This article analyzes the WTO dispute settlement system taking into account the Brazilian interests. Therefore, it
assesses the performance of Brazil by examining the main disputes in which it took part. Lastly, new issues
recently brought to the DSB, which represent new challenges for the world trading system, will be analyzed.
dias inteiros – há pouco espaço para a dios diretos, o Brasil conseguiu compro-
mera retórica do discurso. É fundamental var que ele se beneficiava de subsídios
apresentar uma análise objetiva do caso à cruzados, i.e., subsídios concedidos à pro-
luz das regras multilaterais de comércio dução do açúcar das quotas “A” e “B”, os
acordadas pelos Membros. quais “transbordavam” para a produção
Após a experiência acumulada nos pri- do “açúcar C” (spill-over effect). Assim, o
meiros casos na OMC (Coco Ralado, Gaso- cultivo da “beterraba C” e a produção do
lina, Frangos e Aeronaves), a complexidade “açúcar C” correspondente só eram rentá-
crescente dos assuntos discutidos nos pai- veis porque parte de seus custos de pro-
néis levou à melhor estruturação da parti- dução era coberta pelos subsídios dados
cipação brasileira, que, com o tempo, ao cultivo das beterrabas “A” e “B” e à
passou a basear-se no seguinte tripé: (i) produção desses tipos de açúcar. A “beter-
Coordenação-Geral de Contenciosos no raba C” podia então ser vendida abaixo
MRE (área criada em 10/10/2001); (ii) De- do custo de produção aos produtores/ex-
legação do Brasil em Genebra; e (iii) apoio, portadores de “açúcar C”, que produziam
quando necessário, de escritório de advo- esse “açúcar C” de forma rentável para a
cacia especializado, além de interação exportação. Além disso, como o “açúcar
constante com o setor privado. C” não podia ser vendido no mercado
europeu e tinha, por força do Regulamen-
to, de ser exportado, o Brasil defendeu
Açúcar que esse açúcar subsidiado também deve-
ria ser computado no total das exporta-
O contencioso sobre os subsídios euro- ções subsidiadas europeias.5
peus ao açúcar foi iniciado em 27/09/2002, Com relação ao açúcar ACP, as CE im-
com base no pedido de consultas formula- portavam açúcar bruto desses países (sem
do por Brasil (DS266) e Austrália (DS265). tarifa e a preço garantido), processavam-
Em março de 2003, a Tailândia (DS283) -no internamente e depois o reexportavam
apresentou pedido de consultas sobre o com subsídios. Para as CE, esse açúcar
mesmo objeto, razão pela qual os três não deveria entrar no cômputo dos seus
Membros da OMC figuraram como co- compromissos de redução de subsídios,
-demandantes contra as Comunidades pois uma nota de rodapé incluída em sua
Europeias (CE) no painel único estabeleci- lista de compromissos na OMC as teria
do para julgar esses contenciosos. O Brasil isentado do cômputo desse montante. O
questionou na OMC o fato de que as ex- Brasil questionou a legalidade da referida
portações anuais subsidiadas de açúcar nota e argumentou que um Membro da
pelas CE ultrapassavam os compromissos OMC não poderia se eximir de suas obri-
assumidos pelo bloco europeu perante gações por meio de artifício jurídico (in-
aquela organização. Mais especificamen- clusão de uma nota de rodapé) que
te, as CE não incluíam, no cômputo dos contrariava a própria finalidade do docu-
seus compromissos de redução de subsí- mento no qual estava incluído. Portanto,
dios, a exportação do chamado “açúcar esse açúcar, que representava cerca de 1,6
C” e a reexportação do açúcar originário milhão de toneladas/ano, também deve-
de países ACP.4 ria ser computado no total das exporta-
O “açúcar C” correspondia ao exce- ções subsidiadas europeias.
dente de produção nas CE. Embora esse O Órgão de Apelação, da mesma for-
tipo de açúcar não desfrutasse de subsí- ma que o painel, acolheu os pleitos do
Brasil e dos demais codemandantes. As- Esse regime açucareiro europeu preju-
sim, as CE foram obrigadas a reformar seu dicava os PEDs, na medida em que não
regime açucareiro, o que efetivamente somente restringia o acesso ao mercado
ocorreu em 1/7/2006, quando uma nova europeu por meio de quotas e altas tarifas
Organização Comum de Mercado (OCM) de importação, como também promovia
para o açúcar foi introduzida pelo Regula- artificialmente as exportações europeias,
mento no 318/2006. Para entender a im- deslocando o Brasil e outros países com-
portância da vitória neste contencioso, é petitivos de terceiros mercados. Além dis-
preciso levar em consideração os efeitos so, as exportações europeias depreciavam
distorcivos do regime europeu no merca- o preço internacional do açúcar. Sem os
do mundial de açúcar. subsídios europeus ao açúcar, os preços
Esse regime, instaurado em 1968, com- internacionais do produto seriam signifi-
preendia quotas nacionais de produção, cativamente maiores. Tendo em vista o
sistema de preços mínimos garantidos, resultado exitoso do contencioso, as ex-
altas tarifas de importação e reembolsos à portações europeias de açúcar passaram
exportação, entre outras inúmeras medi- de quase 7 milhões de toneladas na safra
das. Esse conjunto de mecanismos de fo- 2000-20016 para 2,2 milhões de toneladas
mento à produção e à exportação levou as na safra 2011-20127 e as exportações brasi-
CE, em menos de 10 anos, a deixarem a leiras de açúcar dobraram já a partir do
condição de importadora de açúcar para primeiro ano do contencioso.8
se tornarem a maior exportadora do pro-
duto até a safra de 2000-2001. Ressalte-se
que o custo de produção de açúcar na Algodão
Europa era 4 a 6 vezes maior do que o
custo no Brasil em 1999. O custo médio de O pedido de consultas que o Brasil
produção nas CE era de US$ 660/ton., encaminhou ao OSC a respeito dos subsí-
enquanto no Brasil o custo era de US$ dios dados pelos Estados Unidos à produ-
150/ton., chegando a US$ 90/ton. em al- ção doméstica e à exportação de algodão
gumas regiões do estado de São Paulo. O foi apresentado no mesmo dia em que se
preço médio do produto no mercado in- solicitaram consultas com as CE sobre
ternacional era de US$ 250 a 280/ton. seus subsídios à produção e à exportação
Desse modo, as CE produziam açúcar a de açúcar.
um custo de produção altíssimo e ven- Não se tratava, naturalmente, de coin-
diam no mercado internacional a um pre- cidência fortuita, mas de ato deliberado do
ço muito mais baixo, o que só era possível governo brasileiro de questionar, à luz das
em virtude dos altos subsídios concedidos regras multilaterais acordadas por todos,
aos produtores. Em suma, se as regras de os subsídios bilionários dados pelos países
livre comércio e de proibição de subsídios desenvolvidos à sua agricultura, setor de
à exportação realmente fossem observa- crucial importância para todos os PEDs. A
das, as CE não deveriam estar produzindo distorção causada por variada gama de
açúcar algum. O contraste tornava-se níti- subsídios causava prejuízo perceptível às
do entre o rigor das regras da OMC para exportações brasileiras e desequilibrava
os PEDs quanto a subsídios industriais e ilegalmente as condições de competitivi-
uma ampla flexibilidade em relação aos dade da agricultura mundial. O período
subsídios agrícolas concedidos, em regra, analisado pelo painel, de 1999-2002, de-
pelos PDs. monstrava que nesses quatro anos os EUA
como argumento de defesa em relação à também figura como terceira parte, e estão
violação do Protocolo de Acessão da Chi- atualmente em curso.
na à OMC. Nesse ponto, tanto o painel Nesses dois casos, Japão e UE apresen-
quanto o Órgão de Apelação adotaram taram questionamento contra o Canadá
uma interpretação restritiva no sentido de em razão do programa governamental da
que não se poderia utilizar o referido dis- província de Ontário (Canadá), denomi-
positivo do GATT 1994 para justificar es- nado Feed-In Tariff Program. Segundo eles,
sas violações, já que o Parágrafo 11.3 do esse programa vincularia a possibilidade
Protocolo de Acessão não havia feito men- de acesso a um mecanismo de preços ga-
ção a “outros acordos ou exceções”15. rantidos para geradores de energia elétri-
A tentativa de utilização, pela China, ca de fontes renováveis (solar ou eólica) à
da exceção prevista no Artigo XI:2(a) do utilização de equipamentos de geração
GATT 1994 como argumento de defesa em produzidos localmente (regra de conteú-
relação à violação do Artigo XI:1 do GATT do local mínimo). Assim, tanto o Japão
1994, também deve ser considerada. A quanto a UE alegaram violação ao ASMC,
China alegou que as restrições que estabe- ao GATT 1994 e ao Acordo TRIMS, por
leceu para a exportação dos referidos pro- considerarem haver um subsídio proibido
dutos seriam necessárias para aliviar a (vinculado ao uso de produtos domésticos
escassez desses produtos internamente. em detrimento dos importados), bem co-
Contudo, tanto o painel quanto o Órgão mo tratamento discriminatório entre os
de Apelação entenderam que somente produtos nacionais e os importados.
medidas que fossem aplicadas de maneira O Canadá buscou justificar eventuais
temporária, isto é, que não se revelassem violações ao tratamento nacional por meio
como permanentes ou indefinidas, pode- do Artigo III:8(a) do GATT 1994, o qual
riam estar amparadas pelo Artigo XI:2(a) estabelece exceção para compras governa-
do GATT 1994. Assim, as medidas chine- mentais. Este é um caso emblemático e
sas, renováveis anualmente, não preen- deverá definir qual o espaço de atuação
chiam esse requisito. dos agentes públicos na estruturação de
O outro tema recente e de grande rele- políticas de incentivo relacionadas à ener-
vância para o OSC é o que envolve “co- gia renovável. Assim, caberá ao painel e ao
mércio e sustentabilidade ambiental”, Órgão de Apelação avaliarem em que me-
tendo em vista os aspectos comerciais re- dida as iniciativas relacionadas à sustenta-
lacionados a políticas de incentivo à gera- bilidade ambiental poderão se conformar
ção de energia renovável. Em 2010-2011, com as regras multilaterais de comércio.
foram iniciados três contenciosos a respei-
to desse assunto, sendo eles o Canada – Re-
newable Energy (DS412), o China – Measures Conclusão
Concerning Wind Power Equipment (DS419)
e o Canada – Feed-In Tariff Program (DS426). A participação do Brasil no sistema de
Dos três casos, o segundo (DS419) foi en- solução de controvérsias da OMC, nesses
cerrado após a China anunciar a modifica- 17 anos, reflete um esforço estruturado
ção de seus programas no que se refere às do governo brasileiro de estar capacitado
medidas consideradas incompatíveis com a atuar em defesa de seus interesses, bem
as regras da OMC. Os outros dois (DS412 como também decorre da percepção da
e DS426) foram recentemente unificados relevância desse sistema para a manu-
em um único painel, nos quais o Brasil tenção das regras multilaterais do comér-
Notas
1. OMC. “Dispute Settlement: Chronological list of dis- União Europeia – com base em decisões liminares, ao
putes cases”. Disponível em http://www.wto.org/en- passo que as importações do Mercosul de pneus remol-
glish/tratop_e/dispu_e/dispu_status_e.htm. Acesso em dados mantinham-se em volumes bem mais modestos,
17/02/2012. de por volta de 100 mil unidades anuais.
2. O Estado de S. Paulo. “Dez anos, cem casos”. Espaço 11. Esse descarte é feito por meio da atribuição do valor
Aberto. p. A-2. zero (daí “zeroing” ou “zeramento”) aos resultados
3. OMC. WT/DS4. “United States – Standards for Refor- das comparações em que o preço de exportação está
mulated and Conventional Gasoline”. Disponível em acima do valor normal.
http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ 12. No presente caso, o painel decidiu que o zeroing é
ds4_e.htm. Acesso em 17/02/2012. unfair independentemente do impacto na margem de
4. Ex-colônias europeias na África, Caribe e Pacífico. dumping final, ou seja, mesmo se a margem for consi-
5. É importante notar que as exportações de “açúcar C” derada de mininis. Relatório do painel. Par. 7.156.
correspondiam a cerca de 3,6 milhões de toneladas/ano 13. As matérias-primas no presente caso são a bauxita,
na época do contencioso. o coque, a fluorita, o magnésio, o manganês, o carbeto
6. F.O. Licht International, World Sugar Yearbook, 2003. de silício, o silício, o fósforo amarelo e o zinco.
7. Estimativa do GAIN Report Number E60053, de 14. A fundamentação para considerar essa incompatibi-
10/06/2011 lidade não se baseou no Artigo XI do GATT 1994, mas
8. Segundo estatísticas da UNICA, as exportações brasi- somente no Protocolo de Acessão da China. Assim, seria
leiras passaram de quase 7 milhões de toneladas na possível considerar que os Membros originários da
safra 2000-2001 para mais de 15 milhões de toneladas OMC poderiam, em tese, aplicar impostos à exportação
na safra 2002-2003. para suas matérias-primas, sem que, com isso, pudes-
9. O Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do Mercosul sem ser questionados no sistema de solução de contro-
(Laudo no 01/2005) já havia decidido que não poderia vérsias da OMC.
haver impedimento à livre circulação de pneus refor- 15. Diferentemente da permissão conferida pelo Pará-
mados, sob pena de violação das disciplinas comerciais grafo 5.1 do Protocolo de Acessão da China à OMC,
do bloco. examinado no caso “China – Publications and Audiovi-
10. Com efeito, entre os anos de 2001 e 2005, o Brasil sual Products”, o qual fazia referência expressa a “ou-
importou 27,4 milhões de carcaças – sobretudo da tros acordos da OMC”.