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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA

KARINA MAGALHÃES RATKIEVICIUS


RAFAEL SOARES CAVALCANTE

A INTERSECÇÃO ENTRE O FICCIONAL E O REAL A PARTIR DO EPISÓDIO


NOSEDIVE, DA SÉRIE BLACK MIRROR

FORTALEZA
2018
"Nosso tempo, sem dúvida... prefere a
imagem à coisa, a cópia ao original, a
representação à realidade, a aparência ao
ser... O que é sagrado para ele, não passa
de ilusão, pois a verdade está no profano.
Ou seja, à medida que decresce a verdade
a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a
seus olhos de forma que o cúmulo da
ilusão é também o cúmulo do sagrado."
(FEUERBACH, 1988).
A INTERSECÇÃO ENTRE O FICCIONAL E O REAL A PARTIR DO EPISÓDIO
NOSEDIVE, DA SÉRIE BLACK MIRROR

Karina Magalhães Ratkievicius


Rafael Soares Cavalcante

RESUMO

Fazer parte de uma sociedade imagética, espetacularizada e ilusória para ser


reconhecido(a) socialmente ou se desvincular desses falsos meios de promoção de
existência, experimentando a invisibilidade social como forma de se desconectar do
“mundo” e se conectar ao mundo? O presente texto pretende analisar, a partir do episódio
Nosedive da série Black Mirror e de bibliografias acerca do tema, como o conflito ético
entre participar ou não da Sociedade do Espetáculo moderna pode reverberar na produção
de indivíduos cada vez mais engrenados numa produção capitalista e superficial - ao
decidirem compactuar com a citada sociedade - ou então, pessoas cada vez mais
frustradas e solitárias que decidiram não fazer parte deste tipo de agenciamento ao
aderirem a não-visibilidade como modo de existência.

Palavras-chave: Espetacularização. Black Mirror. Subjetivação.

1 INTRODUÇÃO

Segundo Debord (1997), toda a vida das sociedades nas quais reinam as
condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de
espetáculos, onde tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação.
Assim, não é preciso muito esforço para visualizar A Sociedade do Espetáculo, livro
publicado por Guy Debord em 1967, como um presságio do que ia se tornar a sociedade
pós-moderna, onde observa-se cotidianamente a desvinculação cada vez mais crescente
das pessoas com o mundo real, em primazia de uma suposta existência virtual, mascarada,
onde assume-se personas e esquiva-se diariamente das responsabilidades impostas pelos
mais diversos contextos.
Trazemos agora um questionamento de De La Taille e a resposta do mesmo
para tal questionamento: "Você quer um lugar na sociedade? Não cometa a loucura de
não participar das redes sociais e coloque no Facebook fotos suas, escreva histórias que
lhe aconteceram, opiniões que surjam de repente nas suas sinapses [...]” (DE LA TAILLE,
2017, P. 37). Tal como Debord, Feuerbach, Giddens, Rolnik entre vários outros autores,
De La Taille traz reflexões e posicionamentos acerca de como se inserem os indivíduos
no mundo pós-moderno, assim como, do que são capazes aqueles que desejam serem
vistos, observados, numa espécie de exibicionismo intermediado por imagens e
direcionado aos voyeurs digitais, que compactuam do mesmo comportamento,
engrenando um ciclo vicioso de ilusão. Dessa forma, De La Taille afirma que nós vivemos
numa cultura da vaidade, onde

O vaidoso cuida sobremaneira do espetáculo que quer dar de si. Logo, na


vaidade, a heteronomia é lei, pois o olhar alheio é tudo. Passar despercebido é
o maior castigo para o vaidoso, mesmo que tenha, para que tal não aconteça,
de lançar mão de estratégias duvidosas do ponto de vista moral. Em suma, uma
cultura da vaidade, por remeter à aparência e à superficialidade, remete
também à pequenez, à fraqueza e, finalmente, à ilusão. (DE LA TAILLE, 2017,
p. 37.)

Para Debord (1997), “o espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a


própria sociedade e seu instrumento de unificação [...] o espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.”. Ora, como
instrumento de unificação, o espetáculo dá margem para a existência de bastidores,
daqueles que não aparecem, que são invisíveis socialmente, que vivem frustrados e
solitários por não participarem das esferas de reconhecimento e popularidade. Retira-se
de si a própria existência, pois para existir é preciso aparecer. Essa popularidade
direciona-se para alguém, para o que De La Taille (2017, p 38) chama de culto ao
vencedor: “o vencedor dos dias de hoje não é alguém que se deu bem na vida, mas sim
aquele que se deu melhor do que os outros, aquele que se destaca claramente na paisagem,
aquele que pode até se candidatar a celebridade.”.
Enganam-se os que acham que frustração, solidão, pequenez, etc., restringem-
se somente aos sentimentos pertencentes àqueles invisíveis seres que fazem parte dos
bastidores, pelo contrário, esses sentimentos são os combustíveis que abastecem a vida
real daqueles que saciam seu vazio existencial e crise de sentido no mundo virtual. Como
afirma De La Taille (2017, p. 39.), basta refletir sobre “a busca da maioria das pessoas
por estímulos e mais estímulos (televisões em todo canto, [...] o onipresente celular que
as pessoas consultam várias vezes por minuto e isso durante todo o dia, redes sociais
constantemente acessadas, etc.)”. Partportanto, dessa sequência de teóricos e suas
respectivas reflexões, para se analisar como a personagem Lacie Pound, no episódio
Nosedive de Black Mirror nos mostra a que circunstâncias podem chegar aqueles que
anseiam – e até dependem – do reconhecimento nas redes sociais como forma de inclusão
e estratificação social; como isso se caracteriza como um impasse ético e, por fim, como
vivem os que observam o espetáculo midiático mas não como instrumento deste, e sim
como mero observador externo da ilusão em que vivem os alienados pilares do mundo
capitalista e pós-moderno.

2 NOSEDIVE – A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE SOB A ÓTICA DAS


RELAÇÕES VIRTUAIS

Quais perigos estão em questão na sociedade apresentada como


“transparente”, “íntima”? A transparência exigida por essa sociedade está vinculada
somente a preceitos morais, ou também há espaço para a reflexão ética? De que modo os
afetos suscitados por essa forma de organização social influenciam na construção de
modos de subjetivação? Estes foram alguns dos questionamentos que nos ocorreram
mediante o episódio “Nosedive”, da série Black Mirror, e que nos impulsionaram a
estabelecer um diálogo reflexivo com assuntos éticos pertinentes ao tema.
O episódio se inicia com a personagem principal, Lacie Pound, correndo
enquanto “avalia”, numa escala de 1 a 5 estrelas, fotos no seu celular e as pessoas com
quem ela interage. No contexto do episódio, a hierarquia social se dá por meio dessas
avaliações, de forma que o acesso a determinados lugares, a compra de certos imóveis e
a possibilidade de adquirir serviços são controlados pela pontuação de cada um. Lacie
está totalmente imersa na lógica de convívio estabelecida pelo sistema de pontuações e
ao decorrer do episódio é possível perceber que a figura do “homem da moral”,
conceituado por Rolnik (1995, p. 7) como sendo um vetor da subjetividade que conhece
as normas, que constitui as regras de ação vigentes na sociedade, aparece com mais
ênfase, espelhado no código de conduta que baseia as relações virtuais e físicas do
episódio. Rolnik (1995, p. 8) distingue o homem da moral do homem da ética, na medida
em que este último permite a tomada de decisões, possibilitando novas construções, novos
modos de existência e também a dissolução de concepções instituídas, partindo de uma
escuta sobre as diferenças. Assim, sobre os modos de subjetivação, Rolnik (1995, p. 11)
afirma que:

[...] são composições variadas dos vetores homem da ética e da moral em


diferentes graus de ativação. O modo que estamos focalizando se caracteriza
por conseguir derrubar a ditadura do homem da moral, ativar o homem da ética
e funcionar com esses dois vetores ao mesmo tempo. Essa co-ativação, no
entanto, não é absolutamente pacífica: o homem da ética vai dando seus saltos
a cada aparecimento de uma diferença; e a cada vez que isso acontece o homem
da moral é sacudido em sua rotineira tarefa de guia turístico de uma paisagem
estável, e se vê obrigado a aprender a operar numa paisagem desconhecida.

Percebendo que a coexistência harmoniosa entre esses dois vetores não se faz
presente no episódio, implica dizer que a qualidade de vida é afetada, pois para Rolnik
(1995, p. 12), o vetor moral da subjetividade “não é suficiente para conquistar uma melhor
qualidade de existência, na medida em que não inclui a consideração daquilo que se impõe
como diferença no invisível e que exige criação (inclusive no campo das normas).”
Ao acompanhar o cotidiano da personagem Lacie, ficou muito evidente a
figuração da sociedade “íntima”, compreendida por Ortega (2004, p. 3) como uma
sociedade que rouba a espontaneidade, a vontade de interromper processos automáticos,
de inaugurar, experimentar. Tudo isso é observado quando Lacie filtra suas opiniões sobre
as pessoas e as situações, sempre no intuito de agradar aqueles com quem ela interage,
demonstrando estar sempre feliz, satisfeita, sem a necessidade de subverter nenhum
padrão, lógica ou pensamento, pois somente assim ela pode se sentir pertencente e
usufruir de benefícios conferidos a uma pequena parcela da população. Um dos pontos
de virada do episódio ocorre quando Lacie, após publicar uma foto de seu ursinho de
infância, recebe o telefonema da amiga que a ajudou a costurá-lo. Essa amiga, Naomi, faz
parte da classe alta, possuindo uma avaliação de 4,5, e convida Lacie para ser madrinha
do seu casamento. Pouco tempo depois, descobrimos por meio do irmão de Lacie, Ryan,
que Naomi na verdade a tratava mal, nunca tinha sido uma amiga de fato e ainda teve
relações com o namorado dela. Em seguida, numa discussão com o irmão, Lacie é
provocada sobre os motivos de estar sempre nessa busca frenética por uma pontuação
mais alta, de modo que eles brigam enquanto ela está saindo para pegar o voo para o
casamento de Naomi. Num acesso de raiva durante a briga, Lacie avalia negativamente o
irmão, e em seguida é avaliada negativamente por ele também, o que se caracterizará
como o primeiro de uma série de infortúnios a partir desse momento. Ao chegar no
aeroporto, Lacie é informada de que seu voo foi cancelado e o único assento disponível
no outro avião é reservado para pessoas com pontuação 4,2, e ela tinha apenas 4,1.
Indignada e desesperada, ela perde o controle e fala agressivamente com a recepcionista,
que, após ser insultada, chama o segurança e Lacie tem sua pontuação diminuída para 3,1.
Sobre essa conduta, Ortega (2004, p. 3) afirma que “o comportamento civilizado, polido,
exige um grande controle de si, já que não é coisa fácil conter-se e governar-se a ponto
de não deixar transparecer nos gestos e na fisionomia as mais violentas emoções de sua
alma”. Após ter o voo cancelado, Lacie aluga um carro, mas ele fica sem bateria no meio
do caminho e ela é obrigada a pedir carona na estrada. É nesse momento que aparece uma
caminhoneira, Susan, com pontuação 1,8 e oferece carona a Lacie, que embora relutante
devido à baixa pontuação de Susan, aceita. A conversa que se segue entre as duas é um
dos pontos mais interessantes do episódio, pois, ao ouvir a história de Lacie e sua busca
desenfreada por reconhecimento, Susan compartilha que já teve pontuação 4,6, quando
tentava conseguir um tratamento para o câncer do marido. Porém, quando o marido morre
por ter pontuação 4,3 e ter perdido o lugar na fila de espera para um homem com
pontuação 4,4, ela começa a fazer e falar tudo o que quer, sem se preocupar com o
julgamento externo, o que consequentemente gerou a queda da sua pontuação. Nesse
momento vemos um contraste explícito entre Susan, descontraída, exercendo sua
liberdade de ser e à margem da sociedade, e Lacie, na sua busca incessante pelo
reconhecimento que proporciona conforto, uma certa estabilidade, mas a coloca à
margem de si mesma. Há como estabelecer um equilíbrio entre essas duas personagens?
O meio social, composto de dualismos, permite uma plena satisfação para quem consegue
estar entre os dois extremos? Nas relações favorecidas ou condenadas pelo capitalismo,
a produção de subjetividade se dá como uma forma de fortalecer as crenças já
estabelecidas de cada um, de modo a silenciarmos os conflitos sobre quem realmente
somos e se realmente somos o que queremos? Após a conversa com Susan, Lacie recebe
um telefonema de Naomi, informando que não a quer mais na festa, que ela não pode
entrar lá com uma pontuação menor do que 3. Lacie é tomada por um choque de realidade
e se percebe sem o alicerce sobre o qual se apoiava, sua trajetória e todo o seu esforço são
ignorados, e mesmo com essa ruptura nos planos ela ainda assim decide ir à festa e fazer
seu discurso. Nesse contexto de corte de ligações, Arendt (2013, p. 15) salienta que:

O homem é um animal social e a vida não é fácil para este quando as ligações
são cortadas. Os padrões morais são muito mais fáceis de manter na textura da
sociedade. Muitos poucos indivíduos têm força para conservar a sua própria
integridade se o seu estatuto social, político e legal estiver completamente
confuso.

Ao chegar na festa de casamento, Lacie, emocionalmente abalada, muda


todo o seu discurso e profere verdades cruas sobre Naomi, sobre a relação entre as duas.
Enquanto ela fala, todas as pessoas da cerimônia a avaliam negativamente até que os
policiais chegam e a levam para a prisão. Na prisão, ela retira a retina que permitia ver a
pontuação das outras pessoas e é colocada numa cela. Á frente dela está um homem
sentado. Ela faz o gesto de apontar o celular para avaliá-lo, mas já não possui o celular
nem o sistema em sua retina, apenas possui sua voz, suas escolhas, suas próprias palavras.
Pela primeira vez ela está livre para agir sem medo, sem nada a perder. Eles trocam
xingamentos, falam sobre características que não gostam um no outro e ao final da cena
a sensação que fica é a de que eles sentiram prazer naquele momento, em poder olhar
para o outro e ter a possibilidade de se reconhecer nele, ou não. No final do episódio paira
no ar uma alegria suave – a da libertação? As provocações ganham um tom de brincadeira
e a última cena é composta pelos dois gritando juntos, as imagens se sobrepondo, como
se mesmo distantes, eles pudessem enfim se tocar pela força do sentido e da veracidade
em suas palavras.
Arendt (2013, p. 19) nos convida a pensar a produção da subjetividade
perpassada pela discriminação, pelos critérios de validação da sociedade sobre nossas
condutas, pela influência que objetos de distinção social exercem sobre nós:

Dificilmente consigo imaginar uma atitude mais perigosa, desde que vivemos
realmente num mundo no qual seres humanos enquanto tais deixaram de existir
há já algum tempo; desde que a sociedade descobriu a descriminação como a
maior arma social através da qual pode-se matar um homem sem derramar
sangue; desde que passaportes ou certificados de nascimento e algumas vezes
até recibos de impostos, não são mais papéis formais mas factos de distinção
social. É verdade que a maioria de nós depende dos estatutos sociais; perdemos
confiança em nós próprios se a sociedade não nos aprovar; estamos – e sempre
estivemos – prontos para pagar qualquer preço para sermos aceites em
sociedade.

Corpos docilizados. Vigiados pelo Espelho Negro das mais diversas telas que
nos cercam, a sensação é que devemos participar do exibicionismo virtual diariamente,
pois é assim que podemos finalmente adquirir status de existência, afinal, quem quer
passar despercebido? Até quais consequências podemos chegar pela necessidade de
aceitação? Qual lugar estamos dispostos a sustentar nessa sociedade que nos confunde
constantemente sobre o que é bom, justo, sobre o que queremos, o que somos, sobre
nossos próprios desejos e crenças? A sociedade apresentada no episódio nos deixa na
linha tênue entre a ficção e a realidade. Será que há mesmo uma ficção? Em qual realidade
estamos escolhendo, diariamente, viver? Como afirma Debord (1997), “No mundo
realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso”.
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. Tradução Ricardo Santos, Covilhã, Portugal:


LusoSofiapress, 2013.

DE LA TAILLE, Yves. Moral e ética no mundo contemporâneo. Revista USP, n. 110,


p. 29-42, 2017.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do


espetáculo. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto, 1997. 237p.

FEURBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Campinas: Papirus, 1988. 396p.

NOSEDIVE. Diretor: Joe Wright. In: BLACK Mirror. Produtor: Charlie Brooker. United
Kingdom: Netflix, 2016. temp. 3, cap. 1 (63 min), color., son.

ORTEGA, Francisco. Por uma ética e uma política da amizade. In: MIRANDA,
Danilo Santos de (2004) Ética e cultura . São Paulo: Perspectiva, 145-156.

ROLNIK, Suely. (1995). À sombra da cidadania: alteridade, homem da ética e


reinvenção da democracia. Em: Magalhães, M. C. R. (org.). Na sombra da cidade (pp.
141-170). São Paulo: Escuta.

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