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100 Casos na OMC: a experiência

brasileira em solução de controvérsias


Celso de Tarso Pereira,
Valéria Mendes Costa e
Leandro Rocha de Araujo

This article analyzes the WTO dispute settlement system taking into account the Brazilian interests. Therefore, it
assesses the performance of Brazil by examining the main disputes in which it took part. Lastly, new issues
recently brought to the DSB, which represent new challenges for the world trading system, will be analyzed.

Introdução cio e exploração de recursos naturais” e


“comércio e sustentabilidade ambiental”.
O sistema de solução de controvérsias
da Organização Mundial do Comércio
(OMC) é considerado um dos pilares do 17 anos, 106 casos
sistema multilateral de comércio e tem por
objetivo promover segurança e previsibili- O sistema de solução de controvérsias
dade nas relações comerciais entre os da OMC passou a funcionar em 1995 e,
Membros da OMC. Ele permite que os desde então, foram iniciadas 428 contro-
Membros da organização resolvam, de vérsias.1 O órgão central responsável por
forma pacífica, as controvérsias comer- administrar esse sistema é o Órgão de So-
ciais existentes, com base nas regras mul- lução de Controvérsias, o qual é composto
tilaterais em vigor. por representantes de todos os Membros
O presente artigo tem por objetivo da OMC. O atual mecanismo foi estabele-
examinar os principais interesses brasilei- cido ao final da Rodada Uruguai do GATT
ros nos 17 anos desde a criação desse sis- (1986-1994), com a aprovação do Entendi-
tema. Assim, serão passados em revista
alguns dos casos importantes em que o Celso de Tarso Pereira é diplomata, atualmente coor-
Brasil foi parte, bem como os benefícios denador geral de Contenciosos do Itamaraty, professor
titular no Instituto Rio Branco e mestre em Direito
obtidos pelo Brasil decorrentes da utiliza- Internacional pela Universidade de Kiel.
ção desse sistema. Valéria Mendes Costa é diplomata e professora assis-
Por fim, o artigo examinará também tente no Instituto Rio Branco.
alguns dos novos temas que vêm sendo Leandro Rocha de Araujo é diplomata, doutor em
discutidos no Órgão de Solução de Contro- Direito Internacional pela USP e mestre em Direito
Internacional pela UFMG. Todas as opiniões apresenta-
vérsias (OSC) e que representam novos das neste artigo são feitas em caráter exclusivamente
desafios não só para o Brasil, mas para o pessoal pelos autores e não representam, em nenhuma
próprio sistema de solução de controvér- hipótese, as posições do governo brasileiro a respeito
sias da OMC, como a relação entre “comér- da matéria.

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ARTIGOS

mento relativo às Normas e Procedimen- muito cedo percebeu o alcance e a relevân-


tos sobre Solução de Controvérsias (ESC). cia do sistema de solução de controvérsias
O sistema permite, a qualquer momen- da OMC.2 Já em 1995, o país figurava como
to, a solução do conflito por meio de acor- demandante, ao lado da Venezuela, em um
do entre as partes. Caso esse acordo não dos primeiros contenciosos da OMC (caso
seja atingido, elas utilizarão os procedi- US-Gasoline),3 em que medidas ambientais
mentos estabelecidos no mecanismo de foram avaliadas segundo as disciplinas
solução de controvérsias para solucionar a multilaterais de comércio.
disputa, que podem ser classificados em Desde então, ao longo desses 17 anos,
quatro fases principais: (i) consultas; (ii) o Brasil participou de 106 contenciosos,
painel; (iii) apelação; e (iv) implementação. dos quais 25 casos como demandante, 14
Após o transcurso de todas as fases, como demandado e 67 como terceira par-
incluindo o fim do “período razoável de te. Esses números revelam que o país
tempo” para a implementação das reco- é um dos Membros mais ativos no OSC
mendações contidas no relatório adotado, e os gráficos da página seguinte demons-
sem que elas sejam implementadas, as tram que o Brasil figura em quarta posi-
partes podem chegar a um acordo quanto ção na qualidade de demandante e em
a uma possível compensação da parte ven- sétima posição no ranking total de casos
cida à vencedora até o integral cumpri- da OMC, sendo o país em desenvolvi-
mento do relatório. Caso não haja acordo mento que mais demandas iniciou. Res-
quanto à compensação, a parte vencedora salte-se que a par- ticipação expressiva
poderá solicitar ao OSC autorização para como terceira parte reflete a intenção bra-
suspender concessões ou obrigações em sileira de estar a par dos grandes temas
relação à parte vencida na controvérsia, no em disputa entre os Membros da OMC e
que se convencionou chamar de “retalia- de influenciar, na medida do possível, a
ção”. Esse mecanismo visa a conferir maior formação de jurisprudência consistente
efetividade ao sistema de solução de con- com as regras multilaterais.
trovérsias da OMC e, consequentemente, A maioria dos casos em que o Brasil
ao sistema multilateral de comércio. participou, como parte ou terceira parte,
Uma parte das 428 disputas iniciadas envolveu questionamentos sobre a legali-
até o momento foi resolvida ainda na fase dade da aplicação por parceiros comer-
de consultas, por meio de acordo entre as ciais do Brasil de: (i) subsídios (agrícolas e
partes. Outra parte foi levada ao painel e não agrícolas); (ii) medidas antidumping;
ao Órgão de Apelação, somente tendo si- (iii)medidas sanitárias e fitossanitárias;
do solucionada após o início da fase de (iv) barreiras técnicas; e (v) medidas rela-
implementação. O presente capítulo fará cionadas a propriedade intelectual.
uma avaliação da participação brasileira Esses números demonstram, acima de
nesse mecanismo, analisando, sob o ponto tudo, que o Brasil, em linha com sua tradi-
de vista de sua relevância, os principais ção diplomática, tem buscado resolver
casos dos quais o Brasil foi parte. seus litígios comerciais no âmbito institu-
cional estabelecido, privilegiando a via
multilateral. Deve-se ressaltar que essa
Balanço da atuação do Brasil estratégia tem produzido resultados posi-
tivos, tanto para o Estado brasileiro, que
Como ressaltou o Ministro das Relações aumentou seu perfil na OMC, como para
Exteriores, Antonio Patriota, o Brasil desde o setor privado nacional, que passou a

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contar com um canal eficaz de defesa de sor de águas no histórico da participação


seus interesses exportadores. do Brasil no sistema de solução de contro-
vérsias da OMC. Disputa emblemática pa-
ra o comércio multilateral por colocar
Principais casos do Brasil frente a frente um país desenvolvido (PD)
e um país em desenvolvimento (PED) em
Alguns dos casos do Brasil no sistema embate jurídico sobre a interpretação das
de solução de controvérsias da OMC fo- regras do Acordo sobre Subsídios e Medi-
ram emblemáticos não só para o desen- das Compensatórias (ASMC) relativas a
volvimento desse sistema no âmbito um setor de alta tecnologia, ela acarretou
multilateral, mas também para a defesa o amadurecimento e a profissionalização
dos interesses comerciais brasileiros no da condução da defesa brasileira em Ge-
plano internacional. Nesse contexto, os nebra. Por seu marcante simbolismo para
interesses do Brasil tiveram como funda- a economia nacional, a disputa foi acom-
mento não só considerações econômico- panhada de perto pela imprensa e pela
-comerciais, mas também a proteção do opinião pública, trazendo a OMC e seu
meio ambiente e da saúde pública. Assim, mecanismo de controvérsias muitas vezes
serão examinadas neste tópico as seguin- para as manchetes do noticiário, em fenô-
tes controvérsias: “Embraer-Bombardier” meno não muito frequente em outros paí-
(DS46/DS70/DS222), açúcar (DS266), al- ses e que se repetiria daí em diante em
godão (DS267), frango salgado (DS269), outras disputas do Brasil.
pneus (DS332) e suco de laranja (DS382). A disputa iniciada em 1996 pelo Cana-
dá contra o Brasil, que tinha como foco
uma Embraer recém-privatizada e que co-
Embraer-Bombardier meçava a ser uma concorrente ativa da
Bombardier, formalizou-se em dois casos
Pode-se afirmar com segurança que os paralelos a partir de 1998 (DS46 e DS70).
casos que envolveram Brasil e Canadá por Na verdade, foram os dois anos que pas-
conta de subsídios concedidos a suas in- saram entre o primeiro pedido canadense
dústrias aeronáuticas constituem um divi- até o estabelecimento do painel, em 1998

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ARTIGOS

– utilizados em consultas informais e ten- era bem superior ao concedido pelo


tativas de mediação –, que permitiram ao PROEX Equalização. Não desejando levar
Brasil organizar-se e obter os dados neces- adiante a mútua retaliação, os dois países
sários para questionar esquemas de subsí- entabularam negociações bilaterais que le-
dios canadenses semelhantes aos que lhe varam, anos depois, a uma aproximação
eram imputados. no âmbito da própria OCDE, onde se fir-
Se, do lado brasileiro, o programa ques- mou em 2007 um novo “Acordo Setorial
tionado era o “PROEX Equalização” – con- sobre Créditos à Exportação para Aerona-
siderado pela OMC como um programa ves Civis”, elaborado então com a firme
de subsídios proibidos em sua versão ori- participação brasileira.
ginal –, do lado canadense a ilegalidade de Pode-se dizer que esse contencioso ele-
vários programas de subsídios (Export vou o perfil da atuação brasileira na OMC,
Development Canada e Technology Partner- bem como permitiu o desenvolvimento da
ships Canada) foi também exposta. Uma indústria aeronáutica brasileira em um
das principais decisões do caso foi que os momento em que ela passava a conquistar
parâmetros para concessão de créditos à espaço no mercado internacional. Embora
exportação definidos no âmbito da Orga- as duas companhias ainda se mantenham
nização para a Cooperação e o Desenvolvi- em alerta sobre cada operação de venda
mento Econômico (OCDE), organização anunciada pela outra, outros atores estão
internacional da qual o Brasil não é parte, entrando no mercado de aviação regional,
eram aplicáveis a todos os membros da como China, Japão e Rússia, o que exige
OMC, por força do segundo parágrafo da um constante esforço de vigilância e coor-
alínea “k” do Acordo sobre Subsídios e denação, à luz do arcabouço legal vigente.
Medidas Compensatórias (ASMC). E não A Embraer permanece ainda hoje como a
somente as regras constantes nas versões terceira maior fabricante de jatos regionais.
do “Arrangement” da OCDE anteriores à O caso “Aeronaves” foi, em retros-
entrada em vigor do Acordo de Marraque- pectiva, um encontro áspero com a dura
che, mas aquelas das versões posteriores realidade das regras multilaterais recém-
de 1998 e 2002. O Canadá acabou ao final -acordadas na Rodada Uruguai. Ao ter
obtendo autorização da OMC para retaliar “empatado o jogo” com o Canadá e obtido
o Brasil em C$ 344,2 milhões/ano. Apesar importante vitória jurídica na OMC, o
do impacto momentâneo que essa decisão Brasil soube tirar sua lição do contencioso,
teve sobre sua linha de defesa, o Brasil ao perceber que a defesa de importantes
soube, na disputa paralela que abriu con- interesses nacionais poderia passar pela
tra o Canadá, adaptar-se às circunstâncias análise de complexos temas do comércio
e apoiar-se nas mesmas regras multilate- internacional no sistema de solução de
rais para obter seus objetivos. controvérsias da OMC. Nesse sistema, lo-
Em seguimento às duas disputas acima go se viu, não há espaço algum para a
(DS46 e DS70), o Brasil, por sua vez, viria improvisação e, por isso, foi necessária a
a ser autorizado a retaliar o Canadá em busca de uma estratégia de atuação condi-
mais de US$ 247 milhões, ao confirmar-se zente com a sofisticação existente. Dife-
perante novo painel que programas fede- rentemente do que acontece por vezes na
rais e provinciais (Québec) canadenses sustentação escrita e oral em tribunais
subsidiaram fortemente operações de ven- domésticos, na OMC, especialmente fren-
das da Bombardier em 2001 (caso DS222). te à verdadeira sabatina do Órgão de Ape-
O valor do subsídio canadense, por avião, lação – em audiências que podem durar

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dias inteiros – há pouco espaço para a dios diretos, o Brasil conseguiu compro-
mera retórica do discurso. É fundamental var que ele se beneficiava de subsídios
apresentar uma análise objetiva do caso à cruzados, i.e., subsídios concedidos à pro-
luz das regras multilaterais de comércio dução do açúcar das quotas “A” e “B”, os
acordadas pelos Membros. quais “transbordavam” para a produção
Após a experiência acumulada nos pri- do “açúcar C” (spill-over effect). Assim, o
meiros casos na OMC (Coco Ralado, Gaso- cultivo da “beterraba C” e a produção do
lina, Frangos e Aeronaves), a complexidade “açúcar C” correspondente só eram rentá-
crescente dos assuntos discutidos nos pai- veis porque parte de seus custos de pro-
néis levou à melhor estruturação da parti- dução era coberta pelos subsídios dados
cipação brasileira, que, com o tempo, ao cultivo das beterrabas “A” e “B” e à
passou a basear-se no seguinte tripé: (i) produção desses tipos de açúcar. A “beter-
Coordenação-Geral de Contenciosos no raba C” podia então ser vendida abaixo
MRE (área criada em 10/10/2001); (ii) De- do custo de produção aos produtores/ex-
legação do Brasil em Genebra; e (iii) apoio, portadores de “açúcar C”, que produziam
quando necessário, de escritório de advo- esse “açúcar C” de forma rentável para a
cacia especializado, além de interação exportação. Além disso, como o “açúcar
constante com o setor privado. C” não podia ser vendido no mercado
europeu e tinha, por força do Regulamen-
to, de ser exportado, o Brasil defendeu
Açúcar que esse açúcar subsidiado também deve-
ria ser computado no total das exporta-
O contencioso sobre os subsídios euro- ções subsidiadas europeias.5
peus ao açúcar foi iniciado em 27/09/2002, Com relação ao açúcar ACP, as CE im-
com base no pedido de consultas formula- portavam açúcar bruto desses países (sem
do por Brasil (DS266) e Austrália (DS265). tarifa e a preço garantido), processavam-
Em março de 2003, a Tailândia (DS283) -no internamente e depois o reexportavam
apresentou pedido de consultas sobre o com subsídios. Para as CE, esse açúcar
mesmo objeto, razão pela qual os três não deveria entrar no cômputo dos seus
Membros da OMC figuraram como co- compromissos de redução de subsídios,
-demandantes contra as Comunidades pois uma nota de rodapé incluída em sua
Europeias (CE) no painel único estabeleci- lista de compromissos na OMC as teria
do para julgar esses contenciosos. O Brasil isentado do cômputo desse montante. O
questionou na OMC o fato de que as ex- Brasil questionou a legalidade da referida
portações anuais subsidiadas de açúcar nota e argumentou que um Membro da
pelas CE ultrapassavam os compromissos OMC não poderia se eximir de suas obri-
assumidos pelo bloco europeu perante gações por meio de artifício jurídico (in-
aquela organização. Mais especificamen- clusão de uma nota de rodapé) que
te, as CE não incluíam, no cômputo dos contrariava a própria finalidade do docu-
seus compromissos de redução de subsí- mento no qual estava incluído. Portanto,
dios, a exportação do chamado “açúcar esse açúcar, que representava cerca de 1,6
C” e a reexportação do açúcar originário milhão de toneladas/ano, também deve-
de países ACP.4 ria ser computado no total das exporta-
O “açúcar C” correspondia ao exce- ções subsidiadas europeias.
dente de produção nas CE. Embora esse O Órgão de Apelação, da mesma for-
tipo de açúcar não desfrutasse de subsí- ma que o painel, acolheu os pleitos do

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ARTIGOS

Brasil e dos demais codemandantes. As- Esse regime açucareiro europeu preju-
sim, as CE foram obrigadas a reformar seu dicava os PEDs, na medida em que não
regime açucareiro, o que efetivamente somente restringia o acesso ao mercado
ocorreu em 1/7/2006, quando uma nova europeu por meio de quotas e altas tarifas
Organização Comum de Mercado (OCM) de importação, como também promovia
para o açúcar foi introduzida pelo Regula- artificialmente as exportações europeias,
mento no 318/2006. Para entender a im- deslocando o Brasil e outros países com-
portância da vitória neste contencioso, é petitivos de terceiros mercados. Além dis-
preciso levar em consideração os efeitos so, as exportações europeias depreciavam
distorcivos do regime europeu no merca- o preço internacional do açúcar. Sem os
do mundial de açúcar. subsídios europeus ao açúcar, os preços
Esse regime, instaurado em 1968, com- internacionais do produto seriam signifi-
preendia quotas nacionais de produção, cativamente maiores. Tendo em vista o
sistema de preços mínimos garantidos, resultado exitoso do contencioso, as ex-
altas tarifas de importação e reembolsos à portações europeias de açúcar passaram
exportação, entre outras inúmeras medi- de quase 7 milhões de toneladas na safra
das. Esse conjunto de mecanismos de fo- 2000-20016 para 2,2 milhões de toneladas
mento à produção e à exportação levou as na safra 2011-20127 e as exportações brasi-
CE, em menos de 10 anos, a deixarem a leiras de açúcar dobraram já a partir do
condição de importadora de açúcar para primeiro ano do contencioso.8
se tornarem a maior exportadora do pro-
duto até a safra de 2000-2001. Ressalte-se
que o custo de produção de açúcar na Algodão
Europa era 4 a 6 vezes maior do que o
custo no Brasil em 1999. O custo médio de O pedido de consultas que o Brasil
produção nas CE era de US$ 660/ton., encaminhou ao OSC a respeito dos subsí-
enquanto no Brasil o custo era de US$ dios dados pelos Estados Unidos à produ-
150/ton., chegando a US$ 90/ton. em al- ção doméstica e à exportação de algodão
gumas regiões do estado de São Paulo. O foi apresentado no mesmo dia em que se
preço médio do produto no mercado in- solicitaram consultas com as CE sobre
ternacional era de US$ 250 a 280/ton. seus subsídios à produção e à exportação
Desse modo, as CE produziam açúcar a de açúcar.
um custo de produção altíssimo e ven- Não se tratava, naturalmente, de coin-
diam no mercado internacional a um pre- cidência fortuita, mas de ato deliberado do
ço muito mais baixo, o que só era possível governo brasileiro de questionar, à luz das
em virtude dos altos subsídios concedidos regras multilaterais acordadas por todos,
aos produtores. Em suma, se as regras de os subsídios bilionários dados pelos países
livre comércio e de proibição de subsídios desenvolvidos à sua agricultura, setor de
à exportação realmente fossem observa- crucial importância para todos os PEDs. A
das, as CE não deveriam estar produzindo distorção causada por variada gama de
açúcar algum. O contraste tornava-se níti- subsídios causava prejuízo perceptível às
do entre o rigor das regras da OMC para exportações brasileiras e desequilibrava
os PEDs quanto a subsídios industriais e ilegalmente as condições de competitivi-
uma ampla flexibilidade em relação aos dade da agricultura mundial. O período
subsídios agrícolas concedidos, em regra, analisado pelo painel, de 1999-2002, de-
pelos PDs. monstrava que nesses quatro anos os EUA

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100 CASOS NA OMC: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

tinham concedido US$ 12,9 bilhões em preços internacionais, conforme previsto


subsídios, o que equivalia a uma taxa de no Artigo 6.3(c) do ASMC, assim como o
subsidiamento à produção de 89,5%, em impacto na produção e nas exportações
média. Para cada dólar investido pelo pro- norte-americanas. A equipe brasileira, for-
dutor de algodão, quase noventa centavos mada pelos diplomatas da CGC e da Dele-
eram pagos pelo governo em subsídios. gação em Genebra, assim como por
Em 2001, para um valor total da produção membros de escritório de advocacia inter-
de cerca de US$ 3 bilhões, os subsídios nacional, contou com o apoio fundamen-
chegaram a quase US$ 4,2 bilhões! tal do professor Daniel Sumner, ex-diretor
Aplicando o teste do but for desenvol- do Departamento de Agricultura dos EUA
vido na jurisprudência da OMC, o painel e professor de Economia Agrícola na Uni-
concluiu que, se não fossem os subsídios versidade de Davies, na Califórnia.
norte-americanos, o preço internacional Os programas agrícolas norte-america-
do algodão estaria 9% mais alto, a produ- nos questionados pelo Brasil foram consi-
ção dos EUA seria 16% menor e suas ex- derados incompatíveis com as regras
portações cairiam em 22%. Foi contra essa multilaterais pelo painel, decisão confir-
situação que se iniciou, em 2002, o que mada em apelação. As garantias de crédito
viria a se transformar em um dos casos à exportação foram consideradas subsí-
mais longos da OMC, que esgotaria todos dios à exportação incompatíveis com o
os procedimentos previstos no ESC: con- Acordo sobre Agricultura e com o ASMC,
sultas, painel, apelação, painel de imple- por serem concedidas em condições dis-
mentação (Artigo 21.5 do ESC), nova tintas das do mercado e com custo líquido
apelação e painel de retaliação (Artigo para o governo. O programa “Step 2”
22.6 do ESC). A disputa foi, na verdade, também foi considerado subsídio proibi-
um caso dentro de outro caso. Antes de do à luz do ASMC, por estar condicionado
poder questionar a ilegalidade dos subsí- à exportação ou ao consumo do produto
dios perante o painel, o Brasil teve que norte-americano em detrimento do im-
vencer o obstáculo da chamada “cláusula portado. No campo dos “subsídios acio-
da paz”, dispositivo do Acordo sobre náveis”, comprovou-se que os programas
Agricultura (Artigo 13), que impedia, du- “Marketing Loan”, “Counter-Cyclical Pay-
rante nove anos (1995-2003), qualquer recla- ments” e “Step 2” constituem subsídios
mação contra subsídios na área agrícola, que causam prejuízo grave ao Brasil por
desde que respeitados certos montantes meio da supressão dos preços internacio-
e requisitos. Assim, em lugar das duas nais e pelo aumento desproporcional da
audiências regulares previstas, houve participação norte-americana nas exporta-
uma terceira, de caráter preliminar, na ções de algodão, em violação aos Artigos
qual o Brasil precisou demonstrar que o 5 e 6(c) e (d) do ASMC. Em outras pala-
nível de apoio total dos EUA (Aggregate vras, a estrutura de apoio existente isolava
Measurement of Support), já alto (US$ 19 o produtor norte-americano dos sinais de
bilhões), estava sendo ultrapassado com mercado, gerando artificialmente excesso
os subsídios ao algodão e a outras commo- de produção e exportação; esse excedente
dities. Seguindo seu curso, a disputa se causava supressão dos preços internacio-
tornou um grande embate entre modelos nais, tendo em vista participação domi-
econométricos apresentados pelas partes, nante dos EUA no mercado.
que procuravam demonstrar o nexo cau- Frente à resistência dos EUA em acatar
sal entre os subsídios e a supressão dos as decisões, mesmo após novas derrotas

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ARTIGOS

na OMC, o Brasil obteve o direito de reta- do classificado na posição 02.10 e tinha


liar os EUA, tanto em bens como em pro- como requisito conter sal na quantidade
priedade intelectual, em um montante, de 1,2% a 3%, estando sujeito a uma tarifa
para o ano 2009, de cerca de US$ 829 mi- ad valorem de 15,4%.
lhões. Com a determinação do governo Em 2002, as CE editaram o Regulamen-
brasileiro de levar adiante esse “último to CE no 1.223/2002, que alterou a classifi-
recurso” previsto no ESC – com a realiza- cação tarifária do frango para a posição
ção de consultas públicas sobre a lista de 02.07, elevando a tarifa para 1.024 euros/
bens e de setores de propriedade intelec- ton., além de também sujeitar o produto à
tual a serem retaliados, sua publicação no aplicação de uma salvaguarda especial
Diário Oficial com data para entrar em agrícola. Segundo os europeus, para se
vigor e coesão governamental –, os EUA enquadrar na posição 02.10, a carne de
finalmente cederam e enviaram delegação frango deveria ser impregnada de sal em
para negociar com o Brasil. Como resulta- um nível suficiente para “assegurar a con-
do, em junho de 2010, assinou-se um servação de longo prazo”, introduzindo
Acordo Quadro entre os dois países, solu- critério de classificação até então inexis-
ção temporária que prevê o pagamento da tente. O Brasil afirmava que a noção de
maior compensação financeira da história conservação de longo prazo não estaria
da OMC, US$ 147 milhões por ano, até sugerida no termo “salgado”. Com isso,
que se ajustem os programas agrícolas às alegou que a reclassificação tarifária da
decisões da OMC no processo de revisão carne de frango salgada resultava em tra-
da “Farm Bill” ou que outra solução mu- tamento menos favorável para o produto
tuamente satisfatória seja alcançada. Esses que o conferido pelas CE em sua lista de
recursos, também de maneira inédita, es- compromissos, em violação aos Artigos II
tão sendo canalizados para o Instituto e XXVIII do GATT 1994.
Brasileiro do Algodão, entidade criada pa- O painel decidiu que a reclassificação
ra auxiliar no desenvolvimento da cotoni- tarifária promovida pela CE violava os
cultura brasileira. Parte dos recursos será Artigos II.1(a) e II.1(b) do GATT 1994. O
ainda destinado à cooperação internacio- Órgão de Apelação, confirmando a deci-
nal brasileira no setor do algodão, com são do painel, afirmou que o termo “salga-
destaque para programas em países da do” não condicionava a adição de sal à
África Subsaariana, do Mercosul e Haiti. preservação do produto e considerou que
o escopo do compromisso tarifário não
estaria limitado a produtos salgados com
Frango salgado objetivo de preservação de longo prazo.
Com isso, o Órgão de Apelação confirmou
Este caso foi iniciado em 2003 contra as que os cortes congelados desossados de
CE por conta da modificação na classifica- frango com adição de sal em 1,2% a 3,0%
ção tarifária do frango salgado importado estariam cobertos pelos compromissos as-
pelo bloco europeu. Essa mudança na sumidos na posição 02.10 da lista de com-
classificação fez com que o frango brasilei- promissos da CE e recomendou ao OSC
ro passasse a pagar uma tarifa de importa- que solicitasse às CE a alteração das medi-
ção mais elevada do que a anteriormente das consideradas incompatíveis com o
aplicada ao mesmo produto no momento GATT 1994.
de sua entrada no território europeu. De Ao final do “período razoável de tem-
1996 a 2002, o produto brasileiro havia si- po” para implementação, fixado em 9 me-

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100 CASOS NA OMC: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

ses, as CE decidiram recorrer ao disposto dor e produziria grave ameaça ao meio


no Artigo XXVIII do GATT 1994, que per- ambiente e à saúde pública (tese do “au-
mite a modificação da lista de compromis- mento do passivo ambiental”). A defesa
sos, desde que amparada na concessão de brasileira fundamentou-se nas exceções
outras compensações por parte do Mem- dos Artigos XX(b) e XX(d) do GATT 1994,
bro que promove a alteração. Desse modo, por considerar que as medidas seriam ne-
a Comissão Europeia, após negociações cessárias, respectivamente, para a prote-
com o Brasil, adotou dois novos regula- ção do meio ambiente e da saúde pública,
mentos, que conferiram quotas de impor- bem como para a prevenção de práticas
tação para os exportadores brasileiros nos enganosas (deceptive practices). Ademais, o
seguintes montantes: (i) 170 mil ton./ano Brasil alegava que a exceção conferida ao
de frango com tarifa de 15,4%; (ii) 92 mil Mercosul estaria amparada no Artigo
ton./ano de carne de peru com tarifa de XXIV do GATT 1994, que estabelece exce-
8,5%; (iii) 79 mil ton./ano de preparações ção à cláusula da nação-mais-favorecida
à base de frango com tarifa de 8%, solução para acordos regionais de comércio. Res-
considerada satisfatória pelo setor priva- salte-se que no presente caso havia tam-
do brasileiro. bém um elevado volume de pneus usados
importados por meio de liminares no Bra-
sil, especialmente da Europa10.
Pneus Na apreciação do caso, tanto o painel
quanto o Órgão de Apelação reconhece-
O caso dos pneus teve início em 2005 e ram a validade dos argumentos brasileiros
refere-se à demanda das CE contra o Bra- no tocante aos aspectos ambientais e de
sil em razão da proibição brasileira às im- saúde pública, uma vez que ambos afirma-
portações de pneus reformados. Em 2000, ram que a proibição das importações de
o Brasil passou a proibir a importação de pneus reformados seria medida “necessá-
pneus reformados, por meio da Portaria ria” para proteger o meio ambiente e a
SECEX no 8/00. Segundo as CE, as medi- saúde pública, com base no Artigo XX(b)
das brasileiras restritivas à importação de do GATT 1994. Esse posicionamento repre-
pneus reformados tinham caráter prote- sentou importante vitória para os objetivos
cionista e afetavam de maneira adversa as brasileiros, já que a OMC reconheceu ao
exportações europeias do produto para o país o direito de adotar medidas restritivas
Brasil. Além de questionar as medidas às importações de produtos nocivos ao
brasileiras que estabeleciam a proibição meio ambiente e à saúde pública.
de importação de pneus reformados, as O Órgão de Apelação, por sua vez, en-
CE fizeram objeção também à exceção tendeu que, da forma como foi aplicada
conferida aos Estados membros do Merco- pelo Brasil, a proibição de importações de
sul (especialmente o Uruguai), os quais pneus reformados constituía um meio dis-
estavam aptos a exportar esses produtos criminatório e restritivo de aplicação da
para o mercado brasileiro.9 Com isso, as exceção contida no Artigo XX do GATT
CE alegavam que as medidas brasileiras 1994. Isso porque a proibição brasileira
violavam os Artigos I:1, III:4, XI:1 e XIII:1 excetuava os importadores brasileiros que
do GATT 1994. obtinham medidas liminares perante o
Em sua defesa, o Brasil alegou que a Poder Judiciário, bem como as importa-
importação de pneus reformados acelera- ções provenientes dos parceiros do Merco-
ria a geração de resíduos no país importa- sul. O Órgão de Apelação então decidiu

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ARTIGOS

que as medidas brasileiras de proibição de cido em setembro do ano seguinte, versou


importação de pneus reformados seriam sobre a legalidade: (i) do uso do “zeroing”
incompatíveis com o Artigo XI:1 do GATT em duas revisões administrativas realiza-
1994 e não estariam excetuadas pelo Arti- das pelo USDOC; e (ii) do “uso contínuo”
go XX do GATT 1994. O Brasil deveria dessa metodologia de cálculo nos procedi-
modificar sua legislação, podendo: (i) ado- mentos antidumping sucessivos (investiga-
tar medidas restritivas à importação de ção original e revisões) relativos ao suco
pneus reformados, desde que para todos de laranja.
os Membros da OMC; ou (ii) liberalizar a Em linhas gerais, o Brasil defendeu
importação de pneus reformados para to- que o dumping é um conceito relativo ao
dos os Membros da OMC. comportamento do exportador e deve ser
Para dar cumprimento às recomen- definido em relação ao “produto como um
dações do painel/Órgão de Apelação, foi todo”. Em outras palavras, quem pratica
ajuizada a Arguição de Descumprimento dumping é o exportador – e não o importa-
de Preceito Fundamental (ADPF) no 101 dor –, e todas as vendas do produto, feitas
perante o Supremo Tribunal Federal, com no período de referência, devem ser leva-
o objetivo de eliminar a possibilidade de das em conta no cálculo da margem de
concessão de liminares à importação de dumping. A prática do USDOC consiste
pneus reformados e de cassar as liminares em, ao somar os resultados das compara-
já concedidas. Em 24/06/2009, o STF jul- ções entre o preço de exportação do pro-
gou favoravelmente a ADPF no 101 e, com duto com seu valor normal no mercado
base na decisão do STF, foi editada a doméstico do país exportador, descartar
Portaria SECEX no 24, de 26/08/2009, os resultados em que o preço de exporta-
eliminando a exceção para o Mercosul. ção está acima do valor normal.11 Ao assim
Desse modo, em 25/09/2009, o Brasil re- proceder, a autoridade investigadora nor-
portou ao OSC o cumprimento integral te-americana não permite que esses resul-
das recomendações referente ao caso. A tados compensem aqueles em que o preço
firme disposição do Brasil de dar cumpri- de exportação é efetivamente inferior ao
mento às determinações da OMC – refle- preço doméstico, o que resulta em uma
tido na decisão de se recorrer à mais alta margem de dumping que não corresponde
Corte do país – reforça a legitimidade do à totalidade das vendas no período sob
Brasil no sistema multilateral e justifica a investigação. O zeroing, portanto, não so-
posição do Brasil quando espera o mesmo mente infla a margem de dumping, como
grau de cumprimento por parte de seus também pode tornar uma determinação
parceiros comerciais. sobre a existência e a magnitude do dum-
ping de negativa em positiva.
O painel decidiu a favor do Brasil, de-
Suco de laranja clarando que, tanto o uso do zeroing nas
duas revisões administrativas, quanto o
Em 27/11/2008, o Brasil apresentou uso contínuo dessa metodologia de cálcu-
pedido de consultas aos EUA a respeito lo em procedimentos antidumping sucessi-
de medidas antidumping adotadas pelo vos, eram incompatíveis com o Artigo 2.4
Departamento de Comércio desse país do Acordo Antidumping. Esse dispositivo
(USDOC) com relação à importação de determina que uma “comparação justa”
determinados tipos de suco de laranja deve ser feita entre o preço de exportação
provenientes do Brasil. O painel, estabele- e o valor normal do produto.

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100 CASOS NA OMC: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Esse contencioso iniciado pelo Brasil as políticas de incentivo à sustentabili-


poderia ser visto como apenas mais um dade ambiental. Os contenciosos rela-
caso contra o zeroing na OMC. Efetiva- cionados a esses temas revestem-se de
mente, o assunto não é novo. Em 2001, no particular importância para o Brasil, país
primeiro caso entre a Índia e a Comunida- com grandes reservas de matérias-pri-
de Europeia, o Órgão de Apelação já havia mas, grande importador desses produtos
declarado o uso do zeroing nas investiga- e país com destacado interesse no desen-
ções originais como procedimento incom- volvimento e expansão da utilização da
patível com o Acordo Antidumping. Desde energia renovável.
então, 9 Membros, em 13 casos diferentes, O contencioso a respeito da relação en-
já questionaram essa prática e o resultado tre comércio e exploração de recursos na-
em todos os contenciosos julgados foi des- turais é o denominado China – Raw
favorável aos norte-americanos. Contudo, Materials (DS394-395-398), iniciado em ju-
as recomendações do painel no contencio- nho de 2009, no qual EUA, México e União
so brasileiro (sobre o suco de laranja) re- Europeia (UE) questionaram a legalidade,
presentaram avanço na jurisprudência na perante as normas da OMC (especifica-
OMC.12 Ademais, este contencioso marcou mente o Protocolo de Acessão da China à
uma mudança de atitude na postura nor- OMC e diversos dispositivos do GATT
te-americana. Pela primeira vez, em casos 1994, como os Artigos VIII, X e XI), das
envolvendo a aplicação de zeroing em re- medidas restritivas chinesas à exportação
visões administrativas, os EUA decidiram de diversos tipos de matérias-primas.13 O
não apelar da decisão do painel, o que Brasil atuou como terceira parte na dispu-
parece corroborar a decisão brasileira de ta. Entre as medidas restritivas adotadas
questionar a prática, a qual acabou contri- pela China e questionadas pelos deman-
buindo para a mudança de posição da dantes, destacam-se os impostos de expor-
administração norte-americana em rela- tação, as quotas de exportação, os requisitos
ção ao assunto. de licenciamento de exportação e os requi-
Tendo em vista não terem os EUA apre- sitos de preço mínimo de exportação.
sentado apelação, foi possível antecipar o Uma particularidade em relação a esse
“período razoável de tempo” para imple- caso deve ser observada. Por ter acedido à
mentação, que foi definido, de comum OMC tardiamente (somente em 2001), a
acordo entre as partes, em 9 meses, deven- China negociou obrigações adicionais em
do expirar no próximo dia 17/03/2012. comparação aos demais Membros da OMC,
as quais ficaram inscritas em seu Protocolo
de Acessão à OMC. Entre elas, destaca-se a
Novos temas obrigação da China de eliminar as tarifas à
exportação. Em relação aos impostos à ex-
Recentemente, novos temas passaram portação, o Protocolo de Acessão da China
a fazer parte da agenda do OSC, levando à OMC trazia compromissos específicos
os painéis e o Órgão de Apelação a exa- para sua limitação ou não aplicação, razão
minar assuntos que até então não tinham pela qual tanto o painel quanto o Órgão de
sido objeto de apreciação no sistema de Apelação consideraram essas medidas co-
solução de controvérsias da OMC. Entre mo incompatíveis com as regras multilate-
eles, destaca-se a relação entre o comércio rais aplicáveis à China.14
e o direito à exploração de recursos Outro ponto relevante referiu-se à uti-
naturais, bem como entre o comércio e lização do Artigo XX(g) do GATT 1994

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ARTIGOS

como argumento de defesa em relação à também figura como terceira parte, e estão
violação do Protocolo de Acessão da Chi- atualmente em curso.
na à OMC. Nesse ponto, tanto o painel Nesses dois casos, Japão e UE apresen-
quanto o Órgão de Apelação adotaram taram questionamento contra o Canadá
uma interpretação restritiva no sentido de em razão do programa governamental da
que não se poderia utilizar o referido dis- província de Ontário (Canadá), denomi-
positivo do GATT 1994 para justificar es- nado Feed-In Tariff Program. Segundo eles,
sas violações, já que o Parágrafo 11.3 do esse programa vincularia a possibilidade
Protocolo de Acessão não havia feito men- de acesso a um mecanismo de preços ga-
ção a “outros acordos ou exceções”15. rantidos para geradores de energia elétri-
A tentativa de utilização, pela China, ca de fontes renováveis (solar ou eólica) à
da exceção prevista no Artigo XI:2(a) do utilização de equipamentos de geração
GATT 1994 como argumento de defesa em produzidos localmente (regra de conteú-
relação à violação do Artigo XI:1 do GATT do local mínimo). Assim, tanto o Japão
1994, também deve ser considerada. A quanto a UE alegaram violação ao ASMC,
China alegou que as restrições que estabe- ao GATT 1994 e ao Acordo TRIMS, por
leceu para a exportação dos referidos pro- considerarem haver um subsídio proibido
dutos seriam necessárias para aliviar a (vinculado ao uso de produtos domésticos
escassez desses produtos internamente. em detrimento dos importados), bem co-
Contudo, tanto o painel quanto o Órgão mo tratamento discriminatório entre os
de Apelação entenderam que somente produtos nacionais e os importados.
medidas que fossem aplicadas de maneira O Canadá buscou justificar eventuais
temporária, isto é, que não se revelassem violações ao tratamento nacional por meio
como permanentes ou indefinidas, pode- do Artigo III:8(a) do GATT 1994, o qual
riam estar amparadas pelo Artigo XI:2(a) estabelece exceção para compras governa-
do GATT 1994. Assim, as medidas chine- mentais. Este é um caso emblemático e
sas, renováveis anualmente, não preen- deverá definir qual o espaço de atuação
chiam esse requisito. dos agentes públicos na estruturação de
O outro tema recente e de grande rele- políticas de incentivo relacionadas à ener-
vância para o OSC é o que envolve “co- gia renovável. Assim, caberá ao painel e ao
mércio e sustentabilidade ambiental”, Órgão de Apelação avaliarem em que me-
tendo em vista os aspectos comerciais re- dida as iniciativas relacionadas à sustenta-
lacionados a políticas de incentivo à gera- bilidade ambiental poderão se conformar
ção de energia renovável. Em 2010-2011, com as regras multilaterais de comércio.
foram iniciados três contenciosos a respei-
to desse assunto, sendo eles o Canada – Re-
newable Energy (DS412), o China – Measures Conclusão
Concerning Wind Power Equipment (DS419)
e o Canada – Feed-In Tariff Program (DS426). A participação do Brasil no sistema de
Dos três casos, o segundo (DS419) foi en- solução de controvérsias da OMC, nesses
cerrado após a China anunciar a modifica- 17 anos, reflete um esforço estruturado
ção de seus programas no que se refere às do governo brasileiro de estar capacitado
medidas consideradas incompatíveis com a atuar em defesa de seus interesses, bem
as regras da OMC. Os outros dois (DS412 como também decorre da percepção da
e DS426) foram recentemente unificados relevância desse sistema para a manu-
em um único painel, nos quais o Brasil tenção das regras multilaterais do comér-

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100 CASOS NA OMC: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

cio internacional. A experiência brasileira qualidade jurídica de suas decisões e de


ao longo desse tempo demonstra igual- seu trabalho de interpretação, incluindo a
mente a interação que muitas vezes ocor- análise dos mais diversos conceitos (entre
re entre temas discutidos em painéis e no eles o de “produtos similares”, “objetivo
Órgão de Apelação e sua negociação em legítimo”, “ente público”, “benefício”,
outros foros. etc.), do escopo das exceções do artigo XX
A resolução de litígios no sistema de do GATT 1994, da abrangência e conceitu-
solução de controvérsias da OMC, quando ação de subsídio ou ainda do uso de base
respaldada por legal reasoning consistente, científica em assuntos sanitários e fitossa-
pode claramente influenciar a condução nitários. Por fim, extraordinário também
dos interesses nacionais nos diversos gru- por conta do equilíbrio que consegue, na
pos negociadores da OMC. Exemplo típi- maior parte das vezes, conferir às decisões.
co foi a criação e atuação do G20 agrícola, Importante, portanto, preservar a integri-
o qual pôde reforçar suas posições com as dade e imparcialidade desse órgão, sem o
decisões e interpretações dos painéis/Ór- qual dificilmente esse sistema teria obtido
gão de Apelação oriundas dos casos do o sucesso que o distingue.
algodão e do açúcar. Quanto à eficácia última do sistema –
Quer seja no polo ofensivo, quer no entendida como a capacidade de efetiva-
polo defensivo, o Brasil só tem a ganhar mente obter o cumprimento de decisão ou
com a atuação consistente perante os ór- satisfação pelo descumprimento – ponto
gãos adjudicantes da OMC. Quanto aos tão debatido na Academia e na prática dos
interesses do setor privado, pode-se tam- atores governamentais, o sistema de solu-
bém concluir que os resultados alcançados ção de controvérsias da OMC já demons-
na maior parte dos contenciosos foi favo- trou que, mais que em qualquer outro
rável ao Brasil. sistema, é possível induzir um país a ob-
A realidade acima parece confirmar servar as regras multilaterais. É isso que se
que o sistema, apesar das críticas que rece- pode inferir das controvérsias das quais o
be, funciona razoavelmente bem e é relati- Brasil foi parte, examinadas acima. Quan-
vamente eficaz. Sem ser perfeito, o sistema do isso não acontece – e no fundo a OMC
de solução de controvérsias da OMC tem é um regime de equilíbrio dinâmico de
sido capaz de gerar resultados úteis para obrigações e concessões – permanece a
as diferenças que surgem entre os Mem- porta para a aplicação de medidas retalia-
bros da OMC e que, sem resolução oriun- tórias ou oferecimento de compensações.
da de órgão com legitimidade reconhecida, Os mais de 100 casos com participação
poderiam levar a tensões ainda maiores brasileira, portanto, representam um pa-
nas relações entre os diversos países. Mes- trimônio considerável de conhecimento e
mo em questões intrincadas e de alta com- experiência adquiridos, que servirão para
plexidade técnica ou jurídica, o Órgão de nortear o Brasil nos desafios futuros, bem
Apelação, especialmente, vem realizando como indicam o interesse do país em efe-
trabalho que poderia ser qualificado, sem tivamente participar de um sistema que
exagero, de extraordinário. contribui para promover a redução das
Extraordinário, primeiro, pelas de- tensões entre os países e a estabilidade no
cisões proferidas em curtíssimo espaço plano internacional.
de tempo, geralmente dentro dos 90 dias
regulamentares. Em segundo lugar, pela Fevereiro de 2012

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ARTIGOS

Notas
1. OMC. “Dispute Settlement: Chronological list of dis- União Europeia – com base em decisões liminares, ao
putes cases”. Disponível em http://www.wto.org/en- passo que as importações do Mercosul de pneus remol-
glish/tratop_e/dispu_e/dispu_status_e.htm. Acesso em dados mantinham-se em volumes bem mais modestos,
17/02/2012. de por volta de 100 mil unidades anuais.
2. O Estado de S. Paulo. “Dez anos, cem casos”. Espaço 11. Esse descarte é feito por meio da atribuição do valor
Aberto. p. A-2. zero (daí “zeroing” ou “zeramento”) aos resultados
3. OMC. WT/DS4. “United States – Standards for Refor- das comparações em que o preço de exportação está
mulated and Conventional Gasoline”. Disponível em acima do valor normal.
http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ 12. No presente caso, o painel decidiu que o zeroing é
ds4_e.htm. Acesso em 17/02/2012. unfair independentemente do impacto na margem de
4. Ex-colônias europeias na África, Caribe e Pacífico. dumping final, ou seja, mesmo se a margem for consi-
5. É importante notar que as exportações de “açúcar C” derada de mininis. Relatório do painel. Par. 7.156.
correspondiam a cerca de 3,6 milhões de toneladas/ano 13. As matérias-primas no presente caso são a bauxita,
na época do contencioso. o coque, a fluorita, o magnésio, o manganês, o carbeto
6. F.O. Licht International, World Sugar Yearbook, 2003. de silício, o silício, o fósforo amarelo e o zinco.
7. Estimativa do GAIN Report Number E60053, de 14. A fundamentação para considerar essa incompatibi-
10/06/2011 lidade não se baseou no Artigo XI do GATT 1994, mas
8. Segundo estatísticas da UNICA, as exportações brasi- somente no Protocolo de Acessão da China. Assim, seria
leiras passaram de quase 7 milhões de toneladas na possível considerar que os Membros originários da
safra 2000-2001 para mais de 15 milhões de toneladas OMC poderiam, em tese, aplicar impostos à exportação
na safra 2002-2003. para suas matérias-primas, sem que, com isso, pudes-
9. O Tribunal Permanente de Revisão (TPR) do Mercosul sem ser questionados no sistema de solução de contro-
(Laudo no 01/2005) já havia decidido que não poderia vérsias da OMC.
haver impedimento à livre circulação de pneus refor- 15. Diferentemente da permissão conferida pelo Pará-
mados, sob pena de violação das disciplinas comerciais grafo 5.1 do Protocolo de Acessão da China à OMC,
do bloco. examinado no caso “China – Publications and Audiovi-
10. Com efeito, entre os anos de 2001 e 2005, o Brasil sual Products”, o qual fazia referência expressa a “ou-
importou 27,4 milhões de carcaças – sobretudo da tros acordos da OMC”.

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