e sua contribuição para o desenvolvi- No contexto da guerra naval, o submari-
mento de uma indústria nacional de defe- no é o meio que, dentre todos, apresenta a

* Artigo publicado na página oficial da Marinha do Brasil na internet (www.mar.mil.br).


NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

melhor razão custo/benefício. Sua vanta- Para os convencionais, a fonte de ener-


gem determinante resulta da capacidade de gia é o óleo diesel, combustível que faz
ocultação, o que, em termos bélicos, signi- funcionar os conjuntos de motores diesel
fica surpresa, um dos grandes fatores de e geradores elétricos. A energia por eles
força em qualquer confronto. Radares nada gerada é, então, armazenada em grandes
detectam abaixo d’água e, das formas co- baterias, que, no total, pesam 250 tonela-
nhecidas de energia, a única que conse- das. Além de atender a todas as demandas
gue se propagar significativamente na mas- da vida a bordo, essa energia é aplicada em
sa líquida é a energia acústica. Assim, so- um motor elétrico de propulsão, garantin-
mente as ondas sonoras emitidas por do o deslocamento do submarino.
sonares podem, em tese, permitir a detecção No caso dos convencionais, a capaci-
do submarino. Entretanto, por força das dade de ocultação tem que ser periodica-
próprias leis da física, a propagação acús- mente quebrada, uma vez que necessitam,
tica, no mar, não se dá em linha reta, mas a intervalos, recarregar suas baterias. Para
segundo determinados padrões, em fun- tanto, devem se posicionar próximo à su-
ção de parâmetros mensuráveis, gerando perfície do mar e, por meio de equipamento
grandes “zonas de sombra”, onde o som especial, denominado esnórquel, aspirar o
não penetra com intensidade apreciável. A ar atmosférico, para permitir o funciona-
diligente exploração do fenômeno permite mento dos motores diesel e a renovação
ao submarino confundir-se com o meio do ar ambiente. Nessas horas, em função
ambiente em que opera, preservando a das partes expostas acima d’água, tornam-
ocultação e desequilibrando a contenda a se vulneráveis, podendo ser detectados
seu favor, de tal sorte que é necessário um por radares de aeronaves ou navios. Para
conjunto de meios navais de superfície e limitar tal exposição, devem economizar
aeronavais para se contrapor, com alguma energia ao máximo, o que lhes limita a mo-
chance, a um único submarino. bilidade. Por isso, são empregados segun-
É por causa dessa superioridade intrín- do uma estratégia de posição, isto é, são
seca, resultante da capacidade de posicionados em uma área limitada, onde
ocultação, que o submarino se tornou, his- permanecem em patrulha, a baixa velocida-
toricamente, a arma de quem tinha que en- de. Em razão disso e graças a suas reduzi-
frentar um oponente que dominava os ma- das dimensões, que lhes permitem mano-
res, como bem exemplifica a opção alemã, brar em águas muito rasas, são normalmente
em duas guerras mundiais, e a da União empregados em áreas litorâneas. A depen-
Soviética, durante a Guerra Fria. Releva dência do ar atmosférico e a baixa mobili-
notar, no entanto, que, se, por um lado, o dade são as grandes limitações dos sub-
submarino pode neutralizar forças navais marinos convencionais.
muito superiores, não pode substituí-las Para os nucleares, a fonte de energia é
em seus respectivos misteres. um reator nuclear, cujo calor gerado vapo-
riza água, possibilitando o emprego desse
Submarinos convencionais e vapor em turbinas. Dependendo do arran-
submarinos nucleares jo peculiar de cada submarino, as turbinas
podem acionar geradores elétricos ou o
Quando se fala em submarinos, há que próprio eixo propulsor. Naturalmente, em
separá-los em duas grandes categorias: a qualquer caso, produzem toda a energia ne-
dos convencionais e a dos nucleares. cessária à vida a bordo.

10 RMB2 oT/2009
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Diferentemente dos submarinos con- primento de sua missão constitucional de


vencionais, os nucleares dispõem de ele- defender a soberania, a integridade territorial
vada mobilidade. São fundamentais para a e os interesses marítimos do País, tornava-
defesa distante das águas oceânicas se mister dispor, também, de submarinos
(águas profundas). Por possuírem fonte nucleares. Aqueles, em face de suas peculi-
virtualmente inesgotável de energia e po- aridades, para emprego preponderantemen-
derem desenvolver altas velocidades, por te em áreas litorâneas, em zonas de patrulha
tempo ilimitado, cobrindo rapidamente áre- limitadas. Estes, graças à excepcional mobi-
as geográficas consideráveis, são empre- lidade, para a garantia da defesa avançada
gados segundo uma estratégia de movi- da fronteira marítima mais distante.
mento. Em face dessas características, po- Em face da necessidade estratégica, por
dem chegar a qualquer lugar em pouco tem- um lado, e, por outro, do apartheid tecno-
po, o que, na equação do oponente, signi- lógico que sempre negou a países periféri-
fica poder estar em todos os lugares ao cos o desenvolvimento das tecnologias as-
mesmo tempo. O submarino nuclear é sim- sociadas ao domínio do átomo, a Marinha do
plesmente o “senhor dos mares”. Brasil (MB) decidiu desenvolver, de maneira
autóctone, a tecnologia de construção de
Submarinos na submarinos nucleares.
estratégia naval Assim, desde o fi-
brasileira nal da década de 1970,
O submarino nuclear é conduz, nas depen-
Logo cedo, a Mari- simplesmente o “senhor dências de seu Centro
nha do Brasil (MB) en- dos mares” Tecnológico da Mari-
tendeu a importância nha, em São Paulo, um
desses meios, tanto programa de desenvol-
que possui submersíveis em seu inventário vimento de tecnologia nuclear, visando, por
desde 1914, o que coloca nossa Força de um lado, ao domínio do ciclo do combustí-
Submarinos entre as mais antigas do mundo. vel nuclear, que logrou êxito em 1982, e, por
Ao longo dos primeiros 75 anos, nossas uni- outro, à construção de um protótipo de rea-
dades eram construídas em outros países: tor nuclear capaz de gerar energia para fazer
inicialmente, na Itália, do princípio até os anos funcionar a planta de propulsão de um sub-
1950, quando passamos a operar submari- marino nuclear, o que ainda não está pron-
nos americanos. A partir da década de 1970, to, com operação prevista para 2013.
tendo os Estados Unidos descontinuado a Paralelamente, para capacitar-se a cons-
produção de convencionais, passamos a ad- truir submarinos, na mesma época cuidou
quiri-los da Grã-Bretanha; e, desde o final de obter, na Alemanha, a transferência de
dos anos 1980, operamos submarinos de tecnologia de construção de submarinos,
modelo alemão, um deles fabricado na Ale- empregando, para tanto, o projeto do sub-
manha e quatro, no Brasil. marino IKL-209, à época o modelo mais
Considerando a vastidão do Atlântico vendido no mundo. Foram, assim,
Sul, natural teatro de nossas operações na- construídos um submersível nos estalei-
vais, e a magnitude de nossos interesses no ros da HDW, em Kiel, e quatro no Arsenal
mar, a Marinha constatou, desde logo, que, de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), co-
no que tangia a submarinos, a posse de con- locando a MB no limitado rol dos países
vencionais não era o bastante. Para o cum- construtores desses engenhos.

RMB2 o T/2009 11
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Não obstante ter logrado êxito na cons- rinha. Mesmo entre os anos de 1994 a 2006,
trução, falta à Marinha a capacidade de de- quando se constatou a insuficiência de re-
senvolver projetos de submarinos. O cami- cursos de outras fontes governamentais, a
nho seguido pelas potências que produzem MB cuidou de mantê-lo vivo, ainda que em
submarinos nucleares foi o de, a partir do estado quase vegetativo, com o sacrifício
pleno domínio do projeto de convencionais, exclusivo do orçamento da Força. Se tives-
evoluir, por etapas, para um submarino nu- se sido descontinuado, o custo da retoma-
clear, cujos requisitos, em termos de da seria simplesmente impagável. A mudan-
tecnologia e controle de qualidade, supe- ça havida, a partir de 2007, foi o aporte de
ram em muito aqueles de um convencional. mais recursos governamentais, fruto de
Assim, o caminho natural para o Brasil se- nova visão política da atual administração
ria, da mesma forma, o de desenvolver su- de mais alto nível do País.
cessivos protótipos, até que se chegasse a Mesmo assim, a mencionada alteração no
um projeto adequado, para abrigar uma plan- status quo é anterior à revelação das desco-
ta nuclear. Como não se dispõe do tempo bertas do pré-sal, que, no entanto, só fazem
nem dos recursos ne- enfatizar ainda mais sua
cessários para tanto, a necessidade. Mais de
solução delineada pela 90% do nosso petróleo
MB, no intuito de, com – 2 milhões de barris por
segurança, saltar eta- dia – são extraídos do
pas, foi a de buscar par- mar. Da mesma forma,
cerias estratégicas com mais de 95% do nosso
países detentores de comércio exterior – cer-
tais tecnologias e que ca de US$ 300 bilhões,
estivessem dispostos a entre exportações e im-
transferi-las. No nosso portações – são trans-
caso, tendo em vista o portados por via maríti-
processo evolutivo in- ma. Também as nossas
dispensável, a parceria águas jurisdicionais,
teria que ser buscada junto a países que que costumamos chamar de Amazônia Azul,
produzissem, simultaneamente, submarinos contêm, na imensidão da massa líquida e do
convencionais e nucleares. Depois de lon- vasto território submerso de milhões de qui-
go e acurado processo de escolha, a França lômetros quadrados, riquezas biológicas e mi-
foi o país selecionado. nerais, largamente ameaçadas pelas explora-
ção predatória e cobiça internacional.
O significado da posse do submarino Como se vê, os interesses marítimos do
nuclear Brasil são de tal magnitude que exigem fi-
car confiados à proteção da Marinha. A
Desde a divulgação das notícias refe- falta de meios de defesa para tanta riqueza
rentes ao petróleo existente no pré-sal, é pode acabar se constituindo em convite a
comum que se pergunte se tais descober- determinadas ações lesivas à soberania na-
tas influíram na retomada do investimento cional. Daí a necessidade de uma Força
no submarino nuclear. Naval capaz de desencorajá-las.
Ora, releva notar que, desde o início, o No caso do submarino nuclear, é evi-
programa jamais foi interrompido pela Ma- dente que sua ação específica não deverá

12 RMB2 oT/2009
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

ser a de permanecer como “sentinela” ao troduzirão ajustes no projeto do submari-


redor dos campos, como eventualmente se no convencional brasileiro (S-BR) (versão
especula. Na verdade, o relevante não é nacional do modelo francês Scorpène),
nem o que ele vai fazer, mas o que pode para que este venha a atender a determina-
fazer. E pode tanto que sua simples exis- dos requisitos operacionais da MB, relati-
tência é suficiente para produzir boa parte vamente a maior autonomia e a maiores in-
dos efeitos desejados com sua posse. tervalos entre os períodos de manutenção.
Como dito, nossa Zona Econômica Exclu- Isso tornará suas características mais com-
siva cobre cerca de 4,4 milhões de quilô- patíveis com as vastidões do Atlântico Sul.
metros quadrados. É para estar, a tempo e a b) A partir de seis meses depois da data
hora, presente em qualquer ponto dessa de eficácia do contrato, serão enviados à
vastidão oceânica que se necessita de um França outros engenheiros navais brasi-
submarino nuclear. Mais ainda, os interes- leiros, que farão cursos de 18 meses de pro-
ses do Brasil no mar não terminam nos limi- jeto, culminando com um trabalho consti-
tes da Amazônia Azul. Eles se estendem a tuído de um projeto real de submarino con-
qualquer lugar onde um navio navegue sob vencional, depois de retornarem ao Brasil.
nossa bandeira, cuja proteção é dever c) Um pequeno grupo de engenheiros fará
inalienável do Estado estágios de três anos
brasileiro. na empresa Thales, fa-
Essa, a importância O relevante não é nem o bricante do sistema de
estratégica da cons- combate do submarino
trução do submarino que o submarino vai fazer, (sonares, direção de tiro
nuclear. mas o que pode fazer. E etc.), onde receberão
O SALTO
pode tanto que sua simples toda a tecnologia neces-
sária ao desenvolvi-
TECNOLÓGICO existência é suficiente para mento e manutenção
produzir boa parte dos do sistema.
Um dos aspectos d) Da mesma forma,
mais notáveis do pro- efeitos desejados teremos engenheiros
grama de construção que permanecerão
do submarino de propulsão nuclear diz res- dois anos na fábrica de torpedos, para ab-
peito ao salto tecnológico a ser vivido pelo sorção de tecnologia de projeto.
País, em função da transferência de e) Depois do retorno do segundo grupo
tecnologia, que garantirá ao Brasil a capa- (alínea b), engenheiros e técnicos france-
cidade de desenvolver e construir seus ses permanecerão no Brasil por cinco anos,
próprios projetos no futuro. participando do desenvolvimento do pro-
Para facilidade de entendimento, o pro- jeto do primeiro submarino nuclear brasi-
jeto, em linhas gerais, seguirá o seguinte leiro. Observação: a parte referente ao rea-
esquema básico: tor nuclear e seu compartimento será de
1) Transferência de Tecnologia de Pro- responsabilidade do Brasil.
jeto de Submarinos 2) Transferência de Tecnologia de Cons-
a) Ao entrar em eficácia o contrato, se- trução de Submarinos
rão enviados para a França alguns proje- a) O submarino é construído em quatro
tistas navais brasileiros que, juntamente seções. A primeira seção do primeiro sub-
com os franceses, ao longo de um ano, in- marino será construída no estaleiro de

RMB2 o T/2009 13
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Cherbourg, na França, com a participação O resultado foi tão bom que, de um uni-
da equipe de construção de submarinos verso inicial de mais de 200 empresas, a
do AMRJ, que absorverá os métodos, nor- França já selecionou e está negociando
mas e processos franceses de construção, com mais de 30, e há outras dezenas de
algo diferente do sistema alemão, a que já candidatas.
estão acostumados. Em linhas bastante gerais, esse será o
b) De volta ao Brasil, esse grupo cons- processo de transferência de tecnologia.
tituirá o núcleo de transferência de Entretanto, o que vai aqui descrito em pou-
tecnologia para a Sociedade de Propósito cas linhas ocupa mais de 300 páginas de
Específico (SPE), que será constituída para um anexo específico do contrato firmado
operar o novo estaleiro para a fabricação entre as partes.
dos novos submarinos.
c) Depois dessa fase, o grupo atuará, O DESENVOLVIMENTO DE UMA
pela MB, como fiscal das obras e garanti- INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA
dor do controle de qualidade.
3) Transferência de Tecnologia Medi- Em todos os países desenvolvidos, exis-
ante a Nacionalização te uma indústria de defesa, responsável
a) Cerca de 20% de todo o material a ser pelo desenvolvimento e a construção do
empregado nos submarinos serão produzi- material bélico, atendendo aos requisitos
dos no Brasil, inclusive sistemas comple- estabelecidos pelos Ministérios da Defesa
xos. São cerca de 36 mil itens a serem fabri- e Estados-Maiores das respectivas Forças
cados aqui. Armadas. As próprias Forças desenvol-
b) No curso das negociações, ficou vem, em alguns casos, protótipos daquilo
acertado que tudo o que pudesse ser pro- que desejam, mas a produção cabe sempre
duzido no Brasil, a custo equivalente ou à indústria.
inferior ao da França, seria fabricado aqui. Países que não possuem tal parque in-
Caso o produto já fosse comercializado, dustrial específico veem-se na contingên-
seria simplesmente adquirido e incorpo- cia de importar material fabricado por ou-
rado ao conjunto de materiais. Caso con- tros, segundo especificações que poderão
trário, a tecnologia de produção seria atender no todo ou em parte às suas ne-
transferida à empresa selecionada, que, cessidades e, em lugar do custo, pagarão o
então, o fabricaria. preço, muitas vezes político, do produto.
c) Nesse processo, desde o início, a MB O Brasil vive uma situação intermediá-
adotou a postura de não indicar qualquer ria, segundo a qual adquire meios usados,
empresa. Caberia aos franceses selecioná- em compras de oportunidade, ou constrói
las, de acordo com critérios próprios, meios novos, mediante aquisição do direi-
qualificá-las e homologá-las. A MB não pri- to de uso do projeto, como aconteceu no
vilegiaria ou rejeitaria qualquer empresa, AMRJ no caso das fragatas classe Niterói
evitando intermináveis controvérsias fu- (modelo Vosper MK-10, britânico) e dos
turas. De outra forma, caberia abrir uma li- submarinos classe Tupi e Tikuna (modelo
citação pública, para o processo seletivo IKL-209, alemão).
que, no mínimo, demoraria demasiado, dada No caso dos novos submarinos, inclusi-
a quantidade de recursos e embargos le- ve nucleares, em lugar da construção se dar
galmente possíveis de ser interpostos por no AMRJ, ocorrerá em um novo estaleiro
empresas desqualificadas ou perdedoras. dedicado, atendendo a todos os requisitos

14 RMB2 oT/2009
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

ambientais e de controle de qualidade para a Entretanto, neste início de século XXI,


construção de um submarino nuclear, como inaugurado com o ataque às torres do
é prática entre os poucos países que os fabri- World Trade Center e com a presente crise
cam. A operação desse estaleiro ficará a car- financeira internacional, cujos desdobra-
go de uma Sociedade de Propósito Específi- mentos ainda não estão suficientemente
co (SPE), formada pelo Consórcio Constru- claros, parece haver uma mudança no eixo
tor, isto é, as empresas Direction des estratégico do mundo, de modo a envolver
Constructions Navales Services (DCNS) e mais profundamente o Brasil. Ainda que,
Odebrecht (parceira selecionada pela DCNS) ao final desta crise, reste apenas uma su-
e o Governo Federal, representado pela Ma- perpotência militar, os Estados Unidos da
rinha, que possuirá uma ação, no valor sim- América (EUA), como, de resto, parece cer-
bólico de 1%, que, no entanto, constituirá to, em outras dimensões deverá haver al-
uma Golden Share, conferindo-lhe o poder guma redistribuição de poder, particular-
de veto sobre eventuais decisões com as mente na área financeira, com a entrada em
quais não esteja de acordo. Ficam, então, cri- cena de atores que ganharam peso e pas-
adas as condições ne- saram a influenciar a
cessárias para o desen- economia, as finanças
volvimento de uma in- Ficam criadas as condições e o comércio mundi-
dústria nacional de de- necessárias para o ais, como o Brasil, a
fesa, particularmente Rússia, a Índia, a Chi-
com o elevado e cres- desenvolvimento de uma na (conhecidos como
cente índice de nacio- indústria nacional de Bric) e a Coreia do Sul,
nalização pretendido.
defesa, particularmente por exemplo. Com
isso, o Brasil adquire
CONCLUSÃO com o elevado e crescente maior importância,
índice de nacionalização deslocando-se da pe-
Não há dúvida de riferia para mais próxi-
que, como país, o Bra- pretendido mo do centro.
sil está no limiar de Há outros fatores,
uma nova era. relacionados à escassez de determinadas
Durante a Guerra Fria, com sua caracte- matérias-primas e produtos, que parecem
rística bipolaridade, a importância estratégi- acentuar ainda mais essa força gravitacional
ca de um país periférico estava diretamente que nos arrasta para o centro, posto que,
associada às possíveis consequências de em larga medida, as soluções envolvem sig-
sua adesão ao outro bloco, o que só teria nificativamente o Brasil. A primeira delas é a
real significado em função de sua localiza- água doce, que vem se tornando um dos
ção geográfica em áreas estratégicas ou da bens mais escassos do mundo, com refle-
disponibilidade de determinadas matérias- xos na produção de alimentos e ensejando
primas. Não era o caso do Brasil, que, du- conflitos entre nações. Em determinadas
rante a segunda metade do século XX, en- áreas, como o Oriente Médio e a África, já é
contrava-se fora do eixo estratégico do mun- motivo de contendas. Enquanto isso, o Bra-
do. Na década que se seguiu à bipolaridade, sil concentra em rios em torno de 12% da
houve um período de transformações, água doce do mundo (sem contar lençóis
indefinições e globalização, que pouco alte- freáticos), além de abrigar o maior rio em
raram a nossa situação. extensão e volume do planeta, o Amazonas.

RMB2 o T/2009 15
NOSSA CAPA – A IMPORTÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR BRASILEIRO

Diretamente ligada ao problema da água, Finalmente, mas não por último, temos a
há a questão da escassez de alimentos. Ora, Amazônia, permanentemente em foco, quer
mais de 90% do território brasileiro recebe por sua biodiversidade quer por sua influên-
chuvas abundantes durante o ano, e as cia sobre o clima mundial, e sobre a qual a
condições climáticas e geológicas propici- soberania brasileira não aceita contestações
am a formação de uma extensa e densa rede e que representa um enorme compromisso
de rios, o que, associado à abundância do nacional em preservá-la, coibindo qualquer
sol tropical, contribui para uma agricultura devastação.
de produção em grande escala, realmente Como se observa, o Brasil periférico da
capaz de tornar o Brasil um dos grandes segunda metade do século XX não existe
produtores mundiais. mais. O Brasil do século XXI ocupa uma
Outra crise que já se faz aguda é a posição mais próxima dos polos estratégi-
energética. A despeito da momentânea que- cos do mundo, o que significa que cada
da do preço do petró- vez mais, independen-
leo, sua escassez, em temente de sua vonta-
breve, deverá restabe- de, ver-se-á, com algu-
lecer o quadro anterior O Brasil periférico da ma frequência, envol-
ao atual. Durante o sé- segunda metade do século vido por turbulências
culo XX, fomos impor- mundiais.
tadores, com graves
XX não existe mais. O Em face disso, será
consequências em Brasil do século XXI ocupa indispensável dispor
nossa balança de paga- uma posição mais próxima de meios suficientes
mentos e da economia capazes de tornar a via
nacional. Hoje, além de dos polos estratégicos do diplomática mais atra-
vivermos relativa mundo ente para a solução de
autossuficiência, cria- controvérsias do que
mos uma nova realida- o caminho da pressão
de no cômputo das reservas mundiais, com o inaceitável, da ameaça ou da imposição.
descobrimento do óleo existente no pré-sal. Nesse particular, a posse de submari-
Ainda no contexto energético, de uns nos nucleares é apenas um primeiro passo.
anos para cá, a energia nuclear passou a O dimensionamento das Forças Armadas
ser considerada “uma forma de energia lim- não poderá ficar em descompasso com a
pa”, por não contribuir para o efeito estu- grandeza e o significado econômico do País
fa. E o Brasil possui consideráveis reser- no concerto das nações, sob pena de pri-
vas de urânio e domina o seu processo de varmos as gerações futuras de um porvir à
enriquecimento. altura da história da Nação.
Como se não bastasse, somos detento- Em resumo, esta análise apresenta, na
res de tecnologia de ponta, temos solo, cli- visão da Marinha, a importância da cons-
ma e sol em abundância para a produção trução do submarino de propulsão nuclear
de biocombustíveis. brasileiro.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Marinha do Brasil; Comando da Marinha; Submarino; Constru-
ção Naval;

16 RMB2 oT/2009
UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASIL
Causas e conseqüências

Introdução – (Publicada no 3o trim/2004)


Capítulo I – O cenário externo: 1750-1889 – (Publicado nos 2o , 3o e 4o trim/2005,
1o, 2o e 3o trim/2006; 1o e 2o trim/2007; 1o e 2o trim/2008)
Capítulo II – O cenário interno: 1750-1889 (Publicado nos 4o trim/2008 e 1o trim/2009)
Capítulo III – A Marinha Imperial como conseqüência
Capítulo IV – Os descendentes de Hayden
Capítulo V – Conclusões e proposições
Apêndice

JOSÉ MARIA DO AMARAL OLIVEIRA


Almirante de Esquadra (Refo)

UM IRLANDÊS
NA MARINHA DO BRASIL

A série “Um irlandês na Marinha do – “A primeira travessia do Atlântico Sul


Brasil”, publicada na RMB desde o 3o tri- – 75 anos”, 4o trim./1997;
mestre de 2004 até o 1o trimestre de 2009, – “A expressão militar e a política”, 2o
num total de 13 artigos, será interrompida trim./1999;
a partir desta edição devido ao falecimen- – “Base de Apoio Aeronaval de Ilhabela”,
to do Almirante de Esquadra José Maria 1o trim./2004;
do Amaral Oliveira, seu autor, ocorrido em – “Os 90 anos da Aviação Naval”, 4o
18 de maio último. trim./2006;
A Revista Marítima teve o privilégio – “Helicóptero de Emprego-Geral”, 2o
de contar com a sua valiosa colabora- trim./2008.
ção. A seguir, outros artigos com que o Por ocasião do aniversário de 150 anos
Almirante Amaral marcou sua inestimá- de fundação da Revista Marítima Brasi-
vel participação: leira, em 2001, recebemos os diretores de
– “O Atlântico Sul no século XIX - uma revistas marítimas das Américas e de alguns
abordagem estratégica”, 2o trim./1991; países da Europa. O Almirante Amaral este-
–“Aviação Naval brasileira”, 3o trim./ ve presente nas reuniões de trabalho e nas
1996; palestras, enriquecendo-as com colocações
UM IRLANDÊS NA MARINHA DO BRASIL – Causas e conseqüências

e apartes dignos de seu invulgar tirocínio, da qual tinha tanto orgulho: “Co-
cultura e inteligência. mandar e pilotar uma aeronave re-
Aviador naval, líder de uma gera- presentam duas benesses divinas
ção, assim definia sua especialidade, jamais esquecidas”.

18 RMB2 oT/2009
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO
ALMIRANTE KIMMEL

Parte XXII
– Gabinete do Subsecretário de Defesa para Pessoal e Prontidão
1o de dezembro de 1955
Promoção do Contra-Almirante Kimmel e do Major-General Short
Na lista de oficiais da reserva
(2a e última parte)

Tradução e adaptação: MÁRIO JORGE DA FONSECA HERMES


Almirante de Esquadra (Refo)

SUMÁRIO

O julgamento da opinião pública


Os registros
Os primeiros anos da guerra
As Comissões do Exército e da Marinha e o Comitê
Conjunto do Congresso (JCC)
O período do pós-guerra
Avaliação
Opção para outras ações
Promoção baseada em performance
Promoção baseada em outras considerações
Conclusão
O veredicto da história
Do tradutor/articulista – final

O JULGAMENTO DA OPINIÃO tos na opinião pública. Em razão de isso


PÚBLICA não ser suficiente para rever as ações pes-
soais e investigações as quais constituem

O s familiares do Almirante Kimmel es-


tão preocupados com o stigma e
obloquy decorrentes da circulação das pri-
a maneira formal de o Governo tratar des-
ses casos, essa seção da revisão busca a
responsabilidade e o razoável, no julgamen-
meiras acusações e seus persistentes efei- to da opinião pública.
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Os registros zembro. As dispensas do Almirante Kimmel


e do General Short foram divulgadas em 17
Três períodos devem ser observados: de dezembro. Embora a informação para a
(1) os primeiros anos da guerra, (2) o perío- imprensa tivesse sido feita sem comentári-
do de respostas ao constante das apura- os, o secretário Stimson esclareceu que a
ções das Comissões da Marinha e do Exér- decisão “evitava uma situação em que ofici-
cito e do Comitê Conjunto do Congresso ais envolvidos com a responsabilidade pela
(JCC); e (3) o período de pós-guerra. futura segurança da vital base naval estari-
am, nesse momento crítico, envolvidos na
Os primeiros anos da guerra investigação (Roberts Comission) ordena-
da ontem pelo Presidente”. A linguagem
A reação nacional ao ataque japonês a aberta de Knox e sua associação com as
Pearl Harbor ocorreu de duas maneiras. A dispensas dos comandantes do Havaí na-
primeira foi a raiva da Nação pelo ataque de turalmente levaram os focos das atenções
surpresa, capturada, ampliada e talvez lide- para essas pessoas. O Almirante Kimmel viu
rada pelo Presidente Roosevelt, ao caracte- uma interpretação mais sinistra: “Após o
rizar o 7 de Dezembro como “o dia em que secretário da Marinha, Sr. Frank Knox, rela-
viveremos na infâmia”, ao dirigir-se ao Con- tar para o Presidente o resultado de sua ins-
gresso. A segunda, que se seguiu quase peção a Pearl Harbor, declarações adicio-
que imediatamente, foram o choque, o não nais foram liberadas, o que aumentou a cam-
poder acreditar na extensão da devastação, panha de difamações”**.
a batalha de somente um lado e a óbvia au- O relatório da Comissão Roberts con-
sência de prontidão das forças americanas. tendo a expressão dereliction of duty***
Esses sentimentos voltaram-se rapidamen- foi apresentado ao Presidente em 24 de ja-
te para incessantes exigências, que conti- neiro de 1942 e liberado para a imprensa
nuam até hoje, para explicação e identifica- nesse mesmo dia. A Comissão não indicou
ção dos responsáveis. “A Nação america- a intenção de fazer de Kimmel e Short bo-
na.... estava menos interessada em por que des expiatórios, no sentido de que carre-
os japoneses atacaram Pearl Harbor do que gassem toda a culpa pelo desastre de Pearl
como conseguiram o feito”*. Harbor. Todavia, o dano para as reputa-
Imediatamente e inevitavelmente o foco ções do Almirante Kimmel e do General
foi dirigido aos oficiais no comando em Short começaram quase que imediatamen-
Pearl Harbor. O Almirante Kimmel disse: “A te. As manchetes da primeira página do
torrente de abusos e deturpações come- New York Times no dia seguinte registra-
çou logo após o ataque. Minha corte mar- vam: “A Comissão Roberts acusa Kimmel e
cial foi pedida no plenário da House of Short; avisos para defender o Havaí não
Representatives (Câmara dos Deputados) foram levados em consideração”. Subman-
na segunda, 8 de dezembro de 1941”. chete acrescentava: “Stark e Marshall pro-
Nesse mesmo dia, o secretário Knox via- vavelmente indicarão que Kimmel e Short
jou para Pearl Harbor. Ao retornar e prestar serão submetidos a corte marcial”. O Almi-
contas ao Presidente, a totalidade do seu rante Kimmel entendeu que “quando o re-
relato foi liberada ao público, em 15 de de- latório da Comissão Roberts foi publicado,
* N.A – Prange, “ao amanhecer nós dormíamos”, pág. 584.
** N.A – Kimmel, pág. 170.
*** N.A – É uma falha deliberada ou acidental ao fazer o que deveria como parte de suas obrigações.

20 RMB2 oT/2009
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

um verdadeiro furacão de acusações foi A necessidade de conservar secretas as


proferido com veemência indiscrimina- interceptações Magic (sobre as quais
damente contra Short e eu”*. Kimmel tinha algum conhecimento, ao con-
Embora o Presidente houvesse estabe- trário do General Short) efetivamente im-
lecido que não tinha intenção de ordenar pediram manter a opinião pública objetiva-
cortes marciais ou de tomar qualquer outra mente informada durante as discussões do
ação pessoal, e os serviços (Exército e tema Pearl Harbor ao longo da guerra. Tal
Marinha) não houvessem tomado ações necessidade impediu mesmo que se expli-
posteriores, a acusação de “dereliction of casse ao público a obrigatoriedade de
duty” permaneceu sem resposta para a opi- mantê-las secretas.
nião pública. Tudo isso e mais o anúncio Contudo, o clamor público para a com-
da passagem para a reserva do Almirante pleta investigação de erros em Washing-
Kimmel e do General Short feito com a res- ton começou quase que imediatamente
salva “sem desculpas de qualquer ofensa após a publicação do relatório da Comis-
ou prejuízo de futura ação disciplinar” ti- são Roberts, em 27 de janeiro. The New
veram o resultado de deixarem o assunto York Times publicou que membros do Con-
sem solução na esfera gresso dos dois parti-
da opinião pública. O dos demandavam
Almirante Kimmel la- Minha crucificação perante completa investiga-
mentou-se com o Al- a opinião pública atingiu o ção pelas duas Casas,
mirante Stark em 22 de declarando que auto-
fevereiro de 1942: “Eu limite. Diariamente recebo ridades em Washing-
estou pronto a qual- cartas de pessoas ton haviam sido negli-
quer momento para
aceitar as consequên-
irresponsáveis de todos os gentes ao falhar no
acompanhamento das
cias dos meus atos. cantos do país ações que estavam
Não desejo criar pro- sendo tomadas em
blemas para o governo na conduta da guer- Pearl Harbor e acusando-as de ignorarem
ra. Sinto, todavia, que minha crucificação que não haviam sido tomadas medidas
perante a opinião pública atingiu o limite. apropriadas de coordenação entre o Exér-
Diariamente recebo cartas de pessoas ir- cito e a Marinha em Pearl Harbor. O debate
responsáveis de todos os cantos do país no Congresso imediatamente adquiriu um
chamando-me para o dever e mesmo amea- tom político-partidário, como registrado
çando matar-me. Não estou particularmen- pela imprensa. Após a inicial fogueira de
te preocupado exceto como isso mostra o interesses em investigações adicionais
efeito na opinião pública de artigos publi- sobre a responsabilidade do desastre em
cados sobre mim”. Pearl Harbor no começo de 1942, o Almi-
“Sinto que a divulgação do parágrafo 2o rante Kimmel e o General Short apareciam
da carta do secretário de 16 de fevereiro de tempos em tempos nos jornais em 1943
(aceitando o pedido de passagem para a e 1944. Debates no Congresso sobre cor-
reserva “sem desculpas de qualquer ofen- tes marciais também tomaram a coloração
sa”) promoverá a ira do povo e far-me-á partidária no momento em que as eleições
grande injustiça”. de 1944 se aproximavam.

* N.A – Kimmel – pág. 170.

RMB2 o T/2009 21
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

As Comissões do Exército e da Marinha dade... ficava com os comandantes da Ma-


e o Comitê Conjunto do Congresso rinha e do Exército no Havaí, Almirante
(JCC) Kimmel e General Short”. Conquanto nem
o Almirante Kimmel nem o General Short
Sugestões de que a Comissão do Exérci- tivessem ficado felizes com o resultado
to sobre Pearl Harbor e a Corte Naval de emitido pela JCC, o General Short pelo me-
Inquérito poderiam elucidar as participações nos argumentou: “...estou satisfeito que
do General Short e do Almirante Kimmel em as testemunhas apresentadas nas audiên-
Pearl Harbor começaram a aparecer em no- cias tenham me absolvido completamente
vembro e dezembro de 1944. O advogado de qualquer culpa e acredito que esse será
do Almirante Kimmel, Charles B. Rugg, pro- o veredicto da história. Como havia decla-
nunciou-se publicamente, revelando que o rado anteriormente, minha consciência está
relatório da Comissão Roberts havia sido limpa”. As análises e interpretações
corrigido pela Corte de Inquérito: publicadas desde 1946 tiveram por fonte
“Kimmel inocentado – disse o advoga- primária o material obtido pela Comissão
do. Boston, 1o de dezembro – Charles B. Conjunta do Congresso.
Rugg, advogado do Almirante Husband E.
Kimmel, declarou aqui esta noite que “o O período do pós-guerra
pronunciamento do secretário da Marinha
Forrestal significa que o Almirante Kimmel Por outro lado, análises sóbrias nos
foi inocentado das acusações de anos após a publicação dos resultados da
‘dereliction of duty’ em Pearl Harbor”. Comissão Conjunta do Congresso produ-
A liberação final das notícias constituí- ziram obras de diferentes matizes e equili-
ram manchetes de primeira página em agos- brada escolaridade, as quais constituem o
to de 1945. Marshall, secretário de Estado, começo do veredicto da história. Esses tra-
Cordell Hull, Stark e o General de Exército balhos, baseados em cuidadosa leitura de
Leonard Gerow* também foram citados por todo o registro da Comissão Conjunta do
vários erros. Congresso e de outras fontes primárias que
Após a guerra, o véu do segredo foi trarão luzes no futuro, estão criando um
levantado das interceptações, e, com a per- responsável e cada vez mais acurado e jus-
missão do Presidente Truman, a Comissão to entendimento das falhas na tapeçaria de
Conjunta do Congresso esclareceu as Pearl Harbor. Definitivamente, em uma so-
interceptações Magic e publicou textos ciedade livre esta deve ser a função da co-
completos das mensagens críticas. munidade acadêmica, que vem trabalhan-
Novamente, temas associados com a do bem nesse caso.
investigação do Congresso estimularam
acalorados debates partidários, com acu- AVALIAÇÃO
sações de que os Democratas no comitê
controlariam os procedimentos. Sem dúvida, o Almirante Kimmel e o Ge-
Em julho de 1946, a Comissão Conjunta neral Short encontraram uma “imprensa ad-
do Congresso liberou para a imprensa no- versa” durante a guerra, especialmente nos
tícia que exonerava Roosevelt e determi- anos imediatos ao ataque e à publicação do
nava que “o ofuscamento da responsabili- resultado da Comissão Roberts. A contri-

* N.A – Chefe da Divisão de Planos de Guerra do Exército.

22 RMB2 oT/2009
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

buição fundamental do Magic e Púrpura para grafia traduz seus esforços, alguns dos quais
o esforço de guerra significa que perguntas foram citados nesta apresentação.
não poderiam ser respondidas enquanto a Com a publicação do trabalho da Co-
guerra ocorria, e, neste sentido, de alguma missão Conjunta do Congresso – uma mina
maneira, as reputações do Almirante Kimmel de ouro de fontes primárias – e a cada vez
e do General Short foram sacrificadas em maior contribuição do mundo acadêmico,
benefício do esforço de guerra. Conquanto um responsável e crescentemente acurado
a concentração neles desviasse a atenção, e justo entendimento dos erros em Pearl
talvez convenientemente, não existe evidên- Harbor está emergindo.
cia de uma intenção organizada para fazer Neste processo, o Almirante Kimmel e o
do Almirante Kimmel e do General Short General Short estão encontrando seu verda-
bodes expiatórios e há pouca probabilidade deiro lugar. Não existe nada que o governo
de existirem esforços para difamá-los pes- pode ou deveria fazer para alterar o processo.
soalmente. Em particular, não há clareza de
ações do governo dirigidas somente contra OPÇÕES PARA OUTRAS AÇÕES
suas reputações. Também não existe qual-
quer ação de governo Promoção baseada
para desviar o ceticis- em performance
mo em relação ao Al- As reputações do Almirante
mirante e ao General. Kimmel e do General Short Nenhum erro signi-
Pearl Harbor acon- ficativo foi cometido
teceu no meio de um foram sacrificadas em em qualquer das três
acirrado debate entre benefício do esforço de ações pessoais*. Seu
isolacionistas e efeito cumulativo co-
intervencionistas. As guerra locou o Almirante
energias desse debate Kimmel e o General
não arrefeceram com Pearl Harbor; pelo con- Short em seus permanentes postos de duas
trário, ele foi redirecionado. Em certa exten- estrelas na lista de oficiais da reserva. Dis-
são, o Almirante Kimmel e o General Short pensa e passagem para a reserva tornaram-
tornaram-se causes célèbres nessa disputa se inevitáveis, e não foram injustas e in-
partidária. Isso foi, e ocasionalmente ainda corretas dentro das circunstâncias.
é hoje, o resultado de um mundo envolvido Promoção é baseada no potencial e não
pela política, no qual oficiais ostentando po- no desempenho anterior. Isto é, promoção
sições de três e quatro estrelas tornam-se é baseada na expectativa da performance
envolvidos, em razão de suas altas funções ao nível para o qual o indivíduo está sendo
públicas, frequentemente com considerado para a promoção. Ao tempo
consequências desproporcionais ao seus do ataque japonês a Pearl Harbor, o Almi-
talentos ou posições como militares profis- rante Kimmel e o General Short haviam sido
sionais. Certamente, o Almirante Kimmel, promovidos a quatro e três estrelas, res-
desejosamente e mesmo ansiosamente, en- pectivamente, baseados nos seus poten-
trou nessa rixa, levando o assunto de sua ciais de performance para o exercício nes-
reputação ao debate público; sua autobio- se nível de comando. Suas dispensas, em

* N.A – 1) Dispensa de seus comandos em Pearl Harbor. 2) Passagem para a reserva. 3) Decisões para não
promovê-los na lista da reserva.

RMB2 o T/2009 23
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

16 de dezembro de 1941, refletiram as avali- Como observado anteriormente, postos


ações das secretarias da Marinha e do Exér- de três e quatro estrelas são “posições de
cito de que seus potenciais para continua- importância e responsabilidade” que reque-
rem nesses postos haviam mudado. rem confirmação individual do Senado.
Pelo fim de 1946, o Exército, a Marinha e Como as seções anteriores desta revisão
o Comitê Conjunto do Congresso concluí- sugerem, embora talvez em tempos outros
ram, independentemente, que o Almirante eles tenham sido injustamente caracteriza-
Kimmel e o General Short possuíam infor- dos, o Almirante Kimmel e o General Short
mações adequadas para colocar suas for- não podem ser vistos como inteiramente
ças em um alto estado de prontidão para sem culpa em relação a Pearl Harbor. Eles
defender Pearl Harbor contra um ataque eram os homens com a responsabilidade na
aéreo. Eles tinham forças suficientes para área do pior desastre militar na história dos
colocar uma efetiva e tanto quanto viva EUA, e seus erros de julgamento foram de
defesa caso suas forças tivessem sido magnitude suficiente para levar à conclu-
alertadas e coordenadas. Membros do go- são de que sua performance total não se
verno no mais alto nível chegaram a con- compara favoravelmente com aquela de ou-
clusões similares ao longo dos 50 anos tros três e quatro estrelas de seu tempo.
seguintes. Este estudo do Departamento
de Defesa – depois de examinar todos os Promoção baseada em outras
fatos e circunstâncias novamente – não considerações
encontrou argumentos para alterar as con-
clusões encontradas pelas Forças, pelo O artigo II, Seção 2, da Constituição
Comitê Conjunto do Congresso e outros, confere ao Presidente amplo poder, com a
de que o Almirante Kimmel e o General recomendação e o consentimento do Se-
Short cometeram “erros de julgamento”. nado, para designar oficiais nas Forças
Este trabalho concluiu que o Almirante Armadas. O Presidente pode usar esta au-
Kimmel e o General Short não foram os toridade discricionária para designar um
únicos responsáveis pelo desastre em Pearl oficial, independentemente dos regulamen-
Harbor. Outros cometeram significativos tos que, por outro lado, governam o pro-
erros de julgamento. Em particular, altos cesso das promoções. Então, o Presidente
chefes da Marinha e do Exército falharam tem o poder para designar o Almirante
em apreciar o conjunto e ao transferir aos Kimmel e o General Short para a promoção
comandantes no Havaí o sentido do foco e post mortem na lista de oficiais da reserva.
da urgência que as mensagens japonesas Em razão de suas posições como co-
interceptadas haviam criado. Contudo, esse mandantes no cenário do Havaí, foi inevi-
fato não exclui os erros do Almirante Kimmel tável que grande parte do peso do temor
e do General Short. A grandeza do desastre da opinião pública sobre o desastre de Pearl
em Pearl Harbor e os altos postos de co- Harbor recaísse imediatamente sobre o Al-
mando na área colocam-nos à parte de ou- mirante Kimmel e o General Short. A ne-
tros que serviram na Segunda Guerra Mun- cessidade de manter secreta a capacidade
dial. As decisões de não os promover ou da quebra dos códigos japoneses impediu
avançá-los na lista dos oficiais da reserva, que esclarecimentos oficiais fossem pres-
ou de restaurar suas patentes temporárias, tados durante os tempos de guerra. As fa-
não foram incorretas. Não existe apoio para mílias do Almirante Kimmel e do General
reverter essas decisões. Short, no que lhes concerne, estão preo-

24 RMB2 oT/2009
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

cupadas com os efeitos protelatórios de plicaria duplo padrão para promoções nas
notícias publicadas ao longo dos últimos Forças Armadas.
50 anos. Eles argumentam que o stigma e Os mais altos postos na reserva aos
obloquy desta época persiste, e demandam quais um oficial pode aspirar não devem
ação governamental, dizendo que “o veí- ser conferidos a ninguém como uma des-
culo que nós escolhemos” para restaurar a culpa. Antes, esses postos devem estar
reputação desses oficiais é a promoção na reservados para aqueles oficiais cujas
lista de oficiais da reserva. performances se encontrem acima das dos
Contudo, tal promoção não é a maneira outros.
apropriada para curar ofensas à reputação.
Com o término da guerra e a publicação CONCLUSÃO
dos resultados das investigações das For-
ças e do Comitê Conjunto do Congresso, Um exame nos assentamentos não mos-
ficou esclarecido que o Almirante Kimmel tra que as promoções do Almirante Kimmel
e o General Short não foram os únicos res- e do General Short na lista de oficiais da
ponsáveis pelo desastre em Pearl Harbor e reserva seja justificada.
que os erros de julgamento por eles come-
tidos não atingiram o nível de dereliction, O VEREDICTO DA HISTÓRIA
e que outros também cometeram tal tipo de
erros. Assim, a posição oficial sobre o as- A comunidade acadêmica continuou a
sunto encontra-se onde deveria. produzir várias obras de excelentes méritos
É indisputável que o Almirante Kimmel e para o que o trabalho do Departamento da
o General Short receberam mais do que aqui- Defesa chamou de veredicto da história.
lo que lhes impuseram uma imprensa ten- Dentre elas, provavelmente o mais com-
denciosa nos primeiros anos da guerra, e pleta, para muitos o trabalho definitivo so-
que os erros de outros, os quais contribuí- bre Pearl Harbor, coube a Robert B.
ram para o desastre em Pearl Harbor, geral- Stinnett, autor de O dia da fraude – A ver-
mente foram poupados de censuras. A pro- dade sobre FDR e Pearl Harbor, cuja 1a
moção post mortem, todavia, necessariamen- edição foi publicada no ano 2000. Citei-o
te teria que ser calcada no julgamento de ao longo de meu trabalho.
que, no mínimo, eles serviram satisfatoria- Em nota do tradutor, na Revista Maríti-
mente como três e quatro estrelas. Seus su- ma Brasileira v. 127, no 10/12, out/dez 2007,
periores, na época, decidiram que não, e não p. 70, assim me expressei: “Na documenta-
há como compelir para que essas primeiras ção por mim consultada, o livro de Robert
decisões sejam modificadas. B. Stinnett é, sem dúvida, o mais completo
Usar promoções post mortem para com- relato sobre a tragédia que se abateu sobre
pensar tratamento severo na mídia, como Pearl Harbor. Segundo Tom Rooser, do
forma de desculpa oficial ou como um ato Chicago Sun Times, é, talvez, o mais
simbólico, não seria apropriado. Adicio- revelador dos documentos de nosso tem-
nalmente, não existe precedente para tal po”. Escreve John Alterian, do Detroit
promoção. News: “Apoiado em 17 anos de pesquisa e
Finalmente, usar avanço ou promoção usando mais de 200 mil entrevistas e docu-
para tais propósitos seria verdadeiramente mentos desclassificados [para mim, articu-
injusto em relação àqueles que mereceram lista, feito notável], Stinnett faz devasta-
promoções em razão da performance e im- doras revelações...”.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Douglas Cirignano entrevistou Robert isso é absolutamente falso. Estávamos a


B. Stinnett*. A tradução para o português ler a maior parte das mensagens via rádio
de Portugal foi feita por J. Figueiredo**. do Japão. Correto?
Da tradução, selecionei algumas pergun- Stinnett – Isso é correto. E acredito nis-
tas e respostas. Cirignano encerra a intro- so também. Como sabe, a revista Life, em
dução de sua entrevista com a afirmativa setembro de 1945, logo após a rendição do
de Gore Vidal: “...Robert Stinnett limpou a Japão, sugeriu que o caso era assim, que
maior parte dos fumos das armas. O ‘dia da Roosevelt arquitetara Pearl Harbor. Mas
fraude’ mostra que o famoso ataque ‘sur- aquilo foi ignorado como um panfleto anti-
presa’ não foi surpresa para os nossos di- Roosevelt, e eu também acreditei.
rigentes voltados para a guerra...”. E John Cirignano – Outra informação do centro
Toland, o autor que ganhou o Prêmio da teoria do ataque surpresa de Pearl
Pulitzer com o livro Infâmia, sobre Pearl Harbor é que os navios do Japão mantive-
Harbor, declarou: “Passo a passo, Stinnett ram os rádios silenciosos quando se apro-
passou dos antecedentes para a guerra, ximavam do Havaí. Isso também é comple-
utilizando novos documentos para revelar tamente falso?
os terríveis segredos Stinnett – Sim, e
que nunca foram reve- isso foi afastado do
lados ao público. É A revista Life, em setembro Congresso, de modo
perturbador que 11 que ninguém sabia
presidentes, incluindo de 1945, logo após a acerca de tudo isso.
aqueles que admirei, rendição do Japão, sugeriu Cirignano – Até o
mantiveram a verdade Ato da Liberdade de
afastada do público
que o caso era assim, que Informação?
até que os pedidos de Roosevelt arquitetara Stinnett – Sim.
Stinnett ao abrigo do Pearl Harbor Cirignano – Será
Acto da Liberdade de esta declaração verda-
Informação (Foia)*** deira? Se a América
finalmente convenceram a Marinha a libe- estava a interceptar e decodificar mensa-
rar a evidência”. gens militares do Japão, então Washing-
A seguir, algumas perguntas e respos- ton e Franklin Delano Roosevelt sabiam
tas que selecionei: que o Japão estava em vias de atacar Pearl
Cirignano – Os historiadores e respon- Harbor?
sáveis do governo afirmam que Washing- Stinnett – Oh, sem dúvida.
ton não teve conhecimento prévio do ata- Cirignano – Mas sente que isso é assim
que a Pearl Harbor, sempre argumentaram tão simples?
que os EUA não estavam a interceptar e Stinnett – Sim, esse era o seu plano. Era
não haviam decifrado códigos militares o plano de provocar um ato aberto de guer-
importantes do Japão nos meses e dias que ra, contado no meu livro, que foi adotado
antecederam o ataque. O ponto crucial do pelo Presidente Roosevelt em 7 de outu-
seu livro é que a investigação prova que bro de 1940.

* N.A – http://www.independent.org/tii/news/020311cirignano.html.
** NA – http://resistir. Info/11set/pearl_harbor_port.html.
*** N.A – Stinnett dedicou seu livro ao congressista John Moss (D., CEL), autor do Ato de Liberdade de
Informação.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Cirignano – O Sr. escreveu que, no final Stinnett – Ele trabalhou para a Inteligên-
de novembro de 1941, foi enviada uma or- cia Naval em Washington. Ele também era o
dem a todos os comandantes militares dos oficial de comunicações do Presidente
EUA que dizia: “Os Estados Unidos dese- Roosevelt. Assim, todas essas interceptações
jam que o Japão cometa o primeiro ato aber- iriam para o Comandante Mc Collun e a se-
to”. Segundo o secretário de Guerra guir ele as encaminharia para o Presidente.
Stimson, a ordem vinha diretamente do Pre- Não há dúvida sobre isso. Ele era também o
sidente Roosevelt, comprometido em apoi- autor do seu plano para levar o Japão a ata-
ar esta política de provocar o Japão a co- car-nos em Pearl Harbor. E ele nascera e fora
meter o primeiro ato de guerra aberta? criado no Japão.
Stinnett – Não sei se ele revelou isso ao Cirignano – Mc Collun escreveu esse
gabinete. Ele pode ter revelado o plano a plano, esse memorando, em outubro de
Harry Hopkins, seu confidente próximo, 1940. Era dirigido a dois dos mais próximos
mas não há qualquer evidência de que al- assessores de Roosevelt. No mesmo, Mc
guém no gabinete soubesse disso. Collun exprime que é inevitável que o Ja-
Cirignano – Penso que escreveu no seu pão e a América caminhem para a guerra e
livro que eles sabiam... Que alguns deles que a Alemanha nazi tornava-se uma ame-
estavam a par.... aça à segurança da América. Mc Collun está
Stinnett – Bem, alguns sabiam. O secretá- a dizer que a América tem que se envolver
rio de Guerra Stimson sabia, como se vê no na guerra. Mas ele também diz que a opi-
seu diário, e também provavelmente Frank nião pública é contra isso. Assim, Mc Collun
Knox, o secretário da Marinha, sabia. Mas sugere, em consequência, oito coisas es-
Frank Knox morreu antes da investigação ter pecíficas que a América deveria fazer para
principiado. Assim, tudo o que temos real- levar o Japão a tornar-se mais hostil, a ata-
mente é o diário de Stimson. Este revela mui- car-nos, de modo que o público apoiasse o
to ali, e eu considero isso no meu livro. O Sr. esforço de guerra. E como ele nascera e
deve querer dizer o seu gabinete de guerra. fora criado no Japão, entendia a mentalida-
Sim. O diário de Stimson revela que nove de japonesa e sabia como os japoneses re-
pessoas no gabinete de guerra – três milita- agiriam.
res – sabiam desta política de provocação. Stinnett – Sim. Exatamente.
Cirignano – Embora Roosevelt tenha fei- Cirignano – Foi a existência deste me-
to declarações em sentido contrário para o morando do Comandante Mc Collun algu-
público, não sentiria ele e os seus conse- ma vez revelada ao público antes de seu
lheiros que a América estava, no fim das livro aparecer?
contas, indo rumo à guerra? Stinnett – Não, não. Eu o recebi em
Stinnett – Correto. Bem, sua declaração consequência do meu pedido ao Foia, em
era: “Não enviarei os nossos rapazes para janeiro de 1995, de extração dos Arquivos
a guerra, a menos que sejamos atacados”. Nacionais. Eu não sabia que ele existia.
Assim, ele concebeu esse ataque para re- Cirignano – FDR e os seus conselhei-
almente nos levar à guerra contra a Alema- ros militares sabiam que se as oito ações
nha. Mas penso que essa era sua única de Mc Collun fossem implementadas – coi-
opção. Manifestei-me no livro. sas como manter a frota do Pacífico em Pearl
Cirignano – Quem era o Tenente Coman- Harbor e debilitar a economia do Japão com
dante Arthur Mc Collun e qual era sua co- um embargo – não havia dúvida de que
nexão com o ataque de Pearl Harbor? isso levaria o Japão – cujo governo era

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

muito militarizado – a atacar os Estados va espionando a frota em Pearl Harbor, e


Unidos. Correto? deixaram a espionagem continuar. A políti-
Stinnett – Correto, e é o que o Coman- ca do governo FDR era então olhar para o
dante Mc Collun diz. Ele afirma : “ Se o Sr. outro lado e deixar o Japão preparar-se para
adotar essas políticas então o Japão come- atacar-nos?
terá seu ato aberto de guerra”. Stinnett – Isso é certo. Está correto. Ele
Cirignano – Há alguma prova de que estava fornecendo um cronograma do ataque.
FDR tenha visto o memorando de Mc Cirignano – O espião estava mesmo en-
Collun? viando planos de bombardeamento em
Stinnett – Não há qualquer prova de que Pearl Harbor?
ele realmente tenha visto o memorando, Stinnett – Sim. De março a agosto ele
mas ele adaptou todas as oito provocações forneceu o recenseamento da frota do Pa-
– chegando a assinar ordens de execução... cífico. Então, a partir de agosto, começou a
E outras informações nos arquivos da Ma- preparar planos de bombardeamento de
rinha mostram evidências conclusivas de Pearl Harbor, onde os nossos navios esta-
que ele o viu.* vam ancorados, e assim por diante.
Cirignano – Seu livro afirma que em 1941 Cirignano – E Roosevelt chegou a ver
havia um espião residindo no consulado esses planos de bombardeamento, não é?
japonês de Honolulu. Stinnett – Sim, isso é correto.
Stinnett – O Japão colocou esse espião Cirignano – O Sr. afirma que, por duas
– era um oficial japonês – em Honolulu. Ele vezes, durante a semana de 1 a 6 de dezem-
chegou em março de 1941. Mas quando o bro, o espião informou que Pearl Harbor
FBI conferiu o seu nome descobriu que não seria atacada. Segundo um comandante ja-
estava listado no registro estrangeiro japo- ponês, a mensagem de 2 de dezembro era:
nês, o que o tornou imediatamente suspei- “Não foram observadas alterações na tar-
to. Eles colocaram uma “cauda” nele. E, as- de de 2 de dezembro. Até então eles não
sim, o espião começou a passar mensagens parecem ter sido alertados”. E na manhã de
para o Japão que nós estávamos intercep- 6 de dezembro a mensagem era: “Não há
tando. Estas agora eram num código diplo- barragens de balões levantadas, e há uma
mático. E então o FBI continuou a segui-lo oportunidade para um ataque surpresa con-
de perto, bem como a inteligência naval. tra esses locais”. Estas mensagens foram
Cirignano – A inteligência naval, o FBI interceptadas pela Marinha, certo? Será
e Roosevelt sabiam que esse homem esta- que Roosevelt sabia dessas mensagens?

* Registro, para lembrança, as oito ações do Memorando Mc Collun:


1. Fazer um acordo com a Grã-Bretanha para a utilização das bases britânicas no Pacífico,
principalmente Cingapura.
2. Fazer um acordo com a Holanda para o uso de facilidades e para aquisição de suprimentos
nas Índias Ocidentais Holandesas (hoje Indonésia).
3. Fornecer toda ajuda possível ao governo chinês de Chiang Kai-shek.
4. Enviar uma divisão de cruzadores pesados para o Oriente, Filipinas ou Cingapura.
5. Enviar duas divisões de submarinos para o Oriente.
6. Manter o grosso da Marinha dos EUA, agora no Pacífico, nas proximidades das Ilhas
Havaianas.
7. Insistir junto ao governo holandês para recusar o fornecimento de concessões econômi-
cas aos japoneses, particularmente óleo.
8. Impor embargo comercial total ao Japão, em colaboração com embargo similar a ser
imposto pelo Império Britânico. Stinnett – Day of Deceit – pág. 8.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Stinnett – Elas foram interceptadas. Isso missões de rádio navais japonesas inter-
é correto. Foram enviadas pelas comunica- ceptadas entre 28 de novembro e seis de
ções da RCA. E Roosevelt enviou David dezembro confirmam que o Japão tencio-
Sarnoff, que era o chefe da RCA, a Honolulu nava começar a guerra e que começaria por
de modo que este facilitasse a obtenção Pearl Harbor”. Viu registros dessas
dessas mensagens ainda mais rapidamente. interceptações com seus próprios olhos?
Embora estivéssemos também as intercep- Stinnett – Sim. E também temos novas
tando a partir do éter, de qualquer forma. E informações sobre outras interceptações
de 2 de dezembro a 6 de dezembro o espião na nova edição que saiu em maio de 2001.
indicou que Pearl Harbor iria ser o alvo. E a Não há dúvida sobre isso.
2 de dezembro foi interceptada uma mensa- Cirignano – Segundo “O dia da fraude”,
gem, sendo decodificada e traduzida antes em 25 de novembro o Almirante Yamarusto
de 5 de dezembro. A mensagem de 6 de de- enviou uma mensagem de rádio à frota ja-
zembro... não é realmente prova; foi inter- ponesa. Em parte da mensagem lê-se: “A
ceptada, mas há toda espécie de histórias força-tarefa, mantendo seus movimentos
de encobrimento sobre se chegou ou não estritamente secretos e mantendo guarda
ao Presidente. Mas há prova de que ele re- serrada contra submarinos e aviões, avan-
cebeu outra informação do que iria aconte- çará dentro de águas havaianas e no ins-
cer no dia seguinte, de qualquer modo. tante da abertura das hostilidades atacará
Cirignano – Viu os registros destas in- a força principal da frota dos Estados Uni-
terpretações com seus próprios olhos? dos no Havaí e desferir-lhe-á um golpe
Stinnett – Sim. Tenho isso. mortal...” Qual é a prova de que o registro
Cirignano – E todas essas mensagens dessa interceptação existe? O Sr. o viu?
que a Marinha interceptava constantemen- Mais uma vez, Roosevelt soube disso?
te mostravam exatamente onde estavam os Stinnett – A versão em inglês dessa men-
navios japoneses que estavam preparan- sagem foi divulgada pelos Estados Unidos.
do-se para a guerra e que estavam dirigin- Tenho cópias dos registros de rádio da Es-
do-se diretamente para o Havaí. Certo? tação H –, uma estação de monitoragem do
Stinnett – Está certo. Nossos detectores Havaí. Eles provam que a Marinha intercep-
de direção de rádio localizaram os vasos tou 83 mensagens que Yamamoto enviou
de guerra japoneses. entre 17 e 25 de novembro. Tenho esses
Cirignano – O Sr. diz que Roosevelt recebia registros, mas não as interceptações origi-
regularmente cópias dessas interceptações. nais, 86% das quais não foram divulgadas
Como elas lhe eram entregues? pelo governo*... Até que Roosevelt, no prin-
Stinnett – Pelo Comandante Mc Collun, cípio de novembro de 1941, ordenou que as
reencaminhando a informação para ele. Elas interceptações originais japonesas fossem
eram preparadas em forma de monografia. entregues diretamente a ele pelo seu adjun-
Chamavam isso monografia... eram envia- to naval, Capitão** Beardall. Por vezes, se
das ao Presidente por meio do Comandan- Mc Collun sentia que uma mensagem era
te Mc Collun, que as despachava por meio particularmente quente, entregava-a pesso-
do adjunto naval do Presidente. almente a FDR.
Cirignano – Na página 203 da edição Cirignano – No fim do dia 6 de dezembro e
encadernada do seu livro, lê-se: “Sete trans- nas primeiras horas da manhã de 7 de dezem-
* NA – Grifos do articulista.
** NA – Capitão de Mar e Guerra.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

bro, os Estados Unidos interceptaram mensa- Stinnett – Correto. Mas o Sr. verifica que
gens enviadas ao embaixador japonês em eles queriam que ocorresse o ato aberto
Washington. Essas mensagens constituíam por parte do Japão. Aquilo unificou o povo
basicamente uma declaração de guerra – o Ja- americano.
pão estava dizendo que rompia negociações Cirignano – Isso parece o caso clássico
com a América. Naqueles mesmos momentos, de superiores que fazem algo questionável
mostraram as interceptações ao General e a seguir conseguem que as pessoas abai-
Marshall e ao Presidente Roosevelt. Quando xo deles arquem com as culpas. O Almiran-
FDR as leu, disse: “Isso significa guerra”. te Husband Kimmel estava à frente da fro-
Quando a última interceptação foi mostrada a ta de Pearl Harbor e foi rebaixado e culpa-
Roosevelt, ainda faltavam horas para o ata- do pelo ataque. Isso justifica-se?
que a Pearl Harbor. Nessa última interceptação, Stinnett – Não. Não se justifica. E o Con-
o Japão dava a data final de quando iria rom- gresso, como sabe, em outubro de 2000,
per relações com os EUA – a data final era a votou em isentá-lo porque foi-lhe retirada
hora exata em que Pearl Harbor foi atacada. a informação. Isto é muito importante. Mas
FDR e Marshall deveriam então ter enviado estava sujeito à aprovação do Presidente
uma advertência de emergência ao Almirante Clinton, que não assinou. Mas pelo menos
Kimmel em Pearl Harbor. Mas eles atuaram de o Congresso atuou, fez o que devia**.
forma displicente e não enviaram nenhuma ad- Cirignano – O Sr. afirma que ao Almiran-
vertência a Kimmel. te Kimmel e ao General Short – que dirigia
Stinnett – Sim. Esta é a mensagem envia- o Exército no Havaí – foi negada por Wa-
da do Ministério das Relações Exteriores do shington a informação que lhes teria per-
Japão ao embaixador japonês em Washing- mitido saber que o ataque estava por vir.
ton, D.C. E ele atuou assim... rompeu rela- De que modo foi negada informação a
ções com os Estados Unidos e estabeleceu Kimmel e a Short?
um cronograma para 13 horas de domingo, 7 Stinnett – Bem, eles foram postos de
de dezembro, fuso horário da costa leste. lado... Não lhes foi dito que o espião esta-
Cirignano – A hora exata em que Pearl va ali, e não lhes foram dados esses docu-
Harbor foi bombardeada. mentos cruciais, as informações dos
Stinnett – Correto. Eles, com toda sua in- detectores de direção de rádio***. Toda
formação, perceberam isso. E então o Gene- essa informação ia para toda a gente, exceto
ral Marshall, apesar disso, sentou-se em cima para Kimmel e Short. Isso é muito claro...
da mensagem durante cerca de 15 horas por- Num certo momento, Kimmel especifica-
que não queria enviá-la... não queria advertir mente solicitou que Washington o infor-
os comandantes do Havaí a tempo... não que- masse imediatamente acerca de quaisquer
ria que eles interferissem com o ato aberto. desenvolvimentos importantes, mas eles
Finalmente acabaram por enviar, mas a men- não o fizeram.
sagem não chegou senão após o ataque*. Cirignano – Foi dada alguma informa-
Cirignano – Roosevelt também viu isso. ção a Kimmel, porque duas semanas antes
Eles deveriam ter enviado uma advertência do ataque ele enviou a frota do Pacífico ao
ao Almirante Kimmel no Havaí, não é? norte do Havaí num exercício de reconhe-
* NA – Aparece em uma cena ao final do filme “Pearl Harbor”, mais um romance do que uma narração
histórica.
** N.R.: Grifo do articulista.
*** NA – Radiogoniômetros.

30 RMB2 oT/2009
O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

cimento, a fim de verificar os transportes livro. E para o Almirante Kimmel, aquela


japoneses? Quando os responsáveis da mensagem que ele recebeu foi repetida duas
Casa Branca souberam disso, qual foi a sua vezes: “Permaneça de lado e deixe o Japão
reação? cometer o primeiro ato aberto”. O
Stinnett – O Almirante Kimmel tentou, fraseamento exato está no meu livro.
num certo número de ocasiões, fazer algo Cirignano – Seu livro torna abundante-
para defender Pearl Harbor. E, realmente, mente claro que FDR e seus conselheiros
duas semanas antes do ataque, a 23 de sabiam que o Japão estava preparando-se
novembro, Kimmel enviou aproximada- para a guerra, e sabiam que o Japão ia final-
mente uma centena de vasos de guerra da mente atacar. Mas poder-se-á dizer que FDR
frota do Pacífico para o sítio exato em que sabia que o ataque iria ter lugar especifica-
o Japão planejava lançar o ataque. Kimmel mente na manhã de 7 de dezembro em Pearl
atuava com seriedade. Ele estava à procu- Harbor?
ra de japoneses. Suas ações indicavam que Stinnett – Sim. Absolutamente.
ele queria estar perfeitamente preparado Cirignano – Por meio das interceptações
para a ação se ele encontrasse um navio da de rádio?
Armada japonesa. Stinnett – Por meio das interceptações de
Quando responsáveis da Casa Branca rádio, sim. Tanto militares como diplomáticas.
souberam disso, eles disseram a Kimmel Cirignano – Em 5 de dezembro, a Mari-
que ele estava “complicando a situação”... nha interceptou uma mensagem dando ins-
O Sr. vê, a Casa Branca queria um ato aber- truções às embaixadas japonesas em todo
to de guerra por parte do Japão que fosse o mundo para queimarem os livros de códi-
claro e inequívoco. Os isolacionistas teri- gos. O que significa um governo instruir
am acusado FDR de precipitar a ação japo- suas embaixadas a queimarem seus livros
nesa por permitir que a frota do Pacífico de códigos?
fosse ao Pacífico norte... Assim, minutos Stinnett – Significa que a guerra come-
depois de ter recebido a diretiva da Casa çará dentro de um ou dois dias.
Branca, Kimmel cancelou o exercício e man- Cirignano – Trata-se de um conhecimen-
dou a frota retornar ao seu ancoradouro to comum entre os militares. E os respon-
em Pearl Harbor. Foi onde os japoneses a sáveis em Washington viram estas
encontraram em 7 de dezembro de 1941. interceptações e o seu significado.
Cirignano – A Casa Branca estava alge- Stinnett – Sim, correto.
mando Kimmel? Eles queriam-no comple- Cirignano – FDR e Washington também
tamente passivo? sabiam que o Japão havia mandado retornar
Stinnett – Sim. É exato. todos os navios de sua frota mercante. O
Cirignano – FDR enviou uma advertên- que significa isso?
cia de guerra a Kimmel em 28 de novembro. Stinnett – É bem sabido no governo e
Foi uma advertência suficiente? entre os militares que se um país manda
Stinnett – Bem, foi uma advertência, mas voltar sua frota mercante é porque os navi-
nela também orienta o Almirante Kimmel e os são necessários para transportar solda-
todos os comandantes do Pacífico para fi- dos e abastecimentos para a guerra.
carem de lado, não irem para a ofensiva, Cirignano – Se o que está dizendo é ver-
permanecerem em posição defensiva, e dei- dade, então Pearl Harbor é um primeiro
xarem o Japão cometer o primeiro ato aber- exemplo de um governo a tratar seres hu-
to. É o que diz a mensagem, e está no meu manos como ratos cobaias. Ainda assim, o

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

Sr. não menospreza FDR nem tem uma vi- Cirignano – Quanto do seu livro nunca
são negativa dele. havia sido revelado antes ao público?
Stinnett – Não, não tenho uma visão Stinnett – A rotina do silêncio rádio. O
negativa. Penso que era a única opção atu- fato de que os navios japoneses não man-
ar assim. E cito o principal criptógrafo da tiveram silêncio quando se aproximaram do
frota do Pacífico, que disse: “Foi um preço Havaí... A decifração dos códigos japone-
bonito e barato que se teve de pagar para ses – quero dizer, a prova completa disso.
unificar o país”. Códigos militares, enfatizo... E também as
Cirignano – Esse criptógrafo, o Comandan- oito ações do Memorando Mc Collun, que
te Joseph Rochefort, era um confidente de Mc constituem a essência do meu livro. Se eu
Collun. Ele trabalhou em estreita ligação com não houvesse obtido isso, o livro não se-
Kimmel em Pearl Harbor. Poder-se-ia argumen- ria tão importante.
tar que Rochefort, que Cirignano – Sua
era o mais próximo de investigação parece
Kimmel, foi o mais res- Quantas pessoas sabiam provar que podem
ponsável por negar a que o Japão estava existir conspirações
Kimmel informação vital. do governo. Na sua
E ele fez tal declaração. prestes a atacar Pearl ótica, quantas pesso-
Mas o Sr. concorda com Harbor mas mantiveram as diria que, afinal de
isso? Muitas pessoas fi- contas, sabiam que o
cariam ofendidas e
silêncio sobre isso e Japão estava prestes
enraivecidas com uma encobriram-no antes a atacar Pearl Harbor
tal declaração. Muitas e após o evento? mas mantiveram si-
pessoas não concorda- lêncio sobre isso e en-
riam com isso. – Eu cito no livro 35 cobriram-no antes e
Stinnett – Sim, eu pessoas que certamente após o evento?
sei. Quando falo acer- Stinnett – Eu cito
ca disso com as famíli-
sabiam disso. no livro 35 pessoas
as, elas começam a Stinnett que certamente sabi-
chorar. Ficam terrivel- am disso. E prova-
mente inquietas... Mas, como sabe, foi usa- velmente há mais do
da pelo Presidente Polk na Guerra Mexica- que isso.
na, em 1946. E também pelo Presidente Cirignano – Também parece como um
Lincoln em Fort Sunter. E também, como eu clássico encobrimento de Washington. No
disse, no Vietnã, neste caso no Golfo de seu livro, usa a frase “fraudes de Pearl
Tonkin. Harbor”. Desde o ataque têm faltado do-
Cirignano – Podia ser uma filosofia tra- cumentos, há documentos alterados, pes-
dicional dos militares, a ideia de que os soas sendo insinceras e pessoas come-
militares tem por vezes de provocar o ata- tendo perjúrio diante de comitês de inves-
que do inimigo, sacrificar os seus próprios tigação de Pearl Harbor. Correto?
soldados, de modo a unificar um país para Stinnett – Está correto. Totalmente. E
a guerra. como sabe, o Departamento da Defesa
Stinnett – Penso assim. Julgo que pro- etiquetou algumas das minhas solicitações
vavelmente poder-se-ia remontar aos tem- sobre Pearl Harbor como “Segredos da
pos de César. Defesa Nacional B1”, e eles não os entre-

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

garão. Eu digo isso no livro. Janet Reno* cia emergiu para que se modificasse uma
não os entregaria para mim. decisão de 50 anos. Porém, Thomas Kimmel
Cirignano – E a todos os comitês ofici- foi capaz de apresentar, pelo menos, uma
ais do Congresso sobre Pearl Harbor foi dúzia de novos e significantes itens de evi-
negada e não foi entregue toda essa infor- dências que claramente mostravam que o
mação relevante e secreta? Almirante Kimmel foi injustamente acusa-
Stinnett – Correto. Eles também foram do e deslealmente difamado”.**
afastados do assunto. É possível que Edward R. Kimmel não
Muitas pessoas provavelmente não tenha percebido que o secretário de Defe-
querem acreditar que um presidente faria sa de George Bush, o pai, Dick Cheney,
tal coisa. agora era o vice-presidente da República.

DO TRADUTOR/ARTICULISTA – 
FINAL 

Provavelmente animado com a decisão Em 1o de novembro de 2008, sábado, o


do Congresso, ambas comandante da Força
as Casas não atendi- Aérea do Japão foi su-
das pelo Presidente O Almirante Husband E. mariamente demitido
Clinton, em favor das pelo primeiro-ministro
pretensões das famíli- Kimmel, afinal, teve sua por escrever artigo na
as Kimmel e Short, honra, com toda justiça, imprensa no qual afir-
Edward R. Kimmel, o
único filho sobrevi-
resgatada pelo Congresso mou que o Japão não
foi agressor na Segun-
vente do Almirante dos Estados Unidos da da Guerra Mundial,
Husband E. Kimmel, América mas sim impelido por
dirigiu-se por quatro Roosevelt a atacar os
vezes, por meio de car- EUA, o que contraria-
tas, ao Presidente George W. Bush na bus- va os atuais princípios da política externa
ca de seu intento. japonesa***.
A primeira carta foi datada de 22 de fe-
vereiro de 2001, a segunda de 12 de junho 
de 2001, a terceira de 10 de janeiro de 2002. 
“Lamentavelmente, o Presidente George
W. Bush não considerou a ação do Con- Parece-me que esse tema esmaecerá.
gresso. A família Kimmel recebeu uma car- Não creio que, com a grande turbulência
ta do Presidente, assinada pelo chefe de que tomou conta do mundo – imprevisível
Gabinete, Andrew W. Card, na qual escla- aos analistas econômicos, cientistas polí-
recia que o Presidente George W. Bush não ticos, políticos profissionais, historiadores,
atendeu à solicitação dos Kimmel porque ensaístas militares e civis, enfim, a todos –
nenhuma “nova ou extraordinária” evidên- o Congresso e o Presidente Barack Obama

* NA – Janet Reno – Secretária de Justiça na administração Bill Clinton.


** N.A – AIM REPORT – Editor Cliff Kincaid, 2003 Report # 11, 5 de junho de 2003.
*** N.A – Escutei no noticiário da Globo News, “Em cima da hora”. Não foi repetido e não foi registrado
em jornal.

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O JAPÃO, PEARL HARBOR E A SAGA DO ALMIRANTE KIMMEL – Parte XXII

possam ou queiram reservar algum tempo guns deles ultrarradicais de direita e seus
para o ocorrido em Pearl Harbor. inimigos políticos, para levar o país à guer-
ra contra Hitler, àquela altura já detectado
 pelo Presidente como o grande flagelo da
 humanidade.”
Embora implícita, não escrevi no
Minhas palavras finais são para reafir- panegírico que lhe dediquei a palavra “co-
mar o que registrei na RMB, 4o t/2006, p. 66 ragem”, coragem moral sobretudo.
sobre Franklin Delano Roosevelt, sob o tí- O Almirante Husband E. Kimmel, afi-
tulo O Estadista: nal, teve sua honra, com toda justiça, res-
“Roosevelt encontrara a solução para o gatada pelo Congresso dos Estados Uni-
grande problema que o afligia, o convenci- dos da América. Não poderia ter sido de
mento dos isolacionistas americanos, al- outra maneira.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<HISTÓRIA>; / História dos Estados Unidos; Segunda Guerra Mundial;

Ao ser finalizada a séria sobre o Japão, Pearl Harbor e a Saga do Almirante


Kimmel, a Revista Marítima Brasileira tem o dever de agradecer ao seu autor, Almi-
rante de Esquadra Mário Jorge da Fonseca Hermes, pelo discernimento e a abnega-
ção devotada a um tema tão importante da história da Segunda Guerra Mundial e da
História da Humanidade.
A matéria foi objeto de inúmeras e variadas obras escritas e discutidas por
autores e historiadores em todas as vertentes da mídia.
Como foi possível ler, ao longo dos artigos, a sociedade americana avaliou o
procedimento do Almirante Kimmel e do General Short nos últimos 60 anos.
Os presidentes da República e o Congresso dos Estados Unidos discutiram
a respeito das instituições e personalidades envolvidas no triste episódio e inexistiu
unanimidade em relação aos ilustres oficiais.
A Revista Marítima Brasileira manifesta sua gratidão ao Exmo. Sr. Almirante
de Esquadra Mário Jorge da Fonseca Hermes pois, dedicando suas horas de lazer e
esforçando-se por interpretar, traduzir e adaptar, mostrou aos leitores da revista
aspectos relevantes e inéditos.
Certamente foi trazida luz onde havia sombra, graças à perspicácia do notável
colaborador.

34 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS*

A Marinha do Brasil na Guerra do


Paraguai não foi só Riachuelo.

LUIZ EDMUNDO BRÍGIDO BITTENCOURT


Vice-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Antecedentes
Concentração dos aliados
Combate de Corales
Batalha Naval do Riachuelo e sua consequência
A “Guerra das Chatas”
A chata artilhada paraguaia
Missão da Marinha Imperial
Marinha Imperial assume posição
Os duelos de artilharia
A morte de Mariz e Barros
Mais duelos de artilharia
A artilharia aliada de terra
Mais duelos de artilharia
Reconhecimento da “Ilha Pequena”
Mais duelos de artilharia

*
N.A.: Este artigo baseia-se na magnífica obra História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai,
em cinco volumes, com mais de 1.870 páginas, de autoria do General de Divisão Augusto Tasso
Fragoso, editada em 1934 pela Imprensa do Estado-Maior do Exército, e inclui inúmeras outras
informações contidas na bibliografia. Preferi não fazer paráfrases e abusar das transcrições para
obter mais autenticidade nos relatos.
É também parte de um trabalho maior sobre as ações bélicas de toda a guerra, com o propósito
de dar à massa da oficialidade uma visão geral, fácil de ser lida, ressaltando a participação da Marinha
naqueles longos anos de beligerância, com a esperança de que os mais jovens se motivem para
empreender novas pesquisas.
A GUERRA DAS CHATAS

INTRODUÇÃO formadas (exércitos de Porto Alegre, de


Canabarro/Cadwell, de Osório, de Paunero,
Aos 15 meses da invasão da Argentina
de Gelly y Obes – os dois últimos argenti-
e do Brasil pelos soldados paraguaios, os
nos – e de Flores – uruguaio) dirigiram-se
aliados – Argentina, Brasil e Uruguai –,
para a área de Corrientes/Corales, onde,
após levarem o inimigo a retornar às suas
entre dezembro de 1865 e abril de 1866, pre-
fronteiras, estão prontos para dar o troco.
pararam-se para a invasão do Paraguai.
Este artigo pretende ressaltar a partici-
Eram 38 mil brasileiros, 25 mil argentinos
pação da Marinha Imperial brasileira em al-
e 2.900 uruguaios, além de outros 16 mil bra-
gumas das ações preparatórias para o as-
sileiros espalhados na área como reserva e
salto ao país inimigo no início da guerra.
para a defesa do território do Brasil.
Os futuros invasores tinham, então, à
ANTECEDENTES
sua disposição, 150 canoas, 30 pranchas
Em fins de dezembro de 1864, tropas flutuantes e 30 transportes a vapor com
paraguaias invadiram o sul de Mato Gros- uma capacidade total de transportar 15 mil
so, conquistando Corumbá a 4 de janeiro homens.1 (Thompson)
de 1865. De lá retirar-se-ão, voluntariamen- Nesse período, a margem esquerda do Rio
te, no início de junho de 1868. Paraná, da foz do Rio Paraguai até Itati, esta-
Em janeiro de 1865, em verdadeira va ocupada pelos aliados, mas fracamente
blitzkrieg, conquistaram Corrientes, na defendida. Isso ensejou aos paraguaios fus-
Argentina, e Uruguaiana, no Brasil, esta tigar os aliados em inúmeras ocasiões e de
em 5 de agosto de 1865. diversas maneiras: incursões de nove a 40
A reação aliada priorizou Uruguaiana, canoas com um total de cem a 1.500 homens
que foi libertada em 18 de setembro, quan- em cada incursão, ou aquela em que 3 mil
do mais de 5 mil paraguaios caíram prisio- soldados transportados por dois vapores de-
neiros sem que houvesse necessidade de sembarcaram, pilharam e retiraram-se.
ser dado um só tiro, graças ao sítio impos- A incursão de 31 de janeiro de 1866 deu
to pelos aliados. Um mês antes, a 17 de lugar ao Combate de Corales, com a partici-
agosto, os aliados derrotaram os paraguaios pação de 1.100 paraguaios que lá desembar-
da margem direita do Rio Uruguai, em fren- caram, puseram em fuga os argentinos e de-
te a Uruguaiana, no Combate de Iataí, quan- pois se retiraram tranquilamente. As baixas
do 1.700 inimigos foram mortos e 1.200 fei- foram de 700 paraguaios e de 400 argentinos.
tos prisioneiros.
Como consequência e por ordem de BATALHA NAVAL DO RIACHUELO E
López, os paraguaios retiraram-se dos ter- SUA CONSEQUÊNCIA
ritórios ocupados na Argentina e no sul do
Brasil, atravessaram de volta o Rio Paraná Recordemos um pouco.
e prepararam-se para resistir à inevitável A 11 de junho de 1865, nas águas do
invasão aliada. Rio Paraná, junto à foz do Arroio Riachuelo,
bem próximo a Corrientes (em mãos
CONCENTRAÇÃO DOS ALIADOS paraguaias), a Marinha Imperial obteve his-
tórica vitória sobre os paraguaios naquela
Combate de Corales
batalha naval.
Após a libertação de Uruguaiana, o gros- A vitória brasileira, liderada por Barro-
so das tropas envolvidas e outras recém- so, varreu das vias fluviais de Corrientes

36 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

para baixo a Marinha paraguaia, que, na A chata artilhada paraguaia


realidade, desde então, deixou de existir. O
país perdeu a ligação para o mundo. Vejamos a descrição de uma chata nas
Entretanto, o inimigo é corajoso, bravo palavras do Barão de Tefé3: “A chata é um
e engenhoso: não dispondo de navios, “in- grande e possante batelão de fundo chato,
ventou” a chata artilhada, que se mostrou tendo convés a proa e a ré e uma abertura
um poderoso inimigo dos navios da Mari- no meio, como um poço de dois metros de
nha Imperial. profundidade; nesse fundo assenta um tri-
Foi contra esse adversário que a Mari- lho circular sobre o qual gira a carreta do
nha Imperial teve de lutar enquanto se pre- enorme canhão cuja boca (estando o eixo
parava para invadir o Paraguai. Essa luta da alma horizontal) fica pouco mais de um
denominei de “Guerra das Chatas”, que será palmo acima do rio e, às vezes, a bajular a
tratada neste artigo. água. As pontarias podem ser em elevação
e em todas as direções do horizonte. As-
A GUERRA DAS CHATAS
sim carregadas, as embarcações estavam
Enquanto as tropas quase submersas, e
aliadas se adestravam, no poço do rodízio se
os chefes pensavam Resumidamente, a chata abrigava a guarnição,
no local do desembar- que se comunicava
que, que, na opinião de era um canhão de grosso com os paióis de mu-
Mitre, com a concor- calibre capaz de ferir fundo nição sem se expor. Só
dância dos demais, de- uma bomba atirada
veria ser na área de e difícil de ser avistado e por elevação ou o ri-
Itapiru ou, no máximo, muito mais de ser destruído cochete casual de uma
mais para montante do bala podiam inutilizar
Rio Paraná até em fren- alvo tão difícil de atin-
te a Itati. Qualquer que fosse o local esco- gir, ao passo que seus artilheiros,
lhido, haveriam de ser executadas, previa- tranquilamente, girando a carreta não de-
mente, as operações clássicas de levanta- viam errar um tiro.” (Os grifos são meus.)
mento hidrográfico, reconhecimento das Do livro A Batalha do Riachuelo4, de
praias e amaciamento das defesas inimigas, autoria do Chefe de Divisão Joaquim
além do bloqueio à navegação oponente. E Inácio, podemos adicionar alguns detalhes:
tudo isso foi feito. “... eram da mais sólida construção... medi-
Os paraguaios, para a sua defesa, forta- am 16,50 metros de quilha, 4,60 de boca e
leceram o Forte de Itapiru com mais canhões, 0,80 de pontal... o convés quase ao lume
dispuseram de artilharia móvel – uma pode- d’água, sem borda... de tiro de grosso ca-
rosa arma contra os navios que se aproxi- nhão... tudo impossibilitava outro motor
massem da margem – e das incríveis chatas que não fosse o reboque... a guarnição re-
artilhadas (ou “monitores liliputienses”, gulava por 30 praças”.
como eles as denominavam).2 (ABC) Resumidamente, a chata era um canhão
Mais uma vez, o leitor irá perguntar-se por de grosso calibre capaz de ferir fundo e
que uma mera chata poderá ser considerada difícil de ser avistado e muito mais de ser
uma “poderosa arma” contra encouraçados. destruído.*

*
Para outros detalhes, ver artigos de Alvanir B. de Carvalho na RMB 4o trim./1995, p. 111 a 114.

RMB2 o T/2009 37
A GUERRA DAS CHATAS

Chata artilhada

38 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

Missão da Marinha Imperial assumiu suas posições na confluência dos


Rios Paraguai e Paraná – Três Bocas: a 2a
Na primeira conferência que reuniu os Divisão (Chefe José Maria Rodrigues),
grandes chefes (Mitre, Tamandaré, Flores constituída do Encouraçado Barroso, se-
e Osório), ocorrida em Corrientes, já guido na coluna das canhoneiras Magé,
reocupada pelos aliados, a 25 de fevereiro Ivaí, Mearim, Araguari e Iguatemi, atra-
de 1866, ficou decidido que, além do blo- vessava a foz do Rio Paraguai, bloquean-
queio e outras tarefas, a Esquadra Imperial do-a; as 1a Divisão (Capitão de Mar e Guer-
bateria as fortalezas de Itapiru e de Paso de ra Elisiário Antônio dos Santos) e 3a Divi-
la Patria e faria o levantamento hidrográfico são (Chefe Francisco Cordeiro Torres e
da margem direita do Rio Paraná até a altu- Alvim) com seus navios (a partir do mon-
ra de Itati... tante) Transporte Apa (navio do Almiran-
te), encouraçados Brasil e Bahia,
A Marinha Imperial assume posição canhoneiras Parnaíba, Beberibe e
Greenhalgh, o Aviso Chuí e as canhoneiras
No dia 20 de março de 1866, uma formi- Ipiranga e Itajaí postaram-se próximos à
dável esquadra suspendeu de Corrientes e margem esquerda do Rio Paraná, na altura

Linha dos 5 pés

RMB2 o T/2009 39
A GUERRA DAS CHATAS

dos acampamentos das tropas argentinas pés na sua parte mais larga e sua altitude
e uruguaias – Corales; mais junto à mar- sobre o nível da água do rio era de 20 pés.
gem ficavam os avisos Lindoia e Onze de Se estivesse armada de artilharia pesa-
Junho e o Transporte Iguassu. da de grosso calibre, talvez tivesse sido
Nesse trecho, o Rio Paraná tem 2 mil metros útil; mas, no estado que estava, só servia
de largura, mas está cheio de ilhas e bancos de de espantalho aos aliados.”
areia de 5 a 10 pés de profundidade. Mais adiante, quando tratou da ocupa-
Além desses navios, encontravam-se na ção da Ilha Pequena (Cabrita), o mesmo
área os encouraçados Barroso e Tamandaré, Thompson8 informa: “No dia seguinte à ocu-
as canhoneiras Beberibe e Henrique pação pelos brasileiros, López fez instalar
Martins*, dois avisos e três transportes. Per- em Itapiru um canhão de oito polegadas e
maneciam em Corrientes a Fragata Amazo- em seguida outro, alguns dias depois”.
nas (devido ao seu grande calado para o rio), Talvez por essa razão o largo emprego
a Canhoneira Maracanã e o Vapor Igurei, das chatas artilhadas lá estacionadas.
além de sete transportes fretados** O leitor deverá estar avisado de que, como
Ao todo, 125 canhões!6 (Thompson) as águas da área não eram conhecidas dos
aliados, encalhes eram bastante frequentes
Os duelos de artilharia e, em vários, aqueles navios ficavam ao al-
cance da artilharia inimiga; bem como os che-
Os duelos de artilharia entre os navios fes aliados compareceram, pessoalmente, em
e as chatas, o forte e as baterias volantes alguns esclarecimentos.
eram muitos frequentes. Vejamos alguns exemplos para poder-
Thompson7, sempre pronto a diminuir mos ter uma ideia de como era o dia a dia
os feitos aliados, declara que Itapiru, na das tripulações dos navios da Marinha
época, não poderia ser considerada uma Imperial lá operando, uma movimentação
“fortaleza”, tal a sua precariedade bélica: intensa e permanente, não importando se
“Itapiru, que os aliados honravam com o de dia ou de madrugada, se em dia últil,
nome de fortaleza e que achavam que de- sábado, domingo, feriado ou dia santifica-
veria ser destruída até a base antes de pas- do, e que exigia competência profissional,
sar o rio, era uma antiga bateria construída dedicação, espírito de sacrifício e, acima
no início do reinado de López I, em uma de tudo, muita coragem.
ponta de terra que entrava no Rio Paraná e No dia 18 de março de 1866, um domin-
que tinha por base um montículo de ro- go, o Chefe Alvim, a bordo do Tamandaré,
chas vulcânicas. A terra era revestida por fez um reconhecimento até o Paso de la
uma parede de ladrilhos que havia caído Patria, desafiando os canhões de Itapiru
em um de seus lados. Seu armamento con- ao passar a meia milha do inimigo. Não
sistia em uma peça raiada de 12. Media 30 houve troca de tiros.

*
.N.A.: Chamamos a atenção do leitor para a participação quase permanente da Canhoneira Henrique
Martins, sob o comando do Primeiro-Tenente Jerônimo Gonçalves, nas ações ocorridas na
área. Seu comandante terá participação notável e controvertida nos primeiros dias da República.
**
N.A.: Rio Branco 5 informa: “Os argentinos tinham em Corrientes os pequenos vapores Guardia
Nacional, Chacabuco, Buenos Aires, Pavón e Libertad, às ordens do Coronel-Major Chefe de
Divisão Muratori. O Almirante Tamandaré não se utilizou desses navios porque não podiam servir
para combate. Só foram empregados três vezes... Depois da passagem do Rio Paraná pelos aliados,
retiraram-se esses navios”.

40 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

No dia 21, partiu uma expedição com- Pela manhã do dia 24, seguiram a
posta do Tamandaré, da Araguari e da Beberibe, a Mearim e a Henrique Martins
Henrique Martins, tendo a bordo do pri- para desencalhar o Tamandaré. Às 10 ho-
meiro o Chefe Alvim além de Silveira da ras, o forte abriu fogo contra os navios
Mota (secretário de Tamandaré, comandan- que não foram atingidos. Às 11 horas, o
te de navio e futuro Barão de Jaceguai). Na Tamandaré estava livre.
passagem de ida avistaram duas chatas Ainda no dia 24, sábado, novo reco-
artilhadas ao abrigo de Itapiru, que atacou nhecimento, mesmo duelo de artilharia, só
os navios sem resultado. Na volta, de ma- que desta vez o Brasil foi atingido.
drugada, a Araguari encalhou em uma Às 14h50, aparece junto ao Forte Itapiru
pedra e foi alvo de fogo do forte e das duas um vapor rebocando uma chata artilhada
chatas que lá estavam. Não houve acertos. que, colocada em “posição conveniente,
Às 9 horas de 22, seguiu a Mearim com principiou a atirar em direção ao Apa [na-
Mota e o Vapor Voluntário para socorrer a vio-almirante]... Todos os navios iniciam a
Araguari, operação coroada de êxito. No- atirar e a chata e o vapor fugiram... Foram
vos tiros de Itapiru, felizmente sem acerto. boas as direções [de nossos navios] e su-
Ainda no dia 22, o Barroso, testa da põe-se que uma bomba arrebentou na cha-
coluna responsável pelo bloqueio da foz ta e outra na popa do vapor... Fez-se às 15
do Rio Paraguai, foi alvo da artilharia mó- horas o sinal 45 (cessar-fogo) logo que
vel inimiga posicionada na margem desapareceu o vapor”.10 (Rocha)
paraguaia das Três Bocas. Não houve da- No dia 25, domingo santificado da
nos nem resposta. Anunciação, no início da tarde, uma chata
No dia 23, Tamandaré transferiu-se para paraguaia foi posicionada convenientemen-
o Vapor Cisne, onde se encontrou com te e abriu fogo contra o Apa. Obteve um
Mitre, Flores e Osório*; presentes os esta- acerto que “atravessou a proa, foi ao paiol
dos-maiores dos dois maiores chefes. da bolacha e depois à dispensa da praça-
Às 11h50 suspenderam e seguiram em d’armas, onde fez estragos”.11 (Rocha)
coluna Rio Paraná acima a Henrique Martins, Imediatamente, partiram o Tamandaré
o Tamandaré, a Mearim, o Voluntário e o (com Chefe Alvim a bordo) e a Henrique
Cisne. Ao passarem por Itapiru, onde conta- Martins para combater a chata. Seguiram
ram oito peças de artilharia, foram alvo de os escaleres do Bahia e do Brasil com gente
vários tiros, inclusive das chatas lá abrigadas, armada para capturá-la. “Pouco depois,
que não obtiveram acerto. Mais tarde, os partiu o Lindoia, com o secretário Mota e
navios foram alvo de uma chata artilhada que o prático Etchbarne, com instruções para
se apresentou rebocada por um vapor, mas tomar a chata, o que não puderam fazer (ape-
desta vez houve resposta brasileira. sar de ter ido um escaler bem perto), por ter
Na volta, pela madrugada (do dia 24), o de terra cerca de mil homens feito vivo fogo
Voluntário encalhou em uma pedra; o e atirado muitos foguetes... Segunda ten-
Tamandaré, ao manobrar para socorrer o tativa foi feita para tomar a chata e sem
companheiro em dificuldade, também en- resultado, porque de terra a infantaria fez
calhou. Curiosamente, o Voluntário con- vivíssimo fogo. Cessado o fogo do forte,
seguiu safar-se com os próprios meios, continuou o Tamandaré a atirar para a cha-
permanecendo preso o Tamandaré. ta até 21h30.”12 (Rocha)

*
N.A.: Carneiro da Rocha9 relata apenas Tamandaré e Mitre.

RMB2 o T/2009 41
A GUERRA DAS CHATAS

Para ilustrar a dificuldade do historia- ços.”17 (Fragoso) Os navios acertaram o


dor em retirar “uma verdade” de suas fon- paiol de munição da chata.18 (Thompson)
tes, transcreve-se, a seguir, o mesmo epi- No dia 27, às 7 horas, suspendeu a
sódio, relatado por Fragoso 13 : “O Henrique Martins com os vapores argen-
Tamandaré e a Henrique Martins aproxi- tinos Chacabuco e Buenos Aires, tendo a
maram-se... sondando cautelosamente o rio, bordo o General Flores e o secretário Mota,
e atacaram-na [a uma distância de 110 para fazerem um reconhecimento para a
metros14 (Thompson)]. A guarnição aban- escolha do local do próximo desembarque
donou-a para salvar-se. Os navios brasi- aliado, da margem direita do Rio Paraná até
leiros mandaram, então, três escaleres bem o Passo de Itati. Na passagem de volta so-
guarnecidos para rebocá-la, mas a fuzilaria freram alguns tiros da chata e do forte.
vinda do mato do rio não permitiu a opera-
ção [A fuzilaria matou quase metade das A morte de Mariz e Barros
tripulações dos escaleres15. (Thompson)].
Ao anoitecer, o Primeiro-Tenente Antônio Neste mesmo dia, às 11h30, um vapor
Carlos de Mariz e posicionou conveni-
Barros [comandante entemente uma chata
do Tamandaré, filho Duas balas do forte que logo começou a
de Inhaúma] fez nova atirar; “estava tão bem
tentativa de reboque, penetraram na casamata oculta por uma ponta
com o mesmo resulta- do Tamandaré, causando de pedra que apenas
do desfavorável.”
No dia 26, às 11
ferimentos em 14 homens e se percebia de longe a
boca da peça” 19 .
horas, “reunido no a morte de 14 praças e (Fragoso) Um de seus
Apa o conselho, com- cinco oficiais, entre eles seu tiros atingiu a proa do
posto por comandan- Apa. “O Bahia e o
tes das divisões e dos corajoso comandante, Tamandaré aproxima-
navios que ontem ati- Primeiro-Tenente Mariz e ram-se para combatê-
raram, leu o Almirante la, mas não era fácil al-
as partes de cada um,
Barros cançar objetivo tão
constantes dos tiros bem organizado e em
feitos e fez diversas reflexões... Ao meio- tão vantajosa situação. À vista disso, os
dia principiou a já conhecida chata a vir dois navios brasileiros atiraram-se contra
para fora e às 13h30 começou o fogo con- o forte [que, juntamente com a artilharia
tra o Apa, sobre o qual atiraram oito a dez móvel, respondeu ao fogo]. Infelizmente,
tiros, três dos quais foram aproveitados: duas balas deste penetraram na casamata
um na caixa da roda, outro acima do lume do Tamandaré, causando ferimentos em 14
d’água e outro tangenciando a caixa da homens e a morte de 14 praças e cinco ofi-
roda; o da caixa da roda foi à dispensa e ciais, entre eles seu corajoso comandante,
cozinha e parou junto da caldeira; o se- Primeiro-Tenente Mariz e Barros. Entre
gundo feriu o imperial marinheiro”16. (C. da os feridos incluía-se o Tenente De Lamare.
Rocha) “O Tamandaré, o Bahia e o Barro- Ficou assinalada a sua coragem e sereni-
so acometem a chata. Recebem dela alguns dade durante a cirurgia a que o submeteram
tiros, mas forçam os inimigos a para lhe amputar uma das pernas: [Mariz e
desguarnecê-la e, por fim, fazem-na peda- Barros] não quis que o cloroformizassem;

42 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

pediu um charuto e fumou-o enquanto os teve a ideia – logo aceita por Osório – de
médicos procediam à triste e dolorosa opera- artilhar a margem esquerda do Rio Paraná
ção.”20 (Fragoso) em frente ao forte inimigo. Assim, no dia
No diário de Carneiro da Rocha21 cons- 28, já se tinha instalada em Corales uma
ta que nesse dia “Chefe Alvim foi ferido bateria brasileira, e a 2 de abril, outra uru-
nas costas”. guaia, com canhões cujos projetis atraves-
savam o rio e atingiam o forte sem que os
Mais duelos de artilharia canhões inimigos pudessem alcançá-las.

No dia 28, ao amanhecer, a peça de 68 de Mais duelos de artilharia


uma chata que se colocara abaixo de outra
que já tinha sido destruída abriu fogo; al- No dia 29, ao meio-dia, “a Henrique
guns de seus tiros acertaram três navios da Martins e a Belmonte suspenderam e se-
Esquadra. Recebeu de volta os tiros do Bar- guiram Rio Paraná acima para sondarem o
roso, do Bahia e da Belmonte. “O canal... Fez a Belmonte alguns tiros com
Encouraçado Barroso foi atingido e avaria- bomba para o forte, que foram bem apro-
do em quatro locais diferentes, assim como veitados”24. (Rocha)
quase todos os outros. O canhão de 120 do Às 21 horas, o pequeno Vapor Fidelis,
Barroso partiu-se em dois. Entretanto, des- com cem praças em canoas, escoltado pela
ta vez o canhão paraguaio recebeu uma bala Henrique Martins, suspendeu para fazer um
que o fez em pedaços...”22 (Thompson) reconhecimento na Ilha Santana.25 (Rocha)
Em seguida, o Brasil “principiou a atirar. Às 23h30, “ouviu-se tiros do lado da
A chata não cessou o fogo e quase todas as boca do Paraguai... depois tiros de fuzil de
balas vieram sobre o costado, fazendo-se terra e do mar... Foi o Chefe do Estado-Mai-
em pedaços. Uma das balas passou entre as or [Almirante Barroso] no Lindoia saber o
pernas do prático Etchbarne*, que estava ocorrido; regressou com uma chata
em cima da casamata, uma outra atravessou [artilhada paraguaia] a reboque, que,
o canudo, vazou a trincheira e feriu mortal- guarnecida por sete homens, vinha a sirga**
mente o guardião de um imperial e atirou para cima. [Fazia uma bela noite de luar com
longe o boné e os óculos do Tenente Veiga. grande luminosidade26. (Thompson)] A guar-
Uma carga de balas e metralhas do Brasil, nição fugiu, deixando o armamento... e al-
indo sobre a chata, estragou-a ao meio, fi- guns cartuchos... O Brasil suspendeu e to-
cando os cabeços de fora e feridos dois ho- mou posição para ofender a chata, caso se
mens... Às 11h30, foi o Tamandaré... aproxi- escapasse da Boca”. No dia seguinte, logo
mar-se dos encouraçados e acabou de des- pela manhã, “foi o Almirante [Tamandaré] à
truir a chata”23 (Rocha) chata que se tomou”27. (Rocha)

A artilharia aliada de terra 

Para auxiliar a Esquadra no combate con- “A decisão de atravessar o Paraná em


tra as chatas e contra o Forte Itapiru, o Itapiru acarreava a necessidade do ataque
Tenente-Coronel José Carlos de Carvalho prévio ao forte... e do domínio pelo fogo de

*
N.A.: Veja em “A Guerra das Canoas”, na RMB do 1o trim/2008, p. 110, outra participação do prático.
**
Sirga – Corda com que se puxa uma embarcação ao longo da margem (Novo Dicionário Aurélio).

RMB2 o T/2009 43
A GUERRA DAS CHATAS

artilharia do setor de desembarque... Ora Ilha GrandeN.A.1 e a costa firme paraguaia.


isso seria perfeitamente exequível sempre Esta experiência foi feita a bordo da
que se ocupasse a Ilha Pequena (Cabrita), Henrique Martins, que chegou à distân-
ao sul do Forte.”28 (Fragoso) cia de tiro de peça de calibre 30 do acampa-
mento [paraguaio]. Nessa expedição foi
Reconhecimento da “Ilha Pequena” visto o vapor paraguaioN.A.2, que “apertou
o gorro” [fugiu] quando viu a nossa
No dia 30, Sexta-Feira da Paixão, à 0h30, canhoneira.”34 (Rocha)
o Tenente-Coronel José Carlos de Carvalho Essa descoberta foi importante, pois que
(o mesmo da ideia das baterias em Corales), maiores navios, em posição bastante favo-
com um destacamento de cinco oficiais e 90 rável, passaram a poder bombardear Paso
praças, embarcou na Henrique Martins e de la Patria em apoio às tropas aliadas após
rumou para a Ilha Pequena (Cabrita), onde a invasão, na sua progressão para a con-
desembarcou, “reconheceu-a em toda a sua quista daquela admirável fortaleza, como
extensão e escolheu as posições para a arti- de fato foi.
lharia e para as trincheiras. Regressou às 2 Thompson35 nos informa que “o Rio
da madrugada na mesma canhoneira, tra- Paraná era profundo por todas as partes,
zendo as quatro canoas que levara [que exceto em um lugar em frente à Ilha Carayá
transportaram as praças]”29. (Fragoso) [Santana] situado no Canal Norte, onde só
Ao romper deste mesmo dia, o Brasil, havia 12 pés d’água; López fez afundar duas
ao suspender, encalhou sobre o banco. A canoas cheias de pedra para cortar a entrada
Belmonte prestou socorro e safou o com- do canal interior. Neste canal havia duas cha-
panheiro às 16h30.30 (Rocha) tas armadas cada uma com um canhão de 8
polegadas e também o Vapor Gualegay... ar-
Mais duelos de artilharia mado com dois canhões de 12...”.
Às 17 horas, “fez a bateria do Exército
No dia 2 de abril, às 14 horas, “coloca- um tiro certeiro na chata, destruindo-a...36
da a chata por detrás da ponta das pedras, (Rocha)
fez o primeiro tiro para o acampamento. Às Ao romper do dia 4, “viu-se que a se-
14h30 suspendeu o Bahia com o Chefe gunda chata que havia sido destruída ti-
Alvim [a bordo] e foi para cima tomar posi- nha sido levada para a Ponta de Itapiru
ção para fazer fogo na chata... às 15h30 [para reparos]... Foi a Mearim até quase a
cessou o fogo da chata...”31 (Rocha) Ela Ponta, fez-lhe alguns tiros e voltou por ter
obteve um acerto no Vapor Duque de levado dois tiros do Forte, tendo sido um
Saxe32. (Fragoso) na carvoeira”.37 (Rocha)
“A chata que ontem nos incomodou não No início da tarde, “começou o Tamandaré
foi vista hoje na Ponta do Itapiru, e sim para a fazer tiros para a chata”. (Rocha)
dentro da enseada... O calor tem sido insupor- “Deu-se ordem para a Belmonte e o Bra-
tável nestes últimos dias [92º F]...”33 (Rocha) sil fazerem rondas de escaleres e à Itajaí e
No dia 3, às 16 horas, tomou-se conhe- à Greenhalgh para ficarem de prontidão.
cimento de ter sido “encontrada água para À tarde, melhorou muito o tempo con-
navios de 12 pés no canal de cima, entre a servando-se frio.”38 (Rocha)

N.A.1: quase certo Santana.


N.A.2: provavelmente o Gualegay.

44 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

No dia 5, embora tudo levasse a crer López mandara colocar perto do extremo
que Mitre e seus chefes estavam cientes nordeste da Ilha de Santana logo que teve
de que o desembarque das tropas para a conhecimento da subida do general argen-
invasão seria na área de Itapiru, parece que tino”.41 (Fragoso)
Mitre não estava tão seguro assim, pois Na noite de 5 para 6 de abril, os brasi-
expediu ordem para o General Hornos, com leiros desembarcaram na Ilha Pequena
um pequeno destacamento, explorar, de (Cabrita) e a ocuparam. O assunto foi trata-
novo, o setor de Itati (quatro companhias do no artigo “A Henrique Martins na defe-
de infantaria, duas peças de artilharia e um sa da Ilha Cabrita”, na RMB do 2o trimestre
regimento de cavalaria). de 2008, pág. 67 a 80.
Às 7 horas daquele dia, suspenderam a A Ilha Pequena passou a ser denomina-
Itajaí, a Henrique Martins e a Greenhalgh, da Ilha do Cabrita, ou simplesmente Ilha
juntamente com os pequenos Chacabuco Cabrita, em homenagem ao Tenente-Coro-
e Buenos Aires, sob o comando do Chefe nel Willagran Cabrita (patrono da Enge-
Alvim, e subiram o Paraná até Passo nharia do Exército), que, com a sua compe-
Lengues, que se situa ao dobro de distân- tência, sua liderança e seu heroísmo (e a
cia de Itati a Itapiru, sendo ela a travessia participação da Marinha Imperial), soube
mais estreita do Alto Paraná. conquistar e depois defender a posição do
Em exploração anterior, Hornos já havia esforço paraguaio em retornar à ilha. Foi
informado que “a margem paraguaia em uma vitória brasileira contundente.
frente a Itati não se prestava a um desem- Quando a luta terminou, enquanto fazia
barque”39. (Fragoso) uma refeição, foi atingido por uma bala da
Hornos desembarcou em Lenguas, artilharia de Itapiru e veio a falecer.
provocando a fuga da guarda de cava- Com a posse da ilha, agora Ilha Cabrita,
laria que o vigiava e examinou-lhe os terminou, praticamente, a “Guerra das Cha-
arredores. “Toda a costa inimiga são tas” e foi iniciado um prolongado duelo de
banhados e malezais intransitáveis; as guar- artilharia das baterias da ilha (e dos navios
das comunicam-se mediante picadas estrei- também) na tentativa de silenciar Itapiru e
tas abertas em grande trecho nos carriçais possibilitar o desembarque das tropas ali-
até chegar-se a terra firme. 40 (Palleja) adas naquela área.
Consequentemente, também impróprio para Mas a realidade foi bem diferente, como
o desembarque. já vimos no artigo “A Marinha Imperial no
Na volta, a expedição “foi hostilizada Dia D da Guerra do Paraguai”, na RMB do
por uma bateria volante de seis peças que 3o trim./2008, p. 44 a 53.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS> / Guerra do Paraguai / ; Guerra das Chatas; Mariz e Barros, Antônio Carlos de,
1o T; Henrique Martins (canhoneira); Gonçalves, Jerônimo Francisco, 1o T; Cabrita, Vilagran,
T.C.;

RMB2 o T/2009 45
A GUERRA DAS CHATAS

NOTAS

1. THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay. Assunción, Paraguay: Pabellón “Serafina


Dávalos”, 2003, p. 99.
2. RUBIAN, Jorge. La Guerra de la Triplice Alianza, Mercurio S.A. e ABC Color, Assunción,
Paraguay, 2001 (?), p. 523.
3. BARÃO DE TEFÉ, citado em Fragoso, v. II, p. 70.
4. FONSECA, Joaquim Inácio da, citado em Fragoso, v. II, p. 71.
5. RIO BRANCO, citado em Fragoso, v. II, p. 306.
6. THOMPSON, Ib., p. 96.
7. Ib., p. 96.
8. Ib., p. 99.
9. ROCHA, Manuel Carneiro da. Diário da Campanha Naval do Paraguai – 1866. Serviço de
Documentação da Marinha, Rio de Janeiro, Brasil, 1999, p. 60.
10. Ib, p. 61.
11. Ib., p. 62.
12. Ib.
13. FRAGOSO, Augusto Tasso (General-de-Divisão). História da guerra entre a Tríplice Alian-
ça e o Paraguai. Imprensa do Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, Brasil, 1934, v. II, p.
312.
14. THOMPSON, Ib., p. 96.
15. Ib.
16. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 63.
17. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 312.
18. THOMPSON, Ib., p. 96.
19. FRAGOSO, ib., v. II, p. 313.
20. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 314.
21. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 64.
22. THOMPSON, Ib., p. 97.
23. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 65.
24. Ib., p. 66.
25. Ib.
26. THOMPSON, Ib., p. 97.
27. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 66 e 67.
28. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 316.
29. Ib.
30. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 67.
31. Ib., p. 70.
32. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 316.
33. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 71.
34. Ib.
35. THOMPSON, Ib., p. 96.
36. ROCHA, Carneiro da, Ib., p. 71.
37. Ib., p. 72
38. Ib.
39. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.
40. PALLEJA citado em FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.
41. FRAGOSO, Ib., v. II, p. 317.

46 RMB2 oT/2009
A GUERRA DAS CHATAS

BIBLIOGRAFIA

1. FONSECA, Joaquim Inácio da (Chefe-de-Divisão). A Batalha do Riachuelo [s.n.t.] citado em


Fragoso, História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai.
2. FRAGOSO, Augusto Tasso (General-de-Divisão). História da guerra entre a Tríplice Alian-
ça e o Paraguai, Rio de Janeiro: Imprensa do Estado-Maior do Exército, 1934 (5 volumes, com
1.873 páginas).
3. ROCHA, Manuel Carneiro. Diário da Campanha Naval do Paraguai – 1866. Serviço de
Documentação da Marinha, Rio de Janeiro, Brasil, 1999.
4. RUBIANI, Jorge. La Guerra de la Triplice Alianza, Assunción, Paraguay: Mercurio S.A. e
ABC Color [2001?].
5. THOMPSON, George. La Guerra del Paraguay, Assunción, Paraguay: Pabellón “Serafina
Dávalos”, 2003.

BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR

1. BARRAN, José Pedro. Historia uruguaya (Tomo IV – Apogeu y crisis del Uruguay pastoril
y caudilhesco), Montevidéu, Uruguai: Ed. Banda Oriental da Republica, 1998 (155 páginas).
2. BENITEZ, Luiz G. (Professor). Manual de Historia del Paraguay, Assunción, Paraguay, s/
data (200 páginas).
3. CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio americano: a Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro:
Círculo do Livro, s/data (224 páginas).
4. H.P.C. “Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, 1909, p. 1.553
a 1.565.
5. MARCO, Miguel Angelo de. La Guerra del Paraguay. Buenos Aires, Argentina: Grupo
Editorial Planeta, 1995 e 2003 (350 páginas).
6. SCHNEIDER, Louis. A Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo da República do
Paraguay (3o volume, 1o fascículo), Rio de Janeiro. Imprensa do Estado-Maior do Exército,
1924 (418 páginas).
7. VINHAES, Augusto. “Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro,
1928, p. 1.157 a 1.165.
8. TAVARES, Raul (Capitão-de-Fragata). “A Passagem de Humaitá”. Revista Marítima Brasi-
leira, Rio de Janeiro, Ano XLVI, no 7 e 8, p. 633-695.
9. A PASSAGEM DE HUMAITÁ. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, 1908, p.
1.293-1.298 (Editorial).
10. A PASSAGEM DE HUMAITÁ. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro, 1921, p. 669-
673 (Editorial).

RMB2 o T/2009 47
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE
ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI*

ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL


Vice-Almirante (Refo)

A Revolução Industrial, que teve início


no fim do século XVIII, somente veio pro-
vocar mudanças na arte da guerra na segunda
Nelson, em Trafalgar (1805), a Inglaterra
passou a dominar os mares. A derrota de
Napoleão Bonaparte (1815) garantiu essa
metade do século XIX, quando, então, essas supremacia por praticamente um século,
transformações ocorreram com enorme velo- estabelecendo-se o que ficou conhecido
cidade, em especial no que diz respeito à guer- como a “Pax Britannica”.
ra no mar. As mudanças tecnológicas nos Entretanto, em relação à poderosa es-
meios de fazer a guerra, consequentemente, quadra inglesa esse predomínio criou uma
determinaram, em grande parte, as táticas e a complacência perigosa que mascarava a
estratégia empregadas. deterioração de sua eficiência em combate
As ações navais na Guerra da Tríplice por trás de uma fachada de esplendor e de
Aliança contra o Paraguai (1864-1870) têm um cerimonial impecável. Ao fim da primei-
de ser vistas, portanto, à luz das transfor- ra metade do século XIX, novas circuns-
mações tecnológicas que ocorreram no tâncias iriam trazer novos desafios para o
período precedente. poder naval inglês.
Após a derrota da esquadra franco-es- Sendo o Reino Unido o poder naval
panhola pelos ingleses, comandados por dominante e a França o poder naval

* N.R.: Transcrição da conferência pronunciada pelo autor no Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
ro, em 29/10/2008.
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

desafiante, esta procurava, por meio da O projetil explosivo, à Paixhans – projetil


inovação tecnológica, pôr em cheque a oco, cheio de pólvora, que explode por meio
supremacia naval britânica. Em 1850, os de uma mecha –, foi usado pela primeira
franceses lançaram o navio Napoléon, de vez nessa mesma guerra, na Batalha de
propulsão mista, mas já com hélice em subs- Sinope (1853), no Mar Negro, quando a
tituição à roda com balancim, que não só esquadra russa, já dispondo desses
obstruía o convés dos navios, diminuindo projetis, incendiou e destruiu a força turca,
o número de canhões que podiam ser ins- o que deu, aliás, motivo para a intervenção
talados, como tornava a embarcação extre- anglo-francesa.
mamente vulnerável à artilharia inimiga. A experiência francesa com as baterias flu-
Logo depois, em 1852, os ingleses replica- tuantes encouraçadas deu lugar ao desen-
ram com um navio semelhante, o HMS volvimento de navios encouraçados, prote-
Agamemnon. Na Guerra da Crimeia (1852- gidos por uma couraça de ferro. O Gloire,
1856)1, esses navios de propulsão a vapor projeto do grande arquiteto naval Dupuy de
demonstraram, apesar da enorme limitação Lome, no final da década de 1850, foi o pri-
das máquinas a vapor meiro de uma série de
então existentes, a sua navios com couraça de
superioridade sobre A Guerra de Secessão proteção. Em 1860, os
os navios a vela; o uso ingleses lançaram ao
do hélice eliminava a (1861-1865) mostrou ao mar o HMS Warrior,
roda e todos os incon- mundo o primeiro combate que já foi totalmente
venientes a ela asso- construído de ferro,
ciados, já menciona-
naval entre dois navios além de dotado com
dos. Nessa mesma encouraçados – o Monitor couraça no seu corpo
guerra, ainda por ini- e o Merrimack central; nas extremida-
ciativa francesa, foram des, a subdivisão em
usadas baterias flutu- compartimentos estan-
antes providas de couraça. Criavam-se as- ques era considerada proteção suficiente e
sim as duas condições que iriam mudar a constituía um novo avanço na construção
situação até então existente no duelo entre naval. Num ponto, entretanto, os ingleses
navios e fortalezas de terra: a incapacidade assumiram a liderança, embora temporária3:
de os navios de madeira propulsionados a os canhões do navio eram do tipo Armstrong,
vela resistirem ao fogo dos grandes ca- de alma raiada, carregamento pela culatra e
nhões montados nas fortalezas e a dificul- usavam projetis cônicos (eram, pois, mais cer-
dade de os navios a vela se posicionarem teiros, propiciavam maior rapidez de tiro e o
convenientemente em relação às fortalezas. projetil tinha melhor capacidade de furar a
O bombardeio, por navios franceses e in- couraça dos inimigos).
gleses, das baterias de Kinburn atesta essa A Guerra de Secessão (1861-1865) mos-
nova realidade.2 trou ao mundo o primeiro combate naval

1
Alguns analistas consideram que a Guerra da Crimeia só teve início em1853, quando ocorreu a interven-
ção anglo-francesa no conflito entre a Rússia e a Turquia.
2
Somente a Guerra de Secessão, conforme veremos, iria fazer pleno uso do navio encouraçado para
sobrepujar fortalezas de terra.
3
Temporária, pois o canhão Armstrong teve de ser retirado por muito tempo de serviço devido aos
defeitos apresentados no seu sistema de disparo.

RMB1 o T/2009 49
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

entre dois navios encouraçados – o Monitor nas 33 eram de propulsão mista e os demais,
e o Merrimack (Virginia) –, na batalha na- a pano. Todos tinham o casco de madeira e
val de Hampton Roads, quando ficaram de- muitos já usavam canhões de alma raiada e
monstradas, definitivamente, a superiorida- carregamento pela culatra; 609 oficiais e 3.627
de dos navios a vapor encouraçados sobre praças tripulavam esses navios. Entretanto,
os navios sem essa proteção e as vanta- nem todas essas embarcações podiam ser
gens da propulsão a vapor. Em Hampton concentradas no Prata, e muitas tinham que
Roads, o navio confederado Merrimack, ser mantidas ao longo de nossas extensas
usando o esporão de que era dotado, afun- costas, engajadas em tarefas específicas. A
dou a Corveta Cumberland, de 30 canhões, flotilha do Prata, que, pouco antes, sob o
podendo aproximar-se para o abalroamento comando de Tamandaré, havia intervindo no
graças à sua couraça.4 Uruguai contra o governo de Manuel Aguirre,
O duelo entre os dois encouraçados não era composta por 19 vapores, dos quais mui-
foi conclusivo, pois um não podia furar a tos ainda usavam a roda (por exemplo, a fra-
couraça do outro. As operações navais gata capitânia de Barroso em Riachuelo, a
empreendidas pelas forças do Norte, sob o Amazonas), e três transportes a vela. A
comando de David Farragut, contra Nova Niterói, que fazia parte da flotilha, por força
Orleans e Mobile (1862 e 1864, respectiva- de seu calado não podia operar nos rios
mente) vieram mostrar o que a Guerra da Paraná e Paraguai, e assim pouco contribuía
Crimeia já permitira vislumbrar: a capacida- para o esforço de guerra.
de de uma força naval de forçar a passa- A flotilha de Mato Grosso, envolvida
gem de pontos estratégicos defendidos por nas operações, compreendia apenas seis
fortalezas. Essa lição seria importante para pequenos vapores, que, no total, dispu-
os brasileiros na Guerra do Paraguai. nham apenas de dois canhões.
Não se pense, porém, que as forças na- O grande fator de força, porém, estava
vais que se defrontaram na Guerra da no Arsenal da Corte, que, além de apoiar
Tríplice Aliança acompanharam a evolução os navios existentes, deu início a um gi-
tecnológica de países como a Inglaterra e a gantesco programa de construção naval:
França. As esquadras argentina e brasilei- em 65, foram lançados a canhoneira a va-
ra que se enfrentaram na Cisplatina (1825- por Taquari, dois navios encouraçados –
1828) pouco diferiam da esquadra anglo- o Tamandaré e o Barroso; em 66, o
franco-russa que em 1827, na mesma épo- Encouraçado Riachuelo e as Bombardeiras
ca portanto, derrotou a esquadra turca em Pedro Afonso e Forte de Coimbra; em 67,
Navarino, na Guerra da Independência da a Corveta Vital de Oliveira, os Monitores-
Grécia. O mesmo não se pode dizer em rela- Encouraçados Pará, Rio Grande e
ção aos navios que tomaram parte na Guer- Alagoas; em 68, mais três monitores-
ra da Crimeia e aos navios brasileiros e encouraçados, Piauí, Ceará e Santa
paraguaios que participaram da Guerra do Catarina, e é iniciada a construção da
Paraguai, tecnologicamente bem mais atra- Corveta-Encouraçada Sete de Setembro, do
sados (pelo menos no início do conflito). Vapor Level e do Rebocador Lamego.
A frota brasileira, no começo de 1865, com- Há que destacar o extraordinário esfor-
preendia 45 navios armados, dos quais ape- ço dos engenheiros Napoleão Level e

4
O esporão podia atingir o navio inimigo onde este não era protegido pela couraça. A aproximação para
o abalroamento era possível graças à resistência da couraça ao poder de fogo dos canhões da época.

50 RMB1 oT/2009
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

Carlos Braconnot e do Capitão de Fragata início das hostilidades, dispunha de 23


Henrique Antônio Batista, especialista em vapores de madeira e propulsão mista, a
armamento. roda (a única exceção era o Pirabebe, pe-
O Arsenal de Mato Grosso, o segundo queno navio fluvial, de estrutura de ferro e
em importância, construiu em 64 o vapor a hélice); três navios a vela; três lanchões;
fluvial de rodas Paraná, e o estaleiro de e de inúmeras chatas que teriam importan-
Ponta da Areia, em 65, duas canhoneiras – te papel no conflito. O número total de ca-
a Greenhalgh e a Henrique Dias. nhões era 99. Grande parte desses navios
No exterior, foram contratados, em 65, cin- era de mercantes convertidos – a exceção
co pequenos encouraçados, um na França e era o Taquary –, fato muito comum numa
quatro na Inglaterra – Silvado, Bahia, Lima época em que a diferença entre navios mer-
Barros, Herval e Mariz e Barros. Esses navi- cantes e de guerra era, quase que exclusi-
os haviam sido encomendados pelo Paraguai, vamente, o provisionamento de artilharia.
que, por força do bloqueio imposto pelo Bra- Para impedir que navios inimigos subis-
sil, teve de desistir deles. Foram adquiridos sem o Rio Paraguai, os paraguaios cons-
ainda dois encouraçados na Inglaterra, o truíram uma série de fortalezas nas margens
Colombo e o Cabral. Todos esses navios já do rio, em pontos estrategicamente esco-
estavam incorporados em 1866. Na França, lhidos, onde as condições geográficas e
foram adquiridas as hidrográficas dificul-
canhoneiras Henrique tavam a manobrabili-
Dias, Fernandes Vieira, A Batalha Naval do dade dos navios. An-
Felipe Camarão e Vital
de Oliveira, incorpora-
Riachuelo (1865) é um dos tes da guerra, todos
os esforços foram fei-
das em 1868. poucos exemplos de tos no sentido de im-
O primeiro navio batalha decisiva, isto é, a pedir que as condi-
encouraçado a chegar ções hidrográficas do
à área de operações, batalha que termina com a rio fossem conheci-
em dezembro de 1865, destruição quase total da das, tornando a prati-
foi o Encouraçado cagem muito arrisca-
Brasil, adquirido na
esquadra inimiga da. Essas fortalezas
França com os recur- foram construídas pró-
sos provenientes da subscrição pública ximo à foz do rio e, junto com as baterias de
quando da Questão Christie (1863). canhões montadas nas barrancas e de ati-
Para que os navios em operação no Prata radores armados de fuzis, tornavam impos-
não tivessem que se deslocar para o Rio de sível o deslocamento dos navios brasilei-
Janeiro para reparos, e não existindo facilida- ros em apoio às tropas de terra na sua pe-
des adequadas para reparo e apoio logístico netração no território inimigo.
dos navios nos portos do Prata, foi estabele- A “inexpugnável” Humaitá era a mais
cido o Arsenal do Cerrito, nas proximidades poderosa dessas fortalezas que, em con-
da confluência do Paraná com o Paraguai, junto, formavam o mais poderoso obstá-
que prestou inestimáveis serviços na guerra. culo à liberdade de ação dos navios brasi-
A força paraguaia, além dos dois navios leiros no Rio Paraguai, mesmo sem se levar
argentinos – os vapores Gualeguay e 25 em conta a frota paraguaia.
de Maio – e de um brasileiro – o vapor A Batalha Naval do Riachuelo (1865) é
Marquês de Olinda – apresados logo no um dos poucos exemplos de batalha decisi-

RMB1 o T/2009 51
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

va, isto é, a batalha que termina com a des- rações contra o Paraguai, de atacar os for-
truição quase total da esquadra inimiga. tes de Curuzu e Curupaiti, à margem direita
Apesar de pouco adequada às condições do Rio Paraguai, para ameaçar Humaitá. Ata-
da área de combate – um trecho do Rio Paraná cada de surpresa, Curuzu foi conquistada
de difícil navegação, já que abrangia um ca- pelas tropas do Barão de Porto Alegre a 3 de
nal tortuoso, entre bancos de areia, inade- setembro de 1866, mas Curupaiti resistiu ao
quado para a manobra dos navios brasilei- assalto de cerca de 20 mil argentinos e bra-
ros de grande porte –, tendo de enfrentar, sileiros, que sofreram uma esmagadora der-
além dos navios paraguaios e das chatas rota: morreram cerca de 5 mil homens, dos
artilhadas, a forte artilharia instalada nas quais apenas cerca de 200 eram paraguaios.
barrancas ao norte e ao sul de Riachuelo e O apoio da esquadra brasileira, sob o co-
os infantes armados, que das barrancas al- mando de Tamandaré, não evitou a derrota.
vejavam as guarnições dos navios, a divi- As dissensões entre os chefes aliados
são brasileira, sob o comando do chefe-de- levaram à substituição de Osório por
divisão Francisco Manoel Barroso da Silva, Caxias; Tamandaré, doente, foi substituí-
obteve uma vitória decisiva, graças, princi- do pelo Almirante Joaquim José Inácio, fu-
palmente, à arrojada manobra do chefe na- turo Visconde de Inhaúma.
val brasileiro, que, mesmo seu navio não Em meados de 1867, Mitre, de volta ao
dispondo de esporão, abalroou os navios comando dos exércitos, deu ordens para que
inimigos, que, de menor porte, não resisti- a esquadra forçasse a passagem de Curupaiti
ram (um ano mais tarde, na guerra austro- e Humaitá. A 15 de agosto, duas divisões de
prussiana, em Lissa, os austríacos usariam encouraçados (ao todo, dez navios) ultra-
a mesma tática contra os italianos, aliados passaram, sem perdas, Curupaiti, mas tive-
da Prússia). A eliminação da esquadra ram de se deter diante dos canhões de
paraguaia – apenas quatro navios escapa- Humaitá. Inhaúma resistiu bravamente às
ram da destruição –, teria importantes pressões de Mitre para forçar a passagem
consequências estratégicas: impediu a in- de Humaitá por julgar, com razão, que isso
vasão da província de Entre-Rios, isolou as colocaria em risco os seus navios. Os navi-
tropas de Estigarribia que estava atacando os brasileiros que ultrapassaram Curupaiti
o Rio Grande do Sul e pôs fim ao poder na- ficaram em situação muito difícil, separados
val paraguaio. Entretanto, em termos totais do restante da esquadra pelo forte de
ela não foi estrategicamente decisiva, pois Curupaiti e impedidos de seguir adiante pela
as fortalezas e as chatas paraguaias – “ver- fortaleza de Humaitá. Para apoiá-los foi ne-
dadeiros monitores de madeira”, armadas cessário construir, na margem direita do Rio
com canhões de 68 (os maiores da época) – Paraguai, quase em frente a Humaitá, uma
eram um obstáculo formidável, impedindo pequena base avançada, Porto Elisário, e
que a esquadra brasileira se deslocasse li- também, em pleno Chaco, uma ferrovia li-
vremente pelo Rio Paraguai para dar o indis- gando a base a Porto Quia.
pensável apoio às tropas de terra. Em Novas dissensões entre os chefes alia-
consequência, as operações, no período de dos fizeram com que Mitre mais uma vez se
abril de 1866 a julho de 1868, concentraram- afastasse, assumindo Caxias o comando em
se na confluência dos rios Paraná e Paraguai. chefe. Após a chegada dos navios
Um bom exemplo dessas dificuldades encouraçados, inclusive os construídos no
ocorreu em 1866: a tentativa de Bartolomeu Arsenal da Corte, foi decidido que havia con-
Mitre, então comandante em chefe das ope- dições para ultrapassar Humaitá. Em feverei-

52 RMB1 oT/2009
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

ro de 1868, a passagem foi forçada pelos 1868, três divisões do Exército Brasileiro
encouraçados Barroso, Bahia e Tamandaré, foram embarcadas na esquadra imperial na
cada um levando a contrabordo, por bom- margem esquerda do rio, atravessando-o;
bordo, um monitor, respectivamente, o Rio essas tropas desembarcaram então na mar-
Grande, o Alagoas e o Pará. A praça de gem direita, percorreram a pequena estra-
Humaitá foi cercada pelas forças de terra, ren- da construída até atingirem o porto de
dendo-se em julho de 1868. A força brasileira Valleta, onde foram reembarcadas, atraves-
que forçou a passagem foi comandada pelo sando de novo o rio em direção à margem
Capitão de Mar e Guerra Delfim Carlos de esquerda, desembarcando nos portos de
Carvalho, que, por esse feito, foi mais tarde Santo Antônio e Ipané, cerca de 20 quilô-
Barão da Passagem. metros à retaguarda das tropas paraguaias
Os monitores, por força de seu pequeno em Piquissiri, o que surpreendeu López
calado, puderam cruzar sobre as correntes completamente, já que ele não julgava pos-
que bloqueavam o rio nas proximidades de sível que uma tropa considerável pudesse
Humaitá e, por serem rasos com a água, ofe- se deslocar através do Chaco.
reciam alvo muito pequeno ao fogo inimigo, A 6 de dezembro de1868, as tropas inici-
além de, graças à cou- aram o avanço para o
raça, resistirem melhor sul, dando início ao
caso fossem atingidos. O Brasil pagou um alto que ficou conhecido
Pelo fato de disporem preço pela guerra. Dos como a Dezembrada.
de torres couraçadas, Itororó, Avaí e Lomas
conteiráveis, não cor- cerca de 160 mil brasileiros Valentinas são etapas
riam o risco, caso elas que nela tomaram parte, 50 da vitória aliada. As
fossem atingidas, de forças navais, usando
explodir, como aconte-
mil perderam a vida e o porto de Valleta,
cera em Itapiru com os cerca de mil ficaram mantiveram as tropas
encouraçados Taman- inválidos de Caxias reabasteci-
daré e Barroso. das. A queda de Lomas
Com a queda de Valentinas levou à de
Humaitá, a esquadra imperial teve seu ca- Angostura. A 30 de dezembro, López e um
minho livre até Assunção, passando a bom- pequeno contingente de paraguaios fugia
bardear a capital inimiga. As tropas terres- para o norte. Nos primeiros dias de janeiro
tres, porém, não conseguiam avançar, pois de 1869, Assunção foi ocupada e, em ter-
os paraguaios tinham se entrincheirado ao mos políticos, a guerra estava encerrada.
longo do Arroio Piquissiri, barrando o ca- Entretanto, ela só o seria definitivamente a
minho para Assunção. Essas defesas eram 1o de março de 1870, quando uma lançada
apoiadas pelos fortes de Lomas Valentinas do cabo Chico Diabo pôs fim à vida de
e de Angostura, este à margem esquerda. Solano López em Cerro Corá.
As tropas aliadas estavam concentradas O Brasil pagou um alto preço pela guer-
em Palmas, em frente às fortificações de ra. Dos cerca de 160 mil brasileiros que nela
Piquissiri. Para vencer o impasse, Caxias tomaram parte, 50 mil perderam a vida e cerca
desenvolveu uma das mais brilhantes con- de mil ficaram inválidos.
cepções da guerra. Em pleno Chaco, fez Da mesma forma que em outros confli-
contruir uma estrada de 11 km em apenas tos no século XIX, as altas taxas de morta-
23 dias. Nos primeiros dias de dezembro de lidade foram uma consequência das péssi-

RMB1 o T/2009 53
A CAMPANHA NAVAL NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI

mas condições de higiene reinantes e da Corrientes, incluindo gado, mantimentos e


má alimentação das tropas, o que facilitou outros produtos essenciais para as tropas.
a propagação de doenças que, mais que os Infelizmente, o avanço tecnológico na
combates, causaram os óbitos. O cólera construção naval, que teve lugar durante
possivelmente foi o maior responsável pe- o conflito, não teria continuidade, já que
las baixas. as dificuldades financeiras do País impedi-
O Império do Brasil gastou, nos cinco ram que a esquadra se renovasse. O Brasil
anos de guerra, quase o dobro de sua recei- não acompanhou as mudanças que tive-
ta, sendo necessário angariar empréstimos ram lugar no resto do mundo e veria, a par-
no Banco de Londres e nas casas Baring e tir do fim da Guerra do Paraguai, o seu po-
Rotschild. Não se pode dizer o mesmo da der naval se deteriorar inexoravelmente, o
Argentina, que muito se beneficiou com as que só iria se reverter com a efetivação do
compras feitas pelo Brasil em Entre-Rios e Plano Naval de 1906.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<GUERRAS>; Guerra do Paraguai; História do Brasil;

54 RMB1 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR*

... O oceano é um meio diferente da terra, tão diferente de fato que nos
força a pensar diferentemente. O oceano, onde tudo flui e tudo é
interconectado, nos força a desfocar, a repelir nossos velhos conceitos e
paradigmas – a refocar sobre novo paradigma.
Conceitos fundamentais, desenvolvidos por milênios na terra, como
os de soberania, fronteiras geográficas e propriedade, simplesmente não
funcionarão no meio oceânico, onde novos conceitos políticos, jurídicos e
econômicos estão emergindo.
Elisabeth Mann Borgese1

ILQUES BARBOSA JUNIOR


Contra-Almirante

SUMÁRIO

Introdução
Oceanopolítica
Discussão preliminar de conceitos de Oceanopolítica
O dimensionamento de um Espaço Oceanopolítico: roteiro básico
Considerações complementares

INTRODUÇÃO dimento. Dentre tantos, podemos apontar


o mais evidente e de fácil entendimento. O

E ntender a importância dos oceanos exi-


ge a absorção de conhecimentos e per-
cepções que, normalmente, deixam de es-
ser humano, pelo menos até os nossos
dias, vive em ambiente terrestre; todos os
seus sentidos estão voltados, desde o iní-
tar ao alcance de significativas parcelas da cio da vida, para acontecimentos e relacio-
civilização humana. Em que pese a imensa namentos que também ocorrem no ambien-
superioridade das dimensões dos espaços te terrestre.
oceânicos sobre os espaços em terra, di- É natural que assim seja, pois estamos
versos aspectos fundamentam esse enten- iniciando o desenvolvimento do conheci-

* N.R.: Artigo baseado no texto de palestra proferida no Clube Naval. O CA Ilques é atualmente Coman-
dante da 2a Divisão da Esquadra.
1
The Oceanic circle: governing the seas as global resource. New York. United Nations University, 1998.
Tradução de Marcos Lourenço de Almeida.
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

mento sobre os oceanos. Efetuamos os pri- nhecimento, coube à professora Therezinha


meiros passos para a identificação de cam- de Castro, do corpo docente da Escola Su-
pos de pesquisas e de expansão na identi- perior de Guerra, a atualização dos estudos
ficação dos recursos dos oceanos e suas sobre a influência dos oceanos. A seguir, a
influências no planeta Terra. partir da análise de alguns conceitos preli-
Esses são alguns dos aspectos que, em minares de Oceanopolítica, serão realizadas
grande medida, respaldam as dificuldades de considerações sobre o dimensionamento de
a civilização humana conhecer e empregar os um “Espaço Oceanopolítico”.
oceanos tanto como fonte de riquezas de toda Ao fim, são apresentadas considerações
ordem como relacionados com uma adequa- complementares que reiteram a importância
da defesa, em amplitude e complexidade cor- dos oceanos e prosseguem a pesquisa so-
respondentes aos desafios energético, de ob- bre Oceanopolítica, indicando que os espa-
tenção de recursos naturais, das mudanças ços oceânicos devem merecer as atenções
climáticas e da alimentação. daqueles Estados que pretendem liderar a
A dimensão da diversidade dos conhe- comunidade internacional; como, em sua
cimentos sobre os oceanos ainda pode ser época, Portugal e sua Escola de Sagres.
constatada pela biodiversidade do ambi-
ente marítimo, muitas vezes superior à do OCEANOPOLÍTICA
ambiente terrestre, assim como, por meio
do estudo da histórica e preponderante in- Os estudos relativos à influência da Ge-
fluência dos espaços oceânicos na sobre- ografia na Política (a Geopolítica) podem
vivência e prosperidade dos Estados2 e da ser considerados como, em certa medida,
comunidade internacional. voltados para a análise dos desdobramen-
Dessa maneira, entender a dimensão da tos de fatores observados em áreas terres-
importância dos espaços oceânicos exige tres na política dos Estados. Dentre esses
conhecimentos relacionados com ambien- fatores, temos a forma geométrica do terri-
tes distintos daqueles nos quais o saber tório, a disponibilidade ou não de terras
humano vem sendo, de forma quase que férteis, de hidrovias e recursos naturais e
majoritária, aplicado. as características do relevo. As definições
Para ampliar essa discussão, analisamos de Geopolítica a seguir apresentadas ilus-
conhecimentos da Geopolítica. Todavia, os tram parcialmente esse entendimento, quais
estudos continuam apontando carências sejam:
na amplitude e profundidade no que se re- Rudolf Kjellen: “o estudo da influência
fere aos oceanos. Talvez sem perceber, os dos fatores geográficos na criação e exis-
geopolíticos, quase todos com fortes rela- tência do Estado”.
ções com o ambiente terrestre, apresenta- Friedrich Ratzel: “estudo da influên-
ram conceitos e pensamentos com difícil cia do território sobre a população e a dis-
aplicação nos espaços oceânicos. persão do homem”.
É nesse contexto que apontamos a ne- Meira Mattos: “Uma indicação de solu-
cessidade de retomarmos os estudos da ções políticas condicionadas pelas reali-
Oceanopolítica; pois, até onde temos co- dades e necessidades geográfica ... O terri-
2
O emprego do conceito de Estado é fundamental em estudos de Geopolítica/Oceanopolítica, pois
somente o Estado possui o conjunto de recursos humanos, espirituais e materiais que pode ser
denominado de Poder Nacional, com capacidade de expandir ou projetar sua influência em espaços
terrestres ou oceânicos.

56 RMB2 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

tório condiciona a vida de um Estado e li- c) o comércio internacional estava dis-


mita suas aspirações...”. tante da magnitude da atualidade;
Halford J. Mackinder, por sua vez, argu- d) a navegação a vapor era incipiente
menta que a “Geografia deve ser uma ponte e as atividades marítimas careciam de infra-
entre as ciências físicas e as sociais, assim estruturas adequadas;
como é fundamental o estudo da influência e) as iniciativas para descobrimento
da Geografia na sociedade e o da influência dos recursos naturais nos oceanos eram
da sociedade no ambiente”. Nos seus estu- quase inexistentes, mesmo quanto àque-
dos geopolíticos, Mackinder desenvolveu o les destinados à alimentação; e
conceito de “área pivot”, que alcançava mai- f) a vida humana nos espaços oceâni-
or relevância político-estratégica diante de cos era restrita, quase que totalmente, àque-
outras áreas terrestres do planeta, em decor- la que estava embarcada em navios.
rência de um conjunto de fatores geográfi- Esse conjunto de considerações indica
cos, recursos naturais e da proteção contra Mackinder como o principal pensador do
ataques de potências marítimas. que passou a ser denominado de “Teoria
Como “área pivot”, Mackinder identifi- do Poder Terrestre”.
cou a Europa Centro-Oriental, passando a Em alguns países, pode-se apontar que
denominá-la de “Cora- os conceitos geopo-
ção do Mundo”, e Eu- líticos de Mackinder
ropa, Ásia e África O Brasil, por atrasar a influenciaram a formu-
como a “Ilha Mundial”. atribuição de adequada lação de políticas e es-
A preponderância do
determinismo geográfi-
prioridade às atividades tratégias relacionadas
com a ocupação do in-
co de Mackinder, com marítimas, ampliou as terior, o “Hinterland”.
ênfase em territórios dificuldades para o Decorre desses con-
continentais, pode ser ceitos a atribuição de
constatada nas se- desenvolvimento nacional prioridade para a cons-
guintes assertivas: trução de sistemas de
a) quem comanda a Europa Centro-Ori- transportes, com destaque para o predo-
ental comanda o “Coração do Mundo”; mínio dos rodoviários e, em menor dimen-
b) quem comanda o “Coração do Mun- são, os ferroviários. Pouco foi destinado
do” comanda a “Ilha Mundial”; e aos sistemas hidroviários. As dificuldades
c) quem comanda a “Ilha Mundial” de sistemas portuários, a construção de
comanda o mundo. usinas hidroelétricas, até mesmo pontes,
Para ampliar o entendimento dos estu- que impedem a passagem de navios e em-
dos de Mackinder, é importante relembrar barcações, ilustram a influência da “Teoria
que seus apontamentos foram realizados do Poder Terrestre”.
no final do século XIX. Dessa maneira, Jacques Attali, em seu livro Uma bre-
consideravam os seguintes aspectos: ve história do futuro, aponta que o Bra-
a) a fase de descobertas de territórios sil, por atrasar a atribuição de adequada
estava encerrada; prioridade às atividades marítimas, am-
b) as ameaças ao Império Britânico, pliou as dificuldades para o desenvolvi-
decorrentes do rearmamento e das preten- mento nacional.
sões coloniais do Império Austro-Húnga- Por outro lado, coube ao Almirante
ro e da Alemanha; Alfred Thayer Mahan apontar que o con-

RMB2 o T/2009 57
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

trole dos mares, ao longo da história3, ca- propulsoras, os navios mercantes amplia-
racterizou um fator de força decisivo em to- ram a autonomia e algumas forças navais
das as guerras. Na linguagem militar-naval ainda passaram a contar com eficiente apoio
da atualidade, poderíamos substituir guer- logístico móvel5. As novas plantas propul-
ras por situações de conflito. Tal argumento soras e o apoio logístico móvel contribuem
decorre do entendimento de “quem contro- para a redução da dependência dos navios
la o intercâmbio, controla as riquezas; e quem das bases de apoio, ou seja, dos portos.
controla as riquezas, controla o Mundo”. A superioridade dos conceitos postulados
Com o mesmo entendimento e muito antes por Mahan, em comparação aos de Mackinder,
de Mahan, tivemos o Almirante é respaldada pelos seguintes fatos:
Temístocles, vencedor da Batalha Naval de a) ao longo da história, as vitórias das
Salamina, que considerava o “comando do potências marítimas nos confrontos com
mar como primordial para o comando de to- as potências terrestres;
das as coisas”, e Ratzel, ao destacar a im- b) o comércio mundial, prioritariamente
portância do tráfico marítimo4 e o valor es- realizado por meio de navios mercantes6;
tratégico das ilhas oceânicas em sua obra O c) a magnitude dos recursos naturais
mar, origem da grandeza dos povos. existentes no mar e o constante desenvol-
Para Mahan, os mares facilitam a mobili- vimento de tecnologias para a exploração
dade, pois não existem obstáculos naturais, desses recursos;
exceto em situações de mar adverso. O d) a identificação da importância dos
ordenamento jurídico relativo aos espaços oceanos para a preservação ambiental da
oceânicos pouco restringia a movimenta- vida humana no planeta; e
ção dos navios e a disponibilidade de por- e) a crescente ocupação humana dos
tos era fundamental para o apoio logístico espaços oceânicos, inclusive em áreas
aos navios. Atualmente, a tecnologia per- onde o ordenamento jurídico deixa de con-
mite que situações de mar adverso sejam templar direitos de soberania nacional.
evitadas e, como será comentado, observa- As considerações relativas à influência
mos uma crescente complexidade no dos espaços oceânicos nos destinos dos
ordenamento jurídico, que passou a impor Estados foram consolidadas pelo que pas-
restrições à navegação nos mares, tanto a sou a ser denominado de Teoria do Poder
mercante como a realizada por navios de Marítimo, tendo no Almirante Mahan seu
guerra. Devido à modernização das plantas principal formulador.
3
Na história da humanidade, encontramos diversos exemplos em que ocorre o predomínio do poder
marítimo sobre o terrestre, quais sejam: a Cultura Grega, cuja disseminação, que tanto influen-
ciou a civilização ocidental, decorre da vitória dos gregos sobre os persas na Batalha Naval de
Salamina; a Pax Romana, que perdurou enquanto o Mar Mediterrâneo era o mare nostrum; as
Grandes Navegações, que permitiram a um país de reduzidas dimensões territoriais transformar-
se em um império; a Pax Britânica, em que um país insular e carente de recursos naturais,
amparado nas “regras” da Royal Navy, também forma um império; e, finalmente, o que alguns
autores denominam de Pax Americana, em que a importância da liberdade de navegação respalda
o pré-posicionamento dos poderosos grupos de batalha da Marinha dos EUA, nucleados em porta-
aviões com propulsão nuclear.
4
Tráfico Marítimo – compreende o comércio marítimo, a atividade empresarial do transporte marítimo
e a consequente exploração do navio como meio de transporte.
5
Como exemplo de apoio logístico móvel, apontamos a Marinha dos Estados Unidos da América, que
promoveu a substituição das tripulações com os navios ainda em operações no mar.
6
Atualmente, navios mercantes transportam 90% do comércio mundial.

58 RMB2 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

Entretanto, a Teoria do Poder Marítimo ou, em outras palavras, os limites de con-


deixou de alcançar o mesmo prestígio aca- frontação de países são estabelecidos a
dêmico da apresentada pelos estudiosos do partir das diversas interações decorrentes
Poder Terrestre, em grande medida, pela exi- das relações de poder, e não somente devi-
gência de maiores conhecimentos sobre as do à preponderância das proximidades
atividades marítimas. No Brasil, essa situa- territoriais.
ção também ficou caracterizada, pois os mais As interações decorrentes de relações
importantes geopolíticos brasileiros possu- de poder têm destaque especial, em um
íam fortes relações com o ambiente terres- mundo cada vez mais interdependente,
tre. Todavia, por justiça, é importante desta- onde estão profundamente entrelaçados as-
car que todos foram unânimes e, talvez, pio- pectos político-estratégicos, ambientais,
neiros em apontar a importância dos ocea- econômicos e energéticos.
nos. Por outro lado, a maior parcela dos es- Também é oportuno mencionar que a
tudos atribuía maior relevância aos argu- Geopolítica foi desenvolvida a partir de estu-
mentos voltados para dos de uma parte do
a ocupação do “conti- globo terrestre, em que
nente” brasileiro, o As interações decorrentes tem destaque a conti-
nosso “Hinterland”. de relações de poder têm nuidade dos territórios
Dessa maneira, é continentais. Entretan-
conveniente empregar destaque especial, em um to, mesmo no Hemisfé-
os conceitos apresen- mundo cada vez mais rio Norte, o “Hemisfé-
tados por Mahan para rio Continental”, o pre-
iniciar a análise da in- interdependente, onde domínio de ocupação
fluência dos fatores estão profundamente dos espaços pertence
observados nos oce- entrelaçados aspectos ao ambiente marítimo.
anos na política dos Abaixo da Linha do
Estados, ou seja, a político-estratégicos, Equador, na ocupação
Oceanopolítica. ambientais, econômicos e dos espaços o predo-
mínio dos oceanos é
Discussão energéticos ampliado. Temos o “He-
preliminar de misfério Oceânico”,
conceitos de Oceanopolítica sendo destacada a importância da
Oceanopolítica para o Brasil.
Para destacar as diferenças entre a De maneira a respaldar um pouco mais os
Geopolítica e a Oceanopolítica, podemos argumentos relativos à Oceanopolítica, se-
apontar o ordenamento jurídico que envol- rão comentados fatos históricos relaciona-
ve o ambiente marítimo, a diversidade de dos com o emprego da Teoria do Poder Ter-
motivações para acordos e convenções in- restre (Estados continentais) e sobre a Teo-
ternacionais, as dimensões e as caracterís- ria do Poder Marítimo (Estados marítimos).
ticas da biodiversidade, da direta relação Assim, apontamos as iniciativas de
da sobrevivência humana com as condi- França, Alemanha e Rússia, que, em perío-
ções meteorológicas e da influência do am- dos distintos, procuraram dominar o “Co-
biente marítimo. ração do Mundo”, observando conceitos
Sem pretender esgotar as distinções, existentes na “Teoria do Poder Terrestre”.
ainda podemos constatar que as fronteiras Nessas iniciativas, destacamos os esfor-

RMB2 o T/2009 59
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

ços despendidos no sentido da formação do Atlântico Norte (Otan), visualizamos uma


de Marinhas com capacidade oceânica e associação dos conceitos dessa Organiza-
de projeção de poder, além das proximida- ção com aqueles que integram a Teoria do
des dos limites territoriais. Em todas as Poder Marítimo, pois algumas das conside-
ocasiões, os esforços de países que ob- rações dos estudos de Mahan estão pre-
servavam conceitos da “Teoria do Poder sentes no preparo e emprego do Poder Mili-
Terrestre” não alcançaram êxito. tar da Otan, tais como: a atribuição de im-
Como exemplos, apontamos as derrotas portância para as Marinhas, disponibilida-
da França nas Batalhas Navais de Cabo de de apoio em bases ultramarinas, políticas
São Vicente, Abourquir e Trafalgar, que, econômicas que fortalecem o comércio ex-
além de impedirem a invasão da Inglaterra, terior e a mentalidade marítima.
possibilitaram a transformação de um país A vitória na Guerra Fria também pode
insular no Império Britânico. Impedido de ser considerada como uma consequência
invadir a Inglaterra e desprovido de uma do emprego das principais Marinhas da
Marinha com capacidade de apoiar o es- Otan na contenção do avanço soviético,
forço de guerra da França, Napoleão por meio da manutenção da liberdade de
Bonaparte voltou-se para o “Coração do navegação e do fluxo logístico indispen-
Mundo”. Entretanto, as derrotas nas bata- sável para projeção de poder sobre terra
lhas navais impediram o fortalecimento do em diversas regiões do mundo, como na
Império Francês, sendo, portanto, Coreia e no Vietnã.
determinantes para as derrotas nas bata- A Geopolítica e a Oceanopolítica orien-
lhas de Borodino, para a Rússia, e Waterloo, tam o Estado para o emprego do Poder Naci-
principalmente, para a Inglaterra. onal, devendo ser, quando adequadamente
Em acréscimo, apontamos a contribui- implementadas, harmônicas e complementa-
ção para a consolidação territorial do nos- res. Por outro lado, em um sentido amplo,
so país em função da vinda da Família Real. pode-se considerar que a Geopolítica englo-
Tal deslocamento somente foi possível pelo ba a Oceanopolítica. Todavia, como analisa-
controle dos mares exercido pela Esquadra do, por atuar em ambiente totalmente diver-
britânica. so do terrestre, a Oceanopolítica desenvolve
Também tivemos a derrota da Rússia na uma série de conceitos decorrentes de
Batalha Naval de Tsushima, que impediu a ordenamento jurídico próprio, de prioritários
saída dos produtos russos por mares com estudos voltados para o emprego de siste-
águas quentes e contribuiu para que o Ja- mas hidroviários e portuários, sejam fluviais
pão alcançasse a capacidade de disputar o ou marítimos, dos recursos naturais existen-
controle do Oceano Pacífico com os Esta- tes no mar, da mentalidade marítima e das
dos Unidos da América, na Segunda Guer- conexões comerciais, históricas e culturais
ra Mundial. Ainda temos as derrotas da com países. Tais conexões, em muitas opor-
Alemanha em duas guerras mundiais, sen- tunidades, estão separadas por espaços oce-
do precedidas pelas derrotas nas Batalhas ânicos sem limitações e interconectadas.
Navais do Atlântico, que impediram a ma- Assim, constatamos que as fronteiras da atu-
nutenção do fluxo logístico dos países cen- alidade devem ser estabelecidas pela forma
trais e do eixo e, novamente, a invasão da que o Estado emprega o Poder Nacional nos
Inglaterra. espaços oceânicos.
Ao verificarmos as características dos Dessa maneira, é a partir dos conceitos
países líderes da Organização do Tratado da Oceanopolítica, e não da Geopolítica,

60 RMB2 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

que deve ocorrer o entendimento da im- em atentados terroristas, como alvos ou


portância da ocupação dos espaços oceâ- vetores do ataque, caracteriza séria ameaça
nicos. Essa realidade destaca a crescente à segurança nacional de qualquer país, de-
relevância da Convenção das Nações Uni- vido ao potencial de destruição ser capaz
das sobre o Direito do Mar (CNUDM). de afetar importantes infraestruturas eco-
As diretrizes da CNUDM estabeleceram nômicas e o meio ambiente, além da perda
direitos e deveres relativos ao Mar Territorial de vidas humanas. A Organização Marítima
(MT), à Zona Contígua (ZC), à Zona Econô- Internacional, para fazer frente a essa amea-
mica Exclusiva (ZEE) e à Plataforma Continen- ça, elaborou resoluções visando ao fortale-
tal (PC), onde, até bem pouco tempo, era qua- cimento da segurança da navegação;
se inexistente um ordenamento jurídico. Essa b) o combate à pirataria, ao contrabando
constatação permitiu que alguns autores ava- e às diversas formas de crimes transnacionais;
liassem a CNUDM como um instrumento para c) a necessidade de aperfeiçoamento das
o estabelecimento do que foi denominado de pesquisas científicas e atividades marítimas,
“jurisdição insinuante”, na medida em que assim como dos respectivos controles de exe-
estabelece conexões, anteriormente somente cução e dos benefícios decorrentes. A
observadas em territóri- inobservância dessa ne-
os continentais, entre o cessidade pode contri-
mar e o poder do Esta- É a partir dos conceitos da buir para o aparecimen-
do, seja ele costeiro ou,
ainda de forma inédita,
Oceanopolítica, e não da to ou acirramento de dis-
putas por recursos na-
aquele que, desprovido Geopolítica, que deve turais, como também
de litoral, possui interes- ocorrer o entendimento da ocorre pela posse de re-
ses em áreas marítimas. cursos existentes nos
A conceituação de importância da ocupação territórios continentais;
MT, ZC, ZEE e PC, dos espaços oceânicos d) a regulamen-
como previsto na tação da pesca de es-
CNUDM, indica que os pécies migratórias em
Estados possuem direitos a preservar e de- alto-mar. É oportuno destacar que a pesca
veres a cumprir. No entanto, a Oceanopolítica predatória de algumas dessas espécies afeta
envolve áreas marítimas ainda mais distan- a biomassa oceânica, o que provoca efeitos
tes, pois o tráfico marítimo estabelece a ne- que dificultam a preservação dos recursos
cessidade de adoção de medidas destinadas vivos que habitam o MT, a ZC, a ZEE e a PC,
a manter ou a conquistar objetivos do Esta- onde os Estados costeiros ou não, é impor-
do, a salvaguardar a segurança da vida hu- tante repetir, possuem direitos e deveres; e
mana no mar e a preservar o meio ambiente. e) a importância do fortalecimento do
Essas medidas podem provocar situa- Direito Internacional, em um cenário políti-
ções de tensão, decorrentes, por serem co-estratégico caracterizado pela existên-
abrangentes, de assuntos relativos à se- cia de uma unipolaridade militar e, especi-
gurança nacional, à integração de países e almente, por iniciativas que procuram alte-
a lacunas jurídicas da CNUDM e do Direi- rar conceitos fundamentais nas relações
to Internacional, especialmente quanto aos internacionais, como de Estado, Soberania
seguintes aspectos: Nacional e Segurança Nacional.
a) a possibilidade do envolvimento de Para ampliar o entendimento de um ce-
navios mercantes ou instalações marítimas nário, onde se inserem as situações de ten-

RMB2 o T/2009 61
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

são acima mencionadas, destacamos inici- “A Oceanopolítica envolve o Estado


ativas observadas na comunidade interna- como elemento central para a adoção de
cional relacionadas com a importância de decisões soberanas, considerando os es-
espaços oceânicos. paços oceânicos, sobre o destino de sua
Em agosto de 2007, por meio de população, assim como nas relações de
minissubmarinos, a Rússia colocou uma ban- poder com outros Estados e, consideran-
deira a 4.261 metros da superfície do Oceano do a conjuntura político-estratégica inter-
Ártico7 e, em agosto de 2008, o Canadá ini- nacional, com os demais atores das rela-
ciou uma expedição, também no Oceano Ár- ções internacionais”.
tico, de modo a localizar os destroços dos Como outra tentativa, pode-se apontar
navios ingleses Erebur e Terror, que busca- a constante em tese da Naval Postgraduate
vam uma passagem entre os Oceanos Atlân- School:
tico e Pacífico8. Essas iniciativas indicam a “... a Oceanopolítica estabelece as orienta-
possibilidade de aparecimento de contrastes ções para que o Estado empregue os oceanos
de objetivos de Estados, especialmente quan- como um espaço onde deve expandir e proje-
do considerada a ocor- tar sua influência...”
rência de petróleo e gás
no Oceano Ártico. A Oceanopolítica envolve o O dimensionamento
Além da possibili- Estado como elemento de um Espaço
dade mencionada, tam- Oceanopolítico:
bém pode contribuir central para a adoção de roteiro básico
para o aparecimento de decisões soberanas,
tensões o fato de al- considerando os espaços Após a análise preli-
guns países importan- minar de conceitos da
tes ainda não terem oceânicos, sobre o destino Oceanopolítica, alcan-
aderido à CNUDM. de sua população, assim çamos as condições
Essa fragilidade da para apresentar aspec-
CNUDM caracteriza
como nas relações de tos relativos a um rotei-
fator complicador nas poder com outros Estados ro para o dimensiona-
relações internacio- mento de um “Espaço
nais, pois algumas das Oceanopolítico”.
áreas marítimas envolvidas em disputas, em Entretanto, a dificuldade para a identifi-
diversas regiões da Terra, são consideradas cação desse espaço pode ser constatada
patrimônio da humanidade; outras, também por meio da diversidade de tópicos a serem
inseridas no ordenamento da CNUDM, es- analisados para a sua demarcação, a saber:
tão envolvidas em legislação específica, que a) a extensão das linhas de comunica-
não é reconhecida por importantes países ções marítimas9. As do Brasil envolveram,
da Comunidade Internacional. em 2007, US$ 281 bilhões e conectaram pro-
Dessa maneira, podemos preliminarmen- dutos brasileiros com elevado número de
te conceituar: países;

7
Site www1.folha.uol.com.br/folha/mundo.
8
Jornal O Globo de 23 de agosto de 2008.
9
Expressão que representa a rota de navegação empregada pelo tráfico marítimo. Os navios mercantes
navegando materializam as linhas de comunicações marítimas.

62 RMB2 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

b) a internacionalidade das atividades do Brasil, bem como as relações históricas,


marítimas; culturais e econômicas com os países do
c) a continuidade dos espaços oceâ- Caribe e da América do Sul e da África,
nicos e a mobilidade das correntes maríti- mormente com os pertencentes à Comuni-
mas ampliam a potencialidade do tráfico dade dos Países de Língua Portuguesa; e
marítimo e de as atividades de exploração h) a dimensão e características do lito-
dos recursos do mar comprometerem o am- ral e a existência ou não de portos abriga-
biente marinho; dos e profundos, de ilhas oceânicas propí-
d) a localização de plataformas de ex- cias ao estabelecimento de apoio logístico
ploração de petróleo e gás, de usinas de fixo e de hidrovias que integrem o interior
energia e a localização de contingentes hu- ao ambiente marítimo e vice-versa.
manos e centros econômicos próximos ao A amplitude de tópicos mencionada
litoral, assim como a descoberta de signifi- corresponde à imensidão dos espaços oce-
cativas reservas de petróleo e gás nos oce- ânicos e à magnitude dos interesses de toda
anos, com magnitude suficiente para alterar natureza que estão envolvidos com as ativi-
posicionamentos político-estratégicos de dades marítimas. Assim, de modo a estar-
Estados; mos preparados para
e) os compromis- superar os desafios da
sos internacionais, Para superar os desafios Oceanopolítica, deve-
como acordos, trata- mos fazer como os
dos e resoluções de da Oceanopolítica, grandes navegadores,
organismos internacio- devemos fazer como os que estudavam, mas –
nais, inclusive aquelas também – muito mais
relacionadas com as grandes navegadores, que ousavam.
operações de paz. estudavam, mas – também
Dentre os compromis- – muito mais ousavam CONSIDERAÇÕES
sos internacionais as- COMPLEMENTARES
sumidos pelo Brasil,
podem ser destacados: a Convenção para a Apesar dos restritos conhecimentos so-
Salvaguarda da Vida Humana no Mar, a Con- bre os oceanos, ao longo da história da hu-
venção de Hamburgo de 1978, a CNUDM e manidade diversos países souberam empre-
o Acordo que deu origem à Coordenação da gar os conhecimentos disponíveis e alcan-
Área Marítima do Atlântico Sul; çaram níveis de desenvolvimento e capaci-
f) os imperativos estratégicos, que de- dade de influenciar as relações internacio-
vem ser atendidos de modo a ser preservada nais que ultrapassaram as potencialidades
a segurança nacional e cumpridos acordos e das dimensões e riquezas de seus espaços
tratados internacionais de natureza militar; terrestres. Assim foi com Grécia, Portugal,
g) os eventos da história do País, que Inglaterra e, em sua época, Roma, pois, en-
acarretam afinidades culturais com outros quanto predominava no Mar Mediterrâneo
países. Nesse caso, exemplificando, temos – o Mare Nostrum –, manteve o Império
a participação da Marinha do Brasil em dois Romano.
conflitos mundiais, quando foram Na atualidade, à frente os Estados Uni-
efetuadas patrulhas da Costa Oeste da dos da América e alguns dos países que
África até o Estreito de Gibraltar e escolta- integram a Otan, os oceanos permanecem
dos comboios entre o Caribe e a costa sul como o ambiente onde predomina a proje-

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OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

ção de poder nas relações internacionais. decorrentes das características dos oceanos
Temos para ordenar as influências dos Es- e da magnitude da influência do ambiente
tados a Convenção das Nações Unidas marítimo no destino da civilização humana
sobre o Direito do Mar, a Constituição do recomendam que esses estudos tenham um
Mar. desenvolvimento que considere, além do Es-
No futuro, fatores político-estratégicos, tado, o fato de que o oceano, como indica
energéticos, econômicos e ambientais am- Elisabeth Mann Borgese, “... é um meio dife-
pliarão ainda mais a importância do aten- rente da terra, tão diferente de fato que nos
dimento dos objetivos dos Estados nos força a pensar diferentemente. O oceano, onde
oceanos. tudo flui e tudo é interconectado, nos força a
Assim como no passado e no presente, desfocar, a repelir nossos velhos conceitos e
o futuro também indica que a projeção de paradigmas – a refocar sobre novo
poder nos oceanos continuará tendo como paradigma...”
protagonista o Estado. As organizações A Oceanopolítica envolve a elaboração,
internacionais permanecerão dependendo a disseminação e a implementação de dire-
dos Estados para a trizes relacionadas
celebração de acordos com a ocupação de es-
e tratados, que, sendo No futuro, fatores político- paços oceânicos, a
otimista, devem impe-
dir a repetição dos
estratégicos, energéticos, preservação e a explo-
ração de recursos e o
mesmos erros cometi- econômicos e ambientais acompanhamento do
dos pela civilização ampliarão ainda mais a tráfico marítimo, assim
humana na ocupação como quanto ao usu-
e exploração do ambi- importância do fruto do lazer propici-
ente terrestre, princi- atendimento dos objetivos ado pelo mar.
palmente as guerras. Como estamos ini-
Dessa maneira,
dos Estados nos oceanos ciando uma viagem de
considerando o Esta- estudos em espaços
do como núcleo de irradiação de poder na- oceânicos, temos a convicção de que mui-
cional, apontamos que os conceitos da tas milhas ainda precisam ser navegadas
Oceanopolítica demonstram que as fron- para alcançarmos uma adequada amplitu-
teiras são delineadas nos espaços de e profundidade de conhecimentos so-
oceanopolíticos, onde são projetadas as bre Oceanopolítica. A convicção no êxito
influências dos Estados. dessa navegação decorre da qualidade da
Em termos amplos, a Geopolítica deve ser tripulação, os descendentes dos grandes
a matriz inicial e a moldura dos estudos de navegadores de Sagres: os marinheiros –
Oceanopolítica. Todavia, as especificidades civis e militares – do Brasil.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICAS>; Geopolítica; Recursos do mar; Estudo do oceano; Poder Marítimo;

64 RMB2 oT/2009
OCEANOPOLÍTICA: UMA PESQUISA PRELIMINAR

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68 RMB2 oT/2009
ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

ROBERTO GAMA E SILVA


Contra-Almirante (Refo)

O Brasil herdou o imenso e riquíssimo


território da nossa Amazônia graças à
visão penetrante do estadista português
Segundo o historiador lusitano Joaquim
Ferreira, “os portugueses têm razões so-
bejas para venerar em Pombal o maior
Sebastião José de Carvalho e Melo, que governante da pátria”.
viria a se tornar Conde Nós, brasileiros,
de Oeiras e, depois, também temos razões
Marquês de Pombal. sobejas para conside-
O Marquês de Pom- Nós, brasileiros, também rar o Marquês de Pom-
bal foi nomeado pri- temos razões sobejas para bal responsável pela
meiro-ministro do rei
Dom José I por decre-
considerar o Marquês de anexação definitiva ao
Brasil do território da
to de 5 de agosto de Pombal responsável pela Amazônia, com super-
1750 e nessa situação anexação definitiva ao fície superior à soma
permaneceu até a mor- dos territórios da Índia
te do rei, em 23 de fe- Brasil do território da e do Paquistão.
vereiro de 1776. Amazônia Quando tomou pos-
Durante 26 anos, o se como primeiro-mi-
primeiro-ministro foi o nistro do Reino, decor-
gênio que executou a obra governativa do riam sete meses da assinatura do Tratado de
rei Dom José I, uma das mais profícuas de Madri, que, pela primeira vez desde o Trata-
Portugal. do de Tordesilhas, firmado em 1494, procu-
rou definir os limites entre as possessões de Em resumo, a Amazônia brasileira foi
Portugal e Espanha na América do Sul. trocada pelas Filipinas!
Diga-se de passagem, por pertinente, que Como aparece na figura acima, o mapa
o novo Tratado foi viabilizado pelo princí- da Amazônia ainda estava incompleto, pois
pio do Utis Possidetis Facto, proposto pelo faltava acrescentar o Acre, cujo contorno
secretário de Dom João V, o paulista Alexan- ainda se achava indefinido, pelo fato de
dre de Gusmão, que no ano anterior, isto é, não ter sido determinada a posição correta
em 1749, mandara con- das nascentes do Rio
feccionar o Mapa das Javari, ponto de onde
Cortes, no qual apare- Em resumo, a Amazônia seria traçada uma linha
ciam as terras efetiva- brasileira foi trocada pelas leste-oeste até a ori-
mente ocupadas pelos gem do Rio Madeira,
portugueses na Amé- Filipinas! na confluência do
rica do Sul. Mamoré com o Beni. O
O Tratado acabou sendo firmado por- Acre, vale lembrar, só foi incorporado ofi-
que os espanhóis admitiram que haviam cialmente ao território brasileiro pelo Tra-
avançado ilegalmente sobre o arquipélago tado de Petrópolis, firmado com a Bolívia
das Filipinas, no Oceano Pacífico. em 17 de novembro de 1903, após a vitória
Então, a linha original de Tordesilhas pelas armas de aguerridos brasileiros sob
foi deslocada para oeste, na América do o comando firme do gaúcho José Plácido
Sul, de modo a legitimar as terras desbra- de Castro.
vadas pelos portugueses, e para leste no A dimensão e a natureza da Amazônia
Pacífico, para submeter as Filipinas ao do- chamaram, de imediato, a atenção do Mar-
mínio do Rei da Espanha. quês de Pombal.

70 RMB2o T/2009
ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Para começar, nomeou o próprio irmão, Na impossibilidade de ocupar fisicamen-


Francisco Xavier de Mendonça Furtado, te a imensa região, Pombal delineou a es-
oficial de Marinha, para o cargo de gover- tratégia portuguesa para manter a Amazô-
nador do Grão-Pará e Maranhão, com a mis- nia sob domínio português: “tamponamen-
são de assegurar, de todas as maneiras, a to das vias de acesso do exterior para o
integridade das terras da Amazônia interior da região e vivificação dos pontos
transferidas para o domínio de Portugal. fronteiriços confrontantes com pontos vi-
Mendonça Furtado criou, em 1755, a vificados do outro lado da fronteira”.
Capitania de São José do Rio Negro, ele- Em 6 de junho de 1755, Pombal decretou
gendo como sua primeira capital a locali- a emancipação completa dos índios que ha-
dade de Mariuá, hoje Barcelos, para esti- bitavam a Amazônia, conquistando assim o
mular o povoamento da bacia do Rio Ne- apoio dos silvícolas à causa portuguesa. No
gro e contribuir para eliminar a penetração dia seguinte, 7 de junho de 1755, foi criada a
espanhola pelas aquavias daquela região. Companhia do Grão-Pará e Maranhão, soci-

RMB2 o T/2009 71
ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

edade cujo capital foi subscrito pelos em- das, antes da implantação da Agência da
presários da praça de Lisboa, com o propó- Capitania dos Portos em Munguba (o por-
sito de alijar os intermediários no comércio to de Monte Dourado).(N.R.2)
com a região, sobretudo os ingleses. O Grupo Executivo para a Região do
A estratégia pombalina tem prevale- Baixo-Amazonas (Gebam) demonstrou para
cido até hoje, embora posta em prática as autoridades governamentais, inclusive
inconscientemente. para o próprio Presidente da República, que
O Exército Brasileiro, ultimamente, vem havia descaminho de madeiras em toras e
se empenhando em consolidá-la por inter- beneficiadas, cujo valor, a preços de 1982,
médio de um projeto denominado Calha Nor- ultrapassava a casa de US$ 1,2 bilhão.
te, que consiste, basicamente, no aumento Respaldavam essa revelação o cotejo en-
dos efetivos das unidades dispostas ao lon- tre o inventário florestal, levantado alguns
go da fronteira ao norte do Rio Amazonas, anos antes pelo Radambrasil, e o volume de
além da criação de novos grupamentos mili- madeiras contido na área desmatada; a ca-
tares na mesma região lindeira.(N.R.1) pacidade das três serrarias instaladas na
Essa medida, embora contribua para a pro- área; o depoimento dos práticos do Rio Jari;
teção da fronteira, não e a frequência de atra-
é de todo eficiente no cação de navios no
que tange ao tampona- A estratégia pombalina tem porto de Munguba.
mento, pois o espaço Todo esse volume
amazônico não é pro-
prevalecido até hoje, de madeiras transpor-
priamente continental, embora posta em prática tado ilegalmente cru-
eis que se assemelha a inconscientemente zou a foz do Amazonas
um imenso arquipéla- pelo chamado Braço
go, tal a quantidade de Norte, na verdade a foz
rios e igarapés que cortam o terreno. do grande rio, sem que fosse detectado.
A Força Aérea Brasileira acaba de O segundo exemplo ocorreu em época
tamponar, com eficiência, o espaço aéreo da mais recente, setembro de 2001, quando o
região, mediante a instalação de uma rede navio Artic Sunrise, de bandeira inglesa e
de radares e o estacionamento de aerona- pertencente à organização não-governa-
ves de combate nas bases existentes, com o mental estrangeira Greenpeace, penetrou
que o contrabando e o descaminho de ma- no Rio Amazonas para executar a demarca-
teriais de valor decresceram sobremaneira. ção das terras reservadas para os 361 nati-
Com essa inovação, todos os bens nor- vos da tribo Deni, estabelecidos entre o
malmente transportados pelas aeronaves Rio Xeruã, afluente do Juruá, e o Rio
piratas foram desviados para as hidrovias, Cuniuá, da bacia do Purus.
cujo patrulhamento é ainda frágil. Aplicando os mesmos critérios “metafí-
A fragilidade do tamponamento das sicos” usados para a concessão de reservas
hidrovias pode ser ilustrada com três exem- para os silvícolas, os Deni foram aquinhoados
plos lapidares. com uma área de 998.400 hectares.
O primeiro exemplo relaciona-se com o Pois bem, o Artic Sunrise suspendeu
descaminho de madeiras, em toras e serra- do porto de Manaus, no dia 20 de setem-

N.R.1: Os recursos do Projeto Calha Norte atualmente também contemplam a Marinha e a Força Aérea.
N.R.2: A Agência da Capitania dos Portos do Pará em Munguba esteve ativada desde 1979 até 1999.

72 RMB2 oT/2009
bro de 2001, demandando a área concedi- compromisso constitucional de demarcar
da aos Deni e levando a bordo o cacique todas as terras indígenas até 1993”.
Haku Varashadeni, da tribo em questão, di- Os dois exemplos alinhados demons-
rigentes da Coordena- tram a necessidade de
ção das Organizações instalação de uma Es-
Indígenas da Amazô- Os dois exemplos alinhados tação Naval nas proxi-
nia Brasileira (Coiab),
representantes do
demonstram a necessidade midades de Macapá,
dotada com navios-
Conselho Indigenista de instalação de uma patrulha e com insta-
Missionário (Cimi) e Estação Naval nas lação fixa de radares de
da Operação Amazô- superfície, para
nia Nativa (Opan), to- proximidades de Macapá tamponar a foz do
dos reunidos para pro- Amazonas e apresar
ceder à demarcação da reserva, já que o navios envolvidos em operações ilegais ou
“governo brasileiro não havia cumprido o antinacionais.(N.R.3)

N.R. 3: Ver proposta similar do Vice-Almirante (Refo) José Luiz Feio Obino, publicada na RMB do 4o
trimestre de 1998.
N.R. 4: Gaiola – Embarcação de navegação fluvial, empregada para transportar sobretudo passageiros.

RMB2 oT/2009 73
ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

O terceiro exemplo refere-se ao do Rio bando de armas e de tóxicos transferiu-se


Solimões, nas proximidades da tríplice para o transporte hidroviário, tendo como
fronteira Brasil-Peru-Colômbia. principal via o Rio Içá.
No período noturno do dia 4 de julho de Então, como a simples presença de tropa
1949, o gaiola(N.R.4) Ajudante, pertencente à terrestre, na divisa Brasil-Colômbia, não pro-
frota do Serviço de Navegação da Amazô- picia a detecção da penetração de embarca-
nia e Administração do Porto do Pará ções, mormente no período noturno, cabe à
(Snaap), navegava próximo à margem es- Marinha o tamponamento do Rio Içá, de pre-
querda do Solimões, no trecho entre São ferência com a implantação de uma Estação
Paulo de Olivença e Benjamim Constant, Naval em Santo Antônio do Içá, povoação
transportando 120 passageiros. localizada na margem esquerda do rio, bem
Surpreendentemente, uma canhoneira na confluência com o Solimões. Além da pre-
da Marinha da Colômbia, bem dotada de sença de navios-patrulha, a nova Estação
armamento (dois ca- Naval deveria contar
nhões de 195 mm, com a instalação de ra-
dois canhões de 40 dares de superfície fixos
mm da fábrica Bofors
Cabe à Marinha o e a presença de tropa
e dez metralhadoras tamponamento do Rio Içá, de Fuzileiros Navais,
de 20 mm da fábrica de preferência com a pronta para executar
Oerlikon), aproximou- operações ribeirinhas.
se do Ajudante e implantação de uma Ressalte-se que a
abriu fogo até afundá- Estação Naval em Santo localização da Estação
lo. Como resultado do Naval proposta, estra-
ataque morreram 112
Antônio do Içá tegicamente distante
brasileiros.(N.R.5) da fronteira, além de
Posteriormente, a diplomacia colombia- garantir o tamponamento efetivo do Rio Içá,
na apresentou as suas desculpas, alegan- ainda executaria a mesma tarefa no Rio
do que o Ajudante fora confundido com Solimões.
um navio peruano, eis que os dois países O reforço da presença de Fuzileiros Navais
vizinhos haviam retomado as hostilidades na Estação Naval, ademais, tornaria a atuação
em torno do território onde se situava a desse segmento de projeção do Poder Naval
cidade de Letícia. mais sintonizada com a conjuntura.
A canhoneira colombiana, sem qualquer Obviamente, a ideia de criação de duas
aviso às autoridades brasileiras, demanda- novas “Estações Navais” na Amazônia in-
va o Rio Içá, procedente de Letícia. clui necessariamente o aumento do núme-
A facilidade de penetração na Amazônia ro de navios-patrulha fluviais e costeiros
brasileira por embarcações procedentes do em operação na região, além de unidades
território colombiano, mediante a utilização para a condução de operações ribeirinhas.
da aquavia Içá-Putumayo, ainda persiste. Adotadas as providências propostas,
Com a atual dificuldade de uso do espa- ainda se faz necessário barrar três cami-
ço aéreo para atividades ilícitas, o contra- nhos de penetração existentes na margem

N.R. 5: Mais detalhes do ataque ao Ajudante estão descritos no livro “Fronteiras da Amazônia – uma
guerra silenciosa”, do Capitão de Mar e Guerra (Refo) Aécio Pereia de Souza. Partes do livro foram
publicadas na RMB do 2 o trimestre de 2001.

74 RMB2 oT/2009
ESTRATÉGIA DE DEFESA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

direita do Amazonas, como são os Rios Ma- Naval que dará apoio à Esquadra do Norte.
deira, Purus e Juruá. Nos três casos, seria Tal escolha não admite outra alternativa
suficiente equipar as Organizações Milita- devido às águas profundas e protegidas
res da Diretoria de Portos e Costas, isto é, da citada baía, que permitirão o estaciona-
a rede de capitanias, delegacias e agênci- mento seguro de navios de maior calado,
as, com lanchas-pa- inclusive aqueles do-
trulha armadas e ins- tados de domos de
talações fixas de rada- A estratégia delineada pelo sonares com dimen-
res de superfície, em Marquês de Pombal, mais sões avantajadas.
Porto Velho, Rio Bran- Esta Esquadra do
co e Eirunepé. do que nunca, é vital para o Norte também deverá
Ademais, como a exercício da soberania e contribuir, com grande
Estratégia de Defesa
Nacional, recentemen-
manutenção da integridade eficiência, para o
tamponamento avança-
te divulgada, preconi- territorial da Amazônia do da foz do Amazonas.
za a presença de For- brasileira Para concluir, deve
ças Navais oceânicas ser enfatizado que a
no norte do País, para continuidade de aplica-
se contrapor às ameaças oriundas da re- ção da estratégia deli-neada pelo Marquês
gião de onde sopram os ventos boreais, de Pombal, mais do que nunca, é vital para o
parece óbvia a escolha da Baía de São exercício da soberania e manutenção da inte-
Marcos, no Maranhão, como sede da Base gridade territorial da Amazônia brasileira.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Estratégia; Política interna; Soberania; Amazônia;

RMB2 o T/2009 75
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

ADALBERTO CASAES JÚNIOR*


Contra-Almirante (RM1)

SUMÁRIO

Antecedentes
Os principais desafios
Por que um submarino nuclear?
Outras considerações relevantes
Perspectivas

ANTECEDENTES cos evidenciando o formidável potencial


de uma reação em cadeia a partir da possi-

O s primórdios do interesse americano


sobre o fenômeno da fissão nuclear
em benefício da propulsão naval, em espe-
bilidade da divisão de um átomo de urânio,
descoberta no ano anterior e pouco adian-
te comprovada pelas infaustas, porém bem-
cial para submarinos, datam de 1939, época sucedidas, detonações das bombas atômi-
em que eram divulgados os resultados dos cas lançadas sobre as cidades japonesas
exercícios exploratórios de base matemáti- de Hiroshima e Nagasaki.
ca envolvendo a física quântica, que reme- Em continuidade ao lúcido vislumbre, em
teram à condução de experimentos científi- abril de 1948 a Marinha dos Estados Unidos

* Superintendente de Submarinos da Coordenadoria Geral do Programa de Desenvolvimento de Subma-


rino com Propulsão Nuclear.
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

da América iniciava ambicioso programa vi- ficas componentes do Poder Naval, cuja
sando à construção e operação de um sub- esgrima fundamental estava, e assim per-
marino empregando um reator nuclear para manece até os dias de hoje, lastrada no
a geração de vapor, e que propiciaria ao meio, aperfeiçoamento constante no campo
portanto, permanecer oculto sem a necessi- tecnológico, formidável patrimônio e ins-
dade de quebrar suas margens de discrição trumento que sempre irá credenciar o mais
para carga de baterias, operação que, nos bem preparado a galgar o próximo e superi-
submersíveis de então, mesmo aqueles or degrau na escala da dissuasão.
construídos com o melhor existente no es- Passado algum tempo, mas já em 1954, a
tado da arte, implicava alguma exposição Marinha dos Estados Unidos apresentava
acima da superfície, ainda que limitada ape- o Nautilus, produto final de histórico pro-
nas ao periscópio de observação e a um jeto de construção de submarino com pro-
conduto de admissão que permitia aspirar o pulsão nuclear, livrando-o da necessidade
ar exterior (o esnorquel), sistema introduzi- de recarregar baterias na superfície ou em
do na Campanha do Atlântico ao final da esnorquel e tornando-o, portanto, o tipo
Segunda Guerra Mundial. de navio que podia ser realmente chamado
Decorrente do expressivo sucesso dos de submarino em substituição ao vocábu-
ataques conduzidos pelos submarinos con- lo submersível, que denota a realidade de
tra os navios de superfície durante aquela todos os seus antecessores ou daqueles
guerra, logo surgia, em reação, a inovação que, ainda na atualidade, dependem de al-
tecnológica da detecção radar, notável con- guma forma do comburente oxigênio para
quista britânica. a propulsão ou recuperação do nível ade-
A introdução desse recurso permitiu quado de carga de suas baterias que acu-
identificar os submarinos que atacavam mulam energia elétrica.
navegando na superfície, tirando proveito No Brasil, em 1979, a Marinha, com o
da escuridão associada ao baixo perfil da descortino das grandes e decisivas reali-
reduzida superestrutura exposta acima zações, batizava de Chalana um embrião
d’água. Contudo, a descoberta da existên- de projeto cujo objetivo buscava adquirir
cia e compreensão desse novo tipo de condições, conhecimentos e competênci-
detecção produziu efeitos que resultaram as visando a permitir nosso ingresso no
em acentuar o entendimento da necessida- seletíssimo grupo de países capazes de
de da ocultação submersa, que propiciaria projetar, construir e operar um submarino
a efetiva discrição da aproximação por par- com propulsão nuclear, sonho, desde en-
te dos submarinos. tão, permanentemente acalentado pelos
A resposta, configurada pelo sistema componentes da Força Naval.
adrede comentado, que passou a ser co- O levantamento de todos os fatos e o
nhecido como esnorquel, permitia a carga detalhamento do caminho percorrido nes-
de baterias com o submarino mergulhado tes últimos 30 anos passam ao largo da pro-
e, certamente, marcou o início do sofistica- posta deste trabalho. Contudo, sem apon-
do e crescente desafio, confrontando a tar todos os nomes que certamente a histó-
possibilidade da oportuna detecção da ria da Marinha do Brasil fará a justiça de
ameaça, diante da capacidade efetiva da reconhecer e consagrar ao longo do tem-
aproximação furtiva e concretização do ata- po, vamos destacar o elenco das conquis-
que bem-sucedido. Em outras palavras, tas mais marcantes e decisivas que pavi-
começava o embate entre parcelas especí- mentaram o terreno firme da estrada per-

RMB2 o T/2009 77
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

corrida até aqui, a qual, inequivocamente, das pela engenharia naval brasileira e
aponta para prognóstico muito promissor construído em estaleiro nacional pelas
nessa empreitada que esteve por várias mãos dos nossos técnicos e operários.
razões adormecida e hoje, quando alcança Há que comentar e incluir nessa visão a
idade madura, felizmente desperta com o existência de inúmeras intercorrências, que
vigor necessário para alcançar o objetivo devem ser consideradas englobadas nas
há tanto tempo estabelecido. capacidades de projeto e construção, e que
abrangem os sistemas de armas, de con-
OS PRINCIPAIS DESAFIOS trole da plataforma, sensores e armamento,
setores vitais e sobre os quais ainda expe-
A partir de exposição de motivos do Mi- rimentamos lamentável dependência exter-
nistério da Defesa apresentada ao Presidente na, cuja superação precisa ser viabilizada.
da República em dezembro de 2007, foi au- Ao lado disso, merece destacar que foi
torizado que aquele Ministério iniciasse en- com indiscutível perseverança, criativi-
tendimentos diretos dade, coragem, inteli-
com a área econômica gência, habilidade e
do governo visando à Desde o início do projeto muita competência
construção do subma- que inúmeros obstá-
rino nuclear S(N) bra- do submarino com culos foram supera-
sileiro. Renasciam ali as propulsão nuclear da dos, até aqui, por to-
esperanças da Mari- dos aqueles que, de
nha e iniciava-se o
Marinha, em 1979, o alguma forma, estive-
chamado Programa de domínio do ciclo do ram envolvidos, des-
Desenvolvimento do combustível, obtido em de o início, no trato
Submarino de Propul- dos assuntos que se
são Nuclear (Prodesn). 1982, constituiu a primeira relacionavam com a
Desde logo, é im- formidável vitória obtenção do submari-
portante ficar claro no com propulsão nu-
que determinadas clear, sejam sob o pris-
capacitações devem ser necessariamente ma da sua conveniência estratégica para a
atendidas de modo que a Marinha possa, Marinha do Brasil, os fundamentos da sua
efetivamente, concretizar suas pretensões. operação, as dificuldades do projeto e da
Entre essas competências, merece rele- construção, os óbices para a obtenção do
vo e é obrigatório enumerar, minimamente: combustível passando pelo processo para
a conquista da capacidade de projeto; a o enriquecimento do urânio, além da
consolidação das capacidades de constru- miríade de problemas acessórios e
ção, de manutenção e operação; além de, intercorrentes que uma obra dessa enver-
logicamente, dar continuidade à questão gadura traz atrelada.
do combustível e trabalhar na concepção e Contudo, se ainda resta um bom cami-
construção do reator e periféricos a serem nho a percorrer, convém registrar que ba-
testados em terra, em conjunto, para final- ses sólidas foram alicerçadas e, neste mo-
mente evoluir no sentido da instalação e mento, a Marinha deixa evidente que tra-
integração da planta de propulsão nuclear balha para fazer prosperar o formidável pro-
no submarino, cujo casco, espera-se, terá jeto que, conforme previamente comenta-
sido projetado sobre pranchetas trabalha- do, já alcançou a maturidade.

78 RMB2 oT/2009
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

Vamos, portanto, tentar elucidar o quan- que a realidade e a evolução dos fatos
to já vencemos nessa singradura e, ainda mostraram ter sido irreversível e decisivo.
mais relevante, comentar sobre as etapas Os desdobramentos dessa empreitada,
remanescentes e também as mais importan- com a sofisticação de centrífugas de geni-
tes, as quais, uma vez satisfeitas e supera- al concepção nacional e a montagem de
das, ao juízo deste autor, propiciarão a che- cascatas seriadas, levaram ao enriqueci-
gada e “atracação” ao porto seguro do al- mento do combustível ao nível de protóti-
mejado objetivo. po laboratorial em grau adequado e com a
Desde o início do projeto do submarino possibilidade concreta da obtenção do
com propulsão nuclear da Marinha, em quantitativo suficiente para o abastecimen-
1979, o domínio do ciclo do combustível, to dos futuros submarinos nucleares que
obtido em 1982, constituiu a primeira for- serão fabricados no País.
midável vitória, que consagrou com lugar Entretanto, para que essa possibilidade
de destaque na nossa história um grupo se transforme em realidade, resta equacionar
seleto de oficiais e engenheiros navais li- a questão da escala de produção que efeti-
derados pelo Vice-Almirante Othon Luiz Pi- vamente assegure a quantidade de combus-
nheiro da Silva, cujas tível suficiente para
habilidades e compe- atender a todos os fu-
tências ficam difíceis
de traduzir em pala-
No que tange à planta de turos submarinos,
mesmo que ainda não
vras frias, especial- propulsão, já foi divulgado necessariamente inclu-
mente diante da apa- que a Marinha do Brasil ídos no Programa ini-
rente simplicidade do cial, mas já visuali-
feito. Destarte, pouco trabalha celeremente no zados diante de ótica
tempo depois, em seu centro de excelência estratégica de prazo
1987, o então Presi-
dente José Sarney
tecnológica de Aramar, na maisNão longo.
menos essen-
anunciava ao mundo, região de Iperó, em São cial, associado a essa
com justificado orgu- Paulo, para prontificar um preocupação será vital
lho e pompa, a con- agir no sentido de evi-
quista brasileira. protótipo de reator nuclear tar a vulnerabilidade
Mas é sensato es- em terra de estrangulamento do
timar quantas dificul- processo pela simples
dades das mais diver- interrupção de forneci-
sas naturezas não terá sido preciso supe- mento do hexafluoreto de urânio, que hoje
rar para tornar concretas as concepções e ainda passa pelo Canadá e pela Europa. Pro-
mostrar resultados práticos sobre visões videncialmente, acertos e parcerias com as
teóricas, sem mencionar os difíceis e quase Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) dão
inescapáveis obstáculos interpostos pela curso seguro e promissor a este assunto.
observação atenta e atuação poderosa dos No que tange à planta de propulsão, já
países mais desenvolvidos que, sob a égide foi divulgado que a Marinha do Brasil tra-
das chamadas salvaguardas internacio- balha celeremente no seu centro de exce-
nais, buscaram criar barreiras, ainda bem lência tecnológica de Aramar, na região de
que em vão, na tentativa de impedir que a Iperó, em São Paulo, para prontificar um
Marinha e o nosso país dessem este passo protótipo de reator nuclear em terra.

RMB2 o T/2009 79
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

A instalação de todos os componentes varetas ou placas para colocação do ele-


do sistema permitirá a condução dos tes- mento combustível no reator.
tes que deverão ser levados à saciedade Na primeira alternativa, utilizando
para o estabelecimento das condições varetas, estaríamos sendo conservadores,
satisfatórias de operacionalidade segura, posto que esta linha de ação copie solu-
o que evoluirá para a subsequente ção que atendeu aos primeiros geradores
integração da planta para atender ao proje- de vapor utilizados na propulsão de sub-
to que prevê sua instalação a bordo do fu- marinos e é hoje empregada nas usinas nu-
turo submarino. cleares de Angra 1 e Angra 2.
O mencionado protótipo estará no La- Já as placas, ao que se sabe com rendi-
boratório de Geração de Energia Núcleo-Elé- mento superior, equipam plantas de sub-
trica (Labgene), cuja previsão de pronti- marinos mais modernos, constituindo, por
ficação estima-se até 2013. Além de todos isso mesmo, desafio maior, tendo em vista
os testes e certificações necessárias, sem que representam aperfeiçoamento introdu-
dúvida o Labgene também desempenhará zido pelos países veteranos no emprego
papel fundamental, contribuindo significa- da propulsão nuclear.
tivamente para o adestramento das futuras Tendo em vista a consideração desses as-
tripulações escaladas para o guarnecimento pectos, parece prudente e provável que a es-
e a condução dos sistemas de propulsão do colha recaia no uso de varetas, ao menos para
futuro submarino. a primeira das plantas a serem instaladas.
No que envolve o empreendimento Nesse contexto de desafios, outro gran-
Labgene, porém, há que reconhecer algu- de passo que igualmente já foi dado refere-
mas dificuldades que inevitavelmente de- se à conquista da competência correspon-
verão constituir ponto crucial, pois sabe- dente ao domínio da tecnologia de cons-
mos bem a dificuldade em contar com quais- trução de submarinos, sucesso alcançado
quer subsídios externos para auxiliar nas pelo Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
soluções dos sistemas de proteção e de entre os anos de 1986 e 2005, quando fo-
controle da propulsão, sofisticados e vi- ram prontificadas três unidades de subma-
tais para a funcionalidade exigida por um rinos da classe Tupi (original IKL) e um da
meio naval de características tão especi- classe Tikuna, este último com modifica-
ais, cuja máquina deve estar pronta a aten- ções e aprimoramentos promovidos pelos
der às diversas demandas do comando na engenheiros navais brasileiros. Tal episó-
variável gama de potência e velocidades dio tem muito significado, uma vez que
solicitadas. credenciou o Brasil como o único país do
Incluem-se nessas preocupações os hemisfério sul, ao lado da Austrália, com a
sensores que devem trabalhar integrados real capacidade de atender às exclusivas
ao reator e que fornecerão os dados vitais sofisticações exigidas para esse fim.
para o controle correto e perfeito funciona- Ao arrasto disso deriva a reconhecida
mento da propulsão. Para isto, a nossa en- capacidade de manutenção daquele mes-
genharia deverá dedicar esforços criativos. mo Arsenal, ampliada como corolário natu-
Outro aspecto basilar e que, sem qual- ral da construção, que não somente aumen-
quer controvérsia, também vai exigir deti- tou a eficiência do apoio logístico presta-
da reflexão dos nossos engenheiros na con- do, mas também reduziu prazos de
cepção do reator a ser empregado reside prontificação para períodos previstos de
na decisão de optar pelo emprego de reparo, chegando ao ápice até de prestar

80 RMB2 oT/2009
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

serviços para outra Marinha sul america- duro” de selecionado grupo de engenhei-
na, como foi o caso da Força de Submari- ros navais brasileiros.
nos da Armada Argentina, que enviou ao Tal entendimento, contudo, não prevê
Brasil submarino para consecução de Perí- qualquer ajuda no que envolve a propul-
odo de Manutenção Geral, ocasião que são nuclear em si mesma. E isso não pode-
impunha a abertura do casco resistente do ria, realmente, ser diferente, em face da exis-
navio, procedimento executado de forma tência de efetivas salvaguardas internaci-
perfeita e que atesta e comprova cabalmen- onais sobre o assunto. Ademais, seria ilu-
te que dominamos técnica restrita a pou- sório acreditar que algum país entregue seu
cos países em todo o mundo. patrimônio tecnológico tão exclusivo para
Também é fato que aos desdobramen- outro, mesmo que cobrando muito por esse
tos do processo de obtenção dos IKL pode valor intangível.1
ser associado ensaio de capacidade de pro- Retornando ao citado acordo com os
jeto. Porém parece ser equilibrado e sensa- franceses, tem expressivo valor, e merece
to assinalar que esta é, ainda, uma compe- ser enfatizado, o aspecto representado pela
tência essencial não preocupação da parte
inteiramente domina- brasileira em eliminar a
da e que precisa ser O acordo prevê a carência existente na
conquistada. parte de projetos.
Justo nesse senti- aquisição da essencial A história deixa evi-
do, a Marinha buscou capacidade de projeto, a dente que as Mari-
parceria externa que nhas que hoje contam
atendesse às deman-
ser implementada na com submarino nucle-
das brasileiras. O re- França e no Brasil ar nos seus inventári-
sultado já é de domí- os acumularam expres-
nio público, uma vez que foi amplamente siva experiência prévia na construção na-
divulgado pela mídia nacional e internaci- val e, em especial, na de submarinos. E isso
onal. Desse modo, sabemos que, em de- ocorreu de forma lógica e em sequência a
zembro de 2008 foi firmado acordo entre um processo evolutivo natural, decorren-
Estados, com o envolvimento direto dos te, também, dos investimentos feitos pelos
Presidentes do Brasil e da França, acertan- respectivos países que, por variadas ra-
do entendimentos que culminam na cons- zões, mais cedo despertaram para o poten-
trução, no País, do primeiro submarino nu- cial do emprego da arma e, na mesma medi-
clear brasileiro, após a fabricação, também da, logo deram conta da importância dos
no Brasil, de quatro convencionais da classe submarinos para o fortalecimento de seus
Scorpene, cujo detalhamento de projeto poderes navais.
será conduzido pela parte brasileira. É consequência natural que essas po-
Além disso, em providência fundamen- tências estejam, hoje, em patamares
tal, o acordo prevê a aquisição da essenci- tecnológicos superiores e em condições de
al capacidade de projeto, a ser implemen- realizar, efetivamente, aquilo que o melhor
tada na França e no Brasil para um “núcleo do estado da arte pode oferecer. No caso

N.A.1: Na verdade, tal transferência somente ocorre em situações especialíssimas e limitadas – podem
ser citadas as parcerias dos Estados Unidos e Reino Unido e, de forma um tanto diferenciada e
peculiar, da Rússia e a Índia – ressalvando que considerações sobre tais casos específicos fogem
inteiramente à proposta de abordagem deste trabalho.

RMB2 o T/2009 81
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

brasileiro resta implícito, sem importar as Conveniente lembrar, ainda, que se des-
razões, que do nosso lado, em tempos pas- conhece exemplo de Marinha que tenha
sados, não promovemos as mesmas priori- decidido partir para o projeto e construção
dades. Mas, logicamente, e justo para abre- de um submarino nuclear sem antes ter tri-
viar etapas na velocidade possível, a Mari- lhado o caminho prévio do convencional.
nha do Brasil buscou e encontrou a parce- Entretanto, é exatamente neste ponto que
ria internacional comprometida em atender reside o maior desafio e aparece a oportu-
a nossas demandas. na e a ousada solução: abreviar o proces-
É oportuno destacar, mais uma vez, con- so, de forma segura e sem comprometer
forme previamente comentado, que, no pro- seus estágios!
cesso da capacitação da construção dos IKL Mesmo sob o risco de sermos repetitivos
(classes Tupi e Tikuna), algum esforço foi neste argumento, convém assinalar que o
feito na tentativa de adquirir experiência em processo normal e em absoluta sintonia com
projeto. Entretanto, impõe reconhecer que os acontecimentos registrados nos anais
os progressos não foram suficientes para dos submarinos já construídos no mundo
que pudéssemos con- recomenda passar, an-
siderar satisfatoria- tes, pelo projeto, e de-
mente conhecida ou pois pela construção
inteiramente dominada Desconhece-se exemplo de de um convencional
tal competência. Marinha que tenha para, então, do alto
Assim, ordenando dessa experiência e
ideias, convém assina-
decidido partir para o lastrado nos conheci-
lar que a posição atual projeto e construção de um mentos adquiridos,
no que tange aos sub- submarino nuclear sem partir para um casco e
marinos remete a um sistemas mais sofisti-
nicho de tecnologia antes ter trilhado o cados que abriguem
que permite construir caminho prévio do uma planta de propul-
aquilo que, em essên- são nuclear. Mas, con-
cia, não foi por nós
convencional venhamos, a Marinha
nativamente projetado. do Brasil tem a pressa
Nesse campo, constitui um lapidar exem- que justifica ajustar essa sequência em be-
plo o caso das corvetas Inhaúma e Barro- nefício da velocidade dos resultados!
so, classes, respectivamente, projetadas e Justamente tal conjunção de fatos ex-
reprojetadas, e depois construídas pelos plica e justifica o curso das ações atuais na
nossos engenheiros e técnicos. E, muito direção da parceria com a França que pre-
relevante registrar, a Barroso resulta da in- vê, além da construção de quatro conven-
clusão de aperfeiçoamentos exatamente cionais, ajuda e exercícios de projeto ao
derivados da experiência antecessora. final dos quais nossos engenheiros, so-
A alusão às corvetas torna-se pertinen- mando vivências, preparo e conhecimen-
te para fundamentar um paralelo com os tos prévios, poderão alcançar o nível ade-
submarinos, ainda que distante, tendo em quado de expertise para desenvolver o
vista que o acúmulo de experiências é sem- grande esforço de concepção do nuclear.
pre muito desejável e se aplica, igualmen- É necessário ter a dimensão perfeita do
te, às bases de aprimoramento de ambos passo que a Marinha e o País pretendem
os meios considerados. dar. Significa cruzar atalho fantástico e inu-

82 RMB2 oT/2009
O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

sitado, perfeitamente factível, desde que Interessante a constatação que vem ao


observada constante persistência e inteira encontro de posição aqui explicitamente
devoção ao objetivo. Isto somente será al- defendida, quando é atribuída à Cogesn o
cançado com a atribuição de prioridades detalhamento do projeto do submarino
ao grupo dedicado à tarefa e ao trabalho classe Scorpene, caminho obrigatório para
contínuo e harmonioso em benefício do forjar os alicerces fundamentais do projeto
propósito estabelecido, superando os ine- ainda mais importante do submarino com
vitáveis óbices inerentes a um Programa propulsão nuclear, alvo final e mais expres-
de tal envergadura. sivo do Programa.
Toda essa conjuntura justifica a recen- Em se tratando de estaleiro e base de
te ativação de uma Coordenadoria especí- apoio para a planta nuclear, outros e im-
fica para tratar desse assunto, conforme portantes requisitos devem ser atendidos
providência promovida pela MB em 26 de para a condução correta e segura de um
setembro último. reator sempre que o combustível venha a
A Coordenadoria-Geral do Programa de ser instalado ou retirado do submarino, ou
Desenvolvimento de Submarino com Pro- em qualquer tipo de situação que exija o
pulsão Nuclear (Cogesn), de acordo com o manuseio de material radioativo.
estabelecido pela Portaria 277 de 2008 do Nesse ponto, torna-se oportuno mencio-
Comandante da Marinha, possui as seguin- nar a obrigatoriedade da obtenção das licen-
tes atribuições: ças, a serem providenciadas pela Marinha
• gerenciar o projeto e a construção do ou pelo construtor contratado, observando
estaleiro dedicado aos submarinos; legislação específica para atender às exigên-
• gerenciar o projeto e a construção da cias legais reguladas pelos credenciados ór-
base de submarinos; gãos que tratam desse assunto, representa-
• gerenciar o projeto de construção de dos pelo Instituto do Meio Ambiente (Ibama)
submarino com propulsão nuclear; e e pela Comissão Nacional de Energia Nucle-
• gerenciar o projeto de detalhamento ar (CNEN), posto que, sem tais autorizações,
do submarino convencional a ser adquiri- que devem ser obtidas paulatinamente e na
do pela MB. oportunidade adequada, fica impossível ob-
Conforme fica claro, o Programa também ter respaldo para o início e a continuidade
inclui e cuida dos aspectos de logística das obras necessárias.
fundamental, ancorado que está na obten- Tal aspecto, que eventualmente poderá
ção de nova base e estaleiro dedicados aos transcender a capacidade de negociação da
submarinos, que por óbvia conveniência Marinha, reveste-se de destacada importân-
estende apoio, também, ao conjunto de cia e não deve ser negligenciado, uma vez
todos os submarinos, independentemente que apresenta potencial possibilidade de
do seu tipo de propulsão. comprometimento do cronograma previsto
Isto, por si só, envolve mais uma vasta para as obras, o que causaria, dessa manei-
gama de providências, ajustes e transfe- ra, desastrosos e radicais prejuízos ao todo
rências de locais atualmente em uso, mas do Programa do submarino nuclear.
que deverão ser modernizados e concen- Portanto, há que se ter muita antecedência
trados no novo estaleiro e nova base: ofi- e atenção às providências que conduzem a
cinas, centros de instrução e simuladores, tais licenças, entre essas as chamadas Prévia
depósitos, ambulatórios e todo tipo de (concedida pelo Ibama), e de Aprovação do
apoio específico para submarinos. Local (concedida pela Cnen), processo que

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

ao final concede a autorização de construção, gosamente dilatado para análise e decisão,


mas sujeito a delongas derivadas de ampla o que poderá remeter aos temíveis atrasos.
quantidade de exigências que costumeiramente Projetar e construir um submarino de
condicionam suas liberações. propulsão nuclear inclui, da mesma forma,
Esse constitui um desafio típico dos tem- a necessidade de superar algumas carênci-
pos atuais, quando as acentuadas preocu- as vitais para a completa e total indepen-
pações com os riscos de impactos ao meio dência nacional no assunto.
ambiente, devidamente amparadas em Nesse elenco de carências podemos re-
arcabouços jurídicos, exacerbam procedimen- lacionar o armamento, sensores, sistemas
tos e prudências com tudo aquilo que envol- de armas, sistemas diversos do controle
ve a energia nuclear e o próprio ambiente. da plataforma e tantos outros mais que na
Em face das peculiaridades das instala- realidade não impedem de forma definitiva
ções de apoio, será imprescindível elaborar a consecução do projeto, tendo em vista
projeto básico que abrigue diversas ativi- que podem ser adquiridos no exterior, mas
dades específicas, atendendo a requisitos envolvem etapas que subtendem desdo-
de plena segurança, desde a monitoração bramentos vulneráveis aos preços impos-
radioecológica do local, passando pelo re- tos e disponibilidades dos fornecedores,
cebimento, inspeção e armazenamento de fato que, em última análise, corresponde a
elementos combustíveis novos para reato- uma inaceitável dependência externa.
res, pelo armazenamento de elementos com- Resta claro que a mencionada depen-
bustíveis irradiados, pela preparação e tes- dência deve e tem que ser eliminada em
tes de embalagens para rejeitos de baixa e breve prazo, alcançando, pelo menos, ní-
média radioatividade com seus respectivos vel mínimo que corresponda à obtenção
armazenamentos, até o tratamento de rejeitos da capacidade tecnológica equivalente a
radioativos e dispositivos que assegurem a estar em condições de poder fazer, quando
remoção do calor residual do reator quando assim desejado.
da docagem dos submarinos nucleares. Por outro lado, existem componentes,
Naturalmente, os decorrentes sistemas não só aqueles que estão diretamente rela-
auxiliares imprescindíveis para a segura e cionados com a propulsão nuclear, que
correta consecução dessas atividades de- devem completar o arranjo pleno de um S(N)
vem fazer parte da concepção da base e do e que, inapelavelmente, teremos que cami-
estaleiro, incluindo água desmineralizada, nhar com as próprias pernas para obter, uma
vapor, ar comprimido, nitrogênio, ventila- vez que dificilmente estarão disponíveis no
ção, proteção e combate a incêndio, ener- mercado. A navegação inercial, composta
gia elétrica, drenagens, entre outros, tanto de acelerômetros e giroscópios de elevada
quanto a concepção detalhada do conjun- precisão, e sistemas dedicados ao controle
to venha a recomendar. do ar ambiente e geração de oxigênio em-
Importante ter em mente que todas as pregando recursos tecnológicos sofistica-
construções no complexo estaleiro e base, dos são alguns destes pontos sensíveis.
classificadas como de natureza nuclear, en- Ademais, não é preciso fazer extensas
volvem particularidades inusitadas para a reflexões para concluir que já deixamos para
Cnen, constituindo, portanto, atividade pre- trás o prazo aceitável para galgar indepen-
cursora que, por isso mesmo, pode trazer dência nos vários segmentos relacionados,
um rol ainda maior de exigências e, via de cuja complexidade, absolutamente, não é
consequência, tempo inconveniente e peri- maior que o conjunto da obra do próprio

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

submarino que, com inabalável certeza, ao tados Unidos, cuja Marinha, na realidade,
cabo de alguns anos, vamos concretizar. cerceava ou, minimamente, não se mostra-
va preocupada em transferir conhecimen-
POR QUE UM SUBMARINO tos, as tripulações brasileiras não eram con-
NUCLEAR? templadas com o adestramento possível e
nem travavam contato com os procedimen-
A motivação para a obtenção de uma tos de emprego que, embora pudessem
razoável parcela de submarinos na compo- corresponder à rotina habitual para uma
sição do Poder Naval brasileiro decorre de força de submarinos de Marinha de primei-
tradicional identificação da MB com o em- ro mundo, certamente representariam vali-
prego destes meios, desde o distante 1914, osas novidades para nós.
ocasião da chegada ao País do primeiro Assim, sem qualquer desdouro àqueles
classe “F”, quando tudo começou. que em fase anterior muito ajudaram a es-
Após período inicial atrelado à obten- crever a saga da Força de Submarinos da
ção de submarinos fabricados na Itália, o atualidade, foram certamente os novos cur-
intenso fluxo de transferência de meios de sos, adestramentos e exercícios no mar, que
origem americana nos anos 60 e 70, inicial- se aproximavam dos limites máximos das
mente “Fleet-Types” e, em continuidade, verdadeiras condições de combate, reali-
os “Guppies”, cujo significado do acróstico zados com a Marinha britânica durante o
era “Great Underwater Propulsion Power”, recebimento dos Oberon, que forjaram uma
correspondendo, literalmente, a um sensí- nova mentalidade de emprego que rapida-
vel acréscimo de desempenho de motores, mente se espalhou e contagiou todos os
geradores e capacidade das baterias, a For- submarinistas brasileiros.
ça de Submarinos experimentou uma fase Em estágio adiante, durante a obtenção
em que chegou a alcançar o acervo expres- da nova classe Tupi, recebida sem repetir
sivo de dez submarinos. as condutas de natureza operativa empre-
Contudo, o episódio pregresso de mai- gadas nos classe Humaitá, os conhecimen-
or significado e impulsão em termos quali- tos adquiridos já estavam incorporados,
tativos que resultaram em aprimoramentos bastando ajustar procedimentos à nova
no emprego tático do meio ocorreu quan- plataforma, quando necessário.
do, ainda na segunda metade da mesma Outro ponto facilitado pela conjuntura
década de 70, chegaram ao Brasil os sub- e decorrente do estabelecimento de novos
marinos Oberon da classe Humaitá. níveis de exercícios no mar agora, diferen-
A possibilidade da realização de intensos temente de tempos de outrora, foi o fato de
e extenuantes exercícios, conduzidos na In- que a Esquadra passou a alocar meios em
glaterra sob a supervisão direta dos rigoro- pleno benefício do adestramento dos sub-
sos inspetores da Royal Navy, ao longo de marinos. Este aspecto, que se tornou sis-
processo de adestramento chamado de work- temático e foi incorporado à rotina, sem
up, terá sido, provavelmente, um divisor de sombra de dúvidas contribuiu decisiva-
águas para lançar os submarinistas a um pa- mente para consolidar a desejável e hoje
tamar de conhecimento de emprego tático da destacada capacidade de emprego tático
arma sem precedentes na história da Força dos nossos submarinos.
de Submarinos da Esquadra. O esmerado culto ao adestramento, o
Enquanto estivemos limitados ao rece- emprego seguro e taticamente correto, além
bimento dos robustos submarinos dos Es- dos elevados parâmetros de desempenho

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

exigidos dos oficiais submarinistas em ge- sam maiores considerações sobre sua im-
ral e, em especial, dos futuros comandan- portância, a não ser lembrar que as LCM
tes de submarinos, germinam estimulando são preservadas pela existência e atuação
o pensamento nativo e fazem prosperar de um Poder Naval compatível.
aprimoramentos. Logo isso se torna con- Ademais, e constitui outra vulnera-
creto e bem evidenciado pelos resultados bilidade que merece atenção, a produção
apresentados e sucessos colhidos em ope- nacional de petróleo está praticamente toda
rações no mar. concentrada no mar, na plataforma conti-
Estavam, portanto, criadas as condições nental brasileira, de onde são extraídos mais
para o efetivo crescimento, valorização e 1,6 milhão de barris por dia, que ao ano
importância dos submarinos como parcela superam o valor de 45 bilhões de dólares.
fundamental da nossa Esquadra e, em deri- Com as recentes descobertas das formi-
vada primeira, do Poder Naval brasileiro. dáveis reservas do pré-sal, que chegam a
Chegava a hora adequada para os momen- alçar o País entre os maiores detentores de
tos que hoje vivemos, quando a lúcida vi- campos de óleo e gás em todo o mundo,
são do Comando da Marinha resolve bus- mesmo que considerando estimativas ini-
car ferramentas para a construção do pri- ciais conservadoras, este quadro passa a
meiro submarino nuclear brasileiro. Em ou- ser pintado com cores muito mais vivas e
tras palavras: foi adotada a decisão, sob a até preocupantes diante de tamanha rique-
ótica do emprego do meio, de evoluir da za, que, indiscutivelmente, recomenda a
“Estratégia de Posição” para a “Estratégia existência de instrumentos que contribu-
da Mobilidade”! am para desencorajar qualquer tipo de ação
Não deve haver controvérsias sobre a aventureira que possa ameaçar a integri-
conveniência e mesmo imperiosa necessi- dade desse patrimônio.
dade da existência de um Poder Naval ade- Os recursos minerais marinhos repre-
quadamente dimensionado para país que sentam outro tema importante, uma vez que
possui litoral de mais de 8 mil quilômetros exprimem grande filão econômico. Japão e
de extensão e uma área marítima de sobe- Nova Zelândia extraem magnetita do mar.
rania econômica superior a 4 milhões de Há tempos que Indonésia, Tailândia e
quilômetros quadrados, hoje conhecida Malásia exploram os depósitos de
como Amazônia Azul, tendo em vista a sua cassiterita em suas plataformas continen-
equivalência ao território da renomada tais, sem contar a exploração de ouro feita
Amazônia Verde, além da consideração nas praias do Alasca e no Oregon, nos
dos paralelos que podem ser estabeleci- EUA. França, Inglaterra, Holanda e Dina-
dos entre os valores das riquezas que marca também se destacam na exploração
ambas encerram. de granulados (cascalhos, areias e argilas)
Pela Amazônia Azul transitam mercado- usados na fabricação de cerâmicas e na
rias que superam 95% da totalidade do co- construção civil.
mércio exterior praticado pelo Brasil, qua- Outras potencialidades, como os nó-
se todo dependente de extensas linhas de dulos polimetálicos no leito do mar, tam-
comunicações marítimas (LCM), cujo sig- bém devem ser consideradas, a despeito
nificado para a economia nacional corres- de serem menos tangíveis, posto que sua
ponde a quase 300 bilhões de dólares/ano, exploração ainda se revela economicamen-
cerca de ¼ do nosso Produto Interno Bru- te inviável. Eles são constituídos de con-
to, cifras que de tão expressivas dispen- centrações de óxidos de ferro, manganês,

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

níquel, cobre e cobalto e apresentam am- Por outro lado, ainda falando das esca-
plas perspectivas de futura viabilização ramuças do mesmo conflito, agora da ou-
de aproveitamento. tra parte, bastou a ameaça de ataques de
Todos esses aspectos, associados à submarinos argentinos para que um gran-
grandeza das dimensões envolvidas e à de esforço e dispendiosas medidas de de-
complexidade das tarefas impostas para a fesa fossem impostas, obrigando a adoção
preservação da soberania e a manutenção de inúmeras ações de cautela, que, entre
dos interesses nacionais brasileiros em área outros aspectos, reduziram muito o grau
marítima tão vasta e valiosa, remetem à ne- de liberdade de operações das forças de
cessidade de um Poder Naval que possa superfície britânicas.
apresentar capacidade de resposta efetiva Estes, indubitavelmente, são exemplos
a quaisquer ameaças, mesmo aquelas recentes do inusitado conflito anglo-argen-
difusas ou subjetivas. Estamos falando, tino ocorrido no Atlântico Sul. Inesperado
portanto, de capacidade dissuasória! e emblemático, posto que deixa claro que
A Estratégia Nacional de Defesa, docu- diante de certas controvérsias o uso da
mento de mais alto ní- força para a preserva-
vel recentemente ção de interesses
aprovado, estabelece A Estratégia Nacional de pode vir a ser inevitá-
que o Brasil deve ado- vel via de solução.
tar como opção de de- Defesa, documento de mais Mas é exatamente
fesa nacional a Estra- alto nível recentemente a estratégia da dis-
tégia de Dissuasão.
Isto, vale dizer, signi-
aprovado, estabelece que o suasão, documen-
tadamente adotada
fica obter nível ade- Brasil deve adotar como pelo Estado brasileiro,
quado de deterrência, opção de defesa nacional a que constitui o feliz
cujo efeito mais persis- paradoxo a assegurar
tente pode ser tradu- Estratégia de Dissuasão que o confronto mili-
zido como a redução tar sempre tende a ser
da probabilidade da ocorrência de ações evitado, uma vez que quanto mais bem su-
hostis, sejam elas de quaisquer origens, ficientemente preparadas e poderosas es-
uma vez que a avaliação do risco da retali- tiverem as partes envolvidas menor será a
ação passa a ser demasiado elevada para o probabilidade do afastamento da negocia-
agres-sor, em face do poder do oponente ção pela via diplomática, em alternativa
que seria agredido. daquela que deságua no emprego da força,
Ao encontro dessa linha de raciocínio opção que passa a constituir a mais teme-
pode ser apresentado o oportuno exemplo rária e temida.
do conflito pelas Ilhas Falklands/Malvinas, Destaca-se aí, nos desdobramentos da
quando a confirmação da presença de um estratégia da dissua-são, a imprescindível
único submarino nuclear britânico nas recomendação para a obtenção de meios
águas ao largo da costa argentina, após o que fortaleçam a atual capacidade da For-
afundamento do ARA Belgrano, obrigou ça de Submarinos da Marinha do Brasil.
os navios de superfície daquela Armada a O Plano Estratégico da Marinha con-
manterem-se abrigados nos portos, diante templa um número maior de submarinos do
da possibilidade de novos ataques que que aquele que nossa Esquadra hoje pode
poderiam levar a custos inaceitáveis. contar. A justificar essa proposta, está a

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

necessidade de guarnecer Zonas de Patru- Já comentamos a expressividade das


lha (ZP) previamente eleitas por avaliações dimensões da área marítima de interesse
político-estratégicas, que a situação conju- brasileiro, mas resta acentuar que isso é
ntural poderá recomendar ajustes tanto em agravado pela ausência conjuntural de
número quanto em posição. outras bases ao longo do litoral, que apre-
Merece relevo, pela importância que sentem as mesmas possibilidades de apoio
empresta ao assunto, a questão do posicio- que as existentes no Rio de Janeiro.
namento dos submarinos com propulsão Este é o quadro, portanto, que se apre-
convencional e a ocupação oportuna de senta para o emprego de submarinos com
ZP, que, no caso brasileiro, em face das propulsão convencional, que, cumprindo
conhecidas dimensões continentais que a tarefa básica de “negar o uso do mar”,
debruçam o nosso mar de interesse, pode podem alcançar o efeito desejado da
constituir um enorme complicador para dis- dissuasão, atendendo aos preceitos da
por o submarino na área certa, no momento “Estratégia de Posição”.
certo. Neste ponto, e em passo significativa-
Esta é a razão que explica associar o mente mais largo e abrangente, convém
emprego dos submarinos de propulsão examinar as potencialidades de emprego
convencional à Estratégia de Posição, pois dos submarinos táticos, com propulsão
eles são tão mais lentos quanto maior seja nuclear, enquadrados em benefício da
a discrição exigida para o trânsito para a dissuasão ou deterrência.
ZP ou área que se deseja posicioná-lo, exi- Agora, sem dúvida, estamos falando de
gindo, em consequência, o deslocamento navio que, sem perder as características de
com a antecedência devida, de forma a con- discrição e mantendo toda a potencialidade
tar com aquele meio nas proximidades do do elemento surpresa, incorpora a virtude
ponto de interesse, atendida a oportunida- da mobilidade, decorrente das elevadas
de correta. velocidades que podem ser mantidas sem
Decerto, isto não invalida a utilidade dos a costumeira preocupação com níveis de
submarinos convencionais como instru- carga e recarga de baterias.
mento de dissuasão, mas é forçoso aceitar Abre-se, assim, outro leque de natureza
que a velocidade relativamente baixa dis- dissuasória, fruto da efetiva possibilidade
ponível para cumprir os deslocamentos de posicionar tal submarino onde e quan-
constitui relevante limitador. do necessário, em prazo bastante aceitá-
A estratégia de posição, na realidade um vel, mesmo quando considerando grandes
corolário das características inerentes ao distâncias.
meio convencional, exige acurado exame Além disso, o país que apresenta o
prospectivo e perspicaz análise de tendên- somatório de credenciamentos que o habi-
cias evolutivas de situações. Ainda assim, lita a construir, operar e manter um subma-
é preciso reconhecer a inerente dificulda- rino com propulsão nuclear é automatica-
de de conduzir movimentos antecipada- mente lançado a um patamar de capacida-
mente acertados, para atender ao correto de tecnológica que o coloca em nível de
pré-posicionamento na hora oportuna e na destaque no contexto das nações. E isso
área apropriada, conforme anteriormente vai de novo ao encontro da estratégia da
assinalado, diante da possibilidade de ines- dissuasão, tendo em vista o caudal de co-
perados cenários de crises, aliás, ocorrên- nhecimentos e o domínio de aspectos de
cias típicas dos tempos em que vivemos. tão diversas naturezas que conferem reco-

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

nhecida e respeitável credibilidade ao país nas proximidades da Nuclep, que será res-
que possui tal meio no acervo do seu Po- ponsável pela construção de todos os cas-
der Naval. cos resistentes, e encontra, ao fundo de
Portanto, todo esse conjunto de circuns- terreno de boas dimensões, encosta alta e
tâncias fortalece os argumentos que reco- firme constituída pelo prolongamento de
mendam e justificam ao país contar com sub- pedreira que se estende do lado oposto,
marinos táticos de propulsão nuclear, vetores configurando bom abrigo natural se consi-
emblemáticos da capacidade dissuasória de derada a hipótese de qualquer acidente de
um Poder Naval que pretende preservar seus natureza radioativa, enquanto que o aces-
soberanos interesses no mar. so ao mar é assegurado por canal de sufici-
ente profundidade que também já serve ao
OUTRAS CONSIDERAÇÕES vizinho porto de Itaguaí.
RELEVANTES Evidentemente, só após o primeiríssimo
passo da efetiva realização das obras de
A concepção do sondagens e levanta-
novo estaleiro e da mentos geológicos do
nova base terá que in- Além da construção de novo terreno de interesse
corporar atributos di- será possível confir-
retamente relaciona- estaleiro e base de apoio mar todas essas ex-
dos com a planta de dedicados aos submarinos, pectativas favoráveis.
propulsão do novo Além da constru-
submarino, que, além
será muito importante ção de novo estaleiro
do apoio e cuidados cuidar da formação e do e base de apoio dedi-
específicos ao reator e preparo do pessoal, ponto cados aos submari-
acessórios correlatos, nos, será muito impor-
exige o cumprimento igualmente de grande tante cuidar da forma-
das normas legais que impacto para a MB ção e do preparo do
regulam o trato com pessoal, ponto igual-
sistemas de geração mente de grande im-
de energia por meio da fissão nuclear. pacto para a MB.
A começar, a aprovação do local passa Isso passa pelo grupo de engenheiros
pelo atendimento obrigatório das condicio- que nos próximos anos estará diretamente
nantes e características hidrogeológicas envolvido com o projeto e a construção
que satisfaçam a todos os postulados dos classe Scorpene, forjando e adquirin-
ambientais e de segurança previstos e exi- do o conhecimento necessário para a con-
gidos pelo conjunto de órgãos (Ibama e cepção do projeto do submarino com pro-
Cnen) legalmente encarregados da conces- pulsão nuclear que surge logo adiante.
são das licenças devidas para início e pros- Ao lado dessa providência se torna es-
seguimento da obra. sencial pensar na seleção e na instrução
Tudo indica que, dentre as diversas alter- específica para oficiais e praças submari-
nativas cogitadas pela MB, a escolha deve nistas que deverão ser formados para o
recair sobre terreno na Ilha da Madeira, den- guarnecimento do submarino. Certamente
tro da Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro. a formação ora adotada pelos franceses e
Se for assim, a opção será muito feliz, até os processos empregados por outras
uma vez que posiciona o futuro complexo Marinhas que operam S(N) poderão servir

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

de referência, mas é fundamental promo- Enquanto persistem existindo diversas


ver as adaptações e ajustes necessários, estações emissoras da faixa de Very Low
observando as peculiaridades da MB. Frequency (VLF), já antigas e operadas por
Em face do embasamento intelectual dos potências que há mais tempo incorpora-
oficiais proporcionado pela adequada pre- ram submarinos com propulsão nuclear, o
paração adquirida na Escola Naval, vislum- advento do emprego dos satélites
bra-se que não deve haver preocupações geoestacionários parece ser a tendência
de natureza acadêmica neste segmento. que mais prospera nos dias de hoje, ofere-
Entretanto, no que diz respeito às praças, cendo alternativa muito interessante em
será necessário obter formas de preenchi- bandas de altíssima frequência que usam
mento de prováveis lacunas em algumas pulso comprimido e reduzem sobremaneira
competências intelectuais, em face das ele- a necessidade do período de exposição do
vadas e inevitáveis exigências nas áreas submarino.
de física de reatores, química e neutrônica. Ainda na faixa de VLF, existe também a
De qualquer forma, este assunto deve opção de transmissão por aeronave, siste-
merecer estudos exclusivos e oportunos, ma desenvolvido pelos americanos e co-
contemplando também, no que tange ao pes- nhecido pela sigla Tacamo (Take Charge
soal, a previsão de algum tipo de compensa- and Move Out). Atualmente, os america-
ção diferenciada para aqueles que estiverem nos operam 16 aeronaves com essa finali-
plenamente dedicados ao serviço de subma- dade, enquanto que os franceses possuem
rinos com propulsão nuclear, ampliando os quatro em sistema semelhante.2
procedimentos e concessões hoje usualmen- A tentativa de emprego corrente da faixa
te praticados para os submarinistas da MB. de Extremely Low Frequency (ELF), outra
Gratificações financeiras, contagem de alternativa, já teria sido abandonada pelos
tempo de serviço com algum fator de multi- americanos diante do custo político decor-
plicação, ou garantia de premiação de co- rente do intenso protesto dos ecologistas,
missões posteriores, até mesmo no exteri- em confronto com os benefícios da sua ma-
or, podem representar alguns exemplos de nutenção, o que levou ao fechamento da
retribuições a serem apreciadas em benefí- estação transmissora baseada em Wiscosin.
cio daqueles que somarem um tempo míni- Além disso, convém considerar, neste pro-
mo de serviço embarcado, fazendo aqui um cesso, a necessidade de antenas subterrâ-
simples exercício de imaginação. neas com mais de 200 quilômetros de exten-
Outro aspecto que merece atenção en- são, plantadas em terreno de características
volve a existência de facilidades que asse- muito peculiares de condutividade.
gurem as comunicações rápidas, seguras e Existem ainda outras iniciativas cujas
confiáveis com o submarino nuclear, pois dificuldades e barreiras tecnológicas não
devem ser planejadas de forma compatível foram totalmente superadas. É o caso dos
com a atualidade, vislumbrando que ainda chamados Lasers Azul e Verde, mas que
será possível dispor de mais de um decê- também não prescindem do satélite.
nio antes de poder contar efetivamente Tudo somado, e em sintonia com o pre-
com o novo meio. visto na nova Estratégia Nacional de Defe-

N.A. 2: A França possui um sistema semelhante ao Tacamo, conhecido como Avion Station Relais de
Transmissions Exceptionnelles. Enquanto os americanos operam com plataformas E-6A Prowler,
os franceses utilizam aeronaves Transall C-160H.

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

sa que estabelece a meta do lançamento e Essencial ter em mente que a transfe-


emprego de satélite militar geoestacionário, rência de tecnologia tem que ser obtida jus-
este parece ser o melhor caminho a ser ex- tamente nos segmentos em que hoje so-
plorado pela MB para as comunicações mos mais carentes em razão dos parcos in-
com seus futuros submarinos. vestimentos feitos até aqui. Portanto, ob-
Entretanto, a prudência recomenda que ter mais do que a simples capacidade de
a totalidade dos recursos existentes, mes- operar o meio se torna fundamental para
mo que não disponíveis para a MB neste abreviar o processo do conhecimento e da
momento, devem ter sua evolução acom- efetiva independência tecnológica.
panhadas para contribuir para a melhor
opção a ser adotada mais adiante. PERSPECTIVAS
No que tange ao armamento e sistema
de armas para o futuro nuclear, parece ób- Em bom momento o País volta um pou-
vio e igualmente pru- co mais sua atenção
dente que seja adota- para os assuntos ma-
da a solução mais sim- Em bom momento o País rítimos, motivado tal-
ples representada pela volta um pouco mais sua vez pela feliz e oportu-
opção de repetir a
mesma escolha eleita
atenção para os assuntos na comparação das ri-
quezas abrigadas na
no pacote inicial dos marítimos, motivado talvez zona que passamos a
convencionais, parte pela feliz e oportuna conhecer como Ama-
do processo cujo ob- zônia Azul, cujas di-
jetivo final é a constru- comparação das riquezas mensões são parelhas
ção do S(N). abrigadas na zona que com aquela Verde, sen-
Porém, isso não
deve significar abrir
passamos a conhecer como do que os valores a
proteger na primeira
mão de novas possibi- Amazônia Azul não são inferiores aos
lidades que incluam, desta última.
em especial, armamento compatível para lan- Aliado a isso, as comemorações do Ano
çamento em submarino nuclear tático, lem- da França no Brasil, em 2009, certamente
brando da alterrnativa do emprego de mís- têm impulsionado o fluxo de relações entre
seis do tipo Exocet SM 39, perfeitamente os dois países, cujos laços no campo na-
adaptáveis aos tubos e sistemas de comba- val foram fortalecidos a partir da transfe-
te existentes nos convencionais Scorpene. rência do porta-aviões Foch, o nosso São
Em qualquer hipótese, é extremamente Paulo, para o Brasil.
conveniente que, mesmo evoluindo para a O acordo franco-brasileiro é entre Esta-
adoção de outro torpedo eventualmente dos e caracteriza compromisso assumido de
sucessor do Black Shark, previsto para forma muito sólida, independentemente da
dotar os classe Scorpene, a escolha recaia governança política que possa prosperar até
dentro das possibilidades de compatibili- a conclusão do Programa de Desenvolvimen-
dade operacional do sistema de combate to de Submarino Nuclear dele decorrente.
SubTics, igualmente empregado no con- O panorama da conjuntura econômica
vencional que precede o projeto do sub- mundial, apesar de não atravessar uma
marino com propulsão nuclear, e que neste quadra que possa ser classificada como das
deve ser conservado. melhores, não inviabiliza os financiamen-

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O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO. UMA VISÃO

tos internacionais. Muito ao contrário, é Aliás, pelo exemplo emblemático que


em tempos de crise que boas oportunida- representa, não custa lembrar que os paí-
des são prospectadas. Sendo o Brasil país ses que possuem assento fixo, com poder
sabida e reconhecidamente emergente, com de veto, no Conselho de Segurança da Or-
futuro promissor e prognóstico pagador de ganização das Nações Unidas são exata-
elevado nível de segurança, logo estará mente aqueles cujas Marinhas possuem
assegurado o interesse de instituições ban- submarinos nucleares.
cárias internacionais de porte. Se nos estudos acadêmicos do estamento
O montante dos valores envolvidos, não militar-naval sempre apontamos que carecía-
há como escapar, tem que ser de vulto, mas mos da existência de mentalidade civil de na-
nada que o País não possa suportar e que tureza marítima que valorizasse as nossas ca-
deixe de colher preciosos frutos no futuro. rências e demandas, eis que surge o interesse
Muito importante, a decisão foi tomada do mais alto nível do Poder Político fomentan-
de forma consciente, ponderada e sem ex- do as condições para concretizar o projeto e a
perimentar pressões de quaisquer tipos. O construção do almejado submarino. Com toda
esperado resultado que conduz à obten- a certeza que a oportunidade, para o bem do
ção de um submarino com propulsão nu- País, será devidamente aproveitada.
clear, mais que ao nível político, alcança Finalmente, quando imaginamos que há
indiscutivelmente um patamar estratégico mais de 50 anos os americanos conseguiram
que colocará o Brasil em posição de amplo lançar o Nautilus, uma vez passado todo esse
destaque no contexto das nações, cujas tempo em que comprovadamente progredi-
derivadas favoráveis são extremamente sig- mos de forma tão notável, fica fácil acreditar
nificativas. que o sucesso também não nos escapará.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Submarino; Submarino nuclear; Estratégia; Defesa;

BIBLIOGRAFIA

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Janeiro, v. 128 n. 01/03, p. 77-79, jan./mar. 2008.

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A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR
NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

SYLVIO DOS SANTOS VAL*


Professor

SUMÁRIO

Introdução
A estrada da glória
Na poeira de Austerlitz
Trafalgar
A grande aposta
A geopolítica sobre Napoleão
Conclusão: a natureza de seu inimigo

INTRODUÇÃO duziu a reforma do Estado francês como se


estivesse no campo de batalha, com

N apoleão é uma legenda. É figura com-


plexa da História que demanda muita
controvérsia, tanto pelo que já foi escrito
brilhantismo tático, incrível timing, astú-
cia e, acima de tudo, personalismo. Esco-
lhia os seus assessores a dedo, conforme
sobre ele quanto pelo que será. É ponto suas necessidades, contudo as decisões
pacífico, e daí partimos, que Bonaparte finais lhe pertenciam.
deveu a sua carreira de estadista quase que Duzentos anos após seu grande – e mais
exclusivamente ao seu desempenho mili- legendário – grande feito militar, podemos
tar. Guerreiro intimista e psicológico, con- analisar o caminho dos fatos que conduzi-
* Professor licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em
Ciência Política pelo PGCP/UFF; www.arzubani.pal@ig.com.br.
A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

ram as armas francesas a uma das maiores zendo severas reformas, como o Código
vitórias militares da História, nas colinas Civil, uma amálgama de leis que protegiam
gélidas de Austerlitz, naquele fatídico de- a propriedade. Também incentivou a ma-
zembro de 1805, e o que sobreveio. Não é nufatura interna, um programa de obras
uma revisão histórica o que pretendemos públicas e a reforma da educação. Num
aqui, mas confrontar Napoleão, o guerrei- édito fantástico, baniu a Marselheuse, o
ro, com o imperador corso dos franceses, o hino dos infantes revolucionários. Conso-
estadista. lidava uma revolução burguesa sem fazer
uma revolução social. Em suas próprias
A ESTRADA DA GLÓRIA palavras, “a revolução estava encerrada”.
No Consulado, ele manejou para tornar-
Bonaparte tornou-se cônsul-geral da se absoluto de fato. A Revolução Burgue-
França em 1799, num episódio imortalizado sa que negociou com a grande burguesia
como O 18 Brumário pelo calendário da nacional demandava um governo forte.
Revolução, ou O 9 de Novembro. Notável Esse governo deveria ser legitimado pelo
que seu sucesso político tenha advindo povo. Assim, foi decidido um plebiscito no
ao meio de um revés militar. qual o povo se manifestaria a favor ou não
Mais uma vez, uma coligação de monar- do Império. Vencedor por uma margem
quias europeias se alinhou contra a Fran- “alargada”2, marcou sua entronização.
ça. Bonaparte empreendeu uma campanha Ao tronar-se monarca absoluto em 2 de
militar no Egito. Vencedor da Batalha das dezembro de 1804, apenas fechava um cír-
Pirâmides, soube das articulações em casa culo. Havia vencido a oposição interna, dis-
para acabar com o Diretório. Preparou sua solvido a ameaça externa derrotando a Coli-
volta imediata. Naquela ocasião, suas co- gação, sedimentado as reformas burguesas
municações foram cortadas pela vitória da e assumido a “paternidade” da revolução,
Armada inglesa do Almirante Nelson so- que passou a educar a sua maneira. Ao es-
bre a francesa em Abukir. Mas chegou à colher o título de imperador, que na Roma
França, praticamente “escapado” a bordo Republicana era dado aos tiranos que ocu-
de uma solitária fragata, que quase fora in- pavam simultaneamente o governo e a lide-
terceptada. Ao botar os pés em solo pátrio, rança militar, como os césares antes dele,
foi aclamado pelo público e renegado pela Napoleão militarizava o Estado. Mas para
direção política. Num golpe de mão muito que a militarização se legitimasse era preci-
tributável ao seu irmão Lucien, apoderou- so um estado de ameaça permanente.
se do comando do Estado, dissolvendo a Napoleão, que proclamara a “revolução
baionetas a Assembleia Nacional1. como encerrada”, passou a propagar a ideia
Soldado carismático e arrojado, não he- de que ainda havia povos que não a tinham
sitou em atacar o centro do problema, fa- experimentado, e por isso deveria ser expan-

1 Esse episódio foi quase cômico. Bonaparte apresentou-se ao plenário, que o enxovalhou e enxotou sob
os gritos de “fora tirano”. No meio do caminho da saída, seu irmão apareceu e o fez retornar. Dessa
vez, com uma companhia de infantes à sua frente, que inflectiu furiosamente contra os deputados,
fazendo-os fugir em desespero de causa. No dia seguinte, retornou ao plenário para assumir um
triunvirato de fachada, tendo ele como cônsul-geral.
2 Napoleão realmente venceu o plebiscito, mas ordenou torcer o resultado de uma maneira, no mínimo,
curiosa. A votação foi corporativa, isto é, em setores sociais. Ao perceber que vencera no Exército,
o Grande Armée, pela menor margem, ordenou que se “permutassem” os números. Afinal, como um
imperator poderia ser menos ratificado em seu exército?

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dida aos demais habitantes da Europa. Era a do”, animava-os ao nacionalismo, extrema-
primeira edição da revolução permanente3. do pela sucção dos recursos nacionais e
Nisso foi muito ajudado pela hostilidade e pela desastrosa ação de seus insossos
pelo belicismo das demais monarquias agentes. Abriu mão de um grande império
europeias, o que permitiu que mantivesse um colonial em favor de uma obtusa política
constante estado de guerra, um exército leal de conquista.
e mobilizado e um povo cativo em seu nacio- Diagnosticando corretamente a Ingla-
nalismo enviesadamente universalista. Con- terra como epicentro da coligações
tudo, Napoleão deixou que sua obsessão europeias, Bonaparte surpreendeu pela ana-
pela beligerância obliterasse seu argumento crônica visão de capitão, tomando todas
reformador. as medidas necessárias para fazer face, mas
Ainda cônsul, vendeu a colônia france- pouco compreendendo a natureza de sua
sa da América do Norte, a Luisiana, aos oposição. Preparou a invasão das ilhas bri-
Estados Unidos como forma de fazer caixa tânicas, recorrendo a qualquer ideia
para as suas reformas e sua política milita- alucinada que lhe caía nas mãos para trans-
rista. Em seu favor, mesmo que conseguis- por o canal com seu exército – de submari-
se uma Marinha para garantir as comuni- nos, passando por balões e até um
cações com o conti- suspeitíssimo túnel
nente americano, não sob o Canal Inglês, li-
poderia lá manter um Napoleão deixou que sua gando Calais a Dover.
Exército forte o bas- Contudo compreen-
tante para evitar o as- obsessão pela beligerância deu que a maneira
sédio dos ingleses ou obliterasse seu argumento mais coerente era neu-
a sanha expansionista tralizar a ameaça naval
da jovem nação ameri-
reformador inglesa. Não sendo
cana sem que se ame- marinheiro, deixou a
açasse a sua posição na Europa. Porém a tarefa a outros e seguiu nos preparativos.
decisão da venda denota uma visão sinuo-
sa da Grande Estratégia. A estratégia de NA POEIRA DE AUSTERLITZ
Estado não se limita a cálculos militares.
Doutro lado, o imperador procurou Em meados de 1805, um grande contin-
gestar seu Império com parâmetros nas ins- gente do Grande Armée começou a con-
tituições do Velho Regime, ainda que pro- centrar-se no porto da região de Boulogne,
pagando o Código Civil e as agências bur- enquanto Bonaparte fazia arranjos diplo-
guesas. Fez de suas irmãs princesas e de máticos para juntar a frota espanhola a sua
cunhados e generais próximos, príncipes – armada de invasão à Inglaterra. Juntas eram
vários deles saídos da sargentada, onde uma força formidável. Porém a Royal Navy
os recrutou mais pela capacidade de lhe tinha capacidade tanto para obstar uma
obedecerem do que por qualquer invasão quanto para ameaçar o território e
genialidade que possuíssem – e regentes as comunicações inimigas. Os cooperati-
de estados satélites da França. Desse vos espanhóis insistiam na eliminação des-
modo, ao invés de conquistar os povos sa ameaça antes da campanha. Napoleão
dos países que ia invadindo e “libertan- aquiesceu.

3 Leon Trotsky nada “criou”. Mas foi, sem dúvida, um excelente aluno de História.

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Nesse meio tempo, uma nova coligação entregar Viena às forças francesas. Os mi-
se formou, e pretendia ameaçar diretamen- lhares de canhões de bronze inimigos cap-
te a França. Informado, Napoleão abando- turados foram conduzidos à França, onde
nou a concentração de invasão e moveu seriam fundidos para construção de um
seu exército para o interior. Sua estratégia grande monumento em homenagem a essa
era desbaratar as forças inimigas antes que vitória épica, com uma estátua de Bonaparte
se concentrassem. O primeiro alvo foi a bem no topo. Na noite fria após a batalha,
Áustria. os soldados franceses entoaram a
Após uma marcha forçada de seis se- Marselheuse. O imperador permitiu e a res-
manas, os franceses alcançaram as tropas tituiu como o Hino Nacional francês.
do General Carl Mack. Numa batalha curta E, novamente, sua vitória se obscure-
mais intensa, os franceses fizeram 27 mil ceu num fracasso militar.
prisioneiros. Aberto o caminho para Viena,
austríacos e russos concentraram um exér- TRAFALGAR
cito de 90 mil homens para barrar Napoleão,
que, com uma formação de 60 mil, partiu Enquanto Napoleão dirigia-se para o
para o encontro. Os opositores se confron- encontro com Carl Mack, a frota aliada fran-
taram na localidade de Austerlitz. cesa e hispânica desenvolvia o plano para
Aquela prometia ser uma batalha épica. neutralizar a armada inglesa.
Era o conflito de três monarcas. De um lado A armada dos aliados partiria para as
Napoleão, o plebeu que se fez imperador, e colônias francesas nas costas das Anti-
do outro Francisco I da Áustria e o jovem lhas, atraindo parte da força de bloqueio
Alexander I, czar da Rússia. O comandante inglesa. Ao atingir seu destino, a frota alia-
nominal da coligação era o general russo da faria junção com a frota colonial, e ambas
Kutuzov. Contudo, o czar insistia em tomar dariam meia-volta em direção à Europa. Lá
as decisões. Diante da mais fina nobreza, chegando, com uma força superior, destrui-
Alexander não poderia recuar frente ao atre- riam a força inglesa de bloqueio e trans-
vido imperador corso. portariam a força de invasão postada em
Napoleão rompeu as regras do combate Bologne para as costas inglesas.
mais uma vez. Entregando a posição mais A armada aliada de “embuste” seguiu os
elevada ao inimigo, o Monte Pratzen, deu- planos à risca. Reuniu-se à frota colonial e
lhes uma sensação de segurança falsa. esperou a chegada da força de perseguição
Quando os russos tomaram o monte, con- inimiga. Tão logo se fez o contato, a frota
tra-atacou, transpondo a posição e desem- aliada partiu para a Espanha. O almirante
bocando ao centro das linhas da coliga- francês supôs que o estratagema funciona-
ção. A contundência do avanço francês fez ra, pois perdeu o contato com os persegui-
os russo debandarem, e toda a linha inimi- dores, imaginando que não perceberam a
ga se desfez. Nessa batalha de poucas ho- manobra ou, partindo a posteriori, não o
ras, os franceses perderam 6 mil e os coli- perseguiam. Contudo, semanas depois,
gados 19 mil, não contando os feridos, os quando as duas armadas aliadas se
capturados e os que debandaram. conectaram, foram surpreendidas por uma
“Diga ao seu imperador que ele realizou frota inglesa completa, esperando perto da
grandes coisas hoje”, disse Alexander ao entrada do Canal Inglês (Mancha). Não ape-
emissário de trégua de Napoleão. Francis- nas os ingleses se aperceberam do que acon-
co I retirou-se do campo para, mais tarde, tecia, como fizeram a meia-volta e chegaram

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A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

à Europa primeiro, bloqueando o acesso da não seus canhões. Àquela época, o


armada ao exército de Napoleão. Então foi apresamento era mais que um troféu, era
decidida a evasão para o porto seguro de quase uma necessidade, pelo custo
Cádiz. Ao mesmo tempo, a frota inglesa se altíssimo dos navios e equipagens (tripu-
deslocou para bloquear a própria armada lação), peças de engenharia mais caras da
aliada em seu refúgio. época. Entretanto, os britânicos, maiores
O comandante-geral francês, Almirante corsários de seu tempo, preferiam apostar
Villeneuve, cogitou suspender a operação. mais na vitória que no apresamento, pois,
Mas como estava às turras com Napoleão, e de qualquer modo, sempre poderiam saque-
os seus oficiais e tripulações estavam ar o comércio inimigo, inclusive com navi-
ensimesmados com a falta de ação, decidiu- os menos custosos, como as fragatas. A
se pela batalha, que se daria na costa atlân- vitória inglesa, arrasadora e decisiva, ano-
tica do sul da Espanha, defronte ao Cabo tou a trágica perda de seu grande arquite-
Trafalgar. De qualquer modo, parecia que to, Lorde Nelson. Os aliados perderam três
os ingleses estavam dispostos ao combate, vezes mais vasos que os britânicos, se in-
que, por acaso, era realmente o propósito cluirmos os vasos apresados – cinco dos
do comandante inglês, Lorde Nelson. quais afundaram no caminho de volta.
Os ingleses se utilizaram de uma tática Napoleão perdera a oportunidade, a frota
pouco arrojada para a época: romperam a de invasão, marinheiros e o prestígio de
formação de linha de fila paralela à inimiga, sua Marinha. A derrota selou no imperador
que permitia aos navios o máximo de apro- a ideia de uma invasão e a certeza de que
veitamento do poder de fogo dos costados, precisava enfraquecer a capacidade de lu-
e os navios rumaram em filas de modo a tar da Inglaterra por outros meios. Para tan-
“cortar” a fila inimiga em vários pontos, to, valeu-se de um arrojo estratégico, se
numa versão primitiva do “cortar o T”. Con- não incomum historicamente, muito com-
tudo, a manobra ensaiou ser um desastre. plexo em termos geopolíticos. É bem pro-
Naquela tarde, os ventos sopravam fra- vável que não se desse conta do quanto.
cos, o que dificultou ao máximo a manobra,
que demandava muito sangue e organiza- A GRANDE APOSTA
ção. A esquadra inglesa ficou exposta ao
canhoneiro maciço dos aliados até o mo- As tropas de Bonaparte marcharam
mento que ultrapassassem o ângulo de tiro. triunfais pelo Portal dos Brandenburgo,
Quando uma fila inglesa conseguia cortar símbolo da capital prussiana e da dinastia
a formação adversária, esperava até que dos Hohenzolern, de Guilherme II. Não se
estivesse alinhada entre a proa e a popa de sabe se pela empolgação do sucesso ou
dois navios e descarregava toda a sua ba- da constatação saída do fracasso da es-
teria. Em seguida, guinava sobre um dos quadra aliada em Trafalgar, Napoleão assi-
adversários e continuava a disparar. A táti- nou édito do Bloqueio Continental ao co-
ca era tão radical que o próprio Vitória, mércio europeu com as ilhas britânicas. Por
nau capitânia de Nelson, foi de tal modo decreto, e valendo-se da força ou da sim-
avariado que mal pudera encostar ao seu ples ameaça, esperava que, quebrando eco-
inimigo. nomicamente a Inglaterra, venceria pela
A estratégia de Nelson funcionou, mui- inanição. Secundava sua diplomacia com a
to auxiliada pelo vício tático dos aliados de força, suportada pelo indelével prestígio
visar primeiro a mobilidade do adversário e militar.

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A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

Em tese, uma estratégia coerente. Afas- blemas diplomáticos; Thiers, ministro e


tada a Prússia, tradicional aliado e braço monarquista de ofício, alertou claramente
terrestre da política britânica, restava cor- dos riscos – mas é provável que sua leal-
tar o fluxo de mercadorias que dava à In- dade fosse dúbia; Bernard Fouché, criador
glaterra o poder monetário de custear to- da Surete, foi direto nas dificuldades, mas
das as coligações europeias e, quem sabe, com sua usual, insincera e dúbia subservi-
a médio e longo prazos, invadir as ilhas ência. A aposta do imperador não se fez no
inglesas ou mesmo forçar uma Pax France- escuro das ideias, mas sim no obscurantis-
sa. Era uma política de tudo ou nada, le- mo de seus pensamentos.
vando o seu adversário a um perigoso cór- Em 1807, a França teve que concretizar
ner. Não funcionou por três motivos. as suas ameaças. Diante da negação das
Primeiro, subestimou-se a flexibilidade do coroas portuguesa e espanhola em com-
oponente. A praça de comércio inglesa tinha prometerem-se com o Bloqueio, ordenou a
muitas conexões, construídas desde o acordo invasão da Espanha e, em seguida, de Por-
dos banqueiros essênios Amschuls, que se tugal. A Família Real lisboeta obrigou-se a
transferiram para a Inglaterra com o nome de um exílio em sua colônia do Brasil, sob pro-
Rotschild. Eles garantiriam o fluxo monetário teção da armada inglesa. Aqui, oficializou
necessário para manter sua política de des- a supremacia comercial da Inglaterra pelos
gaste do império francês, “subcontratando” tratados de 1810. Mas a Campanha Ibérica
as monarquias da Europa. não atendeu às expectativas francesas.
Em segundo lugar, o Bloqueio muito fi- Em princípio, as tropas de Napoleão
cou apenas no papel. Fora violado por vá- obtiveram inúmeras e rápidas vitórias so-
rios países europeus, alguns dos quais bre os hispânicos, marchando com facili-
eram históricos parceiros comerciais de dade sobre Lisboa. Mas a resistência es-
ambos os lados. A rede de informantes e panhola com o patrocínio dos ingleses logo
delatores de Napoleão alertara da perma- produziu revéses. A perda de Madri levou
nência do fluxo de mercadorias por estra- o imperador a imiscuir-se pessoalmente na
tagemas de camuflagem ou puro contra- campanha militar. Conseguiu estabilizar a
bando. A não ser que Napoleão dispuses- frente de batalha, mas se viu envolvido
se de guarnições em todas as praças e por- numa feroz guerra irregular,4 que tornou o
tos, ou de uma Marinha que pudesse reali- cenário indeciso e sem perspectiva de um
zar um bloqueio, o decreto do imperador resultado positivo. A busca sistemática da
era inócuo. luta em campo aberto esgotou as reserva
Por fim, a França não possuía uma in- francesas. Em 1811, as tropas do Marechal
dústria que pudesse substituir os produ- Masmont estavam realizando uma guerra
tos saxões, se não em qualidade, em preço de contenção, tanto na Espanha quanto
ou quantidade. em Portugal, tentando manter uma frente e
Vários dos conselheiros de Bonaparte combater os guerrilheiros.
tentaram dissuadi-lo: Coulaincurt, ministro A Guerra Peninsular se prolongaria até
e embaixador na Rússia, lembrou dos pro- 1813, quando a Campanha da Rússia e o

4 Não é correto denominar a resistência espanhola de guerra de guerrilha. Não se limitava a táticas
furtivas e da surpresa, com emboscadas e ataques de oportunidade. Assessorados e supridos pelos
ingleses, os espanhóis procuravam criar várias frentes de luta, deslocando as tropas inimigas e
evitando a sua concentração com táticas variadas e até pouco ortodoxas.

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levante prussiano consumiram o que res- cariam fora de um combate, mesmo com as
tava das forças de Bonaparte. O “atoleiro escoltas em número superior, pois os com-
peninsular” e a retirada de Moscou – sem bates navais eram muito próximos, corpo a
que Napoleão tivesse sofrido nenhum re- corpo. As rotas eram bem inflexíveis, dan-
vés em campo de batalha singular – deram do a uma Marinha adversária duas opções:
mostra do Grande General, tanto por su- dispersar-se para localizar e abater suas
bestimar seus inimigos quanto por supe- presas, ou assestar-se defronte dos por-
restimar a si mesmo. tos principias.
Três tarefas confrontavam a esquadra
“Onde Estão minhas Legiões”5 francesa: proteger as comunicações litorâ-
Cezar Otávio Augustos neas; defesa dos portos bloqueados; e ata-
car a navegação do inimigo que vivia do
Napoleão aprofundou a revolução militar mar. A fragata de um ou dois costados se
de sua época. Conhecia a tática e a psicolo- desempenhava melhor na tarefa6: como
gia de seus inimigos aristocratas, mas falhou corsário, podia acossar os mercantes len-
no quesito da grande estratégia. O fez por tos; como escolta, podia opor-se aos seus
etapas, percalços e sem se aperceber. equivalentes ou confrontar navios maio-
Após Trafalgar, não abandonou a ideia res, permitindo a fuga dos mercantes; como
de vencer no mar. Menos de três anos após incursor rápido, ameaçar a costa e portos
a derrota, a Marinha da França estava re- inimigos; ou, simplesmente, servir às co-
composta, ainda que não pudesse contar municações da esquadra, numa época de
com a armada espanhola. A esquadra de ausência total da virtualidade.
linha chegou a superar a inglesa em núme- O custo operativo acabou pesando para
ros, mas a sua fraqueza estratégica era no- a Marinha da França ao longo da guerra.
tável. O comando francês estava disperso, Navios de linha, de grandes equipagens e
e se perderam tripulações e lideranças após construção demorada e cara, eram de ma-
1805. Os navios de linha eram os cavalos nutenção proibitiva. As tripulações preci-
de batalha errados para a estratégia do Blo- sam treinar o que requer tempo e munição.
queio Continental. Com o tamanho da Grande Armée e a ca-
O comércio na era da vela, nos estertores rência de recursos, produziu-se no mar um
da revolução industrial, obedecia a uma desenho de força sem decisão visível.
logística muito complexa e fluida. Os por- Ao optar pela intimidação como estra-
tos e os navios não estavam adequados a tégia política, Napoleão seguiu um rito su-
um fluxo concentrado, contínuo e rápido mário, mas não inédito, tanto no argumen-
requerido em tempos de guerra. Isso difi- to quanto nos resultados. Do mesmo modo
cultava a manobra de comboio. Concen- que os atenienses contra os espartanos
trar uma armada para fins de escolta ape- (Guerra do Peloponeso) ou os genoveses
nas desfalcava outros cenários. A prote- contra os venezianos (século XV), equivo-
ção dos navios era operosa pela condição cou-se ao transformar um parceiro comer-
do desenho dos barcos. Bem mais lentos e cial, neutro, num inimigo. Abusou de igno-
desarmados, os mercantes dificilmente fi- rar a força comercial-diplomática inglesa (a

5 Foram as palavras do primeiro imperador romano quando soube da perda de três de suas legiões de elite
da Germânia, em 9 d.C.
6 Os ingleses costumavam usar pequenas flotilhas de fragatas em pacotes combinados de um ou mais
navios de linha.

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mesma que tentava desbaratar com a es- sudeste da Inglaterra no século XII às in-
tratégia do Bloqueio), a capacidade militar cursões inglesas à França nos séculos XIII
da Royal Navy (que experimentara em e XIV, e na Guerra dos Cem Anos no século
Trafalgar), e a fluidez da aristocracia que XV. Estabelecidas as respectivas monarqui-
tanto desprezava, a qual não se furtou em as nacionais, o clima de guerra não dimi-
abandonar seu próprio país – não antes de nuiu. A Reforma Protestante opôs, de um
realizar um butim até nos monumentos de lado, uma monarquia católica na França, e
Lisboa, fugindo para as suas colônias e lá de outro lado, a monarquia protestante in-
perpetrando um novo butim para os senho- glesa, por sua vez seccionada entre um
res britânicos7. anglicanismo oficial e o calvinismo sectá-
“Onde estão meus 200 mil hussardos rio. O rei Carlos I, na tentativa de solver o
gelados?”8 Ao retornar da Rússia, em 1813, problema na busca de uma monarquia es-
Napoleão completava um cíclo de respos- tável, casou-se com uma nobre francesa.
tas equivocadas pelo sucesso. Ao imagi- Mas acabou por agravar sua política inter-
nar que poderia contornar os obstáculos na, desgastada pela guerra na Irlanda e a
com rápidas e fulminantes campanhas mili- falência do Estado. Desembocou numa
tares, repetia o lendário General Pirro em guerra civil. Tentando construir um gover-
escala devastadora. Talvez julgasse que, no absolutista num país onde, desde a Car-
ao contrário daquele, sempre teria exérci- ta Magna e as reformas de 1265, o poder
tos para lutar ou inimigos que pudesse civil se equiparava ao real, Carlos acelerou
abater. o fim da própria monarquia, sucedida pela
ditadura de Cromwell.
A GEOPOLÍTICA SOBRE NAPOLEÃO A partir da segunda metade do século
XVII, impulsionada pelas reformas de
A originalidade e a heterodoxia de Cromwell, França e Inglaterra saíram de
Bonaparte estavam muito na conta de sua uma disputa transnacional para uma aber-
erudição militar, personalidade e destreza ta rivalidade internacional, uma hostilida-
como grande “capitão”. Suas opções estra- de mútua incansável que dividiria a Euro-
tégicas, se inteiramente arroladas por ele ou pa. Os ingleses encontrariam nos
não, mas de sua inteira responsabilidade, prussianos seus parceiros ideais, enquan-
derivavam menos de ensaio e erro do que to a França se aliaria a qualquer um que
do histórico das relações franco-saxônicas. estivesse disposto a cerrar fileiras contra
Criado numa tradição militar monárquica, os britânicos.
estrangeiro entre seus pares, Bonaparte as- No século XVIII, as duas superpotênci-
sumiu uma nação tradicionalmente “posses- as da Europa envolveram-se em sucessivas
sa” com seus vizinhos ingleses. guerras no continente, a maioria de inspira-
Durante cerca de 300 anos, franceses e ção duvidosa, que culminariam com uma
ingleses estiveram em constante refrega, autêntica guerra mundial: a Guerra dos Sete
animados pelas disputas territoriais das Anos (1756-1763). Praticamente todas as
casas nobres: da ocupação normanda do monarquias ocidentais e a Rússia se envol-

7 No Brasil, além de criar o Banco do Brasil para sugar os recursos da colônia, D. João vendeu títulos de
nobreza a uma ridícula fração da elite colonial “deslumbrada”, para fazer caixa de seus “compromis-
sos”.
8 Na verdade, Napoleão deixara 70 mil deles mortos fora do gelo em Mayaroslavsky, na sangrenta
retirada de outono.

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veram, sendo a guerra levada a todos os Marinha aristocrática, porém bem mais pro-
oceanos e todas as colônias. A vitória anglo- fissional. Embora a Marinha francesa te-
prussiana deixou a Inglaterra como senhora nha sofrido uma reforma estrutural quase
dos mares, maior império colonial de qual- simultânea à inglesa11, a Royal Navy obri-
quer tempo. Mas longe de cessar a disputa. gou-se a uma linha de promoção mais por
Em 1775, eclodiu a revolta nas 13 colô- mérito que por nascimento, principalmente
nias inglesas da América. No ano seguin- após a derrota na América e a Revolta dos
te, as colônias declararam sua independên- Marinheiros em 1797. A devastação do co-
cia e começou a guerra. A Coroa da França, mando naval francês foi bem menor que no
convencida pelo inadvertido entusiasmo Exército, porém foi imposta uma mentalida-
do Marquês de Lafaiete, envolveu-se no de jacobina somente removida com
conflito do lado dos sediciosos yankees. Napoleão, que pouco ou nada se envolveu
Os franceses obtiveram uma vingança com- com os assuntos navais.
pleta, pois não apenas ajudaram a derrotar Bonaparte confrontou-se com exércitos
seu inimigo como obtiveram uma vitória comandados de uma mentalidade aristocrá-
estratégica no mar 9. tica e feudal, que con-
Porém a Paz de Paris trastava com as fileiras
em 1783 selou o desti- No mar, isso não refletiu mistas de servos cam-
no da monarquia fran- poneses ou mercená-
cesa. Falida e incapaz
como o esperado. O rios. A vontade de lu-
de lidar com as contra- Império napoleônico tar e a lealdade dessas
dições da ordem enfrentava uma Marinha legiões muito se apoi-
estamental estabele- avam na força da tra-
cida desde o Édito de aristocrática, porém bem dição ou na “bolsa”. A
Nantis (1588), foi da mais profissional Revolução mudou o
crise à revolução em tom ao inculcar a “de-
apenas seis anos. fesa da pátria, do
A Revolução Francesa de 1789 não ape- povo”; o Consulado exaltou a defesa da
nas foi um marco na História ocidental Nação; e o Império, a defesa da Libertação.
como criou uma nova realidade estratégi- As vitórias do Grande Armée não estavam
ca. O comando militar aristocrático foi var- apenas no gênio de seu grande “capitão”
rido da França10. A guerra contrarrevolu- ou na fleuma dos voluntários franceses. A
cionária que se seguiu fez surgir a ideia da determinação de vencer residia igualmente
nação em armas, que permitiu que a ascen- na munição ideológica que precedia as cam-
são militar de outros talentos – como panhas bonapartistas, no agito revolucio-
Bonaparte, um então obscuro oficial de ar- nário que semeou adeptos e floresceu mes-
tilharia – mais amoldados a esse tipo de mo após a partida de Napoleão.
guerra. O campo de batalha mudara. Ironicamente, a mesma “munição ideo-
No mar, isso não refletiu como o espera- lógica” desvaneceu-se nas desídia do Im-
do. O Império napoleônico enfrentava uma pério, ou encontrou nos ingleses uma von-

9 De fato, não apenas negaram aos ingleses uma batalha decisiva como, apesar das perdas, puderam
manter as comunicações rebeldes e atacar as britânicas.
10 Antes da revolução, um em cada 30 oficiais generais era da nobreza. Esse número se inverteu em 1791.
11 A reorganização da estrutura e dos regulamentos da Marinha inglesa ocorreu com Samuel Pepys em
1683. A francesa, em 1701.

RMB2 o T/2009 101


A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

tade nacional quase tão dura e assentada a partir do século XV. O povo, após uma
num poder civil à altura dos ideais sucessão de conflitos nobiliários pela Co-
libertários. As fileiras da oposição cerra- roa, pagou com sangue o direito de se pôr
ram-se num ar de quase salvacionismo12 em armas. Com a Guerra Civil de 1643, a milí-
diante de mais um conquistador que se er- cia ganhou corpo e se tornou The Army (O
guia no Velho Mundo. Era aquela velha Exército), colocando-se em pé de igualdade
história: não seria Bonaparte mais um tira- com o Parlamento que deveria representar e
no, afinal? proteger. Quando o Parlamento decidiu de-
bandar o Exército, a criatura voltou-se con-
CONCLUSÃO: A NATUREZA DE SEU tra o criador, e Cromwell impôs uma ditadura
INIMIGO que lançou a Inglaterra, definitivamente, no
mapa geopolítico da Europa.
A conta do sucesso de Napoleão não é A restauração dos Stuart procurou pri-
debitável apenas em sua genialidade, as- meiro se apossar e depois destruir a auto-
sim como não se pode deduzir seus fracas- nomia dessa corporação. O fim da monar-
sos pelo seu “gênio”. A importância e o quia de fato, com a Revolução Gloriosa,
paralelismo de ambos aprofundou o modelo
os eventos, Trafalgar que passou a ser de
e Austerlitz, não sur- Napoleão nada trabalhou uma força comandada
preende. O que chama para cessar os efeitos de por uma aristocracia
a atenção é a pereni- profissional prepara-
dade do aftermath nas sua derrota no mar, que da na Academia de
decisões estratégicas não terminou ou começou Sandhurst; uma tropa
do imperador. “multinacional”, aber-
A decisão de ir
em Trafalgar ta aos “não ingleses”
contra a Inglaterra pa- (escoceses, irlande-
rece ter sido baseada tanto na superesti- ses, galeses) mercenários ou aventureiros,
mação da Marinha Real, como atestou a súditos de sua majestade. Essa força, apoi-
estratégia do Bloqueio, quanto na ada pela Marinha Real, foi capaz de uma
subestimação da força terrestre inimiga. prolongada guerra de desgaste contra os
Correto estava Napoleão em estimar que franceses, de garantir o Império colonial
somente precisaria de “seis horas para cru- britânico e, ainda, de participar da derrota
zar o canal, derrotar os ingleses e levar final de Bonaparte, após seu regresso da
Josefina para passear nos corredores de Rússia e na Batalha de Waterloo13. O impe-
Bukingham”. O Exército britânico era uma rador corso da França, tão hábil em perce-
piada se comparado ao francês, porém a ber a nova “guerra nação” e os limites de
fortuna do Império Britânico não se assen- seus inimigos, não entendeu o que era lu-
tava apenas nele. tar contra um império insular apoiado numa
A Inglaterra nunca tivera um Exército tríade diplomática, econômica e militar.
nacional. Um longa tradição de regimentos A cada insucesso, Napoleão respondeu
feudais deu lugar às “milícias dos comuns” com a leitura de rara simplicidade de um

12 Na Inglaterra, tornou-se muito popular uma canção de ninar que dizia: “Cuidado, criança/vá logo
dormir/seja boazinha/ou o velho Bony [Bonaparte] virá te pegar.”
13 Lord Wellington, arquiteto da manobra aliada em Warterloo, fez sua carreira nas guerras coloniais da
Índia e no atoleiro francês da Campanha Ibérica.

102 RMB2 oT/2009


A ESTRATÉGIA DO IMPERADOR: AUSTERLITZ E TRAFALGAR NO CONTEXTO ESTRATÉGICO DE NAPOLEÃO

capitão. Perdeu em Trafalgar, aumentou a com uma Habsburgo, dirimira as hostili-


Marinha e decretou o Bloqueio. Não funci- dades das monarquias europeias. Inves-
onou, invadiu os países desobedientes. tiu numa Marinha custosa e incapaz de
Manteve-se numa iniciativa militar, talvez produzir resultado estratégico, numa cam-
acreditando que, como em suas manobras panha militar infindável na Península Ibé-
terrestres, sustentando-se em sua estraté- rica e, por fim, acabou na Rússia. Da mes-
gia a qualquer custo, acabaria por quebrar ma forma que parece ter caído no equívo-
a espinha dorsal do inimigo. co de compreender mal seu inimigo, o mes-
Napoleão nada trabalhou para cessar mo fez com seu sucesso, supondo que
os efeitos de sua derrota no mar, que não poderia colocar a França no livro dos gran-
terminou ou começou em Trafalgar. Muito des impérios “apenas” pela guerra. Mas,
pelo contrário, parece ter superlativado enfim, Clausewitz era contemporâneo de
seus problemas com suas decisões, a pon- Napoleão e, afinal, também apenas “seu
to de se iludir que, contraindo matrimônio inimigo”.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<HISTÓRIA>; História da França; História da Inglaterra; Estratégia; Guerras; Napoleão;
Nelson;

BIBLIOGRAFIA

CAMINHA, João Carlos (V. Alm). História Marítima, RJ, Bibliex, 1980.
CREVELD. Martin Van Tchnology of War: From 2000 b.c to thr Present, NY, The Free Press, 1989.
GARDNER, Robert. Fleet Battle and Blockade: The French Revolutionary War 1793-97, London,
Chantham Publishing, 1995.
________________ Navies and The American Revolution: 1778-83, London, Chantham Publishing,
1996; p. 77-107.
GRABSKY, Phil. The Great Commanders, NY, Viwer Books, TV Books Ing., 1995p.75-102; 103-
30.
HILL, C. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa, SP, Cia das Letras, 1988.
HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848, SP, Paz e Terra, 1977.
KENEDY, Paul. A Ascensão e Queda das Superpotências, RJ, Campus, 1990.

REFERÊNCIAS

ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, London, Willian Berenton, 1972, vol. 3.


The History Channel, Empires: Napoleon, BBC Broadcasting Company, London, 1990, 210 min.

RMB2 o T/2009 103


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS(*)

EDUARDO ITALO PESCE(**)


Professor

SUMÁRIO

Introdução
A Marinha na Estratégia Nacional de Defesa
Reaparelhamento da Marinha
Recursos para reaparelhamento e adequação
Submarinos convencionais e nucleares
Navios de superfície
Navio-aeródromo e Aviação Naval
Tendências para o futuro da Aviação Naval
Aviação de patrulha marítima
Desenvolvimento de novas aeronaves de patrulha
Emprego futuro de sistemas não tripulados
Armamento e sistemas de comando e controle
Conclusão
Tabela no 1
Tabela no 2

(*)
Trabalho submetido à Revista Marítima Brasileira em fevereiro de 2009. Atualização da palestra
apresentada pelo autor em seminário interno do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade
Federal Fluminense (Nest/UFF), realizado na Fundação de Estudos do Mar (Femar) em 2/10/2008.
(**)
Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola
de Guerra Naval (Cepe/EGN) e da Revista Marítima Brasileira e membro do U.S. Naval Institute.
MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

INTRODUÇÃO No dia 27/1/2009, o governo anunciou o


bloqueio de R$ 37,2 bilhões (25% do total)
A nova Estratégia Nacional de Defesa dos recursos para custeio e investimento
(END), aprovada pelo Decreto no 6.703, de no orçamento. O Ministério da Defesa, que
18/12/2008, pode criar novas perspectivas contava com R$ 11,05 bilhões, ficou com
para as Forças Armadas brasileiras.1 Este apenas R$ 4,484 bilhões (redução de
documento, cujo anúncio oficial estava 59,5%). A crise econômica parece estar re-
originalmente previsto para 7 de setembro vertendo o modesto aumento dos gastos
de 2008, teve sua divulgação adiada, a fim com a defesa, verificado entre 2005 e 2007.3
de ser examinado por diversos ministérios O presente artigo procura examinar as ne-
e pelo Conselho de Defesa Nacional (CDN). cessidades e demandas específicas da Mari-
A fim de que as expectativas do setor nha do Brasil, bem como as possibilidades de
de defesa se confirmem, será necessário obtenção dos recursos necessários para
assegurar um fluxo ininterrupto de recur- atendê-las. O texto baseia-se em fontes e bibli-
sos para custeio e investimentos, capaz de ografia ostensivas e em avaliações do autor.
atender às necessidades de modernização Os conceitos e opiniões emitidos são de cará-
das três forças singulares. Os programas ter pessoal, não refletindo pontos de vista ofi-
de reaparelhamento das Forças Armadas ciais nem tampouco interesses comerciais.
brasileiras podem ser prejudicados pela
crise econômica mundial, deflagrada no fi- A MARINHA NA ESTRATÉGIA
nal de 2008. NACIONAL DE DEFESA
Dos R$ 48.044 milhões autorizados no
orçamento do Ministério da Defesa até 31/ No desenvolvimento do Poder Naval, a
12/2008, foram empenhados R$ 44.841 mi- END propõe priorizar inicialmente a tarefa
lhões e efetivamente gastos R$ 40.713 mi- de negação do uso do mar, em relação às de
lhões (84,74% do total autorizado). Foi o controle de área marítima e de projeção de
menor percentual executado do orçamento poder sobre terra. Em tal contexto, o empre-
daquela pasta nos últimos anos. Tal go das forças navais, aeronavais e de fuzi-
percentual foi de 87,90% em 2005, de 89,80% leiros navais visará às seguintes hipóteses:
em 2006 e de 90,54% em 2007.2 I – defesa proativa das plataformas pe-
No Orçamento da União para 2009, a do- trolíferas;
tação de recursos originalmente autorizada II – defesa proativa das instalações na-
para o Ministério da Defesa era de R$ 50,2 vais e portuárias, dos arquipélagos e das
bilhões. À Marinha do Brasil estavam desti- ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais
nados R$ 2,627 bilhões, ao Exército Brasileiro brasileiras;
R$ 2,785 bilhões e à Força Aérea Brasileira R$ III – prontidão para responder a qual-
4,515 bilhões, para despesas discricionárias. quer ameaça, por Estado ou forças não

1
Cf. Presidência da República, Decreto no 6.703, de 18/12/2008 – Aprova a Estratégia Nacional de
Defesa (END) e dá outras providências (Brasília, 18/12/2008). Texto completo disponibilizado em
http://www.defesa.gov.br/.
2
Cf. Eduardo Italo Pesce & Iberê Mariano da Silva, “Perspectivas para a defesa em 2009”, Monitor
Mercantil, Rio de Janeiro, 13/2/2009, p.2 (Opinião). Cf. também Consulta Orçamentária da União,
Planilhas do Siafi 2005-2008. Dados disponibilizados em http://www.contasabertas.uol.com.br/.
3
Ibidem. Cf. também Regina Alvarez, “Crise reduz Orçamento em 25%”, O Globo, Rio de Janeiro, 28/1/
2009, p.3 (O País).

RMB2 o T/2009 105


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

convencionais ou criminosas, às vias ma- de proteger os interesses nacionais na área


rítimas de comércio; e marítima situada ao norte de Natal-Dacar.
IV – capacidade de participar de opera- Na prática, o Brasil possui dois litorais com
ções internacionais de paz, fora do territó- características geopolíticas distintas, ao
rio e das águas jurisdicionais brasileiras, norte e ao sul da cintura Natal-Dacar. O
sob a égide das Nações Unidas ou de or- saliente nordestino projeta-se como uma
ganismos multilaterais da região.4 cunha em direção à África.
Nas águas jurisdicionais brasileiras (co- Apesar dessa peculiaridade, não se deve
nhecidas como “Ama- esquecer que o Brasil
zônia Azul”), duas áre- necessita de um Poder
as marítimas são Naval balanceado e
identificadas pela
A Marinha do Brasil polivalente, com capa-
END como críticas deverá se reconstituir por cidade oceânica. Por
para a defesa da sobe- etapas, como uma força tal razão, nossa prin-
rania e dos interesses cipal Esquadra, atuan-
nacionais: a que vai de balanceada e polivalente do ao sul de Natal-
Santos a Vitória e a si-  Dacar, deve conferir
tuada em torno da foz Priorizar a necessidade de igual prioridade a to-
do Rio Amazonas.5 das as tarefas do Po-
Ainda segundo o
constituição de uma der Naval.8
texto, a Marinha do segunda Esquadra, sediada Segundo a END,
Brasil deverá se re- no litoral Norte/Nordeste deve ser construída
constituir por etapas, uma nova base naval
como uma força balan- do Brasil nas proximidades da
ceada e polivalente. O
6
foz do Amazonas.9 A
planejamento da dis- Baía de São Marcos,
tribuição espacial das forças no território em São Luís (MA), é apontada por especi-
nacional, no caso da Marinha, deverá alistas como o local mais conveniente.10 No
priorizar a necessidade de constituição de acordo Brasil-França assinado em 23/12/
uma segunda Esquadra, sediada no litoral 2008, está prevista a instalação de um esta-
Norte/Nordeste do Brasil.7 leiro e de uma base para submarinos com
Esta nova Esquadra teria por atribuições propulsão nuclear, provavelmente na re-
naturais defender a Amazônia pelo mar, além gião de Itaguaí (RJ).11

4
Cf. Presidência da República, Op. cit., p.12.
5
Ibidem, p.12.
6
Ibidem, p.12.
7
Ibidem, p.41. Cf. também Eduardo Italo Pesce, “Uma Esquadra para defender a Amazônia”, Monitor
Mercantil, Rio de Janeiro, 14/1/2009, p.2 (Opinião).
8
Cf. Pesce & Da Silva, Op. cit. Cf. também Pesce, Op. cit. Cf. ainda Eduardo Italo Pesce, “Uma Marinha
com duas Esquadras”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 18/9/2008, p.2 (Opinião). Cf. também
Eduardo Italo Pesce, “Uma Marinha para o Hemisfério Sul”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 18,
19 e 20/10/2008, p.2 (Opinião).
9
Cf. Presidência da República, Op. cit., p.14.
10
Cf. Roberto Gama e Silva, Estratégia de Defesa da Amazônia Brasileira (Rio de Janeiro, 14/2/2009).
Texto divulgado pelo autor na internet via correio eletrônico.
11
Cf. Pesce & Da Silva, Op. cit.

106 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

REAPARELHAMENTO DA MARINHA Dentro das limitações impostas pela con-


juntura, o PRM reflete uma visão estratégica
O Programa de Reaparelhamento da moderadamente conservadora, procurando
Marinha (PRM) contempla a obtenção ou viabilizar a aquisição de meios capazes de de-
modernização de meios flutuantes, aéreos sempenhar as quatro tarefas básicas do Poder
e de fuzileiros navais, segundo metas de Naval: (1) negação do uso do mar; (2) controle
curto, médio e longo prazo. Estão previs- de áreas marítimas; (3) projeção de poder so-
tos no PRM (em valores de 2007) investi- bre terra; e (4) contribuição para a dissuasão.15
mentos da ordem de R$ 5,8 bilhões, no pe- Os investimentos previstos no PRM po-
ríodo 2008-14. Uma segunda fase do pro- derão ser revistos, em função das metas
grama seria implementada entre 2015 e 2030. estabelecidas pela END e pelos documentos
O PRM está dividido em oito grupos de decorrentes que deverão ser editados até 2010.
prioridade: (1) submarinos e torpedos; (2) Numa estimativa moderadamente conserva-
navios-patrulha; (3) dora, ao final da terceira
helicópteros; (4) navi- década do século XXI a
os de escolta; (5) navi-
os-patrulha fluviais; (6) Ao final da terceira década ria ser constituída por
Marinha do Brasil pode-

sinalização do trans- do século XXI a Marinha 140 ou 150 navios e por


porte aquaviário e na- do Brasil poderia ser um número equivalente
vios-hidrográficos; (7) de aeronaves.
navio-aeródromo (mo- constituída por 140 ou 150
dernização), mísseis, navios e por um número RECURSOS PARA
minas e munição; e (8)
equipamentos para o equivalente de aeronaves REAPARELHAMENTO
E ADEQUAÇÃO
Corpo de Fuzileiros
Navais e navios de desembarque.12 Na dotação orçamentária inicial do Minis-
Para o período 2008-14, constam dos tério da Defesa para 2009, os programas de
oito grupos de prioridade do PRM diver- reaparelhamento e adequação das Forças
sos projetos (ver Tabela no 1).13 O total de Armadas custarão pouco mais de R$ 2 bi-
recursos necessários à implementação de lhões aos cofres da União. A Marinha ficaria
tais projetos seria de aproximadamente R$ com R$ 544,5 milhões, o Exército com R$ 390,9
7,5 bilhões. Este total considera os custos milhões e a FAB com R$ 1,115 bilhão.16
adicionais de projetos cuja execução se es- Desde 2003, a Força Aérea vem rece-
tenderá para além de 2014, como é o caso bendo os maiores recursos para reapare-
da modernização de submarinos.14 lhamento, com um total de R$ 4,8 bilhões
12
Cf. Pesce, “Uma Marinha com duas Esquadras”, Op. cit. Cf. também Júlio César de Moura Neto, Mais
detalhes sobre o Programa de Reaparelhamento da Marinha – Audiência pública do Comandante
da Marinha na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (Brasília, 19/9/2007).
Disponibilizado em http://blognaval.com.br/.
13
Cf. dados em Moura Neto, Op. cit.
14
Cf. Centro de Comunicação Social da Marinha, O Programa de Reaparelhamento da Marinha.
Disponibilizado no sítio oficial da Marinha do Brasil em http://www.mar.mil.br/.
15
Cf. João Mauro Uchôa, “Chefe do Estado-Maior da Marinha aponta os desafios da vigilância das
fronteiras marítimas” – Entrevista com o Almirante Júlio Sabóia, A Tarde, Salvador, 4/9/2008.
Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.
16
Cf. Milton Júnior, “Aparelhamento das Forças Armadas custará R$ 2 bilhões em 2009”, Contas Abertas
(11/2/2009). Disponibilizado em http://www.contasabertas.uol.com.br/.

RMB2 o T/2009 107


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

efetivamente pagos. Nesse mesmo perío- pois o desenvolvimento dessa tecnologia


do, o Exército ficou com apenas R$ 775 mi- estratégica deve ser considerado uma pri-
lhões e a Marinha com R$ 1,3 bilhão. Este oridade nacional. A Marinha do Brasil ati-
último valor, por sinal, equivale ao destina- vou, em 26 de setembro de 2008, a
do à FAB apenas em 2008. Coordenadoria Geral do Programa de De-
Em bases correntes, os valores efetiva- senvolvimento de Submarino com Propul-
mente pagos, destinados ao reapare- são Nuclear (Cogesn).19
lhamento da Marinha no período de 2003 a Já foi iniciada a modernização dos cinco
2008, têm sido crescentes. Os valores rea- submarinos da classe Tupi, no Arsenal de
justados (base 8/1/2009), porém, indicam Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), com
decréscimo de 13,1% em 2005/2006 e de prazo de execução de 11 anos e custo esti-
11,3% em 2007/2008.17 Como o orçamento mado (até 2014) de R$ 812,7 milhões. O PRM
de 2009 já sofreu previa a construção de
contingenciamento, um sexto submarino
não há garantia de re- O Brasil desenvolveu, sem dotado de propulsão
alização dos investi- convencional, com
mentos previstos. ajuda externa, o ciclo do custo estimado de R$
Os recursos que combustível nuclear, o 1.559,7 milhões e pra-
foram destinados a reator de água zo de seis anos, mas
programas de reapare- esse plano foi posteri-
lhamento e adequação pressurizada e as máquinas ormente revisto.20
da Marinha, no Orça- de propulsão Em resultado do
mento da União de acordo Brasil-França
2008, estão detalha- na área de submarinos,
dos em anexo (ver Tabela no 2). Um total de assinado em 23/12/2008, serão construídas
R$ 452,4 milhões foi autorizado no início para a Marinha do Brasil quatro novas uni-
do ano, mas apenas R$ 342,2 milhões dades com propulsão convencional (SBR),
(75,6% daquele total) foram efetivamente derivadas da classe Scorpène, no novo es-
pagos em 2008 (inclusive R$ 28,2 milhões taleiro de Itaguaí. Este estaleiro ficará pró-
não procurados em 2007).18 ximo à Nuclebrás Equipamentos Pesados
(Nuclep), empresa que construirá as seções
SUBMARINOS CONVENCIONAIS E de casco resistente.
NUCLEARES O acordo prevê ainda assistência técni-
ca ao projeto do casco de um protótipo de
Os recursos destinados ao programa nu- submarino nuclear (SNBR), o qual seria en-
clear da Marinha não constam do PRM, tregue por volta de 2020, a um custo de

17
Ibidem.
18
Ibidem.
19
Cf. Diretoria Geral de Material da Marinha, Ordem do Dia n o 5/2008, de 26/09/2008 – Ativa a
Coordenadoria Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (Rio
de Janeiro, 26/9/2008). Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/. Cf. também Júlia Ennes
& Fernanda Guimarães, Marinha ativa construção de submarino nuclear no Brasil. (São Paulo, 29/
9/2008). Disponibilizado em http://www.dci.com.br/ e em http://www.panoramabrasil.com.br/.
20
Cf. Moura Neto, Op. cit. Cf. também Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. ainda R. Ruizree, “AIP: o Brasil
de fora?”, Segurança & Defesa 25 (93): 26-33 – Rio de Janeiro, 2009.

108 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

US$ 1,5 bilhão. O custo de construção das Estão sendo incorporados à Esquadra
unidades seguintes poderia ter uma redu- dois navios de desembarque de carros de
ção de até 15% cada. Analistas acreditam combate (NDCC) adquiridos à Grã-Bretanha:
que seriam necessários à Marinha do Bra- o Garcia d’Ávila (entregue em 2008) e o
sil pelo menos seis submarinos com pro- Almirante Sabóia (com entrega prevista
pulsão nuclear.21 para 2009).25 A incorporação desses navios
O Brasil desenvolveu, sem ajuda exter- amplia a capacidade de apoio à projeção de
na, o ciclo do combustível nuclear, o reator poder sobre terra da Marinha do Brasil.
de água pressurizada e as máquinas de pro- A um custo estimado de R$ 11,5 milhões,
pulsão.22 A opção por assistência técnica está prevista ainda a modernização do NDD
estrangeira para projetar o casco foi certa- Ceará, um dos dois navios de desembar-
mente motivada pela necessidade de en- que doca de origem norte-americana em ser-
curtar o horizonte de tempo, para o desen- viço. Pelo menos um navio-transporte de
volvimento do projeto do primeiro subma- apoio (NTrAp), projeto nacional desenvol-
rino brasileiro com propulsão nuclear. vido pelo Centro de Projetos Navais (CPN),
deverá ser construído
NAVIOS DE por R$ 209,3 milhões.
SUPERFÍCIE Seriam necessários à Para as Forças Dis-
tritais, está prevista a
Com relação aos Marinha do Brasil pelo construção, em estalei-
meios de superfície da menos seis submarinos com ros nacionais, de pelo
Esquadra, deverão ser menos 12 navios-patru-
modernizadas as três
propulsão nuclear lha (NPa) de 500 tone-
fragatas remanescen- ladas, de projeto fran-
tes da classe Greenhalgh (a um custo de cês, cujo custo unitário de obtenção é esti-
R$ 23 milhões cada) e as quatro corvetas mado em R$ 80 milhões. O número total de
da classe Inhaúma (por R$ 13,8 milhões unidades desta classe poderá chegar a 27.
cada).23 A Corveta Barroso, cuja constru- Também devem ser construídos cinco
ção havia sido iniciada em 1994, foi final- NPa de 1.000 toneladas, de um projeto de-
mente incorporada em 2008. senvolvido no Brasil pelo CPN, a um custo
Poderão ser construídas três novas fra- unitário de R$ 104,5 milhões. Está prevista
gatas de 6.000 toneladas, de uma classe ain- ainda a construção de quatro novos navi-
da a ser definida, possivelmente armada com os-patrulha fluviais (NPaFlu) de 100 tone-
mísseis superfície-ar de defesa de área. O ladas, a um custo de R$ 18,5 milhões cada.
custo unitário destes navios é estimado em Devem ser construídas 11 novas unida-
R$ 690 milhões, o que representaria um cus- des para o Sistema de Sinalização de Trans-
to total de obtenção de R$ 2.070 milhões.24 porte Aquaviário (SSTA), a um custo total

21
Cf. Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. também Ministério das Relações Exteriores, Acordo entre o Governo
da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa na área de submarinos (Rio
de Janeiro, 23/12/2008). Texto disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.
22
Cf. Eduardo Italo Pesce, “Poder Naval, autonomia tecnológica e capacidade polivalente”, Monitor
Mercantil, Rio de Janeiro, 20/2/2008, p.2 (Opinião).
23
Cf. Moura Neto, Op. cit.
24
Ibidem.
25
Ibidem.

RMB2 o T/2009 109


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

de R$ 80,3 milhões. Além disso, devem ser limitado. Pelo menos 12 aeronaves podem
modernizados cinco navios-hidrográficos ser modernizadas pela Embraer.
(NHi) por R$ 15 milhões. Recentemente, fo- Seis dos 12 helicópteros de esclarecimen-
ram recebidos o Navio-Hidroceanográfico to e ataque Agusta Westland AH-11A Super
(NHo) Cruzeiro do Sul e o Navio Polar Lynx, que operam com navios de escolta,
(NPo) Almirante Maximiano.26 devem ser modernizados a um custo de R$
34,7 milhões.30 Poderiam ser adquiridas ae-
NAVIO-AERÓDROMO E AVIAÇÃO ronaves adicionais, para substituir as perdi-
NAVAL das em uso. A Marinha também receberá 16
novos helicópteros Eurocopter EC 725
Está prevista a modernização do NAe (UH-14) Super Cougar/Caracal, produzi-
São Paulo, que voltou à atividade em 2008, dos pela Helibras.31
após um período de manutenção e reparos Além da Força Aeronaval, atualmente
no AMRJ. Entre as obras a serem realizadas, constituída por seis esquadrões de heli-
com previsão de prazo de três anos, a um cópteros e um de aviões, a Marinha dispõe
custo de R$ 43,8 milhões, estão o reparo de de três esquadrões regionais de helicópte-
um dos eixos propulsores e a instalação de ros de emprego geral, sediados em Manaus
um Sistema de Controle Tático (Siconta) (AM), Ladário (MS) e Rio Grande (RS), que
nacional, em substituição ao Senit francês.27 atuam nas áreas dos respectivos Distritos
Por R$ 87,5 milhões cada, foram adquiri- Navais. Poderiam ser criados mais três, em
dos quatro (com opção para mais dois) heli- Belém (PA), Natal (RN) e Salvador (BA).
cópteros Sikorsky S-70B (SH-60) Seahawk, Uma aviação embarcada polivalente, ca-
para missões antissubmarino e contra navi- paz de operar a partir de NAe e de outros
os de superfície. O total pode chegar a 12 tipos de navios de superfície, constitui com-
aeronaves (em três lotes de quatro), para ponente essencial de uma verdadeira Mari-
substituir os Sikorsky SH-3A/B Sea King.28 nha oceânica. Apesar de sua longa autono-
Também foi adquirido um lote inicial de oito mia de voo, a aviação de patrulha marítima
mísseis ar-superfície antinavio AGM-119B baseada em terra não é capaz de substituir
Penguin.29 plenamente os meios aéreos embarcados.
A modernização das aeronaves A Marinha do Brasil ainda não conse-
McDonnell Douglas A-4 (AF-1) Skyhawk guiu dotar seu NAe de um grupo aéreo
que operam com o NAe é uma necessidade completo, constituído por aviões de
imediata. Em 1998, foram adquiridas 23 ae- interceptação e ataque, reconhecimento,
ronaves deste tipo (20 AF-1 de um só lugar guerra eletrônica, guerra antissubmarino,
e três AF-1A de dois lugares), mas o núme- alarme aéreo antecipado (AEW – Airborne
ro de aeronaves atualmente disponível é Early Warning) e reabastecimento em voo
26
Ibidem. Cf. também João Mauro Uchôa, “Chefe do Estado-Maior da Marinha aponta os desafios da
vigilância das fronteiras marítimas” – Entrevista com o Almirante Júlio Sabóia, A Tarde, Salvador,
4/9/2008. Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.
27
Cf. Moura Neto, Op. cit.
28
Cf. Eduardo Italo Pesce, “Aviação Naval, 92 anos”, Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 12/8/2009, p.2
(Opinião).
29
Cf. Marinha adquire mísseis AGM-119B Penguin (Rio de Janeiro, 22/12/2008). Notícia disponibilizada
no sítio da revista Segurança & Defesa em http://www.segurancaedefesa.com/.
30
Cf. Moura Neto, Op. cit.
31
Cf. Ennes & Guimarães, Op. cit. Cf. também Pesce, “Aviação Naval, 92 anos”, Op. cit.

110 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

(Revo), além de helicópteros para missões TENDÊNCIAS PARA O FUTURO DA


antissubmarino e de busca e salvamento.32 AVIAÇÃO NAVAL
É aguardada para breve a abertura, pela
Marinha do Brasil, do processo de obten- Um projeto mantido em compasso de
ção de um lote de seis aeronaves Grumman espera é o do NAe destinado a substituir o
S-2 Tracker de segunda mão modernizadas, São Paulo depois de 2025. Possivelmente,
dotadas de motores turboélice Honeywell tal navio teria um deslocamento carregado
TPE 331-14GR. A modernização desses avi- de 40 a 50 mil toneladas e seria capaz de
ões poderia ser realizada pela Embraer, em operar com cerca de 40 aeronaves de com-
parceria com a empre- bate. Estes são os
sa norte-americana parâmetros mínimos
Marsh Aviation, forne- Um projeto mantido em (ainda que não os ide-
cedora das células
remotorizadas.
compasso de espera é o do ais) para operação com
aeronaves modernas
Três aeronaves se- NAe destinado a substituir de tipo convencional.
riam empregadas em o São Paulo depois de 2025 O futuro da aviação
missões AEW, equi- de caça na Marinha do
padas com radar    Brasil está ligado ao
Ericsson Erieye ou si- A atual geração de caças tipo de NAe que vier a
milar. As outras três ser selecionado para
atuariam em missões
multimissão pode ser a substituir o atual. Con-
COD (Carrier On- última geração de tinuará a Marinha
board Delivery), de aeronaves de combate adepta da operação de
apoio logístico. Uma aeronaves convenci-
destas já será entregue tripuladas onais de asa fixa, a
equipada para missões bordo de navios equi-
Revo. Posteriormente, pados com catapultas
poderiam ser adquiridas mais quatro aero- e aparelho de parada, ou poderá optar por
naves, em configuração antissubmarino. outra solução?34
A aquisição de tais aeronaves espe- O modo de operação STOVL (Short
cializadas é necessária, para apoiar a ope- Takeoff/Vertical Landing) utiliza corrida de
ração dos A-4 em missões de defesa aérea decolagem curta e pouso vertical, enquanto
e de ataque a alvos de superfície. A Mari- que o modo STOAL (Short Takeoff/Arrested
nha adquiriu três conjuntos de tanques Landing) emprega decolagem curta e pouso
Revo do tipo buddy-pack para os A-4. Es- com aparelho de parada. Em ambos os casos,
tes kits permitem que uma aeronave (de- emprega-se uma rampa de decolagem curta
sarmada) reabasteça duas do mesmo tipo Ski Jump na proa do navio, eliminando-se a
durante uma missão.33 necessidade do sistema de catapultas.

32
Cf. Pesce, Op. cit.
33
Cf. Pesce, Op. cit. Cf. também José Alves Daniel Filho, O S-2T é uma boa opção para a Marinha (Juiz
de Fora, 2008). Disponibilizado em http://www.defesa.ufjf.br/. Cf. ainda Sebastião de Andrade Cam-
pos Neto, “Momento de decisão para a Aviação Naval”, Segurança & Defesa 24 (89): 27-32 – Rio
de Janeiro, 2007.
34
Cf. Luciano Melo Ribeiro. “E o amanhã? – O futuro da aviação de caça na Marinha do Brasil”, Revista
Força Aérea 13 (53): 64-71 – Rio de Janeiro, ago./set. 2008.

RMB2 o T/2009 111


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

Um NAe equipado com aeronaves A aviação de patrulha marítima é um dos


STOVL é menor e mais barato do que um componentes vitais das forças de um Tea-
convencional ou STOAL, mas atualmente tro de Operações Marítimo (TOM). Essen-
existe uma só aeronave deste tipo, prestes cial à guerra no mar, é também indispensá-
a entrar em produção: o Lockheed Martin vel em tempo de paz, para vigilância e pro-
F-35B Lighning II. Já o modo de operação teção das águas sob jurisdição nacional.
STOAL emprega aeronaves de tipo con- A principal aeronave de patrulha maríti-
vencional, mas não dispensa a necessida- ma da atualidade ainda é o quadrimotor
de de um NAe de médio ou grande porte. turboélice Lockheed Martin P-3 Orion
A atual geração de caças multimissão (cuja célula é uma versão militar do
pode ser a última geração de aeronaves de Lockheed Electra II), operado pelas Mari-
combate tripuladas. O emprego de veícu- nhas ou Forças Aéreas de diversos países.
los aéreos não tripulados (Vant) em mis- Na Marinha dos Estados Unidos, seu subs-
sões de combate, a partir de NAe ou de tituto, após cinco décadas de serviço, será
bases terrestres, poderá se tornar realida- o Boeing P-8A Poseidon, um birreator a
de em meados deste século.35 Tais tendên- jato derivado do Boeing 737-800.
cias devem ser levadas em consideração Uma aeronave de patrulha marítima de
pela Marinha do Brasil. longo alcance, como o P-3 e seu sucessor,
Em breve, a Força Aérea Brasileira (FAB) possui grande autonomia de voo, sendo uma
deve selecionar o seu futuro avião de com- plataforma de múltiplo emprego, capaz de
bate, por intermédio do Programa F-X2. O desempenhar missões de guerra antissub-
vencedor deve permanecer em operação marino, esclarecimento e vigilância de áreas
por um período de 30 ou 40 anos. Dos três marítimas, guerra eletrônica, busca e salva-
finalistas pré-selecionados, apenas um não mento, guerra de superfície etc.
possui versão embarcada. Por isso, a Mari- A FAB conta hoje com aproximadamen-
nha do Brasil certamente acompanhará com te 20 aeronaves de esclarecimento maríti-
interesse o resultado da escolha da FAB.36 mo Embraer EMB-111 (P-95) Bandeiran-
te-Patrulha (“Bandeirulha”), operadas
AVIAÇÃO DE PATRULHA MARÍTIMA por quatro esquadrões. O “Bandeirulha”
é uma das versões militares do bimotor
A defesa da soberania e dos interesses turboélice EMB-110 Bandeirante, uma ae-
do Brasil no Atlântico Sul cabe não só à ronave leve, de autonomia limitada e sem
Marinha, mas também à FAB, que opera a capacidade de emprego antissubmarino.38
aviação de patrulha marítima baseada em No início de 2009, foi entregue à Força
terra. A capacidade de patrulhamento e vi- Aérea Brasileira a primeira de oito aeronaves
gilância do mar desta força necessita ser de patrulha marítima e guerra antissubmarino
ampliada.37 P-3AM Orion, modernizadas na Espanha pela

35
Cf. Ribeiro, Op. cit.
36
Cf. Alexandre Fontoura, “A short-list do F-X2”, Segurança & Defesa 25 (93): 16-19 – Rio de Janeiro,
2009.
37
Cf. Eduardo Italo Pesce & Mário Roberto Vaz Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Monitor
Mercantil, Rio de Janeiro, 12/8/2008, p.2 (Opinião). Cf. também Eduardo Italo Pesce & Mário
Roberto Vaz Carneiro, “A adequação da aviação de patrulha”, Segurança & Defesa 24 (92): 4-10 –
Rio de Janeiro, 2008.
38
Ibidem.

112 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

Eads Casa. O antigo equipamento de missão distintas. O P-3AM, dotado de equipamen-


será substituído pelo sistema multimissão to multimissão, tem capacidade de desem-
FITS (Fleet Integrated Tactical System).39 penhar ambas as missões, enquanto que o
Também teriam sido adquiridos mísseis ar- P-95 é limitado à patrulha marítima para vi-
superfície antinavio AGM-84 Harpoon.40 gilância de superfície. Esta dualidade
Há alguns anos, a FAB adquiriu dos EUA condiciona as discussões sobre o desen-
um lote de 12 aeronaves P-3A de segunda volvimento de uma nova aeronave de pa-
mão, fora de uso há muito tempo, estocadas trulha no Brasil.
ao ar livre no clima desértico de Tucson, no Há necessidade de uma definição po-
Arizona. Três seriam destinadas à lítica, sobre a qual força singular caberia
canibalização (servindo como fonte de peças desempenhar os dois tipos de missão no
de reposição), oito a missões operacionais e futuro. À Força Aérea, mantendo o atual
uma ao treinamento de tripulações. modelo de inspiração britânica? À Mari-
A avaliação operativa destas aeronaves nha, adotando o modelo norte-america-
– cuja atuação em apoio à Esquadra será no? Ou o Brasil deveria dividir as atribui-
fundamental – deverá ser realizada pela ções, ficando a vigilância de superfície
Marinha do Brasil, por meio do Centro de com a FAB e a guerra antissubmarino com
Análise de Sistemas Navais (Casnav), no a Marinha?43
Rio de Janeiro. A Marinha e a FAB serão Como alternativa ao P-3AM Orion, a
extremamente beneficiadas por essa medi- Embraer havia oferecido à FAB o P-99, uma
da de integração. A capacitação do Casnav versão de patrulha marítima do birreator de
é reconhecida internacionalmente.41 transporte regional EMB-145. Entretanto,
sua autonomia foi considerada inadequa-
DESENVOLVIMENTO DE NOVAS da para o patrulhamento de extensas áreas
AERONAVES DE PATRULHA marítimas, em missões de duração superior
a 12 horas de voo.
O número de aeronaves previsto é ainda A Embraer produz uma família de
insuficiente para atender às necessidades birreatores comerciais, cujos modelos de
reais da Força Aérea, em operações inde- maior capacidade são o EMB-190 e o EMB-
pendentes ou em apoio direto à Marinha. 195. É possível que um desses dois tipos
Além disso, em poucos anos haverá neces- venha a ser usado como base para o de-
sidade de substituir o P-95 “Bandeirulha”, senvolvimento de uma aeronave de patru-
que entrou em serviço na década de 70 do lha marítima de longo raio de ação, capaz
século passado.42 de substituir o P-3A/B/C Orion no merca-
Na FAB, a patrulha marítima e a guerra do internacional, a um custo bem inferior
antissubmarino são consideradas missões ao do P-8A Poseidon.44

39
Ibidem.
40
Cf. FAB compra lote de mísseis antinavio Harpoon (5/2/2009). Notícia disponibilizada no sítio da
revista Asas em http://www.revistaasas.mil.br/.
41
Cf. Pesce & Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Op. cit. Cf. também Pesce & Carneiro, “A
adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.
42
Ibidem.
43
Cf. Pesce & Carneiro, “A adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.
44
Cf. Pesce & Carneiro, “Aviação de patrulha marítima”, Op. cit. Cf. também Pesce & Carneiro, “A
adequação da aviação de patrulha”, Op. cit.

RMB2 o T/2009 113


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

EMPREGO FUTURO DE SISTEMAS órbita lhes proporciona apenas uma cober-


NÃO TRIPULADOS tura intermitente das áreas de interesse, o
que torna necessário utilizar vários deles para
Possivelmente, os P-95 “Bandeirulha” aumentar a frequência de sobrevoo.
da FAB poderão ser substituídos por uma Tais satélites estão também sujeitos a li-
aeronave mais simples e de menor porte mitações de emprego, por influência das con-
que os modelos mencionados anteriormen- dições meteorológicas ou de outros fatores
te. No estágio atual, o uso de Veículos Aé- que podem dificultar a identificação ou o
reos Não Tripulados (Vant) em missões de acompanhamento de navios no mar. Essas
vigilância marítima é apenas uma possibili- limitações tornam necessário empregar ou-
dade para o futuro. Contudo, tal possibili- tros meios de reconhecimento e vigilância.
dade não passou despercebida ao Brasil.45 Apesar das novas tecnologias, a aviação
Em caráter experimental, a Marinha dos de patrulha marítima ainda é indispensável.
EUA vem empregando o Northrop Grumman Atualmente, o Brasil já conta com ima-
RQ-4 Global Hawk Maritime Demonstrator gens de razoável resolução (para aplicações
(GHMD) em missões de reconhecimento e terrestres), disponibilizadas comercialmen-
vigilância de áreas marítimas. A versão RQ-4 te ou obtidas por satélites de uso científico
Block 10 já realizou (como o CBERS-2A e
missões com duração o CBERS-3 de projeto
de 23 horas, a 65 mil pés Brasil e África do Sul sino-brasileiro). No fu-
de altitude, e a Block turo, o país talvez ve-
20 terá autonomia de estão negociando o nha a operar seus pró-
voo de 35 horas. desenvolvimento conjunto prios satélites de uso
Brasil e África do
Sul estão negociando
do Bateleur Male, um Vant militar, deixando de de-
pender da cooperação
o desenvolvimento de múltiplo emprego em e da boa vontade de
conjunto do Bateleur missões de média altitude e terceiros.46
Male, um Vant de múl-
tiplo emprego em mis- grande autonomia ARMAMENTO E
sões de média altitude SISTEMAS DE
e grande autonomia. Conceitualmente, este COMANDO E CONTROLE
Vant – mais simples e menos custoso que
o Global Hawk – poderia ser empregado Como vimos acima, a Marinha e a FAB
para vigilância das águas jurisdicionais bra- vêm adquirindo novos mísseis ar-superfície
sileiras, complementando as aeronaves de antinavio, para uso em helicópteros e aero-
patrulha de longo raio de ação. naves de patrulha marítima. Note-se que o
Dotados de radar de abertura sintética, os AGM-119B Penguin, adquirido pela Mari-
satélites na vigilância marítima são capazes nha, já está homologado para os helicópte-
de localizar navios no mar e transmitir sua ros SH-60 Sea Hawk e AH-11A Super Lynx.
localização em tempo real às forças navais ou O AGM-84 Harpoon, por sua vez, deve ser
para centros de coleta e análise em terra. Sua empregado pelos P-3AM Orion da FAB.47
45
Ibidem.
46
Ibidem.
47
Cf. Marinha adquire mísseis AGM-119B Penguin, Op. cit. Cf. também FAB compra lote de mísseis
antinavio Harpoon, Op. cit.

114 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

O PRM prevê o desenvolvimento de vári- Nacional de Defesa (END) poderá reverter


os tipos de mísseis para a Marinha do Brasil, o processo de “encolhimento com digni-
a um custo total orçado em R$ 144,2 milhões, dade” do Poder Naval brasileiro. Nesse
com R$ 22 milhões de investimento inicial.48 caso, diversos projetos previstos no Pro-
Em 2008, porém, foram efetivamente gastos grama de Reaparelhamento da Marinha
no desenvolvimento de um míssil nacional (PRM) poderão finalmente sair do papel.
antinavio apenas R$ 901 mil, de um total de A prioridade conferida pela END ao proje-
R$ 4,8 milhões previsto em orçamento.49 to e à construção de submarinos convencio-
R$ 100 milhões estão destinados à obten- nais e nucleares no Brasil não pode entrar em
ção de um novo torpedo pesado, R$ 20 mi- conflito com a necessidade de possuirmos
lhões à compra de 100 minas de fundeio e uma Marinha oceânica polivalente, capaz de
influência do tipo MFI-01, e R$ 206 milhões à operar em áreas distantes do território nacio-
reposição de 45% dos estoques de munição. nal. Todos os componentes do Poder Naval
R$ 126 milhões desti- devem ser desenvolvi-
nam-se à aquisição de dos, em função da cres-
um lote adicional de A prioridade conferida pela cente projeção interna-
carros de combate SK- cional do País.
105 Kürassier e de ou- END ao projeto e à Neste século, o Bra-
tros equipamentos para construção de submarinos sil deve buscar ser vis-
o Corpo de Fuzileiros
Navais (CFN).50
convencionais e nucleares to como um possível
aliado ou parceiro
O Sistema Naval de no Brasil não pode entrar confiável, não como um
Comando e Controle em conflito com a potencial adversário. A
(SISNC2) e o Sistema de construção de uma
Informações do Tráfe- necessidade de possuirmos Marinha cuja composi-
go Marítimo (Sistram) uma Marinha oceânica ção priorizasse a nega-
devem ser integrados ção do uso do mar, à se-
num novo sistema de
polivalente melhança da Marinha
gerenciamento do mar, soviética do final da
que incluirá sensores móveis (a bordo de na- década de 50 do século passado, poderia dar
vios, aeronaves e satélites) e fixos (em terra, ao mundo uma ideia errônea sobre as inten-
em plataformas de petróleo ou no leito mari- ções e os objetivos do País.
nho), além da capacidade de processamento O acordo de cooperação Brasil-França,
e disseminação das informações.51 que inclui assistência técnica para o de-
senvolvimento do projeto do casco resis-
CONCLUSÃO tente de um submarino com propulsão nu-
clear, é sem precedentes entre países do
Se os investimentos necessários forem Ocidente. Atualmente, só existe acordo com
efetivamente realizados, a nova Estratégia finalidades similares entre Rússia e Índia.52

48
Cf. Moura Neto, Op. cit.
49
Cf. Milton Júnior, Op. cit.
50
Cf. Moura Neto, Op. cit.
51
Cf. Uchôa, Op. cit.
52
Cf. Rajat Pandit, “India’s secret N-submarine project nearing completion,” The Times of India, 12 Feb.
2009. Disponibilizado em http://timesofindia.indiatimes.com/.

RMB2 o T/2009 115


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

Pode haver pressões internacionais con- Congresso Nacional aprove a legislação


tra Brasil e França, motivadas por implica- apropriada.
ções estratégicas. Os recursos financeiros e humanos cons-
A crise econômica mundial e o fim da tituem o fator crítico. Para que um Poder Naval
Era Bush também podem resultar em pres- tenha credibilidade, deve ser integrado por
sões externas para que o Brasil reduza seus meios modernos, preferencialmente projetados
gastos militares. Após e construídos no País,
o fim da Guerra Fria, no guarnecidos e operados
início dos anos 90, Todos os componentes do por pessoal altamente
nosso país cedeu a Poder Naval devem ser qualificado e adestrado.
pressões desse tipo, A construção e a con-
com consequências desenvolvidos, em função solidação de tal poder
desastrosas. Se tal da crescente projeção requerem investimento
coisa voltar a ocorrer, contínuo, por mais de
o reaparelhamento da
internacional do País uma geração.
Marinha pode ser no-    A defesa nacional e
vamente inviabilizado. A defesa nacional e as as relações exteriores
As mudanças polí- devem ser vistas
ticas no Brasil também relações exteriores devem como políticas de Es-
podem ter consequên- ser vistas como políticas de tado, e não de gover-
cias sobre os planos
de longo prazo da
Estado, e não de governo no. As discussões em
torno de tais temas
Marinha e das outras não podem ser influ-
duas forças singulares. Se estes forem vis- enciadas por diferenças de opinião relaci-
tos como projetos de um governo, e não onadas com a disputa pelo poder no âmbi-
do Estado brasileiro, poderão vir a sofrer to interno. É preciso que o interesse nacio-
cortes severos ou ser simplesmente can- nal fique acima dos interesses eleitorais e
celados. Para evitar isso, é essencial que o partidários.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<FORÇAS ARMADAS>; Marinha do Brasil; Estratégia; Política nacional;

116 RMB2 oT/2009


Tabela no 1:
PRIORIDADES DO PROGRAMA DE REAPARELHAMENTO DA MARINHA, 2008-14 (*)

Grupo Projeto Custo total (R$ milhões) Prazo

RMB2 o T/2009
1 Modernização de cinco submarinos da classe Tupi 812,7 11 anos

1 Um (#) submarino de propulsão convencional 1.559,7 6 anos

1 Torpedos pesados 100,0 n.d.

2 12 (#) navios-patrulha de 500 t (R$ 80 milhões cada) 960,0 8,5 anos

2 Cinco navios-patrulha de 1.000 t (R$ 104,5 milhões cada) 530,7 Até 2013

3 Quatro (#) helicópteros antissubmarino S-70 (SH-60) Seahawk (R$ 87,5 milhões cada) 350,0 3,5 anos

3 Modernização de seis helicópteros de esclarecimento e ataque AH-11A Lynx 34,7 8 anos

4 Modernização de três fragatas da classe Greenhalgh (R$ 23 milhões cada) 69,0 n.d.

4 Três (#) fragatas de 6.000 t (R$ 690 milhões cada) 2.070,0 3 anos (?)

4 Modernização de quatro corvetas da classe Inhaúma (R$ 13,8 milhões cada) 55,2 n.d.

5 Quatro navios-patrulha fluviais de 100 t (R$ 18,5 milhões cada) 74,0 5 anos

6 11 unidades para Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário (SSTA) 80,3 10 anos (?)

6 Modernização de cinco navios-hidrográficos (um por ano) 15,0 5 anos (?)

7 Modernização do Navio-Aeródromo São Paulo 43,8 3 anos


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

7 Desenvolvimento de mísseis (R$ 22,6 milhões iniciais) 144,2 8 anos

7 Cem minas de fundeio e influência MFI-01 20,0 n.d.

7 45% da dotação de munição 206,0 4 anos

8 Carros de combate e equipamentos para o Corpo de Fuzileiros Navais 126,0 Até 2014

8 Modernização do Navio de Desembarque-Doca Ceará 11,5 Até 2014

8 Um (#) navio-transporte de apoio 209,3 Até 2014

Total Estimativa dos recursos a serem investidos 7.472,1 2008-14

Tabela organizada pelo autor. (*) Estimativas de setembro de 2007 sujeitas a revisão. (#) Número de encomendas poderá ser maior.
FONTE: Moura Neto, Op. cit.

117
MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

118 RMB2 oT/2009


MARINHA DO BRASIL: PERSPECTIVAS

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Disponibilizado em http://www.defesanet.com.br/.

120 RMB2 oT/2009


O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

SERGIO LIMA YPIRANGA DOS GUARANYS


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

E m 461 a.C., sentado em sua banca de


sapateiro, Cairos olha aquele homem
grande, ricamente vestido, cingindo espa-
ele me enviou aqui para dizer que precisa
do senhor.
Pouco depois estavam diante de Xerxes,
da, que entrara em sua oficina. Deixou de sentado, calçando sapatos descasados, e
convidá-lo a sentar-se porque a cadeira de este foi direto ao assunto.
cliente estava ocupada por um par de sa- – Desejo sapatos que não me cansem,
patos ainda preso ao molde. Saudou-o ofe- que não anunciem a desigualdade de mi-
recendo atenção, respondeu seu nome e nhas pernas e me ponham em condições
contou que fizera os protótipos dos sapa- mais favoráveis de habilidade física. Ainda
tos dos hoplitas (soldados pedestres pro- não encontrei quem os fizesse.
tegidos por malhas metálicas e escudo, Cairos pediu que trouxessem vários cal-
equipados de lança e arco-e-flecha), das çados do basileu, examinou cada pé de cada
botas dos carroceiros e das perneiras dos par e perguntou:
cavaleiros para as fábricas que os fornece- – Senhor, quais são os materiais de sua
ram ao Exército. preferência?
– Quem é o senhor? – Os mesmos que todos usam.
– Sou Iságoras, sirvo a Xerxes, basileu Cairos pensou: “Além dos outros não
de toda a Pérsia, e quero que me acompa- perceberem o artifício igualador criado por
nhe com suas ferramentas ao palácio. Nada mim, Xerxes também não o perceberá quan-
tema, quando o senhor foi citado ao basileu, do estiver andando, embora desconfie ao
O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

examinar o pé direito isoladamente. Somente Enquanto isso meu alfaiate fará suas vestes
quando segurar um par completo perceberá profissionais, e de hoje a seis dias você será
várias diferenças, mas não deixarei que saiba empossado. Até amanhã. E, agora que você
qual delas é a responsável pela correção. é Grande Almirante, somente dará ordens a
Trabalhou um dia inteiro, fez seis pares, Bacchylides, o atual Grande Almirante. Ele
provou-os em Xerxes e marcou, em cada pé, dará as suas e as dele ao Vice-Almirante
sinais estranhos. Todos aumentaram a altu- Misanias, de modo que nunca alguém saiba
ra de Xerxes, tinham palmilhas espessas e se partiram dele ou de você. Ele obedecerá a
tão macias que retardavam a noção de apoio você devido a seu título, jamais direi a ele
no solo. Cada solado tinha a cinta vertical que respeite você, o título basta. Ele ensinará
elevada o suficiente para impedir a dedução tudo o que você disser que deseja saber,
visual da distância interna entre a sola do acrescentará explicações que julgar neces-
pé e o chão. Fez mais seis pares, provou sárias. Quando você quiser mudar um proce-
quatro deles e, em seguida, disse a Xerxes: dimento dele, basta assinalar que é decisão
– O senhor pode calçar os dois que não sua. Posso confiar em suas decisões porque
provei, esses são os corretos. você mostrou habilidade com o próximo. Co-
– Como você pode dizer isso sem eu calçá- mentará com você treinos, aquisições e ações
los, portanto sem ver como ficaram em mim? dos outros países. Quando for empossado,
– Ao fim deste dia conheço seu pé es- você conhecerá seus subordinados. Sem que
querdo e seu pé direito profissionalmente, peça, eles mostrarão tudo o que sabem, mas,
portanto melhor que o senhor, pois é mi- até que esteja apto a combater o Ocidente,
nha profissão e não é a sua. você será representado perante os contra-
Ato contínuo, Xerxes calçou um dos pares almirantes pelo Vice-Almirante Misanias.
intocados, andou um pouco sobre o tapete, Todos pensarão que os planos, os movimen-
sobre o mármore, sobre a grama e sobre casca- tos e as novidades de atuação partem de
lho. Ficou extasiado, saltou numa e noutra você. Você ocupará o posto da direção du-
perna, flexionou a perna do fim do passo como rante os exercícios, os desfiles serão volta-
se desse um toque de espada a fundo, alegre dos para você, que presenciará a saudação
como não se sentia havia tempos. dos chefes, seguida pela transmissão por
– Cairos, assim como não descubro seu Misanias de suas ordens a eles.
segredo, escondo de todos meu poder, essa Nos tempos seguintes, Misanias foi vis-
é minha profissão. Posso e quero satisfazer to treinando os remadores, os velejadores,
o maior desejo que você tenha e me informe. os carpinteiros e os arremessadores nas
– Em vez de dizer meu desejo, prefiro di- manobras de aproximações, abordagens e
zer o sonho que sempre tive, sonho porque afastamentos.
nunca seria realidade. Creio que assim não Quando estavam a sós, Cairos surpre-
ofenderei o senhor. Desde pequeno sonha- endeu Bacchylides:
va ser o almirante de todas as esquadras, o – Preciso ver exercícios de ação coorde-
Grande Almirante da Marinha da Pérsia. nada entre os barcos mais leves da esquadra
– Cairos, neste instante nomeio você Gran- com outros ainda mais leves, transportados
de Almirante da Marinha da Pérsia. Vamos pelos grandes, ideia minha, chamando-os li-
dormir que já é muito tarde. Amanhã você geiros, que somente se aproximarão do ad-
volta para casa, conversa com sua família, versário após iniciado o enfrentamento com
prepara sua mudança para a casa que meus os adversários correspondentes, podendo
conselheiros escolherem para você e os seus. então atuar sem oposição. Mande construí-

122 RMB2 oT/2009


O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

los. Teremos de fazer ensaios com essas em- mantida até destruir a última fração, e então
barcações para garantir que atuem surpreen- o todo terá deixado de existir.
dentemente. Os senhores usam surpresa de Tempos depois, Cairos disse a
modo terminante, eu de modo contínuo. Ima- Bacchylides:
gine que após iniciar o enfrentamento com – Envie comitivas às Marinhas rivais da
um barco leve o inimigo só perceba a presen- ateniense, para seduzi-las com a glória de
ça do ligeiro quando os hoplitas dele estive- derrotá-la. Como glória não é poder, nada
rem matando seus coordenadores. perderemos de nossas posses nem eles
Ponderou Bacchylides: ganharão alguma posse, mas a possibili-
– Esses ligeiros terão efeito duvidoso dade de ganharem, graças a nosso enge-
em comparação com o custo de levá-los, nho, respeito do inimigo perene. Será van-
mormente porque o efeito dos mais leves tagem dupla para nós, porque ganhamos
já é desprezível e por vezes inútil havendo apoio dos rivais e o negamos ao inimigo.
vento fresco e espaço para os maiores. Nos seis anos após a posse de Cairos, a
– Serão decisivos quando não houver Marinha persa não combatera ninguém, mas
tempo fresco nem espaço para os maiores. treinara revezar remadores com hoplitas,
E mesmo quando houver, o ligeiro aleijará mantendo com menos cansaço os dispositi-
o leve caso mate o comandante, o timonei- vos de engajamento e de abordagem. Trei-
ro ou o mestre dele. Além disso, não inicia- nara também obstrução de estreitos, cerco
rei nem aceitarei combate quando não achar de ilhas e penetração frontal, por ação si-
que as circunstâncias me favorecem. multânea de barcos pesados com a escolta
Nem bem Bacchylides se refizera do es- leve integrada, ainda desconhecida das
panto causado pela ideia do sapateiro, ou- Marinhas da época. Cada barco pesado
viu o seguinte: persa tinha duas escoltas de barcos leves,
– Não combaterei quem for mais forte no uma para afastar do pesado adversário a
ponto de contato nem quem não estiver en- escolta dele, a outra para atacar o bordo
frentando outros adversários noutros pon- oposto ao atacado pelo pesado persa. A
tos. Não quer dizer que ficarei esperando a abordagem era praticada próximo à linha-
sorte, pois você vai operar também vários d’água, entre os remos. Já havia um arreme-
barcos desarmados, velozes e disfarçados do de castelo e outro de tombadilho, liga-
como transporte de comerciantes. Estarão dos por passarela a meia-nau, mas a ponte
junto aos navios de guerra de Atenas desde de abordagem surgiu um século mais tarde.
a Espanha até Antioquia e desde a Rússia Houve treino de lanceiros e arqueiros na
até o Egito, indo e vindo para dizer onde passarela. Cairos criou a catapulta para uma
estão as forças deles. Nós faremos delas bola de aniagem e breu em chamas, treina-
fraquezas se chegarmos com mais força e mento conjugado com inversão de marcha
mais mobilidade junto a alguma fração de- das embarcações, a fim de anular risco de
las, que estiver em luta contra a Liga Deliana fogo, do inimigo ou próprio. Seus capitães
ou apoiando revoltas contra nós, talvez es- navegaram em barcos comerciais quanto
timuladas por nós se isso servir para afastá- puderam no litoral do Egito, nas ilhas do
la do restante das forças deles. Então ataca- Mar Egeu e no litoral sul da Pérsia, pois Ate-
remos essa fração para destruí-la e a outras nas estava ocupando o ocidental. Os seis
sucessivamente. Esta ideia de enfrentar fra- anos serviram para Cairos treinar o relacio-
ção em vez do todo, de agir sucessiva mas namento dele com o pessoal do mar, onde
nunca simultaneamente, pode muito bem ser não entendia do tempo, nem da navegação

RMB2 o T/2009 123


O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

nem do manejo, mas conseguiu movimentar mos, destrua um atrás de outro, até que os
como quis cada barco ou grupo de barcos. pesados fiquem desprotegidos por leves.
Em pouco tempo todos os comandantes – Assim estou fazendo, senhor.
sentiram coerência nas ordens recebidas. Após a destruição dos leves por com-
O mundo consumia trigo de três origens: bate entre as tripulações, foi ininterrupta a
da Rússia, via portos de alta latitude, na destruição por incêndio do resto da fração
margem nordeste do temido Mar Negro; da da ateniense, os pesados. Seguiu dali para
distante Sicília, no reino de Syracusa; e ali o Peloponeso, área dominada por Esparta,
do Egito, no delta do Nilo. A incorporação onde descansou e aparelhou novamente a
de Boeotia, Locris e Phocis, em 457 a.C., na indene Marinha persa.
Aliança Ateniense, forçou Egina a ingres- Buscou e encontrou em Oenophyta, em
sar na Liga Deliana e fez Atenas hegemôni- pleno domínio ateniense, a outra fração da
ca na Grécia Central, ateniense que dois
encorajando-a a tentar anos antes derrotara
controlar o trigo do No mar ou em terra, uma esquadra de Tebas
Egito, então compro- Cairos nunca deixara o e Esparta.
metido com a Pérsia – Misanias, inau-
pelos egípcios. A cir-
modo meticuloso e guremos a penetração
cunstância favorável a completo de raciocinar que frontal.
Cairos foi a decisão havia feito dele o melhor – Senhor, estou ini-
ateniense de apoiar ciando pelos três pesa-
militarmente a oposi- sapateiro da Pérsia. Em dos mais avançados.
ção política egípcia seis anos esse modo o Com esta destruição
contra a situação. Pela total da Marinha
primeira vez, parte da
transformou de melhor ateniense, Cairos devol-
Marinha ateniense, sapateiro em melhor veu à Pérsia Samos e
sob seu Almirante almirante da história da Mileto, bem como o
Cleon, operaria longe resto do litoral ociden-
de suas bases, quase Pérsia tal. Repartia com os ali-
tão longe quanto a ados o domínio do Me-
Marinha persa das bases dela. Cairos se diterrâneo Oriental, pois não viu vantagem
aliara à Liga Deliana com Esparta, Tebas, na hegemonia e porque a Liga era dócil a ele.
Corinto e Egina, fruto das missões junto às Apresentando-se a Xerxes na capital,
Marinhas rivais dos atenienses. Pediu a Susa, relatou a campanha e ouviu dele:
seus aliados que se mantivessem próximos – Naquele dia em que você fez meus
a outras partes da Marinha ateniense, as- sapatos, vi seus raciocínios e entendi que
sim as entretendo, sem entrar em combate você empregaria bem qualquer técnica que
até a chegada dele. lhe fosse entregue. Eu tinha gente para tal
Partiu de Byblos em 455 a.C., direto para entrega. Produzi um Grande Almirante!
Inaros, com toda a Marinha persa. Os re- – Senhor, minha gratidão é imensa. Sou
madores persas chegaram mais descansa- grato ao senhor, sem sua direção eu nada
dos que os atenienses, graças ao percurso seria, nada teria feito. Fiz meu trabalho, es-
menor e ao revezamento criado por Cairos. tou idoso, fui bem tratado em cada um de
– Misanias, aborde com nossos leves e meus dias à frente da Marinha persa. Peço
ligeiros os leves atenienses como treina- que me permita encerrar o serviço nela!

124 RMB2 oT/2009


O MELHOR SAPATEIRO DA PÉRSIA

– Agradeço o serviço prestado e conce- cinar que havia feito dele o melhor sapatei-
do seu término. ro da Pérsia. Em seis anos esse modo o
No mar ou em terra, Cairos nunca deixa- transformou de melhor sapateiro em me-
ra o modo meticuloso e completo de racio- lhor almirante da história da Pérsia.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<VALORES>; Comando; Conduta; Decisão; Qualidade;

RMB2 o T/2009 125


POR QUE FERNANDO DE NORONHA?
– Voo 447 da Air France

MILTON SERGIO SILVA CORRÊA


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

A pergunta poderia soar estranha ou


descabida, se não fosse o trágico aci-
dente com o avião da Air France. A mídia
Canadá como países com essas característi-
cas. Os três primeiros já haviam atingido os
atributos, os demais eram aspirantes.
nacional e internacional informou e comen- Desde o início do século passado, existe o
tou detalhes a respeito do infeliz aconteci- sonho de o Brasil vir a ter grande futuro, con-
mento, e a Ilha de Fernando de Noronha trariando o “gigante adormecido em berço es-
mereceu destaque por causa do recolhimen- plêndido”. Quando poderá acontecer? Ou já
to dos destroços da aeronave sinistrada. está ocorrendo? A resposta a esta última per-
Antes, porém, de tratar do assunto, pare- gunta tende a ser afirmativa quando constata-
ce conveniente lembrar qual é a aspiração ou mos que a economia alcança índices melhores
a pretensão do nosso país. nos dias atuais, conquanto muito aquém dos
Uma nação, para pretender liderança no países do Primeiro Mundo. Mas também não
cenário mundial atual, necessita de atributos há muita dúvida quando apresentamos o es-
e qualidades, entre os quais território exten- toque de energia elétrica, as reservas e a pro-
so, população elevada, vontade política do dução de petróleo e de minérios, a safra agrí-
povo e economia compatível (desenvolvi- cola e seu potencial na agroindústria, o esto-
da?). Therezinha de Castro expunha o tema que de água e de minerais radioativos, o par-
com clareza nas suas conferências e citava, que industrial, o sistema bancário, e, entre
se a memória não me falha, os Estados Uni- outros, a telecomunicação, o enriquecimento
dos, a Rússia, a China, a Índia, o Brasil e o de urânio e a construção de submarinos.
POR QUE FERNANDO DE NORONHA? – Vôo 447 da Air France

E a vontade política da população? Con- resse do País; sonares e boias radiossônicas,


vém incentivá-la e mostrar os avanços obtidos destinados ao controle do trânsito de navios
e a obter – é preciso pensar com grandeza, al- e submarinos para e do Atlântico Sul;
mejando um futuro próspero e o preparando. h) arruamento – adequado para a ativi-
Agora voltemos a Fernando de Noronha. dade local, limitando a quantidade de veí-
Nos idos de 1986, assumia o Estado-Mai- culos particulares; e
or das Forças Armadas o Almirante de Es- i) infraestrutura – preparação de esco-
quadra José Maria do Amaral Oliveira, por las para a população local, visando especi-
período de dois anos. Tive o privilégio de almente à atividade turística.
conhecer o que foi imaginado e desenvolvi- Alguns meses antes do término da ges-
do como projeto para a Ilha, considerando o tão do Almirante Amaral, que seria substitu-
ponto estratégico que ela representa. Foi cha- ído por um general de exército, foi indicado
mado para gerente o Comandante Daniel e aceito o General Ivan Jejuhy Afonso da
Acylino de Lima, conhecido pela praticidade Costa, de elevado conceito e já na reserva,
e inteligência inatas. Do que me foi dado a para substituir o Comandante Acylino na
conhecer, lembro-me que as empresas de en- gerência do projeto. Infelizmente, o General
genharia Andrade Gutierrez e Mendes Júnior Jejuhy não conseguiu, apesar de seus es-
financiaram o projeto, que foi desenvolvido forços, tornar realidade o que havia sido
pela Hidroservice, do Grupo de Henri imaginado e desenvolvido no projeto.
Maksoud. A Ilha era contemplada com mui- “Pensar grande” era o que fazia e conti-
tas melhorias, aproveitando o recurso natu- nuou fazendo, até há poucos dias, o Almi-
ral e ampliando-o, nunca o comprometendo. rante Amaral – digno representante brasi-
Lembro-me de que houve definições leiro que vislumbra o futuro, honrado ho-
específicas para: mem que antevia ações para desenvolver
a) aeroporto – permitir pouso de jatos o País e torná-lo grande.
comerciais internacionais; Cabe, então, uma reflexão: em muito te-
b) cais – permitir a atracação de um ou ria sido facilitada a tarefa de localizar e res-
dois navios de turismo internacional; gatar o que restou do avião da Air France,
c) energia elétrica – usina compatível incluídas aí as importantes “caixas-pretas”,
para atender a todo o programado; se lá em Fernando de Noronha houvesse
d) água – usina de dessalinização e cap- unidades da Força Aérea e da Marinha, com
tação de chuva; radares, sonares, navios-patrulha e todas
e) florestamento – plantio de árvores as facilidades projetadas!
adequadas, uma vez que quase nada havia Cabe pensar, agora, em algo semelhante
de vegetação natural; para a Ilha e, por que não, para o Arquipélago
f) turismo e alojamento – construção de de São Pedro e São Paulo, complementando
hotéis, sendo um de 4 estrelas, dois de 3 um sistema de vigilância que se aconselha
estrelas e dois de 2 estrelas, que poderiam pertinente e adequado a um País Líder.
ser adaptados para abrigar militares, em Finalmente, é lícito mencionar o esforço, a
caso de necessidade; dedicação e a competência com que a Força
g) vigilância – radares, para atender ao ae- Aérea e a Marinha do Brasil se desincumbiram
roporto e ao controle do espaço aéreo de inte- da triste tarefa de resgatar corpos e destroços.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ÁREAS>; Fernando de Noronha; Acidente; Força Aérea; Marinha do Brasil; Estratégia;

RMB2 o T/2009 127


4 1
17
A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A
INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

FERNANDO MALBURG DA SILVEIRA


Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução
Breve síntese, sob o prisma de interesse da indústria
nacional de defesa
Alguns comentários
O mecanismo das Golden Shares

INTRODUÇÃO O extenso documento anexo à EMI ela-


borada pelo Ministro de Estado da Defesa

A Exposição de Motivos Interministerial


(EMI) no 00437/MD/SAE-PR, de 17/12/
2008, destaca, dentre outros aspectos per-
e pelo Ministro Chefe da Secretaria de As-
suntos Estratégicos está organizado em
duas partes, uma abordando sua Formula-
tinentes à adoção de uma Estratégia Naci- ção Sistemática e a outra enfocando as
onal de Defesa (END) contemplando ações Medidas de Implementação.
estratégicas de médio e longo prazo, a O presente artigo se propõe a oferecer
reestruturação da indústria brasileira de uma apertada síntese dos pontos da END
material de defesa, com o declarado propó- relacionados à indústria de defesa e, em se-
sito de “assegurar que o atendimento das guida, tecer alguns breves comentários a res-
necessidades de equipamento das Forças peito e discutir em maior grau de detalhe a
Armadas apoie-se em tecnologias sob do- questão da participação estatal (prevista no
mínio nacional”. documento) nos empreendimentos do setor.
A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

BREVE SÍNTESE, SOB O PRISMA geral de licitações públicas e protegê-las


DE INTERESSE DA INDÚSTRIA de contingenciamentos orçamentários do
NACIONAL DE DEFESA governo. Estabelece, todavia, como
contrapartida, a partição de poder entre a
No texto da END (disponível em empresa privada e o Estado – que, por meio
www.defesa.gov.br) destaca-se, na parte de instrumentos de direito privado (como
referente à Formulação Sistemática, a meta a aquisição de golden shares) e de direito
de organizar a indústria de material de de- público (licenciamentos regulatórios), pas-
fesa com a finalidade de “assegurar a auto- saria a dispor de poderes especiais na ad-
nomia operacional para as três Forças”. ministração e nos negócios da empresa. O
Esse desiderato se coaduna com o que o mesmo capítulo disserta ainda sobre a exis-
documento descreve como sendo um dos tência de uma componente estatal da in-
eixos estruturantes da Estratégia, qual seja dústria de defesa, com vocação para pro-
o uso de tecnologias de domínio nacional, duzir o que o setor privado não possa pro-
como acima mencionado. jetar e fabricar rentavelmente; fala do auxí-
Ao enunciar suas Diretrizes, a END em- lio estatal para a conquista de clientela es-
presta destacada ênfase à conquista de trangeira; da necessidade do Estado admi-
capacitação tecnológica autônoma, tecen- tir a produção sob o regime de “custo mais
do considerações sobre a criação de um margem”, mas sob intenso escrutínio
regime jurídico, regulatório e tributário em regulatório (o que implica a participação
proteção às empresas privadas do setor de do Estado na formação e regulação de pre-
defesa, com vistas a amparar a continuida- ços dos produtos de defesa); destaca que
de das compras públicas dirigidas ao se- as parcerias do Brasil com o mundo exteri-
tor; apoiar a formulação e execução de uma or mais desenvolvido dar-se-ão não mais
política de aquisição de produtos de defe- na forma de cliente ou comprador, mas sim
sa centralizada no Ministério da Defesa; como parceiro tecnológico, de modo a re-
incentivar a competição em mercados ex- duzir progressivamente a compra de servi-
ternos, visando aumentar a escala de pro- ços e produtos no exterior; e disserta so-
dução; as parcerias tecnológicas com ou- bre a relevância da formação de recursos
tros países, priorizando os experimentos humanos especializados em tecnologias de
binacionais; e outras considerações igual- defesa, dentre outras considerações. Além
mente ambiciosas. disso, cria uma Secretaria de Produtos de
Ao enfocar a Reorganização da Indús- Defesa no MD, a ser incumbida de formu-
tria Nacional de Material de Defesa sob o lar e dirigir uma política de obtenção de
prisma do desenvolvimento tecnológico produtos de defesa capaz de aperfeiçoar o
independente, a END prioriza os desenvol- dispêndio de recursos, assegurar a obser-
vimentos que gerem tecnologia nacional; vância das diretrizes de alto nível da END e
subordina as considerações comerciais aos garantir a primazia do desenvolvimento da
imperativos estratégicos; incentiva a pes- capacitação tecnológica nacional nas de-
quisa de vanguarda (o que pode ser enten- cisões de compras. A extensa lista de ações
dido como um estímulo à produção repre- a empreender não deixa de enfatizar, como
sentativa do “estado da arte”); recomenda tantas vezes já se ambicionou no passado,
o estabelecimento de regimes legal, tribu- a necessidade de fomentar o desenvolvi-
tário e regulatório especiais para as empre- mento de um complexo militar-empresarial-
sas do setor, de modo a eximi-las do regime universitário “capaz de atuar na fronteira

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

de tecnologias que terão quase sempre uti- rior a uma “transferência substancial de
lidade dual, militar e civil”. tecnologia”; e adota várias outras medi-
Na parte voltada para as Medidas de das voltadas para a redução dos fatores de
Implementação da sistemática formulada, fraqueza identificados. Muitas delas, aliás,
é inicialmente descrito um contexto no qual são reforçadas e novamente enfatizadas no
se identificam como vulnerabilidades da capítulo voltado para a política de ciência,
atual estrutura de defesa do País (dentre tecnologia e inovação de interesse para a
muitas outras) a insuficiência e defesa nacional.
descontinuidade na alocação de recursos No capítulo das Medidas de Implemen-
orçamentários para a defesa; a tação especificamente dedicado à Indús-
obsolescência do material das Forças Ar- tria de Material de Defesa, é de início res-
madas e sua dependência logística exter- saltado que a relação entre Ciência,
na; a ausência de uma direção unificada Tecnologia e Inovação na área de defesa é
para a aquisição de produtos de defesa; os fortalecida pela Política de Desenvolvimen-
limitados recursos destinados à pesquisa to Produtivo – PDP (lançada em maio de
tecnológica e ao desenvolvimento de ma- 2008, contemplando 32 áreas), coordenada
terial bélico; a ausência de planejamento pelo Ministério do Desenvolvimento, In-
capaz de integrar centros de pesquisa de dústria e Comércio Exterior, e que o progra-
universidades, indústria e Forças Armadas ma estruturante do Complexo Industrial de
para o desenvolvimento de produtos de Defesa está sob a gestão do Ministério da
elevado conteúdo tecnológico; a Defesa e sob a coordenação do Ministério
inexistência de regras claras que priorizem da Ciência e Tecnologia. É no contexto des-
a indústria nacional, no caso de produtos sa intrincada estrutura que o referido pro-
fabricados no País; a excessiva carga tri- grama deverá se desenvolver, com o decla-
butária incidente sobre esses produtos, rado objetivo de “recuperar e incentivar o
favorecendo a importação; as dificuldades crescimento da base industrial instalada,
de financiar a indústria nacional do setor; ampliando o fornecimento para as Forças
os bloqueios tecnológicos impostos por Armadas brasileiras e exportações”. Qua-
países desenvolvidos; e a ineficiência dos tro desafios são a seguir identificados para
sistemas nacionais de logística e a consecução do objetivo: aumentar os
mobilização. Para superar essas investimentos em pesquisa, desenvolvi-
vulnerabilidades, a END sugere maior mento e inovação; promover isonomia tri-
engajamento da sociedade brasileira nos butária em relação a produtos e materiais
assuntos de defesa; defende a regularida- importados; expandir a participação nos
de e continuidade da alocação de recursos mercados interno e externo; e fortalecer a
orçamentários para a defesa, o adequado cadeia de fornecedores no Brasil. Da PDP,
aparelhamento das Forças Armadas para o é extraído e listado um conjunto de ações
cumprimento da missão e a otimização dos sugeridas como auxiliares na superação
esforços de pesquisa e desenvolvimento dos desafios, consistindo na ampliação das
afetos ao setor, novamente enfatizando a compras nacionais, expansão e adequação
integração das instituições nacionais ca- do financiamento, promoção das vendas e
pazes de contribuir nesse sentido; reitera a capacitação de empresas brasileiras e for-
necessidade de um regime jurídico especi- talecimento das bases de pesquisa, desen-
al para a indústria de defesa; enfatiza o volvimento e inovação tecnológica. Final-
condicionamento das aquisições no exte- mente, é destacado que a superação dos

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

desafios requer a atualização da Política de transporte de tropa, de reconhecimento


Nacional da Indústria de Material de Defe- e de ataque; munições; e sensores óticos e
sa, mas não são explicitados os aspectos a eletro-óticos).
considerar nessa atualização. Sob o grupo Logística, destacamos a
São, em sequência, enunciadas as Ações ação mediante a qual o MD proporá a mo-
Estratégicas que orientarão a implemen- dificação de sua estrutura para criar o ór-
tação da END. Essas estratégias são agru- gão subordinado encarregado de definir e
padas sob as áreas de Ciência e Tecnolo- executar a política de obtenção de produ-
gia, Recursos Humanos, Ensino, Mobili- tos de defesa, já antes mencionado.
zação, Logística, Indústria de Material de No grupo Indústria de Material de De-
Defesa, Comando e Controle, Adestramen- fesa, a ação estratégica eleita é sintetizada
to, Inteligência de Defesa, Doutrina, Mis- em “compatibilizar os esforços governa-
sões de Paz, Infraestrutura, Garantia da Lei mentais de aceleração do crescimento com
e da Ordem, Estabilidade Regional, Inser- as necessidades da Defesa Nacional”. Para
ção Internacional e Segurança Nacional. esse fim, o “PAC da Defesa” (denomina-
Destacaremos apenas, nos grupos acima, ção dada pelo autor) exigirá do MD, em
as ações que possam dizer respeito, ou articulação com vários outros ministérios,
interagir, com a indústria de defesa. as ações de: (1) propor modificações na
Sob o grupo Ciência e Tecnologia en- legislação referente ao regime jurídico e
contram-se ações do MD, bastante ambi- econômico especial que deverá regular as
ciosas, voltadas para incentivar parcerias aquisições de produtos de defesa, sendo
estratégicas com países que possam con- explicitamente mencionada a alteração da
tribuir para o desenvolvimento de Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) – que
tecnologias de ponta de interesse para a sabidamente representa sério entrave aos
defesa, e para, em coordenação com diver- processos de obtenção de materiais e ser-
sos ministérios e com as Forças Armadas, viços em todo o setor público, e não só no
“estabelecer ato legal que garanta a de defesa; (2) propor modificações na le-
alocação, de forma continuada, de recur- gislação tributária, visando desonerar a
sos financeiros específicos que viabilizem produção de itens de interesse prioritário
o desenvolvimento integrado e a conclu- para a defesa e para a exportação; (3) pro-
são de projetos relacionados à defesa na- por modificações na legislação referente a
cional, cada um deles com um polo linhas de crédito especial, via Banco Naci-
integrador definido, com ênfase para o de- onal de Desenvolvimento Econômico e
senvolvimento e fabricação, dentre outros, Social (BNDES), para produtos de defesa;
de ...” (segue-se extensa lista de meios bé- e (4) propor modificações na legislação re-
licos, incluindo aeronaves de caça e trans- ferente aos procedimentos de garantia de
porte; submarinos de propulsão conven- contratos de exportação de produtos de
cional e nuclear; armamentos inteligentes defesa de grande vulto.
como mísseis, bombas e torpedos; veícu- No capítulo de Disposições Finais, a END
los aéreos não tripulados; sistemas de co- estabelece que os documentos complemen-
mando e controle e segurança das infor- tares e decorrentes, listados sob a forma de
mações; radares; equipamentos de guerra tarefas a realizar, deverão ser prontificados
eletrônica; equipamentos individuais e sis- ao longo de 2009 (com a única exceção dos
temas de comunicação do “combatente do Planos Estratégicos que servirão de base para
futuro”; veículos blindados; helicópteros os Planos de Campanha dos Comandos con-

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

juntos, a serem elaborados até o final de 2010),


tratégico a tais ideias – bastante adequa-
com prazos até março para um conjunto de das aos fins pretendidos – não deixa, no
oito tarefas, até junho para nove tarefas e até
entanto, de ser meritório; resta saber se
setembro para uma tarefa. Dado que não são será profícuo.
tarefas triviais, todas requerendo volumosos Para apostar na probabilidade de pros-
estudos e intensas coordenações interminis- perarem várias das proposições, há que
teriais, parece residir nesse cronograma par-contar com boa dose de otimismo. A apre-
cial de implementação o primeiro grande tes- ciação histórica de iniciativas passadas,
te de consistência e viabilidade do ambicio- porém, não contribui nessa direção, mor-
so plano governamental. mente em razão da escassez de recursos; e
tampouco contribuem
ALGUNS para tanto as perspec-
COMENTÁRIOS Quanto ao capital privado, tivas de dominação de
sua aplicação no setor de tecnologias, na forma
A leitura completa proposta.
do documento revela defesa é sensivelmente Outro ponto crucial
algumas concepções função da confiança dos reside na baixa proba-
estratégicas inovado- bilidade de serem
ras no que concerne,
empresários em poder priorizados vultosos
por exemplo, à dispo- contar com um porte investimentos gover-
sição das forças, à es- expressivo e contínuo de namentais para fazer
trutura de comando e ressurgir um parque
à priorização de cená- encomendas industrial de material
rios. Embora algumas governamentais, mas a bélico de porte com-
delas possam ser atra- patível com as ambici-
entes para discussão,
endêmica escassez de osas dimensões da
sua análise fugiria ao recursos orçamentários END, quando sabi-
objeto deste artigo e à para as Forças Armadas – damente a prioridade
competência do autor. governamental é – e
Sob o prisma de in- recentemente melhorada, não há indícios de que
teresse da indústria de mas ainda escassa – não isto venha a mudar –
defesa, a END não é voltada para os pro-
exatamente inovadora.
parece estimular a gramas sociais. Quan-
Na verdade, ela cole- iniciativa privada to ao capital privado,
ciona – e traz de volta sua aplicação no setor
à superfície – um conjunto de ideias que, de defesa é sensivelmente função da con-
ao longo das décadas recentes, têm sido fiança dos empresários em poder contar
levantadas com razoável frequência, seja com um porte expressivo e contínuo de
no âmbito isolado de uma das Forças, ou encomendas governamentais, mas a
em tentativas integradas (como no extinto endêmica escassez de recursos orçamen-
Estado-Maior das Forças Armadas – Emfa), tários para as Forças Armadas – recente-
ou ainda em associações de indústrias mente melhorada, mas ainda escassa – não
(como a Associação Brasileira das Indús- parece estimular a iniciativa privada. A
trias de Material de Defesa – Abimde). Esse descontinuidade e a rarefação de encomen-
esforço de amalgamar e conferir peso es- das são venenos mortais para qualquer in-

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

dústria; e o fato de ter sido eleita a reorga- pesquisa, exequível sem longos e vultosos
nização da indústria nacional de defesa investimentos?
como um dos eixos estruturantes da nova A conquista de mercado externo, bas-
END agrega históricas preocupações quan- tante incentivada pela END, é sem dúvida
to ao seu sucesso. Aí reside, talvez, a mais um importante lenitivo para amenizar as li-
desejável participação do Estado: assegu- mitações internas, mas é improvável que
rar encomendas com vulto expressivo e prosperem vendas ao exterior sem que os
continuidade. Se o Estado não puder alocar clientes em potencial constatem que se trata
substanciais recursos às encomendas de de produtos solidamente adotados pelas
meios de defesa, esse eixo perde robustez, Forças Armadas do país que pretende
e, com sua debilitação, debilita-se a pró- vendê-los. Em outras palavras, primeiro há
pria END. que consolidar uma expressiva demanda
A diretriz voltada para a “capacitação da interna, para só então ambicionar exporta-
indústria de defesa para que conquiste auto- ções. Este mecanismo dificilmente funcio-
nomia em tecnologias indispensáveis à defe- na ao contrário.
sa” é sempre desejável, mas mostra-se um Esse incentivo à busca de mercado ex-
tanto vaga e pretende buscar sustentação terno é também expresso na END pela “bus-
num regime jurídico e tributário especial ca- ca de parcerias com outros países, com o
paz de assegurar a continuidade das com- propósito de desenvolver a capacitação
pras públicas, exigindo, porém, em tecnológica e a fabricação de produtos de
contrapartida, que o Estado possa exercer defesa nacionais, de modo a eliminar, pro-
seu poder estratégico sobre as empresas as- gressivamente, a compra de serviços e pro-
sim protegidas. Tentativas passadas de con- dutos importados”. A consolidação da
ceder a empresas estatais um regime jurídico União de Nações Sul-Americanas (Unasul)
especial que lhes permita desatar os nós im- é mencionada como capaz de “atenuar a
postos pela Lei de Licitações têm esbarrado tensão entre o requisito da independência
em contestações e questionamentos diver- em produção de defesa e a necessidade de
sos, inclusive no Tribunal de Contas da compensar custo com escala, possibilitan-
União. Por sua vez, a interferência do Estado do o desenvolvimento da produção de de-
na estratégia e na administração de empre- fesa em conjunto com outros países da re-
sas privadas – que a END traduz como “su- gião”. Cabem dois comentários sobre essa
bordinar as considerações comerciais aos im- ambição: o primeiro é que os países deten-
perativos estratégicos” – não tem contado tores de tecnologia não costumam se incli-
com a simpatia dos empresários, sempre aten- nar na direção da cessão de tecnologias
tos aos riscos da submissão do capital aos que lhes tire mercado (especialmente se
interesses governamentais. Outrossim, a forem tecnologias de ponta, “estado da
mesma diretriz declara que ao setor estatal de arte”); o segundo é que, mesmo que se
material de defesa será atribuída a missão de admita a consolidação da Unasul (impro-
operar “no teto tecnológico”, o que pode ser vável, na opinião do autor), seus membros
traduzido como conviver com o “estado da são muito mais carentes de tecnologia do
arte” da indústria bélica, ou seja, com um dos que nós, e as parcerias – “experimentos
níveis de desenvolvimento tecnológico mais binacionais”, como qualifica a END – que
avançados do mundo. Seria essa missão, venham a se desenvolver nesse cenário
mesmo que amparada por estreita coopera- tendem a ser de auxílio aos menos desen-
ção com centros nacionais avançados de volvidos, mas não de obtenção de novas

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

capacitações. A propósito de experimen- va). São também metas voltadas para a MB


tos binacionais, lembremos que não foi o as referentes à instalação de novas bases
acordo nuclear Brasil-Alemanha que nos navais, uma na foz do Amazonas e outras
trouxe a capacitação para enriquecer urâ- para acomodar os submarinos convencio-
nio e desenvolver uma planta de propul- nais e de propulsão nuclear. Embora pos-
são nuclear, mas sim o denodado e sofrido sam soar como música aos ouvidos mari-
esforço da Marinha do Brasil (MB). nheiros, essas metas parecem mais
A propósito do nível de ambição da END, consentâneas com países mais ricos e em
observemos a síntese dos objetivos esta- estágio de desenvolvimento bem mais avan-
belecidos para a Marinha do Brasil. Para çado. Em termos de Brasil, país de recursos
conquistar a capacitação desejada para ne- ainda limitados, elas competirão com as ver-
gar o uso do mar ao inimigo, controlar áreas bas necessárias a manter vivos os progra-
marítimas e projetar poder, a END delineia mas sociais do governo. Para que se logre
força naval dotada de: (1) força submarina algum sucesso em tal competição, há que
de envergadura, com- desenvolver, na socie-
posta por submarinos dade e no Congresso,
convencionais e nu-
cleares, sob projeto e
Lembremos que não foi o uma mentalidade ade-
quada, o que, presen-
construção nacionais; acordo nuclear Brasil- temente, parece dis-
(2) meios de Fuzileiros Alemanha que nos trouxe a tante (a menos que se
Navais de pronto em- configure uma ameaça
prego, caracterizados capacitação para externa bem visível).
como “força de caráter enriquecer urânio e O enunciado das
expedicionário por ex- Ações Estratégicas
celência” capaz de
desenvolver uma planta de voltadas para o setor
operar no cenário na- propulsão nuclear, mas sim de Ciência e Tecnolo-
cional e internacional; o denodado e sofrido gia permite inferências
(3) força de superfície similares. Além das
composta por navios esforço da Marinha do “parcerias estratégi-
de grande porte, volta- Brasil cas com países que
dos para longa perma- possam contribuir
nência no mar, e de pe- para o desenvolvimen-
queno porte, para patrulhamento do litoral e to de tecnologias de ponta de interesse para
rios, sendo mencionados o requisito de a defesa” (não visíveis na América Latina e
capacitação para operar em conjunto com a pouco oferecidas no mundo desenvolvi-
Força Aérea para – em conjunto com a avia- do), constata-se que a obtenção da exten-
ção naval, para a qual a END vislumbra o sa lista, já comentada no item anterior, de
desenvolvimento nacional de aeronave ver- meios bélicos modernos requer a coorde-
sátil de defesa e ataque – garantir a superi- nação da Forças Armadas e dos ministéri-
oridade aérea local em zonas deflagradas e os da Defesa, Fazenda, Desenvolvimento,
o requisito de ser dedicada especial aten- Indústria e Comércio Exterior, Planejamen-
ção ao projeto de navios de propósitos múl- to, Orçamento e Gestão, Ciência e
tiplos, capazes de servir também como na- Tecnologia e Secretaria de Assuntos Es-
vios-aeródromos (a serem preferidos aos tratégicos da Presidência da República para
NAe convencionais, de dedicação exclusi- “estabelecer ato legal que garanta a

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

alocação, de forma continuada, de recur- tada a possibilidade de se lançar mão do


sos financeiros específicos que viabilizem mecanismo – explicitamente considerado
o desenvolvimento integrado e a conclu- na END – proporcionado pelas golden
são de projetos relacionados à defesa na- shares para viabilizar a participação do go-
cional, cada um deles com um polo verno, o que estimula oferecer uma abor-
integrador definido, com ênfase para o de- dagem conceitual sobre essa forma de par-
senvolvimento e a fabricação” daqueles ticipação estatal nos negócios privados e
meios. Não fica muito claro o que seria esse debater sua aplicabilidade ao caso brasi-
“ato legal”, a nascer de tão colossal e leiro, apontando alguns possíveis óbices
hercúlea tarefa multiministerial. Provavel- ao sucesso de iniciativas da espécie e su-
mente não se cogita de criar tributos para gerindo como contorná-los.
alimentar o setor de defesa, pois isto não Golden share é uma expressão criada
contaria com a simpatia da sociedade... para designar um dado número de ações
É bastante óbvio que nenhuma dessas nominativas detidas pelo Estado numa
ambições visa ao curto prazo, e provavel- empresa pública de capital 100% governa-
mente nem ao médio prazo. Resta torcer mental, quando submetida a um processo
para que o governo – de privatização (parci-
o atual e seus suces- al ou total) que a trans-
sores – as tornem, no forma em Sociedade
jargão castrense, exe-
É inegável que a END Anônima S/A. A pos-
quíveis e aceitáveis, expressa muitos dos se desses títulos con-
ainda que a muito lon- desejos de nossas Forças fere ao governo direi-
go prazo. tos especiais ou espe-
Não obstante o Armadas no que tange à cíficos, possibilitando
pessimismo de alguns indústria de defesa a ingerência governa-
desses comentários, é mental em decisões de
inegável que a END natureza estratégica
expressa muitos dos desejos de nossas For- da empresa privatizada, tais como as volta-
ças Armadas no que tange à indústria de das para fusões, aquisições, alterações de
defesa. Deixando para o leitor o julgamen- razão social, recomposição do quadro de
to das reais probabilidades desse plano acionistas, vendas de patrimônio ou de
estratégico lograr êxitos num horizonte subsidiárias, dentre outras. Note-se que,
temporal razoável, passemos a comentar a se a privatização for parcial (caso em que o
questão da participação estatal nos empre- governo vende apenas uma parte de suas
endimentos empresariais de defesa. ações), a empresa pública (antes 100% es-
tatal) dá lugar a uma empresa de economia
O MECANISMO DAS GOLDEN mista, na qual o governo mantém algum
SHARES percentual de participação societária; se a
privatização for total, surge uma empresa
Tem sido objeto de discussão, em tem- privada.
pos recentes, a questão da possível parti- Historicamente, esse mecanismo de in-
cipação governamental em indústrias de gerência do poder público em empresas co-
elevado interesse estratégico para o País meçou a ser pensado nos idos de 1970, na
e, dentre elas, na Indústria de Material de Europa, quando foi notável um forte movi-
Defesa. Nessas discussões tem sido aven- mento de retirada do Estado da atividade

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

econômica. O Estado produtor cedia lugar empresa nas assembleias de acionistas.


ao Estado regulador, mas alguns de seus Esse mecanismo, justificável e explicável
interesses deviam ser preservados nas em- nos processos de privatização diante do
presas estatais estratégicas privatizadas. fato de que os investimentos feitos até o
Nos anos 80, o governo conservador britâ- momento da privatização são de origem
nico reteve ações de estatais privatizadas e governamental (pública, portanto), é refle-
manteve o poder de nomear membros da tido em cláusulas específicas do Contrato
administração e dos conselhos, bem como Social da empresa privatizada, com a
assegurou o poder de vetar decisões estra- anuência expressa dos novos acionistas;
tégicas do tipo mencionado no parágrafo e os direitos conferidos ao agente estatal
precedente. Outros países europeus segui- por essas cláusulas não requerem que o
ram o exemplo, e assim também fez a Rússia capital governamental seja necessariamen-
na transição do regime soviético para o ca- te majoritário.
pitalista, no início dos Na maioria dos ca-
anos 90. No Brasil, são sos, esses direitos são
exemplos expressivos temporários, extin-
de uso de instrumen- Historicamente, esse guindo-se depois de
tos defensivos dos in- mecanismo de ingerência decorrido um período
teresses do Estado os do poder público em de adaptação da em-
estatutos da priva- presa ao mundo priva-
tização de importantes empresas começou a ser do e às leis de merca-
empresas estatais, pensado nos idos de 1970, do. Podem, todavia,
como a Embraer e a ser lavrados de forma
Vale do Rio Doce. Ou- na Europa, quando foi permanente, quando a
tras experiências, como notável um forte atividade da empresa
a dos EUA – país mais movimento de retirada do for considerada de na-
voltado para o libera- tureza estratégica mui-
lismo econômico –, to- Estado da atividade to relevante em face
maram a forma de leis econômica dos interesses nacio-
ou atos de governo nais; ou podem se tor-
restritivos ao exercício nar naturalmente per-
de certas atividades de alto interesse estra- manentes, se for criada uma empresa de
tégico, mormente as ligadas à segurança na- economia mista na qual o governo possua
cional, reservando-as a empresas cujo con- maioria do capital (o que, teoricamente, dis-
trole acionário esteja totalmente em mãos pensa a existência de golden shares).
de cidadãos norte-americanos (exemplo: fa- A experiência mostrou-se válida em mui-
bricação de papel-moeda, que nos EUA não tos casos, mas em muitos outros, como
pode ser importado nem produzido por fir- ocorreu na União Europeia nos anos 2000,
mas compostas por estrangeiros, pois a fa- passou a ser considerada como colidente
bricação do dólar é considerada como es- com o princípio de livre mercado e livre
trategicamente relevante para a segurança circulação de capitais, pilares da livre inici-
nacional). ativa. Cortes europeias deliberaram pela ile-
A posse de golden shares implica direi- galidade de vários casos, como, por exem-
to de outvote – entenda-se como direito de plo, o das ações do governo inglês na BAA
veto – sobre todas as demais ações da e nos aeroportos britânicos; e as do go-

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

verno espanhol na Telefónica, na Repsol É reconhecidamente saudável e moder-


YPF, na Endesa e outras, gerando ques- na a progressiva retirada do Estado da ati-
tões muito polêmicas em face de dispositi- vidade econômica produtiva, reservando-
vos constitucionais. Em época recente, o se apenas ao papel regulador. Seria equi-
Tribunal de Justiça da UE veio a firmar ju- vocado supor, porém, que isso implique
risprudência de que, em situações de rele- total alheamento do processo produtivo,
vante interesse nacional, o mecanismo das sendo razoável que o governo procure me-
golden shares é admissível, desde que – e canismos que lhe permitam alguma forma
isto é muito importante – esse mecanismo aceitável de intervenção na atividade eco-
seja refletido nos estatutos de forma tal nômica (ao estilo keynesiano, como se vê
que garanta aos acionistas investidores a na atual crise econômico-financeira de di-
certeza de que o Estado exercerá seus di- mensão planetária); mas o ponto de equilí-
reitos de forma objetiva, estritamente vin- brio (que o empresariado prefere ver como
culada aos altos interesses nacionais e isen- um mínimo de ingerência) ainda é matéria
ta de objetivos políticos internos, sejam de muita discussão. Além de ser delicado,
eles político-partidários ou ideológicos. esse ponto de equilíbrio é intrinsecamente
Não ficou afastada, porém, a possibili- polêmico, pois em muitos casos a partici-
dade de, em caso de uso inadequado (ou pação do governo no capital será repre-
abusivo) desses poderes discricionários, sentada por um percentual de ações redu-
vir o Estado a responder por danos por ele zido em proporção ao capital total da em-
causados (ou a ele imputáveis) à atividade presa – ou seja, capital minoritário –, que,
empresarial privada.No caso brasileiro, há todavia, estará investido de poderes espe-
que dar especial atenção ao que reza a lei ciais (que, em geral, só a parcela majoritária
societária 6.404/76, em seu artigo 159: a dos acionistas regulares costuma poder
assembleia geral poderá decidir pela pro- exercer).
posição de ação judicial contra o adminis- No caso brasileiro, pelo menos em tese,
trador, em razão de prejuízos causados à não se evidencia a inconstitucionalidade do
empresa; e aí pode se encontrar o Estado, mecanismo em questão. A Constituição de
ao exercer, nos conselhos de administra- 1988 não contempla, no tratamento da or-
ção ou nas diretorias, seu poder de veto dem econômica e nos processos de
contra alguma deliberação da assembleia desestatização, óbices à criação de poderes
de acionistas. Esse dispositivo legal torna públicos especiais nas entidades
a adoção das golden shares em nosso país privatizadas, nem os considera antagônicos
uma matéria extremamente delicada. Pode à transformação do Estado produtor em Es-
configurar casos em que o poder público, tado regulador. De fato, ao exercer seu po-
se tiver seu veto ignorado pela maioria dos der de veto (se o tiver), pode-se entender
acionistas, venha a se envolver em com- que o Estado estará atuando como regula-
plexas lides judiciais para anular decisões dor. Não obstante, a Constituição Federal
de assembleia contrárias aos seus interes- não respalda de forma meramente genérica
ses, de vez que a mensuração precisa e a criação de ações preferenciais nominativas
objetiva dos alcances desses interesses governamentais nas privatizações: segun-
nem sempre é matéria pacífica; e pode tam- do os dispositivos constitucionais, há que
bém dar margem a casos em que o Estado estar bem justificada a razão da permanên-
seja alvo de ação judicial impetrada por in- cia do poder público como agente capaz de
vestidores prejudicados. interferir decisivamente na condução dos

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

rumos da empresa privatizada; e a legitimi- oitiva prévia do poder público dotado des-
dade jurídica dos atos dos agentes do go- ses poderes especiais. Desde que observa-
verno não fica isenta de questionamento. do o prazo prescricional previsto na lei
Sobre este último ponto, é oportuno vol- societária, é legítima essa linha de ação go-
tar a considerar a Lei das S/A, em seu arti- vernamental, à medida que seja inequivoca-
go 159. Reside aí um dos aspectos mais mente demonstrado que o interesse público
complexos da questão. Se, na sua atuação foi prejudicado pelas decisões dos acionis-
reguladora, o agente do Estado exerce o tas majoritários.
poder de veto sobre decisões de alto peso Como se depreende, não é isenta de in-
nos rumos da empresa, fica caracterizada a tempéries essa preservação de alguma pre-
responsabilidade estatal sobre essa inge- sença governamental gerencial na ativida-
rência. Nessas circunstâncias, não é des- de econômica das empresas privatizadas.
prezível a hipótese de vir a ser questiona- Quando não se tratar de privatizações,
da a legalidade da ação desse agente, sob o assunto apresenta complexidades ainda
a alegação de uso indevido – abusivo, ar- maiores. Nas privatizações, o ente desesta-
bitrário, viciado ou tizante, além de ser
contaminado por des- governo, desfruta, até
vios ideológicos, por É reconhecidamente certo ponto, de condi-
exemplo – do poder de saudável e moderna a ção privilegiada, po-
veto; e essa hipótese dendo colocar seu
é tanto mais verdadei- progressiva retirada do peso na redação dos
ra quanto mais adver- Estado da atividade artigos estatutários
samente afetados fo- que irão refletir seus
rem os lucros dos aci-
econômica produtiva, poderes especiais
onistas (na forma de reservando-se apenas ao (mesmo que venha a
redução, ou prejuízos, papel regulador ser uma participação
decorrentes da deci- acionária minoritária).
são do agente do Es- Quando a empresa
tado). Se a Justiça entender que houve ile- alvo já nasceu na condição de empresa pri-
galidade, o Estado é responsabilizado – e vada, mas por alguma razão desperta o in-
pode ser onerado – pelo ato ilícito e por teresse do governo em ter alguma partici-
suas consequências, e o ônus pode recair pação – na forma de golden shares, por
sobre o contribuinte, em geral alheio a es- exemplo – na condução dos seus rumos, a
sas circunstâncias mercadológicas. situação é outra.
Do mesmo modo, também não é De fato, a evolução da atividade econô-
despicienda a possibilidade de o Estado (ain- mica pode estimular a participação (ou a
da que minoritário, mas possuidor de ações geração) de empresas genuinamente pri-
preferenciais que lhe confiram direitos es- vadas voltadas para ramos de negócios que
peciais, como as golden shares) vir a recor- sejam de elevado interesse estratégico para
rer à Justiça para anular deliberações de o País. Como exemplos (não exaustivos),
assembleias de acionistas sobre assuntos tem-se a participação privada nas ativida-
que tenham sido motivo de manifestação des de geração e distribuição de energia,
estatal contrária. Isso pode ocorrer no caso na prospecção de recursos minerais, no
de vetos previamente manifestados e não transporte de cargas e passageiros, nas
acatados, ou no caso de não ter havido a comunicações e na defesa nacional, foco

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A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

deste artigo. Identificada a conveniência tros fatores incompatíveis com as boas prá-
da presença governamental para, ainda que ticas do mercado, a convergência de inte-
a título regulatório, ter ingerência na con- resses não ocorrerá; ou só ocorrerá se es-
dução desses negócios, o governo terá que tiverem muito bem defendidos – contra
negociar com os acionistas (nacionais e/ aquelas incertezas – os interesses dos aci-
ou estrangeiros) das empresas de interes- onistas investidores.
se. Dependendo, então, da proporção rela- Para entender o receio ou a desconfian-
tiva de sua participação no capital, pode ça dos investidores ao cogitar de parcerias
tornar-se difícil (ou pouco expressiva) a com o governo, basta olhar para a América
concretização estatutária de seus poderes do Sul, presentemente plena de exemplos
especiais. Os empresários, os acionistas da prevalência de motivações ideológicas e
majoritários, tentarão sempre minorar o populistas no traçado das estratégias go-
poder estatal de ingerência nos seus ne- vernamentais, não raro resultando na que-
gócios e procurarão cláusulas defensivas bra de contratos (o caso boliviano é exem-
dos interesses dos plar). Basta olhar, ain-
portadores majoritári- da, para a degeneração
os dos quinhões de De fato, a evolução da da saudável iniciativa
capital, dificultando a de criação das Agên-
concretização dos de- atividade econômica pode cias Reguladoras em
sejos de ingerência do estimular a participação nosso país, que vêm
Estado. A postura de-
fensiva do empresa-
(ou a geração) de empresas sendo progressiva-
mente desviadas de
riado é particularmen- genuinamente privadas seu propósito regula-
te influenciada pela voltadas para ramos de dor – conceitualmente
avaliação da serieda- autônomo e indepen-
de e da credibilidade negócios que sejam de dente – para se trans-
do Estado na condu- elevado interesse formarem em instru-
ção de seus próprios mentos da política go-
negócios. Nas socie-
estratégico para o País vernamental (ou, o que
dades mais desenvol- é pior, instrumentos de
vidas (e aqui se pode dar novamente como atuação de partidos políticos e de políticos
exemplo a União Europeia), a articulação influentes, capazes de apadrinhar a nomea-
governo/iniciativa privada é bastante faci- ção de seus dirigentes). Essas agências, ori-
litada pelas abundantes evidências de ginalmente criadas para serem conduzidas
priorização dos interesses mais legítimos – como ocorre no mundo desenvolvido –
do Estado, pela fiel aderência a esses inte- por dirigentes especialistas nos respectivos
resses e pelo respeito aos contratos que setores, passaram a ser progressivamente
os envolvam. O mesmo não se pode dizer ocupadas por representantes de interesses
no caso de sociedades ainda longe de se- político-partidários, perdendo seu caráter
rem consideradas desenvolvidas sob os genuinamente regulador. Basta olhar tam-
pontos de vista econômico, político e soci- bém (ainda que não seja matéria especifica-
al. Se as posturas governamentais revela- mente concernente ao uso de golden shares)
rem motivos para incertezas, dúvidas quan- para o que está ocorrendo no Brasil diante
to à aderência aos termos das avenças, da descoberta de promissores megacampos
polarização ideológica das decisões e ou- de petróleo na camada do pré-sal, no Su-

RMB2 o T/2009 139


A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

deste. O governo logo cogitou de criar uma politização de suas Diretorias e de seus Con-
nova estatal, acabar com as licitações de selhos de Administração? Estariam os em-
concessões de campos e rever os critérios presários e acionistas seguros de não virem
de pagamentos de royalties aos estados e a ser afetados por possíveis danos gerados
municípios vizinhos, dentre outras ideias por uma mentalidade ideológica e estatizante?
estatizantes do poder central. A Petrobras e Particularizando para o Brasil e para a
seus sócios ficaram perplexos com as posi- defesa nacional, objeto de nosso maior in-
ções manifestadas pelo Ministério de Mi- teresse, é ponto pacífico o reconhecimen-
nas e Energia e mostraram-se assustados to de que a indústria de defesa e a avança-
com a possibilidade de quebra de contra- da tecnologia inerente a esse ramo indus-
tos. Esse petróleo, se confirmado, está a 300 trial são aspectos estratégicos de elevada
quilômetros da costa, a 7 mil metros de pro- importância para a segurança nacional, e
fundidade e requer muitos bilhões de reais particularmente para o adequado apresta-
de investimento para mento de nossas For-
ser explorado econo- ças Armadas.
micamente, mas, pelo Para entender o receio ou Se, nos idos dos
fato de ser a Petrobras a desconfiança dos anos 1970, foi possível
uma empresa pública estimular a participa-
de economia mista, investidores ao cogitar de ção de empresas priva-
que tem inclusive aci- parcerias com o governo, das de peso (ou de es-
onistas estrangeiros,
ficou preconceituo-
basta olhar para a América tatais criadas com esse
objetivo) na produção
samente ameaçada de do Sul, presentemente de itens de elevada
ser afastada, como se plena de exemplos da significação para a se-
sua presença fosse gurança do Estado
desnacionalizar nos- prevalência de motivações (blindados, aeronaves,
sas riquezas. É o mes- ideológicas e populistas no munição, armas e seus
mo nacionalismo extre- sistemas), por outro
mado praticado pelo
traçado das estratégias lado a falta de regulari-
bolivarianismo vene- governamentais, não raro dade e de volume nas
zuelano, boliviano e resultando na quebra de encomendas estatais
equatoriano, afastan- resultou no seu desa-
do os investidores ex- contratos parecimento, ou no
ternos e internos, cujas desvio de suas finali-
participações – mediante licitações trans- dades originais. Essas empresas foram sem-
parentes – seriam cruciais para viabilizar o pre vítimas da endêmica escassez de recur-
empreendimento. sos para a defesa, principalmente por não
Sob o prisma do empresariado e dos in- haver a percepção, pela sociedade e pelo
vestidores privados, a credibilidade gover- parlamento, de ameaças externas relevan-
namental fica abalada por episódios dessa tes, pelo menos no curto prazo. Nos dias
espécie, e os receios de negócios que envol- presentes, o mesmo modelo não se mostra
vam o Estado resultam aumentados, em face aplicável, sendo imperioso que se associe –
da percepção do risco assim criado. Estariam à luz de metas alcançáveis – o aprestamento
as empresas das quais o governo tenciona- das Forças Armadas ao complexo industrial
ria adquirir golden shares sujeitas ao risco de e tecnológico já disponível no País (a me-

140 RMB2 oT/2009


A ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA E A INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

nos que se queira eternizar a dependência ses do governo. Mas é imperioso que o
estratégica industrial e logística do exterior, governo, ao estudar tais mecanismos, seja
vulnerabilizando nossa soberania). E a me- capaz de demonstrar ao empresariado do
lhor forma de fazê-lo é usando o potencial ramo que suas intenções são essencialmen-
produtivo e tecnológico da iniciativa priva- te regulatórias e efetivamente norteadas pe-
da, concedendo-lhe liberdade para obter no los objetivos e interesses estratégicos na-
exterior os insumos materiais e tecnológicos cionais mais relevantes, isentos de polari-
de que possa necessitar, de vez que o de- zação política e ideológica. É igualmente
senvolvimento autônomo de tecnologias importante que não dê margem a incerte-
terá que estar sempre atrelado ao grau de zas que possam colocar em risco a confi-
desenvolvimento alcançado pelo País. Não ança no respeito aos contratos, tal como é
se trata de eternizar dependências logísticas imperativo no Estado de Direito.
estratégicas do exterior, mas sim de integrar No lado industrial, é muito importante
os desenvolvimentos nacionais ao mundo que o empresariado do setor enxergue, nas
globalizado, conferindo-lhes velocidade de diretrizes, iniciativas e projetos governamen-
avanço satisfatória e tais, metas realmente
nível tecnológico – alcançáveis e vislum-
não necessariamente A credibilidade bre reais possibilida-
de ponta – adequado des de continuidade –
às necessidades. governamental será o leia-se encomendas
Para concretizar principal atributo que contínuas – nos em-
objetivos industriais e empresários e acionistas preendimentos que
tecnológicos que ne- irão comprometer seu
cessariamente estão colocarão na balança ao capital. Como já men-
ligados à revitalização pesar decisões de parceria cionamos antes, a mais
de nosso Poder Mili- desejável participação
tar, há que encontrar com o governo do Estado no setor de
os caminhos pelos defesa reside na colo-
quais o governo possa dirigir suas enco- cação contínua de encomendas expressivas,
mendas de equipamentos, sistemas, mate- assegurando a sobrevivência dos empreen-
rial bélico e desenvolvimentos tecnológicos dimentos e prestigiando o material bélico
específicos a empresas nacionais de reco- produzido no País, inclusive para que se
nhecida qualificação no ramo (sejam elas torne atraente ao observador externo.
de capital exclusivamente nacional ou não). Em outras palavras, a credibilidade go-
Para tanto, além de revisar e adaptar a le- vernamental será o principal atributo que
gislação licitatória, há que estudar a empresários e acionistas colocarão na balan-
aplicabilidade de mecanismos como os ofe- ça ao pesar decisões de parceria com o go-
recidos pelas golden shares, ajustando-os verno, seja na forma de golden shares, ou em
à realidade nacional e à defesa dos interes- qualquer outra forma legítima e viável.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Estratégia; Política nacional; Industrialização; Ministério da Defesa; Poder
Nacional; Poder Militar;

RMB2 o T/2009 141


SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL*

GERMANO DE FREITAS
Capitão-de-Mar-e-Guerra (EN-RM1)

A gradeço o convite feito pela Prefeitura


de Sorocaba ao Instituto Histórico, Ge-
ográfico e Genealógico de Sorocaba para
Tentarei apresentar aos senhores algu-
mas reflexões de alguém que foi um estu-
dante de História sofrível, não de um his-
que um de seus membros fosse o orador toriador. Perdoem-me, portanto, os equí-
oficial desta cerimônia cívica em comemo- vocos que eu possa cometer.
ração aos 186 anos da nossa Independên- Percebi o erro que cometi como estu-
cia. Entretanto, tenho a certeza que exis- dante quando fui transferido para
tem muitos colaboradores do nosso Insti- Sorocaba, uma cidade onde – pude cons-
tuto com um conhecimento da nossa his- tatar – as pessoas dão muito valor à sua
tória muito maior que o meu, pois pela mi- história, às suas origens, e procuram
nha formação profissional, por ter sempre “cultuar suas coisas e sua gente”, como
gostado mais das Ciências Exatas que das dizia Monsenhor Castanho, pesquisador e
Humanas, sou obrigado a reconhecer: nun- historiador da região e fundador do nosso
ca fui um bom estudante de História e, Instituto Histórico. Passear pelo centro de
quando no colégio, considerava quase uma Sorocaba é um encontro com a nossa his-
tortura ter que decorar nomes, fatos e da- tória: o fundador Baltazar Fernandez tem
tas para conseguir passar de ano. sua estátua em frente ao Mosteiro de São

* N.R.: O texto, que continua atual, se refere a discurso do autor proferido em 7 de setembro de 2008, em
comemoração à Independência do Brasil, na Praça Coronel Fernandes Prestes, em Sorocaba, SP.
SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Bento, um dos marcos iniciais da povoa- De um povo heróico o brado


ção de Nossa Senhora da Ponte. Descen- retumbante”.
do a Rua XV, chega-se à Praça Dr. Arthur Desde pequenos aprendemos que, no dia
Fajardo, mais conhecida como a ‘Praça do 7 de setembro de 1822, o Príncipe Regente
Canhão’, pois lá estão colocados os ca- Dom Pedro, às margens do Riacho Ipiranga,
nhões fundidos em 1841, na Real Fábrica após a leitura de documentos enviados pe-
de Ferro de Ipanema, para comemorar o las Cortes Portuguesas, uma carta de José
primeiro aniversário da maioridade do Im- Bonifácio e outra da Princesa Dona
perador Dom Pedro II e que foram utiliza- Leopoldina, retirou do chapéu as cores cons-
dos pelo Brigadeiro Rafael Tobias de titucionais portuguesas e, atirando-as fora,
Aguiar durante a Revolução Liberal de bradou “Independência ou Morte”, procla-
1842. Nesta praça, junto aos canhões, está mando a Independência do Brasil.
a estátua em bronze de Rafael Tobias, Qual o significado de independência?
patrono da Polícia Militar do Estado de São Independência significa o “estado ou con-
Paulo, que teve sua origem na antiga Força dição de quem (ou do que) é independen-
Pública, criada pelo próprio Brigadeiro te, de quem (ou do que) tem liberdade ou
Tobias. Falar da Real Fábrica de Ferro da autonomia”, ou seja, ser independente
antiga Vila de São João de Ipanema, que implica se ter liberdade, “ser livre”.
fica junto ao sopé do Morro de Araçoiaba Da libertação das 13 colônias inglesas
(a Morada do Sol, para os índios que habi- da América do Norte (4 de julho de 1776) e
tavam a região) faz lembrar que lá nasceu da Revolução Francesa (iniciada em maio
Francisco Adolfo de Varnhagen, conside- de 1789), nos chegaram os ideais de liber-
rado o Pai da Historiografia Brasileira e que dade individual e de liberdade coletiva,
fazia questão de assinar seus livros antítese da dominação e da tirania, quer
complementando com “natural de sejam exercidas por um soberano, um se-
Sorocaba”. nhor de escravos, um grupo de pessoas
Embora tarde, mas “antes tarde do que ou um país sobre outro.
nunca”, como diz o ditado popular, apren- No Brasil, que nessa época passava pelo
di, já vivendo nesta cidade, que a história seu período de colônia, logo começaram a
não se resume apenas à narração dos acon- chegar essas ideias revolucionárias de
tecimentos passados, mas, e principalmen- emancipação política e de oposição à ex-
te, diz respeito à análise posterior, profun- ploração exercida por Portugal sob a forma
da e isenta desses acontecimentos, no sen- de impostos pesadíssimos que eram pagos
tido de se estabelecerem relações de causa pelos brasileiros à Coroa Portuguesa (o
e efeito entre o passado e o presente e de chamado “quinto dos infernos”, pois pas-
adequar este relacionamento aos fatos atu- mem: 20% de tudo que fosse produzido no
ais, tentando evitar as consequências e a Brasil era devido à Coroa Portuguesa!).
repetição dos erros passados, para não Vários movimentos, a começar pela In-
comprometer o futuro. confidência Mineira (1789), tentaram con-
Iniciamos esta cerimônia ouvindo o Hino seguir a nossa separação de Portugal, mas
Nacional. Os versos iniciais do nosso hino nenhum deles logrou êxito em atingir seus
pátrio nos contam uma parte da história da objetivos. A nossa independência foi
nossa Independência: conseguida muito mais de um trabalho de
“Ouviram do Ipiranga as margens convencimento do Príncipe Regente do
plácidas que por meio da luta dos revoltosos.

RMB2 o T/2009 143


SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Ante a perspectiva da invasão de Por- Uma comitiva chefiada pelo presidente


tugal pelo exército francês, transferiu-se a do Senado, José Clemente Pereira, foi rece-
Família Real para o Brasil, em novembro de bida no Paço da Cidade, na Sala do Trono,
1807, chegando ao Rio de Janeiro no início por D. Pedro no dia 9 de janeiro de 1822.
de 1808. O primeiro ato oficial de Dom João Após extenso e vibrante discurso de José
foi a Abertura dos Portos às Nações Ami- Clemente Pereira, foi entregue o chamado
gas, em 28 de janeiro de 1808. Manifesto dos Fluminenses ao Príncipe
Desfrutou o País de um período de pros- Regente, solicitando sua permanência no
peridade como nunca antes ocorrera e de Brasil. A resposta inicial de D. Pedro foi
uma tranquila e cordial convivência com a que “demoraria um pouco mais no Bra-
Família Real Portuguesa, então sediada no sil”. Mas essa resposta não agradou aos
Brasil. Mas continuávamos dominados por presentes. Percebendo-se disso, D. Pedro
Portugal, não éramos livres como nação: a substituiu pela conhecida frase: “Como
em tudo dependíamos da vontade dos nos- é para o bem de todos e felicidade geral
sos soberanos. da nação, estou pronto, diga ao povo que
Na Europa, ingleses, portugueses e es- fico”, razão pela qual aquele dia passou a
panhóis continuavam dando combate aos ser conhecido como Dia do Fico.
exércitos de Napoleão, que foram finalmen- Em 14 de agosto, D. Pedro partiu para
te derrotados em 1814. Santos. No dia 7 de setembro, já
O Brasil foi elevado à categoria de “Rei- retornando, recebe o emissário do minis-
no Unido ao de Portugal e Algarve” por tro, Paulo Bregaro, que lhe entrega os do-
meio de uma Carta de Lei assinada por D. cumentos das Cortes exigindo a sua volta,
João (16 de dezembro de 1815). Terminava uma carta de José Bonifácio e outra de
– ao menos teoricamente – a fase denomi- Dona Leopoldina. Indignado com a atitu-
nada Brasil-Colônia, com a sua elevação à de das Cortes Portuguesas, faz a Procla-
condição de Reino Unido. mação da Independência.
Depois de vencido Napoleão, iniciou- Encerrando esta breve retrospectiva dos
se em Portugal um movimento pela volta fatos que levaram D. Pedro a proclamar
de D. João e da Família Real para a antiga nossa independência, cortando os laços
sede da monarquia – Lisboa. Em 1818, após que mantinham nosso país na condição de
a morte de D. Maria I, D. João é aclamado dependência política, econômica e admi-
como Rei D. João VI. nistrativa das decisões das Cortes Portu-
D. João VI retorna para Portugal em 26 guesas, resta-nos a tarefa de analisar os
de abril de 1821, deixando no Brasil seu fatos e documentos que os historiadores
filho e herdeiro, D. Pedro, como Príncipe nos deixaram.
Regente. Embora algumas guarnições portugue-
Todavia, a volta de D. João VI não conse- sas ao longo do nosso litoral tenham ten-
gue acalmar a conturbada situação no Reino. tado se rebelar contra o posicionamento
As Cortes continuam soberanas, e o rei não do Príncipe Regente em não acatar as or-
mais governa. Em 29 de setembro de 1821 dens das Cortes Portuguesas, foi relativa-
são aprovados os Decretos números 124 e mente fácil conter aqueles focos de rebe-
125, que, respectivamente, rebaixava a posi- lião. Portugal não tinha, na época, condi-
ção do Brasil de Reino Unido à situação an- ções de manter suas tropas, supri-las com
terior de colônia e ordenava o imediato re- mantimentos e itens de armamento ou en-
gresso do Príncipe Regente a Portugal. viar reforços, devido à situação interna em

144 RMB2 oT/2009


SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

que se encontrava após a luta contra o exér- E hoje, 186 anos após a conquista da
cito francês e as disputas internas entre as nossa independência, ao que assistimos?
Cortes e o Rei D. João VI. Em nome dos nossos índios, ONGs de fa-
Na realidade, esta foi a principal razão chada criticam o Brasil. Organizações inter-
de nossa independência: a incapacidade nacionais de reconhecidos méritos em de-
de Portugal continuar a exercer o seu do- fesa da ecologia e dos direitos humanos se
mínio no território de além-mar, fato este aliam a organizações não tão sérias, daque-
apontado claramente por José Bonifácio a las que servem somente aos interesses
Dom Pedro na carta que lhe foi entregue às escusos do empresariado internacional, pre-
margens do Ipiranga. Escreveu José gando a demarcação de terras indígenas e
Bonifácio naquela carta: incentivando a formação de nações indíge-
“Senhor... nas independentes, inclusive em áreas onde
...O momento não comporta mais delon- o Brasil faz fronteira com outros países.
gas ou condescendências. A revolução ja Um belo dia, algum país ou organismo
está preparada para o dia de sua partida. internacional poderá decretar a internacio-
Se parte temos a revolução do Brazil nalização da Amazônia.
contra Portugal e Portugal actualmente Quando for “proclamada a independên-
não tem recursos para subjugar um le- cia” de uma dessas reservas indígenas, por
vante que é preparado occultamente, apenas uma “pequena parcela do povo bra-
para não dizer quaze visivelmente...”. sileiro”, serão retirados do nosso território
Também bastante elucidativo e convin- quase 10 milhões de hectares – terra esta
cente é um trecho do manifesto de Joaquim que nos foi arduamente legada pelos nos-
Gonçalves Ledo enviado a Dom Pedro em sos antepassados e que representa mais de
1o de agosto de 1822: 10% da área do nosso país. Quem reagirá?
“Não temais as Nações Estrangeiras: Nossas Forças Armadas estão sendo siste-
a Europa que reconheceu a Independên- maticamente sucateadas desde o governo
cia dos Estados Unidos da América, e fi- de Fernando Collor de Mello.
cou neutra na luta das colônias espanho- Será que continuaremos “deitados eter-
las, não pode deixar de reconhecer a do namente em berço esplêndido, ao som do
Brasil, que com tanta justiça, tantos mei- mar e à luz do céu profundo”, como se
os e recursos, procura também entrar na nada estivesse acontecendo, ou será que
grande família das Nações.” a “Pátria amada Brasil” poderá realmen-
Vivemos hoje em um país com um territó- te ver que “um filho teu não foge à luta”?
rio de mais de 8 milhões de quilômetros qua- Recordando um fato mais recente, ocor-
drados, pois nossos bandeirantes empurra- rido na década de 50, Zé Dantas, por oca-
ram a demarcação do Tratado de Tordesilhas sião do lançamento de um CD contendo
para oeste, e o nosso território foi, desse músicas de sua autoria em parceria com Luiz
modo, ampliado, porque a Espanha, tal como Gonzaga, escreveu o seguinte texto sobre
Portugal, não tinha condições de impedir a a composição “Vozes da Seca”:
ação dos nossos bandeirantes. “Em 1953, o Nordeste sofreu uma das
Enfim, da conjunção de todos esses fa- maiores secas entre as que periodicamen-
tores, fatos e motivos, a Independência do te assolam aquela região, deixando a ter-
Brasil foi proclamada por Dom Pedro de ra calcinada e a população faminta. Por
Alcântara – I do Brasil e IV de Portugal – essa época, foi lançado um apelo à gene-
na tarde do dia 7 de setembro de 1822. rosidade do povo do Sul em favor dos

RMB2 o T/2009 145


SOBRE A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

flagelados nordestinos, por meio de uma Ou se Joaquim Gonçalves Ledo pudes-


campanha intitulada “Ajuda teu irmão”. se redigir outro manifesto, com certeza ele
Os poderes públicos, além de não toma- teria o seguinte teor:
rem qualquer providência substancial, “Temei as potências estrangeiras! A
pareciam desfrutar a comodidade que lhes ONU não deixará de reconhecer a inde-
proporcionava a iniciativa popular...” pendência dos ‘povos indígenas do Bra-
Os versos iniciais desta toada-baião nos sil’, que com tanta justiça, tantos meios e
falam de gratidão e vergonha: recursos procuram também entrar na
“Seu Dotô, os nordestinos grande família das Nações. Adicional-
têm muita gratidão mente, tal direito já está consubstanciado
pelo auxílio dos sulistas e garantido na ‘Declaração Universal de
nesta seca do sertão Direitos dos Povos Indígenas’, assinada
Mas, Dotô, uma esmola, pelo próprio representante brasileiro em
a um homem que é são, setembro de 2007, e vem de encontro às
ou lhe mata de vergonha, aspirações das grandes potências que, de
ou vicia o cidadão.” longa data, cobiçam as riquezas existen-
É incrível, pois estes versos escritos em tes naqueles territórios, principalmente
1953 são tão atuais como se Zé Dantas e jazidas do minério de um metal muito
Luiz Gonzaga os tivessem escrito ontem! raro, chamado Nióbio, que pode ser a so-
Se o Patriarca da Independência José lução para a construção dos reatores de
Bonifácio ainda vivesse nos dias de hoje, fusão nuclear no futuro.”
talvez ele enviasse uma carta para Brasília Ser independente não é só ser livre. Ser
com o seguinte preâmbulo: independente é também, e principalmente,
“Senhor Presidente, ser soberano, ou seja, “não depender da
O momento não comporta mais delon- vontade dos outros”.
gas ou condescendências. A revolução já Acredito, como cidadão deste imenso país,
está sendo preparada de longa data. que a grande reflexão que podemos e deve-
Temos uma revolução de estrangeiros mos fazer neste dia 7 de setembro pode ser
e falsos brasileiros contra o Brasil, e o resumida a tentar responder às perguntas:
Brasil atualmente não tem recursos para O que acontecerá quando os que que-
subjugar este levante que é preparado às rem “comprar” ou tomar a nossa Amazô-
claras, sem qualquer tentativa para sua nia oferecerem uma esmola maior?
ocultação, pois nossos representantes Podemos considerar que um povo que
parecem não se importar caso uma vive de esmolas é realmente livre, é inde-
riquíssima parte do nosso território seja pendente e soberano?
transferida para aqueles que, há muito Pensem, reflitam bem... Depois tentem
tempo, a desejam.” respondê-las.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<POLÍTICA>; Política; Soberania; Grupos de pressão; História do Brasil;

146 RMB2 oT/2009


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA


Capitão de Mar e Guerra

SUMÁRIO

Alfred Thayer Mahan: um marinheiro relutante e autor vigoroso


Primeiros tempos na Marinha
A maturidade intelectual
A nova carreira

“Alfred Thayer Mahan, o evangelista tratégia naval como Alfred Thayer


do poder marítimo”. Com este título Mahan”.1
Margaret Tuttle Sprout cunhou o seu co- Sem dúvida, Margaret Sprout tinha ra-
nhecido artigo publicado em 1971 sobre zão. Até hoje se discute a importância his-
esse personagem histórico que modificou tórica e teórica dos estudos de Mahan para
a percepção da importância de se dominar se compreender a guerra no mar a partir do
o mar para o desenvolvimento das nações. século XVII e suas repercussões políticas
Sprout iniciou dizendo que “nenhuma ou- no desenvolvimento das nações. Afinal,
tra pessoa influenciou tão direta e profun- quem foi esse personagem que estabele-
damente a teoria do poder marítimo e a es- ceu um novo paradigma na discussão dos

1 SPROUT, Margaret Tuttle. “Mahan: evangelist of sea power”. In: EARLE, Edward Mead. Makers of
modern Strategy. Princeton: Princeton University Press, 1973, p. 415.
ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

temas navais e influenciou sobremaneira Desde cedo, Alfred desejou entrar para
as políticas nacionais de diversos países? a Marinha de Guerra, apesar da oposição
de seu pai, que acreditava ser mais produ-
ALFRED THAYER MAHAN:
tiva para o seu filho a vida em uma profis-
UM MARINHEIRO RELUTANTE E
são liberal. Sobre isso, disse Alfred:
AUTOR VIGOROSO
Alfred Thayer Mahan nasceu em 27 de Minha entrada na Marinha foi totalmen-
setembro de 1840, na cidade de West Point, te contra o desejo de meu pai. Não me
estado de Nova Iorque, Estados Unidos. lembro de todos os seus argumentos,
Filho do professor de engenharia civil e mi- mas me disse que eu era muito mais pre-
litar da Academia Militar de West Point, parado para a vida civil do que para a
Dennis Hart Mahan,2 e de Mary Helena Okill vida militar, pelo que ele me conhecia.
Mahan, uma professora protestante profun- Eu acredito, hoje em dia, que no fundo
damente religiosa3, Alfred, desde cedo, ad- ele estava certo; apesar de eu não ter
quiriu de seu pai um profundo sentido de motivos para reclamar de qualquer
dever e um comportamento cortês e polido. insucesso, estou convencido de que
Apesar de seu pai ter sido criado na re- faria melhor na vida civil.6
ligião católica em virtude de sua origem Apesar da oposição de seu filho em se-
irlandesa, Alfred tornou-se protestante guir a vida civil, Dennis ajudou-o, enviando
episcopal, fruto da ascendência de sua avó cartas de apresentação ao secretário da
Mary Jay, que muito o influenciou.4 Guerra, Jefferson Davis, para obter uma no-
O jovem Alfred viveu a maior parte de meação para a Academia Naval de
sua infância em West Point, local onde seu Annapolis. Como era costume na ocasião, o
pai permaneceria como professor por qua- jovem Alfred Mahan enviou uma carta ao
se 40 anos. Com 12 anos de idade foi envi- deputado de seu estado, Nova Iorque,
ado à escola secundária em Hagerstown, Ambrose Murray, solicitando indicação para
no estado de Maryland, e, dois anos de- Annapolis. Escreveu Alfred o seguinte:
pois, entrou para o Columbia College, hos-
pedando-se na casa de seu tio, Milo Não posso permitir que essa ocasião
Mahan5, professor de história eclesiástica passe sem expressar minha sincera grati-
no Seminário-Geral Teológico na cidade de dão pelo gentil apoio que o senhor me
Nova Iorque. Milo teve profunda influên- tem dado para obter o fim que tenho em
cia na vida religiosa de Alfred. mente. Sua gentileza tem sido muito apre-

2 Dennis Hart Mahan nasceu em 1802, em Norfolk, Virginia. Graduou-se pela Academia Militar de West
Point em 1824 como primeiro aluno de sua turma. No ano seguinte, seguiu para a França, onde se
formou em engenharia de fortificações. Em 1838, tornou-se professor dessa academia, lá permane-
cendo até sua morte, em 1871. Casou-se com Mary Helena em 1839. Fonte: SEAGER II, Robert.
Alfred Thayer Mahan. The man and his letters. Annapolis: United States Naval Institute, 1977, p.
3. No subitem 2.2.2 será discutida com maior profundidade a influência de Dennis Mahan sobre o
pensamento de Alfred.
3 Ibidem, p. 3.
4 TAYLOR, Charles Carlisle. The life of Admiral Mahan, naval philosopher. op. cit, p. 3 e SEAGER II,
Alfred Thayer Mahan. The man and his letters op. cit, p. 6.
5 Milo Mahan foi professor de Teologia e de Filosofia, tendo estudado em profundidade os filósofos
gregos. Segundo Robert Seager, Milo teve considerável influência sobre Alfred Mahan. Fonte:
SEAGER, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 5.
6 MAHAN, Alfred Thayer. From sail to steam. New York: Harper & Brothers Publishers, 1907, p. xiv.

148 RMB2 oT/2009


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

ciada, pelo meu profundo desejo de en- de compreender e a clareza de perceber pro-
trar nessa profissão [da Marinha], e real- blemas, que o faziam se distinguir entre os
mente seria um grande desapontamento seus pares pela inteligência”.10
eu ser obrigado a desistir desse desejo7. O desempenho acadêmico de Mahan foi
acima da média. Com o passar dos anos na
Em 30 de setembro de 1856, o jovem Academia, entretanto, Mahan tornou-se
Alfred era declarado aspirante de Marinha introvertido e solitário, incapaz de se rela-
na Academia Naval de Annapolis, estado cionar satisfatoriamente com seus colegas
de Maryland. de turma. Durante os anos em Annapolis,
PRIMEIROS TEMPOS NA MARINHA Mahan fez poucos amigos e tornou-se uma
figura impopular.
Mahan tinha 15 Mahan permaneceu
anos quando entrou três anos em Annapolis,
para Annapolis. No “Ele [Mahan] tinha uma vindo a graduar-se em
início de sua estada na brilhante memória, mas 2 lugar na classe de
o

Academia, sentiu pro- 1859. Somente 20 alunos


funda depressão pelo também a capacidade de conseguiram graduar-
afastamento de sua fa- compreender e a clareza de se, de um total inicial de
mília8, recuperando-se 49 aspirantes.11 Dizia ele
aos poucos, depois de
perceber problemas, que o que a quantidade de
se convencer da faziam se distinguir entre abandonos durante o
inevitabilidade de sua os seus pares pela curso espelhava a imper-
decisão de prosseguir feição do processo edu-
na carreira. Por ter cur- inteligência” cacional em todo o país
sado dois anos em e não a severidade dos
Columbia, foi autorizado a se agregar ao 2o testes na Academia. O problema estava no
ano. próprio ensino nacional, que não preparava
Após os primeiros difíceis dias, Mahan os alunos para o estudo e a instrução, e não
começou a apreciar o ambiente naval e tor- no rigor na avaliação dos alunos em Annapolis.
nou-se, inicialmente, um aspirante alegre, Acreditava mesmo que as avaliações e pro-
confiante e acima da média intelectual da vas eram “moderadas”, não havendo neces-
turma9. Um dos seus mais chegados cole- sidade de se aplicar com afinco nos estudos.12
gas de turma, Samuel Ashe, declararia que Apesar disso, acreditava que a Academia se
Mahan “era o homem mais intelectualizado constituía numa atmosfera perfeitamente de
que conhecera. Ele [Mahan] tinha uma bri- acordo com a vida que os aspirantes teriam na
lhante memória, mas também a capacidade Marinha, bem mais relaxada que no Exército,

7 Carta de Alfred Thayer Mahan a Ambrose Murray de 14 de abril de 1856, escrita de Nova Iorque.
Fonte: SEAGER II, Robert; MAGUIRE, Doris. Letters and papers of Alfred Thayer Mahan. V1, op.
cit, p. 3.
8 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 12.
9 Ibidem, p. 12.
10 TAYLOR, op. cit. p. 8.
11 O primeiro aluno da turma de 1859 foi William Briggs Hall, que pediu demissão da Marinha quando foi
deflagrada a Guerra de Secessão. Agregou-se ao Exército da Confederação e, depois do término da guerra,
foi assessor do Exército egípcio, indicado pelo General Sherman. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 10.
12 MAHAN, From Sail to Steam, op. cit. p. 75.

RMB2 o T/2009 149


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

uma vez que havia, segundo ele, liberdade na uma visão tipo ‘terremoto’; o Pão de Açú-
troca de experiências com os professores e car, a distante Serra dos Órgãos, as altas
instrutores.13 montanhas próximas que nos rodeiam, as
O ambiente em Annapolis era favorável numerosas curvas de sua linha de costa e
à causa do Sul, inclusive com muitos aspi- diversificadas escarpas que nos dão a co-
rantes de lá provenientes, ardorosos de nhecer são contínuas novidades”18.
seus ideais. Acreditavam que a Justiça es- Em 31 de agosto de 1861, foi promovido
tava a seu lado e que a União queria limitar a capitão-tenente19, embarcando, logo após,
seus direitos e liberdade14. O cerne da des- na corveta a vapor USS Pocahontas20 des-
confiança entre os dois lados já contagia- tacada na Flotilha do Rio Potomac. Sua
va o ambiente acadêmico e, dentro de pou- ascensão rápida a capitão-tenente foi mo-
cos anos, muitos daqueles colegas de tur- tivada pela aceleração das promoções du-
ma estariam lutando em lados opostos, in- rante o primeiro ano da Guerra de Seces-
clusive Mahan, que se são, deflagrada pouco
agregou à União, mais tempo antes.
para preservá-la do Mahan travou contato com Mahan se filiou à
que para abolir a escra- causa da União e parti-
vidão, principal causa as péssimas condições dos cipou no Pocahontas
da guerra15. escravos na Carolina do do ataque às forças
Após sua gradua- confederadas em Port
ção em Annapolis, o Sul, tornando-se Royal, na Carolina do
G u a r d a - M a r i n h a 16 imediatamente um Sul, em novembro de
Mahan foi designado abolicionista 1861. Em seguida, o na-
para a Fragata USS vio foi designado para
Congress 17 , que se a Estação de Bloqueio
encontrava em patrulha no Atlântico Sul, do Atlântico Sul, em patrulha entre
na função de ajudante de ordens do Georgetown, na Carolina do Sul, e Ferdinanda,
comodoro Joshua Sands, comandante da na Flórida, longe dos grandes combates na-
Estação Naval do Brasil. Nessa oportuni- vais entre a União e a Confederação. Nessa
dade, teve a chance de conhecer o Rio de estação de pouca atividade bélica, Mahan tra-
Janeiro. Disse ele, sobre a cidade brasilei- vou contato com as péssimas condições dos
ra, que “a magnífica paisagem do Rio per- escravos na Carolina do Sul, tornando-se ime-
manece e precisa permanecer próximo de diatamente um abolicionista.21

13 Ibidem, p. 84.
14 Ibidem, p. 85.
15 TAYLOR, op. cit. p. 11.
16 Em inglês, passed midshipman.
17 O USS Congress era um navio a vela do tipo fragata com 1.867 toneladas de deslocamento, comple-
tada em 1842, armada com 50 canhões de diversos calibres. Foi afundada durante a Guerra de
Secessão pelo navio confederado USS Virginia. USS significa “United States Ship”. Fonte: SEAGER
II, Letters and papers, v. 1, op. cit. p. 84.
18 MAHAN, From sail to steam, op. cit. p. 147.
19 Em inglês, lieutenant na Marinha dos EUA.
20 O USS Pocahontas era uma corveta deslocando 694 toneladas, com 11 canhões e uma tripulação de
173 homens. Fonte: SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 36.
21 Ibidem, p. 37.

150 RMB2 oT/2009


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Em setembro de 1862, Mahan foi desig- rante Dahlgren, a bordo do USS James
nado para servir como instrutor de Adger26, quando este almirante entrou, em
marinharia na Academia Naval, transferida abril de 1865, no Porto de Charleston, recen-
de Annapolis para Newport, Rhode Island, temente capturado das forças confederadas.
de modo a afastá-la dos combates da guer- O historiador Robert Seager II atestou que
ra. Mahan lá permaneceu por cerca de um seu desempenho como oficial de armamento
ano. Sendo um oficial que mantinha distân- do esquadrão, sob as ordens de Dahlgren,
cia dos aspirantes, não deixou boas lem- não foi dos melhores, uma vez que este almi-
branças. Ainda na Academia, foi designado rante o transferiu de volta ao Seminole por
para o USS Macedonia22, acompanhando não controlar adequadamente os estoques
os aspirantes em uma viagem de instrução. de munição do esquadrão27. Parecia que
Esse período no Macedonia foi de mui- Mahan não se sentia à vontade em navios.
ta alegria para Mahan, pois o navio foi des- A guerra finalmente terminara, e Mahan
tacado para um cruzeiro à Europa, onde não participou ativamente de sua conclu-
teve oportunidade de visitar Paris, que são, ora estacionado em navios afastados
muito o encantou. Além disso, nesse mes- do campo de lutas, ora prestando serviços
mo navio, travou estreito contato com o em terra, como na Academia Naval, onde
comandante, capitão de corveta23 Stephen permaneceu por pouco mais de um ano.
Luce, que viria a ter um importante papel Nesse mesmo ano de 1865 foi promovido a
na carreira de Mahan, e com William capitão de corveta, tendo sido designado
Sampson, futuro almirante que se destaca- imediato do USS Muscoota28, onde sofreu
ria na Guerra Hispano-Americana, em 1898. com uma forte febre tropical, permanecen-
No regresso de sua comissão, Mahan foi do muitos dias afastado do serviço. Nova-
designado para servir no USS Seminole24, mente foi atingido por forte depressão, sen-
agregado ao Esquadrão de Bloqueio do Gol- tindo-se frustrado, solitário e sem amigos
fo, em frente a Sabine Pass e Galveston. Essa próximos29. A vida no mar definitivamente
fase lhe foi extremamente frustrante. Dizia ele não lhe agradava de maneira alguma.
que essa comissão era desesperadamente Depois de um breve período no Estalei-
tediosa e que “nunca tinha visto um grupo ro Naval de Washington, Mahan foi desig-
de homens inteligentes reduzidos à total im- nado para servir na Fragata USS Iroquois,
becilidade como os meus colegas de navio”.25 na Estação Asiática, onde pôde visitar a
Logo em seguida, foi designado para o esta- China, o Japão e o Extremo Oriente. Nessa
do-maior do comandante em chefe do Es- região, Mahan foi atingido novamente por
quadrão de Bloqueio do Atlântico Sul, Almi- forte doença quando em Nagasaki30, afas-

22 O USS Macedonia era um navio obsoleto, armado com quatro velhos canhões. Tinha a tarefa de
adestrar os aspirantes da Academia Naval nas fainas marinheiras. Fonte: Ibidem, p. 37.
23 Capitão de corveta é tenente-comandante (lieutenant-commander) na Marinha norte-americana.
24 O USS Seminole era uma pequena chalupa armada com nove canhões. Fonte: Ibidem, p. 38.
25 Ibidem, p. 38.
26 O USS James Adger era uma escuna a vapor armada com 17 canhões. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters
and papers, op. cit. p. 88.
27 Ibidem, p. 41.
28 O USS Muscoota era uma barca de madeira armada com dez canhões de diversos calibres. Fonte:
SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 94.
29 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 43.
30 TAYLOR, op. cit, p. 18.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

tando-se de seu navio por breve período No período entre 1870 e 1875, serviu ora
de tempo. Sentia-se mal a bordo, e aquele em unidades de terra ora em navios (no
tipo de vida lhe desagradava. Em abril de segundo caso a contragosto), tais como
1867, escreveu o seguinte para a sua mãe: no Navio Mercante USS Worchester33, e
em fevereiro de 1873 no comando do USS
Minha situação a bordo é de grande iso- Wasp34, no Rio da Prata, um navio em pés-
lamento, e muitas vezes é difícil supor- simas condições operacionais. A inabilida-
tar. Sobre mim o peso é maior porque de de Mahan em manobras marinheiras
não estou certo de que isto é o que que- mostrou-se mais uma vez, quando no co-
ro fazer. Tenho dúvidas se devo insistir, mando do Wasp.
quando menciono minhas dificuldades Um fato inusitado ocorreu em junho de
e dúvidas. Deus me colocou em uma si- 1874. Ele chocou-se com a porta flutuante
tuação, como disse, de quase total iso- de um dique seco em Montevidéu, impedin-
lamento, de sofrer a do a sua retirada até o
dúvida da discipli- reparo total da porta.
na e da incerteza.31 A inabilidade de Mahan em Ficou preso nesse di-
que por cerca de dez
O período a bordo manobras marinheiras dias. Não satisfeito,
do Iroquois, embora mostrou-se mais uma vez, logo depois Mahan
extremamente penoso,
foi profícuo para sua
quando no comando do Wasp chocou-se com uma
barca no mesmo porto,
formação intelectual. e, em 3 de novembro de
Mahan leu avidamente obras de John 1874, colidiu o seu navio com um vaso de
Motley, Leopold Von Ranke e de François guerra argentino no porto de Buenos Aires,
Pierre Guizot. A História começou a fazer durante uma tempestade.35
parte de sua vida. As lides do mar, por ou- Pouco antes de assumir o comando do
tro lado, só traziam desesperança e temor. Wasp, Mahan casou-se, em junho de 1872,
O ano de 1870 foi um ano importante com Ellen Lyle Evans. Foi um relaciona-
para Mahan, pois, ao passar pela Europa, mento que perdurou durante toda a sua
pôde assistir à queda do Império francês, vida. Dessa relação nasceram duas mulhe-
esmagado pelos alemães. Esse aconteci- res, Ellen Evans, nascida em Montevidéu
mento histórico, segundo ele, fez desapa- em 1873, e Helen Kuhn, em 1877, e um ho-
recer o velho, Napoleão III, e surgir o novo, mem, Lyle Evans, em 1881. A Ellen Lyle pode
o Império alemão, uma “força organizada e ser imputada parte do sucesso editorial de
disciplinada”.32 Esse fato provocou profun- Mahan, já que foi uma grande incen-
do impacto em seu pensamento. tivadora de seu marido, muitas vezes trans-

31 Carta de Alfred Mahan para sua mãe, Mary Helena Okill Mahan, escrita a bordo do USS Iroquois em
28 de abril de 1867. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 99.
32 TAYLOR, op. cit, p. 19.
33 O USS Worchester era um mercante armado de 3.050 toneladas de deslocamento, com 14 canhões.
Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 359.
34 O USS Wasp foi um navio britânico que forçava o bloqueio estabelecido pela União, tendo sido
capturado durante a Guerra de Secessão. Seu nome fora mudado para Wasp em junho de 1865.
35 LANKIEWICZ, Donald. The Reluctant Seaman. 2007, p. 4. página www.thehistorynet.com. Acesso
em 26 de abril de 2007.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

crevendo seus textos em máquina de es- po, no entanto lera um grande volume de
crever e revisando os manuscritos. relatórios dos dois lados e se correspondeu
Em agosto de 1875, Mahan foi designa- com numerosos participantes dos eventos
do para o Arsenal Naval de Boston, já ca- ocorridos, o que lhe fez escrever um traba-
pitão de fragata,36 e em 1877 voltou a lho com razoável sustentação argumen-
Annapolis como chefe do Departamento tativa. Nessa obra, Mahan elogiou o Almi-
de Artilharia, onde permaneceu por três rante David Glasgow Farragut, tanto no
anos. O evento mais importante ocorrido ponto de vista político como no militar, por
com Mahan nesse período foi o 3o lugar sua rápida captura de Nova Orleans em
obtido em um concurso de monografias, 186240. Alguns anos depois, Mahan escre-
com um trabalho sobre a educação naval, veria duas biografias, uma de Lorde Horatio
patrocinado pelo United States Naval Nelson, seu modelo de herói naval, e outra
Institute em 1878. Embora na competição exatamente de Farragut, seu modelo de al-
tenham concorrido apenas dez artigos, o mirante vencedor.
texto de Mahan foi Mais uma vez, a
considerado reformis- inabilidade em mano-
ta, uma vez que propu- Mais uma vez, a brar navios se fez pre-
nha a modernização
dos currículos da Aca-
inabilidade em manobrar sente. Mahan colidiu,
em um dia claro e mar
demia Naval, de modo navios se fez presente. calmo, com uma barca
a incrementar as qua- Mahan colidiu, em um dia a vela que tinha, sem
lificações acadêmicas dúvida alguma, prefe-
dos aspirantes37. Com claro e mar calmo, com rência de passagem. O
esse artigo, Mahan uma barca a vela que tinha, Wachusset deveria
tomou gosto pela es- permitir que a barca
crita, uma fuga dos fra-
sem dúvida alguma, passasse, porém mais
cassos como oficial de preferência de passagem uma vez Mahan come-
Marinha embarcado. teu um erro, levando à
Em julho de 1880, voltou a servir no Ar- colisão. O Tenente Hugh Rodman, oficial
senal Naval de Nova Iorque, no Brooklin, do navio, em conversa com um colega ofi-
onde permaneceu até 1883, quando assu- cial logo após o acidente, recebeu como
miu o comando do USS Wachusset38, esta- resposta sarcástica em relação ao ocorrido
cionado em Callao, no Peru. Em 1882, o seguinte comentário: “O Oceano Pacífi-
Mahan escreveu seu primeiro livro, The co não foi grande o bastante para o
Gulf and Inland Waters39, que tratou das Wachusset se manter afastado do caminho
operações navais ocorridas durante a Guer- dos outros”.41 Sua falta de intimidade com
ra de Secessão. Ele servira no teatro de as lides marinheiras passava a ser discuti-
operações da guerra durante pouco tem- da por todos de modo jocoso.
36 O posto de capitão de fragata na Marinha brasileira corresponde a commander na Marinha norte-
americana. Mahan foi promovido a este posto em 1872.
37 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 120.
38 O USS Wachusset era uma escuna lançada ao mar em 1861, armada com sete canhões de diversos
calibres. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 556.
39 MAHAN, Alfred Thayer. The Gulf and Inland Waters, New York: Charles Scribner, 1883.
40 SUMIDA, Jon Tetsuo. Inventing Grand Strategy and teaching command. op. cit, p. 19.
41 LANKIEWICZ, op. cit. p. 4.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Foi nesse ambiente hostil e de poucas específico que penso ser necessário
alegrias pessoais que Mahan recebeu, possuir. Temo que o senhor me dê mais
quando o seu navio estava em Guaiaquil, crédito do que realmente possuo e ter
no Equador, um convite que o deixou dado mais atenção à questão do que
extasiado. O Comodoro Stephen Luce42 es- eu... minha resposta ao senhor é sim, eu
tava organizando a Escola de Guerra Naval gostaria de servir [na EGN-EUA], se o
dos EUA (EGN-EUA) em Newport, Rhode senhor, depois de ler minha carta, ainda
Island43. Ele precisava de um instrutor de me quiser. Certamente não acredito es-
história naval e estratégia para se agregar tar certo em me recusar a ajudar neste
ao corpo docente da escola. Mahan não novo, difícil e necessário trabalho, se
foi o primeiro nome escolhido por Luce44. no julgamento de outros eu for útil.45
Ele convidara o Capitão de Corveta Caspar
Goodrich, que acabara de se estabelecer Imediatamente, Mahan se dedicou aos
em Washington, e estudos históricos,
que, em virtude do de- preparando-se para
sejo de permanecer A designação de Mahan assumir a instrutoria
nessa cidade, decli- em Newport. O histo-
nou do convite.
para a EGN-EUA foi o riador William Livezey
Mahan foi a escolha ponto de virada em sua afirmou que a designa-
que se seguiu. Prova- apagada carreira ção de Mahan para a
velmente Luce leu o EGN-EUA foi o ponto
primeiro livro de de virada em sua apa-
Mahan, The Gulf and Inland Waters, de gada carreira. Disse Livezey que, “de um
1883, o que lhe deve ter agradado, daí tê-lo amplo ponto de vista, a carreira de Mahan
convidado para a função de instrutoria na começou com a criação, em 1884, da EGN-
Escola de Guerra. Mahan aceitou imediata- EUA”46. A existência da escola se devia para
mente o convite e em carta para Luce disse qualificar oficiais dos postos mais eleva-
o seguinte: dos da Marinha dos EUA em estratégia e
na arte de conduzir a guerra, de modo a
Gostaria muito de assumir essa função. que estivessem preparados para assesso-
Acredito ter a capacidade e talvez algu- rar os chefes navais em política naval naci-
ma atitude natural para o estudo em onal e quando ordenado assumir o coman-
questão. Ao me questionar, não acredi- do de importantes unidades da Marinha
to ter neste momento o conhecimento no “intrincado mundo da guerra”.47

42 O Comodoro Stephen Luce é considerado o “pai” da EGN-EUA (Naval War College). Nasceu em 1827
e faleceu em 1917. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, Op. cit. p. 577. No subitem 2.2.2
será discutida a sua influência sobre Mahan.
43 A EGN-EUA acabou sendo estabelecida em 6 de outubro de 1884. Fonte: SEAGER II, Letters and
papers, op. cit. p. 577.
44 Segundo o professor Phillip Crowl, Mahan foi efetivamente a terceira escolha. O segundo nome
escolhido por Luce não foi por ele citado. Fonte: CROWL, Phillip. Alfred Thayer Mahan: the naval
historian. op. cit, p. 446.
45 Carta de Alfred Mahan para Stephen Luce de 4 de setembro de 1884, a bordo do USS Wachusset, em
Guaiaquil, no Equador. Fonte: SEAGER II, v. 1, Letters and papers, op. cit. p. 577.
46 LIVEZEY, William. Mahan on Sea Power. op. cit, p. 11.
47 TAYLOR, op. cit. p. 37.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Por cerca de dois anos ele se preparou tória era “não só reacionária, como impraticá-
com afinco para a sua nova função, que vel”, segundo Phillip Crowl.51
muito lhe agradava. Conduziu, assim, um Ao se preparar para a tarefa de transmi-
estudo sistemático da história naval, tir conhecimentos sobre estratégia e táti-
centrando suas pesquisas nos séculos cas navais para os alunos da Escola de
XVII e XVIII, procurando analogias entre Guerra, Mahan tinha uma série de
as guerras terrestres e navais, de modo a questionamentos. Em carta a seu colega
constituir uma teoria de tática naval.48 William Anderson, disse o seguinte:
A carreira acadêmica de Mahan realmen- Quando fui inicialmente designado para
te começou em Newport, onde atingiu sua ministrar aulas de história naval em nossa
maturidade intelectual. Escola de Guerra Naval, me perguntei
como transformar a experiência com navi-
A MATURIDADE INTELECTUAL os a vela de madeira, com seu armamento
rudimentar, em utilidade no presente? A pri-
Em 1886, Mahan iniciou suas palestras meira resposta que obtive foi demonstran-
na EGN-EUA, lá permanecendo até 1893, do a tremenda influência que o poder na-
com pequenas interrupções em 1889, no val, sob qualquer forma, exerceu no curso
Arsenal de Puget Sound, e em poucos anos da história. A segunda resposta veio com
em que a escola não ministrou cursos re- o prosseguimento de meus estudos, que
gulares. Nessa função, Mahan foi promo- foi demonstrar que os princípios de guerra
vido a capitão de mar e guerra49 em 1886, receberam confirmação na velha experiên-
vindo posteriormente a substituir Luce na cia naval, da mesma forma que eles recebe-
presidência da escola50, designado este ram em relação à guerra terrestre em todas
para comandar a Força Naval do Atlântico as várias fases nos últimos 25 séculos. O
Norte. presente trabalho é esse resultado.52
Houve muita resistência à Escola de Guer-
ra nos círculos navais no período. Em uma A partir de suas palestras, abarcando o
época de grandes avanços tecnológicos no período dos séculos XVII e XVIII, Mahan es-
campo da guerra naval, os estudos de histó- creveu e publicou em 1890 o livro que se tor-
ria naval e das táticas realizadas por Nelson naria um clássico de história naval: o The
nas guerras napoleônicas eram considerados Influence of Sea Power upon History, 1660-
irrelevantes e anacrônicos. O importante para 1783. Em seu prefácio, Mahan estabelece como
qualquer oficial da época era estudar as ino- finalidade proceder a um exame geral da histó-
vações técnicas agregadas aos sistemas de ria da Europa e da América, com vistas ao efei-
máquinas e de artilharia modernas e não his- to que teria o poder marítimo sobre os rumos
tória. Considerava-se que o que ocorreu no dessa história. Essa obra teve imediato impac-
passado não teria qualquer aplicação na nova to no meio naval, principalmente na Grã-
guerra do final do século XIX. Para esse gru- Bretanha. As razões para isso eram evidentes.
po considerável de oficiais, a ênfase na his- O livro baseava-se na própria história naval

48 SPROUT, Mahan: evangelist of Sea Power. op. cit. p. 417.


49 O posto de capitão de mar e guerra na Marinha norte-americana é nomeado como captain.
50 Mahan foi presidente da EGN-EUA por dois períodos, de 1886 a 1889 e de 1892 a 1893.
51 CROWL, op. cit. p. 447.
52 Carta de Alfred Mahan para William Henderson, escrita de Elizabeth, New Jersey, em 5 de maio de
1890. Fonte: SEAGER II, v. 2, Letters and papers, op. cit. p. 9.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

britânica e, o mais importante, respaldava o uma série de guerras universais que dura-
sucesso de suas políticas navais do período. riam enquanto Luís XIV vivesse”.54 Para
Mahan iniciou a introdução do livro apre- ele, nessas guerras contínuas o poder ma-
sentando a sua argumentação política, na qual rítimo tivera, em menor ou maior grau, uma
os negócios marítimos tiveram um grande e grande importância.55 O período abarcado
decisivo efeito sobre o curso da história e na pelo seu estudo transita até 1783, isto é, o
prosperidade das nações.53 O seu argumento fim da Revolução Americana, com o trata-
político-econômico foi baseado na proposi- do de paz assinado em Versailles em 3 de
ção básica de economia de que as viagens e o setembro de 1783.
tráfego marítimo foram mais fáceis e mais bara- O historiador naval inglês Sir John Knox
tos do que em terra. Desde o início de sua Laughton, ao comentar o livro de Mahan
proposição, Mahan procurou enfatizar a no Edinburgh Review, da Escócia, disse
centralidade do mar nos destinos das nações. que o The influence of Sea Power upon
Uma interessante dis- History era uma “es-
cussão foi a realizada em
relação às seis condições
Durante os dois últimos plêndida apoteose da
coragem, tenacidade,
que afetavam o poder dias gastei metade do meu habilidade e poder da
marítimo, que serão apre- tempo, atarefado como Inglaterra”. Era a acei-
56

sentadas posteriormente tação e a garantia de


nos próximos números estava, lendo o seu livro. uma boa avaliação, es-
da Revista Marítima. Incorro em grave erro se crita por um renomado
A partir do Capítulo
2, Mahan se concen-
ele não se converter num historiador britânico,
com imenso prestígio
trou na apresentação clássico naval no meio acadêmico.
das grandes campa- Theodore Roosevelt O eminente histori-
nhas e batalhas navais ador inglês Sir Julian
desde 1660, isto é, a Stafford Corbett57, um
partir da restauração Stuart com Carlos II dos principais teóricos do poder marítimo,
na Inglaterra, da assunção de Luís XIV nos comentando sobre o livro, disse que pela
negócios de Estado francês, após a morte primeira vez a história naval adquiria uma
do Cardeal Mazarino, e da reorganização base filosófica e que, a partir de um grande
europeia após os Tratados de Westphalia, número de fatos históricos, grandes gene-
em 1648, e dos Pirineus, que propiciou, se- ralizações foram possíveis, havendo pou-
gundo ele, “um estado de paz externa ge- cos livros que tenham produzido efeito tan-
ral, destinada a ser atingida brevemente por to na ação como no pensamento político.58

53 SUMIDA, op. cit, p. 27.


54 MAHAN, Alfred The Influence of Sea Power upon History, op. cit. p. 91.
55 Ibidem, p. 91.
56 LAUGHTON, John Knox. Captain Mahan on Maritime Power. Edinburgh Review. Edinburgh. V.
CLXXII, p 420-453, out, 1890. apud LIVEZEY, op. cit. p. 61.
57 Corbett iria se distinguir posteriormente, publicando, em 1911, um livro importante em estratégia e
história naval chamado Some principles of Maritime Strategy, ainda não traduzido para o português.
Corbett distinguiu-se como um especialista muito competente no estudo da Marinha inglesa no
período elizabetano.
58 WESTCOTT. Allan. Mahan on Naval Warfare. Selections from the writings of Rear-Admiral Alfred
Mahan. op. cit, p. xv.

156 RMB2 oT/2009


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Os ingleses se abismaram por ter sido erro se ele não se converter num clássico
um norte-americano e não um britânico que naval”.61 Além do apoio de Roosevelt, o
melhor descrevera as políticas navais ingle- senador Cabot Lodge também ficou viva-
sas da época, o que não deixou de ser uma mente impressionado com o livro, uma vez
grande surpresa. Além disso, a época em que era partidário da expansão de seu país
que o livro foi lançado não poderia ter sido em direção ao Caribe e ao Pacífico. Mahan
mais propícia para o autor, assim como para defendera com entusiasmo a obtenção de
o Almirantado inglês. No ano de 1889 havia bases nessas regiões como um dos pilares
sido estabelecida a política do “Two Power para o estabelecimento de um poder maríti-
Standard”59, e Mahan, sem perceber, proveu mo poderoso. Por seu lado, seu comandan-
de argumentos os políticos ingleses que te, o Almirante Luce, disse o seguinte, a res-
desejavam a expansão britânica no mar. peito dessa obra de Mahan:
Na Alemanha, o livro foi um retumbante
sucesso. O kaiser, ao ler o livro de Mahan, Esta obra é um trabalho excepcional;
viu o respaldo neces- não existe nada como
sário para a expansão isso em toda a litera-
colonial de sua nação Mahan desejava tura naval. Nenhum
e o desenvolvimento demonstrar a importância outro autor com o qual
de um forte poder ma- mantive contato con-
rítimo, de modo a con-
que o mar tinha para o duziu esse tema com o
testar o poder da Grã- desenvolvimento das espírito liberal e, por
Bretanha. Em maio de nações, tomando como que não dizer, filosófi-
1894, diria que não es- co ou comentou a his-
tava lendo somente o exemplo a Grã-Bretanha tória da Marinha e
livro de Mahan, mas suas realizações nos
sim o devorando, com o propósito de negócios do Estado, apontando a sua
decorá-lo e fazer com que sua leitura fosse importância para a vida nacional. Este
obrigatória nos navios de sua Marinha.60 trabalho é inteiramente original em sua
No país de Mahan, os EUA, o livro inici- concepção, brilhante em sua constitui-
almente obteve menor impacto, no entanto ção e acadêmico em sua execução62.
foi avidamente lido por Theodore
Roosevelt, que viria a ser Presidente da Re- Em outros países, o impacto dessa obra
pública. Roosevelt não só adorou o livro de Mahan foi também considerável. Tra-
como disse: “Durante os dois últimos dias duções para francês, alemão, japonês, rus-
gastei metade do meu tempo, atarefado como so, espanhol e italiano foram logo dissemi-
estava, lendo o seu livro. Incorro em grave

59 Política agressiva inglesa estabelecida em 1899 que determinava que a esquadra de batalha desse país deveria
ser igual ou maior em números que os dois poderes navais que se seguiam. Utilizava-se como referência
o número de encouraçados componentes da esquadra de batalha, segundo memorando de Reginald Mc
Kenna, primeiro lorde do Almirantado, para o primeiro-ministro H. Asquith, de maio de 1909.
60 CAMINHA, João Carlos Gonçalves. “Mahan: sua época e suas ideias”. Revista Marítima Brasileira.
Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 3o trim 1986, p. 22. Excelente artigo escrito
pelo Almirante Caminha e que merece leitura complementar.
61 Ibidem, p. 22.
62 TAYLOR, op. cit. p. 46.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

nadas. Incompreensivelmente, não houve Power upon the French Revolution and
traduções para o português63. Empire65. Novo sucesso de vendas e de crí-
O que efetivamente Mahan desejava com tica. Ao contrário do primeiro livro, esta obra
o seu livro era demonstrar a importância que baseou-se em algumas fontes primárias, sen-
o mar tinha para o desenvolvimento das do que o período abarcado foi cerca de 1/5
nações, tomando como exemplo a Grã- do anterior; no entanto, devido à profundi-
Bretanha. Além disso, queria compreender dade e extensão da pesquisa, foi publicada
quais princípios governavam a guerra do em dois volumes. Em sua essência, esta vas-
mar desde a antiguidade. O que efetivamen- ta obra era uma continuação da primeira; no
te queria Mahan era despertar na classe entanto, sua análise foi mais detalhada. Se-
política dos EUA a centralidade das políti- gundo Sumida, a diferença marcante entre
cas navais para o desenvolvimento nacio- essa obra e a anterior foi a forma como o seu
nal. Considerava que a texto foi analisado, “al-
Marinha norte-ameri- terando-se fundamen-
cana tinha uma postu- O que efetivamente queria talmente a forma e a
ra defensiva, voltada Mahan era despertar na substância de seu ar-
para a guerra costeira,
sem pretensões além-
classe política dos EUA a gumento governamen-
tal”66. Nela encontra-se
fronteiras. Acreditava centralidade das políticas uma frase célebre, em
que essa postura era navais para o que o autor norte-ame-
deficiente e equivoca- ricano comentou que
da, indicando que o desenvolvimento nacional “o mundo jamais viu
melhor caminho era a uma demonstração
ofensiva e a projeção internacional. mais impressionante da influência do poder
Por muito pouco Mahan não se viu marítimo na história. Aqueles navios dis-
retornando para o mar. O chefe do Bureau tantes e desgastados por tempestades com
de Navegação da Marinha norte-america- os quais a Grand Armée francesa nunca se
na, Comodoro64 Francis Ramsay, pretendeu preocupou se contrapunham a ela e ao do-
movimentá-lo para uma nova função mínio do mundo”.67 Queria dizer que naque-
embarcada, logo após a publicação de seu la esquadra combativa e desgastada da Grã-
livro. Acreditava Ramsay que não era fun- Bretanha estava a própria dominação mun-
ção de um oficial de Marinha escrever li- dial, fato não percebido por Napoleão. Há
vros. Se não fosse pelo prestígio de Mahan certamente na afirmação de Mahan um cer-
e o sucesso de seu livro, ele seria fatalmen- to exagero, no entanto a frase tornou-se fa-
te transferido. mosa nos círculos navais.
Em 1892, Mahan lançou o segundo livro As duas obras compuseram, juntamen-
da série, chamado de The influence of Sea te com Sea Power in its relations to the

63 Existe um projeto a ser conduzido pela Escola de Guerra Naval do Brasil no ano de 2009 para
finalmente se traduzir esse livro para o português.
64 Posto não existente na Marinha brasileira, correspondendo a um grau intermediário entre capitão de
mar e guerra e contra-almirante.
65 MAHAN, Alfred Thayer. The influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-
1812. v. 2, Boston: Little Brown, 1892.
66 SUMIDA, op. cit. p. 33.
67 MAHAN, Alfred Thayer. The influence of Sea Power upon the French Revolution and Empire 1793-
1812. op. cit p. 118.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

War of 181268, de 1905, em dois volumes, a Em 1892, Mahan completou a biografia


série de três livros The influence of Sea do Almirante norte-americano David
Power, cunhada pelo professor Sumida69. Farragut74, pelo qual nutria profunda admira-
Em 1891, o conhecido estrategista in- ção. Além de suas qualidades de liderança e
glês Almirante Philip Colomb lançou no coragem, Mahan acreditava ter algo em co-
mercado editorial do Reino Unido um den- mum com ele: Farragut era profundamente
so livro de história naval e estratégia, o religioso, modesto e desprovido de presun-
Naval Warfare70, ou seja, um ano após a ção, pelo menos assim se percebia Mahan.75
obra de Mahan. Embora fosse um livro Dentre as cartas de reconhecimento que
muito bem elaborado, foi totalmente eclip- recebeu a respeito deste livro, a que muito
sado pela obra de seu colega dos EUA, lhe agradou foi a do filho do almirante, Loyall
inclusive em seu país natal71. Reconhecen- Farragut, que anteriormente escrevera ou-
do esse fato, Colomb escreveria, com tra biografia de seu pai. Disse Loyall que “o
charme e modéstia, para Mahan: “Acredi- autor do Influence of Sea Power upon
to que todos os membros do mundo naval History encontrou no Almirante Farragut
consideram o seu livro como ‘o’ livro da uma simpática pessoa, trabalhando o mate-
geração, e meu livro vem muito atrás do rial disponível de uma maneira magistral [...]
seu em mérito literário”.72 não teremos palavras suficientes para elo-
Mahan tornou-se, assim, figura conhe- giar a maneira como o Comandante Mahan
cida tanto nos EUA como em outros paí- nos disponibilizou o melhor de Farragut”.76
ses. Ele viria a descobrir que escrever era o Em maio de 1893, Mahan foi designado
seu campo de atuação e não guarnecer na- para assumir, a contragosto, o comando do
vios. Sua importância cresceu tanto que, Cruzador USS Chicago. Ramsay acabou
mesmo quando não podia estar presente vencendo a queda de braço com Mahan.77
em suas aulas para os oficiais alunos dos O Chicago era um dos mais novos na-
cursos em Newport, suas palestras eram vios da Marinha, tendo sido comissionado
lidas em voz alta por algum aluno. Esse inu- em 1889. Era um cruzador protegido com
sitado procedimento levou o Comodoro 4.500 toneladas de deslocamento, capaz de
Ramsay, o mesmo que quisera movimentá- velocidades de 33 nós, armado com quatro
lo anteriormente, a comentar que “era toli- canhões de oito polegadas, oito de seis
ce enviar oficiais para cursarem a EGN-EUA polegadas e dois de cinco polegadas. Na
para fazê-los apenas ler para si próprios os ocasião era o segundo maior navio em di-
livros de Mahan”.73 mensões da Marinha78. Com certeza essa

68 MAHAN, Alfred Thayer. Sea Power in its relation to the War of 1812. 2. v. Boston: Little Brown,
1905.
69 SUMIDA, op.cit. p.120. Sumida inclui o livro The life of Nelson como o quarto livro da série. No
entanto essa obra foi uma detalhada biografia de Nelson e assim seria melhor classificada dentro da
série de suas biografias.
70 COLOMB, Phillip. Naval Warfare. 3. ed. London: Allen, 1899.
71 TILL, Geoffrey. Maritime Strategy and Nuclear Age. New York: St Martin Press, 1982, p. 28.
72 SCHURMAN, Donald. The Education of a Navy.op. cit, p. 66.
73 CROWL, op. cit. p. 447.
74 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. Admiral Farragut. New York: Appleton, 1897.
75 TAYLOR, op. cit. p. 54.
76 Ibidem, p. 55.
77 SCHURMAN, op. cit. p. 66.
78 SEAGER II, v. 2, Letters and papers, op. cit. p. 103.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

designação seria muito comemorada por ram, além de Mahan e Erben, o vice-rei da
qualquer oficial de Marinha daquele tem- Irlanda, diversos membros do gabinete, al-
po, no entanto para Mahan não foi. Disse mirantes e generais. Em seguida, Mahan
ele o seguinte: foi convidado para jantar com a rainha Vi-
tória, o que o deixou profundamente emo-
Eu estava pronto para ir para o mar, en- cionado e preocupado, pois foi a primeira
tretanto neste período decidi que escre- vez que deveria jantar com o seu uniforme
ver tinha para mim maiores atrações que de gala, ornado de medalhas e espada. Fi-
seguir com minha profissão e me pro- cou vivamente impressionado com o luxo
porcionaria melhor remuneração. Eu de- dos uniformes e das condecorações utili-
veria ter solicitado logo a minha reser- zadas pelos almirantes ingleses. Compare-
va, se tivesse os necessários 40 anos ceram ao banquete em sua homenagem,
de serviço, no entanto ainda faltavam além da rainha, o príncipe de Gales (poste-
quatro anos. Meu propósito era escre- riormente rei Eduardo VII), o duque de
ver logo a Guerra de 1812, enquanto Yorke (posteriormente rei George V), lorde
os eventos dessa guerra estivessem vi- Roberts, o Almirante de Esquadra Sir Henry
vos na minha mente, e por isso solicitei Keppel, além de inúmeros dignitários in-
não embarcar em navio algum, alegan- gleses e estrangeiros80.
do que solicitaria minha reserva quan- Semelhantes elogios Mahan recebeu,
do completasse 40 anos. Minha solici- também, na França. O crítico francês
tação foi descabida, pois eu não dera Auguste Moireau disse que “depois de seu
nenhuma garantia para isso, e a abertu- primeiro livro, e especialmente a partir de
ra desse precedente seria ruim para a 1895, Mahan estabeleceu a base para todo
Marinha.79 o pensamento em assuntos navais; foi as-
sim visto claramente que o poder marítimo
Assim, Mahan assumiu o comando do era o princípio que determinaria se os im-
Chicago e logo depois rumou para a Europa, périos cresceriam ou cairiam”.81
compondo uma força-tarefa norte-americana, No Japão, o próprio governo colocou
sob o comando do Almirante Henry Erben. os livros de Mahan em todas as escolas, e
Logo que o Chicago chegou ao Reino as academias militares adotaram The
Unido, um grande número de pessoas influ- influence of Sea Power upon History como
entes quis conhecer Mahan, convidando-o livro-texto. Livezey afirmou que o Japão
para diversas solenidades. Em Queenstown, estava se preparando para Tsushima e as-
na Irlanda, Mahan recebeu um telegrama da sim estabeleceu os fundamentos de sua
embaixada norte-americana em Londres di- política de “esfera de co-prosperidade”.82
zendo que Lorde Spencer, primeiro lorde do Em sua segunda visita à Inglaterra, ainda
Almirantado, gostaria de convidá-lo para um como comandante do Chicago, no ano se-
jantar e perguntava qual seria a data mais guinte, em 1894, Mahan foi homenageado
conveniente para esse evento. com um banquete público patrocinado pelo
Esse jantar realmente ocorreu na chega- lorde prefeito de Londres no St James Hall e
da do navio à Inglaterra, e a ele comparece- que contou com cerca de 400 convidados,

79 MAHAN, From sail to steam, op. cit. p. 313.


80 TAYLOR, op. cit. p. 62.
81 WESTCOTT. op. cit, p. xiv.
82 LIVEZEY, op. cit. p. 76.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

entre almirantes, generais e políticos da Grã-


ambiente e a atmosfera em Oxford, escre-
Bretanha. Após o jantar, no momento dos vendo para o seu filho que Oxford era um
brindes costumeiros à rainha, ao Presidente lugar “fascinante e charmoso e os ingleses
dos EUA, a Mahan, ao Almirante Erben e estavam certos em amar o seu país, pois
aos oficiais do Chicago, Mahan agradeceu não existia nenhum país mais amável”.85
proferindo as seguintes palavras: Em janeiro de 1895, Sir John Seeley, titu-
lar de História Moderna da Universidade
Certamente os oficiais da Marinha nor- de Cambridge, faleceu, abrindo uma vaga
te-americana sentem uma peculiar sim- nessa cadeira. Imediatamente especulou-
patia pelos ingleses, acima inclusive de se na imprensa inglesa que o melhor nome
seus conterrâneos. Por causa de nos- para esse posto seria o de Mahan86, no
sa educação e nosso modo de pensar, entanto continuava como comandante do
somos levados a ter simpatia e contato Chicago, e uma mudança de vida tão brus-
com os interesses britânicos e nós, ca não estava em seus planos.
como oficiais de Nem tudo, porém,
Marinha, temos corria bem a bordo do
especial simpatia
com o maior dos
O almirante considerava Chicago. Seu relacio-
namento com Erben
interesses, que é a Mahan um mau oficial de era ruim. O almirante
Armada Real. A Marinha, pouco dotado comandante da força
Marinha Real é a era um velho lobo do
primeira linha de para as lides marinheiras mar, da velha escola de
defesa da Grã- navios a vela. Além
Bretanha [...] quando se menciona essa disso, era egocêntrico, desbocado, profa-
Marinha, os sentimentos que no e de temperamento irascível. O mais in-
porventura existam de indiferença crível é que não lera nenhum livro de
transformam-se em admiração e entu- Mahan, ou melhor, não gostava de ler ne-
siasmo pelo passado de glórias que não nhum livro.87 Seu relacionamento com o
foi ultrapassado por nenhuma outra comandante de seu capitânia, o Chicago,
força nos anais do tempo.83 passou a ser terrível. Erben não compreen-
dia como um oficial de Marinha abria mão
Mahan admirava a Marinha Real britâ- de embarcar, em detrimento de escrever li-
nica, e esse sentimento era explícito e mui- vros “sobre o passado”. Além disso,
to bem correspondido pelos ingleses. Mahan, por ser excessivamente
Mahan era uma celebridade amiga da Grã- introvertido e intelectualmente superior,
Bretanha. Pelo sucesso de seus livros, re- afastava ainda mais seu comandante ime-
cebeu os títulos de doutor honoris causa diato, e Erben reagia mal a esse estado de
das Universidades de Oxford e Cambridge, coisas. O almirante considerava Mahan um
em maio de 189484. Ficou encantado com o mau oficial de Marinha, pouco dotado para

83 Ibidem, p. 64.
84 Viria depois a ser doutor honoris causa em História pelas Universidades de Harvard, Yale, Columbia,
Dartmouth e McGill. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 107.
85 LIVEZEY, op. cit, p. 68.
86 Ibidem, p. 75.
87 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 255.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

as lides marinheiras88. Da mesma forma, a Em maio de 1895, Mahan finalmente deixa-


opinião de Mahan sobre Erben não era di- va o comando do Chicago, o que foi de extre-
ferente: um limitado oficial, pouco dotado ma alegria para ele, pois se encontrava à beira
intelectualmente. de um ataque de nervos. Até a sua reserva do
Seu período de comando lhe foi de gran- serviço ativo, em novembro de 1896, Mahan
de sacrifício. Mahan detestava a vida no permaneceu em algumas comissões temporá-
mar; além disso, era mau manobrador de rias em Newport. A sua opção pela reserva
navios, o que lhe trazia dissabores com indicou a preferência pela vida acadêmica li-
Erben, que o considerava ineficiente como gada à produção de conhecimentos na área
comandante. Em certa situação, disse a seu de história naval e estratégia. Sua vida na Ma-
amigo Samuel Ashe que estava na profis- rinha tinha sido um sacrifício que fazia ques-
são errada por quase 40 anos: tão de esquecer. Começava uma nova carreira
voltada para o estudo e
Sou forçado diaria- a reflexão sobre o poder
mente a compreen- Mahan procurou, enfatizar marítimo na História.
der que estou fi-
cando velho e que as características de A NOVA
todo o charme da comando de Nelson, que CARREIRA
vida de bordo está
esquecido. Estou
possuía uma combinação Em 1897, Mahan
sobrevivendo, não de qualidades políticas, completou um clássico
vivendo. Tenho a administrativas e militares, da história naval: The
consciência dolo- life of Nelson: the
rosa que estou gas- raras, segundo ele, em embodiment of the Sea
tando muita ener- apenas um homem Power of Great
gia para fazer algo Britain90, escrito em
que me é indiferen- dois volumes. Uma obra
te, ao mesmo tempo em que estou impe- realmente magistral sobre Lorde Horatio Nel-
dido de fazer o que tenho capacidade. son, vencedor das Batalhas de Copenhagen,
Não tem sido um sentimento agradável, Aboukir e Trafalgar, morto, inclusive, nesse
especialmente quando vem acompanha- último encontro. Nesse livro, Mahan recor-
do do conhecimento de que minha ca- reu, em caráter extraordinário, a fontes primá-
beça dura da juventude me colocou nes- rias, como as cartas de Nelson; no entanto
sa profissão que, para dizer o menos, não apreciava a busca arquivística, preferin-
não foi a melhor escolha que tive para do recorrer a fontes secundárias. A pesquisa
minhas qualificações89. em arquivos não era de seu agrado.

88 O Almirante Erben escreveu para o Bureau de Navegação em dezembro de 1893 dizendo que os
interesses de Mahan estavam fora da Marinha e que ele se importava pouco com a sua profissão,
sendo, assim, um mau oficial de Marinha. Seus interesses estavam voltados para a “literatura”,
segundo suas palavras, e sem qualquer conexão com o serviço naval. Fonte: SEAGER, Alfred Thayer
Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 278.
89 Carta de Alfred Mahan para Samuel Ashe escrita de Genova, a bordo do USS Chicago, em 24 de
novembro de 1893. Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op. cit. p. 181.
90 MAHAN, Alfred Thayer. The life of Nelson: the embodiment of Sea Power of Great Britain. 2. v.
Boston: Little Brown, 1997.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Desde o seu livro The influence of Sea nio ilumina o processo mental de Nelson,
Power upon the French Revolution and porém não é só por meio do raciocínio, quan-
Empire, Mahan se envolveu com esse per- do cara a cara com o perigo, ao ultrapassar o
sonagem fascinante que se confrontou abismo, que separa a percepção, apesar de
com a poderosa esquadra de Napoleão, clara, da convicção interna que sozinha sus-
impedindo o domínio do mar francês. tenta a ação mais elevada”94.
Mahan, em sua biografia de Nelson, afir- Mahan também abordou o Nelson ho-
mou que esse almirante inglês atuava como mem, com sentimentos, defeitos e qualida-
um verdadeiro agente do Estado britânico, des. Ao contrário de outros biógrafos mais
fazendo cumprir os ditames governamen- inquisitivos, inclusive em relação a Robert
tais onde fosse necessário com os seus Southey,95 que escrevera uma biografia de
navios de guerra. Mahan procurou, tam- Nelson em 1813, de cunho bem mais crítico
bém, enfatizar as características de coman- da conduta deste, principalmente na ques-
do de Nelson, que possuía uma combina- tão dos fuzilamentos por ele ordenados em
ção de qualidades políticas, administrati- 1799, depois dos jacobinos já terem se ren-
vas e militares, raras, segundo ele, em ape- dido honradamente no Reino das Duas
nas um homem. Nelson exibiu, de acordo Sicílias, Mahan procurou descobrir os im-
com sua opinião, superioridade nesses três pulsos privados nas ações públicas de
campos.91 Nelson96, procurando analisar sua vida ín-
Em Nelson, Mahan apontou “uma apre- tima. Um dos pontos mais polêmicos de
ciação sagaz das condições reinantes, com- Nelson foi o seu relacionamento com Emma
binada com sua alta resolução e firme discri- Hamilton, que foi devidamente discutido
ção”.92 Com esse tipo de percepção, Nelson por Mahan; no entanto, o autor norte-ame-
procurava sempre a decisão pela batalha ricano mencionou o caráter manipulador de
como uma questão de princípio. Esse ponto Emma sobre seu marido, Sir William Hamil-
era muito admirado por Mahan, que via nes- ton, embaixador britânico no Reino das
se procedimento de Nelson o toque ofensi- Duas Sicílias, e sobre o próprio Nelson,
vo e resoluto em destruir a esquadra inimi- “amante devotado, um homem crédulo que
ga, quando e onde se fizesse necessário. necessitava de adulação”97, segundo pa-
Mahan, além disso, considerava Nelson lavras do historiador Peter Gay. Para
um gênio, e sua admiração por ele igualava- Mahan, Nelson possuía as qualidades que
se à de Antoine Henri Jomini93 por Napoleão. o fizeram a incorporação do poder maríti-
Dizia Mahan que “um alto grau de raciocí- mo da Grã-Bretanha.98

91 SUMIDA, op. cit. p. 37.


92 MAHAN, Life of Nelson, v. 2, op. cit. p. 306.
93 Posteriormente, no próximo número da Revista Marítima, será discutida a influência de Jomini nos
estudos conduzidos por Mahan.
94 Ibidem, p. 324.
95 Robert Southey é muito conhecido na historiografia brasileira por ter escrito uma História do Brasil
em 1819, apesar de nunca ter visitado o Brasil. Disse Southey sobre sua obra História do Brasil que
“daqui a séculos meu livro se encontrará entre aqueles que estão destinados a não morrer e será para
os brasileiros o que a obra de Heródoto é para a Europa”. Fonte: SOUTHEY, Robert. História do
Brasil. v. 1. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977, p. 13.
96 GAY, Peter. A experiência burguesa da Rainha Vitória a Freud. O coração desvelado.v. 4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p.185.
97 Ibidem, p. 185.
98 Tradução literal de Embodiment of Sea Power of Great Britain, título do seu livro.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Como não poderia deixar de ser, o livro teve Grã-Bretanha e os EUA, as perspectivas
imediata aclamação na Grã-Bretanha. Seu edi- estratégicas do Mar do Caribe e do Golfo
tor inglês, R. B. Marston, disse o seguinte: do México, o futuro do poder marítimo dos
EUA, perspectivas da política externa nor-
O senhor trouxe Nelson à vida novamen- te-americana, a sua preparação para a guerra
te. Como inglês e o primeiro a ler o seu naval e prognósticos para o século XX.
livro, posso verdadeiramente agradecer Em resumo, esses ensaios foram escri-
em nome de toda a minha nação, entre- tos para diversos periódicos entre dezem-
tanto tudo que farei é lhe anunciar que bro de 1890 e outubro de 1897, contudo
os agradecimentos da Grã-Bretanha es- essa obra de compilação não obteve o mes-
tão vindo tão cedo quanto Little Brown mo reconhecimento obtido com seus livros
enviar os livros para as livrarias.99 anteriores, sendo mais um trabalho
ensaístico, sem o rigor histórico das obras
O crítico literário do The Times, de Lon- anteriores. No entanto, ele foi escrito em
dres, J. R. Thursfield, profetizou que o Life um período importante da história norte-
of Nelson se tornaria um dos maiores clássi- americana, quando o Caribe passou a pre-
cos da literatura naval. Disse ele que muitas ocupar a sua política externa, culminando,
memórias de Nelson foram escritas, mas o no ano seguinte, na Guerra Hispano-Ame-
livro de Mahan não tinha rival à altura. To- ricana. Em realidade, o livro obteve mais
dos os estudantes de História que crédito na Grã-Bretanha do que nos EUA.
pesquisarem Nelson deveriam ler esse livro Contudo, com o advento da guerra em 1898,
como a “mais autorizada, acurada, adequa- esses ensaios foram lidos com maior deta-
da e psicológica biografia”100 do herói in- lhe e “entusiasticamente resenhados por
glês, segundo Thursfield. Realmente, essa jornais norte-americanos, influenciados
obra de Mahan até hoje é pesquisada como pelo momento do conflito com a
relevante e fundamental para se conhecer a Espanha”.103 Hoje em dia esse livro tem sido
vida de Horatio Nelson. A busca em fontes pouco mencionado.
primárias lhe rendeu bons frutos. Em 1898, logo depois da eclosão dessa
Nesse mesmo ano de 1897, Mahan lan- guerra, Mahan foi chamado para compor o
çou outro livro The interest of América in Naval War Board, com o propósito de for-
Sea Power, present and future101, uma se- necer ao secretário da Marinha, John Long,
leção de oito ensaios escritos por ele102, assessoria técnica e estratégica sobre as
nos quais foram discutidas questões rela- operações em curso.104 Segundo o historia-
tivas ao Havaí e sua importância para os dor Russell Weigley, o Naval War Board não
EUA, a necessidade de se obter o controle teve qualquer interferência na questão es-
do istmo do Panamá, as possibilidades de tratégica, uma vez que, embora não existis-
uma união de objetivos comuns entre a sem planos contingentes, a Marinha dos

99 TAYLOR, op. cit. p. 84.


100 Ibidem, p. 82.
101 MAHAN, Alfred Thayer Mahan. The interest of America in Sea Power, present and future. Boston:
Little Brown, 1897.
102 Os periódicos referenciados foram o Atlantic Monthly, o Fórum, o North American Review e o
Harpers New Monthly Magazine. Fonte: Ibidem, p. vii.
103 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 352.
104 Faziam parte do Board, juntamente com Mahan, o Almirante Montgomery Sicard e o Capitão de
Mar e Guerra Crowninshield. Fonte: TAYLOR, op. cit. p. 88.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

EUA já tinha decidido atacar o “decrépito Pode parecer estranho, mas Mahan não
esquadrão naval espanhol nas Filipinas de estava na vanguarda do imperialismo108
modo a já obter superioridade na eventual norte-americano, representado por
mesa de negociações de paz”105. Theodore Roosevelt e Cabot Lodge, que
A posição de Mahan perante a guerra viam nessa iniciativa um projeto nacional e
contra a Espanha era clara. Acreditava que que a vitória sobre os espanhóis por Cuba
a causa norte-americana era justa e que a traria a oportunidade de anexar também as
Constituição de seu país deveria ser inter- Filipinas. Segundo Robert Seager II, Mahan
pretada para permitir a aquisição e admi- percebeu desde 1896 a necessidade e a
nistração de colônias106. Estava convicto oportunidade de expansão comercial no
de que a emergência dos EUA na arena in- Pacífico e nos mercados chineses, no en-
ternacional traria à tanto não existe, se-
consciência do povo gundo Seager, qual-
norte-americano que Mahan percebeu desde quer evidência ligando
uma aliança com a Grã- a anexação do arquipé-
Bretanha era necessá-
1896 a necessidade e a lago filipino com o im-
ria, sendo essa união oportunidade de expansão perialismo tradicional
anglo-saxônica bené- comercial no Pacífico e nos rooseveltiano. Acredi-
fica para o mundo. Em tava Mahan que a
carta a seu amigo in- mercados chineses aquisição de estações
glês George Sydeham de carvoagem em
Clark, disse o seguinte: Manila, Guam e na foz do Rio Yang-Tse era
adequada à futura expansão comercial em
Pessoalmente acredito que essa guerra direção à China.109 Certo, no entanto, foi
[contra a Espanha] é não somente justa, que Mahan acreditava que Deus conduzia
mas que os sentimentos de nossa de- os EUA para uma missão civilizadora nes-
mocracia como um todo, ao entrarmos sas colônias convertidas.110
na guerra, são livres de qualquer conta- No ano seguinte, Mahan foi convoca-
minação[...] a extensão da influência dos do para compor a delegação de seu país
EUA, a expansão territorial e de colôni- como especialista naval111 na primeira Con-
as são aceitas como quase uma unani- ferência de Paz de Haia, sob a presidência
midade de pensamento107. de Andrew White. Um fato que marcou a

105 WEIGLEY. Russell. The american way of war. Bloomington: Indiana University Press, 1977, p. 183.
106 SEAGER II, Alfred Thayer Mahan. The man and his letters, op. cit. p. 388.
107 Carta de Alfred Mahan para George Sydeham Clarke, escrita em 24 de maio de 1898 de Washington
DC. Fonte: SEAGER II, Letters and papers, op. cit. p. 556.
108 Define-se imperialismo como o conjunto de práticas e teorias que um centro metropolitano elabora
para controlar um território distante. O imperialismo promoveu disputas por fontes de matérias-
primas entre trustes e cartéis que, já tendo dominado o mercado interno em seus países de origem,
precisavam se expandir para além de suas fronteiras, defrontando-se com cartéis e trustes de países
concorrentes. Fonte: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos
Históricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 218.
109 SEAGER, Letters and papers, op. cit p. 391.
110 Ibidem, p. 394.
111 Delegação composta, além de White e Mahan, por Seth Low e Stanford Newel, políticos norte-
americanos; William Crozier, do Exército; e Fred Holls, secretário da delegação. Fonte: TAYLOR,
op. cit. p. 94.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

participação de Mahan na conferência foi O primeiro livro113 foi uma análise da


seu voto contra a proibição do uso de ga- Guerra Hispano-Americana, que acabara de
ses asfixiantes, propugnado pela maioia ocorrer. Mahan procurou descrever as li-
das delegações presentes. Essa atitude, ções retiradas da guerra contra a Espanha,
muito criticada na época, se deveu a uma a Conferência de Paz que se seguiu e os
interpretação pouco ortodoxa de Mahan. aspectos morais da guerra. Em seguida,
Acreditava que não se conheciam ainda dissertou sobre as relações existentes en-
os efeitos dos gases asfixiantes nos seres tre os EUA e os seus novos protetorados,
humanos, e seu propósito principal com o encerrando com dois capítulos referentes
voto contrário foi permitir que os cientis- às qualidades dos navios de guerra no con-
tas norte-americanos tivessem a capacida- flito e às falácias correntes, segundo sua
de de pesquisar e desenvolver uma arma percepção, sobre alguns temas navais114.
eficaz que teria efeito destrutivo sobre qual- No segundo livro,115 Mahan discorreu
quer inimigo que desejasse atacar os EUA. sobre a questão asiática e os efeitos dessa
Mahan não defendeu o uso dessa arma. questão na política mundial, terminando
Ele apenas concordou com a pesquisa e com algumas considerações sobre o con-
eventual utilização em caso de ataque con- flito no Transvaal. Infelizmente, o livro não
tra o seu país. teve uma boa recepção no mercado edito-
Ao final da conferência, apenas os EUA rial, fruto possivelmente de sua pesquisa
e a Grã-Bretanha votaram favoravelmente superficial e recorrência a fontes secundá-
ao uso desse tipo de gás, contra 26 países rias, sem a profundidade adequada. O livro
que votaram contra112. Em 1907, a Grã- saiu quase todo de sua imaginação, com
Bretanha votou contra, deixando os EUA poucas referências que corroborassem
como o único país favorável à utilização. A suas ideias.116
Grande Guerra de 1914 veria a Alemanha No terceiro livro117, mais específico, escrito
utilizar essa arma mortal, apesar do que foi em apenas três meses, ele abordou o Conflito
decidido na conferência. dos Bôeres e os combates contra os ingleses
Em 1899 e 1900, Mahan publicou segui- em sete capítulos. Disse que o livro que escre-
damente três livros: Lessons of war with vera tinha como propósito demonstrar ao “ho-
Spain, The problem of Asia and its effect mem comum das ruas”118, isto é, ao público
upon international policies e The story of leigo norte-americano, a justeza da causa bri-
war in South África 1899-1900. tânica em sua luta contra os bôeres.

112 Ibidem, p. 97.


113 MAHAN, Alfred Thayer. Lessons of the war with Spain and other articles. Boston: Little Brown,
1899.
114 Esse livro foi composto da compilação de artigos para os periódicos Mc Clure´s Magazine, North
American Review, Engineering Magazine, Scripps-Mac Era Newspaper League e Harpers Monthly
Magazine, entre junho de 1898 e outubro de 1899. Fonte: Ibidem, p. xvi.
115 MAHAN, Alfred Thayer. The problem of Asia and its effect upon international policies. Boston:
Little Brown, 1900.
116 SEAGER Letters and papers op. cit, p. 462.
117 MAHAN, Alfred Thayer. The story of the War in South Africa 1899-1900. Boston: Little Brown,
1900.
118 Mahan utilizou a expressão em inglês “the sort of thing the man in the street needs”.
119 A Rusi existe até hoje na Inglaterra, sendo uma sociedade muito importante nas discussões dos
assuntos de Defesa.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Nesse ano, 1900, Mahan recebeu uma Cambridge disse, em sua alocução de
comenda que muito o emocionou: a Meda- premiação, o seguinte:
lha de Ouro Chesney, conferida pela Royal
United Services Institution (Rusi)119. Essa A Medalha de Ouro Chesney foi criada
sociedade inglesa foi fundada em 1831, com em memória do falecido General Sir
o propósito de ser um local de debate para George Chesney, um distinto oficial do
oficiais da Marinha e do Exército interes- Corpo de Engenheiros. Essa comenda é
sados em assuntos militares. No início da para ser conferida, por decisão do Con-
existência da Rusi, os assuntos apresenta- selho da Rusi, ao autor que produzir um
dos eram de natureza tecnológica, no en- trabalho literário original, tratando de
tanto conferências sobre táticas e estraté- ciência militar e naval e literatura, em
gia foram, depois de certo tempo, proferi- prol do engrandecimento do Império
das120. Anualmente era escolhida a melhor britânico. A primeira comenda conferida
monografia, em uma competição aberta a pelo Conselho foi ao senhor, [Mahan]
todos que se dispusessem a escrever. A em consideração a seus três grandes li-
Rusi patrocinava também palestras de per- vros, The influence of Sea Power upon
sonalidades importantes que para lá se di- History, The influence of Sea Power
rigiam para discutir assuntos de defesa do upon the French Revolution and Empire
Império. Sir John Knox Laughton e Sir Phillip e The life of Nelson. É com grande satis-
Colomb foram expositores constantes na fação que lhe afirmo que seu nome foi
instituição. O Rusi também tinha outra ta- escolhido por unanimidade122.
refa importante, que era permitir que ares-
tas entre as Forças Armadas fossem lá apa- Dois anos depois de receber a Medalha
radas. Era também um local onde os milita- Chesney, Mahan foi eleito por unanimidade
res podiam debater abertamente assuntos novamente para ser membro honorário per-
que, por sua natureza, não seriam permiti- pétuo da Rusi, em retribuição pela dissemi-
dos dentro da caserna121. Com o passar do nação e prestígio conferido à história naval
tempo, a instituição passou a ser conside- britânica. Nesse mesmo ano, 1902, Mahan
rado um local respeitado e considerado pela foi eleito presidente da Associação Históri-
qualidade dos trabalhos apresentados. ca Americana, já sendo associado da Socie-
O Conselho da Rusi, sob a presidência dade Histórica de Massashusetts, da Soci-
do Duque de Cambridge, primo da Rainha edade Geográfica de Lisboa, em Portugal.
Vitória e comandante em chefe do Exército Alguns anos depois, entrou para a Socieda-
britânico, por unanimidade, resolveu con- de Histórica de Minnesota.123
ceder anualmente ao melhor autor selecio- Em 1906, Mahan foi promovido a contra-
nado a Medalha de Ouro Chesney, em re- almirante na reserva por um ato do Congres-
conhecimento pelos trabalhos e livros pu- so que permitiu a promoção daqueles ofici-
blicados sobre assuntos de Defesa do Im- ais que tivessem lutado na Guerra Civil.
pério britânico. Mahan foi, por esse moti- Mahan manteve o título de captain até o fim
vo, o primeiro escolhido pelo Conselho a de seus dias, embora já fosse legalmente con-
receber essa medalha. O Duque de tra-almirante. Continuou, também, como

120 SCHURMAN, op. cit, p. 8.


121 Ibidem, p. 8.
122 TAYLOR, op. cit. p. 104.
123 Ibidem, p. 108.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

palestrante emérito na EGN-EUA, enquanto Anos. O segundo foi George Brydges, Lorde
participou de diversos comitês designados Rodney (1718-1792), vencedor da Batalha dos
pelo Presidente da República, seu amigo Santos, em 1782, durante a Guerra de Inde-
Theodore Roosevelt. Em 1909, foi designado pendência americana. Disse Mahan que
para compor um grupo de oficiais que rece- “Hawke e Rodney são ilustrações destaca-
beu a incumbência de reorganizar a Marinha. das, o primeiro representando o espírito, o
Desse grupo faziam parte, além de Mahan e segundo a forma, de como eram os eficientes
inúmeros congressistas e almirantes, seu elementos do progresso humano naval ocor-
velho comandante e rido no século XVIII”.125
amigo Stephen Luce. O terceiro foi Richard
Em 6 de junho de Lorde Howe (1726-
1912, Mahan foi refor- 1799), vencedor da Ba-
mado e se afastou de talha do Glorioso 1o de
todas as tarefas gover- Junho, nas guerras da
namentais a ele deter- Revolução Francesa.
minadas, três meses Mahan o nomeou o al-
antes de completar seu mirante tático por exce-
72o aniversário. lência. O quarto biogra-
De 1901 a 1912, fado foi John Jervis, Earl
Mahan escreveu nove Saint Vincent (1735-
livros, quase um por 1823), vencedor da Ba-
ano. O primeiro deles talha do Cabo São
foi em 1901, Types of Vicente. Mahan a ele se
naval officers, drawn refere como o grande
from the History of disciplinador e estrate-
British Navy124. Esse gista. O escolhido se-
livro foi um libelo à Marinha Real britânica, guinte foi James Lorde Saumarez (1757-1836),
por ele sempre admirada. Mahan escolheu brilhante oficial de esquadra e comandante
seis oficiais dessa Marinha para demons- de divisão naval. Por fim, Edward Pellew, Vis-
trar as qualidades que ele reputava como conde Exmouth (1757-1833), destacado co-
necessárias para transformar oficiais co- mandante de fragata e oficial eficiente. Trata-
muns em líderes de homens. se, assim, do terceiro livro biográfico de
Ele começou descrevendo as condições Mahan, seguindo as vidas de Farragut e Nel-
gerais da guerra naval no início do século son, por ele escritas.
XVIII e o progresso ocorrido durante o trans- No ano seguinte, 1902, Mahan publicou
correr desse período. O primeiro chefe naval Retrospect and Prospect: Studies in
escolhido foi Edward Lorde Hawke (1705- International Relations, Naval and
1781), vencedor da Batalha da Baía de Political.126 Essa obra seguiu o formato das
Quiberon, em 1759, durante a Guerra dos Sete anteriores com artigos publicados em perió-

124 MAHAN, Alfred Thayer. Types of naval officers drawn from the History of the British Navy; with
some account of the conditions of Naval Warfare at the beginning of the Eighteenth Century and its
subsequent development during the Sail Period. Boston: Little Brown, 1901.
125 Ibidem, p. 152.
126 MAHAN, Alfred Thayer. Retrospect and prospect: studies in International Relations Naval and
Political. London: Sampson Low, Marston, 1902.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

dicos, compilados em um livro127. Nessa obra, seguir a um conflito, afirmando que “falhan-
Mahan discutiu as condições determinantes do em criar, antes da guerra, uma Marinha
para a expansão naval dos EUA, a influência competente, capaz de aproveitar oportuni-
da Guerra da África do Sul sobre o prestígio dades surgidas para atacar unidades hostis
e os motivos que levaram à formação do Im- no mundo todo, não era possível, depois de
pério britânico, considerações que afetaram começado o conflito, corrigir o erro”128.
a disposição das Marinhas, o papel do Golfo Mahan concluiu que uma modesta Marinha
Pérsico nas relações internacionais, algumas poderia se contrapor a um poder naval mais
considerações sobre a regra militar de obedi- poderoso, quando condições geográficas e
ência e, por fim, um elogio ao Almirante outras possibilidades fossem consideradas.
Sampson, protagonista principal da Guerra Essa concepção se encaixava perfeitamente
Hispano-Americana. no caso dos EUA, após seus estudos da
O próximo trabalho de Mahan seria o Sea guerra no mar do século XVII ao XIX.129
Power in its relations to the War of 1812, o Em 1907, dois livros foram lançados:
terceiro volume da trilogia The influence of Some Neglected Aspects of War130 e From
Sea Power. Essa obra monumental de dois Sail to Steam. O primeiro era no estilo dos
volumes foi abordada de modo distinto por anteriores, com artigos selecionados já pu-
ele. Ao invés de apontar os benefícios que blicados; no entanto houve uma diferença
advêm para um país com o desenvolvimen- nesse trabalho: a inclusão de textos de dois
to de seu poder marítimo, ele discutiu as outros autores, Henry Pritchett e Julian
desastrosas consequências que a falta de Corbett. O primeiro discorreu sobre o esta-
preparação para a guerra no mar pelos EUA belecimento do princípio da arbitragem in-
motivou na Guerra de 1812 contra a Grã- ternacional e o segundo sobre a captura de
Bretanha. Com esse recado explícito, Mahan propriedade privada no mar. Mahan, por sua
queria convencer os cidadãos dos EUA de vez, abordou os aspectos morais e práticos
que o poder marítimo era importante para o da guerra, considerações sobre a Conven-
país. Afirmou categoricamente que a pros- ção de Haia de 1907 e a questão da imunida-
peridade comercial norte-americana depen- de da Marinha Mercante na guerra e, por
dia da segurança das linhas de comércio. fim, a guerra vista de um ponto de vista cris-
Uma de suas claras conclusões apontou tão, assunto que o interessava demasiado131.
para o fato de que um país que negligencie No segundo livro publicado, From Sail
o poder marítimo estará em uma posição de to Steam132, Mahan escreveu sua autobio-
inferioridade na mesa de negociação que se grafia, em que descreveu alguns aspectos

127 Os capítulos foram compostos de artigos publicados nos periódicos The World Work, Leslie Weekley,
The National Review, The Nattional Review and International Monthly e The Fortnightly Review.
Fonte: Ibidem, p.ix e x.
128 Ibidem, v. 1, p. 310.
129 SUMIDA, op. cit. p. 41.
130 MAHAN, Alfred Thayer. Some neglected aspects of war. Boston: Little Brown, 1907.
131 Esses artigos foram compilados do The Atlantic Monthly de julho de 1907 para o caso de Henry
Pritchett, ex-presidente do Instituto de Tecnologia de Massashussets; o The Nineteenth Century
and After de junho de 1907 para Sir Julian Corbett; e North American Review, National Review e um
trabalho apresentado em um congresso religioso realizado em Providence, Rhode Island, em no-
vembro de 1900 para o caso de Mahan. Fonte: Idem, p. xxiii.
132 MAHAN, Alfred Thayer. From Sail to Steam: recollections of naval life. London: Harper &
Brothers Publishers, 1907.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

que considerou relevantes não só para a da Marinha dos EUA; os princípios e um


sua vida como para a própria história da retrospecto da Guerra Russo-Japonesa;
Marinha dos EUA. Ele iniciou o seu relato duas aulas inaugurais no curso da EGN-
se apresentando e depois descreveu a situ- EUA, a primeira proferida em 6 de agosto
ação naval norte-americana após a Guerra de 1888 e a segunda em 6 de setembro de
de Secessão, tanto em termos de pessoal 1892; seu discurso de assunção na presi-
como em termos materiais. Prosseguiu des- dência da Associação Americana de His-
crevendo o seu tempo na Academia Naval tória em 26 de dezembro de 1902; um arti-
de Annapolis e o seu período embarcado, já go sobre Nelson; o impacto da viagem da
como oficial, nos diversos navios da Mari- esquadra norte-americana em 1907 no Pa-
nha. Fica claro em seu texto que o seu perí- cífico; e algumas considerações sobre a
odo de embarque lhe foi muito penoso e Doutrina Monroe.
que preferia escrever a ser um oficial a bor- No ano seguinte, 1909, Mahan lançou
do de navio. Seu tempo na EGN-EUA lhe um livro que não tratou de História nem de
trouxe alguns aborrecimentos, principalmen- Estratégia. Seu título, The Harvest within:
te pela falta de compreensão por parte de thoughts on the life of the Christian.137
muitos oficiais-generais da importância des- Essa obra foi voltada inteiramente para a
sa escola para a formação dos futuros líde- vida espiritual. Em todas as suas obras his-
res navais. Disse ele: “A instabilidade dos tóricas anteriores, Mahan se esquivava de
destinos da escola me irritou e perturbou. comentar aspectos religiosos. Mesmo em
Se a Marinha não gostava do que eu estava sua autobiografia, From Sail to Steam,
fazendo, por que deveria eu persistir? Nada Mahan nada comentou sobre suas convic-
tem sido dado para o mundo, e eu não tenho ções religiosas. Nesse trabalho, Mahan se
tido nenhum encorajamento e pouco de mi- debruçou inteiramente em questões espiri-
nha classe, com exceção da aprovação cor- tuais, sendo, assim, uma obra única.
dial de poucos oficiais”.133 A parte de sua Em 1910, seguiu-se The interest of Amé-
autobiografia referente a “experiências de rica in international conditions138. Essa
autoria” é por demais interessante, pois obra foi composta por apenas quatro capí-
apontou suas principais dificuldades e in- tulos. Mahan estava preocupado, nesse li-
fluências como autor134. vro, com a situação europeia e a emergência
Em 1908, Mahan lançou Naval da Alemanha como um elemento perturbador
Administration and Warfare135, seguindo na Europa. Ele citou o historiador Hans
o estilo de suas obras anteriores, uma Delbruck, que dizia que a rivalidade entre a
compilação de artigos previamente publi- Grã-Bretanha e a Alemanha era um resulta-
cados136. Foram abordados: os princípios do natural das relações internacionais e que
de administração naval; o Departamento não poderia ser desprezada. Para Delbruck,

133 Ibidem, p. 303.


134 Ibidem, p. 304.
135 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Adminstration and Warfare. Boston: Little Brown, 1918.
136 Os artigos foram republicados dos periódicos National Review, Scribner´s Magazine, The Scientific
American e Colliers Weekley. Fonte: Ibidem, p. xiii, xiv.
137 MAHAN, Alfred Thayer. The Harvest whin: toughts on the life of the Christian. Boston: Little
Brown, 1909.
138 MAHAN, Alfred Thayer. The interest of America in International Conditions.Boston: Little Brown,
1910.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

essa rivalidade, naquela oportunidade, não volvimento da estratégia desde a morte do


envolvia ainda o extremo da guerra, devido cardeal Richelieu em 1642. São 15 capítu-
à balança de poderes existente na Europa.139 los discursivos em que ele se debruça so-
Ao contrário, Mahan acreditava que o cho- bre a história naval, apontando, com exem-
que entre as duas nações poderia ocorrer a plos históricos, a aplicabilidade e relevân-
qualquer momento, enfatizando o seguinte: cia dos princípios utilizados nas guerras
do passado. Mahan não deixou de discutir
Sob as condições atuais na Europa,
a Guerra Russo-Japonesa e procurou reti-
notadamente pela incapacidade russa, jun-
rar lições de seus resultados. Nessa obra
to com a diversão de suas energias para o
Mahan também discutiu questões
leste, a Alemanha está a salvo de qualquer
geopolíticas envolvendo os EUA e a im-
invasão. Sua Marinha está, ou muito breve
portância da concentração, da posição cen-
estará, livre para agir em qualquer parte do
tral, das linhas interiores e das linhas de
mundo, com exceção da Marinha britânica
comunicação142. Em uma carta a seu amigo
a lhe opor. Se a Marinha britânica permane-
Almirante Bouverie Clark, da Marinha bri-
cer neutra ou sucumbir, a Alemanha, sob
tânica, Mahan comentou a grandiosidade
as presentes circunstâncias e com toda a
de seu trabalho e suas hesitações naturais
probabilidade, se tornará o estado naval
de quem se dedicou inteiramente à Escola
dominante do mundo, assim como o país
de Guerra. Ele ainda tinha dúvidas do su-
predominante da Europa.140
cesso de seu livro. Disse ele a Clark:
Mahan percebia claramente o provável
choque entre os dois antagonistas, que já se Lembro-me que você comentou comigo
encontravam em uma corrida armamentista em sua carta sobre a hesitação em ler o
de razoáveis proporções. Nesse livro, ainda, meu Naval Strategy. Sinceramente de-
Mahan discutiu as relações entre o Leste e o sejo que você não o leia por pura amiza-
Oeste e a posição dos EUA em relação à po- de. Eu lhe confessarei que compor esse
lítica de “portas abertas” na China. livro foi a tarefa mais perfunctória que
Em 1911, Mahan escreveu o Naval fiz como autor. Existiam razões imperio-
Strategy compared and contrasted with sas para assim fazer, porém a sua escrita
the principles and the practice of military foi por mim sentida como um fardo. Foi
operations on land141, um livro fundamen- feita conscientemente, e desejo que ela
tal para se compreender o seu pensamento não seja tão ruim assim. Mas foi contra
estratégico e operacional. Nele são compi- a minha inclinação, e acredito que seja a
ladas as palestras ministradas por Mahan minha última grande obra profissional a
na EGN-EUA entre os anos de 1887 e 1911. que me proponho. Muitos elogios me
Trata-se de uma obra magistral e extensa foram feitos para desejar que, embora
(cerca de 475 páginas), na qual o autor dis- contenha muitos defeitos, minha repu-
cutiu a questão dos princípios e o desen- tação não sofra muito por causa dela.143
139 Ibidem, p. 72.
140 Ibidem, p. 78.
141 MAHAN, Alfred Thayer. Naval Strategy compared and contrasted with the principles and the
practice of military operations on land. London: Sampson Low, Marston & Company, 1911.
142 Esses conceitos compõem a base de sua concepção estratégica de controle do mar e serão discutidos
no próximo número da Revista Marítima.
143 Carta de Alfred Mahan a Bouverie Clark, escrita de Nova Iorque em 12 de março de 1912. Fonte:
SEAGER Letters and papers, v. 3, op. cit p. 447.

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ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

Esse livro realmente foi a sua última gran- of Royal Navy em sete volumes, organiza-
de obra histórico-teórica e não afetou a sua do pelo historiador Sir William Laird
reputação. Um ponto significativo dessa Clowes, correspondente naval do The Ti-
obra foi a conclusão de Mahan de que a mes e influente escritor.147 Por autorização
guerra era uma arte e não uma ciência. Ele especial do editor148, Mahan pôde trans-
discutiu intensamente a história da estra- crever o seu capítulo, que recebeu o título
tégia naval e os princípios, segundo ele, de Major Operations 1762-1783, transfor-
inalteráveis da estratégia e da tática. mando-o em livro de cerca de 280 páginas,
Os dois últimos anos de vida de Mahan com 14 capítulos descrevendo a Guerra da
foram de saúde debilitante. Nos anos de 1907 Independência dos EUA sob o ponto de
e 1908 sofrera duas operações, segundo ele vista naval.
motivadas pela pressão dos editores para A idade avançada de Mahan, acrescida
que escrevesse sempre mais. Seu coração do problema cardíaco, não o fazia perder as
cambaleava e sentia-se muitas vezes fraco. forças. Para seu amigo Clark disse que ainda
Nesses dois últimos anos dedicou-se a es- “podia andar numa velocidade de quatro mi-
crever Armaments and Arbitration144 e lhas por hora, embora não pudesse mantê-la
Major operations of the navies in the War por mais que uma hora”.149
of American Independence145. O primeiro li- No início de 1913, realizou com sua es-
vro, de 1912, foi composto de dez artigos posa e duas filhas viagens à França e à
publicados no North American Review e Itália, o que lhe trouxe muita alegria. Con-
no Century Magazine nos anos de 1911 e tava com 72 anos de idade.
1912. Os seis primeiros artigos, segundo Por ocasião da abertura das hostilida-
Mahan, foram escritos para apresentar ar- des da Grande Guerra, em agosto de 1914,
gumentos, frequentemente ignorados, que Mahan recebeu diversos convites para es-
nem o arbitramento em sentido geral nem o crever sobre os acontecimentos da guerra
arbitramento como forma específica de de- no mar150, no entanto se viu impedido de
cisão judicial, baseado em um código legal, publicá-los, devido a uma ordem especial
podem, em todas as oportunidades, ser apli- do Presidente dos EUA, Woodrow Wilson,
cados em processos que seguem um curso que determinou a todos os oficiais da ativa
natural das forças envolvidas, principalmen- e da reserva das Forças Armadas norte-
te quando envolvem o poder nacional. Em americanas que se abstivessem de escre-
seguida, discutiu o papel da força nas rela- ver sobre a Grande Guerra por ser “alta-
ções internacionais entre os Estados.146 mente indesejável e impróprio que oficiais
O segundo livro, de 1913, o seu último da Marinha e do Exército dos EUA façam
publicado, compôs um capítulo da History qualquer declaração na qual expressem

144 MAHAN, Alfred Thayer. Armaments and Arbitration. New Yorke: Harper & Brothers, 1912.
145 MAHAN, Alfred Thayer. Major Operations of the navies in the War of American Independence.
London: Sampson Low, Marston Ltd, 1913.
146 MAHAN, Alfred. Armaments and Arbitration. op. cit., p. iv.
147 SCHURMAN, op. cit. p. 91.
148 O editor foi Sampson Low and Marston.
149 TAYLOR, op. cit. p. 273.
150 Os periódicos que queriam artigos regulares de Mahan sobre o transcurso da guerra foram o The
Independent, de Nova Iorque, pagando cerca de 100 dólares semanais por cada artigo, uma boa
soma para a época, e o Leslie, também de Nova Iorque, pela mesma quantia semanal. Fonte: Ibidem,
p.279.

172 RMB2 oT/2009


ALFRED THAYER MAHAN: O HOMEM (I)

qualquer crítica política ou militar sobre diretor de pesquisa histórica do Instituto


outras nações envolvidas no conflito”.151 Carnegie, em Washington, DC e editor da
Mahan tentou, ainda, por carta ao secretá- American Historial Review. Disse ele a
rio da Marinha, contra-argumentar, sem re- Franklin o seguinte:
sultado. A proibição foi mantida, para sua
decepção. Meu caro Dr. Jameson: sendo obriga-
Logo depois da declaração de guerra da do a permanecer em casa hoje, para re-
Grã-Bretanha, ele declarou sua firme con- ceber uma visita de meu médico, utili-
vicção na vitória dos aliados sobre a Alema- zei a oportunidade de escrever para a
nha e voltou a mencionar que a Marinha senhora Sperry. Encaminhei a sua car-
britânica dominaria os mares e que “só exis- ta, juntamente com a do professor
tia uma Marinha no mundo [a britânica] e Smith, melhor explicando a situação, ra-
que as outras eram apenas crianças em com- tificando nela minhas próprias reco-
paração. Eu [Mahan] não queria menospre- mendações e aprovação.153
zar as Marinhas dos EUA e de outros paí-
ses, mas, comparando com a britânica, as Logo depois foi transferido para o Hospi-
outras Marinhas têm muito que aprender”.152 tal Naval de Washington, após outro ataque
O seu coração começou a falhar com cardíaco, vindo a falecer em 1o de dezembro
mais frequência. Sua última correspondên- de 1914. Mahan tinha 75 anos de idade.
cia foi datada de 21 de novembro de 1914 Morria o grande teórico do poder marí-
para o seu dileto amigo Franklin Jameson, timo dos EUA.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<NOMES>; Mahan; Alfred Thayer; Pensamento militar; Poder marítimo; Mentalidade marítima;

151 Ibidem, p. 275.


152 Ibidem, p. 281.
153 Carta de Alfred Mahan para Franklin Jameson escrita de Washington, DC, em 21 de novembro de
1914. Fonte: SEAGER Letters and papers, v. 3, op. cit p. 552.

RMB2 o T/2009 173


EVOLUÇÃO DA GUERRA*

– A guerra naval antes do emprego do canhão


– A guerra na idade moderna

ANTONIO LUIZ PORTO E ALBUQUERQUE**


Capitão de Fragata (RM1)

A GUERRA NAVAL ATÉ O EMPREGO DO CANHÃO

U m dos mais antigos documentos egíp-


cios é o cabo de marfim de uma faca
encontrada em Gebel-el-Arak, que mostra
xo Egito) e o Vale do Nilo (Alto Egito)1.
Diante desse resultado militar em que na-
vios estiveram envolvidos, pode-se inves-
uma cena que parece ser uma batalha na- tigar que emprego eles tiveram. As evidên-
val, travada provavelmente contra invaso- cias parecem indicar que serviram apenas
res mesopotâmicos, na segunda metade do para transporte de tropas, as quais devem
quarto milênio a.C. A invasão de fato acon- ter-se engajado em combate a curta distân-
teceu e teve resultados importantíssimos cia, empregando armas leves de arremes-
para o Egito, transformando o país rápida e so, tais como flechas e dardos. Os navios
profundamente, fazendo-o avançar de uma teriam sido então plataformas flutuantes
cultura neolítica de caráter tribal para duas para emprego de infantaria, exatamente
monarquias bem organizadas, compreen- como deve ter acontecido também em 1195
dendo separadamente o delta do Nilo (Bai- a.C., quando Ramsés III conteve a invasão

* Este texto foi escrito pelo autor em partes e épocas distintas. A Direção da RMB julgou que eles se
encadeiam de forma lógica e decidiu publicá-los em um mesmo artigo, oferecendo aos leitores uma
visão ampla sobre o tema. A primeira parte – A guerra naval até o emprego do canhão – foi publicada
na RMB do 2 o trimestre de 1993, págs. 165-185.
** Bacharel em História e doutor em Filosofia. Professor de História Naval, na Escola Naval.
1 Cf. Emery, Walter B. Archaic Egypt. Harmondsworth: Penguin, 1984, p. 38-9.
EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

dos povos do mar, que àquela altura amea- empregadas a bordo devem ter sido exclu-
çavam entrar no Delta2. Tais invasores eram sivamente as já citadas, de uso da infanta-
povos marítimos que haviam sido expulsos ria embarcada, incapazes de causar danos
do Mar Egeu e de Creta pelos dórios no fim à estrutura do navio inimigo. O homem ad-
do século XII a.C., e que tentaram estabele- versário terá sido o grande objetivo na
cer-se no Egito vindos a bordo de grandes guerra naval; abatê-lo significava pôr fora
frotas piratas3. Para rechaçar o ataque, de operação o navio ou, pelo menos, torná-
“Ramsés III reforçou as defesas de fronteira lo inofensivo. Os testemunhos conhecidos
e distribuiu a frota nos portos fenícios”4, indicam, assim, que a batalha naval con-
destruindo uma força naval inimiga num sistia num grande engajamento a curta dis-
porto sírio e atacando com grande êxito, por tância, ou mesmo corpo a corpo, a bordo
meio de aramas de arremesso, os navios dos navios, muito parecido com o que se
adversários que já operavam no Delta. Es- dava na batalha terrestre. Esse tipo de
ses dois casos ilustram, pois, o que deve ter engajamento não haveria de variar muito
sido o emprego básico do navio egípcio ao longo dos séculos que se seguiram, até
antigo, sempre ligado a tropas de infantaria, que uma arma nova, o canhão, uma vez
em operações navais de defesa do litoral, posto a bordo, fosse capaz de causar da-
com a profundidade possível, que seria am- nos sérios ao navio adversário.
pliada em tempos posteriores, quando os Quando, entre os séculos XII e XI a.C.,
navios tenderam a combater afastados da os dórios invadiram a Península Helênica e
linha costeira. Ainda quanto aos egípcios, é chegaram ao Mar Egeu provenientes do
interessante notar que não apenas os navi- Norte, trouxeram como marca de sua supe-
os transportavam tropas, mas estas também rioridade guerreira a arma de ferro. Sabe-se
transportavam navios devidamente des- que desenvolveram atividades marítimas e
montados, que eram empregados a longa tiveram como navio militar uma embarca-
distância no Mar Vermelho ou no Rio ção afilada (grande relação comprimento/
Eufrates, por exemplo. Isso foi possível gra- boca), movida a remos, que dispunha de
ças ao excelente desenvolvimento de cons- uma proa pontiaguda voltada para vante,
trução naval em madeira alcançado pelos enquanto a popa era bastante levantada,
egípcios, fazendo embarcações cujas tábu- conforme se pode constatar por meio de
as encaixavam-se completamente sem o au- pinturas antigas em fragmentos de vasos
xílio de um único prego5. de cerâmica. Landström supõe que essas
No Egito antigo, os navios não devem embarcações devem ter tido cerca de 20m
ter disposto de nenhum armamento propri- de comprimento por 1,5m de boca, empre-
amente seu, integrado a suas partes gando uns 12 remadores em cada bordo6.
constitutivas ou a sua estrutura. As armas Seu aspecto permaneceu longamente como

2 Björn Landström atribui a esse episódio a primeira representação conhecida de uma batalha naval,
encontrada no túmulo de Ramsés III, em Medinet Habu (Landström, Björn. The Ship. Londres:
Allen and Unwin, 1976, p. 24). A representação indicada em 1 é cerca de 2.000 anos mais antiga.
3 Cf. Yoyote, Jean. “Egypte Ancienne”, in Histoire Universelle. Encyclopédie de la Pléiade. Paris:
Gallimard, 1965, v. 1, p. 206.
4 Mella, Federico A. Antonio. O Egito dos Faraós (trad. de Attilio Cancian). S. Paulo: Hemus, 1981, p. 234.
5 Cf. Mokhtar, G. (coord.) História Geral da África (trad. de C.H. Davidoff e outros). S. Paulo: Ática, 1983,
v. II, p. 156-157. Importante notar que é possível ter certeza quanto a essa técnica de construção
porque há barcos egípcios antigos preservados inteiros em túmulos, como o do faraó Quéops.
6 Cf. Landström, Björn. Ob. cit., p. 28.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

Navio com esporão

sendo o dos navios de guerra do Mar Me- 50 remadores (25 de cada bordo), medindo
diterrâneo, variando basicamente apenas cerca de 38m de comprimento, com boca não
o tamanho, o número de remos e o de pes- superior a 4m, mantendo-se uma relação
soas a bordo. A proa afilada para vante pode comprimento/boca de aproximadamente 10:1
ter sido apenas uma talha-mar, como suge- no máximo. Acredita-se que os navios des-
rem antigos desenhos de navios tidos se tipo tiveram seu comprimento limitado
como mistos (mercante/guerra), ou também pela máxima possibilidade de construção em
se pode interpretar tal aspecto como ser- madeira com a tecnologia da época, enquan-
vindo, desde os tempos arcaicos, para to sua largura era medida pela necessidade
abalroar o navio inimigo e pô-lo a pique. de espaço para alojar os remadores lado a
Tal finalidade — de fato existente mais tar- lado numa mesma bancada, considerando-
de e reconhecida em textos antigos — foi se que um pouco menos da terça parte do
mais bem atendida com o recobrimento em remo se movimentaria dentro do navio.
bronze daquela protuberância — chamada A preocupação dos gregos em desen-
esporão —, aumentando-lhe a desejável volver uma força naval para emprego ex-
resistência para o choque7. Até o século IV clusivamente militar deve-se, certamente,
a.C., o esporão haveria de ser a única arma ao elevado ponto atingido por seus inte-
propriamente do navio. resses marítimos, especialmente os do co-
Os navios de guerra a remo logo evoluí- mércio. O navio mercante mediterrâneo,
ram daquela embarcação primitiva — na ver- quer fenício, quer grego, era de arquitetura
dade, uma canoa comprida — para um na- completamente diferente da do navio de
vio mais resistente e maior, já nos tempos guerra. Enquanto este tinha no seu remo
homéricos (a partir do século IX a.C.), cha- elemento propulsor básico para garantir-
mado penteconter. Tal navio era movido por lhe velocidade e precisão nos movimen-

7 Cf. Foley, Vernard e Soedel, Werner. “Ancient oared warships”, in Scientific American, abril de 1981,
p. 199.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

tos, o navio mercante movia-se lentamen- seu país, “solo, produtos, vegetação, ani-
te, a vela, disposta num único mastro, va- mais e vida humana são igualmente regula-
lendo-se do remo apenas em ocasiões ex- dos pelo grande rio”9. Este era o Nilo, em
traordinárias. Enquanto o navio de guerra cujas águas navegaram variados tipos de
era longo e estreito, o navio mercante era embarcações para transporte de pessoas,
curto e largo, dispondo de uma relação animais e mercadorias diversas. Björn
comprimento/boca que, na Idade Média, Landström estudou algumas delas, desde
chegou a cerca de 2:1. A navis longa dis- as mais primitivas, que ele supôs serem de
punha de pouquíssimo espaço a bordo papiro, até navios de comércio e de guerra
para carga, sendo muito pequena sua au- feitos inteiramente de madeira. A maior des-
tonomia, o que a obrigava a reabastecer-se sas embarcações certamente foi a grande
aproximadamente a cada três dias, resul- barca da Rainha Hatchepsut, cujas dimen-
tando em curta permanência em qualquer sões ele estimou em cerca de 65m de com-
teatro de operações (aproximadamente um primento por 24m de boca10. Tal barca foi
dia)8. Já o navio redondo (navis rotunda empregada para transporte de obeliscos
para os romanos), como ficou conhecido o daquela soberana em meados do segundo
navio de comércio, tinha boa capacidade milênio a.C. Outras embarcações foram tam-
de carga (em relação às possibilidades da bém empregadas para transportar blocos
época). Enquanto os egípcios tinham seus de pedra, desde as jazidas até as proximi-
navios voltados especialmente para a na- dades das colossais construções egípci-
vegação fluvial, fenícios e gregos constru- as, como as pirâmides e a esfinge de Gizé,
íram os seus barcos mercantes para a na- separadas por centenas de quilômetros das
vegação marítima. pedreiras de Assuã11. Desde, pois, primiti-
Os egípcios haviam se desenvolvido ba- vos barcos de papiro, de curta duração (ape-
sicamente como uma civilização fluvial. Em nas alguns meses), até grandes barcas de

Navio egípcio

8 Cf. Lewis, Michael. The Navy of Britain. London: George Allen and Unwin, 1948, p.61.
9 Burgh, W.G. de. The legacy of the ancient world. Harmondsworth: Penguin, 1967, p. 15-16.
10 Cf. Landström, Björn. Ob. cit., p. 22-23.
11 Cf. Lissner, Ivar. Ainsi vivaient nos ancêtres. Paris: Buchet/Castel, Corrêa, 1957, p. 42-43.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

Barca da Rainha Hatchepsut,


com o obelisco

madeira, com relativamente vasta capaci- os foi o da expedição comercial enviada


dade de carga, os egípcios desenvolveram pela Rainha Hatchepsut ao país de Punt,
técnicas de navegação a remo, primeira- no Mar Vermelho, por volta de 1400 a.C.12
mente, e também a vela, muitas vezes con- Os egípcios progrediriam ainda em seu avan-
jugando ambos os meios propulsores na ço pelo mar, com fins comerciais, militares
mesma embarcação. Não se limitando eles e diplomáticos. Por volta de 600 a.C., o
à via fluvial, devem ter-se feito ao mar an- Faraó Necau II uniu o Rio Nilo ao Mar Ver-
tes de 3.000 a.C., estabelecendo comércio melho por um canal e enviou uma expedi-
com a Fenícia, no extremo leste do Medi- ção marítima guarnecida por marinheiros
terrâneo Oriental. Um dos casos mais fa- fenícios para dar a volta à África13. Apesar
mosos de navegação marítima dos egípci- do progresso obtido nas técnicas de cons-

Birremes fenícias

12 O país de Punt estaria situado às duas margens do Mar Vermelho, podendo ser, portanto, a Arábia e a
Somália. Cf. Savant, Jean. Histoire mondiale de la marine. Paris: Hachette, 1961, p. 14-15.
13 Cf. Samhaber, Ernest. História das viagens de descobertas (trad. de A. Della Nina). S. Paulo:
Melhoramentos, 1965, p. 20-21; e Savant, Jean. Op. cit., p. 15.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

trução e operação de seus navios, os egíp- ra na defesa de seus interesses no mar.


cios nem de longe chegaram a ter interes- Sabe-se, como dito acima, que a pentecon-
ses marítimos da dimensão dos alcança- ter foi o navio militar padrão grego até o
dos pelos fenícios e pelos gregos. Talvez começo do século V a.C. Tucídides deixou
por isso dentre os egípcios não se encon- isso claro16. Divergem, porém, as opiniões
trem registros de operações navais como sobre como teria sido exatamente aquele
ataque a linhas de transporte e suprimen- navio, assim como os outros da Antigui-
to, de apoio logístico e de proteção do trá- dade. Talvez se possa dizer sem errar que,
fego marítimo, como são encontrados en- quanto aos meios flutuantes militares da
tre os gregos. Estes notabilizaram-se como Antiguidade, o grau de incerteza que en-
exímios homens do mar e do comércio; ex- volve o conhecimento que há sobre eles
ploraram regiões marítimas ainda desco- torna insatisfatórios os estudos mais deta-
nhecidas dos povos mediterrâneos, che- lhados que lhes digam respeito. Arqueólo-
gando até o Mar do Norte; estenderam gos, historiadoras, engenheiros navais, téc-
seus interesses econômicos ao Mar de nicos em navegação e outros estudiosos,
Mármara e ao Mar Negro, bem como aos dentre os quais diversos oficiais de Mari-
estuários dos rios da Rússia; fizeram a vol- nha, têm feito grande esforço para esclare-
ta às Ilhas Britânicas, assim como funda- cer dúvidas e resolver problemas relacio-
ram colônias e povoaram extensas regiões nados com navios antigos, especialmente
costeiras do Mar Mediterrâneo, em que se os navios de guerra e seu emprego. As di-
incluem a Ásia Menor, a Itália, a França e a vergências são muitas, muitas conjectu-ras
Espanha; desenvolveram muito os conhe- existem quando se trata de configurar tais
cimentos astronômicos e geográficos, re- tipos de navios. Enquanto Foley e Soedel
velando as cercanias marítimas de regiões admitiram a penteconter como acima
longínquas como o litoral ocidental da Áfri- indicada (25 remadores em cada bordo, sen-
ca (até o Senegal), as costas bálticas, as do um em cada remo, dois em cada banca-
proximidades do círculo ártico e o litoral da), sendo, portanto, uma unirreme,
germânico14. Tudo isso resultou certamen- Rodgers entendeu que a penteconter —
te num fluxo marítimo intenso que povoou enquanto navio de combate — era uma
os mares antigos — muito especialmente o birreme ou diere, isto é, tinha dois homens
Mediterrâneo — de navios redondos gre- em cada bordo, em cada bancada, sendo,
gos. Paralelamente, os gregos estavam ap- portanto, um navio de dimensões diversas
tos a possuir navios de guerra — os navi- das indicadas pelos outros dois autores,
os longos originalmente construídos para sendo mais larga (maior boca) e menos com-
operações de incursão visando ao comér- prida17. Já Landström, assim como Foley e
cio marítimo15. Em momentos importantes Soedel, entende a birreme como sendo um
de sua história, os gregos puderam cons- navio com duas ordens de remo por cada
truir ou operar numerosos navios de guer- bordo, dispondo remadores de bancadas

14 Cf. Albuquerque, A. L. Porto e. História geral do Ocidente. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação
Geral da Marinha, 1985, p. 19; e Savant, Jean. Ob. cit. p. 23 e 24.
15 Cf. Rodgers, William L. Greek and Roman naval warfare. Annapolis: U. S. Naval Institute, 1964, p.
31-32.
16 Cf. Tucídides. Histoire de la Guerre du Péloponnèse (trad. de Charles Zevort). Paris: Charpentier;
1869, p. 16.
17 Rodgers, William L. Ob. cit., p. 38.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

diversas em dois níveis. Landström atri- todos ao mesmo tempo remando, com o fim
bui-lhe um comprimento de cerca de 27m de se poupar a guarnição.
(incluindo o esporão), tendo por boca um No início do século V a.C., outro tipo de
pouco menos de 4m18. A birreme era navio navio de guerra passou a ser adotado em
bastante leve e de linhas elegantes, sendo larga escala pelos gregos: a trirreme ou triere,
possível ser levado à praia pela guarnição galera com três ordens de remos em cada
para passar a noite, encalhado pela popa. bordo. Diz Tucídides que as primeiras
A birreme, também empregada pelos fení- trirremes foram construídas em Corinto, e
cios, dispunha de mastro e vela para nave- que já no fim do século VIII a.C. havia al-
gação em cruzeiro, podendo tal propulsão guns poucos desses navios. Rodgers esti-
ser conjugada com o remo, exceto em com- mou que as menores dimensões de uma
bate ou em rumo desfavorável ao vento, trirreme podem ter sido 25m de comprimen-
quando só o remo era empregado; neste to e 4m de boca (na linha-d’água), sendo
caso, o mastro podia ser abatido, como se guarnecida por 90 remadores, dez oficiais e
vê claramente em pinturas antigas. O Almi- marinheiros e 20 soldados, num total de 120
rante Rodgers fez estudos detalhados para homens. Ao tempo da Guerra do Peloponeso
mostrar que a velocidade máxima que es- (431-405 a.C.), as trirremes atenienses tive-
ses navios podiam alcançar era de cerca de ram guarnição de 200 homens e dispunham
7 nós quando movidos a remo, contando de um convés protetor dos remadores cha-
com 24 remadores; mesmo assim, tal velo- mado catastrona. As trirremes anteriores,
cidade só seria mantida por menos de 20 porém, como as das guerras greco-pérsicas,
minutos. Nos navios antigos a remo, as tra- especialmente as da Batalha de Salamina (480
vessias eram feitas por quartos alternados, a.C.), eram menores e não dispunham de
de modo que os remadores não estivessem convés de proteção. A velocidade máxima

A trirreme grega

18 Landström, Björn. Ob. cit., p. 37.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

das trirremes também era em torno de 7 nós, cia e a abordagem, ensejando esta o corpo a
segundo o Almirante Rodgers, variando sua corpo, luta com armas brancas. O uso do
velocidade de cruzeiro entre 3,5 e 5 nós, apro- esporão demandava, sobretudo, precisão na
ximadamente. Embora esse autor reconheça manobra; explica-se isso porque a espessu-
que estudiosos contemporâneos tenham ra do casco de uma galera antiga não devia
estimado a autonomia dessas galeras em ultrapassar 6 cm, sendo frequentemente
dois a três dias, ele pessoalmente atribui- muito menor, o que tornava fácil o arromba-
lhe cinco dias. Foley e Soedel, no trabalho mento do casco pelo esporão de uma galera
já citado, admitem uma velocidade máxima adversária, que, por volta de 500 a.C., devia
de 11,5 nós para uma trirreme com mais de deslocar umas 50 t. Portanto, a velocidades
150 remadores (cerca de 170), mencionando relativamente pequenas, uma imprecisão de
ainda que tal limite podia ser acrescido de manobra poderia avariar gravemente tam-
50%, segundo engenheiros navais que ar- bém a galera atacante, em face de alguma
gumentam com a leveza do casco. De qual- manobra defensiva do navio atacado. O
quer forma, tal limite só poderia ser mantido objetivo visado pelo atacante poderia ser
por cinco ou dez minutos. Estudando um — como de fato foi muitas vezes — a pro-
outro caso, em condições excepcionais, os pulsão do inimigo, ou seja, os remos, de
mesmos autores estimaram em 9 nós a velo- modo a imobilizá-lo ou restringir-lhe a ma-
cidade média de cruzeiro de uma trirreme, nobra, favorecendo, por exemplo, a aborda-
que pode ter levado uma guarnição extra gem (desejada por quem tinha superiorida-
para fazer rodízio com toda uma bancada de de no combate corpo a corpo). Como para o
cada vez, substituindo, em cada quarto, um emprego do esporão a direção do ataque
terço dos remadores. Tão comum tornou-se devia coincidir com a do deslocamento do
entre os gregos a navegação a remo, que navio, quando da organização de uma for-
Heródoto de Helicarnassos, ao empreender matura de ataque de navios a remo antigos
suas viagens no século V a.C., indo visitar o deveria prevalecer a linha de frente. Outras
Egito, “o país mais célebre que havia no formaturas também eram possíveis, como,
mundo”19, mencionou dentre seus limites por exemplo, a circular, tentada, sem êxito,
geográficos o grande golfo formado pelo pelos coríntios contra os atenienses
Mar Vermelho, expressando seu longo com- (Fórmion) no Golfo de Patras (429 a.C.). En-
primento, desde a extremidade mais ao nor- fim, para emprego do esporão, duas eram as
te até o Oceano Índico, em “40 dias de nave- principais manobras executadas pelos gre-
gação para um navio a remo.”20 Consideran- gos: a primeira, chamada diekplous, visava
do o esporão como a arma principal do na- à ruptura da linha inimiga, atravessando-a
vio até o começo do século IV a.C., o remo (linha de frente contra linha de frente), com
era de fato a única propulsão possível em o propósito de atingir os remos do adversá-
batalha. Diz o Almirante Rodgers que, na rio — essa manobra seria seguida de uma
Antiguidade, somente na Guerra do guinada simultânea (ideal) de 180o por
Peloponeso o esporão foi bastante usado, boreste ou por bombordo, feita o mais rapi-
sob o comando de Fórmion21. Fora isso, pre- damente possível, chamada anastrofe, de
dominou a tática do combate a curta distân- modo a abalroar, com o esporão, os navios

19 Larcher, Pierre-Henri. “Plan de l’Histoire d’Herodote”, in Histoire d’Herodote, Paris, Garnier, s.d.p.
XXVI.
20 Heródoto. Histoire (trad. de Pierre-Henri Larcher) Paris, Garnier, s.d., v. I, p. 134.
21 Rodgers, William L. Ob. cit., p. 10.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

inimigos que estariam tentando manobrar nando o esforço dos remadores muito peno-
para também oferecer as proas aos atacan- so. Assim, as galeras devem ter evoluído para
tes que lhes haviam penetrado a formatura quadrirremes com três ordens de remos, sen-
anteriormente; a outra manobra dos gregos do dois remadores no remo superior, ou com
para o ataque com as galeras a remo era a duas ordens de remo, sendo dois remadores
periplous, que consistia em envolver os por cada remo, ou mesmo com apenas uma
flancos do adversário (que também estaria ordem de remos, com quatro remadores por
em linha de frente), de modo a atacá-lo an- cada remo. É claro que, nessa hipótese, a boca
tes que lhe guinasse para também oferecer da galera tendeu a aumentar para alojar mais
as proas de seus navios. A periplous exigia remadores em cada bancada. Já no tempo de
maior número de navios ou, pelo menos, Alexandre, o Grande, por volta de 330 a.C.,
superioridade na manobra, de modo a pôr havia quadrirremes e quinquirremes (sendo
os navios atacantes nos dois flancos do que nestas havia dois remadores em cada
inimigo, ou, pelo menos, envolvê-lo em par- remo da ordem superior e da ordem interme-
te de sua linha. Sabemos que Fórmion e diária, e um na ordem inferior). Foley e Soedel
Agripa empregaram a diekplous no Golfo ainda registram navios com sete, 13 e 16 re-
de Patras (429 a.C.) e em Ácio (31 a.C.), res- madores por cada bordo em cada seção trans-
pectivamente, enquanto Temístocles evitou versal de bancadas, navios estes construídos
o periplous dos persas em Salamina (480 por Antígono e Demétrio, sucessores de Ale-
a.C.), protegendo os flancos de sua forma- xandre, ao findar o século IV a.C. Pela mesma
tura com o litoral do estreito onde se encon- época, Lisímaco teria construído galeras de
trava. Já os cristãos efetuaram com êxito essa oito remadores em cada bordo, em cada se-
manobra em Lepanto (1571), quando trava- ção transversal de bancadas. Sabe-se muito
ram contra os turcos a última batalha naval pouco desses navios, e é óbvio que mais do
a remos de importância reconhecida. que dois remadores por bancada exigia que
Além do esporão, os navios a remo dis- os demais remassem de pé para fazer os mo-
punham de artilharia mecânica que arremes- vimentos junto ao punho do remo, andando
sava pedras e dardos. Essas catapultas fo- para a frente e para trás. Foley e Soedel estu-
ram empregadas a bordo de trirremes nos pri- daram tecnicamente o assunto e julgaram
meiros anos do século IV a.C. Tais trirremes possível a construção e o emprego de imen-
eram maiores do que as comumente usadas à sos navios do tipo catamarã, com dois cas-
época, e as catapultas instaladas em seu con- cos em paralelo, de modo a dividir por ambos
vés superior devem ter sido empregadas pela o número de remadores, que poderia chegar
primeira vez em 398 a.C., por Dionísio de a 20 em cada bordo de cada casco, em cada
Siracusa, no sítio que empreendeu à cidade seção de bancadas, evitando-se, assim, boca
insular de Mótia, no litoral oeste da Sicília. A excessivamente grande (esse navio, com to-
partir dessa ocasião, os navios tenderam a tal de 40 remadores por cada bordo, por cada
aumentar de tamanho, sem contudo dispor seção, chamou-se tessera-conter e teria sido
de mais do que três ordens de remos, confor- construído para Ptolomeu IV). O importante
me explicam Foley e Soedel22, porque o quar- a considerar, porém, é que as antigas trirremes
to remo mais acima seria muito difícil de ma- tenderam a aumentar o deslocamento, assim
nobrar devido a seu tamanho e peso e ao como outros tipos de galeras. A quinquirreme
ângulo de mergulho de sua pá na água, tor- de Dionísio, do início do IV século a.C., tam-

22 Foley, Vernard e Soedel, Werner. Ob. cit., p. 123 s.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

bém chamada pentere, tinha, segundo Miles, em 260 a.C., na Primeira Guerra Púnica,
Rodgers, cerca de 34 m de comprimento por 7 ocasião em que inauguraram aquele disposi-
m de boca, deslocando 140 t, dispondo, se- tivo em ação tática.
gundo seu entendimento, de cinco remado- O que, porém, neutralizou o emprego do
res por cada remo, numa única ordem de re- esporão, ou pelo menos diminuiu seu poten-
mos. Esse aumento nos tamanhos das gale- cial como arma ofensiva, foi o emprego das
ras tornou-as menos ágeis na manobra, em- grandes armas de arremesso, que tanto atira-
bora não necessariamente mais lentas. Uma vam pedras como dardos24. No século III a.C.,
octere (oito remadores por seção por cada Arquimedes construiu uma catapulta naval
bordo), com duas ordens de remos, em prin- capaz de alcançar cerca de 200 m com pedras
cípios do século IV a.C., podia deslocar umas de uns 80 kg. Com munição de menor peso, o
270 t, alcançando 7 nós com 320 remadores alcance podia dobrar. Os dardos e as pedras
(levando ainda uma tripulação de mais 60 podiam penetrar o convés superior das gale-
homens — oficiais, marinheiros e mecânicos ras ou entrar pelos traveses e atingir fatal-
— e 170 soldados). A perda das qualidades mente a guarnição de remadores, assim como
manobreiras tornou os navios a remo mais quebrar remos e destruir parcialmente a es-
vulneráveis — teoricamente — ao esporão trutura do navio. Já nos primeiros anos do
do adversário. Entretanto, a tática do século IV a.C., durante o sítio de Siracusa
abalroamento foi perdendo a importância em pelos cartagineses, os violentos combates
favor da abordagem, o que resultou no au- navais travados no porto mostraram a ne-
mento da tropa embarcada. As quinquirremes cessidade de maior proteção dos remadores
romanas, por exemplo, transportavam 120 sol- por placas laterais que fechavam o través até
dados a bordo. Sendo os romanos pouco o catastroma; tal proteção chamou-se de
afeitos às lides marinheiras, ao terem que en- catafrata e visava justamente à defesa dos
frentar os cartagineses, hábeis homens do remadores em relação às armas manuais de
mar, inventaram um dispositivo que imobili- arremesso, tais como a flecha e a funda. O
zava o navio inimigo, liquidando com sua su- que se pretendia, principalmente, era evitar
perioridade na manobra. Tal dispositivo foi o danos à propulsão por ferimento ou morte de
corvo, que consistia numa prancha de uns 6 um remador. Isso também explica a opção por
m de comprimento por 1,5 m de largura, arti- mais de um homem em cada remo, à medida
culada numa das extremidades, que, saindo que os navios aumentavam de tamanho e
da posição vertical (presa num mastro à proa), incorporavam a catapulta.
caía sobre o convés da galera inimiga, pren- Considerando que a situação mais favo-
dendo-a por meio de um gancho metálico rável para o abalroamento com o esporão é
pontiagudo em forma de bico de corvo — atacar perpendicularmente à galera-alvo, no
donde o nome; favorecia-se, assim, a abor- caso de existência de catapulta a bordo dos
dagem, mesmo no caso de a galera inimiga navios oponentes, dá-se o seguinte: a gale-
ter conseguido abalroar o navio romano23. ra atacada pode parar e atirar projetis sobre
Com o emprego do corvo, portanto, os roma- o navio atacante; nesse caso, o balanço do
nos pretendiam obrigar os adversários à abor- navio não é problemático na alteração da
dagem, com o que venceram a Batalha de elevação da catapulta, porque o erro se dará

23 Rodgers admitiu que os 40 remadores de cada sessão estariam divididos em 20 por cada bordo, sem que
o navio fosse catamarã (ob. cit., p. 256). Segundo esse autor, tal galera disporia de 3 mil remadores
e outros 4 mil homens embarcados, entre soldados, marinheiros e serviçais.
24 Ver descrição detalhada do corvo em Rodgers, William L., ob. cit., p. 275.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

no alcance, ou seja, os tiros serão mais cur- tres, “sua coragem hesitava diante das ame-
tos ou mais longos, mas deverão alcançar o aças misteriosas de uma natureza desconhe-
alvo por ser a galera um navio longo. Isso cida”26. No entanto, enquanto estiveram em
significa que o erro não deverá desenquadrar expansão, sob frequente ameaça de guerra,
o alvo; já para a galera, que se movimenta os romanos não descuidaram de sua Mari-
para usar o esporão perpendicularmente ao nha militar. Empregaram-na por toda a parte
navio-alvo, se usar também a catapulta, os aonde chegou seu poder, desde o Mar do
erros em elevação causados pelo movimen- Norte, onde Tácito referiu-se ao adversus
to do navio a remos poderão resultar em oceanus, até o extremo leste do Mediterrâ-
desenquadramento do alvo, que é bastante neo. Plínio, o Velho, que, além de naturalista
estreito. Ao estudarem essa questão, Foley e historiador, foi militar e comandou a princi-
e Soedel concluíram que, para um navio em pal esquadra romana, sediada em Misena (na
movimento perpendicular a outro, com o fim extremidade do Golfo de Nápoles), mostrou
de usar o esporão, empregar a catapulta, um alguma perplexidade com os movimentos da
erro de 1,5o em relação à vertical poderá re- maré, que deixavam incerta a eterna questão
sultar num tiro a uma distância de 200 m.25 posta pela natureza para se saber se a linha
Isso mostra como a catapulta tornou-se uma costeira pertence afinal à terra firme ou ao
arma poderosa contra o esporão, levando à domínio das águas27. Além do mar, os roma-
decadência a tática do abalroamento. nos estendiam suas forças navais pelos rios,
Durante a República, Roma conheceu o como o Reno e o Danúbio, limites com os
apogeu de sua Marinha de Guerra. Ainda bárbaros. Na região renana, ao tempo do Im-
assim, apesar do grande esforço feito na Pri- perador Augusto, estavam sediados o exér-
meira Guerra Púnica, os romanos jamais che- cito superior e o exército inferior, com quatro
garam a ser marinheiros ousados — nunca legiões cada um. A tais legiões “somava-se a
tiveram verdadeiramente grande intimidade esquadra do Reno, a qual, presente em todo
com o mar e buscaram-no apenas pressiona- o curso do rio, garantia a margem romana e
dos pela necessidade. Malgrado o grande servia como ponte móvel em direção à mar-
êxito e a formidável segurança que geralmen- gem oposta”28. Nota-se aí, porém, o caráter
te demonstravam em suas campanhas terres- um tanto subalterno das forças navais den-

Navio romano para


transporte de cereais

25 Jurien de la Gravière, J.P.E. La Marine des anciens, Paris, E. Plon et Cie., 1880, p. 203.
26 Foley, Vernard e Soedel, Verner. Ob. cit., p. 128.
27 Geffroy, A. Rome et les barbares Paris, Didir et Cie. 1874, p. 23.
28 Plínio, O Velho. Histoire Naturalle (trad. de E. Littré), [Livro XVI, 1], Paris J.J. Dubochet, Le
Chevalier et Comp., 1848, t. I, p. 568.

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tro da estratégia de Roma. Berthaut, de um tro desse último nome, que designava um
modo radical, afirma que a Marinha militar de tipo de navio de guerra então empregado no
Roma foi “feita unicamente para ser a auxiliar Império Bizantino, muito embora Augusto Jal
indispensável das legiões”29. afirme que tais navios, bastante rápidos (don-
Nos três séculos e meio que se sucede- de o nome), estavam “em uso nos primeiros
ram à Batalha de Ácio (31 a.C.), as ações na- séculos da Era Cristã”33. Rodgers conside-
vais de Roma voltaram-se contra os piratas, rou o deslocamento médio dos navios-trans-
especialmente quando Pompeu, valendo-se porte da operação de Justiniano contra os
dos extraordinários poderes que lhe foram vândalos em torno de 160 t, enquanto os
dados pela Lei Gabínia, comandou a repres- drômons deviam deslocar 17 t, com tripula-
são à pirataria no século I a.C.30 Malgrado o ção de 30 a 35 homens. Os drômons de então
êxito de Pompeu, as incursões piratas sobre eram unirremes e dispunham de proteção
o tráfego marítimo ressurgiriam de tempos vertical nos traveses (catafrata) de modo a
em tempos, acabando por resultar numa que- preservar os remadores com relação às ar-
da do comércio marítimo e na diminuição do mas de arremesso do inimigo.
tamanho dos navios mercantes, os quais, Duas décadas depois, os godos amea-
deslocando menos, carregavam menos, re- çaram gravemente a Itália. Eles haviam pi-
duzindo-se os riscos em face da insegurança lhado o litoral da Grécia e interceptavam os
no mar31. Os próprios navios de guerra tam- navios-transporte que supririam o exército
bém tenderam a diminuir de porte durante a do General Narses, encarregado pelo Impe-
Pax Romana, pois a missão da Marinha mili- rador Justiniano do comando em chefe na
tar reduziu-se à guarda do litoral. Veem-se na Itália. Os godos finalmente bloquearam
Coluna de Trajano, em Roma, representações Ancona, no litoral italiano do Mar Adriático.
dos navios então empregados como guarda- Para tentar suspender o bloqueio naval, uma
costas, os quais eram birremes com 48 remos esquadra bizantina demandou Sena Gálica,
no total, segundo estudo do Almirante a noroeste de Ancona, quando se deu uma
Rodgers; considerando um acréscimo de 27 batalha naval com os godos, em que estes
homens como oficiais, marinheiros e solda- foram derrotados. Nessa batalha, travada em
dos, ter-se-ia, segundo o mesmo, um navio 551, os bizantinos manobraram o esporão,
cuja velocidade máxima deveria ser por volta assim como armas leves de arremesso, e
de 6 nós32. abordaram os inimigos. Os arqueiros inicia-
Quando, em 533, o Imperador Justiniano vam o engajamento a curta distância e, no
moveu guerra contra os vândalos na África caso de abordagem, a luta dava-se no con-
do Norte, enviou contra eles o General vés superior (catastroma), com espada e lan-
Belisário, com 10 mil infantes e 5 mil cavalei- ça. Os dromons bizantinos empregados em
ros. Segundo Procópio, secretário de Sena Gálica já eram maiores do que os cita-
Belisário, tal força foi transportada por 500 dos anteriormente. Não tinham apenas a
navios escoltados por 92 dromons. Prova- proteção nos traveses, mas o catastroma,
velmente, pela primeira vez apareceu o regis- que protegia pelo alto os remadores; devem

29 Geffroy, A. Ob. cit., p. 259.


30 Berthaut, Léon. Les vainqueurs de la mer. Paris, Ernest Flamarion, 1912, p. 28.
31 Cf. Bouillet, M. R. Dictionnaire Universel d’Histoire et de Géographie, Paris Hachette, 20 a ed, 1866,
p. 1497 (verbete Pirates).
32 Rodgers, William L. Naval Warfare under Oars, Anápolis, U.S. Naval Institute, 1967, p. 27.
33 Idem, p. 24 e 26.

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ter deslocado cerca de 80 t, e sua tripulação Esta havia sido drasticamente reduzida no
somava de 60 a 160 homens, dentre mari- século VIII, quando a ameaça marítima ára-
nheiros, remadores e soldados. No século be declinara. A esse respeito Runciman,
IX, os drômons haviam já evoluído: os mai- grande estudioso das cruzadas e de
ores desses navios tinham duas bancadas Bizâncio, comenta com simplicidade e força
superpostas, com duas ordens de remos, esse suicídio naval bizantino: “Foi uma po-
com um total de 100 remadores, sendo 25 lítica errônea. No século I, as frotas árabes
por cada bordo e cada ordem. Nesses navi- voltaram a aparecer e tomaram ao Império a
os, parece que os remadores também luta- Sicília e, pior ainda, Creta, transformando-a
vam como soldados; por isso, por volta do numa base de piratas que punha em perigo
ano 900, recomendava o Imperador Leão VI todo o litoral do Egeu. Tornava-se necessá-
que, se os soldados que lutavam no convés rio ressuscitar a armada”35. De fato, o poder
superior fossem postos fora de combate por naval de Bizâncio foi restaurado, com o es-
ferimentos, deviam ser substituídos por re- tabelecimento de forças navais em provín-
madores da ordem inferior de remos34. Tam- cias marítimas chamadas temas . No século
bém recomendava o mesmo em sua obra IX, um esquadrão imperial em Constanti-
Táticas: que tanto os remadores da ordem nopla e cinco esquadras provinciais cobri-
superior como os demais homens do con- am todo o litoral do Império, desde a Itália
vés superior deveriam estar guarnecidos até a costa sul da Ásia Menor.
com capacetes e peitorais para sua defesa, A par do dromon, navio que lhes era
empregando piques, dardos e espadas para típico, os bizantinos dispuseram, desde o
a luta. Tais drômons do tempo do Imperador século VII, de uma poderosa arma: o fogo
Leão (886-912), com duas ordens de remos e
um convés corrido pelo meio do navio, fica-
ram conhecidos como dromons panfílios;
cerca de meio século depois apareceram re-
gistros de dromons maiores, deslocando 175
t, com cerca de 40 m de comprimento, 6 m de
boca, 200 remadores e outros cem homens
entre oficiais, soldados e marinheiros. Se-
gundo Augusto Jal, grande estudioso de
assuntos navais no século XIX, a constru-
ção desses dromons foi recomendação do
próprio Imperador Leão VI a seu filho e su-
cessor, Constantino VII. Leão, certamente, grego. Sabe-se que o fogo em si mesmo foi
aprendera a reconhecer a importância das o grande destruidor de navios durante a
forças navais para a segurança do Império Idade Média. Seu uso, porém, requeria cer-
Bizantino. Seu pai, Basílio I, e seus ta habilidade para que o navio que o em-
antecessores imediatos, Miguel III e a Im- pregasse também não fosse vítima dele —
peratriz Teodora, haviam se esforçado em se dois navios se atracassem empregando
restaurar a Marinha de Guerra de Bizâncio. a garateia ou outro meio, era preciso rapi-

34 Jal, Auguste. Glossaire Nautique, Paris, Firmin Didot Fréres, 1847, p. 604 e 605 (verbetes Dromo,
Dromon e DrOmwn).
35 Cf. Jal, Auguste. “La flotte de César” in Études sur la Marine antique, Paris, Firmin Didot Frères, Fils
et. Cie., 1861, p. 121-122.

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dez e agilidade para que um se desvenci- ante. Gibbon descreve a reunião das forças
lhasse do outro no caso de usar-se o fogo, formidáveis de terra e de mar que se prepa-
sob pena de ambos arderem, como realmen- ravam para demandar Constantinopla e diz
te chegou a acontecer. O fogo grego, por que por muito tempo uma semelhante arma-
sua vez, era uma mistura incendiária de da não havia cruzado o Mar Adriático: 120
composição até hoje desconhecida, que navios de fundo chato (palanders) para
devia incluir nafta, enxofre e salitre ou cal tranportar os cavalos, 240 navios-transpor-
virgem, e era atirado por meio de catapulta, te repletos de homens e armamentos, 70 car-
já ardendo em potes para isso preparados, gueiros abarrotados de provisões e 50 gale-
ou por tubos de metal (bronze ou ferro), ras prontas para o encontro com o inimi-
soprado por foles ou algum outro aparelho go39. O mesmo autor descreve a travessia, a
pneumático, ou bombeado com água do operação anfíbia contra o litoral bizantino e
mar, usada para impulsioná-lo. Seu efeito todo o movimento militar que levou ao co-
foi devastador quando empregado contra lapso da capital do Império. Não deixou,
os árabes. Consta que os búlgaros apode- porém, de mencionar antes a longa viagem
raram-se de 26 tubos com a mistura secreta dos flamengos a bordo de navios que os
bizantina em 812 e que os sarracenos usa- trouxeram pelo Atlântico e pelo Mediterrâ-
ram-na no sítio de Tessalônica em 90436. neo para juntarem-se a seus aliados na gran-
Michael Lewis afirma que imitações do fogo de campanha. Que tipo de navio vinha do
grego foram usadas por outras Marinhas, Mar do Norte e como ele fazia a guerra na-
inclusive por forças navais cristãs do Nor- val? Pode-se aqui deixar um pouco o Medi-
te, onde o termo fogo grego tornou-se si- terrâneo e examinar questões de guerra na-
nônimo de qualquer artefato que se desti- val em outros mares europeus.
nasse a incendiar navios inimigos37. Seu Ao estudar as questões navais perti-
uso perdurou até o aparecimento do ca- nentes ao norte da Europa, surge em pri-
nhão, no século XIV. meiro plano a Escandinávia. Assim como a
O ressurgimento da Marinha binzantina Germânia, a Escandinávia foi ponto de par-
duraria até o século XII. O Imperador Ma- tida de diversas migrações. Enquanto os
nuel I (1143-1180), com especial pendor por germânicos movimentaram-se mais inten-
ideias ocidentais, preferiu depender dos samente sobre o Império Romano entre os
navios italianos para a defesa dos interes- séculos III e V, os escandinavos fizeram
ses navais do Império. Os preços dessa de- suas migrações em duas fases: a primeira,
pendência militar foram concessões comer- bem cedo, no século II a.C.; a segunda, já
ciais a Veneza, Gênova e Pisa38 e a ruína do tardia, entre os séculos VIII e X. O primeiro
poder naval bizantino. A consequência mais movimento escandinavo, ainda um tanto
trágica dessa política suicida foi a queda de obscuro, fez-se com címbrios e teutões que
Constantinopla em 1204, assaltada pela deixaram a península da Jutlândia em dire-
Quarta Cruzada. Naquela ocasião, o Império ção à Gália e à Itália. Essa primeira migra-
foi incapaz de qualquer defesa em profundi- ção foi exclusivamente terrestre. As outras,
dade, como caberia a uma força naval atu- porém, foram acentuadamente navais. Gra-

36 Runciman, Steven. A civilização bizantina (trad. de Waltencir Dutra), Rio de Janeiro, Zahar, 1977, 2a
ed., p. 119.
37 Rodgers, William L. Ob. cit. em 32, p. 4.
38 Lewis, Michael. Ob. cit., p. 406.
39 Runciman, Steven Ob. cit., p. 43.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

ças à preservação de navios escandinavos,


especialmente os encontrados nos túmulos
reais noruegueses de Oseberg e Gokstad,
é possível ter deles um minucioso conhe-
cimento, coisa que falta aos navios do sul
da Europa, conforme já explicado. Entre os
escandinavos, a construção naval foi bem
desenvolvida e incorporou elementos ar-
tísticos, tais como figuras de proa e de popa
frequentemente em forma de cabeça de dra-
gão, donde o nome por que são conheci-
dos — dracar (ou drakkar, em norueguês,
muito embora tais navios também se cha-
massem snekkjur, que quer dizer serpen-
te). Sabe-se que os chefes nórdicos eram
cremados ou inumados dentro dos navio
de guerra, permanecendo assim com o mor-
to seu bem mais precioso, que também lhe
facilitaria a viagem para o outro mundo. As
escavações nos túmulos de Oseberg (1880)
O navio de Gokstad
e Gokstad (1904) revelaram os dois magní-
ficos exemplares hoje completamente es-
tudados e restaurados. Diz, porém, Lucien
Musset que, ao fim da década de 1950, ha-
via já cerca de 170 achados de navios mosteiro, por exemplo, antes que fosse
escandinavos dispersos desde a Bretanha possível reunir elementos de defesa, nas
até a Rússia e desde a Islândia até a vizinhanças de um território raramente po-
Polônia40. Esses achados dão a dimensão voado. A partir de pequenas invasões, os
de quanto foi extenso o alcance das nave- viquingues ampliaram suas ações militares
gações escandinavas na Idade Média. e estabeleceram conquistas, finalmente, em
A partir do século VIII, grupos de importantes posições geográficas, como
escandinavos iniciaram incursões e con- Northumberland (norte da Inglaterra) e
quistas por toda a Europa através de ma- Normandia (noroeste da França). As sagas
res e rios. A tais escandinavos e a seus que relatam os mais importantes feitos e
descendentes deu-se o nome de acontecimentos da história escandinava
viquingues (de vikings, que quer dizer pi- apontam navios de aproximadamente o
rata na primitiva língua escandinava)41. Por mesmo aspecto quanto à forma, porém de
aquela época, os viquingues eram talvez dimensões variadas. O navio de Gokstad,
os melhores guerreiros da Europa e para por exemplo, tem 24 m de comprimento e
eles era fácil encalhar seus navios leves pouco mais de 3 m de boca; seu desloca-
numa praia ou subir um rio e pilhar um rico mento é de apenas cerca de 30 t. O mais

40 Gibbon, Eduward. The decline and fall of the Roman Empire, Londres, Encyclopaedia Britannica,
1955, v. II, p. 429-430.
41 Musset, Lucien. “Le monde scandinave”, in Historie Universelle, Encyclopédie de la Pléiade, Paris,
Gallimard, 1964, v. 2, p. 1.076.

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famoso e um dos maiores navios nórdicos malha e escudo. As batalhas navais davam-
celebrados na sagas foi o Serpente Longa, se em águas restritas, tais como em fiordes,
do rei Olavo, construído ao fim do século enseadas, estreitos etc., e nelas tomavam
X; ele tinha 34 bancos para remadores, parte, em grande maioria, os navios peque-
portanto, uns 55 m de comprimento máxi- nos. Quando do engajamento, a vela era
mo e talvez uns 9 m de boca máxima, deslo- recolhida e o mastro, retirado. Brogger e
cando cerca de 220 t. Havia ainda navios Shetelig, ao tratarem da tática naval
bem menores. Todos eram movidos a re- viquingue, estabelecem três fases para a
mos e a vela. De modo geral, os navios batalha: a primeira fase era a da manobra
viquingues podem ser classificados em três para que os navios ocupassem a posição
tipos: os navios grandes, os de 20 bancos mais favorável ao engajamento; nessa fase
e os navios pequenos. Cada banco tinha era primordial o trabalho dos timoneiros,
um remador para cada bordo. Os espaços ou seja, dos homens que operavam os re-
entre os bancos chamavam-se comparti- mos de governo do navio. A segunda fase,
mentos, sendo que cada um destes que começava ainda durante a manobra,
correspondia a dois remos em números; era a aproximação até o alcançe das armas
assim, um navio de 35 compartimentos ti- de arremesso e o efetivo emprego destas,
nha 70 remos. Os navios grandes tinham tendo início com o uso das flechas e pas-
30 ou mais compartimentos (o Serpente sando para o lançamento de projetis de
Longa tinha 34); os navios pequenos ti- todo tipo, de ferro e de pedra. A terceira
nham menos de 20 bancos, como o de fase era a da abordagem, usando-se
Gokstad, que tinha 1642. O tamanho das es- garateias para fixarem-se os navios adver-
quadras em operação variou muito entre sários um a contrabordo do outro; nessa
poucas dezenas e algumas centenas de fase acontecia a luta corpo a corpo e a ba-
navios. A tripulação também variou e, con- talha era decidida44. Os navios viquingues,
siderando os homens embarcados para o como se sabe, não tinham esporão, de modo
combate, estima-se que para uma força de que não se decidia o combate, normalmen-
cem navios haveria uma média de 50 a 60 te, sem a luta direta entre os homens em-
pessoas a bordo de cada um deles. O Ser- barcados. Diz Rodgers que a renúncia ao
pente Longa talvez embarcasse uns 300 esporão talvez se deva ao interesse em pre-
homens, ou até 400, para a batalha43. servar o navio inimigo enquanto presa, a
Para o combate no mar, os viquingues qual era vista como podendo conter carga
usavam as mesmas armas que utilizavam e ser pilhada. Ainda o mesmo autor afirma
em terra: espada, lança e um grande ma- que, quando uma força naval tinha inten-
chado que manejavam com ambas as mãos; ções prévias defensivas, amarrava seus
empregavam ainda armas de arremesso, próprios navios uns a contrabordo dos
como arco e flecha, e pedras, que lança- outros e engajava, deixando desprotegidos
vam com as mãos ou com uma funda. Por apenas os traveses dos navios mais de
isso os navios eram carregados com pe- fora; assim, era mais fácil o apoio mútuo
dras adequadas para uso como munição. entre os homens da mesma força durante a
Defensivamente, usavam capacete, cota de abordagem. Era também usual que peque-

42 Encyclopaedia Britannica, Londres, William Benton, 1972, v. 23, p. 11 (verbete Viking).


43 Brogger, A.W. e Shetelig, Haakon. The viking ships, Oslo, Dreyers Forlag, 1971, p. 143-144.
44 Rodgers, William L. Ob. cit. em 32, p. 72-77.

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nas embarcações operassem com novos


homens recolhendo os feridos, assim como Navio inglês do
desgastando os navios inimigos em rápi- Século XIII
dos contatos e procurando proteger os
flancos de sua própria força.
No caso específico das incursões
viquingues, nota-se com clareza a grande
importância do poder naval, tanto para os
atacantes como para os atacados. Estes não
tinham como eficazmente responder ao ata-
que viquingue enquanto não dispusessem
de navios. O rei Alfredo de Wessex (Ingla- glaterra quando fosse necessário para ope-
terra), que reinou entre 848 e 899, tomou di- rações militares por período limitado, rece-
versas providências para prevenir-se das bendo em troca importantes privilégios
invasões nórdicas. Além da proteção que comerciais. Esses navios deviam deslocar,
estabeleceu em terra firme, criou uma Mari- no máximo, umas 80 t. Paralelamente, na
nha capaz de prover a defesa naval, a que Liga Hanseática, a par de variados tipos de
Preston e Wise chamaram de muralha ex- navios por ela empregados na atividade
terna de defesa (outer wall of defenser)45, comercial marítima, apareceu a coga, navio
querendo com isso significar a possibilida- de maior capacidade de carga e de maior
de de prevenção de um desembarque inimi- calado, no qual, na primeira metade do sé-
go no litoral. Em 1066, quando da invasão
normanda na Inglaterra, foi a ausência tem-
porária da esquadra do rei Haroldo que per- Coga da Liga Hanseática
mitiu desembarque das tropas de Guilher- (Inglaterra)
me, duque da Normandia, resultando na vi-
tória deste na Batalha de Hastings.
Nos anos que se seguiram ao início do
século XI, os navios de mares ao norte da
Europa foram sofrendo lenta modificação.
O antigo navio viquingue evoluiu, no caso
dos ingleses, para um modelo de menor
relação comprimento/boca, ainda governa-
do por remo lateral à popa e movido a vela,
com maior capacidade de carga, que se
pôde conhecer com alguma precisão no
século XIII: era o navio típico das cidades
marítimas inglesas conhecidas como
Cinque Ports (Dover, Hastings, Romney,
Hythe e Sandwich), às quais juntaram-se
Winchelsea e Rye. Essas cidades tinham a
obrigação de fornecer navios ao rei da In-

45 Preston, Richard A. e Wise, Sydney F. Men in Arms, Nova Iorque, Holt, Rinehart and Winston, 1979,
4a ed., p. 71.

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culo XIII, já se vê o leme de cadaste. Nos que também se fez no topo do mastro (uma
registros das lutas entre ingleses e france- espécie de cesto de gávea), tinham a finalida-
ses, na segunda década do século XIII, já de de ampliar o horizonte do observador e
aparecem cogas, junto com outros navios, favorecer o lançamento de armas de arremes-
em operações da esquadra francesa. so. Percebendo-se a vantagem que ofereciam
Embora os ingleses dispusessem ainda de tais castelos para a defesa do navio, e consi-
alguns navios longos — galeras a remo —, derando-se a insegurança dos mares em face
prevaleceu imensamente em sua Marinha o da pirataria, aquelas estruturas acabaram por
navio redondo a vela (uma única vela permanecer nos navios mercantes, mesmo em
quadrangular num único mastro) para empre- tempo de paz. Levando-se em conta que a
go militar. Michael Lewis resumiu três razões tática naval até o século XIV permaneceu
pelas quais os ingleses não empregaram pri- inalterada, a abordagem continuou sendo par-
mordialmente as galeras em sua Marinha: a te dela, e a luta travada no convés poderia ser
primeira, por questão climática, considerando favorecida com tais castelos e com o cesto de
que, sendo o Mediterrâneo um mar fechado, gávea. Neste último alojavam-se arqueiros e
não tem ondas tão avantajadas quanto as do besteiros. Na Batalha de Dover, por exemplo,
Atlântico, no qual o tempo próprio para uso travada em 1217, a ação teve início com as
das galeras é percentualmente bem menor do armas de arremesso, até que os ingleses obti-
que naquele outro mar; a segunda razão refe- veram superioridade suficiente para abordar
re-se ao manejo dos navios, que, no caso das os navios franceses.
galeras, dependia de serviço forçado dos re- Nas batalhas medievais no mar, até o
madores, normalmente escravos, ainda exis- século XIV, as armas empregadas tinham
tentes na Idade Média mediterrânea (mouros como objetivo o homem adversário. Embo-
prisioneiros), e que muito antes desaparece- ra houvesse armas mais pesadas de arre-
ram na Inglaterra (já os navios a vela eram messo postas nos castelos de proa e de
manobrados por homens livres); a terceira ra- popa, destinadas a atirar pedras e barras
zão seria econômica, ou seja, a dificuldade de de ferro que poderiam causar algum dano
recursos levou o rei inglês a aproveitar o na- material, o navio de guerra medieval nos
vio mercante para duplo emprego, sem neces- mares do norte da Europa continuou sen-
sidade de despender dinheiro para ter um na- do uma plataforma de homens muito mais
vio exclusivamente para emprego militar que do que uma plataforma de armas. O empre-
só lhe desse despesa, como era o caso das go de equipamentos mais pesados a bordo
galeras a remo46. Dessa maneira, enquanto no era extremamente difícil, embora se saiba
Mar Mediterrâneo o navio de guerra era radi- que os navios transportavam tais armas
calmente diferente do navio mercante, na In- certamente para serem empregadas em ter-
glaterra não havia diferenças fundamentais en- ra em operações de sítio. O que verdadei-
tre um e outro. Algumas providências, porém, ramente decidia a batalha naval de então
eram necessárias para habilitar um navio mer- era a abordagem e o corpo a corpo no con-
cante à guerra. Diziam elas respeito a algumas vés, demandando coragem e habilidade.
adaptações, como a construção de superes- Buscando o vento favorável, uma força
truturas na proa e na popa, como se fossem naval com intenções ofensivas poderia cair
torres, às quais deu-se o nome de castelos. sobre outra empregando ainda outros ex-
Tais construções em madeira, assim como a pedientes que favoreceriam, como lançar

46 Cf. Lewis, Michael. Ob. cit., p. 64-67.

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

cal virgem sobre o inimigo ou mesmo sa- em registros existentes. Sabe-se, porém,
bão líquido, ou ainda artefatos de ferro com que, para o sítio de Calais, em 1346, o rei
três pontas, que, fixando-se com uma de- Eduardo III enviou 738 navios, com 14.958
las no convés, ofereciam suas outras duas homens embarcados, o que dá uma média
pontas perigosamente para o soldado em- de 20 homens por navio, devendo cada
barcado, que sobre elas poderia cair. navio ter deslocado 60 t.47
Além do fogo, já citado como destrui- A guerra medieval no mar começaria a
dor de navios, pouco mais poderia pôr fora mudar depois que, no correr da Guerra dos
de combate o navio redondo senão a mor- Cem Anos (1337-1453), introduziu-se uma
te ou o ferimento de seus homens. arma nova: o canhão. As alterações de tá-
Após a Batalha de Dover, nenhuma ou- tica, porém, deveriam ainda demorar, de-
tra de grande importância se registrou até pendendo do desenvolvimento da nova
a Guerra dos Cem Anos. O tamanho dos arma, ainda durante muito tempo incapaz
navios aumentou, alcançando um máximo de causar danos maiores à estrutura do
de 300 t no último quartel do século XIV navio.

A GUERRA NA IDADE MODERNA

O surgimento da burguesia, decorrente


da “revolução comercial” e do desen-
volvimento urbano a partir do século XI,
periores, dentre os quais se destaca a arma
de fogo, especialmente os canhões.
Centralizado seu poder, os reis consti-
era entravado pelas instituições feudais tuíram-se como monarcas absolutos. Esta-
(como aduana interna, diversidade de mo- va criado o absolutismo, ao mesmo tempo
edas, privilégios corporativos etc.). Sendo em que o Estado Nacional aglutinava ago-
assim, os burgueses se interessaram em ra o que, antes, fora um reino retalhado
participar da vida política para pôr fim ao entre senhores locais. Somente nas regi-
feudalismo, por meio da centralização do ões onde as cidades haviam alcançado ele-
poder real. Dessa forma, deu-se uma “ali- vado grau de autonomia e desenvolvimen-
ança tácita” entre os reis e a burguesia, to econômico conseguiram os poderes lo-
concorrendo esta com toda sorte de auxí- cais impedir a centralização política. Foi o
lio e cooperação para com aqueles. Além caso da Alemanha e da Itália, só unificadas
de contribuírem com recursos financeiros, na segunda metade do século XIX.
os burgueses apoiaram os reis também com Os favores da burguesia foram retribuídos
recursos humanos para o aparato adminis- pelos monarcas absolutos, sob a vigência de
trativo do Estado que se ia formando, tais uma prática econômica peculiar, que foi o
como técnicos, banqueiros, financistas e mercantilismo. Tal retribuição deu-se princi-
letrados. A monarquia preparou, assim, um palmente por meio da concessão de privilégi-
corpo burocrático centralizado e pôde ar- os comerciais. Daí advieram, por exemplo, as
mar um exército profissional, com o qual companhias privilegiadas de comércio (Com-
submeteu os senhores feudais, valendo- panhia das Índias Ocidentais, Companhia Ge-
se, inclusive, de equipamentos bélicos su- ral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão etc.).

47 Brogger, A.W. e Shetelig, Haakon. Ob. cit., p. 172.

192 RMB2 oT/2009


EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

A expansão comercial e a grande con- emprego da espada e da pistola a curta dis-


corrência resultante dentre os principais tância. Sob seu comando, a artilharia foi
Estados europeus acarretaram comumente simplificada e padronizada. Suas inovações
a guerra. O desenvolvimento da arma de tiveram grande repercussão na Europa,
fogo viria alterar muito o modo de comba- onde, na segunda metade do século XVII,
ter, o que ficou muito evidente desde o pri- os sistemas militares dos novos Estados
meiro quartel do século XVI. O emprego da Nacionais estavam inteiramente modifica-
arma de fogo, porém, não se daria de modo dos. Essas inovações favoreceram a superi-
fácil nem imediato. Seu elevado custo e o oridade europeia nos grandes empreendi-
conservadorismo dos militares (que se or- mentos de expansão e conquista levados a
gulhavam de suas armas tradicionais) fo- cabo pelo mundo inteiro.
ram razões para a lentidão em adotarem-se O século XVIII ofereceu aspectos di-
com firmeza as armas de fogo, quer em ter- versos para a guerra terrestre. Embora os
ra, quer no mar, considerando-se neste úl- conflitos tenham sido frequentes, e o ta-
timo as tropas embarcadas. Também pode- manho dos exércitos fosse maior do que
se dizer que as armas antigas, como o pi- nos séculos precedentes, a guerra limitou
que (lança longa), foram ainda bastante usa- a violência. Isso foi resultado do
das no século XVI, racionalismo daquele
como, por exemplo, período, que desen-
pelos mercenários su- O desenvolvimento da volveu um ideal huma-
íços recrutados por nitário. A introdução
monarcas europeus. arma de fogo viria alterar de novas técnicas tor-
Na guerra terrestre, muito o modo de combater nou as batalhas alta-
a cavalaria foi perden- mente mortíferas para
do importância duran- as partes em luta.
te o século XVI, diante das dificuldades de Mesmo os vitoriosos eram atingidos por
empregar-se a arma de fogo pelo cavaleiro pesadas perdas. Isso levava os generais a
montado. Algum desenvolvimento técnico evitarem as batalhas, por meio das mano-
haveria de favorecer a cavalaria ainda an- bras necessárias, a menos que as circuns-
tes de findar-se aquele século. tâncias fossem bastante favoráveis. Não
No século XVII, durante a Guerra dos era razoável perderem-se soldados
Trinta Anos (1618-1648), o Rei Gustavo longamente preparados a elevados custos.
Adolfo, da Suécia, introduziu novidades na Paralelamente a essas questões, os apetre-
guerra terrestre, revelando-se um grande chos necessários ao bom emprego de uma
general: profissionalizou seu exército, reor- tropa terrestre tornaram-se numerosos.
ganizou a distribuição das tropas para o Assim, o vasto “trem militar” (conjunto de
combate e introduziu novidades tecnoló- apetrechos de guerra) contribuiu para di-
gicas, aumentando a mobilidade de suas minuir a mobilidade das forças de terra. A
forças pela redução do peso das armas car- postura defensiva, portanto, que a guerra
regadas pelos soldados. O crescente poder terrestre assumiu no século XVIII explica o
de fogo da infantaria acabou por fazer decli- formidável sistema de fortificações de
nar a importância e o uso do pique, que ten- Vauban (ministro da Guerra de Luís XIV)
deu a desaparecer no fim do século XVII. na França, logo imitado por muitos países;
Gustavo Adolfo revitalizou a cavalaria, tor- sua contrapartida foi o desenvolvimento
nando decisivas suas cargas na batalha, com de novos métodos de sítio e assalto a po-

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

sições fortificadas. Daí se entende a im- cante, a Inglaterra entrou numa fase de gran-
portância da engenharia militar, reforçada de progresso na arte naval. Com o tempo,
e ampliada desde a segunda metade do sé- os castelos de proa e de popa diminuíram de
culo XVII, com a fundação de academias tamanho, sendo que o castelo de proa aca-
especializadas na Europa e no ultramar, in- bou por desaparecer, enquanto o de popa,
clusive no Brasil. bastante reduzido, veio a servir como uma
Embora ainda em uma dimensão, aos espécie de passadiço a ré, de onde o co-
poucos a guerra evoluiu para a prevalência mandante podia observar a manobra.
da estratégia sobre seus demais elementos. Durante o período de tempo que prece-
Apesar do surgimento de outros grandes dia o combate iminente, a manobra dos na-
generais nessa época (como Frederico, o vios visava a “possuir o vento”. Normal-
Grande, da Prússia, e o Duque de mente, a esquadra manobrava para obter a
Marlborough), somente Napoleão daria à posição de barlavento, com a finalidade de
estratégia sua maior dimensão, por meio, garantir a iniciativa do ataque. Nem sempre,
sobretudo, da aplicação dos princípios do contudo, essa era a posição preferida. No
movimento e da concentração, no que revo- caso de ser mais fraca, uma esquadra deve-
lucionaria completamente a arte da guerra. ria procurar manter-se a sotavento, a fim de
Na Idade Moderna, retirar-se da batalha
também no mar foram mais facilmente, em
grandes as inovações. Aos poucos a guerra caso de necessidade.
Com o aumento do ta- Durante o reinado
manho, do peso e do evoluiu para a prevalência de Elisabeth I, que su-
poder ofensivo, os ca- da estratégia sobre seus cedeu a Henrique VIII,
nhões passaram a ser foi adotada a linha de
importantes armas na-
demais elementos fila, de modo que os
vais. Sua instalação a navios assim forma-
bordo acabou sendo feita cobertas abaixo, dos não cobrissem o fogo uns dos outros.
pelos traveses, a fim de não se comprome- No século seguinte, em 1653, Blake baixou
ter a estabilidade do navio com peso alto. as primeiras “Instruções para o Combate”
Tais armas foram colocadas pelos bordos, da Marinha Real, que formalizaram a linha
e seu alcance máximo foi de cerca de 1 1/4 de fila para a batalha; seu artigo 3o dizia:
de milha. Alguns pequenos canhões foram “Todos os navios de qualquer esquadrão
dispostos pela popa. devem se esforçar para manter a linha com
Foi no reinado de Henrique VIII (1509- o chefe...” Posteriormente, em 1665, duran-
1547), na Inglaterra, que se deu a novidade te a segunda guerra anglo-holandesa, o
da colocação dos canhões cobertas abai- Duque de York, irmão do Rei Carlos II da
xo, e foi no mesmo período, em 1545, que, Inglaterra, então comandante das forças
num combate ao largo de Shoreham, se navais inglesas, baixou novas “Instruções
verificou a eficácia daquela arma contra o para o Combate”, que vieram a consagrar a
navio inimigo, não mais apenas contra o formatura em coluna, sendo estabelecida a
homem. Iniciava-se uma nova e duradoura distância padrão de 100 jardas entre os
fase da guerra naval. navios.
Com a introdução do uso do canhão pelo Depois das “Instruções” do Duque de
través, e com a decisão de Henrique VIII de York, surgiram na Inglaterra duas escolas
ter uma Marinha de Guerra, além da Mer- táticas principais, que se chamaram

194 RMB2 oT/2009


EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

vento
A

B
Figura 1 – Linhas equivalentes fora de alcance

“formalista” e “meleísta”. O nome ria guinar todos os seus navios simultanea-


“formalista” deve-se ao fato de seus segui- mente sobre a esquadra inimiga, aproximan-
dores serem favoráveis à manutenção rígi- do-se em linha de frente (caso a esquadra
da da formatura em coluna, tendo o coman- “B” estivesse parada), ou em linha de marca-
dante da força naval completo controle de ção (se a esquadra “B” estivesse em movi-
todas suas unidades durante o desenrolar mento), conforme as figuras 2 e 3. Depois de
do combate. Já o nome “meleísta” decorre feita a aproximação, uma vez dentro do alcan-
do comportamento tático pretendido por ce dos canhões, os navios atacantes guina-
essa escola, que era o de liberdade de ação riam simultaneamente e se colocariam nova-
para os comandantes de unidades, quando mente em coluna paralela à formatura inimi-
em batalha, de modo a serem aproveitadas ga, começando então o combate propriamen-
ao máximo as oportunidades de dar comba- te dito. Tal aproximação tinha dois inconve-
te (melée, em francês) ao inimigo. nientes principais: a) os navios, depois de
Os formalistas sustentavam, para a bata- colocados em coluna equivalente, ainda fora
lha, a ideia da linha equivalente, isto é, uma do alcance dos canhões inimigos, nunca gui-
esquadra deveria colocar-se paralelamente à navam simultaneamente, e sim sucessivamen-
esquadra inimiga, fora do alcance dos ca- te, de modo que as unidades mais de vante
nhões desta, até que seus navios assumis- sempre engajavam em separado e em situa-
sem posições recíprocas às dos navios ini- ção de inferioridade, pois que um navio ge-
migos, como mostrado na figura 1 (situação ralmente só guinava depois de ver a mano-
ideal, teórica). Nessa situação, a esquadra bra de seu matalote de vante, devido à difi-
atacante (esquadra “A”, a barlavento) deve- culdade de comunicação entre os navios; e

vento
A

B
Figura 2 – Aproximação da esquadra de barlavento com a de sotavento parada

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

vento

B
Figura 3 – Aproximação da esquadra de barlavento com a de sotavento em movimento

b) os navios atacantes, ao se aproximarem autoria, feitas no ano anterior. Tendo obti-


em linha de frente, ou de marcação, expu- do êxito, Rooke consagrou os postulados
nham ao fogo inimigo suas proas ou boche- para o combate, do Almirantado britânico.
chas indefesas, sem que pudessem fazer ime- Nos anos que se seguiram, até 1782, o es-
diatamente o revide (figura 4). trito formalismo impediria vitórias brilhan-
Em oposição ao combate formal, os tes por parte dos ingleses. Nesse período,
meleístas advogavam a concentração de a desobediência às instruções formalistas
forças sobre parte da esquadra inimiga, de podia, em caso de insucesso, acarretar se-
modo a derrotá-la por sucessivos veras punições, até mesmo o fuzilamento,
fracionamentos. Para tanto, a escola como no caso do Almirante Byng, após a
meleísta propunha três manobras: emassar, Batalha de Minorca, em 1756.
envolver e romper; sendo que nessas duas As “Instruções Permanentes”, contu-
últimas procurava-se pôr a esquadra inimi- do, em seu artigo 25, permitiam a persegui-
ga entre dois fogos (figuras 5, 6 e 7). Com ção ao inimigo, desde que este estivesse já
essas manobras, uma parte da formatura desarvorado, realmente em retirada. Pesa-
inimiga ficava, normalmente, desengajada. va, entretanto, sobre o almirante a grave
Até 1704, na Batalha de Málaga, foi li- responsabilidade de decidir sobre a opor-
vre e acirrada a disputa entre as duas esco- tunidade da perseguição, para o que podia
las, engajando-se as pelejas ora segundo içar o sinal “perseguição geral” (general
os postulados de uma, ora de outra. Na- chase). A fim de controlar os movimentos
quela batalha, porém, o Almirante Rooke, da esquadra, quando em perseguição, al-
comandante da força britânica, determina- guns almirantes baixavam “instruções adi-
ra o uso das linhas equivalentes, manten- cionais”. Assim, a perseguição se podia
do a coluna rígida das “Instruções” de sua fazer mais ordenadamente, sendo empre-

vento A

Figura 4 – Tendência da vanguada atacante para engajar combate em separado

196 RMB2 oT/2009


EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

A
vento
B

A
B
Figura 5 – Manobras de emassar

gado o sinal próprio acima mencionado. Na campanha da Invencível Armada, a


Exemplo disso foram as primeira e segunda Inglaterra respondeu definitivamente à pri-
batalhas de Finisterra, vencidas em 1747 meira pergunta: o canhão era a melhor arma.
pelos ingleses, sob o comando dos Almi- Nas guerras contra a Holanda, ainda os
rantes Anson e Hawke, respectivamente. ingleses responderam à segunda pergunta
Sob o ponto de vista tático, desde as com toda a segurança: a coluna era o dis-
modificações introduzidas pelo aparecimen- positivo tático mais adequado para o me-
to do navio de guerra a vela e das novas lhor emprego do canhão.
armas de fogo, cinco questões básicas ti- Até meados do século XVIII, contudo,
nham que ser respondidas: nem a escola “formalista” nem a “meleísta”
1) que armas eram adequadas para se- apresentavam respostas completas para as
rem usadas na principal formatura de batalha? três perguntas restantes. Os meleístas pro-
2) que formatura de batalha garantiria punham as manobras de emassar, envolver
o melhor emprego para as armas em uso? e romper como resposta à quinta pergunta,
3) como se poderia concentrar a pró- deixando a quarta sem resposta. Os
pria esquadra contra a do inimigo? formalistas propunham a coluna equivalen-
4) como se poderia impedir a concen- te como resposta à quarta pergunta, não
tração da força inimiga sobre a própria tendo como responder à terceira e à quinta.
esquadra? Seria necessário esperar muitos anos
5) como se poderia evitar que o inimi- ainda até que, em 1782, na Batalha das Ilhas
go se retirasse? Santas, fosse quebrado, com êxito, o

vento
A

A
B
Figura 6 – Manobras de envolver

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EVOLUÇÃO DA GUERRA – A guerra naval até o emprego do canhão – A guerra na idade moderna

A
vento

Figura 7 – Manobras de romper

tradicionalismo rígido das táticas


formalistas. Nesse encontro, embora a apro-
ximação se tivesse feito em coluna, os in-
gleses romperam a linha inimiga quando se
Figura 8 – Situação do navio ao romper a
deu a oportunidade, inteiramente fortuita. coluna inimiga
Foi a primeira vez, em mais de um século,
que se cortava voluntariamente a linha ini- As ações navais que sucederam à Bata-
miga, dando-se assim maior rendimento ao lha das Ilhas Santas cumpriram, na verdade,
emprego do poder de fogo dos navios, já uma trajetória que indicou claramente o aper-
que, na situação teórica dessa ruptura, o feiçoamento da tática no sentido de buscar,
navio que rompia a linha podia utilizar todo quando em combate, a liberdade de ação, a
o seu potencial de fogo contra partes iner- flexibilidade de manobra e a concentração
mes do inimigo (figura 8). Começavam aí a sobre o inimigo, sendo esta feita, normal-
ruir os princípios formulados inicialmente mente, no centro e a ré da formatura opo-
pelo Duque de York no século XVII, e pas- nente. O documento máximo da Marinha a
sava-se ao desenvolvimento da iniciativa pano, que bem resume esses últimos princí-
em combate e da flexibilidade de manobra. pios, ao mesmo tempo em que demonstra
De uma coluna única passou-se a duas for- grande cuidado no planejamento tático, foi
maturas, como no caso das batalhas de o Memorando de Trafalgar, baixado por Nel-
Camperdown (1797) e Trafalgar (1805), sen- son antes daquele encontro, em que são
do que, nesta última, se havia determinado notáveis o espírito combativo, a confiança
que a formatura de cruzeiro seria também a nos mais modernos, a simplicidade e a espe-
de batalha. rança na vitória.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<HISTÓRIA>; História geral; História marítima;

198 RMB2 oT/2009


EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO
INSTITUCIONAL

NATÁLIA MORAIS CORRÊA BORGES DE AGUIAR*


Capitão de Corveta (T)

SUMÁRIO

Propósito
Introdução
Evolução das práticas avaliativas
Experiências de avaliação institucional em debate
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (Saeb) em questão
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (Sinaes) em questão
Considerações finais

PROPÓSITO instituições educacionais, levando em con-


sideração suas finalidades.

O presente artigo tem como objetivo res-


gatar a discussão da avaliação institu-
cional, refletindo sobre os paradigmas e
INTRODUÇÃO

modelos de avaliação existentes, buscan- No campo da educação, a avaliação tem


do propostas e alternativas para se avaliar abrangido os mais diversos níveis, aspec-

* Formada em Pedagogia, apresentou o presente trabalho em conclusão ao Curso de Mestrado em


Educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

tos e elementos: alunos, professores, mé- A prática avaliativa está sempre ligada a
todos de ensino, currículo, equipamentos uma concepção de educação, de pessoa e de
e recursos de ensino, disciplina, programa, sociedade. Portanto, é preciso que o avalia-
curso, projetos, gestões, estabelecimentos dor tenha conhecimento das diferentes abor-
e instituições de ensino, políticas educaci- dagens avaliativas, tenha clareza do porquê,
onais, sistemas de ensino, enfim, toda uma para que e de como avaliar e faça sua opção
gama de fatores intervenientes do proces- consciente. Se não há certeza do que se quer,
so de educar. a avaliação pouco contribuirá. Uma nova
Neste estudo iremos focalizar a avalia- cultura de avaliação se faz necessária e só
ção institucional considerando como pon- será possível com “...um amplo processo de
to de partida o pensamento de Fernandes busca de re-significação teórica e prática.
(2001, p. 75) de que a avaliação institucional Nesse contexto, construir um sentido novo,
é “... um processo complexo, e não há, pron- uma nova intencionalidade para a avaliação,
to para consumo, um modelo ideal e único é decisivo”. (Vasconcellos, 1998, p. 65)
para as escolas. Ela precisa ser construída. Reconhecendo a importância do
É o desafio de uma longa caminhada pos- posicionamento político do avaliador, consi-
sível e necessária”. deramos fundamental definirmos o conceito
Embarcando nessa caminhada pretende- que temos de avaliação. Compactuamos com
mos a seguir discutir as práticas de avaliação o conceito de Luckesi (1995, p. 69), que en-
institucional mais recentes no Brasil, como o tende avaliação como “um juízo de qualidade
Sistema Nacional de Avaliação da Escola Bá- sobre dados relevantes, tendo em vista uma
sica (Saeb) e o Sistema Nacional de Avaliação tomada de decisão”.
da Educação Superior (Sinaes). Não preten- A seguir resgatamos a trajetória históri-
demos definir um modelo ideal de avaliação ca das abordagens avaliativas para melhor
institucional, pois sabemos que cada institui- fundamentar as análises que faremos das
ção tem as suas peculiaridades e precisa ser práticas de avaliação institucional ocorri-
respeitada na sua identidade, mas buscare- das no Brasil nos últimos anos.
mos compreender os pressupostos teórico-
metodológicos que fundamentam os EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS
paradigmas e modelos de avaliação AVALIATIVAS
institucional praticados no Brasil, para melhor
fundamentar futuras propostas de avaliação. De acordo com Guba e Lincoln (2003), as
Concordamos com a ideia de Barreira práticas avaliativas vêm sofrendo uma evo-
(2002, p. 44) quando afirma que lução conceitual que atravessa pelo menos
quatro gerações. E as abordagens avaliativas
“é o programa e a proposta de investi- variam de acordo com essas gerações.
gação avaliativa que determinam a es- Na primeira geração, conhecida como
colha das abordagens e os instrumen- medição, não se distingue o ato de avaliar
tos. Na base dessa escolha está a dire- do ato de medir. A preocupação dos avalia-
ção proposta, consubstanciada em dores se voltava para a elaboração de ins-
paradigmas teórico-filosóficos, reconhe- trumentos de medida e testes para a verifi-
cendo que cada abordagem guarda cação do rendimento escolar dos alunos. O
especificidades, e não podem ser apro- avaliador desempenhava um papel de téc-
priadas de forma linear para diferentes nico e utilizava critérios quantitativos para
situações avaliativas”. medir o progresso dos educandos. Trata-se

200 RMB2 oT/2009


EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

de uma avaliação que se manteve dentro do de se importar somente com a medição e


paradigma positivista, que entende o ato de descrição das duas gerações anteriores. O
avaliar como algo neutro, instrumental. avaliador passa a assumir o papel de juiz.
Dentro desta perspectiva de avaliação, Nesta geração surgiram vários modelos
o que se prioriza é o resultado final, ou de avaliação, na tentativa de se chegar ao
seja, o produto. Os testes e exames serão julgamento de valor de forma sistemática e
utilizados no intuito de classificar os alu- esclarecedora. Surge também a preocupa-
nos, premiando os bons e punindo os ru- ção com o mérito do que estava sendo ava-
ins. É uma prática homogeneizadora, liado – seu valor intrínseco – e com a rele-
classificatória, perversa e excludente. Se- vância – valor extrínseco e contextual.
gundo Canen (2001, p. 85), a “avaliação Os autores Guba e Lincoln (2003) afir-
classificatória realiza-se sobre o passado, mam a existência de pelo menos três defici-
tendo em vista o presente, caracterizando- ências ou falhas nessas três gerações: a
se como ato final”. tendência ao gerencialismo, falha em con-
A segunda geração é chamada de des- seguir acomodar pluralismo de valores e
critiva e surge em bus- compromisso excessi-
ca de uma melhor vo como o paradigma
compreensão do obje- Porém não podemos de investigação. Os
to de avaliação. A ên-
fase da avaliação, que
continuar nos iludindo com teóricos acreditam que
os modelos avaliati-
na primeira geração li- a falsa neutralidade vos das três gerações
mitava-se ao aluno, científica, porque, ao se utilizam-se de paradig-
agora se estende para mas científicos para
outros campos, como estabelecer padrões, estes guiar seu trabalho
o currículo, os progra- são carregados de valores metodológico, e esta
mas, os materiais, as extrema dependência
estratégias de ensino dos métodos da ciên-
e a própria escola de modo geral. Surge cia tem levado a resultados desafortuna-
com Tyler (1934) o termo “avaliação educa- dos. O avaliador, nessas três gerações, não
cional”. Era necessário obter dados em fun- é responsabilizado pelos resultados da
ção do alcance de objetivos por parte dos avaliação e pelo que será feito dos resulta-
alunos em programas escolares e, por isso, dos. Porém não podemos continuar nos ilu-
a descrição de sucesso e dificuldade com dindo com a falsa neutralidade científica,
relação aos objetivos traçados tornou-se porque, ao se estabelecer padrões, estes
primordial. O papel do educador era des- são carregados de valores.
crever padrões e critérios de pontos fracos Partindo do pressuposto de que as ge-
e fortes em relação aos objetivos estabele- rações anteriores de avaliação trazem pro-
cidos, além de manter o papel técnico da blemas e que a avaliação precisa tomar
geração anterior. outro rumo, Guba e Lincoln (2003) propõem
Em decorrência das limitações da fase uma abordagem alternativa, marcando o
anterior, que trazia uma preocupação exces- início da quarta geração, chamada por eles
siva com os objetivos, surge a terceira gera- de avaliação construtivista responsiva,
ção, conhecida como julgamento. A emis- surgida na década de 90.
são de um julgamento passa a ser parte inte- A avaliação da quarta geração tem como
grante do processo avaliativo, que deixaria principal característica a negociação. Busca-

RMB2 o T/2009 201


EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

se o consenso, respeitando as diferenças de os procedimentos, inclusive aqueles refe-


valores e crenças. É um processo de interação rentes à coleta de dados, comparados e
e negociação fundamentado num paradigma postos em cheque com o contexto e a for-
construtivista. Parte-se de preocupações, ob- ma em que foram produzidos.
jetivos e deficiências observadas e discuti- A concepção técnica e objetiva de avali-
das coletivamente em relação ao objeto da ação, característica das três primeiras gera-
avaliação, que pode ser um curso, um pro- ções, ainda pode ser encontrada em diver-
grama, um projeto etc. As questões que sur- sos estabelecimentos de ensino no País, fru-
gem no processo avaliativo são resolvidas to de exigências de um sistema de avaliação
em seu decorrer e não só no final. A avaliação que não evoluiu, e em algumas sistemáticas
deve ser diagnóstica, formativa e de avaliação que o governo brasileiro criou
transformadora. “A transformadora não se para que o Ministério da Educação tivesse
limita a um momento final do processo: ela o condições de regular o ensino no País, como
acompanha em sua trajetória de construção é o caso do Exame Nacional do Ensino Mé-
cotidiana.” (Canen, 2001, p. 84) dio (Enem) e do Saeb.
O conceito de avaliação neste momento
O Sistema Nacional de Avaliação da
evolui. Ao contrário do
Educação Básica
paradigma positivista,
(Saeb) em questão
o paradigma construti- O Saeb tem por objetivo
vista nega a existência Segundo Maria
de uma realidade obje- oferecer subsídios para Inês Pestana, respon-
tiva e entende que a ci- formulação, reformulação sável pelo desenvolvi-
ência também é uma mento do Saeb, no Ins-
construção social.
e monitoramento de tituto Nacional de Es-
Esse modelo de avali- políticas públicas, tudos e Pesquisas
ação construtivista contribuindo para a Educacionais Anísio
vem substituir o mode- Teixeira (Inep), a prin-
lo científico até então ampliação da qualidade do cipal justificativa do
praticado. Na avaliação ensino brasileiro Saeb é monitorar a
responsiva, o avalia- equidade e a eficiência
dor terá um novo pa- dos sistemas escola-
pel, o de comunicador, porque há uma res, com um sistema de acompanhamento
interação entre observador e observado. de indicadores de equidade.
Uma de suas maiores incumbências será “... De acordo com o Ministério da Educa-
conduzir a avaliação de tal forma que cada ção (MEC), a partir das informações do Saeb,
grupo tenha que lidar e se confrontar com as várias instâncias educacionais podem
as construções de todos os outros, um pro- definir ações voltadas para a correção de
cesso que chamamos de dialética- distorções e debilidades identificadas e
hermenêutica”. (Guba e Lincoln, 2003) direcionar seus recursos técnicos e finan-
ceiros para áreas prioritárias. Dessa forma,
EXPERIÊNCIAS DE AVALIAÇÃO
o Saeb tem por objetivo precípuo oferecer
INSTITUCIONAL EM DEBATE
subsídios para formulação, reformulação e
Avaliar exige, antes que se defina aon- monitoramento de políticas públicas, con-
de se quer chegar, que se estabeleçam os tribuindo para a ampliação da qualidade do
critérios, para, em seguida, escolherem-se ensino brasileiro. Nessa perspectiva, pode-

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

se afirmar que o Saeb possui o enfoque con- Existe, portanto, a predominância da


temporâneo em que a avaliação é atribuição abordagem quantitativa, centrada sobre o
de mérito ou julgamento sobre o grau de sistema de ação, em que o avaliador é um
eficiência, no sentido de estabelecer a cor- especialista, expert, externo ao processo.
relação entre os efeitos dos programas (be- Nesta abordagem está presente o compro-
nefícios) e os esforços (custos) empreendi- misso excessivo com o paradigma científi-
dos para obtê-los. Traz como referência o co da investigação (Guba e Lincoln, 2003),
montante de recursos envolvidos, buscan- em que o avaliador se submete ao adminis-
do aferir a otimização ou os desperdícios trador na hora de estabelecer os parâmetros
dos insumos utilizados na obtenção dos re- e limites para o estudo, e é a ele também
sultados (Barreira, 2002, p. 30/31). que presta relatórios.
A avaliação do Saeb coleta dados sobre Os resultados do Saeb, quando divul-
alunos, professores e diretores de escolas gados, promovem um ranqueamento das
públicas e privadas em todo o Brasil. A cada instituições de ensino, tendo como
dois anos, avalia-se o enfoque a avaliação
desempenho dos alu- classificatória, que se
nos brasileiros da 4a e “Em uma avaliação cujo realiza sobre o passa-
da 8a séries do Ensino do tendo em vista o
Fundamental e da 3a objetivo é melhorar a presente, caracteri-
série do Ensino Médio, qualidade, e não zando-se como ato fi-
nas disciplinas de Lín- nal e limitando-se à
gua Portuguesa e Ma-
simplesmente comparar categorização, à regu-
temática. Nesse senti- determinados resultados de lação e ao controle.
do, Guba e Lincoln desempenho, é preciso tratar “Em uma avaliação
(2003) afirmam que o cujo objetivo é melho-
Saeb falha em conse- diferente o que é desigual” rar a qualidade, e não
guir acomodar o simplesmente compa-
pluralismo de valores, pressupondo que to- rar (para punir ou premiar) determinados
das as escolas desenvolvam o mesmo currí- resultados de desempenho, é preciso, ne-
culo, apesar das diferenças regionais, e que cessariamente, tratar diferente o que é de-
esse currículo é compartilhado por todos. sigual.” (Sobrinho e Ristoff, 2002, p. 156)
Permanece a crença de que as sociedades A avaliação sai do terreno pedagógico
partilham os mesmos valores e que existe para se ater ao que é mensurável,
um conjunto de valores que caracteriza os quantificável. O que importa são os dados
membros de uma sociedade. quantitativos, a produção e o desempenho
O Saeb utiliza testes padronizados, ins- em números. Ou seja, os critérios de avali-
trumentos estandardizados, para descrever ação não são pluralistas, mas objetivistas
o que os estudantes sabem e são capazes e homogeneizadores, dentro de uma pers-
de fazer em momentos conclusivos de seu pectiva uniformizadora porque se deseja
percurso escolar, tendo como foco o pro- um modelo, um perfil, e são feitas compara-
duto e não o processo, característica da ções, o que reforça a competitividade.
avaliação somativa, em que o objetivo prin- Dentro desta política, as instituições
cipal é avaliar os efeitos, verificar se funci- estão “...sendo avaliadas a partir de indi-
ona ou se funcionou; relatar sobre ele e cadores que não se aprofundam nas con-
não para ele. (Barreira, 2003). dições internas de funcionamento, nem no

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

contexto”. (Sobrinho e Ristoff, 2002, 156). as avaliações para a regulação e para a diversi-
Esta prática faz com que os gestores se dade, utilizando tanto critérios objetivistas quan-
preocupem muito mais com o aspecto ad- to relativistas. Acreditamos que a grande con-
ministrativo das instituições do que com o tribuição do Sinaes está nesta mediação entre
aspecto pedagógico. os dois enfoques avaliativos, em trabalhar es-
Porém cabe ressaltar que elaborar um sis- sas tensões.
tema nacional de avaliação da educação que O tipo de avaliação que propõe o Sinaes
estabeleça parâmetros comuns e indicado- pode ser situado na quarta geração relatada
res coerentes necessários a todas as insti- no texto de Guba e Lincoln (2003), a chamada
tuições de ensino, sem desconsiderar, no avaliação construtivista responsiva, na medi-
entanto, as características próprias de cada da em que inclui avaliações interna e externa e
instituição, é uma tarefa de extremo cuida- autoavaliação. O Sinaes introduz práticas de
do, um desafio, melhor dizendo. meta-avaliação em que a “avaliação da avalia-
Quando o novo governo criou o Sinaes, ção contribuirá para o permanente processo
percebemos que houve de construção coletiva
um cuidadoso trabalho visando ao aperfeiçoa-
de mediação entre o Esta concepção de mento do sistema”. (So-
modelo de avaliação
regulativa com o de
avaliação apresentada pelo brinho, 2004, p. 121)
O sistema em ques-
avaliação para a diver- Sinaes leva em tão representa um
sidade, conforme veri- consideração tanto os avanço em relação às
ficaremos a seguir. outras sistemáticas de
dados quantitativos quanto avaliação da educa-
O Sistema Nacional
de Avaliação da
os qualitativos e considera ção porque se leva em
Educação Superior importante o respeito às consideração a “com-
plexidade filosófica,
(Sinaes) em questão diversidades e às epistemológica, ético-
O Sinaes entende identidades de cada política e, então, a
que a avaliação não é plurifuncionalidade da
neutra, mas requer instituição avaliação”. (Sobrinho,
juízos de valor e méri- 2004, p. 114)
to. A concepção de avaliação que se tem Acreditamos que há muito se esperava uma
rompe com a ideia de que avaliar é mensurar ruptura com o modelo de avaliação para a
e controlar e amplia o conceito de avaliação mensuração e controle com objetivos exclusi-
da educação destacando os papéis vos de premiar ou punir, acirrando a competi-
educativo, social, pedagógico e formativo ção entre as instituições de ensino. Era preci-
do ato de avaliar. O sistema não propõe uma so superar a avaliação preocupada
dicotomia entre regulação X diversidade e prioritariamente com os dados quantitativos,
objetivismo X relativismo. com o produto e com o fim em si mesma. Esta
Os princípios norteadores do Sinaes são concepção de avaliação apresentada pelo
bem amplos e abarcam a complexidade de fato- Sinaes leva em consideração tanto os dados
res que devem ser levados em consideração ao quantitativos quanto os qualitativos e consi-
se criar um sistema de avaliação institucional. O dera importante o respeito às diversidades e
sistema tem como uma de suas características a às identidades de cada instituição. Acredita-
flexibilidade, o que permite um equilíbrio entre mos ser de extrema importância que qualquer

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

prática avaliativa se preocupe em dar voz a do que mostra ou aponta aquilo que deve
todos os sujeitos apreciados por meio da ser retomado e trabalhado novamente de
autoavaliação e que permita a discussão cole- outra forma e o que é imprescindível que a
tiva de soluções para melhoria da instituição instituição conheça. Para Hoffmann (1998,
como um todo, buscando cumprir de maneira p. 16), “a busca incansável por padrões de
eficiente suas responsabilidades sociais. A mensuração objetivos e uniformes é um dos
avaliação será, nesse sentido, um processo maiores entraves a um processo avaliativo
permanente e valorizará o princípio da conti- em respeito à individualidade do educan-
nuidade, presente na proposta do sistema. do” como também da instituição.
Concordamos com Sobrinho (2004, p. 121 Também não podemos nos esquecer dos
e 122) quando define que o Sinaes “é concebi- instrumentos utilizados para avaliar, que
do de modo a promover a interatuação e a fundamentam este processo decisório e
mútua alimentação da avaliação e da regulação. necessitam de questionamentos, não só
Com caráter vinculativo, a avaliação subsidia quanto à sua elaboração, mas quanto à
os processos regulatórios e destes se serve coerência e adequabilidade. É necessário
para construir as novas dinâmicas avaliativas o uso de instrumentos e procedimentos de
na perspectiva do permanente aperfeiçoamen- avaliação adequados. Para Bonniol e Vial
to de funções institucionais”. (2001, p. 179), a avaliação “não é e nem
Em relação às práticas avaliativas anteri- pode ser ciência, o que não significa que
ores, Sobrinho (2004, p.121) ressalta que a não deva tender ao rigor e que não deva
grande mudança consiste nas concepções utilizar procedimentos verificáveis. Contu-
de avaliação e de Educação Superior. Ele do, o que condiciona sua validade é o fato
afirma que a mudança de paradigma que pro- de ser um processo de reflexão, retomado
põe o Sinaes não se dá pela escolha de dife- permanentemente no próprio processo que
rentes técnicas e instrumentos avaliativos, dá origem à avaliação”.
mas pela mudança epistemológica, filosófi- Fernandes (2001, p. 71) acredita que as
ca e política da concepção de avaliação. ações metodológicas da Avaliação
Quanto à concepção de avaliação, aban- Institucional estão baseadas em três critéri-
dona-se a operação de instrumentos isolados os: a visão de totalidade, a participação co-
centrados no estudante e no curso e a avalia- letiva e o planejamento e acompanhamento.
ção passa a considerar como foco central a A visão de totalidade significa que a insti-
avaliação institucional. Avaliam-se todas as tuição de ensino deve ser avaliada como um
dimensões de uma instituição por meio da todo, com seus serviços, desempenhos e
autoavaliação e da avaliação externa. Neste inter-relações. O referencial será o projeto
novo paradigma, a função principal da avalia- político-pedagógico da instituição, que deve
ção não é mais a de controle e comparação, em ser de conhecimento de todos por se tratar
que a competição entre as instituições de en- da identidade da instituição.
sino reinava, mas sim a de permanente aperfei- A participação coletiva também é muito
çoamento das funções institucionais, utilizan- importante para o processo avaliativo, que
do distintos instrumentos articulados entre si. deverá ser discutido por todos os segmen-
tos, desde seu início. Fernandes (2001) afir-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ma que “as vantagens da participação co-
letiva decorrem da visão multidimensional
A avaliação unicamente “medida”, ran- (várias dimensões) proporcionada pelos
ço do positivismo, mais oculta e mistifica vários segmentos da escola... Além disso,

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EDUCAÇÃO – REPENSANDO A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

existe o compromisso que decorre da parti- Vasconcelos (1998, p. 85) argumenta que
cipação e da valorização de todos”. a “avaliação é um processo de captação das
E, por último, é por meio do planejamen- necessidades, a partir do confronto entre a
to e acompanhamento que se podem asse- situação atual e a situação desejada, visando
gurar a continuidade e a unidade do proces- a uma intervenção na realidade, para favore-
so de avaliação e, consequentemente, o cres- cer a aproximação entre ambas”. Ou seja, o
cimento da instituição. A avaliação dos efei- valor da avaliação encontra-se no fato de a
tos de uma instituição de ensino requer a instituição poder tomar conhecimento de
elaboração e o planejamento prévio de uma seus avanços e dificuldades para superar
teoria do estabelecimento, que seria o seu essas dificuldades e continuar progredindo.
projeto político-pedagógico, definindo quais Portanto, ela precisa ser diagnóstica e ser um
são as suas finalidades e seus objetivos instrumento dialético do avanço e da identi-
educacionais, políticos e sociais. ficação de novos rumos.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<EDUCAÇÃO>; Avaliação; Preparo do homem; Universidade; Educação no Brasil;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA
MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS
– COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR
CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929(*)

JEISOM DE MELO FAJARDO1


Capitão-Tenente (IM)

SUMÁRIO

Introdução
Conceito
Histórico
A crise hipotecária norte-americana
Como a hipoteca derrubou a economia
Condições das instituições financeiras brasileiras diante do choque sistêmico
Melhoria da fiscalização bancária brasileira
Princípios para uma supervisão bancária efetiva
Regras relativas à constituição e organização de bancos
Regulamento prudencial e exigências no gerenciamento do risco
Maneiras de fiscalizar instituições financeiras
Necessidade de supervisão global e troca de informações entre bancos centrais
Conclusão

INTRODUÇÃO cia com um aspecto-chave – o risco sistêmi-


co. O risco sistêmico refere-se à possibili-

U m dos poucos consensos primordiais


do pensamento econômico é que o
sistema financeiro possui uma dinâmica de
dade de que um choque localizado em al-
gum ponto do sistema financeiro possa se
transmitir ao sistema como um todo e, even-
funcionamento especial. Sua regulação é tualmente, levar a um colapso da própria
justificada pela necessidade de convivên- economia.

(*) Este artigo foi escrito em novembro/dezembro de 2008.


1 O autor é pós-graduado com MBA em Contabilidade e Auditoria pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Atua desde 2004 na área de Licitações e Contratos da Marinha do Brasil.
A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS –
COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

Quando ocorre o choque e este se trans- A regulação prudencial vem, nos últi-
mite em forma de contágio, tal dinâmica mos anos, sendo objeto de sucessivas atu-
pode ocorrer por meio de dois mecanismos: alizações. A meta da regulação sempre foi a
– a existência de uma ampla rede de em- mesma: evitar que o risco sistêmico ocor-
préstimos entre instituições possibilita que resse com o espalhamento do choque de
a insolvência de um comprometa outros, e confiança por entre as instituições bancá-
se tal situação se alastrar pode colocar todo rias. No entanto, os focos da regulação
o sistema em risco; e prudencial mudaram ao longo dos tempos.
– pelo fato de que todos os bancos ope-
ram o sistema de pagamentos da econo- HISTÓRICO
mia. Assim, à medida que um vá à falência,
seus depositantes não têm como saldar suas Até recentemente, o grande esforço das
obrigações. autoridades se restringia a controlar as re-
Os bancos e instituições financeiras que servas monetárias que os bancos são obri-
lidam com valores macroeconômicos de toda gados a constituir para garantir seus paga-
espécie, como empresas que são, podem mentos, preservando a capacidade dessas
estar expostos a uma instituições de honra-
série de riscos, dentre rem os depósitos de
eles: serem geridos de A regulação prudencial é seus clientes.
forma incompetente; uma forma de intervenção Tradicionalmente,
serem atingidos por portanto, a regulação
desastres naturais ou corretiva no sistema financeira era uma
acidentes; ou caírem financeiro a fim de evitar a questão restrita a go-
em desgraça ou des-
crédito aos olhos pú-
manifestação do contágio vernos possuía
nacionais e
caráter
blicos, seja por proble- focado no risco de
mas de reputação seja por problemas de liquidez, o que os estudiosos chamavam
mudança de preferência dos clientes. Este de Estratégia Tradicional da Regulação
último é o fator conhecido como papel da Financeira.
confiança do público nos mercados. A partir da década de 80, esse cenário
mudou. Os bancos passaram a concentrar
CONCEITO em seu balanço riscos de toda natureza, as
operações cresceram e novos mercados
A regulação prudencial é uma forma de surgiram. A partir de 1980, houve o impulso
intervenção corretiva no sistema financei- ao processo de securitização, o desenvol-
ro a fim de evitar a manifestação do contá- vimento dos mercados específicos para o
gio, ou seja, redução da exposição do sis- risco e a transformação da firma bancária.
tema financeiro a riscos que possam se pro- Desse modo, houve um clima propício a
pagar por toda a economia. Tal regulação mudanças e acertos. O marco regulatório in-
se dá de duas formas principais, com a cri- ternacional ficou conhecido como Acordo
ação de redes de segurança, para evitar que da Basileia I. O Comitê da Basileia para
choques possam causar riscos sistêmicos; Regulação Bancária é um dos comitês manti-
e com a definição de regras de regulação e dos pelo Banco de Pagamentos Internacio-
supervisão que reforcem a capacidade do nais (BIS), se reúne a cada dois meses na
sistema de evitar ou absorver choques. cidade de Basileia, na Suíça, e sua primeira

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COMO O BRASIL SE PREPAROU PARA A PIOR CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DESDE 1929

reunião serviu para divulgação de um objeti- A ponderação do APR é feita a partir de


vo único em comum: criar um fórum de deba- categorias de risco internacionalmente pre-
tes entre representantes dos governos do concebidas, mas que podem se adequar
G10 – os dez países mais ricos do mundo –, a conforme determinações reguladoras naci-
respeito dos caminhos a serem seguidos pela onais. O quociente Capital-APR deve ser,
economia das instituições financeiras mun- por recomendação internacional, de no mí-
diais. Foi, na verdade, um resultado mais da nimo 8%. No Brasil, quando as concepções
globalização nascente que da percepção da de Basileia foram introduzidas em meados
necessidade de uma reorientação estratégi- da década de 90, foi elevado para 10%. Quan-
ca dos métodos de regulação financeira. to maior esse requerimento, menor a capaci-
Os objetivos do fórum eram, em princí- dade de os bancos ampliarem seu crédito e,
pio, criar um marco regulatório que servis- em princípio, mais seguro torna-se o siste-
se para reforçar a saúde e a estabilidade do ma. Assim, a imposição de coeficientes de
sistema bancário internacional e, em segun- capital passou a ser uma medida de
do lugar, criar uma estrutura justa e de alto regulação prudencial mais efetiva que as até
grau de consistência em sua aplicação a então usadas, e a disseminação de sua prá-
bancos de diferentes países. tica por um grande número de países tor-
Em lugar de focar a atuação no risco da nou-se, inesperadamente, o novo paradigma
liquidez e na exigência de reservas, a preo- de regulação prudencial no mundo.
cupação passou a ser a mitigação do risco Ele estava voltado para a administração
de não pagamentos dos empréstimos e au- do risco de crédito e consistiu, de maneira
mento do capital próprio dos bancos. O objetiva, na prescrição de instrumentos de
regulador passou a exigir maior compro- gestão de riscos e na definição quantitati-
metimento de seus acionistas com o va daqueles riscos.
gerenciamento da instituição. Em 1996, o Acordo foi objeto de emen-
A princípio, Basileia I foi um marco na da, passando a incluir, além do risco de
regulação bancária – era para ser aplicado crédito, o risco de mercado, ou seja, aquele
somente a bancos internacionalmente ativos. decorrente de variações dos preços das
Após algum tempo, passou a ser aplicado a ações, títulos, descasamentos entre taxas
todos os bancos e instituições financeiras, de câmbios etc. Com Basileia II, as estraté-
independentemente das operações estarem gias passam de ser tutelares para métodos
ou não em âmbito internacional. Em outras em que os próprios bancos são incentiva-
palavras, o acordo passou de um acerto de dos a mensurar seus riscos e melhorar seus
regras competitivas para um marco na sistemas de controle interno.
reorientação de estratégias de regulação
prudencial. Para se ter uma ideia de sua im- A CRISE HIPOTECÁRIA NORTE-
portância, no final da década de 90 o FMI e o AMERICANA
Banco Mundial tornaram a adesão ao acordo
o elemento principal da avaliação da solidez Em 2008, os Estados Unidos chegaram à
financeira dos países membros. A caracterís- beira de um desastre financeiro. O número
tica principal de Basileia I é sua natureza tute- da inadimplência de empréstimos de propri-
lar. A partir dela, a regulação da atividade ban- etários de casas foi recorde. Grandes ban-
cária passou a ser feita por meio de uma razão cos de investimento que estavam ativos há
entre o capital dos bancos e seu Ativo Pon- mais de um século e sobreviveram à Grande
derado pelo Risco (APR). Depressão de 1929 sofreram um colapso, e

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tudo isso, cada parte desse desastre econô- sentam alto risco de inadimplência nos
mico, foi causado por um só instrumento empréstimos. Mas todos os concessores
financeiro: o empréstimo hipotecado. fizeram todos os esforços, no início da dé-
Títulos de empréstimos hipotecados são cada de 2000, para que esses mutuários se
simplesmente ações de um empréstimo voltassem para o mercado imobiliário. Foi
residencial vendidos a investidores. Um ban- criado o empréstimo sem documentação,
co empresta o dinheiro ao mutuário para com- tipo de empréstimo para o qual não era ne-
prar uma casa e recebe pagamentos mensais cessário fornecer nenhuma informação, e
pelo empréstimo. Esse empréstimo e vários o mutuário também não as oferecia.
outros, talvez centenas, são vendidos a um Pessoas que podiam estar desemprega-
banco maior, que unifica os empréstimos em das recebiam empréstimos de centenas de
um título hipotecário. E assim por diante. milhares de dólares, mesmo que o
A princípio, isso parece ser uma maneira concessor soubesse de seu desemprego.
excelente e segura de ganhar dinheiro quan- Isso ocorria porque, com a introdução dos
do o mercado imobiliário está em alta. No iní- títulos de empréstimos hipotecados, as pes-
cio do século XXI, o mercado imobiliário dos soas que concediam empréstimos não as-
Estados Unidos estava sumiam mais o risco de
em alta. Uma pessoa inadimplência. Elas
que comprasse uma Os bancos queriam saber simplesmente emitiam
casa nova em janeiro de tudo sobre a estabilidade o empréstimo e o ven-
1996 por 155 mil dóla- diam imediatamente a
res poderia ter a expec- financeira do requerente. outras pessoas que
tativa de lucro de 100 Isso mudou após a assumiriam o risco
mil dólares ao vendê-la
em agosto de 2006.
introdução dos títulos de caso os pagamentos
cessassem. E, como os
Mas 2008 não foi igual empréstimos hipotecados empréstimos hipote-
a 2006, pois o mercado cados criados inicial-
imobiliário dos Estados Unidos não estava mente eram feitos com base nos concedi-
mais em alta. Antes da primeira década do dos a mutuários melhores e mais confiáveis,
século XXI, era costume dos bancos dos tudo funcionava bem. Funcionava tão bem
Estados Unidos a realização de uma investi- que os investidores pediram mais. Como
gação do histórico do requerente ao consi- resposta, os concessores diminuíram as
derar empréstimos de dinheiro para uma hi- restrições dos requerentes e fizeram em-
poteca. Os bancos queriam saber tudo sobre préstimos pesados para criar fluxo de caixa
a estabilidade financeira do requerente: ren- para os empréstimos e gerar mais hipote-
da, dívidas e avaliação de crédito. E queriam cas. Afinal, sem as hipotecas, não haveria
confirmar essas informações. Isso mudou títulos de empréstimos hipotecados.
após a introdução dos títulos de emprésti- Os investidores em títulos de emprésti-
mos hipotecados. mos hipotecados enfrentaram o mesmo ris-
Em determinado momento, os clientes co e o sistema de recompensa ao qual esta-
mais qualificados e desejáveis sumiram, pois va sujeita a antiga relação concessor-mutu-
já tinham suas casas. Então, os bancos re- ário, mas em uma escala muito maior, devido
correram aos clientes que tradicionalmen- ao valor de hipotecas unificadas nos títulos
te evitavam: os mutuários subprime, que, de empréstimos hipotecados. Depois de
com uma avaliação de crédito baixa, apre- chegarem aos mercados financeiros, os tí-

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A REGULAÇÃO PRUDENCIAL E OS PRINCÍPIOS PARA MELHORIA DAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS NACIONAIS –
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tulos de empréstimos hipotecados foram disponível a preços muito reduzidos os cons-


reformulados em uma grande variedade de trutores perceberam que não conseguiriam
instrumentos financeiros com diferentes ní- vender as casas que haviam construído.
veis de risco. Os derivativos baseados so- A presença de mais casas no mercado
mente nos juros dividiram os pagamentos diminuiu o valor dos imóveis. Alguns pro-
de juros feitos em hipoteca entre investido- prietários chegaram à precária situação de
res. Se a taxa de juros mudasse, o retorno não conseguir fazer seus pagamentos, de-
seria bom. Se os juros diminuíssem e os pro- vendo um valor superior ao que suas ca-
prietários de casas fizessem refinanciamento, sas valiam. Cada vez mais pessoas recorre-
esses títulos perderiam o valor. ram à opção de abandonar as casas que
Outros derivativos retribuíam investido- não podiam pagar, e as execuções hipote-
res com taxa de juros fixa; então, os investi- cárias aumentaram ainda mais.
dores saíam perdendo quando as taxas de Como os títulos de empréstimos hipote-
juros aumentassem, pois não ganhavam di- cários foram comprados e vendidos como
nheiro nenhum com esse aumento. Emprésti- investimentos, houve hipotecas inadim-
mos hipotecados subprime, compostos to- plentes em todas as áreas do mercado. A
talmente por conjuntos de empréstimos fei- mudança no desempenho desses títulos ocor-
tos a mutuários subprime, apresentavam mais reu rapidamente e, por conseguinte, a maio-
risco, mas também ofereciam dividendos mais ria das grandes instituições foi onerada pe-
altos: os mutuários subprime estavam domi- los empréstimos quando elas decaíram. Os
nados por taxas de juros mais altas para com- portfolios de enormes bancos de investimen-
pensar o risco maior representado por eles. tos, ineficientes com títulos de empréstimos
No mês de agosto de 2008, um em cada hipotecados, viram que seu patrimônio líqui-
416 lares dos Estados Unidos tinha sofrido do foi por água abaixo quando esses títulos
execução hipotecária. Quando os mutuários começaram a desvalorizar. Foi o caso do Bear
pararam de pagar a hipoteca, os títulos de Stearns. O gigante banco de investimentos
empréstimos hipotecários começaram a fun- decaiu tanto que foi comprado em março de
cionar de maneira deficiente. A média de obri- 2008 pelo concorrente JPMorgan, receben-
gações de dívida garantidas perdeu aproxi- do 2 dólares por cada ação. Sete dias antes
madamente metade do valor entre 2006 e da compra, as ações do Bear Stearns eram
2008. E, como as hipotecas de mais risco (e adquiridas por 70 dólares.
de mais retorno) eram compostas por hipote- Como os empréstimos hipotecados ti-
cas subprime, elas perderam totalmente o nham prevalência no mercado, não ficou cla-
valor após o início do aumento nacional da ro logo de início como o problema da queda
inadimplência nos empréstimos. Esse seria o da hipoteca subprime se alastraria. Durante
efeito da primeira peça do dominó que se alas- o ano de 2008, uma nova inscrição de bi-
trou pela economia dos Estados Unidos. lhões de dólares no balanço geral de uma
ou outra instituição chegava às manchetes
Como a hipoteca derrubou a economia
todos os dias. Fannie Mae e Freddie Mac,
Quando o índice de execução hipotecá- as corporações do governo que financiam
ria começou a crescer no final de 2006, tam- hipotecas como fiadores ou comprando-as
bém foram lançadas novas casas no merca- diretamente, buscaram ajuda do governo
do. A construção de casas novas já havia federal em agosto de 2008. Combinadas, as
ultrapassado a demanda, e quando um gran- duas instituições têm aproximadamente 3
de número de execuções hipotecárias ficou trilhões de dólares em investimentos, e

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ambas estão tão bem estabelecidas na eco- A satisfação dos bancos brasileiros é
nomia dos Estados Unidos que o governo justificada, visto que nos últimos anos, di-
federal tomou o controle das corporações ferente de parceiros internacionais, princi-
em setembro de 2008, em meio a valores de- palmente norte-americanos, eles estão lide-
cadentes; Freddie Mac informou uma perda rando o processo de adequação das empre-
de 38 bilhões de julho a agosto de 2008. sas brasileiras às novas exigências
Fannie Mae e Freddie Mac são exemplos prudenciais, tais como Sarbanes-Oxley, além
de como cada parcela da economia está re- de terem passado a usar os novos instru-
lacionada. Se as coisas vão mal com Fannie mentos de controles internos como ferra-
Mae e Freddie Mac, também vão mal no se- mentas de gestão, o que produziu melhorias
tor imobiliário. Os concessores emitem em- importantes em seus principais indicadores.
préstimos imobiliários e os vendem a uma O Banco Central, braço do governo fede-
das empresas, ou usam os empréstimos ral que orquestra toda a regulação bancária
como garantia para conseguir mais emprés- brasileira, flexibilizou algumas regras para
timos; a função de cada gigante é introduzir adequação ao Acordo de Basileia, exigindo
dinheiro na indústria do empréstimo. Se Mac menos capital próprio para cobrir perdas nos
e Mae não emprestam dinheiro ou compram empréstimos a varejo, como cheque especial
títulos de empréstimos, os concessores di- e empréstimo consignado. Tudo isso dentro
retos têm menos probabilidade de empres- de um cenário de crescimento médio de 25%
tar dinheiro aos consumidores. ao ano das operações de crédito e, claro, re-
Se os consumidores não conseguem di- petidos recordes de lucro. Ainda no Brasil,
nheiro emprestado, não podem gastá-lo. Se um outro ponto forte foi o aumento de segu-
não podem gastá-lo, as empresas não ven- rança ao cliente, evolução que mostra que as
dem produtos; menos vendas significam tentativas de fraudes financeiras apresenta-
valor diminuído, e, assim, o valor das ações ram redução de 26% de 2007 até agora, de-
da empresa diminui. As empresas cortam monstrando que boas políticas de gestão de
despesas demitindo funcionários; o desem- riscos podem trazer ótimos resultados.
prego aumenta e os consumidores gastam Para muitos, com o Brasil utilizando em
ainda menos. Quando um grande número larga escala e disciplinarmente ferramen-
de empresas perde seu valor ao mesmo tem- tas de controle pelos setores de auditoria
po, a bolsa de valores cai. A queda pode interna, houve a criação de uma padroniza-
levar à recessão. Uma crise forte o suficien- ção de tal forma que todos os profissio-
te pode causar depressão e, em outras pala- nais envolvidos passaram a prestar contas
vras, o fim de uma economia. dos resultados de suas atividades.
Alguns bancos nacionais, como o Itaú e o
Condições das instituições financeiras Unibanco, passaram a utilizar-se de
brasileiras diante do choque sistêmico metodologias de medição de riscos
operacionais para cada linha de negócios por
A princípio, as instituições financeiras es- meio de modelos estatísticos, alcançando su-
tão apenas se precavendo contra eventuais cesso na previsão de perdas esperadas. As
problemas de origem sistêmica e estão apli- diferenças de postura entre os bancos brasi-
cando mais aperto na regulação prudencial leiros e os norte-americanos não passaram
brasileira. No entanto, elas não escondem a despercebidas também pelos grandes investi-
satisfação por estarem passando sem muitos dores, que passaram a avaliar melhor bancos
problemas pela crise que ocorre nos EUA. nacionais, elevando o patamar de valor de mer-

212 RMB2 oT/2009


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cado de bancos como o Bradesco e o mia brasileira, situando-se, por exemplo, no


Unibanco. Enfim, o uso da regulação mesmo nível de importância de uma refor-
prudencial no Brasil, segundo estatísticas, é ma da Previdência ou de uma reforma do
muito melhor do que nos EUA. Estado. O sucesso da reforma financeira
se deve à rapidez na adoção das medidas
MELHORIA DA FISCALIZAÇÃO da primeira fase – como ela não foi tema de
BANCÁRIA BRASILEIRA debate público, boa parte da sociedade não
compreende os objetivos das reformas.
No caso do sistema financeiro brasilei- Todas as medidas adotadas no Brasil es-
ro, este passou por um ajuste que pode ser tão em consonância com as recomendações
dividido em três fases que parcialmente se e os princípios sugeridos pelo Comitê de Su-
superpõem. pervisão Bancária da Basileia. São apresen-
A primeira fase, do início do Plano Real tados a seguir os princípios que serviram
até meados de 1996, foi caracterizada: como pilares da reformulação das instituições
a) pelos processos de transferência de financeiras nacionais, que foram implantados
controle acionário en- pelo governo brasileiro
tre instituições finan- a partir do início da dé-
ceiras privadas; Todas as medidas adotadas cada de 90.
b) por modificações no Brasil estão em Princípios para uma
na legislação e na su-
pervisão bancárias; e consonância com as supervisão bancária
efetiva
c) pela implementa- recomendações e os
ção do Programa de Es- Foram princípios
tímulo à Reestrutura-
princípios sugeridos pelo adotados que visam as-
ção e ao Sistema Finan- Comitê de Supervisão segurar a independên-
ceiro Nacional (Proer) – Bancária da Basileia cia política dos respon-
Medida Provisória no sáveis pela fiscalização
1.179/1995. A medida, do sistema financeiro,
transitória, veio para responder à nova reali- bem como a disponibilidade de instrumentos
dade advinda com o Plano Real e promover o que permitam uma atuação preventiva por
enxugamento do sistema financeiro por meio parte do Banco Central. Tal possibilidade de
de fusões entre bancos, bem como aquisições, intervenção governamental consistiu numa
reorganizações societárias e reestruturação de segurança indispensável para o Sistema Fi-
instituições. nanceiro Nacional (SFN) brasileiro, e foi uma
A segunda fase, iniciada em meados de das ferramentas que contribuíram para frear o
1996, seria caracterizada pelo ajuste das choque sistêmico que avança pelo mundo
instituições financeiras públicas e pelo in- desde 2008, pelo fato de ter sido implementado
gresso de bancos estrangeiros na econo- muito antes do que foi implementado em al-
mia brasileira. E a terceira fase, que ainda guns dos mais poderosos países do mundo.
está em andamento, pode ser caracteriza- Assim, o governo editou a MP no 1.182,
da, principalmente, por reformas no mode- de 17/11/95, ampliando os poderes do Banco
lo operacional dos bancos brasileiros. Central para possibilitar ações preventivas
Essa reestruturação do sistema finan- na fiscalização de instituições financeiras. Tal
ceiro, ainda em curso, deve ser vista como diploma legal permitiu que se exigissem das
uma das reformas fundamentais da econo- instituições com problemas de liquidez novo

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aporte de recursos, transferência do controle II) estabelecimento de dispositivos es-


acionário e reorganização societária, por meio clarecendo que a capacidade econômica
de incorporação, fusão ou cisão. dos controladores de qualquer instituição
Essa MP, convertida na Lei no 9.447, de 15/ financeira é analisada a partir da situação
3/97, facultou ao Banco Central desapropriar do grupo controlador e das pessoas físi-
as ações do controlador de um grupo finan- cas controladoras finais e não apenas da
ceiro e, posteriormente, efetuar sua venda por pessoa jurídica controladora direta;
meio de oferta pública, caso este começasse a III) exigência de adesão por parte das
enfrentar problemas derivados de risco instituições financeiras ao Fundo Garanti-
sistêmico e não acatasse suas recomendações. dor de Créditos (FGC) como condição para
Também estendeu ao acionista controlador a autorização de seu funcionamento; e
responsabilidade solidária com os administra- IV) eliminação da exigência de que o ca-
dores no caso de problemas com a instituição. pital mínimo de um banco estrangeiro fos-
se o dobro daquele exigido para um banco
Regras relativas à constituição e orga-
nacional.
nização de bancos
Regulamento prudencial e exigências
Os princípios adotados para regularizar
no gerenciamento do risco
a constituição e a organização dos bancos
no Brasil consistem no estabelecimento de Com a implementação definitiva desses
um conjunto de regras (por exemplo, a exi- princípios, passa a se especificar que o ca-
gência de apresentar um capital social míni- pital mínimo de um banco deve refletir a
mo e um plano de atuação operacional, além estrutura de risco dos seus ativos e que os
da verificação da competência profissional bancos devem ser obrigados a desenvol-
e da integridade social dos controladores, ver instrumentos adequados para identifi-
entre outras) e condicionam a transferência car, monitorar e controlar os riscos envol-
de controle acionário ou fusões à prévia vidos na atividade bancária.
aprovação do órgão governamental respon- Logo após o início do Plano Real, o go-
sável pela fiscalização bancária. verno editou a Resolução no 2.099, de 17/8/
Esses princípios permitem que as auto- 94, que estabeleceu o limite mínimo de ca-
ridades sejam seletivas na concessão de pital para a constituição de um banco e li-
autorizações para o funcionamento de ban- mites adicionais de acordo com o grau de
cos e instituições financeiras e, no Brasil, risco da estrutura dos ativos bancários.
vêm sendo observados pelo Banco Cen- Essa exigência de capital mínimo, tal
tral, que sempre exige planos detalhados como definido pelo Comitê da Basileia, tem
de grupos que pleiteiam a compra ou cons- o objetivo de servir de funding permanen-
tituição de novos bancos. Concede ainda te para as atividades do banco e de ser
o poder de vetar a compra e/ou associa- uma reserva contra o risco e as perdas de-
ções de bancos por grupos cujos novos correntes das operações bancárias.
controladores não tenham planos concre- No que tange ao gerenciamento de risco,
tos e bem definidos de atuação no setor. grande parte dos bancos brasileiros está
Com a edição da Resolução no 2.212, de implementando modelos avançados de análi-
16/11/95, o Banco Central introduziu im- se de risco e, recentemente, o Banco Central
portantes mudanças nessa área, tais como: editou a Resolução no 2.390, de 22/5/97, crian-
I) aumento do capital mínimo exigido do a Central de Risco de Crédito. De acordo
para a constituição de novos bancos; com essa medida, as instituições financeiras

214 RMB2 oT/2009


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deverão identificar e informar ao Banco Cen- com os bancos e procurar entender por com-
tral os clientes (pessoas físicas e jurídicas) que pleto os diversos tipos de operações bancá-
possuam saldo devedor igual ou superior a rias. As informações reportadas pelos ban-
R$ 50 mil, permitindo à instituição fiscalizadora cos devem ser comprovadas via fiscalização
disponibilizar para as instituições financeiras, direta e/ou com a ajuda de auditores exter-
com a permissão do titular da conta, a dívida nos, e a supervisão bancária deve ser feita de
total desse cliente. Isso possibilita melhor ava- forma consolidada, incluindo as participações
liação da capacidade de pagamento dos gran- do banco em outras empresas.
des devedores e, portanto, maior eficiência e Esse conjunto de princípios vem sendo
menor custo no processo de concessão de observado no processo de reestruturação que
crédito, o que tende a reduzir os spreads co- está ocorrendo nos procedimentos de fiscali-
brados nos empréstimos bancários. zação do Banco Central do Brasil. De uma fis-
Além dos benefícios diretos gerados pela calização baseada principalmente em relatóri-
implantação da Central de Risco de Crédito, os enviados pelos próprios bancos (off-site
ela vai possibilitar, em breve, a completa refor- supervision) e de caráter eminentemente bu-
mulação dos critérios de rocrático, o Banco Cen-
classificação de riscos. tral passou a adotar pro-
Na legislação atual, a cedimentos mais moder-
constituição de provi- Além dos benefícios diretos nos de fiscalização.
sões decorre basica- gerados pela implantação Note-se que, com a
mente da ocorrência de MP no 1.334, de 13/3/96,
inadimplência do toma-
da Central de Risco de o Banco Central insti-
dor; nas novas regras, Crédito, ela vai possibilitar, tuiu a responsabilidade
as provisões deverão em breve, a completa das empresas de audi-
considerar a avaliação toria contábil ou dos
ex ante do risco de cada reformulação dos critérios auditores contábeis in-
operação, refletindo as- de classificação de riscos dependentes em casos
sim os riscos de de irregularidades na
inadimplência futura e instituição financeira,
não somente as perdas já incorridas pela insti- forçando que estes informem ao Banco Cen-
tuição financeira. Em resumo, abandonar-se-á tral sempre que sejam identificados proble-
um sistema preocupado com o passado, ado- mas ou que o banco esteja se negando a
tando-se em seu lugar uma abordagem divulgar informações.
prospectiva, mais adequada ao gerenciamento Além disso, o Programa de Aperfeiçoa-
do risco por parte dos administradores de ban- mento dos Instrumentos de Atuação do
cos e da fiscalização do Banco Central. Banco Central do Brasil junto ao Sistema
Financeiro Nacional (Proat) deve entrar bre-
Maneiras de fiscalizar instituições fi-
vemente em funcionamento. Seu principal
nanceiras
objetivo é proporcionar treinamento ade-
Esses princípios estabelecem que a su- quado para o pessoal envolvido nas ativi-
pervisão bancária deva se basear tanto em dades de fiscalização bancária e estudar uma
relatórios periódicos escritos pelos bancos reformulação das informações contábeis a
quanto na fiscalização efetuada diretamente serem exigidas das instituições financeiras
em cada um deles. Os responsáveis pela fis- de forma a uniformizá-las e torná-las compa-
calização devem manter contato frequente ráveis aos padrões internacionais.

RMB2 o T/2009 215


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Necessidade de supervisão global e tro- zação não seja permitida ou garantida pelo
ca de informações entre bancos centrais país estrangeiro, implicará dedução em seu
patrimônio líquido de todas as participa-
Estes três últimos princípios especificam ções do banco no exterior, para fins de apu-
que a fiscalização dos bancos deve consoli- ração dos limites operacionais; e
dar as operações domésticas com aquelas re- IV) consolidação das demonstrações fi-
alizadas pelo banco no exterior. A importância nanceiras no Brasil com as do banco no
dessa consolidação evita, por exemplo, a pos- exterior (incluindo dependências e partici-
sibilidade de que o banco venha, via subsidi- pações em empresas financeiras e não fi-
ária no exterior, a esconder problemas na sua nanceiras das quais participe com, pelo
carteira de empréstimos. menos, 25% do capital social), para efeitos
O Banco Central editou a Resolução no de cálculos dos limites operacionais do
2.302, de 25/7/96, alte- Acordo de Basileia.
rando a legislação que
trata da abertura de de- Com o uso mais intenso da CONCLUSÃO
pendências dos ban- regulação prudencial pelas
cos no exterior, e con- Com o uso mais in-
solidou as demonstra- instituições financeiras tenso da regulação
ções financeiras dos brasileiras, assim como prudencial pelas institui-
bancos no Brasil com
suas participações no
com a ajuda poderosa do ções financeiras brasilei-
ras, assim como com a
exterior, permitindo governo federal, pode-se ajuda poderosa do go-
uma efetiva supervi- verificar um maior preparo verno federal, pode-se
são bancária global verificar um maior pre-
consolidada por parte do Sistema Financeiro paro do Sistema Finan-
do Banco Central. Nacional para o ceiro Nacional para o
Os principais pon- enfrentamento da crise
tos dessa medida são:
enfretamento da crise econômica. Pode-se
I) aumento do capi- econômica perceber também a im-
tal mínimo exigido para portância crucial do
a constituição de bancos com dependên- gerenciamento de riscos pelos bancos, a fim
cias (agências, escritórios de representa- de que se possa proteger a propriedade alheia.
ção, filiais) no exterior; Conforme disse no final de 2008 Dominique
II) aumento do capital mínimo exigido para Strauss-Khan, diretor-geral do FMI: “As in-
a constituição de dependências no exterior; tensas tentativas de resgate de algumas das
III) permissão para que o Banco Central maiores instituições financeiras dos EUA e da
passe a fiscalizar as operações das depen- Europa empurraram o sistema financeiro glo-
dências e empresas em que o banco tenha bal para perto do derretimento sistêmico”. E
participação no exterior. Caso essa fiscali- assim está sendo.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ECONOMIA>; Crise; Controle de riscos; Recursos econômicos; Economia do Brasil;
Economia dos Estados Unidos;

216 RMB2 oT/2009


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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regras de adequação de capital do acordo da Basiléia no Brasil, Rio de Janeiro, 2003, 129 p.
Dissertação de Pós-Graduação para Título de Mestre em Economia do IE da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
ALVES, Aluísio. Controlar riscos dá lucro. Revista Razão Contábil, São Paulo, Ed.49, jun.2008. Dispo-
nível em: http://www.acionista.com.br/mercado/artigos_mercado/070708_razao_contabil.htm.
Acesso em 07 mar. 2009.
FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para Normalização de Publi-
cações Técnico-Científicas. 8a ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. 255 p.
Normas relativas à regulamentação prudencial. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/esta-
bilidade/2003_novembro/ref200310c5p.pdf . Acesso em: 06 mar. 2009.
PRATES, Daniela Magalhães; CARVALHO, Fernando José C.; DYMSKI, Gary Arthur; CORAZZA,
Gentil; LIMA, Gilberto Tadeu; HERMANN, Jennifer; FREITAS, Maria Cristina Pendo;
FILHO, Otaviano Canuto dos Santos; ARESTIS, Philip; SOBREIRA, Rogério; BASU, Santonu.
Regulação Financeira e Bancária. 1a ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005. 264 p.
RUBENS, Mario de Mello Neto. Regulação Prudencial do Sistema Bancário no Brasil: Requisitos
de Capitalização e Classificação de Risco, Niterói, 2006, 171 p. Dissertação de Pós-Gradua-
ção para Título de Mestre em Economia da Universidade Federal Fluminense.
WIKIPÉDIA – A enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 24 fev.
2009.

RMB2 o T/2009 217


ULTIMA RATIO*

HELIO LEONCIO MARTINS


Aspirante1

A travessando séculos, transformando-


se com a civilização, aumentando de
poder ano a ano, há 70 decênios a sombra
necessários. Como realidade única, palpá-
vel, vencedora, o canhão, a força, continua
a avultar no cenário da humanidade.
do canhão alonga-se pela terra. O melhor argumento de um tratado in-
Símbolo da força. Símbolo do poder. E, ternacional é um couraçado. Duzentos mil
infelizmente talvez, símbolo da justiça. Er- homens em armas são um arrazoado
guem os homens as vozes de pigmeus. irresistível para o fim de uma questão. Rio
Reúnem-se em congressos. Oceanos de tin- Branco, o diplomata por excelência, bus-
ta em planícies de papel. Tudo num esfor- cando arbítrios, riscando por tratados as
ço tremendo para terem a Razão como deu- fronteiras do Brasil, apressava a vinda da
sa máxima e a Justiça cega pesando prós e nossa Esquadra e fazia um trabalho imenso
contras em sua balança infalível. de reorganização do nosso Exército. E o
Entretanto, as vozes perdem-se nos es- Brasil sempre teve razão. E o Brasil “pacifi-
paços. Os congressos dissolvem-se no es- camente” delimitou-se, num trabalho de
quecimento. Os documentos empoeiram-se diplomacia e arbítrio, dando um exemplo
nos arquivos e rasgam-se nos momentos ao mundo. O Brasil era forte!

* N.R.: Publicado originalmente na edição de dezembro de 1934 da revista A Galera, da Escola Naval,
como editorial.
1 N.R.: Hoje vice-almirante (Refo). Historiador naval e colaborador assíduo da Revista Marítima Brasi-
leira. É de ressaltar que este texto foi produzido cinco anos do início da Segunda Guerra Mundial.
ULTIMA RATIO

Uma Esquadra nova rondava os nossos conquistada, malgrado tratados, malgrado


mares com a ameaça de seus “305”. Febril- congressos, numa política armamentista fre-
mente o Exército saía de seus moldes anti- mente; hoje, o Brasil, espapado na calma de
quados, aumentando seu material bélico, um colosso confiante, vê-se enfraquecer dia
instruindo seus oficiais, espalhando-se em a dia, e dia a dia recua na escala das nações
guarnições novas pelas fronteiras. E foi um fortes. E o Brasil precisa reagir!
cume. E foi um máximo na nossa eficiência. Não conseguirá o porvir imenso que
Depois, decaiu aos poucos. merece se não tiver a fortaleza necessária
Fez-se sentir a ação galvânica do tempo para a conquista desse porvir. Não pesarão
nos costados dos nossos navios. E cansa- suas palavras no concerto das nações se
vam-se as máquinas de 25 anos de trabalho. não houver canhões que apoiem estas pala-
E hoje, quando a humanidade estua de vras. Não terá a hegemonia sul-americana
paixões, de interesses feridos, de transfor- se não deslizarem por suas costas velozes
mações sociais intensas; em que o espectro cruzadores e não tiverem suas fronteiras a
da guerra ergue-se, tremendo, por cima dos vigilância de um Exército poderoso.
cinco continentes; quando a segurança é Arme-se, portanto, o Brasil!

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ARTES MILITARES>; Pensamento militar; Poder militar; Estratégia;

RMB2 o T/2009 219


ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados


– na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo da
Biblioteca da Marinha.
Aqui será apresentado o título, o autor, posto ou título, número
de páginas do trabalho completo, classificação para índice remissi-
vo e o resumo do artigo.

O BOMBARDEIO DE ALVEAR
ANTÔNIO GONÇALVES MEIRA
Coronel (Refo)

Número de páginas: 9
Identificação: AV 028/09 – # 1.735 – RMB 2o/09
CIR: GUERRAS; Incidente; Bombardeio; História da Marinha do Brasil;

O artigo foi publicado em As Guerras Gaúchas, organização de Günther Axt, Nova


Prova, Porto Alegre, em 2008.
Após a Guerra do Paraguai, a Marinha manteve uma Estação Naval em Itaqui-RS, por
circunstâncias político-econômicas.
O episódio não se caracteriza como guerra, mas sim como ato belicoso, sem motivo
de disputa internacional, originado de reação pessoal autoritária e inconsequente de militar
brasileiro.
Em 1874, os Monitores Rio Grande e Alagoas, da Flotilha do Alto Uruguai, dispara-
ram os seus canhões contra a cidade argentina de Alvear, na margem do Rio Uruguai, em
frente à cidade de Itaqui-RS.
ARTIGOS AVULSOS

O evento ocorreu após agressão a capitão-tenente médico servindo na Flotilha, que


se deslocara para Alvear a fim de prestar atendimento médico a doente grave. A agressão foi
presenciada por agentes da polícia argentina, que não a impediram nem prenderam os
responsáveis.
O comandante da Flotilha, Capitão-Tenente Estanislau Przewodowski, oficiou às autori-
dades de Alvear exigindo delas a entrega dos agressores, com prazo fixado, sob pena de
represálias. Mandou, ainda, aprestar os monitores citados e executar salvas sobre Alvear.
O presidente da província brasileira representou contra o comandante junto à Corte,
o que resultou na sua exoneração pelo ministro da Marinha e submissão a Conselho de
Guerra, do qual foi absolvido.
A Flotilha do Alto Uruguai foi extinta em 1906.

A NACIONALIZAÇÃO NO CENTRO LOGÍSTICO DA


AERONÁUTICA – CELOG/FAB
MARCOS ANDRÉ WESTPHALEN PALMA
Capitão de Corveta (EN)

CARLOS FERNANDES DA SILVA JUNIOR


Capitão de Corveta (IM)

Números de páginas: 16
Identificação: AV 029/09 – # 1.730
CIR: APOIO; Logística; Força Aérea Brasileira; Nacionalização;

Diversas Organizações Militares (OM) da Marinha executam com sucesso, há algum


tempo, a nacionalização de sistemas, equipamentos e itens de suprimento. Não obstante
este fato, grande parte das obtenções promovidas pela Gerência de Sobressalentes do
Centro de Controle de Inventário da Marinha (CCIM) tem sido realizada no exterior, especi-
almente na Comissão Naval Brasileira na Europa (CNBE). Isso traz como consequência:
despesas variáveis com o câmbio; grande dependência do fornecimento de sobressalentes
do exterior; e necessidade de realizar desembaraço alfandegário, resultando em aumento no
prazo de entrega de tais sobressalentes ao setor operativo.
Conhecendo a bem-sucedida experiência da Força Aérea Brasileira (FAB) no assun-
to, a Diretoria de Abastecimento da Marinha (DAbM) iniciou em 2006 entendimentos com o
Centro Logístico da Aeronáutica (Celog), no sentido de aumentar a cooperação entre a
Marinha e a Força Aérea por meio de um intercâmbio sobre nacionalização em que a FAB
pudesse disponibilizar o seu conhecimento sobre o tema. Em abril de 2007, foi aprovado
pelos Comandos da Marinha e da Aeronáutica o Termo de Cooperação 001/Celog/07.

RMB2 o T/2009 221


ARTIGOS AVULSOS

O Termo de Cooperação permitiu à Marinha do Brasil adquirir o conhecimento da


sistemática empregada pela FAB e nacionalizar itens de suprimento utilizados em navios,
submarinos e helicópteros, por meio de um estágio no Celog durante os anos de 2008 e 2009
de quatro militares da Marinha, sendo dois oficiais e duas praças.
O Celog centraliza as principais aquisições do Comando da Aeronáutica, sendo
responsável também pelos processos de nacionalização e novas aquisições de itens já
nacionalizados (reposições de estoque). As suas atribuições são obter, distribuir, naciona-
lizar, certificar, garantir a qualidade, cadastrar fornecedores e fomentar a indústria nacional,
preparando a FAB para a mobilização em caso de conflito externo.
O Celog está localizado no Campo de Marte, São Paulo-SP, nas proximidades de um
grande número de fornecedores de material, serviços e de indústrias mecânicas e aeronáuticas.
Possui laboratórios de Ensaios Destrutivos, de Análise de Material Metálico, de
Análise de Material Não Metálico, de Inspeção de Material Eletroeletrônico, de Inspeção
Dimensional Convencional, de Inspeção Tridimensional, de Metrologia, de Névoa Salina e
uma Seção de Especificação Técnica de Projeto.
É composto por 170 pessoas, civis e militares, na sua maioria engenheiros, técnicos,
oficiais intendentes e administradores, que trabalham em conjunto nas atividades de naci-
onalização e obtenção.
A FAB trata a nacionalização como um processo dinâmico que objetiva o domínio
das informações técnico-gerenciais e o novo suprimento de determinado material, envol-
vendo cuidadosamente as seguintes fases:
a) estudo preliminar da necessidade, da viabilidade técnica, econômica e legal da
fabricação, no Brasil, de um produto similar ao importado;
b) pesquisa das dimensões geométricas, tolerâncias e da composição química e
propriedades mecânicas do material a partir de amostra do item original, objetivando a
elaboração de um projeto de fabricação;
c) identificação e seleção de uma Organização da Aeronáutica ou empresa nacional
para executar o projeto (neste último caso por licitação, participando apenas empresas pré-
qualificadas);
d) fabricação do item em território nacional de acordo com os requisitos técnicos
estabelecidos pelo projeto do Celog pela OM da FAB selecionada ou empresa vencedora
do certame;
e) inspeção da qualidade do protótipo e posteriormente do lote fabricado, executada
por uma equipe treinada e qualificada na área de metalurgia e metrologia utilizando labora-
tórios do Celog;
f) aprovação formal pelo Parque de Material (responsável pela manutenção da aero-
nave) e implantação do item nacionalizado no Sistema Integrado de Logística, Materiais e
de Serviços da Aeronáutica pelo Celog; e
g) certificação para o uso do produto desenvolvido na aeronave da FAB, distribui-
ção do lote nacional aprovado e acompanhamento do desempenho do item nacional duran-
te o seu ciclo de vida pelo Celog.
Desde a criação da Conma em 1977, órgão precursor do Celog, a FAB acumulou um
considerável acervo de projetos de nacionalização, superando a marca de 20 mil itens nestes
31 anos. O número de peças produzidas e fornecidas pela indústria nacional ultrapassa cinco
milhões, distribuídas em mais de 40 mil lotes. Aeronaves como o Xavante, o Bandeirante, o

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ARTIGOS AVULSOS

Tucano, o Hércules e outras, que possuem equipamentos descontinuados pelos seus fabri-
cantes, voam atualmente graças ao esforço da nacionalização realizado no Celog.
Normalmente são priorizados para a nacionalização os itens de utilização geral per-
tencentes a conjuntos maiores que, em princípio, não requerem investimentos elevados
para a fabricação e têm consumo considerável, tais como: resistores, anéis, buchas, elemen-
tos filtrantes, escovas de gerador, gaxetas, juntas, contatos, lâmpadas, capacitores, relés,
transistores, molas, engrenagens, parafusos, porcas, arruelas, pinos, pastilhas de freio,
peças de plástico, acrílico e vidro, itens de apoio à aviação como estropos, garfos de
reboque, calços e outros. Tais itens possuem elevado prazo de entrega, quando fabricados
no exterior, ou são obsoletos, entretanto são fundamentais para manter disponível a frota
de aeronaves.
Além dos itens de utilização geral, cujos processos de nacionalização duram de seis
meses a um ano e não costumam trazer grandes retornos financeiros para a FAB, há outros
considerados estratégicos, em face das dificuldades de serem encontrados, muitas vezes
decorrentes da descontinuidade da produção no exterior. Estes itens são complexos, e a sua
nacionalização geralmente representa uma economia significativa para a FAB. Pode-se des-
tacar, dentre outros:
a) Pastilha de Freio do Mirage – a tecnologia de fabricação desenvolvida em parceria
com uma empresa nacional e o material utilizado foram inovadores, motivando a empresa
francesa Dassault Aviation, fabricante da aeronave, a fechar um contrato de fornecimento
com a empresa nacional para todas as aeronaves Mirage III, Mirage V, Mirage 50, Super
Etendard e Atlantic ATL 1 existentes no mundo. A economia anual para a FAB na aquisição
de pastilhas de freio para o Mirage é de R$ 300 mil;
b) Tubo de Exaustão do Xavante – item de responsabilidade fabricado no País por
uma indústria do setor petrolífero, após desenvolvimento do projeto pelo Celog. Foi entre-
gue um lote de 50 tubos, disponibilizando as aeronaves e gerando uma economia para a
FAB de R$ 6.300.000,00;
c) Tubo do Pistão do Trem de Pouso Principal do Bandeirante – item descontinuado
pelo fabricante. A fabricação no Brasil de um lote de 70 peças trouxe uma economia para a
FAB de R$ 2.065.000,00, quando comparada à última aquisição no exterior;
d) Itens Estruturais dos Trens de Pouso do Tucano – itens descontinuados. A
empresa fabricante da aeronave solicitou um prazo de 24 meses para a entrega dos itens ao
custo de US$ 9,936,000.00 para equipar toda a frota. Os itens foram projetados pelo Celog
em parceria com uma empresa de engenharia nacional, e o protótipo foi fabricado e ensaiado
quanto à fadiga no IAE/CTA. Estima-se que a nacionalização e a aquisição de lote necessá-
rio para a frota de aeronaves destes itens gerarão uma economia de US$ 7,900,000.00 para a
FAB. Além disso, por tratar-se de uma melhoria no projeto original, será requerida a patente
do item, o que se traduzirá em receitas futuras de royalties para a FAB nas vendas dos itens
do trem de pouso do Tucano para as forças armadas de diversos países que possuem a
referida aeronave.
O Celog é uma Organização Militar de referência da FAB que desenvolve atividades
relacionadas à logística de transporte, aquisição e nacionalização de itens de emprego
aeronáutico e bélico.
O sucesso obtido na nacionalização de itens de suprimento para as aeronaves da
FAB está apoiado principalmente nos seguintes pontos:

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ARTIGOS AVULSOS

a) mão de obra experiente, multidisciplinar e exclusiva;


b) laboratórios e equipamentos adequados e exclusivos;
c) processo de nacionalização certificado por norma ISO 9001:2000; e
d) pré-qualificação de fornecedores.
O estágio realizado pelos militares da MB no Celog amplia consideravelmente os
conhecimentos nesta área na Marinha e permite a troca de experiências entre as Forças
Armadas, possibilitando o aprendizado no ambiente de trabalho.
Espera-se até o fim de 2009 concluir a nacionalização de 40 itens de suprimento de
emprego em meios navais e aeronavais, dentre itens novos e em desenvolvimento.

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CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a incentivar debates, abrindo espaço ao leitor para


comentários, adendos esclarecedores e observações sobre artigos publicados. As
cartas deverão ser enviadas à Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério,
poderá publicá-las parcial ou integralmente. Contamos com sua colaboração
para realizarmos nosso objetivo, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a um
eficiente veículo para idéias, pensamentos e novas soluções, sempre em benefí-
cio da Marinha, mais forte e atuante. Sua participação é importante.
A DIREÇÃO

Recebemos, em 16 de setembro último, correspondência do Capitão de Mar e Guerra


(Refo) Augusto Cesar Geoffroy sobre uma viagem do Cruzador Barroso, em 1964. Abaixo a
carta do Comandante Geoffroy:

MOMENTOS EM IMBITUBA
A viagem que poderia ter acabado em tragédia

Em 1963 e no primeiro trimestre de 1964, Eu era encarregado da divisão O2 (Rádio)


o Cruzador Barroso era quase um barril de desde dezembro de 1961, quando, terminado
pólvora. Atracado ao Cais Norte do Arse- o curso de Comunicações, embarquei, e con-
nal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), tava na divisão com um marinheiro SC, exí-
imobilizado para reparos, com o seu coman- mio telegrafista, que deixava no chinelo os
dante baixado ao hospital havia tempos, a “telecos” cursados. Tinha um porém: o SC
situação apresentava-se no mínimo delica- era o secretário da Associação dos Marinhei-
da. De três em três dias, a oficialidade jo- ros do Brasil, famosa na época por congre-
vem dormia a bordo, de serviço; cada noite gar as praças mais perigosas à disciplina. A
representava angústia, na expectativa de bem da verdade, o rapaz cumpria com as suas
que alguma coisa ruim pudesse acontecer. obrigações e mantinha-se disciplinado.
CARTAS DOS LEITORES

Logo após 31 de março, o cruzador re- bordo, lotados nos departamentos de Ope-
cebeu um novo comandante e um novo rações, Armamento e Máquinas, os repa-
imediato, vindos da Diretoria do Pessoal ros do navio foram terminados com êxito.
Militar da Marinha (DPMM), além de ou- Em fins de maio, o Barroso estava pronto.
tros oficiais mais modernos. Não vimos Certa tarde, o comandante do navio cha-
mais o capitão de corveta chefe do Depar- mou-me à câmara: “Quero convidá-lo para
tamento de Navegação e alguns tenentes. ser meu encarregado de Navegação” – dis-
Soube, então, que ele, figura divertida na se ele.
praça-d’armas, que fazia o pessoal da mesa Fui pego de surpresa!
rir muito, fora para o México para incorpo-
rar-se ao Partido Comunista mexicano, de- A VIDA DO NAVEGADOR
pois, obviamente, de ter feito as cabeças
de certos tenentes. Também depois soube Eu conhecia a bordo um segundo-te-
que, nas cobertas abaixo, habitadas pela nente muito esperto e pedi ao comandante
guarnição, o comandante navegador fazia para que ele me fosse cedido, para assumir
preleções para as praças, às escondidas. a divisão “N”. Quanto a mim, afora a sur-
O comandante do navio, um capitão de presa do convite, a função não me era es-
mar e guerra maquinista, e o imediato, um tranha, pois fora encarregado de Navega-
capitão de fragata também maquinista, am- ção do Guanabara, convidado por um ca-
bos de saudosa memória, puseram mãos à pitão de fragata exigente, e diversas vezes,
obra. Com a ajuda da oficialidade, princi- em 1959, o NE entrara e saíra da baía da Ilha
palmente dos capitães-tenentes antigos a Grande, em viagens com os alunos do Co-

226 RMB2 oT/2009


CARTAS DOS LEITORES

légio Naval, inclusive para Vitória. Depois, à praia, com as máquinas em baixa rotação,
em Belém, na Corveta Mearim, quando o aguardando a ordem de parar as máquinas e
navio suspendia com destino ao oceano, o largar o ferro no ponto determinado.
imediato caía no beliche, “mareadíssimo”, Passamos sobre o ponto de fundeio às
e sobrava para mim a navegação, enquan- 15 horas. Como ficava distante da praia para
to o outro oficial do navio ficava cuidando arriar a lancha e o mar se apresentasse tran-
das máquinas. Quase mensalmente, como qüilo, o comandante determinou que con-
corveta de socorro, íamos para São Luís tinuássemos navegando em marcha redu-
do Maranhão ficar duas semanas fundea- zida, a fim de que, estando mais próximo de
dos. Assim, depois da experiência de má- terra, fosse facilitada a manobra da lancha.
quinas, da calibragem dos equipamentos Estávamos ainda navegando pela carta
de artilharia e da aferição da agulha mag- 1.907 quando o ecobatímetro começou a
nética, estávamos prontos para viajar. acusar profundidades mais baixas, decres-
Do início de junho de 1964 em diante, o cendo a 20 metros. Eu teria, então, que tro-
Barroso fez-se ao mar diversas vezes, em via- car de carta, da 1.907, na qual estava nave-
gens de curta duração, e outras maiores, visi- gando, que só ia até 20 metros de profun-
tando Santos, Salvador e Recife. Inclusive o didade, e passar o ponto estimado para a
navio escoltou o cruzador francês Colbert, carta 1.908, da enseada de Imbituba, que
que trouxe ao Brasil o General De Gaulle. começava próximo à isobática de 20 metros.
Enquanto fazia a troca da carta, o eco acu-
A VIAGEM PARA IMBITUBA sou 16 metros. Veio, então, o susto: com o
ponto ainda estimado na carta 1.908, o
No meio do ano, se não me falha a memó- ecobatímetro indicou profundidade “zero”,
ria, a Ordem de Movimento do Comando em voltando a crescer logo em seguida para
Chefe da Esquadra determinava que o Barro- 14 metros. O Barroso, então, fundeou, com
so, com o Comandante em Chefe (ComemCh) quatro quartéis de amarra.
a bordo, rumasse para o sul do País, na região Estávamos, em minha opinião, mal fun-
de Imbituba, Santa Catarina, a fim de que fos- deados, a 14 metros de profundidade, pró-
se escolhida a praia onde seria realizada a Dra- ximos das pedras mais ao norte, sobre as
gão, operação anfíbia, em novembro de 1964. quais o Barroso deve ter “roçado” a qui-
Não me lembro mais se foi a Esquadra lha, quando o eco marcou fundo “zero”.
que determinou o ponto de fundeio ou o Além disso, o tempo começou a virar. O
comandante do navio, porém ele foi marca- perigo seria o ferro desunhar e o navio
do na carta 1.907 em profundidade bem garrar, e, dada a sua grande estrutura, po-
superior a 20 metros, próximo à entrada da der ser levado pelo vento ou pela maré para
enseada de Imbituba, quando seria arriada a praia ou, o que talvez fosse pior, cair para
a lancha de bordo, que conduziria os ob- cima das pedras, sem que as máquinas ti-
servadores para o reconhecimento da praia, vessem tempo de atuar.
após o que seriam recolhidos e o navio Pensamentos sombrios passaram pela
suspenderia para prosseguir viagem. minha cabeça: já imaginava o grande cru-
Durante a aproximação para o ponto de zador encalhado na praia em frente, bem
fundeio, o cruzador estava bem navegado, próxima, caso a amarra cedesse, repetindo
pois tivéramos uma boa posição astronômi- a tragédia da Corveta Angostura em junho
ca de meio-dia e o tempo apresentava-se de 1958, na praia de Itaipu, em Niterói, quan-
bom. O Barroso fazia a aproximação aproado do ficou encalhada para tentar salvar o

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CARTAS DOS LEITORES

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CARTAS DOS LEITORES

Camboinhas, safando-se somente após que nos levaria a passar a 500 jardas do mor-
duas semanas de muita faina. ro. Depois que o navio começasse a girar, o
Sei que arriaram a lancha, na qual em- ferro seria suspenso, as velocidades seriam
barcaram os observadores. Eu só tinha aumentadas e o leme pouco a pouco viria a
olhos para a proa, batendo com força, pois meio. Quando o navio terminasse de comple-
o mar encrespara rapidamente, e já estava tar 180º, a proa deveria estar apontada para a
escurecendo. Para piorar a situação, no entrada da enseada. Aí o leme estaria a meio
morro a bombordo o farol estava apagado. e as máquinas aumentariam as rotações para
A praia apresentava uma vegetação rastei- “toda a força adiante”. Era assim que esperá-
ra, sem pontos propícios para a obtenção vamos que tudo fosse acontecer.
de uma distância e uma marcação seguras, A navegação de praticagem foi posta
pelo radar de superfície, utilizado para a de lado, uma vez que a escuridão total não
navegação. O único ponto mais preciso era nos permitia enxergar qualquer acidente
o morro a bombordo. A boreste, a praia pro- geográfico em terra.
longava-se, sem pontos observáveis. No regresso da lancha do navio, com os
Chamei o meu ajudante e pedi que apa- observadores, ela não conseguiu ser içada,
nhasse o Livro do Navio, para conferirmos pois o mar estava agitado e ventava muito.
seus dados, suas curvas de giro, o efeito do Os observadores tiveram que ser recolhi-
seu leme para diversas velocidades. Come- dos pela rede do guindaste da popa e a
çamos, na noite que chegava, a “redesco- lancha foi deixada no local, fundeada.
brir” o Barroso, velho barco construído em 20 horas. Navio “pronto para suspender”.
1934/1937 e, detalhadamente, fomos colo- Quando a popa começou a girar, pelo efei-
cando no papel nossa estratégia para sair to dos hélices, e a proa, já com o ferro pelos
daquela situação. cabelos, iniciou a descrever um imenso meio
O Barroso continuava a manter a proa círculo, dava a impressão que iríamos colidir
oscilando na direção da praia, oposta à com o morro, pois os sinaleiros acenderam o
entrada da enseada. holofote de 36 polegadas, iluminando a área.
Rapidamente, o navio foi se aprumando para a
UMA MANOBRA DELICADA entrada da enseada. Sugeri então ao oficial de
manobra que determinasse “leme a meio” ao
A manobra de saída da enseada de timoneiro e “toda a força adiante” para as má-
Imbituba consistiria em manter a proa presa quinas. Parecia que tínhamos acordado de um
pelo ferro de fundear, enquanto os dois eixos pesadelo e vivíamos, naquele instante, um so-
de boreste davam adiante e os dois eixos de nho: o navio, construído 30 anos antes, o ex-
bombordo davam a ré, com o leme todo a Philadelphia, de tão bela passagem na Se-
bombordo. Guinaríamos por bombordo, uma gunda Guerra Mundial, respondera como se
vez que guinar por boreste não era conveni- tivesse saído do estaleiro naquele momento.
ente devido à ausência total de qualquer pon-
to de referência para a manobra. Tinha obser- CONCLUSÃO
vado, nas viagens efetuadas, que o navio
descrevia uma curva de giro de 1.500 jardas, A entrada na enseada de Imbituba po-
com as máquinas a meia força e algum ângu- deria ter causado um sério acidente de na-
lo de leme. Ele teria, em Imbituba, que reduzir vegação envolvendo um cruzador de 185
a curva de giro para 1.000 jardas, ajudado metros, de manobra difícil em áreas restri-
pelos quatro eixos, e carregar todo o leme, o tas, em local de mar quase sempre agitado,

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CARTAS DOS LEITORES

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CARTAS DOS LEITORES

sem sinalização para as pedras submersas, lizado para a navegação em águas restri-
em uma área sem pontos notáveis para se tas, não é o mais indicado para aquele tipo
fazer uma boa e segura navegação; além de navegação, no qual os pontos notáveis
do mais, distante da principal base naval, eram rasteiros e não provocavam ecos mui-
representada pelo AMRJ, e dos navios de to precisos.
socorro sediados no Rio de Janeiro.
Como os oficiais do Corpo da Armada sa- OUTRAS CONSIDERAÇÕES
bem perfeitamente, sempre que se muda o
ponto de uma carta para a outra, de escalas Depois de passado tanto tempo, tive a
diferentes, o ponto transportado não ficará ideia de escrever alguma coisa sobre a via-
exatamente onde se previra e, em conse- gem a Imbituba. Afinal de contas, volta e meia
quência, a localização do navio fica alterada. o assunto me vem nitidamente à lembrança.
Em Imbituba, isso aconteceu, com o agra- Nada mais conveniente, então, que recordas-
vante de que o transporte do ponto foi feito se aqueles momentos (quase) trágicos ou-
em situação que não dava tempo para mano- vindo aquele meu antigo encarregado da di-
bra evasiva, pois quando foi trocada a carta visão “N” do Barroso. O hoje capitão de mar
de navegação da 1.907 para a 1.908 pratica- e guerra na inatividade, ótimo oficial cursado
mente o navio estava “em cima das pedras”. em eletrônica, atencioso como sempre, for-
Tudo se passou quase num piscar de olhos. neceu-me preciosos detalhes que concorre-
Também parece importante salientar que ram para dar mais veracidade à história da-
o radar de superfície, embora possa ser uti- quele fundeio na enseada de Imbituba.

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CARTAS DOS LEITORES

Graças ao computador, foi possível dras de Imbituba”, sobre as quais o cruza-


retroagir no tempo, configurando a situa- dor deve ter passado), como mostra a carta
ção na época (1964) da carta 1908. náutica atual, agora devidamente sinaliza-
O local está bastante mudado. Foi das com boias luminosas, distantes cerca
construído um quebra-mar extenso junto de 0,27 milha (500 metros) umas das outras.
ao morro de entrada a bombordo, com um Calculamos que ficamos fundeados a
aterro para a localização de armazéns, for- cerca de 0,8 milha (1.480 metros ou 1.600
mando o porto de Imbituba, que recebe jardas) do morro e a 1 milha (1.852 metros)
navios de carga geral. A cidade está muito da praia em frente.
diferente, com vários hotéis e pousadas. Quem já embarcou sabe que no mar, em
Lá estão as pedras mais ao sul (“pedras noite escura, essas distâncias podem tor-
do Aracaju”) e as pedras mais ao norte (“pe- nar-se quase irrisórias e iludem bastante.

 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO:


<ATIVIDADES MARINHEIRAS>; Manobras; Navegação; Cruzador;

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O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o


que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses.
Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas
e por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha.
São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas.
Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso
por carta, ou por e-mail (rmbmateria@dphdm.mar.mil.br).

ASSALTO ANFÍBIO NA VILA NAVAL


Os fatos a seguir narrados, a despeito bairro, havia um grande terreno que não
da “licença poética”, são verídicos. podia ser usado para construção em virtu-
Uma determinada vila naval ficava locali- de de a “final” dos aviões que se dirigiam
zada às margens de um importante rio. Na para a Base Aérea passar exatamente ali
época de sua inauguração, o entorno da vila por cima. Aquele terreno era fonte de cons-
era praticamente deserto, o que causava até tante preocupação para os moradores da
certas dificuldades para as senhoras espo- rua, que temiam o seu uso pela bandidagem
sas, que não dispunham de muitas opções local como esconderijo ou rota de fuga da
de comércio e serviços nas proximidades. polícia, uma vez que a guarita da seguran-
Ao longo dos anos, com o crescimento ça não permitia a visão de todo o muro, e o
desordenado da cidade, o local tornou-se mato crescido e a lama facilitavam a
um bairro muito populoso. Juntamente com ocultação.
a grande população, vieram também os pro- Eis que se mudou para a rua um jovem
blemas inerentes a qualquer grande cen- tenente fuzileiro naval. Militar vibrador,
tro: pequenos delitos começaram a ocorrer amante de ação, quando soube do peri-
na vizinhança. go representado pelo terreno tomou para
A vila era composta por cinco ruas. Na si a missão de guardá-lo. O referido ofici-
rua mais próxima do muro limítrofe com o al estabeleceu para si até mesmo uma ro-
O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

tina de rondas noturnas, para garantir o “Parados, mãos na cabeça!” – ordenou


sono tranquilo de seus vizinhos e de sua com autoridade o bravo tenente, quase
família. matando de susto os supostos invasores,
Certa noite, chovia bastante, e o tenen- que prontamente obedeceram.
te foi até a varanda de sua residência para Nesse momento, o sargento da guarda
guardar as roupas do varal, de forma que focou sua possante lanterna nos olhos ar-
não se molhassem. Foi quando observou regalados dos praticamente irreconhecí-
dois elementos se deslocando na chuva, veis, encharcados e enlameados suspeitos.
sob a sombra rente ao muro, na direção do Haviam sido rendidos, na verdade, um ofi-
bairro. cial superior engenheiro e seu ajudante,
“Que será que esses meliantes estão fa- um suboficial, que estava no meio de uma
zendo aqui dentro da vila? Será que vieram importante faina de medição do terreno, que
tentar roubar alguma casa? Será que vie- deveria estar pronta até a manhã seguinte,
ram usar drogas?” – pensou. e por isso não poderia parar, mesmo em
Sem pestanejar, o oficial correu até a meio àquele temporal.
guarita, montou um “grupo-tarefa anfíbio” Depois do ocorrido, a rua perdeu seu
com mais três fuzileiros navais e, de armas incansável guardião, que passou alguns
em punho, foram rapidamente se esguei- dias sem realizar nenhuma ação, se acal-
rando, camuflados pelas sombras, rastejan- mando no bailéu...
do, na direção dos invasores. A evolução
da patrulha foi de tal forma precisa que Colaboração de:
flanquearam os suspeitos, gozando total- Igor de Assis Sanderson de Queiroz
mente do elemento surpresa. Capitão-Tenente (IM)

O CASO DO COMANDANTE “CHICO-TIRA”


Não sei se o fato é verídico, mas em ro- quenos pedaços de imprestáveis manguei-
das de conversas marinheiras fala-se que ras de incêndio que a guarnição calçava.1
havia um oficial de apelido “Chico-Tira”. Um belo dia, o imediato determinou uma
Um dia o citado oficial foi designado para faina de “lona e areia” a bordo. Normal-
comandar um navio pequeno. O comandan- mente era uma faina alegre, pois os mari-
te detestava que o chamassem pelo apeli- nheiros cantavam e dançavam arrastando
do, mas a guarnição não sabia disso. os pés no convés. Assim, o trabalho ia sen-
Antigamente, o convés principal dos do executado até que um gaiato resolveu
navios era de madeira corrida, e entre as “fa- formar um trenzinho, com os marinheiros
inas” (trabalhos marinheiros) havia uma uns apoiando as mãos sobre os ombros do
chamada “lona e areia”. Consistia na limpe- da frente. E para imitar o som do trem se
za do convés com água salgada, areia e uma deslocando, começaram: Chico-Tira,Chico-
espécie de chinelo confeccionado com pe- Tira,Chico-Tira.

1
N.R.: Nos cruzadores Barroso e Tamandaré, a faina de “lona e areia” envolvia praticamente toda a
tripulação, animada pela banda de música. Os encarregados de Divisão ou seus ajudantes comanda-
vam os cabos e marinheiros, supervisionados por sargentos. Cada divisão ficava responsável por
setores do convés principal. A lona da mangueira servia como uma lixa, que, junto à areia e à água
salgada, deixava o tabuado do convés muito limpo.

234 RMB2 oT/2009


O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

O comandante, estando no passadiço, nhece, dez e cinco dias dizem respeito a


ouviu aquela afronta e não vacilou – che- prisão).
gou até a escada de acesso e exclamou:
– Parem o trem, parem o trem... sobe a Colaboração de:
máquina. Dez dias para a máquina... cin- José Roberto Meirelles
co para cada carro! (Para quem desco- Capitão de Mar e Guerra (IM-Refo)

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DOAÇÕES À DPHDM – 2o TRIMESTRE DE 2009
DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Biblioteca Nacional
Biblioteca do Exército
Centro de Mísseis e Armas Submarinas da Marinha
University of Florida

PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA
Tecnologia Militar – v. 31 no 1/2009

ARGENTINA
Boletin del Centro Naval – v. 126 no 822 out./dez. 2009

CANADÁ
Canadian Naval Review – v. 4 no 3 FALL 2008

CHILE
Revista de Marina – v. 126 no 908 jan./fev. 2009
Politica y Estratégia – no 111 jul./set. 2008; no 112 out./dez. 2008

ESPANHA
Revista de História Naval – v. 26 no 103/2008
Revista General de Marina – v. 225 out./2008; v. 225 dez./2008;
v. 256 mar./2009 supl./mar./2009

ESTADOS UNIDOS
Naval Forces – v. 29 no 6, 2008; v. 30 no 1, jan./2009; v. 30 no 2, 2009
Naval War College Review – 62 no 1 WINTER 2009; v. 62 no 2 SPRING 2009
Politics & Policy – v. 36 no 5 out./2008; v. 36 no 6 dez./2008; v. 37 no 1 fev./2009
Proceedings – mar./2009
UNITAS 50 – 2009
Via Inmarsat – jul./set. 2009; abr./jun. 2009

HOLANDA
Revista Europea de Estudos Latinoamericanos y Del Caribe – no 86 abr./2009
DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ITÁLIA
Rivista Marittima – v. 142 jan./2009
Rivista Militare – v. 1 jan./fev. 2009

PORTUGAL
Revista da Armada – v. 38 no 429 abr./2009
Cadernos Navais – no 28 jan./mar. 2009

BRASIL
Asfalto em Revista – v. 1 no 3 jan./fev. 2009
Boletim do Clube Naval – mai./2009
Círculo Militar de São Paulo (CMSP) – v. 29 no 348 mai./2009
Clube Naval – abr./2009; v. 117 no 349 jan./fev./mar./2009
Conexão Brasília – v. 6 ed. verão 2009
O Corujão – v. 4
A Defesa Nacional – v. 94 no 812 set./out./nov./dez. 2009
A Galera – 1956
Informativo Marítimo – v. 16 no 4 out./dez. 2008
LUBES em foco – v. 2 no 11 fev./mar. 2009
Museu Aeroespacial –
NOMAR – v. 44 no 798 out./2008; v. 444 no 800 dez./2008
NOTANF – no 4 out./2008; jan./fev./mar. 2009
Notícia Bibliográfica e Histórica – v. 39 no 202 jan./jun. 2007
Pesquisa Fapesp – no 159 mai./2009
Portos e Navios – v. 50 no 578 mar./2009; v. 51 no 579 abr./2009; v. 51 no 580 mai./2009
Relatório Anual 2008 Wilson Sons Limitewd –
A Ressurgência – no 3/2009
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional RBSO – v. 222 no 118 jul./dez. 2008
Revista de História da Biblioteca Nacional – v. 4 no 43 abr./2009; v. 4 no 44 mai./2009
Revista de História Naval – v. 26 no 103/2008
Revista de Ciências Sociais teoria & pesquisa – v. 17 no 1 jan./jun. 2009
Revista de Marinha – no 947 dez./2008/jan./2009; no 948 fev./mar./2009;
abr./mai./2009; no 256 mar./2009 supl
Revista do Clube Naval – v. 117 no 349 jan./fev./mar. 2009
Revista do Empresário da ACRJ – v. 68 no 1398 mar./abr. 2009
Revista do Exército Brasileiro – v. 145 3o quadrimestre 2008
Revista de Instituto Histórico Geográfico da Bahia – no 103/2008
Revista de Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul – v. 88 no 143/2008
Revista Intermarket – v. 8 no 44/2009; v. 8 no 45/2009
Revista Militar e Ciência e Tecnologia (C&T) – v. 25 3o quadrimestre 2008
Tecnologia & Defesa – v. 26 no 117

RMB2 o T/2009 237


NECROLÓGIO

† AE Gualter Maria Menezes de Magalhães


† CA (FN) José Antônio Martins Alves
† CMG Carlos Balthazar da Silveira
† CMG Roberto Andrade Fernandes
† CF Ivan Coelho Cintra Filho
† CT (AA) Sebastião Alves da Silveira
† CT (AA) José Xavier Caires

Nasceu no Rio de Janeiro, filho de Honório


Pinto Pereira de Magalhães e de Alzira Rosa
Menezes de Magalhães. Promoções: a segun-
do-tenente em 23/09/1938, a primeiro-tenente
em 27/09/1940, a capitão-tenente em 02/04/
1943, a capitão de corveta em 01/03/1950, a
capitão de fragata em 30/01/1954, a capitão de
mar e guerra em 30/03/1960. Alcançou o almi-
rantado em 06/09/1966, sendo promovido a
vice-almirante em 09/12/1969 e a almirante de
esquadra em 31/03/1974. Transferido para a
reserva em 15/05/1978.
Em sua carreira comandou sete vezes:
Rebocador Triunfo; Cruzador Tamandaré;
Centro de Instrução de Oficiais para a Reser-
va da Marinha; Centro de Instrução Almiran-
te Wandenkolk; Força Aeronaval; 3o Distrito
GUALTER MARIA MENEZES DE Naval; e Comando em Chefe da Esquadra.
MAGALHÃES Exerceu quatro direções: Centro de Espor-
 01/01/1918 tes; Diretoria-Geral do Pessoal; Secretaria-
† 23/01/2009 Geral; e Estado-Maior da Armada.
NECROLÓGIO

Comissões: Encouraçado São Paulo; Cru- Medalha de Serviços de Guerra com 3 estre-
zador Rio Grande do Sul; Escola de Aviação; las; Medalha da Força Naval do Nordeste
Navio Mercante Camaquã; Cruzador Bahia; (grau Prata); Ordem do Mérito Naval (grau
Grupo de Caça-Submarinos; Comissão Naval Grã-Cruz); Ordem do Mérito Militar (grau
Brasileira em Miami; Caça-Submarinos Jundiaí Grande-Oficial); Ordem do Mérito Aeronáu-
(imediato); Base da Flotilha de Submarinos; tico (grau Grande-Oficial); Ordem de Rio Bran-
Submarino Humaitá; Caça-Submarinos co (grau Grande-Oficial); Ordem do Mérito
Guaíba; Diretoria do Pessoal da Marinha; Di- Judiciário Militar (grau Grã-Cruz); Medalha
retoria da Marinha Mercante; Escola de Guer- Militar de Ouro com Passador de Platina; Me-
ra Naval; Estado-Maior das Forças Armadas; dalha de Campanha do Atlântico Sul; Meda-
Escola Superior de Guerra; Adido Naval à Em- lha Naval de Serviços Distintos; Medalha do
baixada do Brasil em Lima – Peru (adido); Ca- Pacificador; Medalha Mérito Santos Dumont
pitania dos Portos dos Estados do Pará e (grau Prata); Medalha Comemorativa do Nas-
Amapá (capitão dos portos); Comando do 4o cimento de Ruy Barbosa; Grande Estrela ao
Distrito Naval (comandante interino); Estado- Mérito Militar (grau Grã-Cruz) – República
Maior da Armada; Comissão Mista Brasil-EUA do Chile; Legião do Mérito (grau Oficial) –
(assessor militar); Comando da Força de Cru- República dos EUA; Estrela das Forças Ar-
zadores e Contratorpedeiros (comandante in- madas do Equador (grau Grã Estrela Militar);
terino); Gabinete do Ministro da Marinha (che- Medalha Mérito Militar de 1a Classe – Repú-
fe); Secretaria-Geral da Marinha (secretário- blica de Portugal; Ordem de Mayo ao Mérito
geral); Estado-Maior da Armada (Chefe); e Naval – República da Argentina; e Ordem da
Gabinete do Ministro da Marinha (ministro Cruz do Mérito Naval (grau Grã-Cruz) – Re-
interino). pública do Peru.
Em reconhecimento aos seus serviços, re- À família do Almirante Gualter Maria
cebeu inúmeras referências elogiosas e foi Menezes de Macalhães, o pesar da Revis-
condecorado com as seguintes medalhas: ta Marítima Brasileira.

Nasceu no Rio de Janeiro, filho de José


Antônio Alves e de Idalina Martins Alves.
Promoções: a segundo-tenente em 12/01/
1951, a primeiro-tenente em 07/07/1952, a
capitão-tenente em 29/07/1955, a capitão
de corveta em 13/09/1960, a capitão de fra-
gata em 06/11/1964, a capitão de mar e guer-
ra em 30/06/1970. Alcançou o almirantado
em 25/11/1977. Transferido para a reserva
em 28/03/1983.
Em sua carreira comandou cinco vezes:
Núcleo de Comando de Aviação da Força
de Fuzileiros da Esquadra; Grupamentos
de Fuzileiros Navais de Brasília e do Rio de
JOSÉ ANTÔNIO MARTINS ALVES Janeiro; Comando de Apoio do Corpo de
 26/12/1927 Fuzileiros Navais; e Tropa de Reforço da
† 27/02/2009 Força de Fuzileiros da Esquadra.

RMB2 o T/2009 239


NECROLÓGIO

Comissões: Escola Naval; Quartel do Fuzileiros Navais; Escola de Guerra Naval;


Corpo de Fuzileiros Navais; Guarnição do Comando do 7o Distrito Naval; Comando
Quartel-General do Corpo de Fuzileiros Naval de Brasília; Comando de Reforço da
Navais; Comando do 6o Distrito Naval; 1a Força de Fuzileiros da Esquadra; Coman-
Companhia Regional de Fuzileiros Navais; do do 1o Distrito Naval; Escola Superior de
Diretoria de Armamento da Marinha; Cen- Guerra; Batalhão de Comando da Divisão
tro de Armamento da Marinha; Comando- Anfíbia; e Gabinete do Comandante da
Geral do Corpo de Fuzileiros Navais; Co- Marinha.
mando do 3o Distrito Naval; 3o Batalhão Em reconhecimento aos seus serviços, re-
Regional de FN; Diretoria de Aeronáutica cebeu inúmeras referências elogiosas e foi
da Marinha; Centro de Instrução e Ades- condecorado com as seguintes medalhas:
tramento Aeronaval; Escola de Aperfeiço- Ordem do Mérito Naval (grau Comendador);
amento de Oficiais do Exército; Navio- Ordem do Mérito Militar (grau Comendador);
Aeródromo Minas Gerais; Base Aeronaval Medalha Militar de Ouro com Passador de
de São Pedro D’Aldeia; Navio Hidrográfico Ouro; Medalha do Mérito Tamandaré; e
Sirius; Navio-Transporte de Tropas Soa- Medalha de Serviços de Guerra sem Estrelas.
res Dutra; Tropa de Reforço da Força de À família do Almirante José Antônio
Fuzileiros da Esquadra; Batalhão de Co- Martins Alves, o pesar da Revista Maríti-
mando do Comando-Geral do Corpo de ma Brasileira.

A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos assinantes:

CMG 35.3548.10 – Carlos Balthazar da Silveira  09/09/1918 † 15/01/2009


CMG 56.0048.18 – Roberto Andrade Fernandes  11/02/1940 † 15/04/2009
CF 69.0134.11 – Ivan Coelho Cintra Filho  16/06/1951 † 30/01/2009
CT (AA) 58.5006.34 – Sebastião Alves da Silveira  04/03/1941 † 01/04/2009
CT (AA) 00.0000.00 – José Xavier Caires  15/02/1940 † 07/03/2009

240 RMB2 oT/2009


ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e


notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes
do mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reporta-
dos pela nossa sesquicentenária Revista Marítima Brasileira.
Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observa-
remos a grafia então utilizada.

O RELATORIO DA MARINHA
(RMB, maio/1909, p.1.049 a 1.981)

Abrimos hoje as paginas desta Revista cessidades do momento, como ponto de par-
com a transcripção da introdução do tida para a formação da poderosa esquadra
relatorio apresentado este anno pelo sr. de que o Brazil, no seu rapido desenvolvi-
ministro da marinha, almirante mento, ha de precisar forçosamente dentro
Alexandrino de Alencar, ao sr. presidente de poucos annos.
da Republica. Essa importante introducção consubstancia,
É um trabalho notavel e que dá desde além disso, quanto nos temos adeantado nes-
logo a quem o lê uma clara idéa da tes ultimos annos nesse particular,
competencia e da tersa orientação que photographando ao mesmo tempo o espirito de
presidio á genesis e ao desdobramento do actividade e de progresso que anima a nossa
nosso programma naval; programma que administração naval, reflectindo-se rapidamen-
accrescido, como deve ser, de mais um cou- te para o cabal desempenho da alta tarefa que
raçado do mesmo typo e de mais algumas lhe compete no concerto nacional.
unidades secundarias, em numero propor- Por todos esses motivos é com verdadei-
cional a esse forte nucleo de navios de com- ra satisfação que aqui a registramos.
bate, corresponderá perfeitamente ás ne- Exmo. Sr. Presidente da Republica (...)
ACONTECEU HÁ CEM ANOS

RIACHUELO
(RMB, junho/1909, p. 2.199 a 2.225)

“Ainda que a tendencia do espirito mo- louvabilissimo e mais que justificado orgu-
derno seja a de apagar as reminiscencias da lho patriotico, da grata tarefa de fazer
luta, as recordações de sangue, os traços de reviver ante a memoria das modernas gera-
desunião e de odio que eram guardados nas ções as homericas figuras dos que com
civilisações antigas como uma herança na- indeleveis tintas o inscreveram nas paginas
cional, as datas que rememoram os gran- da historia, que hoje nos sentimos á vontade
des feitos de armas na defesa da patria para enveredar por outro caminho e encarar
permanecem glorificadas, apezar de tudo, esse grande feito de nossa marinha de guer-
porque representam, com o correr dos ra sob outro aspecto que não o da simples
annos, não uma expressão de colera odiosa, gloria, embora immensa, que delle jorrou por
mas sim exemplos de generosa renuncia e sobre toda a nação brazileira – queremos
de coragem cavalheiresca, que guardam. dizer – para considereal-o pelos outros pris-
É sem duvida de um grande valor para mas – si não brilhantes, talvez mais uteis –
um povo saber-se capaz de emprezas a que se prestam sempre acontecimentos
magnificas e de desprendidos sacrificios dessa ordem.
por amor do seu solo e da sua bandeira; mas Nesse intuito, porém, nada de melhor
é, sem duvida, de maior valor affirmar que poderiamos aqui fazer do que depor a mal
essas qualidades viris formam o deposito adestrada penna e deixar que a esse res-
de virtudes da raça e que só temos motivos peito nos instruam, encantando-nos a um
para nos orgulharmos dos que viveram an- tempo, as seguintes paginas que, data venia,
tes de nós, como os que vierem depois se vamos reproduzir de um dos tomos já im-
orgulharão dos que morreram por elles.” pressos da magnifica obra DE ASPIRAN-
Esses belos conceitos publicados ha dias TE A ALMIRANTE, com que o sr. almi-
em um dos principaes orgãos da imprensa rante Arthur Jaceguay veio em boa hora
diaria desta capital, a proposito do enriquecer a historia ainda tão deficiente
anniversario da renhida batalha campal de dos nossos feitos navaes durante a prolon-
Tuyuty – a cujos heroes, extinctos ou so- gada campanha do Paraguay.
breviventes ainda, seja-nos permittido ren- Dessas paginas, que fazem parte das
der aqui, de passagem, o nosso preito de que o autor denominou “Reflexões criticas
extrema veneração – taes conceitos, sobre as operações combinadas da esqua-
diziamos, podiam igualmente servir-nos de dra brazileira e exercitos alliados” e que já
introito á glorificação que mais uma vez foram devidamente abonadas pelo reputa-
intensamente fazer do grande prélio na- do e elegante publicista sr. José Verissimo,
val do Riachuelo, ferido, como se sabe, com da Academia Brazileira – a que hoje
a mais inexcedivel bravura, de parte a par- tambem pertence por seus excepcionaes
te, no memoravel dia 11 de junho de 1865. meritos literarios o sr. almirante Jaceguay
Mas esta Revista já o tem feito tantas – assim como por outros notaveis
vezes, desempenhando-se assim, com escriptores nacionaes, dimana tanta luz

242 RMB2 oT/2009


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

sobre essa tremenda peleja, que julgamos narrativa em que perfeitamente se discri-
prestar um bom serviço, não só a todos os mina a mais severa imparcialidade a par da
nossos camaradas como a quantos nos le- mais completa analyse das diversas faces
rem, divulgando por toda parte a que cos- desse suprehendente feito naval.
tuma chegar a nossa Revista essa fidedig- Cedemos, pois, sem mais demora a pala-
na narrativa de um dos episodios mais cul- vra ao emerito historiographo.
minantes daquella porfiada campanha; “O RIACHUELO (...)”

A COMMEMORAÇÃO DE ONZE DE JUNHO


(RMB, junho/2009, p. 2.227 a 2.246)

A commemoração do combate naval do serem collocados na crypta do monumento


Riachuelo revestio-se este anno de brilho os despojos do valoroso almirante.
excepcional, em virtude de ter sido apro- Regressando, a divisão de marinha des-
veitada a data desse memorabilissimo fei- filou em columnas de pelotões, em frente
to para a trasladação dos despojos do gran- do palacio Monroe, onde se achavam altas
de heroe dessa jornada, o inclito almirante autoridades civis e militares, corpo
Barroso, da igreja da Cruz dos Militares, diplomatico e innumeras familias.
onde estavam depositados desde que vie- É justo salientar dentre as forças de ma-
ram de Montevidéo, para a crypta do mo- rinha, pela correcção das manobras e garbo
numento que a gratidão nacional lhe está com que marcharam, os alumnos da Escola
erigindo na avenida Beira-Mar, no local Naval, os aprendizes marinheiros, o bata-
denominado Praia do Russel. lhão naval e o regimento de artilharia.
Para prestar as devidas homenagens ao A divisão foi commandada pelo contra-al-
glorioso almirante durante essa mirante Antonio Lins Cavalcanti de Oliveira.
solemnidade, desembarcaram cerca de 5000 As forças de terra apresentaram-se com
homens de nossas forças de mae, aos quaes igual brilho e a mesma correcção, constitu-
se reuniram uma brigada do nosso valente indo as do exercito uma divisão
exercito, a quem tambem cabe uma boa parte commandada pelo coronel Alberto Gavião
das glorias de Riachuelo, e um luzido con- Pereira Pinto, e compondo-se as da policia
tingente da força policial desta capital. do 1º corpo do regimento de cavallaria com
Todas essas forças desfilaram, na ida e esquadrões de lanceiros e clavineiros, sob o
na volta, pela Avenida Central e grande commando do major Alvaro de Mello, e do
trecho da Avenida Beira-Mar, na presença 3o corpo do regimeto de infantaria, ás or-
visivelmente symphatica de enorme e com- dens do major Casimiro de Moura.
pacta massa de povo. Das 2 para 3 horas da tarde, depois de
Os nossos marinheiros, perfeitamente terminadas as cerimonias da trasladação e
adestrados e correctamente aniformisados, collocação dos despojos de Barroso na crypta
como sempre, marcharam garbosamente até do monumento, todas essas forças desfila-
o monumento de Barroso, onde prestaram ram ao redor do mesmo, em continencia.
as devidas continencias, por occasião de (...)

RMB2 o T/2009 243


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

REVISTA DE REVISTAS
ABRIL – 1909 É exactamente quando a estatistica
dos sinistros maritimos augmenta con-
FRANÇA sideravelmente.
Refere-se o mesmo artigo aos signaes
A SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO sonoros em tempo de cerração, mas diz
PELA TELEGRAPHIA SEM FIO – La muito judiciosamente que são recursos
Nature , a bella e instructiva revista falliveis; podem conduzir os navegantes a
franceza, que tanto se recommenda por uma erros compromettedores, devido ao redu-
escolhidissima variedade de assumptos, zido alcance das ondas sonoras e á sua pou-
traz no seu numero de 27 de fevereirfo um ca precisão nas indicações da direcção, pois
longo artigo sobre a epigraphe acima. são bem conhecidos os phenomenos de re-
Começa referindo-se aos serviços pres- flexão e refracção dos signaes acusticos.
tados á navegação pela genial descoberta Tratando da telegraphia sem fio, diz
de Hertz e cita o facto do abalroamento de que as suas indicações são muito mais pre-
dous paquetes, o Florida , italiano, e o cisas e, feitas em dadas condições, podem
Republic, americano, prevenir muitos de-
em pleno oceano. sastres que com tanta
Nessa catastrophe a frequencia se dão,
Nessa catastrophe a
telegraphia sem fio pres- muito principalmente
tou extraordinarios ser- telegraphia sem fio prestou nas proximidades dos
viços, e graças ás suas extraordinarios serviços portos e costas de
communicações foram grande movimento
levados immediatos commercial.
soccorros ao logar exacto do sinistro. Em pou- Cita o exemplo, aliás muito frequen-
cas horas o paquete abalroado ficou cercado de te, de dous navios navegando nas mes-
navios que receberam a bordo os seus passagei- mas paragens e ambos com estação
ros antes de ter o mesmo desapparecido nas rediotelegraphica.
profundezas do oceano. Emquanto a distancia que os superar
O Republic ficou gravemente avariado fôr maior que o alcance das ondas
e delle foram recolhidos a bordo dos navios hertzianas, os dous navios em questão po-
salvadores perto de 600 naufragos. derão navegar com toda segurança.
Esse sucesso da telegraphia sem fio cau- Dado, porém, o caso de se approximarem
sou enorme sensação e mais uma vez veio de modo a perceberem os signaes
justificar a razão de ser da sua rapida e radiotelegraphicos um do outro, podem to-
universal aceitação. mar certas medidas de precaução, isto é, re-
Nos casos de abalroamento, o novo dis- duzir as suas marchas á proporção que os
positivo telegraphico presta relevantissimos signaes se forem tornando mais intensos.
serviços, principalmente nos constantes tem- Farão, nestes casos, indicações recipro-
pos de cerração das épocas invernosas. cas dos rumos e marchas que levam.

244 RMB2 oT/2009


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Accrescenta a noticia a que estamos Continúa sempre a fazer referencias


alludindo que si tal systema fosse elogiosas ao novo systema de telegraphia,
generalisado, os abalroamentos com cerração que julga dever empregar-se em quasi to-
se tornariam muito raros, se não impossiveis. dos os navios.
A mesma medida de segurança tambem Eis em rapidos traços as apreciações de
podia ser empregada nas costas, nos “La Nature” sobre essa importantissima
logares mais perigosos; pequenas esta- descoberta do dominio da electricidade.
ções enviariamm signaes formulados A adopção do novo meio de communicação
semelhantemente aos dos actuaes codigos á distancia é, com effeito, uma necessidade
semaphoricos. real, indiscutivel, muito principalmente na
Os encalhes não teriam mais justificati- navegação cujos desastres se tornam de
vas e os proprios erros dos navegadores não consequencias cada vez mais funestas, com os
acarretariam consequencias desastrosas. incessantes augmentos de tonelagem e de
Allude ao desastre do transatlantico velocidade dos navios marcantes e de guerra.
inglez Drumond Castle , nas costas de Não se devem olhar despezas relativamen-
Ouessant; e diz que a telegraphia sem fio te diminutas, quando se trata da segurança de
poderia ter evitado essa desgraça. custoso material e de preciosas vidas humanas.
Commenta em seguida a hostilidade que Causou-nos, por isso, grande surpreza a
algumas companhias de navegação move- leitura do topico referente á reluctancia de
ram ao novo systema telegraphico e algumas companhias de navegação em intro-
attribue essa conducta ao preço das res- duzirem nos seus navios esse novo e utilissimo
pectivas installações. apparelho electrico, allegando em favor des-
Critica muito acertadamente o se seu acto o custoso preço do mesmo.
monopolio da companhia Marconi, o qual Felizmente, porém, hoje já se acha bas-
desappareceu em 1906, graças á conferen- tante divulgada a radiotelegraphia, com
cia internacional de Berlim. grande vantagem para a navegação que, não
Affirma serem infundados os receios da ha duvida, encontrou nella um elemento de
fallibilidade dos apparelhos radiotelegraphicos segurança de um valor extraordinario, e di-
devido á delicadeza dos mesmos, que hoje têm ante do qual, estamos certos, desapparecerão
a solidez necessaria para o serviço maritimo. por completo todas as hesitações.

NOTICIARIO MARITIMO
ABRIL – 1909 do juramento á bandeira por 622
grumetes destinados ao serviço da ma-
MARINHA NACIONAL rinha de guerra.
Essa tocante e patriotica solemnidade,
JURAMENTO Á BANDEIRA – que tanto concorre para maior acatamento
Foi solemnemente realizado, no dia 6 ao pavilhão nacional, teve logar na fortale-
do corrente mez, com a presença do sr. za de Villegaignon, séde do Corpo de Ma-
almirante Ministro da Marinha, o acto rinheiros Nacionaes.

RMB2 o T/2009 245


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A pratica deste e de outros actos seme- lançar um novo cabo submarino entre
lhantes muito contribuirá para estimular, Teneriffe e o Brazil.
nos jovens servidores da patria, a dedica- A concessão desta nova linha foi obtida
ção e o fervor pelo serviço militar, que tem pela Deutsch Atlantische Telegraphen
de ser executado á sombra da bandeira – Gesellschaft.
sagrado symbolo da patria a que acabam de Os trabalhos do lançamento do cabo se-
prestar juramento de fidelidade e amor. rão confiados á sociedade de electricidade
Os noveis marinheiros são todos oriun- Telten Guilhaum-Lahmeyer.
dos das nossas escolas de aprendizes, que A exploração da nova linha será feita
tão bons serviços estão prestando á mari- por uma sociedade organisada com a deno-
nha brazileira. minação de Deutsch Südamerikanische
Telegraphen , com sede na cidade de
O NOVO-ARSENAL – De ha muito vêm Colonia.
as administrações navaes preoccupando-se com Será estabelecida tambem uma linha
a mudança e transformação do actual arsenal telegraphica entre Allemanha, Teneriffe,
de marinha, já obsoleto e situado em local Liberia e Brazil de um lado, e Allemanha e
reconhecidamente improprio. suas colonias de Cameron e Sud-Oeste da
Varios logares foram lembrados com suas Africa, do outro.
vantagens e inconvenientes, tendo sido fi- O governo allemão concedeu garantia
nalmente resolvido, pela actual adminis- de juros para o capital effectivamente em-
tração, o aproveitamento da parte norte da pregado. Este capital é quasi todo for-
ilha das Cobras para a fundação do novo necido pelos principaes bancos do Imperio.
arsenal.
Os trabalhos receberão brevemente um ESTADOS UNIDOS
grande impulso, devendo ser executados
de conformidade com os planos organisados FREIOS PARA NAVIOS – Fizeram-
pela Inspectoria de Engenharia Naval e se experiencias com uns freios hydraulicos
sob sua fiscalisação. inventados por um canadense, destinados
Uma parte dessa importante obra será, a fazer parar instantaneamente os navios
provavelmente, confiada a constructores a cujos cascos estiverem adaptados.
civis, que deverão cingir-se ás condições Cada freio compõem-se essencialmente
estabelecidas no edital de concorrencia já de um cylindro com embolo que, offerecendo
publicado e cujas bases principaes são as grande resistencia á agua que entra pela
seguintes: parte anterior, que se abre no momento
(...) preciso por meio de uma alavanca collocada
no passadiço, e parada a machina, impede o
ALLEMANHA seguimento do navio, fazendo-o estacar
quasi repentinamente.
CABO TELEGRAPHICO – Annuncia Comprehende-se facilmente que, mano-
se a fundação de uma nova companhia com brando-se com um só destes freios e a um
um capital de quatro milhões de marcos para tempo com o leme e com a machina do bordo

246 RMB2 oT/2009


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

opposto ao em que estiver aquelle freio, se No caso de um desembarque, de escala-


poderá fazer com que o navio descreva um da de uma fortaleza e outras emergencias
giro com grande rapidez e quasi no mesmo pouco triviaes, mas que não são de todo
logar, isto é, apenas com uma pequena impossiveis, está claro que o decantado pied
translação no rumo em que seguia. marin de pouco servirá.
Um desses apparelhos foi collocado no O que é certo, porém, a nosso ver, é que
couraçado Indiana, tendo dado resultados esses exercicios em terra firme de modo al-
satisfactorios, conforme se collige das no- gum podem supprir ou preterir os que são
ticias publicadas em diversas Revistas. verdadeiramente inherentes á profissão.

RESISTENCIA PHYSICA – Os FRANÇA


officiaes da marinha americana eram obri-
gados a uma prova de resistencia physica, DETERMINAÇÃO DA LONGITU-
que consistia em percorrer, a cavallo, uma DE PELO TELEGRAPHO SEM FIO –
longa distancia, previamente determinada. A Academia de Sciencias nomeou uma co-
Agora chega-nos a noticia de que o pre- missão para se pronunciar a respeito de
sidente Roosevelt estabeleceu mais duas uma proposta feita por um de seus mem-
provas á escolha dos officiaes. bros, o Sr. Bouquet de La Gyre, referente á
Assim, todo o official, até o posto de applicação do telegrapho sem fio ao pro-
vice-almirante, deverá demonstrar o seu blema da determinação da longitude do mar.
gráo de resistencia ás fadigas percorrendo De accôrdo com o estudo apresentado, a
a cavallo 145 kilometros durante dois dias Torre Eiffel enviará todos os dias a uma hora
e no tempo maximo de 13 horas e meia, ou certa, meio dia, por exemplo, um signal
então, fazendo a pé uma caminhada de 80 hertziano, que alcançando instantaneamen-
kilometros, durante tres dias consecutivos, te um raio de dois mil kilometros, dará a to-
gastando no maximo 20 horas, ou ainda, dos os navios situados nesse momento dentro
correndo em bicyclêtta uma distancia dos limites do mesmo alcance a hora exacta de
de160 kilometros em 17 horas. Paris. Com esta e feito um calculo muito sim-
O ex-presidente Roosevelt, que ás qua- ples, ter-se-á logo a longitude do navio.
lidades de um espirito altamente culto allia O proponente acredita na possibilida-
o enthusiasmo de um denodado sportman, de de tornar-se esta vantagem extensiva a
pôz-se á frente de um grupo de 60 officiaes, qualquer navio, si fôr installada no pico de
com os quaes effectuou, em duas horas, uma Teneriffe (3700 metros de altitude) uma
marcha penosa no Sok-Creeck-Park, ora estação de telegrapho sem fio, cujas emis-
escalando colinas, ora atravessando sões radiotelegraphicas alcançarão quasi
matagaes e riachos gelados, ora saltando todo o globo.
por cima de gradis ponteagudos.
Esses exercicios, si bem que de uma certa INGLATERRA
originalidade, não deixam de trazer vantagens,
porque, nem sempre o official de marinha tem ANCORAS PERDIDAS – O Almiran-
de mover-se no seu elemento habitual – o mar. tado inglez, querendo evitar as perdas de

RMB2 o T/2009 247


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

ancoras e amarras ocorridas ultimamente Agora, porém, esses modestos servido-


com grande frequencia, chamaou a attenção res vão ser substituidos por um apparelho
das autoridades navaes para esse facto e que, segundo affirmam os seus inventores,
ordenou, ao mesmo tempo, a suppressão dos o chimico Arnold Philip e o electricista
exercicios de fundear, suspender e amar- Luiz Steele, satisfaz plenamente ao que
rar os navios, os quaes, apezar da sua se tem em mira.
indiscutivel utilidade, davam origem a re- Esse apparelho funciona automatica-
petidas perdas de ancoras e amarras. mente, assignalando a existencia das ema-
Entre muitos outros casos, o cruzador nações de gazolina ou de outro gaz nocivo
Drake regressou ha pouco tempo ao anco- nos compartimentos dos submarinos, ou de
radouro tendo perdido duas ancoras, e o qualquer navio, paióes de couraçados, por
Essex perdeu tambem um de seus ferros ao exemplo, onde, ás vezes, se deprendem ga-
sair de Portsmouth, sendo obrigado a re- zes facilmente inflammaveis.
gressar para procural-o, em obediencia ás Além disso, o novo apparelho permittirá
ordens dadas ao seu commandante. avaliar rapidamente o estado do ar dos com-
Esta providencia foi considerada como partimentos fechados, indicando desde logo
uma admoestação ao mesmo commandante, a presença de gazes ou de vapores em pro-
porque, geralmente, o trabalho de rossegar porção inferior a um terço da quantidade
as ancoras perdidas é confiado ao pessoal precisa para tornal-o inflammavel.
dos arsenaes. Este apparelho, que se torna perfeita-
mente applicavel aos submarinos, por ser
EXPERIENCIAS DO “SWIFT” – O de dimensões reduzidas, consiste em uma
contratorpedeiro Swift alcançou, durante pequena bomba, que aspira o ar dos com-
as experiencias de machinas, realizadas em partimentos do navio por meio de di-
fevereiro ultimo, uma velocidade de 38 nós. versos tubos.
O Swift tem os seguintes caracteristicos: A existencia dos gazes eprigosos é de-
Deslocamento .......... 1800 toneladas nunciada pela substituição da côr branca
Comprimento ........... 105 metros da luz de uma lampada por outra verme-
Boca ......................... 10 metros lha, acompanhada do som de uma campai-
Calado ...................... 3,2 metros nha electrica.
Força das machinas .. 30000 cavallos A bomba tem um motor proprio e traba-
Turbinas Parsons. lha sem cessar durante o funccionamento
das machinas de combustão internas em-
GAZES DELETERIOS NOS SUB- pregadas nos submarinos.
MARINOS – Desde algum tempo procu-
rou-se encontrar o meio pratico e expedito MAIO – 1909
de denunciar a produção de gazes
deleterios nos submarinos. ALLEMANHA
Para isto utilisaram-se pequenos ratos
brancos, cujo olfacto é de uma sensibilida- AEROESTAÇÃO NA MARINHA – O
de extraordinaria. ministro da marinha mandou construir qua-

248 RMB2 oT/2009


ACONTECEU HÁ CEM ANOS

tro cruzadores aereos typo Zeppelin de Faço minhas todas as razões apresenta-
12000 a 14000 metros cubicos a custo das por elle em favor da politica de man-
approximado de 750 contos. ter-se um certo prestigio naval, como o me-
Dois destes cruzadores estacionarão em lhor meio de conservar a paz com outras
Wilhelmshaven e outros dois em Kiel. nações e garantir o respeito aos nossos di-
reitos, a defesa de nossos interesses e a
ESTADOS UNIDOS nossa influencia nos negocios
internacionaes.”
A MARINHA NA OPINIÃO DO
NOVO PRESIDENTE – O sr. Taft, JAPÃO
actual presidente, na sua mensagem inau-
gural, usou das seguintes expressões com EXPERIENCIA TELEGRAPHICA –
referencia á marinha de guerra do seu paiz: O vapor japonez Aki-Maru, tendo partido
“Uma esquadra moderna não póde ser de Seatle, nos Estados Unidos, com desti-
improvisada. Deve, ao contrario, estar per- no ao Japão, manteve, fazendo funccionar
feitamente constituida e prompta para o apparelho telegraphico de que é provido,
qualquer emergencia que reclame a sua in- durante toda a viagem, permuta constante
tervenção. de signaes com a estação telegraphica
Meu distincto antecessor, em seus dis- daquelle porto, ao qual por fim avisou a
cursos e mensagens, demonstrou claramen- sua chegada a Yokohama.
te, numa linguagem inflammada e incisiva a Sabendo-se que a distancia percorrida
necessidade de mantermos uma forte mari- pelo Aki-Maru foi de 4240 milhas, este
nha, proporcional á extensão das nossas cos- resultado é, sem duvida, digno da maior
tas e ao commercio exterior da nação. attenção e por isso aqui o registramos.

RMB2 o T/2009 249


REVISTA DE REVISTAS

Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos


leitores matérias que tratam de assuntos de interesse maríti-
mo, contidas em publicações recebidas pela Revista Marítima
Brasileira e pela Biblioteca da Marinha.
As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas
ao acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 –
Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ARTES MILITARES
ESTRATÉGIA
A Ásia no debate estratégico norte-americano (252)
GUERRA
O futuro da guerra naval – Declínio da decisão humana nas operações navais? (255)

COMUNICAÇÕES
COMUNICAÇÕES
O celular corporativo (ou como um acessório pode se converter em pesadelo) (255)

FORÇAS ARMADAS
ARMAMENTO
Soft kill versus mísseis antinavio (259)
COMANDO DA MARINHA
Os comandantes respondem (260)
PODER NAVAL
Marinhas do mundo em revista (260)
REVISTA DE REVISTAS

INFORMAÇÃO
SISTEMA DE INFORMAÇÃO
Sete mitos da inteligência (261)

PODER MARÍTIMO
ABALROAMENTO
Abalroamento nas profundezas (264)

POLÍTICA
TERRORISMO
O terrorismo marítimo na estratégia da Al Qaeda (267)

SAÚDE
ALIMENTAÇÃO
A contribuição do vinho nas dietas dos homens do mar (268)

RMB2 o T/2009 251


REVISTA DE REVISTAS

A ÁSIA NO DEBATE ESTRATÉGICO NORTE-AMERICANO


(Naval War College Review, EUA, inverno/2009, volume 62, número 1, pág. 15-29)
Michael J. Green*

“Os Estados Unidos da América (EUA) vem investindo maciçamente em defesa, e


se defrontam com múltiplos desafios à Se- o Exército Popular da China (PLA) segue
gurança Nacional, mas, numa visão mais desenvolvendo tecnologia para uso do
ampla da história, será a nossa reação ao ciberespaço, para a negação de seu uso e
crescimento do poder chinês que deverá em sua capacidade antissatélite. Green afir-
ter o maior significado.” Com essas pala- ma que, apesar de ter cooperado com os
vras Michael Green inicia seu oportuno EUA em relação ao programa nuclear da
texto, no qual, fazendo uso de abordagens Coreia do Norte, a China vem minando os
contrastantes de três autores sobre a Ásia esforços americanos em relação às ques-
e a estratégia norte-americana para a re- tões relativas a Irã, Sudão, Zimbábue e
gião, busca indicar as implicações para a outros estados que representam ameaça à
Marinha de seu país. estabilidade internacional por desrespeito
O artigo é iniciado comparando as pos- aos direitos humanos.
turas dos candidatos à Presidência dos Pensava-se nos EUA, em particular, e
EUA na campanha de 2008, Senadores John no Ocidente, de maneira geral, que integrar
McCain e Barack Obama, em relação ao a China ao mercado global mudaria este
tema e verificando que elas foram país para melhor antes que ele mudasse a
consensuais no sentido de se aumentar a economia mundial para pior. Para Green,
cooperação com a China, apesar de não entretanto, passada uma década dessa ini-
terem aparentado considerar a questão ciativa, o quadro existente em nada mudou
como de maior importância, possivelmente e as incertezas persistem. Diante disso, era
devido à existência de problemas mais gra- de se esperar que grandes pensadores ame-
ves, como o Iraque e o Afeganistão e a ricanos de estratégia refletissem sobre o
crise financeira mundial. Além disso, na futuro da China e da Ásia, mesmo em um
ocasião, os EUA e a China vinham coope- cenário no qual os candidatos à Presidên-
rando em relação ao problema nuclear com cia enfocassem problemas mais imediatos
a Coreia do Norte. de relações internacionais durante suas
Não obstante, o desafio estratégico de campanhas. Porém, pesquisando-se nos li-
longo prazo persiste. O Produto Interno vros de estratégia recém-publicados para
Bruto (PIB) chinês deverá ultrapassar o orientarem o novo presidente americano,
americano até 2027, segundo o banco fica difícil discernir algum consenso sobre
Goldman Sachs. Para Green, apesar de seu como conduzir a ordem no leste asiático.
problema populacional e da crise financei- Dessa pesquisa, afirma Green, parecem
ra mundial, não há dúvida de que o poder surgir algumas assertivas distintas sobre
relativo continuará a fluir na direção chine- o crescimento da China. Alguns autores
sa ao longo das próximas décadas. A China argumentam que o mundo superou inteira-

* Professor associado de Relações Internacionais na Georgetown University e consultor sênior e inte-


grante do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, onde presta assessoria sobre o Japão.
Serviu no Conselho de Segurança Nacional de 2001 a 2005, de onde saiu como assistente especial do
presidente para assuntos de Segurança Nacional e diretor sênior para Assuntos Asiáticos. Foi profes-
sor sobre Ásia-Pacífico no Naval War College no ano letivo de 2007-2008.

252 RMB2 oT/2009


REVISTA DE REVISTAS

mente a fase tradicional de equilíbrio de A necessidade de uma estratégia


poderes; outros se inquietam por entende- abrangente para a Ásia
rem que as rivalidades existentes na Ásia
indicam que os EUA devem evitar ações Em suas conclusões, Green identifica
provocativas em relação à China; e outros uma concordância entre vários importan-
visualizam o surgimento de uma nova com- tes autores sobre estratégia: que o papel
petição bipolar com a China que requer uma desempenhado pelos EUA na Ásia é indis-
busca mais ativa de equilíbrio. pensável. Entretanto, ele verifica também a
Considerando-se as enormes pressões inexistência de uma convergência de opi-
diante da nova administração do governo niões sobre os fundamentos da liderança
dos EUA, é importante verificar se o con- americana na região. Existe, em sua opi-
texto da estratégia americana de relações nião, a evidente postura americana de
internacionais se ampara na realidade da “agente honesto” em área em que impera a
Ásia. Para o autor, as administrações de desconfiança e o nacionalismo, como ar-
William Clinton e de George W. Bush des- gumenta Albright. Porém, na realidade, os
cartaram suas respectivas políticas para a EUA não são neutros quando se trata do
Ásia sempre que outras pressões interna- crescimento chinês; se o fossem, buscari-
cionais tomaram precedência. Assim, para am uma acomodação com a China que per-
Clinton, as pressões econômicas transfor- mitisse a Pequim mudar os termos da or-
maram inicialmente o Japão em adversário, dem neoliberal de modo a beneficiar uma
depois em parceiro para fazer o equilíbrio visão mais mercantilista do mundo e mais
com a China, e, mais tarde ainda, o país se centrada na China, no que diz respeito à
tornou ator secundário quando da busca Ásia. Segundo Green, considerar que o sis-
de uma nova “parceria estratégica” com tema da Organização das Nações Unidas
Pequim. Para Bush, a política asiática foi (ONU), como proposto por Talbott, pode-
centrada no Japão e as relações com Tó- ria evitar essa ordem internacional
quio e Pequim melhoraram. Porém, posteri- mercantilista e centrada na China não tem
ormente, a busca de acordo unilateral com sustentação, apesar de admitir que ele po-
a Coreia do Norte provocou a perda de deria reforçar a cooperação com o país e
confiança japonesa e deixou a posição ajudá-lo a se aproximar das propostas de
americana na região à deriva. tentativas de soluções para grandes desa-
Portanto, na opinião de Michael J. fios internacionais, como, por exemplo, o
Green, o debate entre analistas especialis- das mudanças climáticas.
tas em Ásia é importante e, por isso, neste “A erosão gradual da lógica do equilí-
artigo, aprofunda a análise de três impor- brio de poderes nos grandes livros de estra-
tantes textos de diferentes personalidades tégia internacional publicados nos últimos
e autores para depois verificar as implica- anos é, sem dúvida alguma, uma tendên-
ções de suas conclusões para a estratégia cia”, assevera Green. Para ele, a realidade é
da Marinha dos EUA. Os autores utiliza- que os EUA necessitarão de uma estratégia
dos e seus respectivos textos foram: Strobe que ampare a cooperação regional basean-
Talbott, “O Grande Experimento” (The do-se nos conceitos de globalização e que
Great Experiment); Madeleine Albright, reforce a governança internacional enquan-
“Nota para o Presidente Eleito” (Memo to to também contemple os fundamentos do
the President Elect); e Robert Kagan, “A equilíbrio de poderes do século XIX, tão
Volta da História (The Return of History). caros às nações asiáticas. “Para entender a

RMB2 o T/2009 253


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China, precisamos entender a Ásia. Precisa- Entretanto, pondera o autor, novos go-
mos engajar e equilibrar”, afirma. vernos apresentam tendência a importar
Prosseguindo, o autor avalia que a or- novas ideias estratégicas que colidem com
dem internacional está, cada vez mais, de- a realidade em pouco tempo. Acrescenta,
finida por forças transnacionais fora do porém, que ainda não está claro o quanto o
controle de estados individuais e que a enfoque em mega-ameaças e a crescente
excepcionalidade norte-americana está fi- resistência à lógica do equilíbrio de pode-
cando defasada. Essas questões, na pers- res influenciarão o novo presidente. Se-
pectiva asiática, formam uma visão cons- gundo ele, Barack Obama já demonstrou
trangedora sobre o papel da América do ser bastante pragmático, além de ter herda-
Norte no mundo para seus aliados e na- do duas guerras e uma grave crise finan-
ções amigas, que são forçados a viver se- ceira mundial. Afirma o autor que “qual-
gundo uma realidade política de busca de quer que seja a evolução do pensamento
equilíbrio de poderes no seu dia a dia e que estratégico sobre a Ásia, as implicações
se voltam para os EUA para segurança e para a Marinha são significativas”.
liderança. Green busca então indicar de forma resu-
“A Ásia é um teatro essencialmente mida as implicações da questão asiática para
marítimo, e a Marinha americana está a Marinha de seu país. Assim, ele coloca:
posicionada no fio da navalha em cada um • Será necessária uma força de superfí-
de seus desafios e oportunidades”, afirma cie tão grande quanto a existente hoje no
Green. Segundo ele, nas operações de Pacífico?
2004/2005 em apoio às vítimas do tsunami • Quão longe deve ir a Marinha em ter-
e no exercício Malabar 2007 (Índia, EUA, mos de alocar novos meios e aumentar a
Japão, Austrália e Cingapura), na Baía de interoperabilidade com o Japão ou avan-
Bengala, entre outras inúmeras ações exe- çar no planejamento para a defesa de
cutadas na Ásia, foi demonstrado pelas Taiwan, podendo dessa forma causar rea-
democracias marítimas da área que elas ção de Pequim?
possuem a capacidade de operar e coope- • Se as questões existentes relativas à
rar entre si para manter abertas as linhas de venda de armamento para Taiwan e Japão
comunicação marítimas e criar normas para são por demais provocativas, qual outra
interdição de transferências de materiais forma existe para diminuir o crescente abis-
associados a armas de destruição em mas- mo entre nossos aliados e as capacidades
sa. Nessas ocasiões, a Marinha reforça os da PLA?
objetivos nacionais norte-americanos e • Em paralelo a essas questões, existem
contribui para a dissuasão. ainda a crise financeira mundial e os cres-
Para Green, a “A cooperative strategy centes requisitos orçamentários do Exército
for 21st century Seapower”, divulgada em americano no teatro do Comando Central.
outubro de 2007 (ver “Uma estratégia coo-
perativa para o Poder Naval no século XXI” Na visão de Michael J. Green, em resu-
– RMB V. 128, no 01/03 – jan./mar. 2008, pág. mo, a nova estratégia para os serviços na-
28-42), contempla todas as dimensões en- vais norte-americanos – Marinha, Fuzilei-
volvidas na segurança da Ásia, desde a ros Navais e Guarda Costeira – provê o
administração dos espaços comuns e a ferramental necessário de que o novo presi-
construção de alianças até a dissuasão do dente poderá necessitar para se desincumbir
uso da força por possíveis adversários. dos complexos desafios na Ásia, desde as

254 RMB2 oT/2009


REVISTA DE REVISTAS

mega-ameaças até à tradicional competição dear mais a parte relativa à dissuasão, à con-
por poder. Poderá ser necessário, em fun- tenção e às vitórias da missão da Marinha
ção de restrições materiais e dependendo no Pacífico, de modo a não permitir a desva-
de para onde vá o debate estratégico, alar- lorização da sua capacidade.

O FUTURO DA GUERRA NAVAL – DECLÍNIO DA DECISÃO


HUMANA NAS OPERAÇÕES NAVAIS?
Milan Vego*
(Naval Forces No 1/2009, Vol. XXX, págs. 8-15)

“As guerras são travadas entre huma- do pelos comandantes navais – elemen-
nos. O elemento humano é o mais impor- tos-chave nos processos de planejamento
tante na guerra em geral, e, na guerra na- e de tomadas de decisões –, que são, em
val, isso não foi exceção no passado e nem última instância, os responsáveis pelas
será no futuro. O requisito básico para o decisões relativas ao emprego das forças
sucesso em combate é a compreensão, pelo navais, o que não pode ser delegado a
comandante, das capacidades e limitações máquinas; o processo de tomada de deci-
da natureza humana. Na guerra naval, o são em diferentes ambientes; a possibili-
material é o meio e não o fim. A natureza dade de formação de um único e abrangente
humana mudou muito pouco, apesar das quadro tático propiciada pelas novas
vastas modificações na tecnologia naval. tecnologias de informação; e as possibili-
Entretanto, dentro das limitações que se- dades dos sistemas automáticos de apoio
rão discutidas, o apoio de máquinas pode à decisão.
melhorar o processo de tomada de deci- Em sua conclusão, Vego, por conside-
são.” Esta é a assertiva que introduz o arti- rar a guerra naval uma atividade por de-
go de Milan Vego, no qual procura demons- mais complexa e imprevisível, reafirma que
trar que o homem será sempre relevante as novas tecnologias não substituirão o
nos processos dos conflitos armados. homem, mas aumentam a capacidade de os
Ao longo de seu interessante texto, o comandantes navais, em todos os níveis,
autor analisa detidamente o fator humano se desincumbirem de suas responsabilida-
versus a tecnologia; o papel desempenha- des com maior eficácia.

O CELULAR CORPORATIVO
(OU COMO UM ACESSÓRIO PODE SE CONVERTER
EM PESADELO)
(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, págs. 463-468)
Capitão de Mar e Guerra (Espanha) José Ramón Alemany Márquez

Neste artigo crítico e divertido, o autor ços tecnológicos e de como certas urgên-
trata da dificuldade vivida pelos integran- cias da vida moderna são mal digeridas por
tes de sua geração em relação a certos avan- eles. Na introdução, desculpa-se junto aos

* Professor de Operações no Naval War College desde 1991. Autor, dentre outros, dos livros Soviet Naval
Tactics (1992) e Naval Strategy and Operations in Narrow Seas (1999; 2003). É também autor do
livro-texto Operational Warfare (2001).

RMB2 o T/2009 255


REVISTA DE REVISTAS

jovens que tenham a “má sorte” de ler suas lo fora desse lugar ou horário, para assun-
linhas, pois não se sentirão identificados to que requeira pronta reação ou que trate
com o problema ou, talvez, sequer reco- de tema urgente, que não permita atraso.
nheçam a sua existência. Mas, admite, uma coisa é a teoria e outra a
“Mesmo que se diga que nos acostu- realidade e, na Armada, elas quase sempre
mamos e que a tudo nos adaptamos, isso são divergentes. Por isso, e para ajudar na
não é totalmente certo, sobretudo quando compreensão do tema, ele se põe a narrar
atravessamos o umbral dos 50 e se começa casos reais vividos por ele, faz algumas
a regressão à infância”, afirma. E prosse- considerações e chega a conclusões so-
gue: “A partir daí, nossos parâmetros de bre as quais, já adianta, alguns não estarão
comparação também retroagem e julgamos de acordo. Por julgá-los interessantes e di-
as coisas de acordo e em contraste com o vertidos, a RMB passa a apresentar adap-
que se conheceu na infância, que, para isso, tações desses relatos:
salvo casos isolados, é a época mais feliz
de nossa existência”. Cena primeira

OS ANTECEDENTES Em dia bonito de maio, em Cartagena,


certo capitão de fraga-
Segundo o autor, ta, calvo, hipertenso e
há alguns anos, àque- com a idade a avançar,
les que têm alguma em seu escritório, sen-
responsabilidade ou tado à sua mesa desde
àqueles aos quais os as 7h30, falava ao tele-
chefes querem manter fone tentando resolver
em “cabresto curto” – problema de atracação
geralmente ambas as de dez navios da Tapón
espécies coincidem – (operação da Otan),
a Armada espanhola que somam comprimen-
entrega um telefone celular que foi batiza- to maior do que o cais disponível. No auge
do, pouco elegantemente, de corporativo. da conversa, começa a tocar o celular, onde
O aparelho é de última geração, com soa um rugido de felino que ele, em má hora,
bluetooth, SMS, MMS, câmera para fotos havia deixado o filho instalar por ser, de acor-
e vídeo, GPRS, USB, conexão com a do com o jovem, um som “descolado”. No
internet etc. Para ele, no todo, “o telefone quarto rugido ele atende, e a seguinte con-
vale como uma pasta, pesa um quintal1, versa se desenrola:
não há jeito do dedo alcançar apenas uma – Alô, prossiga.
tecla e possui um manual do usuário que – O quê?
parece a Enciclopédia Britânica, cheia de – Olá, é fulano, liguei pelo celular por-
abreviaturas”. que o telefone está ocupado.
Para Alemany, em teoria, a finalidade do – Olha, o Castilla não pode atracar no
corporativo é poder localizar o usuário cais dos navios de cruzeiro.
quando sai de seu lugar de trabalho duran- – Pois é, se deu ocupado é porque es-
te o horário de expediente, ou para contatá- tou falando ao telefone.

1
N. R.: Equivale a quatro arrobas.

256 RMB2 oT/2009


REVISTA DE REVISTAS

– Pode-se optar por colocar o turco e o Cena terceira2


grego a contrabordo um do outro, mas com
segurança. Manhã de domingo, cerca de 9h30, em
– Ah, preciso saber se o pintor está li- Almería. Terraço, temperatura amena e agra-
vre para fazer alguns retoques. dável. O capitão de fragata da cena anteri-
– Agora o pintor não está disponível. or, a esta altura já capitão de mar e guerra,
– O que disse? Que eu saiba nenhum relaxado, espera o café com torradas. Mal
navio solicitou pintor. dá a primeira mordida, soam alarme geral e
Diante desse diálogo de “bêbados” e toque de atenção! Note-se a troca do rugi-
antes que sua pálpebra comece a tremer, do de leopardo por sons muito mais marci-
ele desliga os telefones e vai tomar um café. ais (que promovem uma regressão à Esco-
la Naval Militar).
Cena segunda – Pronto, é o comandante naval, prossiga.
– Olhe, sou o suboficial de Guarda de
Ainda em Cartagena, sexta-feira à noite, Comunicações do Estado-Maior de
aproximadamente no horário em que o mús- Amardiz e queria falar com o suboficial de
culo dorme e a ambição descansa, sobre- Guarda.
tudo se a cama é confortável, como neste – Mas este não é o telefone do suboficial
caso. Rugido de leopardo novamente (te- da Guarda. Sou o comandante.
nho que falar seriamente com meu filho!). – Sim, bom, pois bem, telefono da seção
Sobressalto, horror e pavor, alarme, algo de comunicações do Estado-Maior de
importante aconteceu. E espera-se que não Amardiz e, nesta manhã, ao entrar de servi-
seja incêndio. ço, verifiquei que não possuímos os reci-
– Sim, prossiga. bos de três mensagens enviadas ao coman-
– Perdão, comandante, pelo horário, mas dante de Almería.
é que não recebemos a resposta da mensa- – E...?
gem enviada sobre as monografias.
– E você me telefona a esta hora para Cena quarta
isso?
– É que estou de serviço e estava Eleja, dileto leitor, a data que queira.
repassando as unidades que faltava Cerca de 20h30. Empurra o carrinho de ro-
responder. das duras pesquisando as etiquetas das
– Sim, e não tinha outra coisa para fa- gôndolas para identificar quais indicam
zer além de telefonar a esta hora e me des- menos colesterol, quais gorduras satu-
pertar para um assunto burocrático que radas, hidrogenadas, polissaturadas etc.
não tem urgência alguma. Boa noite e bom Um torpor vai lhe invadindo e depois des-
serviço! se laborioso processo de pesquisa e deci-
Na realidade não lhe desejou boa noite são, sabe que vai levar os mesmos de sem-
e nem bom serviço; todo o último pará- pre. Atenção geral! Começa a marcha dos
grafo é falso. Porém, por motivos de de- infantes! Resignação.
coro, esclarece o comandante, não pôde – Sim, pronto.
expor as expressões usadas em toda a sua – Olá, Pepe, é (o chefe, naturalmente),
crueza. onde estás?

2
N. A.: Esta cena se repetiu em duas ocasiões distintas, ambas em domingos.

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– No supermercado, fazendo compras. E, por último, o quarto caso. O “passa-


– Olha, perdão por ligar a esta hora. Não é dor de batata quente”, que pode ser consi-
nada importante, mas antes que me esqueça... derado o menos maldoso de todos. É nor-
– Pois se não é nada importante, para que malmente uma pessoa conhecida cuja me-
me telefona a esta hora? (só em pensamento). mória começa a fraquejar. Ela, ao ter um
flash de algum assunto específico, e, antes
CONSIDERAÇÕES que se esqueça, telefona ao interessado
para “passar a batata”. Se o destinatário,
As cenas anteriores são, tão somente, a que estará normalmente pensando em ou-
ponta do iceberg, e, sem dúvida, os leitores tras coisas, vier a esquecer, aí é problema
que conseguiram ler até este ponto do arti- seu.
go, diz Alemany Márquez, conhecem mui-
tas outras. São uma pequena amostra de CONCLUSÕES
como o uso do corporativo derivou para o
abuso carente de lógica. A primeira cena, diz Pelo que foi visto, conclui Alemany
ele, corresponde ao que se pode denominar Márquez, o uso do celular está derivando
“telefonador” compulsivo ou telemático in- para o abuso. Fica difícil entender como,
continente, que é aquele que, em qualquer até poucos anos atrás, antes da generali-
ocasião e sob qualquer pretexto, quer esta- zação de seu uso, podíamos fazer nosso
belecer contato telefônico, sem se importar trabalho e, na maioria das vezes, sem de-
se o interlocutor está ocupado. moras notáveis. É certo que antes se dis-
A segunda cena se refere ao “telefona- punha de mais pessoal, ou seja, de pessoal
dor mais que competente”, para o qual não de serviço. Hoje há economia de pessoal,
importa a hora, a ocasião, o assunto ou a mas colocamos o chefe de serviço, duran-
urgência do telefonema. Aproveita qual- te as 24 horas dos 365 dias do ano.
quer momento do dia ou da noite, sem con- Isso não significa que o invento não é
siderar a oportunidade ou a disponibilida- útil, diz o autor, ele é3, mas sua função e
de do destinatário. Neste caso patológico, seu uso devem ser mantidos dentro do sen-
quase se pode garantir que este “telefo- so comum e da moderação. O celular não
nador” não tem consciência do que faz deve ser transformado em instrumento de
automaticamente, devido a uma deforma- incremento do número de integrantes da
ção psíquico-tecnológica. Armada com problemas de elevação de
O terceiro exemplo é uma variante do an- pressão arterial.
terior e pode ser denominado “como quem Para que se evite os danos colaterais
rouba”. Nesse caso, a urgência de transmitir do abuso desse uso, Alemany sugere que
a mensagem é mais importante do que seu se crie um código de ética simples, basea-
destinatário. Mesmo que o destinatário não do nos princípios abaixo listados, a serem
lhe dê a menor importância... Ele já se livrou. considerados antes de se realizar uma liga-
Esse caso lembra muito o das mensagens ção para celulares corporativos.
das 14h30 das sextas-feiras que se determina – Verifique que o número que irá chamar
responder antes das 11 horas do sábado. é, de fato, da pessoa interessada.
3
N. A.: A maior utilidade que se encontrou para o celular foi a de se poder ir ao Corte Ingles (loja de
departamentos popular na Europa) com a mulher, andar-se separadamente por diferentes seções
evitando-se perguntas embaraçosas, do tipo: o que você acha desta roupa? Ao final, ele é usado para
o encontro, sempre no andar dos jovens... como convém.

258 RMB2 oT/2009


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– Faça uma sincronização de relógios e canso e, sobretudo, ao de nos desligarmos


certifique-se de que está dentro do horário da atividade diária. Deve-se evitar ao máxi-
de trabalho, principalmente do destinatá- mo chamadas que se resumam, ao final, a
rio da chamada. “amanhã conversamos”.
– Antes de se transformar num Finalizando, o Comandante Alemany
“telefonador” compulsivo, faça um esfor- Márquez ressalta que, se essas regras sim-
ço de imaginação e estime se o telefonema ples forem aplicadas, elevar-se-ia a quali-
atenderá ao efeito desejado e se o destina- dade de vida de todos, bem como o nível
tário estará em posição de prover a infor- de adestramento do pessoal. Ademais, evi-
mação desejada. tar-se-ia a aplicação de golpe em que se
– Faça um estudo exaustivo da urgên- ouça “o telefone chamado encontra-se des-
cia da ligação. Todos temos direito ao des- ligado ou fora da área de cobertura”.

SOFT KILL VERSUS MÍSSEIS ANTINAVIO


Norman Friedman*
(Naval Forces No 1/2009, Vol. XXX, págs. 85-89)
Técnica e largamente teórica, esta aná- enciados externamente. Indica que, muitas
lise feita pelo renomado Norman Friedman vezes, após a aproximação, será necessária
compara a eficiência de diversos tipos de a destruição do míssil – o hard kill.
contramedidas – jammers e despistadores “Evidentemente”, conclui, “a melhor
– no uso contra mísseis antinavio. contramedida para os sistemas de longo
O autor descreve o modo de funciona- alcance inimigos é a destruição da plata-
mento das três gerações de mísseis existen- forma de seu lançamento, mas isso poderá
tes e as maneiras como eles podem ser influ- ser impossível por razões políticas”.

Míssil antinavio russo


STYX SS-N-2 de
primeira geração. A arma
que transformou a guerra
naval. Mascara a mudança
de seu radar do modo de
busca para lock-on

* Colaborador regular da Naval Forces. Autor do Naval Institute Guide to World Naval Weapons, Fifth
Edition (Guia de Sistemas de Armas Navais do Instituto Naval, Quinta Edição). Dentre muitos de
seus outros livros encontram-se The U.S. Maritime Strategy - 1988 (A Estratégia Marítima dos
EUA) e Seapower as Strategy: Navies and National Interests – 2001 (Poder Naval como Estraté-
gia: Marinhas e Interesses Nacionais).

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REVISTA DE REVISTAS

OS COMANDANTES RESPONDEM
(Proceedings, EUA, março/2009, pág. 14-33)

Pirataria. Crise monetária internacional. de Esquadra Julio Soares de Moura Neto.


Terrorismo. Aquecimento global. Essas e As demais autoridades consultadas foram
outras questões afetam todos. Neste arti- os comandantes das Marinhas dos seguin-
go anual da revista Proceedings, foi colo- tes países: Argentina, Austrália, Bélgica,
cada a seguinte questão aos comandantes Canadá, Chile, Colômbia, Croácia, Dinamar-
de 37 Marinhas do mundo: qual a mais sig- ca, Djibuti, República Dominicana, Equador,
nificativa ameaça à segurança marítima de Fiji, França, Alemanha, Grécia, Indonésia,
sua nação e como sua Marinha lida com Itália, Japão, Jordânia, Letônia, Líbano,
esse desafio? Malásia, Holanda, Nova Zelândia, Nicará-
Dentre os entrevistados pela conceitua- gua, Noruega, Paquistão, Peru, Polônia, Por-
da revista norte-americana, aparece o co- tugal, África do Sul, Espanha, Suécia,
mandante da Marinha do Brasil, Almirante Tailândia, Emirados Árabes e Grã-Bretanha.

MARINHAS DO MUNDO EM REVISTA


Eric Wertheim*
(Proceedings, EUA, março/2009, p. 54-66)

O autor apresenta uma visão panorâmi- pamentos eletrônicos previstos no progra-


ca das atividades navais das principais ma, e o reator nuclear será projetado e
Marinhas do mundo durante o ano de 2008. construído no Brasil, com assistência es-
Por meio de abordagem regional, cada Ma- trangeira limitada. O artigo, apesar de não
rinha é analisada em ordem alfabética. As- citar outros prazos, informa que a entrega
sim, o artigo está dividido nos seguintes dos helicópteros está prevista para ser ini-
tópicos: Austrália e Ásia; Europa; Oriente ciada em 2010.
Médio/África; e Américas. Registra-se o noticiado em relação à
Especificamente com relação às Améri- Venezuela, de que o país aumentou os gas-
cas, dentre outras notícias, cita o autor que tos com defesa em 25% acima do nível de
o Brasil, em dezembro de 2008, anunciou 2008, o qual, por sua vez, já não possuía
um amplo acordo sobre armamento com a precedentes. Desde 2004 a Venezuela
França, com valor total de 8,6 bilhões de despendeu mais de 4 bilhões de dólares na
euros, que inclui a compra de 50 helicópte- aquisição de armamento de fornecedores
ros de emprego geral e quatro submarinos russos, apesar de que a queda do preço do
de ataque da Classe Scorpéne de arquite- petróleo deverá adiar os planos do país. As
tura franco-espanhola. Segundo ele, o con- encomendas incluem, além de vários arma-
trato prevê a assistência francesa no pro- mentos, três submarinos da classe Kilo (en-
jeto e construção do submarino nuclear de trega até 2012, numa visão otimista) e sub-
ataque brasileiro, em planejamento desde marinos da classe Amur. Quatro navios-pa-
1979. A França proverá os conhecimentos trulha e oito barcos-patrulha estão em cons-
para a construção do casco e para os equi- trução na Espanha. A recente aquisição de

* Consultor de Defesa em Washington, D.C.. Autor do Guide to Combat Fleets of the World, 15ª Edição,
do Naval Institute.

260 RMB2 oT/2009


REVISTA DE REVISTAS

vários novos hovercrafts Griffon 200TD preços de combustíveis vem causando às


permite aos fuzileiros navais venezuelanos forças armadas e a pressão que líderes con-
aumentar seu raio de ação. Existem também gressistas vêm exercendo para que seja
modernizações de navios em andamento. reexaminada a propulsão nuclear para os
Sobre os EUA, além de listar diversos navios de superfície. Aborda o programa
projetos e construções de navios, subma- de Navios de Combate de Litoral (LCS), que
rinos e aeronaves em andamento, o autor prevê a construção de 55 unidades desses
aborda o conceito em vigor da esquadra navios de conceito modular que permite
de 313 navios, que é a base do planejamen- várias configurações (antissubmarino, de
to da Marinha do país para os próximos 30 contramedidas para minas e de guerra de
anos, apesar de vários analistas o consi- superfície). Informa, ainda, que esse pro-
derarem fora da realidade. Ele cita o lança- grama já teve seu custo triplicado em rela-
mento do Africa Command (Africom) e o ção ao orçamento inicial e que cada navio
relançamento da Quarta Esquadra, em 2008. apresenta atualmente custo de 600 milhões
Identifica a dificuldade que a majoração dos de dólares.

SETE MITOS DA INTELIGÊNCIA


Capitão de Fragata (EUA) Mike Studeman*
(Proceedings, EUA, fevereiro/2009, p. 64-69)

“A Marinha norte-americana não pode vem demandá-los de seus oficiais de inteli-


se dar ao luxo de abrigar mitos sobre a co- gência. Entretanto, exigi-la por meio da ex-
munidade de inteligência em tempos em que clusão da inteligência básica ou fundamen-
a superioridade de conhecimento e de de- tal é perigoso para o comandante. Na mai-
cisão é tão crítica”, afirma o Comandante oria dos casos, as duas formas de inteli-
Studeman ao iniciar seu artigo, no qual gência estão ligadas entre si. A demanda
identifica na atividade de inteligência sete pela produção de conhecimento que gera
mitos. Estes, em sua opinião, não deveriam ação imediata negligencia a realidade, que
existir e desvalorizam essa importante área só pode ser visualizada por meio de amplo
de conhecimento. esforço de inteligência. Esse esforço, feito
Com o propósito de ilustrar o que é a em várias camadas, produz material bruto
inteligência, o que ela faz, o que ela pode e que, eventualmente, levará a uma conclu-
não pode fazer, e as áreas nas quais ela são vital.
necessita de melhorias, o autor enumera Para Studeman, vale a analogia com o
os mitos por ele identificados. iceberg: a altura do cume em relação à água
varia conforme a base submersa. Mesmo
Mito 1: A inteligência possui valor nos casos em que uma única informação
nominal, a não ser que produza ação gera ação, usualmente existe uma grande
quantidade de tempo e de esforços que foi
Os responsáveis por decisões, assim despendida na identificação da correta ori-
como os operativos, merecem dados de in- entação operacional. Cita, como exemplo
teligência que possam produzir ação e de- desse tipo de trabalho, o método adotado

* Oficial da ativa da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA). É oficial de Inteligência de carreira
e serve atualmente no Grupo de Ataque de Navio-Aeródromo – 8.

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para captura de Saddam Hussein e Abu ca responder corretamente as questões


Masab al-Zarqawi. “como e por quê”. Aí a inteligência se apro-
Usa também como ilustração o ambien- xima da sabedoria, pois organiza as informa-
te marítimo. Nele, não se conseguirá alar- ções relevantes – valida fontes, identifica
me antecipado daquilo que é ilícito ou ile- padrões e faz avaliações – e comunica o
gal, ou das ameaças existentes, se não se significado. O autor alerta, ainda, que a inte-
puder diferenciá-los das atividades nor- ligência moderna não é definida somente
mais. Para tanto, é necessária a correta com- por esse processo, mas sim pelos clientes
preensão das rotinas de navios, tripula- militares ou políticos e pelo uso que dela é
ções, cargas, agências, companhias de na- feito. Assim, espera-se de uma seção de in-
vegação, portos etc. Assim, conhecer o ad- teligência que ela informe não apenas o que
versário em potencial exige a mesma abor- é conhecido ou não, mas o que se pode
dagem, na qual pequenos pedaços de in- antecipar ou prever. Inteligência não é só
formações insignificantes, por si só, con- informação classificada, afirma Studeman.
tribuem para a forma- Considerá-la dessa for-
ção de uma base de da- ma é subestimar o seu
dos de inteligência ne- potencial e poder.
cessária, precursora da
efetiva ação. Ou seja, a Mito 3: A
inteligência que gera inteligência é
ação e a que não gera produzida a partir de
estão interligadas, e os fontes classificadas
comandantes precisam
das duas. Os EUA investem
bilhões de dólares em
Mito 2: Inteligência todos os aspectos da
é basicamente inteligência que contri-
informação secreta buem para que analis-
tas possam desfazer
A inteligência como mistérios e penetrar
atividade envolve qua- nos planejamentos de
tro categorias hierár- adversários que, agres-
quicas: dados, informa- sivamente, tentam
ção, conhecimento e mantê-los secretos. A
sabedoria. O produto da inteligência resul- dependência total de fontes classificadas,
ta de processo de avaliação que busca entretanto, somente revelaria parte da ver-
transmitir conhecimento e previsão. Por dade. Fazendo analogia com um quebra-
outro lado, a informação é constituída tão cabeça, o autor diz que as fontes ostensi-
somente pelos dados processados. Ela é vas contribuem para a formação das bor-
valiosa, pois junta as diversas partes e res- das da figura (a inteligência que se deseja
ponde às perguntas “quem, o quê, onde e obter), enquanto as fontes classificadas se
quando”, mas permanece ainda uma forma concentram em encontrar e encaixar as par-
básica de conhecimento. tes centrais. A comunidade de inteligência
A forma mais madura do produto da inte- tem investido no Open Source Center, que
ligência é a síntese da informação que bus- coleta informação da internet, de bases de

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REVISTA DE REVISTAS

dados abertas, da imprensa, do rádio, da em contexto para todos os níveis da guer-


televisão, de vídeo, de dados geoespaciais ra, avaliando o comportamento do oponen-
(geospacial, no original – método que com- te, calculando seus próximos movimentos
bina software espacial e métodos analíti- e auxiliando operativos no ajuste de suas
cos em bases de dados geográficas ou ter- táticas.
restres), de fotos e de imagens comerciais.
Apesar do atual (e sem precedentes) Mito 5: A inteligência falha mais do
aumento do acesso à informação, a reali- que tem sucesso
dade é que incertezas e ambiguidades sem-
pre complicarão a capacidade de se enten- Mike Studeman reconhece a existência
der possíveis adversários. Em que pesem de grandes falhas, em quantidade e qualida-
essas dificuldades, a comunidade de inte- de, da inteligência americana. Estas, afirma,
ligência usa todas as fontes, independen- alcançam as manchetes de jornais, especial-
temente de classificação, de modo a clare- mente quando envolvem surpresa global de
ar o quadro para comandantes e políticos. qualquer magnitude. Ele entende, entretan-
to, que os sucessos ficam mascarados, já
Mito 4: Tudo que se precisa da que os principais agentes de segurança con-
inteligência é de uma “caixa tinuam a ser informados, e isto vem permi-
inteligente”; o homem apenas impede tindo o planejamento de operações milita-
ou atrasa o acesso à inteligência res eficazes. Acrescenta que, para cada
insucesso da inteligência norte-americana,
Esta filosofia representa a visão tática ocorrem inúmeros sucessos que não são
segundo a qual, durante a execução alardeados, para que as operações possam
operacional, tudo o que se faz necessário prosseguir ou se repetir.
ao piloto da aeronave, ao combatente em- A calibração das expectativas do que se
barcado ou ao mergulhador de combate é deve esperar da inteligência é essencial em
uma coordenada, um indicador infraver- todos os escalões de comando. Deve ser
melho, uma interceptação eletrônica ou uma sabido que não se pode prever o futuro e
imagem. Evidentemente, deve-se investir que, raramente, obter-se-á inteligência isen-
sempre na melhoria da tecnologia entre o ta de ambiguidade.
sensor e o atirador, de modo a se garantir a
rápida disseminação dos dados vitais ao Mito 6: A ONI enfoca mais problemas
combatente. Porém, essa informação é nacionais do que os da esquadra
crua, sem avaliação, e só se torna útil medi-
ante a preparação adequada do ambiente Segundo o autor, existe, por parte dos
pela inteligência e com pessoas qualifica- combatentes norte-americanos, uma per-
das a colocarem em perspectiva a evolu- cepção de desconexão entre os investimen-
ção do quadro tático, alega o autor. tos em inteligência feitos pelo Escritório
Para ele, na realidade, a demanda por da Inteligência Naval (ONI), maior compo-
especialistas em inteligência no campo vem nente do Centro Nacional de Inteligência
aumentando, e não será uma “caixa-inteli- Marítima, e as necessidades da esquadra.
gente”, dotada de processador de inteli- Para o Comandante Studeman, essa per-
gência artificial e de alta capacidade de cepção não guarda relação com a realida-
processamento que irá substituí-la. Os ana- de, pois as atividades da ONI contribuem,
listas de inteligência colocam o ambiente direta ou indiretamente, para a vigilância,

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para a defesa naval ou para planejamentos ele, melhorar a integração é isso e muito mais.
contra Marinhas adversárias. Ele reconhe- A genuína integração deve ser uma via de
ce, porém, a existência de falhas nas mão dupla na qual combatentes e especia-
interfaces entre a ONI e a esquadra, o que listas em inteligência municiam uns aos ou-
propicia algum isolamento entre os orga- tros, produzindo sinergia e resultados.
nismos. Noticia também que, em reconhe- Para o autor, “a característica essencial
cimento a esse problema, a ONI inaugu- da integração ops-intel é a simbiose, em que
rou, em fevereiro de 2009, o Centro Nimitz nenhum planejamento ou ação operativa é
de Inteligência Operacional, com o propó- iniciada ou encerrada sem que os principais
sito de servir como ponto de conexão com atores estejam no núcleo confiável”. Essa
a esquadra e nó de ligação principal para o observação é importante, pois, segundo ele,
apoio aos centros de operações marítimas. ainda persiste a tendência em alguns
planejadores militares ou políticos de alto
Mito 7: O sucesso da integração escalão de realizarem consultas unilaterais
operações/inteligência envolve, seletivas junto a especialistas em inteligên-
principalmente, a inteligência entrar cia, ou a de fazê-lo tardiamente, depois que
em sintonia com os combatentes os eventos já adquiriram inércia significati-
va. E afirma: “Alcançar a verdadeira integra-
“As falhas na integração operações/in- ção não é fácil, e ambos, oficiais operativos
teligência (ops-intel) são normalmente in- e de inteligência, devem fazer sua parte para
terpretadas como desafios da inteligência. aperfeiçoá-la”.
Para muitos oficiais da Marinha americana, Em conclusão ao artigo, Mike Studeman
aperfeiçoar a integração envolve melhorar a alerta que os sete mitos levantados incluem
reação da inteligência aos legítimos apelos alguma verdade, mas que cada um é merece-
dos combatentes...”, afirma Studeman. Para dor de maior reflexão, pois são enganosos.

ABALROAMENTO NAS PROFUNDEZAS


(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, p. 457-462)
Vice-Almirante (FN - Espanha) José Maria Treviño Ruiz

“Se algo pode sair mal, sairá mal” – pri- milhas de largura no Hemisfério Norte, se-
meira Lei de Murphy. Invocando essa lei, o gundo maior oceano do planeta, menor
Almirante Treviño Ruiz considera que ela apenas do que o Pacífico.
se aplica ao abalroamento ocorrido entre Nele, um SSBN britânico que desloca
um submarino nuclear (SSBN) britânico e 15.980 ton. em imersão, o HMS Vanguard
um francês na imensidão do Oceano Atlân- (S 28), armado com 16 mísseis balísticos
tico. Segundo ele, a chance dessa ocorrên- intercontinentais Trident 2 (D5) e com 48
cia é de uma em 106 milhões. Entretanto, ogivas nucleares, navega possivelmente na
acrescenta, pela Lei de Murphy, basta uma cota de 100 metros, a velocidade entre 3 e 5
única probabilidade... nós, patrulhando zona ao sul da Islândia,
próxima a sua base escocesa.
O teatro de operações No mesmo teatro, um SSBN francês de
14.335 ton. em imersão, o Le Triomphant
O teatro de operações é o Oceano Atlân- (S618), portando 16 mísseis balísticos M45,
tico, com seus 106 milhões de km2 e 3.000 cada um com seis ogivas nucleares de 100

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REVISTA DE REVISTAS

dades cada, cujos cabeças de


série são precisamente o SSBN
SSBN Le Le Triomphant e o HMS
Triomphant Vanguard.
Segundo o Almirante
Treviño, ambos os navios de-
vem ter permanecido em suas
respectivas zonas de patrulha
por período de três meses com
a terrível responsabilidade de,
ao receberem mensagem com
ordem de destruir um objetivo
estratégico por rádio em VLF
(que penetra a superfície do
mar alcançando o submarino em cotas pro-
kilotons cada, procedente da Île Long, na- fundas), seus comandantes deveriam ser
vega para o noroeste para realização de capazes de cumprir suas missões sem pes-
patrulha em área secreta no Atlântico Nor- tanejar. Por isso a zona de patrulha deveria
te, igualmente ao sul da Islândia. estar afastada de qualquer interferência ele-
tromagnética e de ruídos acústicos prove-
A gestão do espaço marítimo nientes de navios mercantes.
Oficiais submarinistas sabem o que sig-
Aqui começam as coincidências que le- nifica Water Space Management (gestão do
varam ao acidente final. As zonas de patru- espaço marítimo), o equivalente ao controle
lha onde se estabelecem os SSBN, diferen- do espaço aéreo para aeronaves, sugere o
temente do que ocorre com os submarinos autor. Nesse sistema, as derrotas dos sub-
convencionais a diesel (SSK) ou com os marinos são informadas por subnotes, que
nucleares de ataque (SSN), não são revela- descrevem os movimentos de “caixas” de
das a terceiros países, mesmo aliados. dimensões padronizadas, deslocando-se em
Essas patrulhas com mísseis balísticos velocidade e rumos predeterminados, nas
intercontinentais constituem o pilar básico quais se encontra um só submarino. As res-
da dissuasão nuclear dos países que os ponsáveis pela segurança dessa navega-
possuem, que são apenas cinco no
mundo: os Estados Unidos da Amé- HMS Vanguard
rica (EUA), com 14 unidades da clas-
se Ohio, de 18.750 ton. em imersão; a
Rússia, com três gigantescos
Typhoon (Akula) de 26.500 ton. e 12
unidades das classes Delta III e IV; a
China, com um SSBN somente, que
pode ser qualificado como obsoleto
por ser de 1981, o Xia, de 6.150 ton.,
mas com projeto de construir cinco
navios da nova classe Jin; e a Fran-
ça e o Reino Unido, com quatro uni-

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ção são as Autoridades Operativas de Sub- do do Vanguard. Os danos foram considerá-


marinos (Subopauth), que têm a atribuição veis na proa e no leme de boreste do submari-
de garantir que as derrotas dos submarinos no francês. O almirante acrescenta, com des-
estejam livres de interferências de outros crédito, que o Ministério da Defesa da França,
navios aliados. na ocasião, informou que “durante regresso
Entretanto, o procedimento seguido para de uma patrulha, o submarino teria colidido
os SSBN é diferente, pois somente se existir com um objeto submerso, provavelmente um
um acordo bilateral específico ou um memo- contêiner de 30 ton.”. O navio britânico sofreu
rando de entendimentos uma nação comuni- menos avarias devido ao impacto ter sido late-
ca à outra as zonas de patrulhas e a situação ral, tendo recebido apenas deformações em
de seus respectivos SSBN. No caso em ques- um de seus tanques de lastro.
tão, as Marinhas francesa e britânica deveri-
am conhecer os movimentos dos respecti- As consequências
vos submarinos, pois, além dos acordos bila-
terais, possuem oficiais de ligação nos esta- Para o Almirante Treviño Ruiz, os dois
dos-maiores responsáveis pelos movimen- navios deverão passar “uma boa tempora-
tos dos SSBN. Ademais, acrescenta o almi- da em dique seco enquanto se verificam,
rante, por mais de meio século submarinos – exaustivamente, não só os danos visíveis
soviéticos primeiro e russos depois – que como também os possíveis danos estrutu-
nunca comunicam suas posições às nações rais em suas cavernas, tubos de torpedos,
ocidentais, navegam os mesmos oceanos lemes etc. que possam afetar a segurança
com vários outros submarinos e nunca ocor- em imersão”. Não se pode esquecer que
reu colisão. Isso, ele admite, pode ser devido esses submarinos podem mergulhar até
ao fato de esses navios serem por demais cotas de 400 metros de profundidade e que
ruidosos, diferentes do Vanguard e do Le a menor falha nessa cota pode representar
Triomphant, que, em acréscimo, possuem a perda do navio, alerta o almirante. E acres-
sensores capazes de detectar os movimen- centa: “Depois disso tudo, virão os demo-
tos de golfinhos em sua proximidade. radas e custosos reparos”, lembrando do
caso do britânico Tireless que ficou imobi-
Murphy jamais descansa lizado por mais de um ano para corrigir, tão
somente, pequena fuga do sistema de re-
Há que se admitir que ambos os SSBN frigeração de seu reator.
sofreram um autêntico caso de má sorte, O Almirante Treviño Ruiz conclui seu
afirma o autor. Mesmo com o desconheci- artigo com uma boa e uma má notícia. A
mento das respectivas derrotas e zonas de boa é que, devido à baixa velocidade em
patrulha, e com os sensores e operadores que ocorreu a colisão, não houve compro-
não tendo sido capazes de se detectarem metimento de estanqueidade e nem riscos
mutuamente, a coincidência de tempo e si- para os reatores ou mísseis. Além disso,
tuação geográfica não seria suficiente para nenhum dos 111 tripulantes franceses ou
ocasionar a colisão, já que submarinos se dos 135 britânicos foi ferido, e o Atlântico
movem em três dimensões, como os avi- foi poupado de qualquer contaminação,
ões. Coincidiram também na mesma cota consideradas as graves consequências
de profundidade! para o meio ambiente.
Em consequência, o Le Triomphant, du- A má notícia é que este incidente deverá
rante a noite, investiu de proa contra o costa- custar os respectivos cargos aos coman-

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dantes dos navios, alcançando, provavel- tros submarinos nucleares balísticos deve-
mente, oficiais em postos ainda mais altos rão se fazer ao mar, apertando ainda mais o
nas respectivas cadeias hierárquicas de co- programa de manutenção e adestramento
mando. Em acréscimo, para que se mante- dessa classe de navios, que já tem calendá-
nha a dissuasão nuclear permanente, ou- rio de pouca capacidade de flexibilização.

O TERRORISMO MARÍTIMO NA
ESTRATÉGIA DA AL QAEDA
(Revista General de Marina, Espanha, jan/fev 2009, p. 47-53)
Juan Alfonso Merlos García

Abrindo o artigo, o autor coloca a se- vigilância e planejamento; a maior dificul-


guinte questão: “Uma das perguntas fun- dade de simulação prévia e de preparação
damentais a ser respondida pelas agências em um cenário marítimo do que em um ter-
de segurança ocidentais não é se a Al restre; e, finalmente, o próprio estado do
Qaeda voltará a tentar e consumar um aten- mar, a visibilidade, o vento, dentre outros
tado no mar, mas quando vai fazê-lo e onde, fatores meteorológicos que podem colo-
dado o êxito operativo e o grande impacto car em risco a fase da execução da missão.
de propaganda que obtiveram os golpes O autor entende que esta é uma ameaça
conseguidos neste cenário, e dado o gran- duradoura e crescente. Afirma que analis-
de leque de possibilidades abertas pelo tas, acadêmicos, profissionais da seguran-
terrorismo marítimo”. ça e de meios de comunicação veiculam à
Para se desenhar estratégias de respos- opinião pública internacional a falsa impres-
ta eficazes e se dotar dos instrumentos ne- são de que o terrorismo marítimo é uma
cessários para a neutralização dessa amea- ameaça menor, da mesma maneira que se
ça, prossegue o autor, faz-se necessário inocula a ideia de que a comunidade inter-
um diagnóstico sobre a sua natureza e um nacional eliminou os últimos vestígios da
exame detalhado da eventualidade de ocor- pirataria (apesar dos recentes episódios na
rência de ataques. Segundo ele, é inevitá- África oriental), quando na verdade esses
vel buscar estabelecer indicadores sólidos atos triplicaram na última década, alcan-
que permitam prever qual será o perfil dos çando os níveis mais elevados da história
autores intelectuais e materiais de futuras moderna.
ofensivas, quais os objetivos que perse- Para García, a Al Qaeda continuará con-
guirão, contra quais alvos priorizarão suas siderando os navios de guerra e petroleiros
ações, qual será a localização geográfica e como elementos centrais de sua estratégia
por quais táticas optarão. contra os Estados Unidos da América e seus
Assim, Merlos García busca nesta sua aliados, por seu simbolismo do poder oci-
análise contribuir para as respostas a es- dental e da colonização do mundo árabe e
sas questões, identificando o contágio e a muçulmano por parte do Ocidente.
importação de táticas terrestres para o am- Indica as seguintes áreas que são, e
biente marítimo e os atenuantes para a ocor- continuarão a ser, sensíveis: 1) Gibraltar,
rência de atos violentos nos mares. Dentre mais ainda quando se considera a prolife-
estes últimos, cita a escassez de alvos; as ração e o fortalecimento de células da Jihad
difíceis ocultação e camuflagem na fase de no Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, e

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sua vinculação operativa e ideológica por sua escolta é inviável e que os sistemas de
meio da “Al Qaeda no Magreb Islâmico”; radar de que são dotados se prestam à na-
2) Ormuz, que conecta o Golfo Pérsico com vegação e são virtualmente insensíveis aos
o Mar da Arábia, por onde passam 15 mi- ecos de pequenas embarcações que se
lhões de barris de petróleo por dia e que já aproximam.
foi alvo de tentativas frustradas de ata- Finalizando, alerta àqueles que acompa-
ques; 3) Bab el-Mandeb, que serve de en- nham o movimento mundial da Jihad islâmica
trada para o Mar Vermelho e por onde tran- e sua capacidade de criar um clima de inse-
sitam 3,5 milhoes de barris de petróleo dia- gurança em entroncamentos marítimos es-
riamente; e 4) Málaca, que separa a tratégicos, provocando um golpe duro no
Indonésia da Malásia, por onde passam 50 comércio internacional, que é um erro
mil navios por ano. flexibilizar ou abrandar a resposta à ameaça
O autor conclui afirmando que os terro- que eles representam. Dessa forma, asseve-
ristas são conscientes de que todas as ra Merlos García, se estaria aumentando ir-
embarcações que seguem rotas previsíveis responsavelmente a margem de manobra
são vulneráveis e, também, que 2/3 do pe- daqueles que empregam a destruição em
tróleo mundial são transportados por via massa, tanto material como humana, para
marítima. Sabem que, por razões diversas, consecução de seus propósitos.

A CONTRIBUIÇÃO DO VINHO NAS DIETAS


DOS HOMENS DO MAR
(Revista General de Marina, Espanha, abril 2009, p. 411-414)
Coronel Sanitarista (Espanha) Manuel Martinez Cerro

“Azeite e vinho, bálsamo divino.” Com petor de remédios, os primeiros farmacêuti-


esse dito popular em seu país, o Coronel cos qualificados.
Martinez Cerro introduz este artigo, no qual Assim, afirmando serem numerosas as
apresenta o resultado de pesquisa realizada citações sobre o tema ao longo da história,
em textos desde o século XIII sobre o uso o autor diz que, durante o reinado de Jaime
do vinho nos navios e hospitais da Espanha. I, El Conquistador (1213-1276), no Libro
A partir do século XVI, com o descobrimen- Del Consulado Del Mar, no qual aparecem
to das terras de ultramar, as grandes traves- os primeiros escritos humanitários a favor
sias dos navios espanhóis fizeram incluir dos marinheiros marcando as obrigações
em seu abastecimento víveres que se con- dos patrões em relação a eles e definindo
servassem em bom estado durante as lon- quais alimentos devem ser a eles providos,
gas travessias. É sabido que o biscoito foi está mencionado o vinho. Este deve ser
um alimento imprescindível, assim como di- fornecido três vezes pela manhã e todas as
versas bebidas, sobretudo o vinho, que pas- tardes, como acompanhamento de pão,
sa a estar presente nas dietas navais, tanto queijo, sardinhas e outros peixes. Em 1294,
nos navios como nos hospitais navais. Os aparecem escritas as primeiras ordenanças
alimentos dessas “dietas” eram financiados sobre higiene naval, as Leyes de Partidas
pela Fazenda Real, prescritos por indicação do Rei Alfonso X, El Sábio, uma vasta com-
médica e controlados nos portos pelo ins- pilação de normas da Idade Média. Nelas,

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sob o título XXIV, Lei de Partida II, são Ao longo do século XVIII, em anos e
postuladas considerações de natureza hi- épocas distintas, as aplicações do vinho
giênicas navais e se recomenda levar a bor- prosseguem da mesma forma. No século
do dos navios determinados alimentos, XIX, em 1852, aparecem recomendações
dentre eles o vinho e a sidra. sobre o acondicionamento do vinho a
Prossegue o autor em sua análise identifi- bordo dos navios, estabelecendo-se o
cando que, ao longo da história, o mau acon- uso obrigatório de cintas de metal e o
dicionamento do vinho causou doenças e embarque obrigatório, em todos os navi-
mortes e foi motivo de denúncias de falta de os que navegassem com destino à Amé-
limpeza nos navios da Armada, gerando as rica, de um “cuartillo de vino, por plaza
instruções dadas pelo General Dom Pedro de de dotación”. Além disso, foi disposto
Arana (1587) recomendando especial cuida- que a marujada, depois de exercícios de
do na limpeza de seus recipientes e na dimi- tiro com canhões, de velas, de postos de
nuição das rações. O vinho passou a ser con- combate ou outros em que ocorresse
trolado detalhadamente, e a abertura dos bar- abundante transpiração, dever-se-ia for-
ris era revestida de formalidade, na qual a necer-lhes quantidade suficiente da be-
autoridade designada bida vulgarmente co-
para fazê-lo era acompa- nhecida como sangria,
nhada do mestre – es- composta de água, vi-
crivão e intendente de nho tinto, limão ou
bordo –, certificando-se groselha e açúcar mis-
da quantidade e da qua- turados em quantida-
lidade da bebida. des proporcionais de
Nos hospitais, o vi- modo a darem um “gra-
nho também se apresen- to sabor ácido”
ta nas dietas dos doen- (1852). Chegou-se, in-
tes com finalidade medi- clusive, afirma o autor,
cinal, aparecendo nos a proibir-se a prática
estojos de primeiros so- de castigos por meio
corros, entre outros me- da privação do vinho
dicamentos. Nos anos (1870).
1740, esses estojos con- Ao final do século
tinham, além de poma- XIX, o vinho e a cer-
das, unguentos, pós e veja passam a constar
aguardente, “vinho ca- das dietas nos hospi-
tólico” (“batizado” com água). Em 1750, o tais navais e nos de guerra, podendo ser
médico da Armada Pere Virgili propõe o esta- administrados facultativamente. Com a
belecimento de caixas de remédios nos navi- chegada do século XX, a rapidez dos mei-
os reais baseado nas experiências das via- os de transportes fez perder o caráter ur-
gens ao Novo Mundo, nas quais os mari- gente e extraordinário dessas “dietas”, di-
nheiros eram atendidos de maneira precária. minuindo o valor do vinho e de outras
Virgili sugere, para compensar deficiências bebidas com essa finalidade. Mas nem por
dietéticas, a necessidade de se enviar vinho isso, finaliza o Coronel Martinez Cerro,
e aguardente para suprir as necessidades dos deixou-se de beber nos navios e hospi-
hospitais. tais espanhóis.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importan-


tes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a
Mercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e per-
mitir a pesquisadores visualizarem peculiaridades da Marinha.
Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com
fotografias.

SUMÁRIO
(Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)
ADMINISTRAÇÃO
ATIVAÇÃO
Ativação da Policlínica Naval de Manaus (273)
Ativação da adidância na Índia (274)
Ativação do Depósito de Material de Saúde da Marinha no RJ (275)
CERTIFICADO DE QUALIDADE
Delegacia da Capitania dos Portos em Macaé recebe ISO 9001:2000 (276)
COMEMORAÇÃO
25o aniversário do IEAPM (276)
Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo – Data Magna da Marinha (278)
Aniversário da DPHDM (283)
Congresso comemora 50 anos do Tratado Antártico (284)
Dia da Vitória (285)
Dia Internacional dos Mantenedores da Paz (286)
INAUGURAÇÃO
Inauguração da nova sede da Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (288)
INCORPORAÇÃO
Incorporação do NDCC Almirante Saboia (290)
POSSE
Assunção de cargos por almirantes (293)
NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PROMOÇÃO
Promoção de almirantes (294)
TRANSFERÊNCIA DE NAVIO
Recebimento do AviPa Barracuda (294)

APOIO
CONSTRUÇÃO NAVAL
Acordo Brasil-França (294)
Marinha construirá 3.300 lanchas para estudantes (295)
DOCAGEM
Base Naval do Rio de Janeiro doca submarino (296)
ESTALEIRO
Novos estaleiros para Rio Grande (296)
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
Embraer entrega jato Phenom 100 à Força Aérea do Paquistão (297)

ATIVIDADES MARINHEIRAS
BUSCA E SALVAMENTO
Marinha resgata velejadores a 2.000 km da costa (298)
CARTOGRAFIA
Primeiras imagens da cartografia terrestre da Amazônia são processadas (299)
PREVISÃO METEOROLÓGICA
Programa Nacional de Boias (300)
PRECAUÇÃO DE SEGURANÇA
Prevenindo incêndios no mar (301)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA
TESTE
Marinha testa mina na Bahia (302)

CONGRESSOS
CONFERÊNCIA
Conferência Naval Interamericana (303)
FEIRA
LAAD reúne setor de Defesa (303)
REUNIÃO
Conselho de Cultura se reúne na Ilha Fiscal e ganha novo integrante (306)
SIMPÓSIO
Encontro de tecnologia em acústica submarina (307)
Casnav recebe certificação NBR ISO 9001:2008 e promove simpósio (308)

EDUCAÇÃO
ESPORTE
Resultados esportivos (308)

FORÇAS ARMADAS
OPERAÇÃO
NDD Rio de Janeiro participa de Operação Haiti VII (309)
VEÍCULO AÉREO NÃO-TRIPULADO
Brasil terá seu veículo aéreo não-tripulado (309)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PESSOAL
EFETIVO
Efetivos de Oficiais da Marinha do Brasil (310)
PESSOAL
Marinha e Petrobras assinam termos de cooperação (312)

PODER MARÍTIMO
PORTO
Obra do porto de Santos deve ficar pronta em 2010 (313)
SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO
LRIT começa a operar no Brasil (313)

POLÍTICA
POLÍTICA DA RÚSSIA
Rússia divulga plano para militarização do Ártico (315)

PSICOSSOCIAL
AJUDA HUMANITÁRIA
Capitania dos Portos do Piauí presta apoio às vítimas de enchentes (315)
Delegacia de Santarém entrega donativos às vítimas de enchentes (316)
CULTURA
Casa do Homem do Mar (316)
LANÇAMENTO DE LIVRO
O Conselho de Estado e a política externa do Império (317)
REVISTA
Substituição da diretoria da Revista da Marinha – Portugal (318)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ACORDO
Acordos com a França (318)

VIAGENS
VISITA
Comandante da Marinha em visita à China (319)

272 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ATIVAÇÃO DA POLICLÍNICA NAVAL DE MANAUS

Foi realizada, em 25 de março último, a dico-periciais, além da atuação dos profis-


Cerimônia de Ativação da Policlínica Naval sionais de saúde, embarcados nos navios-
de Manaus (PNMa). A nova Organização patrulha e hospitalares, na assistência às
Militar (OM) foi criada em cumprimento à populações ribeirinhas.
Portaria no 78/MB, de 16 de março de 2009, Em 1993, devido à atuação da Marinha
do Comandante da Marinha. Assumiu o car- na região, houve a necessidade do
go de diretor da PNMa o Capitão de Fragata redimensionamento das instalações físicas
(MD) Antônio Guilherme Costa Ruf. a fim de permitir o tratamento adequado às
O comandante de Operações Navais, demandas que ora se apresentavam, sen-
Almirante de Esquadra Alvaro Luiz Pinto, do então criado o Ambulatório Naval de
expediu a seguinte Ordem do Dia relativa à Manaus, subordinado administrativamen-
ativação: te à Estação Naval do Rio Negro, passan-
“A criação da Policlínica Naval de do a funcionar nas antigas dependências
Manaus é decorrente de 30 anos de ações da Escola Estadual Barão de Tefé. Contava
na área de assistência médica aos usuários com os serviços de diversas especialida-
do Sistema de Saúde da Marinha (SSM) na des médicas, odontológicas e laboratoriais
Amazônia Ocidental. da Junta Regular de Saúde (JRS). Em 1999,
Em 1979, os primeiros atendimentos eram passou a integrar o Comando Naval da
realizados nas dependências da Estação Amazônia Ocidental, prestando serviços
Naval do Rio Negro, ainda como posto de assistência à saúde em nível primário.
médico, onde eram feitas consultas médi- Com a criação do Comando do 9o Distrito
cas, exames laboratoriais e avaliações mé- Naval, recebeu a missão de atender à família

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

naval e prestar maior apoio logístico de saú- Estão ainda disponíveis os serviços de
de às Organizações Militares. Nessa oca- Pronto Atendimento 24 horas, Distribuição
sião, tiveram início as ampliações, com au- de Medicamentos (SeDiMe), Serviço de
mento do número de consultórios médicos, Arquivamento Médico (Same), uma enfer-
nova emergência e dependências da JRS. maria com dois leitos e uma ambulância
Em 2007 foi iniciada a construção da UTI, bem como serviços médico-periciais
nova Odontoclínica, ocupando o andar realizados por uma Junta Regular de Saúde
superior do Ambulatório, cuja inauguração e uma Junta Superior de Saúde.
ocorreu em 29 de agosto de 2008 e inte- Com instalações ampliadas e moderni-
grou todo o atendimento nas suas depen- zadas, o Ambulatório Naval de Manaus,
dências, haja vista que as antigas instala- que também disponibiliza os profissionais
ções funcionavam em prédios separados. da área de saúde para os navios do Co-
Para ampliar os serviços de assistência mando da Flotilha do Amazonas, nas via-
nos anos de 2007, 2008 e no começo de gens de assistência hospitalar, transforma-
2009, foram realizadas várias modificações se hoje em uma nova Organização Militar
nas edificações, bem como o embarque de da Marinha do Brasil, integrando o Siste-
mais profissionais e a aquisição de novos ma de Saúde da Marinha e subordinada
equipamentos. diretamente ao Comando do 9o Distrito
No que tange às instalações físicas, Naval, contribuindo para a ampliação do
houve a reorganização e, mais uma vez, a Poder Naval na Amazônia.
ampliação dos consultórios médicos, as- Nesta data, ao ativarmos a Policlínica
sim como a criação dos consultórios de Naval de Manaus, cuja cerimônia ocorre
oftalmologia e ginecologia e a alteração dos apenas nove dias após a assinatura de seu
espaços físicos dos serviços de fisiotera- documento de criação, temos a certeza de
pia e laboratório. As possibilidades de exa- que ela nasce com maturidade, resultado
mes e diagnósticos passaram a ser maio- do trabalho que se realiza há várias déca-
res, tais como: testes ergométricos e holter, das nesta margem esquerda do Rio Negro.
cardiotocógrafo, cabine audiométrica e Ao diretor e à primeira tripulação dessa
uma sala de fonoterapia. nova Organização Militar, desejo pleno êxi-
A assistência médica hoje dispõe ainda to nessa nobre missão. Que os 30 anos da
de cirurgia geral, ortopedia, otorrinolarin- cruz verde, símbolo da saúde naval, sejam
gologia, pediatria, psiquiatria e radiologis- pilares resistentes e seguros, dando o ali-
ta, além do apoio de farmácia, fonoaudio- cerce necessário para que continuem a agir
logia, nutrição e fisioterapia. A Divisão de com abnegação sempre presente na tarefa
Odontologia possui dez consultórios, inerente aos profissionais de saúde: salvar
escovódromo, laboratório de próteses e vidas.”
sala de esterilização. (Fontes: Bonos nos 192 e 193, de 25/3/2009)

ATIVAÇÃO DA ADIDÂNCIA NA ÍNDIA

Foi ativada, em 15 de abril último, a das, cabendo a titularidade inicialmente à


Adidância de Defesa, Naval, do Exército e Aeronáutica, seguindo-se a Marinha do
Aeronáutica na Índia. A ativação atendeu Brasil e o Exército Brasileiro.
ao critério de rodízio entre as Forças Arma- (Fonte: Bono no 350, de 22/5/2009)

274 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ATIVAÇÃO DO DEPÓSITO DE MATERIAL DE SAÚDE DA


MARINHA NO RJ

A Cerimônia de Mostra de Ativação do nha, se beneficiem da racionalização de re-


Depósito de Material de Saúde da Mari- cursos humanos e materiais advinda da
nha no Rio de Janeiro (DepMSMRJ) foi re- estrutura disponível no Sistema de Abas-
alizada em 18 de março último, em cumpri- tecimento da Marinha (SAbM), e do em-
mento à Portaria no 162, de 29 de abril de prego do Sistema de Informações
2008, do Comandante da Marinha. Gerenciais do Abastecimento (Singra).
Em sua Ordem do Dia, o secretário-geral A implantação das Gerências de Materi-
da Marinha, Almirante-de-Esquadra Mar- al de Saúde no Centro de Controle de In-
cos Martins Torres, assim se manifestou: ventário da Marinha e no Centro de Ob-
“Resultado de estudos determinados tenção da Marinha no Rio de Janeiro; a
pelo comandante da Marinha e conduzi- utilização de novas tecnologias de
dos pela Diretoria-Geral do Pessoal da automação no Depósito ora ativado; e o
Marinha, com a participação deste setor, trabalho conjunto entre os setores do Abas-
foi vislumbrada a possibilidade de tecimento e da Saúde são exemplos de ini-
implementação, no Sistema de Saúde da ciativas que têm por objetivo a excelência
Marinha, de ferramentas destinadas ao na gestão do material de saúde, garantin-
aperfeiçoamento de seus processos, visan- do assim o sucesso desta empreitada.
do: ao fortalecimento da atividade de fis- São reflexos imediatos da criação des-
calização intercorrente; à melhoria do nível te Órgão de Distribuição: a economia de
de serviço; à descentralização das ativida- recursos oriunda da extinção da
des de caráter administrativo; e à agilização terceirização de armazenagem; a adoção
do fornecimento do material classificado de melhores e mais modernas técnicas de
com o Símbolo de Jurisdição ‘Quebec’. estocagem, controle de estoques e distri-
Dentre as medidas empreendidas para buição; além da contribuição para a ele-
alcançar os objetivos traçados, foi criado vação dos níveis de serviço do material
um novo Depósito Primário, integrado ao de saúde, indicando indubitavelmente a
Sistema de Abastecimento da Marinha correção no rumo traçado.
(SAbM), e plenamente alinhado aos requi- A consciência de que inúmeras e diárias
sitos técnicos estabelecidos pela Agência ações ainda se fazem necessárias para que
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os anseios das Organizações Militares
que passou a ser responsável pela execu- Hospitalares possam ser atingidos, na as-
ção, no que concerne aos medicamentos e sistência ao pessoal da Marinha do Brasil,
artigos de saúde, das seguintes atividades maior dos patrimônios navais, renova nos-
gerenciais de abastecimento: contabilida- sas forças e nos impõe novos desafios que
de do material; controle de estoque; arma- nos motivam a continuar a prestar ‘o me-
zenagem e fornecimento. lhor serviço à Marinha’.
O DepMSMRJ permitirá que os itens de Depósito de Material de Saúde da Mari-
suprimento de Símbolo de Jurisdição nha no Rio de Janeiro, bons ventos e ma-
‘Quebec’, à semelhança dos demais mate- res tranquilos.”
riais já administrados por OM subordina- (Fonte: Bono Especial n o 176, de 18/
das à Diretoria de Abastecimento da Mari- 3/2009)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

DELEGACIA DA CAPITANIA DOS PORTOS EM MACAÉ


RECEBE CERTIFICAÇÃO NBR IS0 9001:2000
A Delegacia da Capitania dos Portos em
Macaé (DelMacaé), no Estado do Rio de
Janeiro, foi aprovada ad referendum, em 20
de fevereiro último, para a certificação NBR
IS0 9001:2000, pela Associação Brasileira
de Normas Técnicas (ABNT), nas ativida-
des relacionadas ao Ensino Profissional
Marítimo. A DelMacaé foi a primeira Orga-
nização Militar do Sistema Segurança do
Tráfego Aquaviário (capitanias, delegaci-
as e agências) a obter esta certificação.
Esta conquista permitirá a melhoria con- alização de cursos e atualização e regulari-
tínua de sua gestão, visando ao aumento zação de documentos para aquaviários.
da eficiência dos processos voltados à re- (Fonte: Bono no 203, de 30/3/2009)

25o ANIVERSÁRIO DO IEAPM

O Instituto de Estudos do Mar Almiran- Esse Projeto, instalado efetivamente em


te Paulo Moreira (IEAPM), localizado em Arraial do Cabo em 1974, visava desenvol-
Arraial do Cabo, Rio de Janeiro, completou, ver a fertilização das enseadas fronteiriças a
em 26 de abril último, 25 anos de existência. Arraial do Cabo, para a produção de peixes,
Transcrevemos abaixo a Ordem do Dia mariscos e camarões e, principalmente, fun-
relativa à data, expedida pelo diretor do cionar como uma verdadeira ‘Universidade
IEAPM, Contra-Almirante Marcos Nunes do Mar’, disseminando para jovens estu-
de Miranda. dantes e pesquisadores a importância do
“O Instituto de Estudos do Mar Almi- oceano para a vida e para o futuro.
rante Paulo Moreira completa hoje 25 anos Em 26 de abril de 1984, foi criado o Insti-
de história dedicados a desenvolver proje- tuto Nacional de Estudos do Mar (Inem),
tos científicos, tecnológicos e de inova- que, aproveitando os trabalhos realizados,
ção relacionados com as ciências do mar, os pesquisadores e as instalações do Proje-
com o propósito de contribuir para a ob- to, destinava-se a assegurar e racionalizar
tenção de modelos, métodos, sistemas, os estudos necessários ao conhecimento e
equipamentos, materiais e técnicas que per- à utilização do oceano e das águas interio-
mitam o melhor conhecimento e a eficaz uti- res nacionais. Em março de 1985, em home-
lização do meio ambiente marinho, no inte- nagem ao seu idealizador, o Instituto rece-
resse da Marinha do Brasil. beu sua denominação atual, estando hoje
Nosso Instituto teve origem em 1971, diretamente subordinado à Secretaria de Ci-
no Projeto Cabo Frio, idealizado pelo Almi- ência, Tecnologia e Inovação da Marinha.
rante Paulo de Castro Moreira da Silva, cuja Única instituição de pesquisa da MB
vida foi dedicada profundamente ao estu- direcionada exclusivamente para a busca
do do oceano. do conhecimento e da utilização do ambi-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ente marinho, o IEAPM é fundamental para cas e de correntes de superfície nas esta-
a tão almejada ‘conquista’ da nossa ‘Ama- ções situadas em Arraial do Cabo e Lagu-
zônia Azul’, no sentido de conhecer pro- na (SC), com o emprego do radar náutico;
fundamente, difundir, vigiar, defender e pre- – capacitação humana e desenvolvimen-
servar, explorando-a em sua plenitude, es- to de protótipo de multiperfilador oceano-
tratégica e economicamente, de maneira gráfico descartável, o XBT nacional;
racional e sustentada. Mais do que nunca, – Atlas Digital de oceanografia e
como tão bem profetizou o Almirante Pau- meteorologia para construção naval, que
lo Moreira, temos que ‘nos apropriar des- visa fornecer parâmetros ambientais para
se mar com uma posse real, profunda, apai- auxílio no desenvolvimento de projetos
xonada e definitiva’. para a construção de meios de superfície e
O exercício continuado da pesquisa oce- submarinos;
anográfica básica e aplicada por um Insti- – Projeto Remo – rede temática de mo-
tuto da Marinha com a credibilidade do delagem e observação oceanográfica, lide-
IEAPM é condição necessária para a pro- rado pela Petrobras, que visa implementar
dução de conhecimentos fundamentais ao modelos numéricos de circulação oceâni-
planejamento das Operações Navais e à ca para previsão de condições meteo-oce-
utilização adequada dos modernos siste- anográficas;
mas de armas, constituindo apoio impres- – Projeto Ramb – ruído ambiental sub-
cindível ao emprego do Poder Naval. marino, que visa criar um banco de dados
A decisão do Estado brasileiro de cons- de ruído ambiental contínuo na área de Ar-
truir e operar submarinos de propulsão raial do Cabo;
nuclear torna indispensáveis os conheci- – Projeto Docaar – dados oceanográfi-
mentos produzidos no nosso Instituto. cos coletados com aeronave de asa
Nesse contexto, o IEAPM executa hoje di- rotativa, o XBT lançado por aeronave;
versas atividades, muitas delas de interes- – Projeto Bionatura – desenvolvimento
se dual, em parceria com organizações mili- de tintas anti-incrustantes sem componen-
tares da Marinha do Brasil, órgãos gover- tes agressivos ao meio ambiente;
namentais, empresas públicas e privadas, – estudos de bioincrustação;
universidades e institutos de pesquisas, – gerenciamento de água de lastro;
dentre os quais: – estudos de propagação de energia
– Projeto Sispres – previsão do ambien- acústica, com emprego dual na construção
te acústico para o planejamento das opera- de bancos de dados de ruído ambiental
ções navais; submarino, de dados geológicos e
– Projeto OAEx – exploração acústica geofísicos, e na realização de experimen-
dos oceanos, que visa preencher lacunas tos acústicos;
científicas e tecnológicas de modo a defi- – monitoramento de radionuclídeos na
nir metodologias, tecnologias e procedi- costa brasileira, que visa coletar dados
mentos para implementação do monitora- confiáveis sobre as atuais concentrações de
mento ambiental acústico submarino, com radionuclídeos artificiais na água (Césio 137
a participação de universidades de Portu- e Estrôncio 90), antes do início das ativida-
gal, Bélgica, Canadá e da UFRJ; des com o submarino de propulsão nuclear;
– medição de ondas e correntes de su- – influência do meio ambiente nas mi-
perfície com radar náutico, que visa obter a nas de fundo e de fundeio;
medição de parâmetros de ondas oceâni- – geoacústica submarina;

RMB2 o T/2009 277


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– apoio às universidades na realização e muita dedicação, para o desenvolvimento


de estágios e desenvolvimento de deste Instituto. É momento, também, de re-
monografias de graduação, dissertações de novar o nosso compromisso de seguir com
mestrado e teses de doutorado; e máquinas adiante toda força, pesquisando o
– desenvolvimento da mentalidade ma- mar, rumo ao futuro, de modo que o IEAPM
rítima, por meio do Museu Oceanográfico, seja reconhecido, nacional e internacional-
do Espaço Cultural Amazônia Azul e da Ilha mente, como um Centro de Excelência em
do Cabo Frio. pesquisas relacionadas às ciências do mar,
Tripulação do IEAPM! Na comemoração até o ano de 2012.
do nosso jubileu de prata, é hora de render Parabéns IEAPM!
homenagem àqueles que aqui nos antecede- A união faz a força!”
ram e que contribuíram, com profissionalismo (Fonte: Bono no 276, de 24/4/2009)

ANIVERSÁRIO DA BATALHA NAVAL DO RIACHUELO


DATA MAGNA DA MARINHA

Foi comemorado, em 11 de junho últi- do Exército, General de Exército Enzo Martins


mo, o 144o aniversário da Batalha Naval do Peri; o comandante da Aeronáutica, Tenen-
Riachuelo – Data Magna da Marinha. te-Brigadeiro do Ar Juniti Saito; e o chefe
Cerimônias ocorreram nos Distritos Na- do Estado-Maior da Armada, Almirante de
vais, quando foram entregues as comendas Esquadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho, en-
da Ordem do Mérito Naval aos agraciados tre outras autoridades.
locais. Também houve comemorações no
Congresso Nacional, na Igreja da
Candelária (RJ), onde a Banda Sinfônica
do Corpo de Fuzileiros Navais realizou um
concerto sinfônico, no Estádio de Remo
da Lagoa (RJ), onde ocorreu a IX Regata
Batalha Naval do Riachuelo, e nas organi-
zações da Marinha, no Brasil e no exterior.
Em Brasília, a cerimônia foi realizada no
Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília,
sob a coordenação do Comando do 7o Dis-
Vice-Presidente da República presente na
trito Naval, e houve também a cerimônia de cerimônia da Batalha Naval do Riachuelo
imposição de comendas da Ordem do Méri-
to Naval, na qual seis instituições e 147 pes- Criada pelo Decreto no 24.659, de 11 de
soas foram agraciadas. Estiveram presentes julho de 1934, a comenda da Ordem do
o vice-presidente da República, José Mérito Naval destina-se a premiar os mili-
Alencar; o ministro da Defesa, Nelson Jobim; tares da Marinha que tenham se distingui-
o ministro do Gabinete de Segurança do no exercício de sua profissão e, excep-
Institucional da Presidência da República, cionalmente, corporações militares e insti-
General de Exército Jorge Félix; o coman- tuições civis, nacionais e estrangeiras, suas
dante da Marinha, Almirante de Esquadra bandeiras ou estandartes, assim como per-
Julio Soares de Moura Neto; o comandante sonalidades civis e militares, brasileiras ou

278 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

estrangeiras, que tenham prestado relevan-


tes serviços à Marinha do Brasil.

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA
REPÚBLICA

A Marinha recebeu a seguinte mensagem


do Presidente da República alusiva à data:
“É com muita honra e júbilo que come-
moramos neste 11 de junho, Data Magna
da Marinha, o 144o Aniversário da Batalha Palanque das autoridades
Naval do Riachuelo. E assim homenagea-
mos os destemidos brasileiros que em 1865, A verdade é que a Força Naval brasileira
sob o comando do Almirante Francisco já vem passando por um período de notável
Manoel Barroso da Silva, enfrentaram a evolução, propiciada pelos recentes inves-
ameaça estrangeira e defenderam o País timentos feitos pelo Governo. Dentre eles
com bravura e, em alguns casos, com o destacam-se os esforços para nos manter-
sacrifício da própria vida. mos na vanguarda da tecnologia militar,
Exaltemos, neste dia, o Chefe de Divisão como é o caso da parceria acordada com a
Barroso, o Guarda-Marinha Greenhalgh, o França em dezembro do ano passado.
Imperial Marinheiro Marcílio Dias e os mui- O desenvolvimento e a construção de
tos outros heróis que, anonimamente, con- um submarino com propulsão nuclear, com
tribuíram para a nossa vitória. Que seu lega- contribuição francesa na parte não sensí-
do de coragem, abnegação e patriotismo vel, será uma conquista sem precedentes.
continue a inspirar as atitudes e ações de E os benefícios decorrentes de tal feito in-
todos nós. fluenciarão positivamente a nossa Base
Como já me manifestei em outras ocasi- Industrial de Defesa.
ões, manter as Forças Armadas prontas a Na qualidade de Grão-Mestre da Ordem
exercer seu papel constitucional, garantin- do Mérito Naval, aproveito a oportunidade
do a soberania e os interesses pátrios e para cumprimentar os agraciados com a mais
cooperando para a inserção político-estra- alta comenda da Marinha. Estou certo de que
tégica do país junto à comunidade interna- tal distinção será um motivo de orgulho para
cional, é fundamental para o presente e para todos. Será, especialmente, o reconhecimen-
o futuro do Brasil. to pelo muito que já fizeram e que ainda po-
É nesse contexto que reafirmo o meu derão fazer por essa Instituição que tanto
compromisso de garantir a capacidade honra a todos nós brasileiros. E que durante
operativa de nossas Armas como um fator sua existência, de mais de 270 anos, prestou
indispensável para o desenvolvimento do e tem prestado excelentes serviços ao País.
nosso País. Tal visão faz parte da Estraté- Finalmente, conclamo todos os milita-
gia Nacional de Defesa, que balizará a ob- res e civis, homens e mulheres, da ativa ou
tenção dos meios e equipamentos neces- da reserva, para que continuem somando
sários para atuarmos com ainda mais efici- esforços para o engrandecimento da nos-
ência no Atlântico Sul e nos pontos signi- sa Marinha e do nosso querido Brasil. O
ficativos de nosso território, especialmen- trabalho que vem sendo conduzido contri-
te a Amazônia. buirá para o progresso de nossa socieda-

RMB2 o T/2009 279


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

de. E deixará uma sólida herança para as Paraguai, vias navegáveis fundamentais
gerações vindouras. para a logística do adversário e cujo domí-
Sejam muito felizes!” nio ditaria os rumos da contenda. Ciente
da situação, o comandante em chefe da
ORDEM DO DIA DO COMANDANTE Esquadra, Almirante Joaquim Marques Lis-
DA MARINHA boa, então Visconde de Tamandaré, desta-
cou duas divisões para participarem da re-
A seguir, transcrevemos a Ordem do tomada de Corrientes. Sob o comando do
Dia do comandante da Marinha lida nas Almirante Francisco Manoel Barroso da
cerimônias: Silva, as belonaves fundearam um pouco
“Há exatos 144 anos, uma sequência de abaixo da reconquistada cidade argentina,
atos hostis conduziu o Brasil e os seus vizi- próximo à foz do Riachuelo.
nhos do sul ao emprego das armas para a Ao raiar do dia 11 de junho de 1865, a
solução das divergências geopolíticas da- tranquilidade reinante não indicava aos
quela realidade histórica, envolvendo-os em nossos tripulantes que estava prestes a ter
um conflito que se estenderia por mais de início um dos mais marcantes feitos da nos-
cinco anos: a Guerra da Tríplice Aliança. sa história. O silêncio foi quebrado com o
A eclosão do litígio, em novembro de alarme de ‘inimigo à vista’, ao serem
1864, deu-se de modo inesperado, após a visualizadas, pelos vigias, as primeiras uni-
invasão das províncias de Mato Grosso e dades oponentes.
Rio Grande do Sul, encontrando-nos Conscientes da importância daquela
despreparados para responder à agressão, posição para a manutenção de seu esforço
pois, naquele momento, além da falta de de campanha, os antagonistas lançaram-
mobilização de nosso Poder Militar, o que se em direção à nossa frota, visando rom-
garantiu ao rival alguma vantagem inicial, per a obstrução imposta naquela via de
os navios disponíveis da Força Naval eram abastecimento. Assim, além de dispor de
apropriados para mar aberto, inadequados, oito naus com seis barcaças artilhadas a
portanto, para as características geográfi- reboque, o oponente manteve tropas e ca-
cas do teatro de operações, predominante- nhões ocultos ao longo da margem esquer-
mente fluvial. da do Paraná, no intuito de golpear nossos
À nossa instituição foi dada a missão barcos de forma ainda mais contundente.
de realizar o bloqueio dos Rios Paraná e Após o suspender imediato, Barroso
determinou a disseminação de seu primeiro
sinal: ‘Bater o inimigo o mais próximo que
cada um puder’. Principiava a batalha cujo
desencadeamento iria registrar memoráveis
proezas que enobrecem o nosso passado.
Em seguida, determinou o hasteamento de
sua mais decisiva ordem: ‘O Brasil espera
que cada um cumpra o seu dever’.
Ao encontrar um opositor motivado e
com efetivo numericamente superior, foi
iniciado um combate cruel, causando pe-
Vice-Presidente José Alencar cumprimenta o sadas baixas a ambos os lados. Por volta
Pavilhão Nacional das 12 horas, o quadro tático se apresenta-

280 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

va desanimador para os brasileiros: as vivido no século XIX, perdura a certeza de


canhoneiras Jequitinhonha e Belmonte que qualquer nação que pretenda ser livre,
estavam encalhadas, e a Parnaíba fora soberana e respeitada no contexto mundi-
abordada e dominada. Essa última tornou- al deve dispor de Forças Armadas com
se palco de emblemáticas demonstrações credibilidade, que inspirem confiança e se-
de amor à Pátria e dedicação incondicional jam capazes, não de agredir, mas de se im-
ao serviço, com muitos lutando até a mor- por, como fator de dissuasão, mostrando-
te, destacando-se o Guarda-Marinha se aptas a enfrentar qualquer desafio.
Greenhalgh e o Imperial Marinheiro Corroborando essa certeza, atingimos
Marcílio Dias, que sacrificaram suas vidas grandes conquistas, ampliando o potenci-
defendendo o Pavilhão Nacional. al da Marinha, sempre objetivando fazê-la
Não obstante o porte das nossas em- moderna, equilibrada e balanceada, dispon-
barcações apresentar-se como fator do de meios compatíveis com o crescente
limitador, em virtude das baixas profundi- prestígio do País no cenário internacional;
dades na área de operações, Barroso, he- e que, em sintonia com os anseios da soci-
roicamente, se contrapôs a essa desvanta- edade, esteja permanentemente pronta
gem ao lançar o seu capitânia, a Fragata para atuar em qualquer cenário e local onde
Amazonas, contra três unidades rivais e sua presença se faça necessária.
uma chata, causando-lhes sérias avarias no Vivemos uma conjuntura invulgar. Após
momento crucial em que o combate atingia o Presidente da República ter assinado a
o seu ponto culminante. Vislumbrando re- Estratégia Nacional de Defesa, no final de
ais perspectivas de triunfo, ordenou o iça- 2008, está sendo encaminhado ao ministro
mento de sua derradeira determinação: ‘Sus- da Defesa o nosso Plano de Equipamento
tentar o fogo que a vitória é nossa’. Côns- e Articulação, por meio do qual tenciona-
cio de que a situação revertera e não lhe se obter a plena capacitação, não só para o
era mais favorável, o contendor bateu em cumprimento das tarefas básicas do Poder
retirada. Naval como para o atendimento, com efi-
Sem dúvida, os fatos ocorridos naquela cácia, das atividades subsidiárias afetas à
batalha honram a nossa memória, e os seus Autoridade Marítima, contribuindo para a
ensinamentos e exemplos ainda nos acom- salvaguarda dos recursos de nossa ‘Ama-
panham. Em que pese o quadro geopolítico zônia Azul’.
atual ser completamente distinto daquele Mesmo sentindo os efeitos de uma crise
econômica de proporções globais, foi pos-
sível manter os programas em andamento e
alcançar algumas metas significativas. As-
sim, foram recentemente incorporados à Ar-
mada o Navio Polar Almirante Maximiano,
o Navio de Desembarque de Carros de Com-
bate Almirante Sabóia e o Navio de Assis-
tência Hospitalar Tenente Maximiano; e está
prevista a prontificação de dois navios-pa-
trulha de 500 toneladas classe Macaé, ten-
do sido encerrado o processo licitatório para
mais quatro deles. Finalmente, de importân-
Desfile militar cia indiscutível, foi acordada, em dezembro

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

do ano passado, uma parceria com a França CERIMÔNIA NO CONGRESSO


para a construção, no País, de quatro sub- NACIONAL
marinos convencionais e um com propul-
são nuclear, restringindo-se, neste último O Congresso Nacional comemorou a
caso, à sua parte não-nuclear. Tal empreen- Data Magna da Marinha durante a 10a Ses-
dimento trará significativos reflexos em vá- são Conjunta Solene, realizada no Plenário
rios seguimentos de nossa indústria de de- do Senado Federal, sob o lema “Protegen-
fesa, em face do arrasto tecnológico que será do nossas águas”. A cerimônia contou com
gerado. a participação de parlamentares, oficiais-
Persistem os trabalhos resultantes do generais da Marinha, Exército e Aeronáuti-
Plano de Levantamento da Plataforma Con- ca, adidos navais de Angola, Indonésia,
tinental (Leplac), no sentido de apresentar Irã e Guatemala, e oficiais e praças da Ma-
à Comissão de Limites da ONU novos da- rinha do Brasil.
dos que respaldem a nossa posição quan-
to às áreas pleiteadas além das 200 milhas
náuticas da Zona Econômica Exclusiva, que
sofreram algum tipo de contestação por
parte daquela Organização. O Leplac cres-
ce em relevância ao se constatar a desco-
berta de ricos campos de petróleo na ca-
mada pré-sal, situados próximos aos limi-
tes daquela Zona.
No setor de pessoal, o bem de maior
valor de que dispomos, têm sido efetuadas Data Magna da Marinha é celebrada no
amplas mudanças, ressaltando a ênfase no Congresso Nacional
bem-estar social de todos. A preocupação
com os militares e civis que integram o nos- O deputado federal Odair Cunha presi-
so efetivo e a reserva, além dos seus de- diu a mesa e conduziu os trabalhos de aber-
pendentes, busca a disponibilização de um tura da solenidade. Também compuseram a
material humano motivado e apto a supe- mesa: o senador José Nery, signatário da
rar os óbices que surjam no dia a dia. sessão; o deputado federal Colbert Martins;
Meus comandados! o comandante da Marinha, Almirante de
Ao comemorarmos a nossa Data Mag- Esquadra Julio Soares de Moura Neto; o
na, afianço-lhes que todos os esforços es- chefe do Estado-Maior da Defesa, Almiran-
tão sendo envidados para que possamos te de Esquadra João Afonso Prado Maia de
alcançar a Marinha de que o País necessita Faria; o chefe do Estado-Maior da Armada,
e que a possibilidade de lograrmos êxito Almirante de Esquadra Aurélio Ribeiro da
nessa empreitada será tão mais factível quan- Silva Filho; o comandante da Aeronáutica,
to assim o forem a união, a determinação e a Tenente-Brigadeiro do Ar Juniti Saito; e o
harmonia dos diversos setores, não só da chefe do Estado-Maior do Exército, General
nossa instituição, mas também da socieda- de Exército Darke Nunes de Figueiredo.
de brasileira. Que as mesmas fé, honra e co- No início da sessão, a Banda dos Fuzi-
ragem que nos conduziram à vitória em leiros Navais executou o Hino Nacional
Riachuelo sirvam de incentivo para forjar- Brasileiro. Em seguida, o deputado Colbert
mos uma Nação livre, justa e soberana.” Martins convidou todos os presentes a

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

projetos científicos da Marinha e, princi-


palmente, exaltar os esforços empregados
no resgate dos corpos e destroços do aci-
dente aéreo.
Segundo o deputado Rollemberg, as
Forças Armadas brasileiras, em especial a
Marinha do Brasil, encontram-se em des-
taque no cenário mundial. A deputada
Emília destacou os heroicos feitos da Ma-
rinha pela pátria, afirmando que as pesqui-
sas em tecnologia nuclear precisam ser
Plenário
apoiadas pelo Congresso. Na opinião do
prestar reverência, com um minuto de si- senador Marcelo Crivella, a melhor home-
lêncio, aos passageiros mortos no aciden- nagem que se pode prestar às Forças Ar-
te do Airbus, voo 447, da Air France. madas é votar as leis e aprovar medidas
Treze oradores discursaram, sendo unâ- que destinem mais recursos e colaborem
nimes em destacar as vitoriosas estratégi- com o crescimento das instituições milita-
as de guerra durante a Batalha Naval do res. “Assegurar os recursos financeiros
Riachuelo e, na atualidade, a importância para as Forças Armadas é defender a sobe-
das missões militares humanitárias, dos rania do Brasil”, afirmou o senador.

ANIVERSÁRIO DA DPHDM
A Diretoria do Patrimônio Histórico e deve ser perseguida e acredito que foi
Documentação da Marinha (DPHDM) com- alcançada durante o 65o ano de existência
pletou, em 8 de junho último, seu 66o aniver- da DPHDM.
sário. O diretor da DPHDM, Vice-Almirante Graças à cooperação e competência de
Armando de Senna Bittencourt, expediu a seus excelentes servidores civis e milita-
seguinte Ordem do Dia alusiva à data: res, a DPHDM vem apresentando resulta-
“Em 8 de junho de 1943, a Marinha re- dos notáveis. Durante o ano anterior, des-
solveu fundir a Biblioteca da Marinha, o tacaram-se:
Arquivo da Marinha, o Departamento de – a restauração da galeota de D. João
História Marítima e Naval e a Revista Marí- VI, concluída em novembro;
tima Brasileira e criar o Serviço de Docu- – a realização do Congresso Mundial
mentação da Marinha, que desde julho de de Museus Militares do Comitê Internaci-
2008 se denomina Diretoria do Patrimônio onal dos Museus e das Coleção de Armas
Histórico e Documentação da Marinha e de História Militar (Icomam Rio 2008), no
(DPHDM). Rio de Janeiro, em agosto;
Cabe à DPHDM preservar e divulgar o – a exposição conjunta com o Museu
patrimônio histórico e a memória da Mari- da Marinha de Portugal “O Império que Veio
nha, contribuindo para o desenvolvimen- do Mar”, de agosto de 2008 a março de
to da consciência marítima brasileira. Isso 2009, nas salas de exposições temporárias
precisa ser realizado com qualidade com- do Museu Naval, participando das come-
patível, em criatividade e originalidade, com morações do bicentenário da chegada da
o melhor padrão internacional. Esta meta Família Real Portuguesa, em 1808;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– a realização do seminário comemorati- vo da Marinha, que foram visitados por


vo do bicentenário do Visconde de Inhaúma mais de 200 mil pessoas durante 2008;
no Instituto Histórico e Geográfico Brasi- – e a realização de obras para a recu-
leiro (IHGB), em outubro; peração do patrimônio, como: a reforma
– o evento “Uma Noite no Museu Na- do telhado e calhas do Museu Naval, a
val”, em abril de 2008, em agradecimento a docagem do Navio-Museu Bauru e a con-
todos que têm patrocinado e ajudado as tinuação da grande obra de substituição
atividades do complexo cultural; das fundações do Espaço Cultural da
– a continuação das atividades educa- Marinha.
cionais, que atraíram cerca de 40 mil crian- Para manter o padrão já alcançado e pro-
ças e jovens em visitas programadas por gredir para resultados ainda mais notáveis
turmas escolares; do que esses, é necessário que os servido-
– a continuação do passeio marítimo no res da DPHDM se dediquem com empenho
Rebocador Laurindo Pitta, que realizou e criatividade e aprimorem continuamente
450 viagens no ano de 2008; seus conhecimentos, aproveitando as opor-
– a manutenção dos serviços ofereci- tunidades para progredir.
dos ao público, por meio das exposições Parabéns Diretoria do Patrimônio His-
principais, visita aos navios e helicóptero- tórico e Documentação da Marinha!.”
museu, do acesso à Biblioteca e ao Arqui- (Fonte: Bono no 396, de 8/6/2009)

CONGRESSO COMEMORA 50 ANOS


DO TRATADO ANTÁRTICO

O Congresso Nacional realizou, em 7 de dem contribuir para o conhecimento sobre


maio último, sessão solene para celebrar as mudanças climáticas. No mesmo sentido,
os 50 anos da assinatura do Tratado An- disse o Senador Renato Casagrande (PSB-
tártico. O documento, firmado em 1o de de- ES): “O conhecimento do que ocorre com o
zembro de 1959 por 12 países para explora- clima na Antártica e no planeta exige um novo
ção científica do continente Antártico, foi modelo de desenvolvimento econômico”.
assinado pelo Brasil em 1982.
Os senadores ressaltaram a
importância da missão brasileira
na Antártica para o desenvolvi-
mento científico nacional, com
especial menção para os esforços
dos pesquisadores e da Marinha.
O presidente do Senado, José
Sarney, disse que a missão bra-
sileira comprova o avanço cien-
tífico do País. Os senadores Sér-
gio Zambiasi (PTB-RS) e Serys
Slhessarenko (PT-MT) lembra-
ram que as pesquisas desenvol-
vidas no continente gelado po-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Presidente da Frente Parlamentar Pró- Também mereceram destaque por sena-


Antártica, o Senador Cristóvam Buarque dores e pelo ministro o caráter pacífico, ci-
(PDT-DF) disse que a missão brasileira na entífico e internacional do Tratado Antár-
Antártica é motivo de orgulho para todo tico e a colaboração dos diversos países
brasileiro. Presente à homenagem, o minis- envolvidos.
tro do Meio Ambiente, Carlos Minc, res- Participaram, ainda, da sessão o chefe
saltou o papel das Forças Armadas na de- do Estado-Maior da Armada, Almirante de
fesa do meio ambiente e dos recursos na- Esquadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho; o
turais do Brasil. “Nosso povo conhece General Mauro Mateus de Paula
pouco a Antártica e o trabalho que nossos Madureira, e o ministro do Tribunal Supe-
pesquisadores e a Marinha têm feito e que rior Militar, Flávio Flores da Cunha
é importante para o Brasil e para o mundo”, Bierrenbach. (Fontes: www.mar.mil.br,
declarou o ministro. www.defesanet.com.br e Agência Senado)

DIA DA VITÓRIA
Foi comemorado, em 8 de maio último, o 8 de maio de 2009. Dia da Vitória. Dia de
Dia da Vitória, que marcou o fim da Segun- reverenciar aqueles bravos que tombaram
da Guerra Mundial. Para lembrar a data, o em solo europeu, os pracinhas que já parti-
ministro de Estado da Defesa, Nelson Aze- ram para uma nova vida e esses heróis da
vedo Jobim, emitiu a seguinte Ordem do FEB que ainda nos brindam com a sua pre-
Dia: sença, seus exemplos e suas demonstra-
“8 de maio de 1945. Terminara a Segun- ções inequívocas de patriotismo.
da Guerra Mundial. Nova era começara Precisamos lembrar que a Marinha do
para uma parte significativa da humanida- Brasil, além de patrulhar nossa extensa cos-
de. Mais de 30 milhões de pessoas sofre- ta, singrou o Atlântico com seus navios,
ram as privações e os horrores da guerra. participando da escolta de mais de 250 com-
Hoje celebramos a vitória da paz, da de- boios, entre o Rio de Janeiro e Trinidad. É
mocracia, da liberdade, do progresso, do dia de lembrar que a Força Aérea Brasileira
amor ao próximo, do bom senso e da escreveu páginas heroicas nos céus da Itá-
justiça. A sociedade brasileira foi parceira lia, onde sempre esteve ‘sentando a pua’.
dessas vitórias. Os combatentes da Força O Ministério da Defesa, consciente de
Expedicionária Brasileira – FEB – lutaram suas responsabilidades para com a história
com bravura para escrever as heroicas pá- do Brasil, aliou-se às instituições nacionais
ginas de Monte Castelo, Montese, que lutam pela preservação histórica dos
Fornovo, Castelnuovo, Camaiore e outras feitos de nossos marinheiros, soldados e
mais. aviadores na Segunda Guerra Mundial. Com
Os pracinhas brasileiros superaram a o Decreto no 5.023, de março de 2004, criou a
defasagem tecnológica, o clima adverso e o Medalha da Vitória. Ela representa o reco-
terreno desconhecido e desfavorável com nhecimento à atuação do Brasil em defesa
muita coragem, inteligência e a principal for- da liberdade e da paz mundial.
ça do combatente naquela situação – o va- Anualmente, no Monumento Nacional aos
lor moral –, que posso resumir na vontade Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio
firme, na consciência de que ali representa- de Janeiro, reverenciamos nossos heróis e
vam sua Pátria e que lutavam pela liberdade. agraciamos militares e civis brasileiros e es-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

trangeiros que tenham contribuído para a di- ram o que é voar nas asas de um ideal buscan-
fusão dos feitos da FEB e dos demais comba- do sempre a glória do nosso Brasil.”
tentes brasileiros. São pessoas que entende- (Fonte: Bono Especial no 317, de 7/5/2009)

DIA INTERNACIONAL DOS MANTENEDORES DA PAZ

Foi comemorado, em 29 de maio último, setembro, emitiu a Diretriz Ministerial no


o Dia Internacional dos Mantenedores da 015/2007, regulando as cerimônias alusi-
Paz. A seguir, transcrevemos as Ordens do vas à data nos Comandos da Marinha, do
Dia do ministro de Estado da Defesa, Nel- Exército e da Aeronáutica.
son Azevedo Jobim, e do comandante de Os militares de nossas três Forças Ar-
Operações Navais, Almirante de Esquadra madas têm integrado missões de paz em
Álvaro Luiz Pinto, relativas à data. regiões conturbadas dos cinco continen-
tes. Devemos olhar esse fato como uma
ORDEM DO DIA DO MINISTRO DA clara indicação do grau de responsabilida-
DEFESA de que o País deseja assumir nos assuntos
afetos à paz e à segurança mundial.
“29 de maio de 1948. O Conselho de Se- O valor individual do militar brasileiro, já
gurança da Organização das Nações Uni- demonstrado em operações de guerra, é evi-
das (ONU) autorizou, pela primeira vez, o denciado durante a sua participação nas mis-
estabelecimento de uma Operação de Ma- sões de paz sob a égide da ONU. As citações
nutenção da Paz. e referências elogiosas formuladas pelos al-
A mobilização se deu na Palestina, após tos escalões das organizações às quais nos-
o cessar-fogo da guerra árabe-israelense. sos contingentes estiveram ou estão subor-
Iniciava-se a busca de soluções pacíficas dinados atestam o valor do soldado do Bra-
para os conflitos internacionais. Em 2003, sil, sua competência profissional, serenida-
como parte das comemorações do 55o ani- de, firmeza, imparcialidade, determinação e
versário de criação da ONU, foi assinada a coragem no cumprimento do dever.
Resolução no 57/129, instituindo o dia 29 O Brasil é parceiro desde 1956, quando
de maio como o Dia Internacional dos integrou as tropas enviadas para Suez, no
Peacekeepers. Egito.
É uma forma singela de homenagear, Os brasileiros estiveram em Moçambique,
anualmente, todos os homens e mulheres em Angola, na República Dominicana, no
que serviram e continuam servindo em Timor Leste e, hoje, lideram o efetivo empre-
Operações de Manutenção da Paz. gado na Minustah, no Haiti, que recente-
É o dia de destacar o alto nível de mente visitei e de onde retornei orgulhoso
profissionalismo de seus integrantes, de de tudo que presenciei e ouvi dos brasilei-
agradecer a dedicação e a coragem no cum- ros e das autoridades locais visitadas.
primento das missões e de honrar a memó- Ressalto que da participação de nossas
ria daqueles que perderam suas vidas em Forças Armadas e, também, das nossas
prol da paz. Forças Auxiliares em missões de manuten-
O Ministério da Defesa, em 2007, enten- ção da paz decorrem reais benefícios para
deu a grandeza do evento. Decidiu se as- sua profissionalização, seu adestramento
sociar às comemorações anuais e, em 12 de e reequipamento.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

São estes fatores fundamentais para que O Brasil tem um histórico de sucesso
se mantenha um bom nível de aprestamento, neste tipo de operação. A experiência da
além de permitir um intercâmbio de vivências, Marinha do Brasil em missões começou em
conhecimentos, experiências e o salutar cul- 1965, sob o controle da Organização dos
tivo da camaradagem. Estados Americanos (OEA), quando uma
Encerro minhas palavras e me dirijo di- parcela do setor operativo foi convocada
retamente aos mantenedores da paz de on- para contribuir com a solução de um pro-
tem e de hoje para agradecer pelo sacrifí- blema militar em Santo Domingo, Repúbli-
cio, pela ausência do lar, pelo orgulho com ca Dominicana. Na época, atuou em con-
que representaram e representam o Brasil. junto com tropas do Exército Brasileiro e
Escreveram, escrevem e escreverão pá- do Corpo de Fuzileiros Navais norte-ame-
ginas históricas, algumas heroicas, sem- ricanos, formando a Força Interamericana
pre deixando o verde-amarelo de nossa da Paz, a Faibras. No decorrer dos anos,
Bandeira nas mentes daqueles que tiveram vem participando ativamente, enviando mi-
a honra e o prazer de conviver com o sol- litares para atuarem como observadores in-
dado brasileiro. tegrando os Estados-Maiores das Missões
Parabéns a todos!” de Paz, a serviço do componente militar do
Department of Peacekeeping Operations
ORDEM DO DIA DO COMANDANTE (DPKO).
DE OPERAÇÕES NAVAIS Buscando inspiração em um glorioso
passado, atualmente o País lidera o con-
“A data de 29 de maio foi instituída como tingente da ONU no Haiti. Nossos milita-
sendo o Dia Internacional dos Mantenedores res, superando dificuldades e preocupa-
da Paz das Nações Unidas, simbolizando a ções decorrentes do afastamento dos
retribuição aos militares, homens e mulheres seus lares, enfrentam um ambiente
pela nobre missão de levar esperança a ou- operacional desconhecido, conscientes
tros povos e o culto à memória daqueles que de estarem zelando pelo bem comum. Fa-
perderam suas vidas quando contribuíram zer com que se colabore no processo di-
na intermediação necessária para que se al- plomático e no restabelecimento da or-
cançasse a paz nas mais diversas regiões em dem social, numa demonstração de espí-
conflito. rito de sacrifício, profissionalismo e em-
A Organização das Nações Unidas (ONU) penho daqueles que, com conduta exem-
é uma instituição internacional, fundada após plar, servem aos interesses da Pátria,
a Segunda Guerra Mundial para preservar a onde quer que se faça necessário, tem
segurança dos países, fomentar relações cor- sido a silenciosa missão dos nossos ‘ca-
diais entre as nações, promover progresso pacetes azuis’.
social, criar melhores condições de vida e No momento em que se comemora tão
assegurar os direitos humanos. O emprego relevante data, apresento os meus cumpri-
de tropas aumentou, consequentemente, sua mentos a todos os marinheiros e fuzileiros
participação em número, alcance e complexi- pelo trabalho realizado, que a cada dia rea-
dade. Este século, rico em diferenças políti- firma a credibilidade do nosso Brasil no
co-sociais, tem exigido vigilância permanen- concerto das nações.
te para que não sejam iniciadas guerras e haja Bravo Zulu!”
também a manutenção da paz em regiões con- (Fontes: Bono Especial no 369, de 28/5/
turbadas. 2009 e no 367, de 29/5/2009)

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DA CAPITANIA FLUVIAL DA


AMAZÔNIA OCIDENTAL

Após 56 anos atendendo à comunidade demais vias navegáveis da Amazônia Oci-


marítima e ao público em geral, a Capitania dental. Com exceção da região do Alto
Fluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC) Solimões, cuja jurisdição é de responsabi-
inaugurou oficialmente, em 26 de março lidade da Capitania Fluvial de Tabatinga, a
último, a sua nova sede, na Rua Frei José Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental e
dos Inocentes no 36, no centro histórico de as Organizações Militares diretamente su-
Manaus, mesma região onde se situa o bordinadas são responsáveis pelas ativi-
Comando do 9o Distrito Naval. dades de fiscalização do tráfego aquaviário,
A Capitania passou a atender ao público pelo ensino profissional marítimo e pela
na nova sede desde o dia 10 de março, em prevenção da poluição hídrica, dentre ou-
instalações que oferecem à comunidade tras atribuições.
aquaviária, aos seus representantes e ao pú- Assim, haja vista a quantidade de tare-
blico em geral um ambiente amplo e confortá- fas atribuídas à CFAOC e sua área de juris-
vel, elevando a qualidade do atendimento. dição, abrangendo os estados Amazonas,
O comandante de Acre, Rondônia e
Operações Navais, Roraima, foram cria-
Almirante de Esqua- das a Delegacia Flu-
dra Álvaro Luiz Pin- vial de Porto Velho
to, presidiu a cerimô- (1940) e as Agênci-
nia. O comandante as Fluviais de
do 9o DN, Vice-Almi- Itacoatiara (1919),
rante Pedro Fava, ex- Guajará-Mirim
pediu a seguinte Or- (1950), Boca do Acre
dem do Dia sobre a (1940), Eirunepé
inauguração: (1940), Tefé (1978) e
“A Capitania Flu- Parintins (1979),
vial da Amazônia Ocidental (CFAOC), cria- com as mesmas tarefas, mas sob a supervi-
da em 18 de novembro de 1874, sob o nome são técnica e militar da CFAOC.
de Capitania dos Portos do Estado do Ama- Em 1953, a Capitania Fluvial da Amazô-
zonas, é a Organização Militar subordinada nia Ocidental se instalou na Rua Marquês
ao Comando do 9o Distrito Naval que tem de Santa Cruz, no centro de Manaus, às
como propósito contribuir para a supervi- margens do Rio Negro. Entretanto, pelo de-
são das atividades relativas à Marinha Mer- senvolvimento da região Amazônica, prin-
cante e organizações correlatas no que se cipalmente impulsionado pelo tráfego co-
refere à segurança da navegação e à segu- mercial criado a partir da instalação da Zona
rança nacional. Franca de Manaus, a CFAOC começou a
Para a consecução de sua missão, ao sentir a necessidade de um melhor espaço
longo de sua história a CFAOC necessitou para gerir sua administração. Essa necessi-
ser ampliada. Neste contexto, criaram-se dade se traduzia pela criação de um melhor
Organizações Militares subordinadas à atendimento ao público, de ampliação da
CFAOC, a fim de estender suas ações às área destinada ao Ensino Profissional Marí-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

timo (EPM) e de um melhor gerenciamento oito guichês de atendimento e um novo ar-


de seu arquivo técnico, que possibilitasse o quivo técnico que possibilitará o rápido aces-
rápido acesso aos dados das embarcações. so às informações de embarcações. Foram
Após a instalação do Comando do 9o ativados sistemas informatizados, inclusive
Distrito Naval, na Ilha de São Vicente, e com emprego da internet, voltados para o
havendo a possibilidade de agregação de atendimento ao público, dados das embarca-
terrenos nas proximidades, vislumbrou-se ções e dos aquaviários.
a possibilidade de construção da nova sede As novas instalações da CFAOC tam-
nessa região. Após negociações com a Pre- bém ganharam espaços adequados para os
feitura Municipal de Manaus e com a Ad- Departamentos de Apoio e de Segurança
ministração das Hidrovias da Amazônia do Tráfego Aquaviário, dando aos profis-
Ocidental, foi cedido um terreno para o sionais da área melhores condições de tra-
objetivo desejado. balho. Para a tripulação e para os servido-
Tendo sido iniciada a obra em novem- res civis foram construídos alojamentos
bro de 2007, conclui-se hoje o pleno funci- com melhores condições de habitabilidade
onamento da CFAOC, já instalada em seu e conforto.
novo endereço. Além do novo edi-
Com uma área total fício, a CFAOC tam-
construída de bém adquiriu mobili-
2.140m2, em três an- ário moderno e cons-
dares, seguindo o truiu, próximo ao
estilo arquitetônico heliponto do Coman-
do secular edifício do do 9o Distrito Na-
do Comando do 9o val, no setor Oeste da
Distrito Naval, ela Ilha de São Vicente,
passou a dispor de um atracadouro para
espaço moderno e permitir o rápido aces-
funcional para o so de equipes da Ins-
atendimento de to- peção Naval às em-
das as suas necessidades. barcações ali atracadas.
Esse espaço conta com duas salas de Esta obra que ora se inaugura é resulta-
aula destinadas ao Ensino Profissional Ma- do do esforço coletivo de vários setores
rítimo, dispondo dos mais modernos recur- da Marinha do Brasil, que possibilitaram
sos instrucionais, que interagem na relação recursos para a consecução do projeto e
instrutor/aluno e permitem a facilitação do para a efetivação das instalações.
aprendizado, por meio do ensino Agradecemos ao comandante da Mari-
andragógico. Também foi reestruturada a nha, Almirante de Esquadra Julio Soares
Sala de Ensino à Distância, passando a es- de Moura Neto, pelo apoio nas ações des-
tabelecer um sistema de ensino necessário te Distrito Naval visando à materialização
à grande demanda por cursos de formação de uma nova sede para a Capitania Fluvial
de aquaviários na Amazônia Ocidental. da Amazônia Ocidental. Destacamos tam-
Nesta nova sede, foi criado um setor de bém o esforço empreendido pela Alta Ad-
atendimento ao público, com ampla moderni- ministração Naval na busca pelos recursos
zação das instalações, compostas por ambi- do Programa Calha Norte, principal
ente climatizado por ar condicionado central, financiador deste projeto.

RMB2 o T/2009 289


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Agradecemos ainda o apoio recebido construção, e Dennis Teixeira de Jesus, atu-


por diversas instâncias do poder público e al capitão dos portos, sempre presente na
privado e o esforço empreendido por to- coordenação das obras e no processo de
das as pessoas que fazem destas instala- transferência da sede.
ções uma nova CFAOC. Em especial, agra- Agradecemos também a todas as auto-
decemos à Prefeitura de Manaus, que ce- ridades civis e militares presentes nesta
deu este terreno, por meio da Lei no 905, de cerimônia, testemunhas da evolução das
13 de dezembro de 2005, dando início à obras, que contribuíram para sua realiza-
materialização do nosso sonho de trazer ção e hoje observam a sua inauguração.
para a Ilha de São Vicente a sede da Capita- Por fim, agradecemos ao Almirante de
nia Fluvial da Amazônia Ocidental. Esquadra Álvaro Luiz Pinto, comandante
Agradecemos ao engenheiro civil de Operações Navais, que nos enche de
Evailton Arantes do Nascimento, ex-oficial orgulho com sua presença e nos prestigia
da Marinha do Brasil, pelo desenho do pro- fazendo parte desta história.
jeto destas novas instalações. Agradecemos Esta sede da Capitania Fluvial da Ama-
aos funcionários da Empresa Hebta Enge- zônia Ocidental que ora inauguramos é re-
nharia, que fizeram do projeto uma realidade sultado de um sonho coletivo que clamava
e, em especial, ao engenheiro civil Reinaldo pelo atendimento de instalações adequadas
Haysden, pela orientação de seus funcio- para o melhor exercício das atividades desta
nários e pela pronta atenção com que de- importante Organização Militar, que ajuda a
senvolveu as obras, sempre disposto a acei- garantir a soberania do Estado brasileiro nas
tar opiniões e modificações sugeridas du- vias navegáveis de nossa Amazônia.
rante o período da construção. A todos os militares e civis que presen-
Agradecemos a todos os integrantes da ciam esta inauguração e, principalmente, a
Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental, todos aqueles que contribuíram para a rea-
que acreditaram no projeto, opinaram nos lização deste ato, exorto-os a se orgulha-
desenhos, sugeriram modificações, fiscali- rem. Esta realização é de cada um de vocês.
zaram as obras e realizaram a mudança dos Encham o peito e sintam o pleno prazer da
arquivos das antigas instalações. Esta obra realização permissível apenas àqueles que
é de vocês, a quem cabe tirar o melhor pro- viveram grandes histórias.
veito e preservá-la. Bravo Zulu!”
Agradeço aos Capitães de Mar e Guerra (Fontes: Bono n o 192, de 25/3/
Milton José Couto Prado, ex-capitão dos 2009; Bono Especial no 197, de 26/3/2009; e
portos, que se empenhou para o início da www.mar.mil.br)

INCORPORAÇÃO DO NDCC ALMIRANTE SABOIA

Em cerimônia presidida pelo Subchefe mando do navio foi assumido pelo Capitão
de Organização e Assuntos Marítimos do de Mar e Guerra Oscar Moreira da Silva
Comando de Operações Navais, foi incor- Filho.
porado à Marinha do Brasil, em 21de maio O NDCC Almirante Saboia será empre-
último, na cidade de Falmouth, Reino Uni- gado no transporte de tropa e carga em
do, o Navio de Desembarque de Carros de operações anfíbias, ribeirinhas e de apoio
Combate (NDCC) Almirante Saboia. O co- logístico móvel. Por ocasião dessas opera-

290 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ções, poderá executar transbordos de pes- “Em cumprimento ao disposto na Porta-


soal, movimento navio-terra por superfície ria no 105, de 23 de março de 2009, do Co-
ou helitransportado, abicagens e operações mandante da Marinha, e conforme previs-
aéreas, bem como lançamentos e recolhi- to no artigo 1-3-1 da Ordenança-Geral para
mentos de carros-lagarta anfíbios. o Serviço da Armada, realiza-se, na presen-
As principais características do novo te data, a Mostra de Armamento do Navio
navio são: 137,51 m de comprimento total; de Desembarque de Carros de Combate
123,98 m de comprimento entre perpendicu- Almirante Saboia.
lares; boca moldada de 17,68 m; boca máxi- O ex-Royal Fleet Auxiliary (RFA) Sir
ma de 18,30 m; calado carregado de 4,50 m; Bedivere, um navio logístico e de desem-
deslocamento carregado de 6.748 t; deslo- barque, desde seu lançamento ao mar, em
camento leve de 4.983 t; sistema de propul- 1967, desempenhou suas tarefas em diver-
são com dois motores Wartisila diesel Tipo sas operações navais inglesas, tendo parti-
12 SW 280 (3.600 kW, 900 rpm cada e 12 cipado de seu primeiro combate na Guerra
cilindros) e um bow-thruster Brunvoll Model das Malvinas, em 1982, juntamente com os
Norway; geração de energia por quatro gru- demais navios anfíbios da Royal Navy. No
pos motor-gerador e um diesel gerador de período de 1994 a 1998, sofreu uma moder-
emergência de 400 kW, quatro motores nização para extensão da sua vida útil. Em
Ruston 6RK215 de 974kW e quatro gerado- 18 de fevereiro de 2008, foi descomissionado,
res A. van Kaick 930 kW (440 V, trifásico, 60 passando para a Reserva Naval. A partir de
Hz, 900 rpm); velocidade máxima mantida de novembro deste mesmo ano, após a assina-
17 nós; velocidade econômica de cruzeiro tura do Sales Agreement, entre a Marinha
de 14 nós; raio de ação de 9.200 MN a 15 do Brasil e o Ministério da Defesa do Reino
nós; tripulação de 54 militares; armamento Unido, o navio iniciou um período de
de dois MTR Gamb-O1; e dois conveses de reativação, realizando um extenso programa
voo (convoo) – convoo de ré (operação com de manutenção em seus sistemas e de trei-
aeronaves do porte do Superpuma ou Sea namento da tripulação, visando ao seu re-
King) e convoo a meio-navio (operação com torno à vida operativa no mar.
aeronaves do porte do Chinook CH-47C). Com esta aquisição de oportunidade, a
Abaixo, a Ordem do Dia do chefe do nossa Força passa a contar com o, agora,
Estado-Maior da Armada, Almirante de Es- Navio de Desembarque de Carros de Com-
quadra Aurélio Ribeiro da Silva Filho, refe- bate Almirante Saboia, o G-25, primeiro
rente à incorporação do navio: navio da Marinha do Brasil a ter a honra de
ostentar este nome. Sua incorporação à Ar-
mada dotará a Esquadra brasileira de mais
um meio operativo capaz de contribuir para
a versatilidade, mobilidade e capacidade de
permanência do nosso Poder Naval, devido
às características que permitem seu empre-
go no transporte de tropas e material para
áreas distantes e em operações anfíbias.
O momento que hoje presenciamos re-
veste-se de dupla importância: primeiramen-
te, a oportunidade de dar continuidade ao
Programa de Reaparelhamento da Marinha,

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

processo árduo, complexo e de alta priori- Pessoal da Marinha e exerceu o cargo de


dade para o Almirantado, e, também, a ministro da Marinha, no período de 15 de
chance de prestar justa homenagem a um março de 1985 a 15 de março de 1990.
destacado e ilustre chefe naval: o Almiran- Nesse período, inúmeras foram suas re-
te de Esquadra Henrique Saboia. alizações: na área política, deu continuida-
Nascido em Sobral, estado do Ceará, a de aos projetos de construção do reator de
20 de setembro de 1925, ingressou na Es- pesquisa na Universidade do Estado de São
cola Naval em 1943, sendo declarado guar- Paulo e de enriquecimento de urânio em
da-marinha em 1947. Desde então, mostrou Aramar, conforme a meta da Marinha de
especial entusiasmo pelas matérias ligadas dominar a propulsão nuclear; na área fi-
ao armamento e à balística, tendo concluí- nanceira, incluiu a nossa Força na partici-
do o Curso de Especialização de Armamen- pação dos lucros da exploração do petró-
to para Oficiais em 1o lugar, com distinção, leo na plataforma continental, o que asse-
o que lhe valeu, como prêmio, mais uma gurou uma nova fonte de recursos desti-
viagem de instrução para guardas-marinha, nada à renovação permanente dos meios
no Navio-Escola Duque de Caxias. navais; na área do material, deu prossegui-
Em sua carreira, exerceu diversas funções mento ao programa de construção naval
operativas a bordo de navios e de organiza- no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro,
ções militares de terra, destacando-se os o que viabilizou, em sua gestão, a incorpo-
cargos de comandante dos Contratorpe- ração do Navio-Escola Brasil e da Corveta
deiros Benevente e Pará, durante os quais Inhaúma, o lançamento ao mar da Corveta
realizou vários exercícios com a Esquadra e Jaceguai e o início da construção dos sub-
inúmeras patrulhas ao largo de toda a costa marinos Tamoio, Timbira e Tapajó.
brasileira; capitão dos portos do Espírito Assinou, ainda, contratos com estalei-
Santo e do Rio de Janeiro; imediato do Na- ros privados para a construção das corvetas
vio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais; co- Júlio de Noronha e Frontin, do Navio-Tan-
mandante do Navio-Escola Custódio de que Almirante Gastão Motta e dos Navios-
Mello, contribuindo para a formação de mais Patrulha Graúna e Goiana, dando início a
uma turma de oficiais; e chefe do Estado- uma nova estratégia de fortalecimento da
Maior da Força de Transporte. indústria naval brasileira. Adquiriu, nos Es-
Concluiu, também em 1o lugar, o Curso tados Unidos, os contratorpedeiros Pará,
de Comando e Estado-Maior, tendo sido Paraíba, Paraná e Pernambuco, além dos
indicado para o Curso de Comando Naval navios de desembarque-doca Ceará e Rio
para Oficiais Estrangeiros no Naval War de Janeiro. Aproveitando a oportunidade
College, em Newport, Estados Unidos. daquele momento, também adquiriu e incor-
Atingiu o posto de contra-almirante em porou o Navio de Socorro Submarino
31 de março de 1975, sendo promovido a Felinto Perry, os navios oceanográficos
vice-almirante em 31 de março de 1979 e a Antares e Almirante Álvaro Alberto e os
almirante de esquadra em 25 de novembro rebocadores de alto-mar Tritão, Tridente e
de 1983. Assumiu, sucessivamente, a Dire- Triunfo; encomendou, ainda, mais de 30
toria do Pessoal Militar da Marinha, a Es- helicópteros, dos modelos Esquilo, Super
cola de Guerra Naval, a Diretoria de Portos Puma e Bell Jet Ranger. Sua atuação dinâmi-
e Costas, o Comando do 1o Distrito Naval e ca à frente da pasta da Marinha resultou
o Comando em Chefe da Esquadra. Como num incremento significativo dos meios
almirante de esquadra, foi diretor-geral do operativos de nossa Esquadra.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O Almirante-de-Esquadra Henrique navios, dos marinheiros, da cultura e das


Saboia faleceu em 12 de março de 2005, tradições navais para os destinos do Bra-
deixando um importante legado, graças à sil como país livre e soberano, orgulhoso
dedicação pessoal, visão arrojada, espírito do passado e confiante no futuro.
empreendedor e atividades marcantes ao Congratulo-me, pois, com os tripulantes
longo de sua carreira. deste navio, exortando-os a manterem sem-
Neste momento solene, com orgulho, pre presentes os mais distintos valores e
expresso ao comandante, oficialidade e princípios próprios dos homens do mar, con-
guarnição do NDCC Almirante Saboia victo de que a atual e as futuras tripulações
votos de felicidades em suas futuras do NDCC Almirante Saboia empenhar-se-
singraduras e de pleno êxito em sua nobre ão com afinco em todas as comissões que
e relevante missão. Sejam dedicados, pro- lhe forem atribuídas, para obter um desem-
fissionais e extremamente zelosos com esse penho operativo à altura do insigne mari-
belo patrimônio que lhes é entregue pela nheiro cujo nome está gravado no seu es-
Nação brasileira e, acima de tudo, sigam o pelho de popa, a quem rendemos, como tri-
exemplo de seriedade, denodo, patriotis- buto, todo nosso respeito e admiração.
mo e destemor daqueles que honram e de- NDCC Almirante Saboia, bons ventos
fendem o Pavilhão Nacional que, de agora e mares tranquilos!”
em diante, tremulará em seu mastro princi- (Fontes: https://www.mar.mil.br e Bono
pal. Lembrem-se que o mar, com seu labor no 344, de 19/5/20009, Bono Especial no 348,
diuturno, está sempre a indicar o valor dos de 21/5/2009)

ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES


– Contra-Almirante Sergio Roberto mando da Força de Fuzileiros da Esquadra,
Fernandes dos Santos, diretor de Obras em 15 de abril;
Civis da Marinha, em 26 de março; – Contra-Almirante (FN) Paulo Martino
– Vice-Almirante José Geraldo Zuccaro, subchefe de Comando e Controle
Fernandes Nunes, comandante do 9º Dis- do Estado-Maior de Defesa, em 16 de abril;
trito Naval, em 27 de março; – Vice-Almirante Pedro Fava, diretor de
– Contra-Almirante Bernardo José Sistemas de Armas da Marinha, em 17 de
Pierantoni Gambôa, presidente da Comis- abril;
são Desportiva Militar do Brasil, em 2 de – Contra-Almirante (IM) Helio
abril; Mourinho Garcia Junior, presidente da Cai-
– Contra-Almirante José Luiz Ribeiro xa de Construções de Casas para o Pesso-
Filho, subchefe de Organização do Esta- al da Marinha, em 17 de abril;
do-Maior da Armada, em 7 de abril; – Contra-Almirante (FN) Jorge Mendes
– Contra-Almirante Cesar Sidonio Dahia Bentinho, comandante da Tropa de Refor-
Moreira de Souza, comandante da 1a Divi- ço, em 22 de abril;
são da Esquadra, em 8 de abril; – Vice-Almirante Arnaldo de Mesquita
– Contra-Almirante (Md) Sérgio Perei- Bittencourt Filho, comandante do 8o Distri-
ra, diretor do Centro de Medicina Operativa to Naval, em 24 de abril;
da Marinha, em 15 de abril; – Contra-Almirante (FN) Washington
– Contra-Almirante (FN) Nelio de Gomes da Luz Filho, comandante do Mate-
Almeida, chefe do Estado-Maior do Co- rial de Fuzileiros Navais, em 28 de abril;

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

– Vice-Almirante Terenilton Sousa San- – Vice-Almirante (FN) Carlos Alfredo


tos, diretor de Ensino da Marinha, em 29 Vicente Leitão, comandante da Força de
de abril; Fuzileiros da Esquadra, em 7 de maio; e
– Contra-Almirante (FN) Fernando An- – Contra-Almirante Paulo Mauricio Fa-
tonio de Siqueira Ribeiro, comandante da rias Alves, chefe do Estado-Maior da Es-
Divisão Anfíbia, em 30 de abril; quadra, em 11 de maio.

PROMOÇÃO DE ALMIRANTES

Foram promovidos por decreto presi- Guerra Nélio de Almeida e Paulo Martino
dencial, contando antiguidade a partir de Zuccaro.
31 de março de 2009, os seguintes oficiais. – No Corpo de Intendentes da Marinha:
– No Corpo da Armada: ao posto de ao posto de Vice-Almirante, o Contra-Al-
Contra-Almirante, o Capitão de Mar e Guer- mirante Indalecio Castilho Villa Alvarez; ao
ra José Luiz Ribeiro Filho. posto de Contra-Almirante, o Capitão de
– No Corpo de Fuzileiros Navais: ao Mar e Guerra Helio Mourinho Garcia Junior.
posto de Vice-Almirante, o Contra-Almiran- – No Corpo de Saúde da Marinha: ao
te Carlos Alfredo Vicente Leitão; ao posto posto de Contra-Almirante, o Capitão de
de Contra-Almirante, os Capitães de Mar e Mar e Guerra Sérgio Pereira.

RECEBIMENTO DO AviPa BARRACUDA


Foi realizada em 27 de maio último, no
píer do Marina Park Hotel, Praia de Iracema
– Fortaleza (CE), a cerimônia de recebimen-
to e transferência para o Setor Operativo
do Aviso de Patrulha (AviPa) Barracuda.
Desde então, o navio está subordinado ao
Comando do 3o Distrito Naval (Natal).
A cerimônia foi presidida pelo diretor-
geral do Material da Marinha, Almirante de
Esquadra Marcus Vinicius Oliveira dos
Santos.

ACORDO BRASIL-FRANÇA

A Revista de Marinha, de Portugal, pu- No texto, o oficial defende a adoção de


blicou, em sua edição de abril/maio deste submarinos de maior autonomia pela Mari-
ano, o artigo intitulado “Acordo Brasil-Fran- nha, argumentando que “é possível prever
ça para a construção de submarinos”, de que o Brasil poderá vir a ser o foco da ten-
autoria do Contra-Almirante (RM1) José são mundial quando da exacerbação des-
Eduardo Borges de Souza, da Marinha do ses quatro fatores de crise [energia, água,
Brasil. alimentos e setor ambiental].”

294 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Analisando o potencial brasileiro nes- “Um fator preponderante na escolha da


sas áreas, o autor observa que o caminho França como parceira e do Scorpéne como
para a concretização do projeto e constru- nosso submarino está na forma do casco,
ção de um submarino de propulsão nucle- que se assemelha àquela empregada em
ar seria demasiadamente longo e sugere, meios com propulsão nuclear, e nos siste-
como “solução exequível”, a associação da mas incorporados, se não iguais, pelo me-
construção naval brasileira com países dis- nos semelhantes aos em uso em submari-
postos a transferir a tecnologia de cons- nos nucleares franceses, o que facilitaria
trução de cascos preparados para receber em muito o processo de transição do sub-
reatores nucleares. Nesse sentido, cita os marino convencional para um submarino
entendimentos iniciados com a Rússia e a de propulsão nuclear no que tange ao pro-
França, especialmente esta última. jeto e construção”, diz o contra-almirante.

MARINHA CONSTRUIRÁ 3.300 LANCHAS


PARA ESTUDANTES
O jornal A Gazeta Mercantil noticiou catamarãs poderão ser adaptados como
que o governo federal encomendou 3.300 salas de aula, uma vez que serão equipa-
embarcações para uso no transporte esco- dos com quadro negro e cadeiras fixas.
lar, principalmente na região amazônica e As lanchas serão construídas na Base
no litoral. A compra faz parte do Programa Naval de Val-de-Cães, em Belém, pela Em-
Caminho da Escola, administrado pelo Fun- presa Gerencial de Projetos Navais
do Nacional de Desenvolvimento da Edu- (Emgepron), empresa de capital público que
cação (FNDE), autarquia ligada ao Minis- presta serviço para o Ministério da Defe-
tério da Educação. sa. De acordo com o diretor do FNDE, em
De acordo com José Carlos Wanderley consulta feita a diversos estaleiros em todo
Dias de Freitas, diretor de administração e o País, não houve interessados no projeto.
tecnologia do FNDE, o governo já conta Segundo Freitas, o tipo de embarcação não
com recursos de R$ 100 milhões para in- atraiu empresas nacionais, mais focadas
vestir no projeto neste ano. nas grandes embarcações ou em iates e lan-
Os primeiros barcos serão entregues até chas de grande porte voltados ao luxo.
dezembro. O primeiro modelo de embarca- O programa “Caminho da Escola” foi
ção é uma adaptação das Lanchas de Ação criado em 2007 com o objetivo de renovar a
Rápida (LAR), utilizadas pela Marinha para frota de veículos escolares, garantir segu-
serviços na Amazônia. rança e qualidade ao transporte dos estu-
Com capacidade para 16 alunos, as lanchas dantes e contribuir para a redução da eva-
serão destinadas a populações ribeirinhas ou são escolar, ampliando, por meio do trans-
moradores de ilhas no litoral, que precisam de porte diário, o acesso e a permanência na
transportes curtos e rápidos. O valor final de escola dos estudantes matriculados na
cada embarcação ainda não foi definido. educação básica da zona rural das redes
Além disso, o governo projeta a cons- estaduais e municipais.
trução de 300 barcos catamarãs. Eles teri- O programa também busca a padroniza-
am capacidade para até 35 alunos e tam- ção dos veículos de transporte escolar, a
bém serviriam de escola, em casos de en- redução dos preços dos veículos e o au-
chentes. Com um grande convés, os mento da transparência nessas aquisições.

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

O FNDE, em parceria com o Inmetro, leira. O programa consiste na aquisição,


oferece à prefeituras e aos estados veícu- por meio de pregão eletrônico, de veícu-
lo com especificações exclusivas, própri- los padronizados para o transporte esco-
as para o transporte de estudantes, e ade- lar. (Fonte: Gazeta Mercantil, em
quado às condições da zona rural brasi- www.defesabr.com)

BASE NAVAL DO RIO DE JANEIRO DOCA SUBMARINO


A Base Naval do Rio de Janeiro (BNRJ)
realizou com êxito, em 15 de março último, a
primeira docagem de um submarino da clas-
se Tupi em suas instalações. Com a opera-
ção, a base aumenta sua capacidade de
prestação de serviços industriais.

quadra, proporciona maior flexibilidade e


amplia as possibilidades de reparo dos
meios navais nas instalações industriais
da Marinha.
Para docar o S32, a BNRJ contou com o
O Submarino Timbira (S32), terceiro na- profissionalismo de sua tripulação e com o
vio da classe e segundo construído inte- apoio da Gerência de Submarinos e da Ge-
gralmente no Brasil, docou no Dique Almi- rência de Docagem do Arsenal de Marinha
rante Branco para reparos de rotina. O even- do Rio de Janeiro (AMRJ).
to, de significativa importância para a Es- (Fonte: www.mar.mil.br)

NOVOS ESTALEIROS PARA RIO GRANDE


A cidade de Rio Grande (RS) deverá ga- estaleiro da Wilson, Sons e o Estaleiro Rio
nhar dois novos estaleiros. O secretário Grande 2 (ERG 2). Também estiveram pre-
Adjunto de Infraestrutura e Logística do sentes na reunião o deputado estadual
Estado do Rio Grande do Sul, Adalberto Adilson Troca e o assessor técnico da Se-
Silveira Netto, o superintendente do porto cretaria de Infraestrutura e Logística
do Rio Grande, Janir Branco, e o capitão (Seinfra), Eduardo Krause.
dos portos do Estado do Rio Grande do Na ocasião, a Seinfra entregou à capita-
Sul, Capitão-de-Mar-e-Guerra Carlos nia dos portos do Rio Grande do Sul ofícios
Alberto Moreira Gouvêa, reuniram-se para e plantas das áreas onde serão instalados
tratar das áreas onde serão instalados o os estaleiros. O ofício solicita a manifesta-

296 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ção da Capitania quanto à instalação dos O ERG 2 será um estaleiro de infraes-


estaleiros, tendo em vista que este docu- trutura de suporte à construção de plata-
mento é uma das exigências da Secretaria formas e de embarcações de apoio offshore,
do Patrimônio da União (SPU) para a reali- complementando as necessidades indus-
zação do processo de cessão em condições triais e de cais de atracação do Estaleiro
especiais de parte do terreno pertencente à Rio Grande 1 (ERG 1). Com a construção
União para os estaleiros. Os trâmites buro- das oficinas na nova área, a capacidade
cráticos referentes à parte do terreno per- mensal de processamento de aço de 1,5 mil
tencente ao Estado foram todos sanados. toneladas/mês prevista para serem produ-
O grupo Wilson, Sons quer implantar em zidas no ERG 1 será adicionada em mais 4,5
Rio Grande um estaleiro destinado à cons- mil toneladas de aço, 2 mil peças de tubos
trução de pequenas e médias embarcações e 500 toneladas de acessórios de casco por
de apoio às plataformas marítimas. O proje- mês. Além disso, com a nova área, o esta-
to prevê a construção de um dique, cais e leiro Rio Grande contará com mais um cais
estruturas de apoio. Ao todo, deverão ser de 350 metros, possibilitando a constru-
investidos R$ 132 milhões e gerados 1,2 mil ção de embarcações simultâneas. (Fonte:
empregos, entre diretos e indiretos. Jornal Agora, em www.sindmar.org.br)

EMBRAER ENTREGA JATO PHENOM 100 À FORÇA AÉREA


DO PAQUISTÃO
A Empresa Brasileira de Aeronáutica aeronaves desse modelo, a serem utiliza-
(Embraer) entregou, em 24 de março últi- das para o transporte de autoridades da-
mo, na sede da empresa, em São José dos quele país.
Campos (SP), o primeiro jato Phenom 100 à Esta é a primeira aeronave da Embraer
Força Aérea do Paquistão. O governo entregue para um cliente no Paquistão e
paquistanês adquiriu um total de quatro também o primeiro Phenom 100 a ser ope-
rado por um governo.
A Força Aérea do país
optou pelo modelo
após uma análise deta-
lhada, que levou em
consideração aspectos
como desempenho,
conforto, tecnologia,
preço de aquisição e
custo operacional, en-
tre outros.
O jato Phenom 100
tem capacidade para
até oito ocupantes.
Com alcance de 2.182
km (1.178 milhas náuti-
cas), é capaz de voar de
São Paulo para Monte-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

vidéu (Uruguai) ou de Islamabad (Paquistão) rápido e de maior capacidade de bagagem


para Karachi (Paquistão) ou Katmandu da sua categoria.
(Nepal) sem escalas. O jato foi certificado (Fonte: http://www.defesanet.com.br e
em dezembro de 2008 e confirmou ser o mais http://www.aereo.jor.br)

MARINHA RESGATA VELEJADORES A 2.000 KM DA COSTA


A Marinha do Brasil realizou, em 5 de Brasil, uma vez que o veleiro se encontra-
maio último, o salvamento de dois tripu- va em águas oceânicas cuja responsabili-
lantes do Veleiro Dalkiri, de bandeira da dade pelas atividades de busca e resgate
África do Sul, que estava naufragando em (SAR – Search And Rescue) são do nosso
meio a uma tempestade no Oceano Atlânti- país.
co, a aproximadamente 2.000 km da costa O Centro de Coordenação de Busca e
do Estado do Rio de Janeiro. A tripulação Salvamento do Rio de Janeiro (Salvamar
era formada por um casal, sendo ela cidadã Sueste), que funciona no Comando do 1o
inglesa com 59 anos de idade, e ele sul- Distrito Naval, assumiu a coordenação das
africano, com 63 anos. O casal residia no buscas, realizando contato com diversas
próprio veleiro. estações rádio costeiras e navios mercan-
O Dalkiri é um veleiro de 32 pés (10 m) tes que estavam navegando na área.
e já esteve no Brasil em outras ocasiões, No dia 1o de maio, uma intensa frente
conforme os relatos de suas aventuras ao fria havia atingido o local e os navios que
redor do mundo, contidos na sua página se encontravam na região informaram ha-
na internet (http://www.dalkiri.co.za). Nes- ver ondas de 7 a 8 metros de altura, com
ta viagem, o Dalkiri partiu do porto de São ventos de até 40 nós (72 km/h). Três navi-
Francisco do Sul, Santa Catarina, em 30 de os mercantes foram acionados para auxili-
maio, e dirigia-se para a África do Sul, quan- ar nas buscas imediatas, porém nem todos
do foi apanhado por uma violenta tempes- puderam atender ao pedido, uma vez que o
tade, após ficar alguns
dias parado no mar em
meio a uma calmaria.
O pedido de socorro
do Veleiro Dalkiri, emiti-
do no dia 1o de maio, foi
recebido por outro velei-
ro, chamado Far Away,
que, por sua vez, o
retransmitiu para uma es-
tação radioamadora da
África do Sul. A estação
rádio acionou o Centro de
Coordenação de Busca e
Salvamento de Cape
Town e este pediu apoio
à Marinha do Brasil, por
intermédio do Salvamar Veleiro Dalkiri, que naufragou

298 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

estado do mar não permitia que os navios nhecida por pickup, em que o casal foi res-
navegassem em direção ao local onde o gatado do veleiro para o helicóptero por meio
veleiro se encontrava. de um guincho. O Navio Mercante Artic
Devido à grande distância do local onde Trader permaneceu ao lado do veleiro até a
estava o veleiro (aproximadamente 2.000 km remoção do último tripulante. O Veleiro
da costa do Rio de Janeiro), a Marinha do Dalkiri foi abandonado em processo de afun-
Brasil acionou o navio de serviço da Es- damento.
quadra, a Fragata Bosísio, que suspendeu Devido à distância do local do resgate e
às 2 horas da manhã do dia 2, com um heli- às buscas realizadas, a Marinha do Brasil
cóptero. A Força Aérea também foi aciona- precisou acionar o Navio-Tanque Gastão
da para auxiliar nas buscas ao veleiro. Até Motta, que partiu do Rio de Janeiro para
o dia 3 não havia sido realizado outro con- encontrar a fragata no seu regresso, para
tato com o veleiro. Nesse dia, a Força Aé- reabastecimento de combustível. A Fraga-
rea Brasileira (FAB) enviou um Hércules ta Bosísio chegou ao Rio de Janeiro na noite
(C-130) para auxiliar nas buscas, em coor- do dia 8 para 9 de maio.
denação com um navio mercante. (Fonte: Seção de Comunicação Social
No dia 4, a Marinha do Brasil solicitou o do Comando do 1 o Distrito Naval e
apoio dos navios mercantes Green Harvest www.defesa.gov)
e Artic Trader, que foram ao en-
contro do Dalkiri. No final da
tarde, os navios mercantes con-
seguiram estabelecer comunica-
ções com o veleiro, que ainda
estava com problemas de alaga-
mento e sem possibilidades de
navegar. Na madrugada do dia
5, os navios encontraram-se com
o veleiro, reportando que o mar
estava bem melhor e que os tri-
pulantes passavam bem.
Nesse mesmo dia, a Fragata
Bosísio chegou na área e, ao final
da manhã, realizou o salvamento
dos tripulantes, utilizando o seu
helicóptero, em uma manobra co-
Fragata Bosísio

PRIMEIRAS IMAGENS DA CARTOGRAFIA TERRESTRE DA


AMAZÔNIA SÃO PROCESSADAS
O Sistema de Proteção da Amazônia restal, coletando informações a partir do
(Sipam) divulgou, em 27 de abril último, que solo) da cartografia terrestre da Amazônia
já estão sendo processadas as primeiras Legal, feitas na região conhecida como
imagens aéreas de radar na banda P (com Cabeça do Cachorro, no Amazonas. A in-
capacidade de atravessar a cobertura flo- formação foi divulgada pelo diretor de Pro-

RMB2 o T/2009 299


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dutos do Sipam, Wougran Galvão, durante quilômetros quadrados da Amazônia Legal


sua palestra no Simpósio Brasileiro de que não possuem informações cartográficas
Sensoriamento Remoto, promovido pelo terrestres, náuticas e geológicas (a Amazô-
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais nia possui 5,2 milhões de quilômetros qua-
(Inpe), em Natal (RN). drados). O principal objetivo do Projeto é
Segundo o diretor, são 70 mil quilôme- acabar com os vazios cartográficos e contri-
tros quadrados de área imageada que es- buir para o desenvolvimento e proteção da
tão sendo processadas pelo Exército. A Amazônia. “É uma questão estratégica ao
previsão é atingir 700 mil quilômetros qua- País produzir essas informações, pois a car-
drados de coleta de imagens até o final do tografia terrestre se concentra em áreas de
ano. Ao todo, são 1.100 mil quilômetros fronteiras”, afirmou Wougran. De acordo
quadrados a serem coletados por sistema com ele, as cartografias vão auxiliar no pla-
sensor de radar operando na banda P, res- nejamento e execução dos projetos de
saltou Wougran. infraestrutura, como rodovias, ferrovias,
O Projeto da Cartografia da Amazônia, lan- gasodutos e hidrelétricas, além da demarca-
çado em setembro do ano passado pelo Pre- ção de áreas de assentamentos, áreas de
sidente Luiz Inácio Lula da Silva, já recebeu, mineração, agronegócio, elaboração de
desde o começo até hoje, R$ 74,6 milhões, e, zoneamento ecológico, econômico e
para 2009, estão previstos mais R$ 54,6 mi- ordenamento territorial, segurança territorial,
lhões. O investimento reservado para con- escoamento da produção e desenvolvimen-
cluir a cartografia náutica, geológica e terres- to regional.
tre é de R$ 350 milhões. Wougran também As informações ainda ajudarão no co-
destacou que, até o final do primeiro trimes- nhecimento da Amazônia brasileira e na
tre de 2010, a Marinha terminará a constru- geração de informações estratégicas para
ção de quatro barcos que serão responsá- monitoramento de segurança e defesa na-
veis pela execução da cartografia náutica da cional, em especial nas fronteiras. O traba-
Região. “Os mapas náuticos são da década lho é coordenado pelo Sipam, órgão ligado
de 60 e 70, estão muito desatualizados. Além à Casa Civil da Presidência República, e os
disso, grande parte do escoamento da pro- executores são o Exército, a Marinha, a
dução e do descolamento da população é Aeronáutica e o Ministério de Minas e
realizada pelos rios”, argumentou. Energia, através da CPRM (Serviço Geoló-
Segundo Wougran, o mapeamento per- gico do Brasil).
mitirá ao Brasil conhecer os 1,8 milhão de (Fonte: www.defesanet.com.br)

PROGRAMA NACIONAL DE BOIAS


Dando continuidade às atividades do plataforma) e uma do tipo Watchkeeper (cos-
Programa Nacional de Boias (PNBOIA), no teira). Essas boias visam incrementar a rede
âmbito do Programa de Monitoramento de coleta de dados meteorológicos e ocea-
Oceanográfico e Climatológico (MOC) do nográficos em apoio ao Serviço
Plano Setorial para os Recursos do Mar Meteorológico Marinho brasileiro (SMM),
(PSRM) e do Programa Goos BR, a Direto- aos demais Centros de Previsão e à Comu-
ria de Hidrografia e Navegação (DHN) re- nidade Científica, tendo sido adquiridas
cebeu três boias meteo-oceanográficas de com recursos oriundos da Secretaria da
fundeio, sendo duas delas do tipo 3M (de Comissão Interministerial para os Recur-

300 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

sos do Mar (Secirm) e do Instituto Nacio- do ar e da água do mar, radiação solar e


nal de Meteorologia (Inmet). umidade relativa, contando inclusive com
A montagem e o comissionamento das dispositivos AIS instalados. Os dados
boias ocorreram com a participação de equi- coletados serão disponibilizados à MB, às
pes da DHN, da empresa fabricante das instituições operacionais de previsão do
boias (Axys Technologies – Canadá) e da tempo e à comunidade científica, em tempo
Petrobras. As boias foram batizadas com real, por meio do GTS/WIS (Global
os nomes das estrelas do cinturão da Cons- Telecommunication System).
telação de Órion, as Três Marias. Duas Atividades futuras contemplam a aquisi-
boias 3M foram lançadas pelo Navio ção de mais duas boias meteo-oceanográficas
Hidroceanográfico (NHo) Amorim do Valle de fundeio, do tipo 3M, e uma do tipo
no litoral dos estados de Santa Catarina Watchkeeper, bem como o upgrade da boia
(Alnilan) e do Rio Grande do Sul (Mintaka), Minuano, do tipo 3M, com recursos oriundos
na isobatimétrica de 190m. A terceira boia, da Secirm e do Projeto Remo, financiado pela
Watchkeeper (costeira), denominada Petrobras e que tem entre seus objetivos am-
Alnitaka, será lançada pelo mesmo navio pliar e modernizar a infraestrutura de medições
em sua próxima Comissão. oceanográficas do Centro de Hidrografia da
Essas boias constituem um elemento Marinha, visando aos estudos de modelagem
primordial para o SMM, como contribui- numérica e ao desenvolvimento de modelos
ção à Segurança da Navegação, possibili- de circulação oceânica com capacidade de
tando o monitoramento, em tempo real (via assimilar dados, gerar previsões e prover ob-
satélite), das condições de ventos, ondas, servações oceanográficas.
correntes, pressão atmosférica, temperatura (Fonte: Bono 394, de 8/6/2009)

PREVENINDO INCÊNDIOS NO MAR

Para se salvar vidas e prejuízos ao ma- tante frisar que a prevenção desses inci-
terial e às cargas, é vital se reduzirem os dentes, além de salvar vidas, contribui para
riscos de fogo e de explosões no mar. se reduzir os custos impostos por incêndi-
Consequentemente, o Lloyd’s Register e o os, que já chegam a mais de 20 milhões de
UK P&I Club* produziram em conjunto o dólares por ano, considerados os últimos
Marine Fire Safety Pocket Checklist (lista 20 anos.
de verificação de bolso sobre segurança A maioria dos incêndios em grandes car-
contra fogo marítimo), a fim de contribuir gueiros começa nos porões. Outros acon-
para a redução de incidentes no mar e de tecem em praças de máquinas, tanques,
riscos para os portos. O manual foi lança- áreas habitáveis e compartimentos de bom-
do em Londres, em 26 de maio passado. bas. Alguns incêndios dos mais comuns
Para a composição do manual, as insti- são iniciados por meio de combustão es-
tuições citadas analisaram deficiências de- pontânea de cargas como algodão, tabaco,
tectadas por inspetores em todo o mundo, madeira em raspa e carvão. Estivadores
ao longo de período de três anos. É impor- fumantes são causas proeminentes, além

* Clube de seguros existente há 140 anos na Inglaterra, atuando ininterruptamente. P&I significa
proteção e indenização.

RMB2 o T/2009 301


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

dos serviços de solda, de maquinários nas prevenção de incêndios, para controle de


áreas de acesso a porões e equipamentos avarias e para treinamento da tripulação.
elétricos e de iluminação. As estatísticas O manual está sendo distribuído para
verificadas demonstraram que o erro hu- os proprietários de navios e para as opera-
mano é mais responsável por incêndios do doras. O seu texto pode ser visualizado na
que as falhas em equipamentos. internet, nos endereços www.ukpandi.com
Considerando os dados acima e muitos ou www.lr.org, onde podem também ser
outros levantados, foi composto o manual encomendados. (Fonte: Informação à im-
que aborda também os equipamentos de prensa da UK P&I Club de 26/maio/2009)

MARINHA TESTA MINA NA BAHIA

A Diretoria Geral do Material da Mari- dos também a varredura com os equipa-


nha conduziu, nos dias 13 e 14 de abril últi- mentos de influência acústica e magnética
mo, na Baía de Todos os Santos (Salvador- dos navios-varredores e o recolhimento da
BA), testes com minas, em que foram utili- mina pelo destacamento do GptMeC.
zados meios navais do Comando do 2o Dis- O teste foi considerado um sucesso em
trito Naval (Com2oDN). A Mina de Fundeio função do ganho operacional obtido pela
de Influência (MFI), testada no exercício, é Marinha em operações de minagem e var-
uma mina de fabricação nacional desenvol- redura e permitiu que as diretorias
vida pelo Instituto de Pesquisas da Mari- especializadas extraíssem informações
nha (IPqM). operativas importantes a respeito dos dis-
A atividade contou com a assessoria positivos e sensores da mina MFI.
técnica da Diretoria de Sistemas de Armas
da Marinha, do Centro de Mísseis e Armas O GAAGueM
Submarinas da Marinha, do Grupo de Ava-
liação e Adestramento de Guerra de Minas O GAAGueM, criado em 2006, é uma
(GAAGueM), do Centro de Hidrografia da seção de Estado-Maior do Comando do 2o
Marinha, do IPqM e do Departamento In- Distrito Naval responsável por produzir
dustrial e de Magnetologia da Base Naval informações operacionais de Guerra de
de Aratu. Minas, a fim de contribuir para o desenvol-
Também participaram os Navios-
Varredores Abrolhos e Albardão, o Coman-
do da Força de Minagem e Varredura, a
Lancha Balizadora Aldebaran, o Serviço
de Sinalização Náutica do Leste e um des-
tacamento do Grupamento de Mergulha-
dores de Combate (GptMec).
O teste teve o propósito de avaliar o
desempenho operacional da mina MFI,
compreendendo o mapeamento prévio da
área do exercício, o lançamento e a locali-
zação da mina através do equipamento de
varredura lateral Side Scan. Foram realiza-

302 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

vimento, consolidação, disseminação e atu- O GAAGueM elaborou o procedimento


alização de doutrina, procedimentos táti- de teste da mina e coordenou tecnicamen-
cos e emprego dos equipamentos de Guer- te a condução do exercício.
ra de Minas. (Fonte: http://www.mar.mil.br)

CONFERÊNCIA NAVAL INTERAMERICANA

Foi realizada na Escola de Guerra Naval, problemas marítimos que afetam o Conti-
no Rio de Janeiro, em 20 de abril último, a nente Americano.
transferência da Secretaria-Geral da Confe- A XXIV CNI será realizada na cidade do
rência Naval Interamericana (CNI) da Arma- Rio de Janeiro, em setembro de 2010, sen-
da do Equador para a Marinha do Brasil. do esta a quarta vez que o Brasil sediará
A CNI foi criada em 1959 para proporci- este evento, o que já ocorreu em 1964, 1976
onar um foro para intercâmbios de ideias, e 1996.
conhecimentos e entendimento mútuo dos (Fonte: Bono 263, de 20/4/2009)

LAAD REÚNE SETOR DE DEFESA

Foi realizada no Riocentro, Rio de Ja- empresas dos setores aéreo e de defesa de
neiro, de 14 e 17 de abril, a sétima edição da mais de 30 países, entre eles Estados Uni-
Latin America Aero & Defence (Laad 2009), dos, Alemanha, Bósnia, Israel e Rússia.
a mais importante feira do setor de Defesa Promovida e organizada pela empresa
e Segurança da América Latina. O evento Clarion Events, a feira teve o apoio
foi aberto pelo ministro da Defesa, Nelson institucional e operacional do Ministério
Jobim, e contou com a presença do Presi- da Defesa e das três Forças Armadas do
dente da República, Luiz Inácio Lula da Sil- Brasil, além do apoio da Associação Brasi-
va. A feira expôs armas de guerra e de se- leira das Indústrias de Materiais de Defesa
gurança pública, além de produtos de 330 (Abimde) e da Associação das Indústrias
Aeroespaciais do Bra-
sil (Aiab).
A Laad 2009 atraiu
um público qualificado
estimado em 16 mil visi-
tantes, entre eles dele-
gações oficiais de 50
países, convidadas di-
retamente pelo Minis-
tério da Defesa, milita-
res do Brasil e de ou-
tras nações.
O evento foi palco
de encontro entre os
principais fabricantes
Ministro da Defesa e Comandantes de Força na abertura da Laad 2009 da indústria de defesa

RMB2 o T/2009 303


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

brasileira e mundial e toda a comunidade de no. O novo jato atenderá às necessidades da


Defesa, incluindo oficiais da Marinha, do FAB, em total aderência à nova Estratégia
Exército e da Aeronáutica; oficiais das For- Nacional de Defesa. A participação de ou-
ças Armadas da América Latina e de outros tros países nesse programa será avaliada jun-
continentes, representados por delegados tamente com a FAB, e a entrada em serviço
oficiais; além de autoridades, diplomatas e da aeronave está prevista para 2015.
funcionários do governo brasileiro. Com O jato possuirá ampla cabine, equipada
cerca de 320 expositores de mais de 30 paí- com rampa traseira, para transportar os mais
ses, a Laad 2009 teve uma área recorde, que variados tipos de carga, incluindo veículos
representou um crescimento de 15% sobre blindados, e será dotado dos mais modernos
a última edição, em 2007. sistemas de manuseio e lançamento de car-
A exposição apresentou a produção téc- gas. Poderá ser reabastecido em voo e tam-
nico-científica e a capacitação tecnológica bém utilizado para reabastecimento de ou-
de um setor de alto valor estratégico para tras aeronaves, em voo e em solo. A cabine
as nações. Estiveram presentes os princi- de carga permitirá configuração para missões
pais desenvolvedores de tecnologia de de evacuação médica (Medical Evacuation –
ponta em equipamentos, sistemas, dispo- Medevac). Os avanços técnicos do KC-390
sitivos de proteção, simuladores, aerona- incluem a tecnologia fly-by-wire, que dimi-
ves, veículos e embarcações militares e sis- nui a carga de trabalho dos pilotos,
temas de comunicação. otimizando o cumprimento da missão e au-
Durante a feira, a Empresa Brasileira de mentando a segurança e a capacidade de
Aeronáutica (Embraer) fechou contrato com operar em pistas curtas e semipreparadas.
a Força Aérea Brasileira (FAB) para o progra-
ma da aeronave de transporte militar KC-390. MARINHA DO BRASIL
A FAB estabeleceu os requisitos para essa
aeronave, assim como ocorreu com outros A Marinha do Brasil (MB) participou da
produtos de sucesso fabricados pela Embraer, Laad com uma delegação chefiada pelo co-
como o Bandeirante, o Tucano, as versões mandante da Marinha, Almirante-de-Esqua-
de vigilância aérea e de sensoriamento remo- dra Julio Soares de Moura Neto. Nesta edi-
to do ERJ 145 utilizadas no Sistema de Vigi- ção, as tecnologias de ponta foram o foco
lância da Amazônia (Sivam) e o Super Tuca- principal da exposição da MB, que ocupou
o estande do Ministério da Defesa
(número G59), onde apresentou os
seguintes temas:
– Construção do Submarino de
Propulsão Nuclear como vetor de
poder de dissuasão;
– Levantamento da Plataforma
Continental Brasileira (Leplac), com
o propósito de estabelecer os limi-
tes marítimos exteriores do Brasil;
– Sistema de Monitoramento da
“Amazônia Azul”, que possibilita a
monitoração, nos níveis nacional,
Presidente Lula em visita à Laad 2009 regional e local, das Águas

304 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto e o Diretor-Geral do


Material da Marinha, Almirante de Esquadra Marcus Vinicius Oliveira dos Santos,
no momento da assinatura do contrato com a Embraer

Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e da Plata- Grajaú permaneceram ao largo da praia da


forma Continental (PC), com o propósito de Barra da Tijuca nos dias 13 e 14, nas proxi-
contribuir para a prevenção, detecção e rea- midades dos hotéis onde se hospedaram
ção às ameaças que possam surgir; as delegações oficiais.
– Projeto do Veículo Aéreo Não Tripula-
do (Vant); SEMINÁRIO DE DEFESA
– Equipamento de Medidas de Apoio à
Guerra Eletrônica (Mage) – detecção, iden- Paralelamente à feira, ocorreu o II Semi-
tificação e classificação de sinais eletro- nário de Defesa, abordando estratégias de
magnéticos; e proteção das fronteiras internacionais. O
– Sistema de Previsão do Ambiente Acús- Seminário foi aberto com a palestra “Defe-
tico para o Planejamento das Operações sa e Desenvolvimento”, proferida pelo mi-
Navais (Sispres), que faz as análises neces- nistro da Defesa, e nele foram discutidos
sárias ao cálculo da previsão de alcance temas de relevância para o segmento: Pro-
sonar e da predição do ambiente acústico. jeto e Custeio da Força, Tecnologias de
Houve também uma exposição em área Defesa Aplicadas, Capacidades Opera-
externa, com apresentação de uma aerona- cionais e Finanças de Defesa.
ve da MB, de material e veículos emprega- Em cada um dos quatro dias de sua rea-
dos pelo Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) lização, especialistas e convidados deba-
e de equipagem utilizada por mergulhado- teram a evolução e os desdobramentos
res de combate. Uma fragata classe Niterói desses assuntos, no Brasil e no mundo.
modernizada e um navio-patrulha classe Liderado por experts no mercado de Defe-

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Ministro da Defesa e representantes das instituições militares e civis participantes da Laad 2009

sa, o II Seminário de Defesa contou com a da Fundação Aplicação de Tecnologias Crí-


participação de vários palestrantes inter- ticas (Atech), Tarcísio Takashi Muta; e o
nacionais, entre eles o vice-diretor acadê- professor Claudio Lopes, da Universidade
mico do Centro de Estudos Hemisféricos Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
de Defesa dos Estados Unidos da Améri- Ao mesmo tempo, foi realizado o IV
ca, Richard Downes. Simpósio Internacional de Logística Mili-
Entre os destaques nacionais, estiveram tar, que apresentou oficiais de alta patente
presentes o presidente da Agência Brasilei- do Brasil e do exterior. Nele, a ampliação da
ra de Desenvolvimento Industrial (Abdi), cultura de logística militar foi o principal
Reginaldo Braga Arcuri; o presidente da objetivo e, a exemplo das edições anterio-
Abimde, Carlos Frederico Queiroz de Aguiar; res, foram apresentados importantes estu-
o diretor do Departamento de Defesa da dos de casos. (Fontes: Centro de Comuni-
Federação das Indústrias do Estado de São cação Social da Marinha, Embraer e http://
Paulo (Fiesp), Jairo Cândido; o presidente defesabrasil.com)

CONSELHO DE CULTURA SE REÚNE NA ILHA FISCAL E


GANHA NOVO INTEGRANTE

O Conselho Empresarial de Cultura da posta de tombamento das escolas de sam-


Associação Comercial do Rio de Janeiro ba do Rio de Janeiro, uma iniciativa de
se reuniu na Ilha Fiscal em abril último para Ricardo Cravo Albin, presidente do órgão.
discutir projetos de seus comitês e a pro- Antes da reunião, os conselheiros visita-

306 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

guiou a visitação e co-


mentou as contribui-
ções da Marinha do
Brasil ao desenvolvi-
mento do País.
Em março, o Conse-
lho de Cultura passou
a contar com um novo
integrante: Mozart
Vitor Serra, diretor do
Instituto Light. O pre-
sidente da Associação
Comercial do Rio de
Janeiro, Olavo Mon-
teiro de Carvalho, des-
ram as instalações do Espaço Cultural da tacou o trabalho feito pelo Instituto Light
Marinha, partindo do cais a bordo da Es- e declarou que a atuação de Mozart Serra
cuna Nogueira da Gama. Integrante do engrandecerá os projetos do Conselho de
Conselho, o diretor do Patrimônio Históri- Cultura.
co e Documentação da Marinha, Vice-Al- (Fonte: Revista do Empresário da
mirante Armando de Senna Bittencourt, ACRJ, março/abril 2009)

ENCONTRO DE TECNOLOGIA EM
ACÚSTICA SUBMARINA
Em cumprimento ao calendário de Processamento de Sinais Acústicos Sub-
Simpósios de Ciência & Tecnologia para marinos, os Sistemas Sonar e tecnologias
2009, o Instituto de Pesquisas da Marinha de materiais empregados na área de Acús-
(IPqM) realizará o VIII Encontro de tica Submarina.
Tecnologia em Acústica Submarina (VIII Informações sobre inscrição para parti-
Etas). O evento acontecerá no período de cipações e submissão de trabalhos, entre
25 a 27 de novembro, nas dependências do outras, poderão ser obtidas pelos telefo-
IPqM, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). nes (21) 2126-5749/5785 ou Retelma 8115-
O Etas tem por objetivo propiciar o 5749/5785, ou selecionando o ícone do VIII
intercâmbio entre os integrantes da co- Etas na página do IPqM na internet http://
munidade científica e a Marinha do Bra- www.ipqm.mar.mil.br.
sil, na área de Acústica Submarina e seus Os interessados devem observar as se-
segmentos, dando ênfase aos assuntos guintes datas: 11 de setembro – entrega de
de especial interesse para a Força. Como resumo; 25 de setembro – notificação da
tais, destacam-se a Engenharia de Equi- aceitação do trabalho; 23 de outubro – en-
pamentos Acústicos Submarinos, a Oce- trega do trabalho completo e inscrição para
anografia Acústica, a Propagação Acús- palestrantes; e 20 de novembro – inscrição
tica Submarina, o Posicionamento Acús- para ouvintes.
tico, a Bioacústica, a Geoacústica, o (Fonte: Bono 398, de 9/6/2009)

RMB2 o T/2009 307


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

CASNAV RECEBE CERTIFICAÇÃO NBR ISO 9001:2008


E PROMOVE SIMPÓSIO
O Centro de Análises de Sistemas Na- e Logística da Marinha. O tema do Simpósio
vais (Casnav) recebeu a Certificação NBR será “A Pesquisa Operacional na visão
ISO 9001:2008, pela auditora Lloyd’s Prospectiva da Matriz Energética Brasilei-
Register Quality Assurance, em todos os ra e as Riquezas da Amazônia Azul”.
seus processos de Ciência e Tecnologia O evento tem como propósito reunir re-
(C&T) na norma ISO 9001, já na nova ver- presentantes das Forças Armadas, dos ór-
são 2008, credenciada pela Associação Bra- gãos de governo, do meio acadêmico e do
sileira de Normas Técnicas (ABNT). setor produtivo (bens e serviços), que de-
O Centro tem mantido, desde 2003, a senvolvam ou tenham interesse em ativi-
certificação ISO 9001 em todos os seus pro- dades de Pesquisa Operacional e de
cessos de C&T. Ao longo desse período, Logística.
passou por 12 auditorias de manutenção e Simultaneamente, acontecerão os se-
duas recertificações nos processos de Pes- guintes eventos:
quisa Operacional, Criptologia, Gestão da – I Workshop de Dados de Acompa-
Informação e Desenvolvimento de Sistemas. nhamento e Informação Marítima: Intercâm-
O conhecimento adquirido em sistemas bio e Aplicações em Logística;
de gestão – orientados pelas normas ISO – Mesa-Redonda e Workshop de Aplica-
9001, ISO 9005 e ISO 19011 – permite a esse ções Militares de Pesquisa Operacional; e
Centro prestar assessoria às Organizações – minicursos de Teoria Espectral de
Militares no aperfeiçoamento de seus sis- Grafos, Estatística Aplicada e Decisão
temas de gestão, como já ocorrido com o Multicritério.
Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), Os interessados em participar poderão
no planejamento e produção de cartas ná- se inscrever como autores, com o envio de
uticas; o Centro de Instrução Almirante trabalhos acadêmicos, ou como ouvintes,
Brás de Aguiar (Ciaba), na implantação de assistindo às palestras, aos minicursos e
software para Sistema de Gestão da Quali- às apresentações de trabalhos.
dade; e a Diretoria de Portos e Costas Cadastro, inscrições, submissão de tra-
(DPC), na estruturação de um Sistema de balhos e demais informações poderão ser
Gestão da Qualidade, abrangendo o Ensi- obtidas no sítio www.casnav.mar.mil.br/
no Profissional Marítimo das capitanias. spolm e informações complementares pelo
O Casnav realizará, em 5 e 6 de agosto, telefone (0xx21) 2178-6380 ou Retelma
nas dependências da Escola de Guerra Na- 8226-6380.
val, o XII Simpósio de Pesquisa Operacional (Fonte: Bono 413, de 17/6/2009)

RESULTADOS ESPORTIVOS
IV JOGOS BRASILEIROS DAS POLÍ- de Desportos da Aeronáutica. A Marinha,
CIAS E BOMBEIROS representada por 24 atletas, conquistou um
total de 20 medalhas.
As competições de Judô e Tae-Kwon-Do – Campeões de Judô Masculino: (-81kg)
dos Jogos foram realizadas no período de 8 a MN Vicente (Centro de Educação Física Almi-
11 de abril de 2009, no ginásio da Comissão rante Adalberto Nunes – Cefan); (-90kg) 1oSG

308 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Sabino (Hospital Central da Marinha – HCM); – Campeões de Tae-Kwon-Do Masculi-


e (-100kg) 3oSG Soriano (2o Batalhão de Infan- no: CB-FN Carlos Henrique (2 o
taria de Fuzileiros Navais – 2o BtlInfFuzNav). BtlInfFuzNav); SD-FN Oliveira (Companhia
– Campeãs de Judô Feminino: (-48Kg) de Polícia do Batalhão Naval –
MN Cristiane (Cefan); (-70Kg) MN Laísa CiaPolBtlNav); e MN Ricardo (Cefan).
(Cefan); (-78 Kg) MN Éricka (Cefan); e (+78 – Campeã de Tae-Kwon-Do Feminino:
Kg) MN Linda Marie (Cefan). MN Luane (Cefan).

NDD RIO DE JANEIRO PARTICIPA


DA OPERAÇÃO HAITI VII
O Navio de Desembarque-Doca (NDD)
Rio de Janeiro partiu, em 11 de maio últi-
mo, do Arsenal de Marinha do Rio de Ja-
neiro, para integrar a Operação Haiti VII,
transportando material da Força de Fuzilei-
ros da Esquadra e do Exército Brasileiro
para o Haiti, a fim de apoiar o contingente
brasileiro na força de paz naquele país.
O regresso ao porto do Rio de Janeiro
está previsto para o dia 2 de julho.
A sétima edição da Operação Haiti sela
mais uma participação da Esquadra brasi-
leira na Missão das Nações Unidas no Haiti
(Minustah). SH-3 decola do convoo do
(Fonte: www.defesanet.com.br) NDD Rio de Janeiro

BRASIL TERÁ SEU VEÍCULO AÉREO NÃO TRIPULADO


O Brasil prepara-se para atingir o domí- 2005, o Vant é um projeto desenvolvido pelo
nio tecnológico na área de veículos aéreos Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial
não tripulados (Vant). A empresa Avibrás (CTA), Centro Tecnológico do Exército
recebeu R$ 18 milhões da Financiadora de (CTEx), Instituto de Pesquisas da Marinha
Estudos e Projetos (Finep) para desenvol- (IPqM) e a Avibrás como parceira industrial.
ver um Vant com aplicação civil e militar nas A primeira fase do projeto, que envolveu
áreas de reconhecimento, monitoramento o domínio tecnológico das partes mais sen-
ambiental, inspeção de linhas de transmis- síveis do veículo, foi coordenada pelo CTA.
são de energia elétrica, tubulação de gás, A Finep destinou R$ 9 milhões para essa
tráfego urbano, entre outras. etapa. Foram realizadas quatro campanhas
A parte eletrônica do Vant brasileiro, en- de ensaios dos sistemas e um total de 27
volvendo o seu sistema de navegação e voos, na aeronave Acauã, desenvolvida pelo
controle, foi testada com sucesso em seis CTA na década de 80, com três metros de
voos, realizados em dezembro, em uma pla- envergadura. A aeronave conseguiu fazer o
taforma de pequeno porte, de propriedade acompanhamento do traçado do Rio Mogi-
da Força aérea Brasileira (FAB). Iniciado em Guaçu em voo totalmente autônomo.

RMB2 o T/2009 309


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Para a última campanha de testes em voo lhões para 31 projetos considerados estra-
foram contratadas as empresas Flight tégicos. Dentre esses projetos, foram
Technologies (piloto automático), BCC- selecionadas seis propostas relacionadas
Bossan Computação Científica (software a veículos aéreos não tripulados.
embarcado) e Johansen Engenharia (enge- No Brasil existem mais de dez iniciativas
nharia de sistemas). Todos os voos tive- públicas e privadas na área de Vant. Entre
ram ainda o acompanhamento de um heli- elas está a da Flight Solutions, que desen-
cóptero CH-55 Esquilo, do Grupo Especial volve um Vant de curto alcance, com aplica-
de Ensaios em voo, do CTA. ção em operações de reconhecimento.
Caberá à Avibrás o desenvolvimento de A empresa, que iniciou suas atividades
um Vant operacional, de média altitude e 15 em uma incubadora de tecnologia
horas de autonomia de voo. A fase de aeroespacial, atualmente está instalada no
certificação do Vant, segundo o CTA, tem Parque Tecnológico de São José dos Cam-
uma previsão de absorver mais R$ 80 mi- pos (SP). A empresa AGX Tecnologia, em
lhões, mas os recursos ainda estão sendo parceria com a Universidade de São Carlos
negociados. e a Empresa Brasileira de Pesquisa
O desenvolvimento de veículos aéreos Agropecuária (Embrapa), está desenvolven-
não tripulados no Brasil conta com o apoio do um Vant para aplicações agrícolas, como,
da Finep, por meio do programa de sub- por exemplo, para observação de safras.
venção econômica, que liberou R$ 80 mi- (Fonte: http://www.defesabr.com)

EFETIVOS DE OFICIAIS DA MARINHA DO BRASIL


Foi publicado, no Diário Oficial da União 1. Almirantes de Esquadra: 5;
(DOU) do dia 17 de abril último, o Decreto no 2. Vice-Almirantes: 18;
6.822, de 16 de abril de 2009, que distribui os 3. Contra-Almirantes: 33;
efetivos de oficiais da Marinha em tempo de 4. Capitães de Mar e Guerra: 208;
paz, para o ano de 2009, e fixa os percentuais 5. Capitães de Fragata: 388;
mínimos dos cargos do Corpo de Intendentes 6. Capitães de Corveta: 511;
da Marinha e do Corpo de Saúde da Mari- 7. Capitães-Tenentes: 573;
nha, que deverão ser ocupados exclusiva- 8. Primeiros-Tenentes: 306;
mente por oficiais do sexo masculino. 9. Segundos-Tenentes: 235;
Eis o texto do Decreto: b) Quadro Complementar de Oficiais da
“O Presidente da República, no uso da Armada – QC-CA:
atribuição que lhe confere o art. 84, inciso 1. Capitães-Tenentes: 38;
IV, da Constituição, e tendo em vista o dis- 2. Primeiros-Tenentes: 15;
posto no art. 9o, §§ 1o, inciso II, e 2o, e art. 12 3. Segundos-Tenentes: 22;
da Lei no 9.519, de 26 de novembro de 1997, II – CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS:
Decreta: a) Quadro de Oficiais Fuzileiros Navais
Art. 1o – Ficam distribuídos os efetivos – FN:
de oficiais pelos Postos, Corpos e Qua- 1. Almirante de Esquadra: 1;
dros de Oficiais da Marinha para o ano de 2. Vice-Almirantes: 2;
2009, na forma a seguir: 3. Contra-Almirantes: 6;
I – CORPO DA ARMADA: 4. Capitães de Mar e Guerra: 54;
a) Quadro de Oficiais da Armada – CA: 5. Capitães de Fragata: 120;

310 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

6. Capitães de Corveta: 152; 1. Capitães de Mar e Guerra: 18;


7. Capitães-Tenentes: 160; 2. Capitães de Fragata: 67;
8. Primeiros-Tenentes: 92; 3. Capitães de Corveta: 75;
9. Segundos-Tenentes: 61; 4. Capitães-Tenentes: 85;
b) Quadro Complementar de Oficiais 5. Primeiros-Tenentes: 58;
Fuzileiros Navais – QC-FN: c) Quadro de Apoio à Saúde – S:
1. Capitães-Tenentes: 10; 1. Capitães de Mar e Guerra: 11;
2. Primeiros-Tenentes: 3; 2. Capitães de Fragata: 49;
3. Segundos-Tenentes: 10; 3. Capitães de Corveta: 80;
III – CORPO DE INTENDENTES DA 4. Capitães-Tenentes: 78;
MARINHA: 5. Primeiros-Tenentes: 90;
a) Quadro de Oficiais Intendentes da VI – CORPO AUXILIAR DA MARINHA:
Marinha – IM: a) Quadro Técnico – T:
1. Vice-Almirantes: 1; 1. Capitães de Mar e Guerra: 52;
2. Contra-Almirantes: 5; 2. Capitães de Fragata: 168;
3. Capitães de Mar e Guerra: 51; 3. Capitães de Corveta: 325;
4. Capitães de Fragata: 104; 4. Capitães-Tenentes: 291;
5. Capitães de Corveta: 154; 5. Primeiros-Tenentes: 182;
6. Capitães-Tenentes: 151; b) Quadro de Capelães Navais – CN:
7. Primeiros-Tenentes: 79; 1. Capitães de Mar e Guerra: 1;
8. Segundos-Tenentes: 68; 2. Capitães de Fragata: 5;
b) Quadro Complementar de Oficiais 3. Capitães de Corveta: 6;
Intendentes da Marinha – QC-IM: 4. Capitães-Tenentes: 13;
1. Capitães-Tenentes: 56; 5. Primeiros-Tenentes: 13;
2. Primeiros-Tenentes: 28; c) Quadro Auxiliar da Armada – AA:
3. Segundos-Tenentes: 35; 1. Capitães-Tenentes: 164;
IV – CORPO DE ENGENHEIROS DA 2. Primeiros-Tenentes: 126;
MARINHA – EN: 3. Segundos-Tenentes: 71;
a) Vice-Almirantes: 1; d) Quadro Auxiliar de Fuzileiros Navais
b) Contra-Almirantes: 3; – AFN:
c) Capitães de Mar e Guerra: 36; 1. Capitães-Tenentes: 68;
d) Capitães de Fragata: 103; 2. Primeiros-Tenentes: 48;
e) Capitães de Corveta: 111; 3. Segundos-Tenentes: 24.
f) Capitães-Tenentes: 117; Art. 2o – Ficam fixados os seguintes
g) Primeiros-Tenentes: 93; percentuais mínimos dos cargos do Corpo
V – CORPO DE SAÚDE DA MARINHA: de Intendentes da Marinha - CIM e do Cor-
a) Quadro de Médicos (Md): po de Saúde da Marinha - CSM, que deve-
1. Vice-Almirantes: 1; rão ser ocupados exclusivamente por ofi-
2. Contra-Almirantes: 4; ciais do sexo masculino:
3. Capitães de Mar e Guerra: 42; I – CORPO DE INTENDENTES DA
4. Capitães de Fragata: 79; MARINHA:
5. Capitães de Corveta: 119; a) Quadro de Oficiais Intendentes da
6. Capitães-Tenentes: 144; Marinha: 100%;
7. Primeiros-Tenentes: 198; b) Quadro Complementar de Oficiais
b) Quadro de Cirurgiões-Dentistas – CD: Intendentes da Marinha: 0%;

RMB2 o T/2009 311


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

II – CORPO DE SAÚDE DA MARINHA: do Comandante da Marinha redistribuir,


a) Quadro de Médicos: 29%; por especialidades de interesse da Mari-
b) Quadro de Cirurgiões-Dentistas: 23%; nha, as parcelas dos percentuais fixados
c) Quadro de Apoio à Saúde: 26%. nas alíneas “a” e “c” do inciso II deste
§ 1o Os percentuais mínimos ora fixados artigo.
deverão ser observados por ocasião do Art. 3o Este Decreto entra em vigor na
ingresso de oficiais nos referidos Corpos e data de sua publicação.
Quadros, a fim de garantir a aplicação do Brasília, 16 de abril de 2009; 188o da In-
caput deste artigo. dependência e 121o da República.
§ 2o Na admissão aos Quadros de Mé- Luiz Inácio Lula da Silva
dicos e de Apoio à Saúde, ficará a critério Nelson Jobim”

MARINHA E PETROBRAS ASSINAM


TERMOS DE COOPERAÇÃO

A Marinha do Brasil, representada pelo quadra João Afonso Prado Maia de Faria;
Centro de Instrução Almirante Graça Ara- o diretor de Portos e Costas, Paulo José
nha (Ciaga) e pelo Centro de Instrução Al- Rodrigues de Carvalho; o presidente da
mirante Braz de Aguiar (Ciaba), assinou, Femar, Vice-Almirante Lucio Franco de Sá
em 16 de fevereiro último, em Brasília, dois Fernandes; o comandante do Ciaga, Con-
Termos de Cooperação com a Petrobras. tra-Almirante José Carlos Mathias; o dire-
Os documentos têm como propósito ele- tor-geral da ANP, Haroldo Borges
var o quantitativo das tripulações Rodrigues Lima; e o diretor de Abasteci-
disponibilizadas para a Marinha Mercante mento da Petrobras, Paulo Roberto Costa,
e manter o nível de qualidade na formação entre outras autoridades civis e militares.
dos homens e mulheres que embarcam nos Os Termos de Cooperação preveem o
navios mercantes brasileiros. repasse de cerca de R$ 78 milhões, a serem
Os Termos de Cooperação foram assi- aplicados nos Centros de Instrução para a
nados por intermédio do Centro de Pes- modernização dos seus recursos instru-
quisas da Petróleo Brasileiro S. A. (Cenpes/ cionais, aumento da capacidade de aloja-
Petrobras), com a interveniência da Fun- mento para alunos e ampliação do corpo
dação de Estudos do Mar (Femar) e com o docente da área do Ensino Profissional
aval da Agência Nacional do Petróleo, Gás Marítimo, cabendo à Femar controlar a apli-
Natural e Biocombustíveis (ANP), bem cação desses recursos.
como do Programa de Mobilização da In- Os recursos serão aplicados em 45 pro-
dústria Nacional do Petróleo e Gás Natural jetos ao todo. Estes deverão ser concluí-
(Prominp). dos nos próximos três anos e, além de pro-
Estiveram presentes à assinatura dos piciarem melhores condições de conforto
Termos de Cooperação o comandante da e habitabilidade aos futuros oficiais da Ma-
Marinha, Almirante de Esquadra Julio Soa- rinha Mercante, contribuirão significativa-
res de Moura Neto; o chefe do Estado- mente para a ampliação da capacidade de
Maior da Armada, Almirante de Esquadra formação dos Centros de Instrução, possi-
Aurélio Ribeiro da Silva Filho; o chefe do bilitando o atendimento tempestivo da de-
Estado-Maior da Defesa, Almirante de Es- manda de marítimos que vem ocorrendo no

312 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

transporte marítimo e nas atividades de Formação de Oficiais da Marinha Mercan-


pesquisa e exploração de petróleo e gás. te em relação a 2008 e serão formados 810
Em 2011, prazo estimado para a conclusão, oficiais a cada ano.
ocorrerá um aumento de 91% da capacida- (Fontes: Informativo Marítimo jan./mar.
de de admissão de alunos nas Escolas de 2009 e Portos e Navios mar. 2009)

OBRA DO PORTO DE SANTOS


DEVE FICAR PRONTA EM 2010
Os sete quilômetros do cais público do Toda a reforma faz parte do processo de
porto de Santos deverão estar aptos para dragagem para aprofundamento do porto,
receber navios com 15 metros de calado que ampliará a profundidade do canal para
até o final de 2010. A informação foi dada até 15 metros, permitindo a atracação de
pelo presidente da Companhia Docas do navios maiores e, consequentemente, o
Estado de São Paulo (Codesp), José Cor- aumento da capacidade de movimentação.
reia Serra. Segundo ele, os investimentos Atualmente, duas etapas do processo
necessários, orçados em R$ 300 milhões, já de dragagem estão em andamento: a licita-
estão assegurados. A primeira fase da obra ção das obras propriamente ditas e o
será nos dois quilômetros do cais do Saboó licenciamento ambiental. (Fonte: Jornal do
e custará R$ 15 milhões. Commercio, em www.sindmar.org.br)

LRIT COMEÇA A OPERAR NO BRASIL


Em cumprimento ao contido na Resolu- tém posição, hora e identificação do navio,
ção MSC.202(81) da Organização Marítima é fornecida aos países de bandeira dos na-
Internacional (IMO), entrou em operação vios por meio de um centro de dados. Os
na Marinha do Brasil o sistema denomina- diversos centros de dados dos países for-
do “Long Range Identification and mam um conjunto que pode intercambiar
Tracking of Ships” (LRIT), que provê a as informações LRIT de seus navios.
identificação e o acompanhamento global A implantação deste sistema em nível
dos navios. A informação LRIT, que con- internacional implicará um expressivo aper-
feiçoamento da segurança marítima mun-
dial ao incrementar o controle sobre o trá-
fego marítimo e melhorar o apoio às ações
de busca e salvamento.
O Brasil é um dos sete países, dos 168
estados membros da IMO, que estabelece-
ram e concluíram com sucesso um Centro
de Dados Nacional LRIT (CDNL) durante
o ano de 2008. Desses sete centros, ape-
nas cinco se encontram em produção, sen-
do o CDNL brasileiro um deles e o único da
América do Sul, possibilitando ao Brasil
Centro de Dados Nacional LRIT, localizado no prestar este serviço a outros países, como
Comando do Controle Naval do Tráfego Marítimo já acordado com o Uruguai.

RMB2 o T/2009 313


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esse resultado ex-


pressivo se deve ao
esforço da Marinha do
Brasil, que utilizou os
seus recursos para im-
plantar o sistema. Esti-
veram envolvidos nes-
te projeto o Estado-
Maior da Armada; a
Representação Perma-
nente do Brasil junto à
Organização Marítima
Internacional; o Co-
mando de Operações
Navais; a Diretoria de
Portos e Costas; a Di-
retoria de Comunica- Simulação da operação do Sistema LRIT (CSP – Provedor de Serviço de
ções e Tecnologia da Comunicações, ASP – Provedor de Serviços e CDNL – Centro Nacional
Informação da Mari- de Dados LRIT)
nha; o Centro de Aná-
lises de Sistemas Navais, desenvolvedor a) navios de passageiros, inclusive embar-
do software do centro de dados; o Centro cações de passageiros de alta velocidade;
de Tecnologia da Informação da Marinha, b) navios de carga, incluindo os navios
que hospeda o serviço nas suas instala- de carga de alta velocidade, com 300 AB e
ções; e o Comando do Controle Naval do acima; e
Tráfego Marítimo, responsável por operar c) Unidades Móveis de Perfuração
o sistema. Offshore (Modu).
A Resolução MSC.202(81) adotada no Os demais navios, independentemente
âmbito da IMO aprovou emendas à Con- da data de construção, dotados de AIS (Sis-
venção Solas, acrescentando a Regra19-1 tema de Identificação Automática) e ope-
(Long Range Identification and Trackingof rando exclusivamente na área A1, que sig-
Ships). Outros documentos aprovados, nifica uma área dentro da cobertura
que complementaram o que foi introduzido radiofônica de pelo menos uma estação
no Capítulo V da Convenção Solas, foram costeira de VHF que disponha de um alerta
a Resolução MSC.263(84), que estabelece contínuo DSC, não necessitam cumprir os
o Padrão de Desempenho Revisado e os requisitos LRIT.
Requisitos Operacionais do LRIT; a Circu- Os prazos para cumprimento dos requi-
lar MSC.1/Circ.1295, que provê orientação sitos LRIT foram estabelecidos em função
a certos tipos de embarcações às quais se da área marítima de operação dos navios, de
aplicam os requisitos LRIT; e a Circular acordo com o Capítulo IV da Convenção
MSC.1/Circ.1296, que provê orientação nas Solas. Assim, para os navios construídos
Vistorias e Certificações de Conformidade antes de 31 de dezembro de 2008, o prazo
de navios com os requisitos para a trans- para cumprimento deve ser até a data da
missão das informações LRIT. primeira Vistoria de Instalação Rádio que
O LRIT se aplica a: ocorrer após 31 de dezembro de 2008. Para

314 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

os navios construídos após 1o de julho de do, isto é, estar de acordo com a Regra V/
2009, o prazo será até a Vistoria de Instala- 19-1 da Solas e com a Seção 4 do Padrão de
ção Rádio desses navios. Desempenho Revisado da Resolução
Os navios dotados de LRIT transmiti- MSC.263(84) e ter concluído satisfatoria-
rão, automaticamente, a identificação do mente o Teste de Conformidade previsto
navio (no IMO), nome, posição (latitude e no Apêndice 1 da CircularMSC.1/Circ.1296.
longitude) e a data/hora da posição. Após ter passado na vistoria e nos testes
Os equipamentos instalados a bordo do sistema LRIT, o N/M Frota Argentina
deverão atender ao Padrão de Desempe- foi o primeiro navio brasileiro a ser intro-
nho Revisado estabelecido pela Resolução duzido no CDNL.
MSC.263(84). Devem ser do tipo Aprova- (Fonte: Informativo Marítimo jan/mar 2009)

RÚSSIA DIVULGA PLANO PARA


MILITARIZAÇÃO DO ÁRTICO
A Rússia planeja enviar unidades mili- sobre o tipo de “ameaça” enfrentada pela
tares e agentes de seu serviço de seguran- Rússia no Ártico nem quantos homens
ça civil para o Ártico, região rica em petró- devem ser enviados à região. O documen-
leo, segundo documento oficial publicado to tampouco estabelece prazos para o des-
na internet. A medida foi aprovada pelo locamento dos militares.
presidente Dmitri Medvedev em setembro Procurados pela agência France Presse,
do ano passado, mas somente veio a pú- funcionários do Conselho de Segurança
blico em 29 de março último. De acordo com russo afirmaram que o documento foi mal
o relatório, a Rússia, cuja economia depen- entendido e não se trata da “militarização
de da exportação de petróleo, gás e metais, do Ártico”, mas de uma medida para au-
espera que o Ártico se torne sua principal mentar a segurança das fronteiras do país.
fonte de recursos até 2020. Em nota, o governo explicou que o projeto
“É necessário criar unidades militares apenas detalha uma “estratégia de defesa
russas na zona do Ártico para garantir sua dos interesses nacionais”.
segurança militar”, diz o documento. O tex- Estima-se que sob o Ártico existam reser-
to explica que a presença militar é necessá- vas de 10 bilhões de toneladas de petróleo e
ria para deixar a defesa “à altura das amea- gás, quantidade equivalente a todas as re-
ças e desafios do país no Ártico” e aumen- servas que a Rússia explora hoje. Estudos
tar o controle das rotas marítimas na região. apontam que o aquecimento global permitirá
O relatório também informa que a FSB, em breve a exploração dessas reservas, as-
agência de segurança que substituiu a KGB, sim como abrirá novas rotas de navegação.
ficará encarregada da vigilância do litoral. (Fontes: AFP, Reuters e O Estado de S.
No entanto, o Kremlin não deu indicações Paulo, em http://defesabrasil.com)

CAPITANIA DOS PORTOS DO PIAUÍ PRESTA APOIO


ÀS VÍTIMAS DE ENCHENTES
A Capitania dos Portos do Piauí (CPPI), prestando apoio às vítimas das enchentes
atendendo à solicitação das Prefeituras no estado do Piauí, contribuindo com pes-
Municipais de Parnaíba e Esperantina, vem soal, embarcações e viaturas; realizando a

RMB2 o T/2009 315


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

evacuação de enfermos e de famílias ilhadas;


Esperantina
além de entregar alimentos e medicamentos
aos desabrigados. Só em Esperantina foram
contabilizados cerca de mil desabrigados,
entre famílias urbanas e rurais.
(Fonte: www.mar.mil.br)

DELEGACIA DE SANTARÉM ENTREGA DONATIVOS


ÀS VÍTIMAS DE ENCHENTES

A Delegacia de Santarém, Organização


Militar subordinada à Capitania dos Portos
da Amazônia Oriental, entregou, em 5 de
maio último, donativos às comunidades ri-
beirinhas atingidas pela recente enchente.
Cerca de 9 mil peças de roupas e calça-
dos foram distribuídas às populações de
Arapemã, Fátima de Uricurituba, Igarapé
do Costa, Aritapera e Vila de Aritapera, na
região de Santarém-PA, a bordo da lancha
Ajuri-III. cipação de representantes do Poder
O evento teve ampla cobertura e divul- Legislativo Municipal de Santarém.
gação na mídia local e contou com a parti- (Fonte: www.mar.mil.br)

CASA DO HOMEM DO MAR

Foi inaugurado, em 14 de março último, to e proposta museográfica por setores inde-


no município de Bombinhas, Santa pendentes, cronologicamente ordenados.
Catarina, o Museu Naval Casa do Mar. A Quanto à sua temática, a Casa do Ho-
Casa do Homem do Mar, primeiro de uma mem do Mar é um museu de História Na-
série de museus propostos pelo Instituto
Soto Delatorre, tem aproximadamente 2.220
m2 de área construída. Idealizada com base
nas diretrizes do Conselho Internacional
de Museus (Icom-Unesco), se constitui em
um dos maiores e mais expressivos museus
navais da América do Sul.
O novo museu tem cerca de mil peças ex-
postas em 1.800 m2. Além disso, o espaço
conta com: auditório/sala de projeção, bibli-
oteca especializada, acervo totalmente clas-
sificado e informatizado, amplo estacionamen-

316 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

apreciar nesta seção a Nave Grega, a Nave


Egípcia, a Birreme Fenícia, a Galera Romana,
o Sambuco Árabe, o famoso barco de Yassi
Ada, o Junco Chinês e um diorama de uma
embarcação viking. Há ainda a La Belle, fan-
tástica réplica de uma nau do século XVII
que pertenceu a Robert de La Salle, explora-
dor francês que tinha a missão de iniciar
uma colônia francesa na boca do Rio
Mississipi. Todos os modelos ex-
val, e busca resgatar, desde os postos na Casa do Homem do Mar
primórdios da humanidade até foram feitos pelo modelista Luiz
nossos dias, a relação do homem Lauro Pereira Júnior.
com os oceanos em seus mais va- A Casa do Homem do Mar
riados aspectos. Sob esse ponto possui também uma coleção de
de vista, a exposição foi segmen- quase 30 canoas monóxilas (ca-
tada em áreas temática e crono- noa de um pau), que são
logicamente distintas, que trans- construídas geralmente com ma-
mitem ao visitante amplo conhe- deira guapuruvu ou figueira. Em
cimento relacionado ao acervo Santa Catarina a canoa também é
exposto. chamada de “barco”.
O Instituto Cultural Soto Delatorre,
idealizador do museu, foi fundado em ju-
lho de 2005, com o intuito de criar espaços
culturais cujos principais objetivos são
promover a educação e a ciência e fomen-
tar a preservacão do patrimônio natural,
histórico e cultural.
Destaca-se no museu a coleção de
modelismo naval que conta a história da
navegação ancestral. O visitante poderá

O CONSELHO DE ESTADO E A
POLÍTICA EXTERNA DO IMPÉRIO

Recebemos a publicação O Conselho Estado arquivados no MRE, perfazendo 42


de Estado e a política externa do Império consultas.
– Consultas da Seção dos Negócios Es- Os documentos são tratados como tex-
trangeiros (1871-1874), do Centro de His- tos de referência, encadernados, juntamen-
tória e Documentação Diplomática (CHDD) te com resenhas, opiniões e pareceres de
da Fundação Alexandre de Gusmão, do funcionários da secretaria, notadamente os
Ministério das Relações Exteriores (MRE). do Visconde do Rio Branco, no período em
A obra reúne a transcrição dos pareceres que foi consultor do Ministério dos Negó-
da seção dos Negócios do Conselho de cios Estrangeiros.

RMB2 o T/2009 317


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Além das questões essen- guerra devidas pelo Paraguai


cialmente jurídicas, que predo- ao Brasil; as questões de limi-
minam na pauta das sessões, tes entre a Argentina e o
mereceram destaque temas Paraguai; os limites entre o
como: as instruções ao árbitro Brasil e a Argentina; o arma-
brasileiro entre os Estados Uni- mento da Ilha de Martim
dos e a Grã-Bretanha; as recla- Garcia; e o tratamento a ser
mações anglo-brasileiras, dado aos navios sob o con-
sequelas do Bill Aberdeen; as trole de revolucionários argen-
indenizações dos gastos de tinos, entre outros assuntos.

SUBSTITUIÇÃO DA DIRETORIA DA
REVISTA DE MARINHA – PORTUGAL

Despediu-se, em 30 de janeiro último, Compareceram ao evento vários colabora-


da direção da Revista de Marinha, de Por- dores editoriais atuais e antigos da Revista de
tugal, após nela trabalhar por 33 anos, o Marinha, bem como a equipe de gestão que
Comandante Gabriel Lobo Fialho. apoiava o Comandante Lobo Fialho e os mem-
O novo sócio-ge- bros da equipe atual.
rente da Editora Náuti- A Direção da RMB
ca Nacional (ENN), que teve o prazer de receber
edita a publicação, e o Comandante Gabriel
diretor da Revista de Lobo Fialho por ocasião
Marinha, Vice-Almi- das comemorações dos
rante Alexandre da 150 anos de fundação da
Fonseca, enalteceu, nossa revista, em 2001.
por ocasião do evento Durante as apresenta-
de despedida, a atua- ções de cada diretor das
ção do Comandante revistas que aqui compa-
Lobo Fialho, que, por receram, seguidas de de-
vezes com dificuldades bates, a participação do
e sem apoios, conse- Comandante Fialho sem-
guiu manter a publicação ininterrupta da pre foi muito útil e eficaz, demonstrando ele-
Revista, tornando-a uma referência quan- vado tirocínio e senso prático.
to à abordagem de matérias ligadas às ati- A Revista de Marinha é publicada
vidades marítimas. bimestralmente.

ACORDOS COM A FRANÇA


O ano da França no Brasil terá 400 even- nho para fazer a ligação São Paulo-Rio,
tos culturais e 40 de negócios, envolven- um empreendimento de € 10,3 bilhões.
do cerca de 600 empresas interessadas em Nada, porém, terá o brilho político e eco-
acordos comerciais de grande porte, como nômico dos resultados dos acordos bila-
o fornecimento do trem de alto desempe- terais fechados desde dezembro do ano

318 RMB2 oT/2009


NOTICIÁRIO MARÍTIMO

passado, com a discrição possível, no se- “A transferência de tecnologia está garan-


tor de Defesa. tida de forma contratual”, segundo o co-
Entre submarinos convencionais, mandante da Marinha, Almirante de Esqua-
tecnologia de casco para navios do mes- dra Julio Soares de Moura Neto.
mo tipo (porém de propulsão nuclear), mo- A escolha do Scorpène está vinculada
dernização de mísseis, fornecimento de he- à meta do submarino estratégico. O navio
licópteros pesados, mais as construções adota conceitos da classe Rubis, nuclear,
de um estaleiro e de uma sofisticada base de 2.400 toneladas. O desenho do casco
naval, a soma chega a 9,8 bilhões de euros. incorpora peculiaridades hidrodinâmicas
Na área do Comando da Marinha, está o adequadas às exigências em regime de alta
programa mais ambicioso. De acordo com velocidade (20 nós, 37 km/hora) e mano-
o ministro da Defesa, Nelson Jobim, serão bras críticas.
comprados quatro submarinos convencio- A cooperação com a França vai resultar
nais diesel-elétricos da classe Scorpène do na construção de uma nova base – a pre-
estaleiro DCNS, de Cherbourg, e também tensão é de que a frota seja composta por
será adquirido o conhecimento avançado três unidades até 2035 – de submarinos
para a execução do casco de navios do nucleares. O centro naval será instalado
mesmo tipo, porém dotados de propulsão no litoral sul do Rio, próximo do novo esta-
nuclear. A Marinha domina o ciclo do com- leiro. Ali, no bolsão de águas calmas e pro-
bustível atômico e a engenharia de reato- fundas, onde a topografia é favorável, os
res. O pacote prevê ainda a construção de navios de 6.700 toneladas serão prepara-
um estaleiro especializado e da base de dos para cumprir missões permanentes em
operações da nova força. O valor total é alto-mar. O parceiro local do estaleiro DCNS
superior a 7 bilhões de euros. O lote pode- é o grupo Odebrecht.
rá ser todo produzido no País, embora es- Uma joint venture reunirá a empresa
teja em discussão, como forma de reduzir nacional, com 50%; o estaleiro francês, que
os prazos de entrega, a fabricação da pri- terá 49%; e a Marinha do Brasil, com 1%.
meira unidade em Cherbourg, com a parti- (Fontes: www.defesanet.com e O Esta-
cipação de engenheiros navais brasileiros. do de S. Paulo)

COMANDANTE DA MARINHA EM VISITA À CHINA

O comandante da Marinha, Almirante


de Esquadra Julio Soares de Moura Neto,
visitou a República Popular da China no
período de 18 a 27 de abril, quando partici-
pou de atividades protocolares, represen-
tando o Brasil e a Marinha do Brasil em
diversos eventos.
No dia 20 de abril, o Almirante Moura
Neto encontrou-se com o Almirante Wu
Shengli, comandante da Marinha do Exér-
cito Popular de Libertação da China AE Moura Neto e Alte. Wu Shengli,
(MEPL), quando foram ressaltadas as im- Comandante da MEPL

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NOTICIÁRIO MARÍTIMO

sileiro, Capitão de Mar e Guerra Luiz Carlos


Brasil Maldonado, almoçaram com o co-
mandante da Marinha da Coreia do Sul,
Almirante Jung, a bordo do navio coreano
KDX-II. Na tarde do mesmo dia, foi realiza-
da uma visita à Academia de Submarinos,
em Qingdao.
No dia 23, o comandante da Marinha do
Brasil foi convidado a representar todas as
Marinhas participantes e fazer, em nome
Presidente da China cumprimenta o de todos, um discurso em agradecimento
Comandante da Marinha do Brasil ao presidente da China, Hu Jintao. À tarde,
foi realizado o Desfile Naval, com o NDCC
portantes cooperações entre as Marinhas Garcia D´Avila e meios navais de 29 paí-
dos dois países, buscando aumentar ainda ses. Além do Desfile Naval, o navio brasi-
mais o número de intercâmbios, seja em leiro participou de competições esportivas
cursos ou estágios. Na noite desse mesmo com representantes de outras Marinhas du-
dia, foi realizada a Cerimônia de Abertura rante sua estadia na China.
da China Fleet Review 2009, evento come- No dia 27, foram visitadas a Adidância
morativo aos 60 anos de criação da MEPL. Naval na China e a Embaixada Brasileira,
Após a cerimônia de abertura, o coman- localizadas em Beijing, onde aconteceu
dante da Marinha recebeu aproximadamen- uma visita de cortesia ao embaixador do
te 120 convidados a bordo do Navio de Brasil, Clodoaldo Hugueney Filho.
Desembarque de Carros de Combate Garcia (Fonte: www.mar.mil.br)
D´Avila (G-29), navio da Marinha do Brasil
que representou o País no Desfile Naval,
realizado em 23 de abril.
No dia 21, participou do Fórum entre
Marinhas, cujo tema foi “Harmonia no
Mar” e no qual foi o terceiro a discursar.
No dia 22, visitou navios chineses, como
uma fragata, um submarino convencional
e um novo navio-hospital. Nesse dia, o
Almirante Moura Neto e o adido naval bra- NDCC Garcia D’Avila durante a Parada Naval

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