INTRODUÇÃO
Muitos pastores andam preocupados com a eficiência do modelo de ensino adotado em sua
igreja. Perguntam-se sobre a melhor metodologia de ensino – será que a revista de escola
dominical já está ultrapassada? –, questionam-se sobre o preparo de professores, mandam
pessoas para lazer o curso da APEC, dinamizam a classe dos jovens com o uso de videocas-
sete etc. etc. Mas, em boa parte dos casos, o resultado não corresponde ao esforço despen-
dido. Seu João continua ranzinza e grosseirão, brigando com todo mundo; dona Maricota
não perdeu nada daquela língua afiada; seu José continua trapaceiro nos negócios; dona
Gertrudes ainda não perdeu seu hábito de colocar-se a todos os ventos como a mais espiri-
tual, incompreendida e injustiçada da igreja; o coral quer dar "show" , e não louvar; os diá-
conos mais disputam entre si do que servem a igreja; não conseguem trabalhar juntos. Por
quê?
É necessário, desde logo, desiludir qualquer um que imagine encontrar no texto que se se-
gue a "divina pomada": uma fórmula que resolveria todos os problemas relacionados a efi-
cácia do ensino na igreja. O que pretendemos e, tão somente, tentar encaminhar a atenção
do irmão para uma outra vertente do problema. Tentar ajudar a olhá-lo por um outro ângu-
lo, na expectativa de que surjam luzes novas sobre a questão. Para tal, pretendemos olhar o
ensino na igreja a partir de um prisma especifico, que se manifesta na seguinte tese:
Ou seja, a compreensão que sua igreja tiver de si própria, de seu passado, de sua missão no
presente e de seu futuro – sua identidade, enfim –, determinará seu tipo de ensino. Assim,
por exemplo, se ela se entende como uma empresa, haverá de tratar de preparar operários
especializados e eficientes nas áreas de gerência, "marketing", produção, vendas, contabili-
dade etc. Se, por outro lado, ela se entende como uma antecâmara dos céus, haverá de bus-
car preparar almas desencarnadas (tanto quanto possível), leves e descomprometidas com o
mundo terreno, material e ignóbil. são exemplos exagerados, é evidente.
O MODELO CATEQUÉTICO
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Artigo Publicado na Revista Teológica da Sociedade dos Estudantes de Teologia Evangélica - SETE, Vol.-
VI, n 12 e no livro Excelentíssimos Senhores, Editora Ultimato, 1ª edição, 1995, pp 195-203.
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Rubem Martins Amorese é Mestre em Comunicação, Presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto em Bra-
sília e autor de vários livros.
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Apoiado em ROOY, Sidney. "Modelos históricos de educación teológica", In: PADILLA, C.R, Nueva
Revista de Educación Teologica, Buenos Aires, Nueva Creación, 1986, cap 4, pp 43-58.
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O MODELO MONÁSTICO
A diminuição do fervor dos primeiros séculos se deveu em grande parte a assimilação do
cristianismo ao Império como religião oficial. A mudança dos papéis dentro da igreja se vê
no contraste entre Tertuliano (200) e as Constituições Apostólicas (350). O primeiro diz:
"Onde três estão juntos, ali está a igreja, ainda que sejam todos leigos", enquanto o segundo
adverte: "O leigo deve honrar ao bispo, deve respeitá-lo como um pai, senhor e mestre,
como o sumo sacerdote de Deus e guia na piedade. Aquele que escuta ao bispo escuta a
Cristo".
O objetivo da educação teológica foi definido com clareza por Rabono Mauro (856), abade
de Fulda e Arcebispo de Mainz, em seu tratado "A educação do clero":
Aqui, já, com a institucionalização da igreja, o ensino deixa de ser universal, para dedicar-
se a preparar "ministros sagrados para o serviço divino": padres. O modelo de ensino, bem
como seu público alvo e seu método, certamente, corresponderão a visão que a igreja tem
de si mesma: instituição eclesiástica, portadora dos oráculos divinos e dos sagrados mistéri-
os (e ministérios).
O MODELO ESCOLÁSTICO
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Os agentes da educação teológica aqui (século XII) eram os professores universitários, com
o afã de conhecer pelo conhecimento.
A grande busca do escolasticismo, no entanto, era a síntese entre a razão e a fé, a teologia
natural e a revelação, o mundo e o céu. Mas as grandes "sumas teológicas" dos doutores di-
vinos tinham pouco a ver com o homem comum e com a grande maioria do clero: eram
bem mais uma preparação de professores. Não havia preocupação com a piedade dos alu-
nos. Só as ordens tinham esse tipo de preocupação. Com isso, desenvolve-se, em pouco
tempo, a ênfase na educação por simbologia: sacramentos, sinais, abluções, ritos herméti-
cos.
Como conseqüência, chega-se ao ponto de o Sínodo de Treves, em 1221, dado o grande nú-
mero de sacerdotes não educados, proibir a pregação nos cultos.
"Mas os cultos e festas religiosas eram muito elaborados: oito serviços diários, dis-
tintas classes de música, festas do ano eclesiástico, celebrações pelos santos, dias
de jejum, orações pelas semeaduras e pelas colheitas, cerimônias de iniciação na
igreja (batismo, confirmação, primeira comunhão, reconciliação de hereges e im-
penitentes, ordenação de clero). Cresceram o uso de vários tipos de drama, a ar-
quitetura majestosa e a música na igreja e no campo. "
O MODELO DE SEMINÁRIO
Com a Reforma, dividem-se as abordagens. No caso católico, o modelo de seminário é uma
espécie de extensão do monástico e escolástico, destinados a formação do clero.
Com Lutero, Calvino e outros, surgem os institutos bíblicos, e os seminários para leigos, a
partir da redescoberta da doutrina do sacerdócio de todos os santos. Não durou duzentos
anos, e a tendência se manifesta outra vez, no fechamento para os leigos.
Ainda hoje, não superamos o impasse de termos um ensino bíblico que, muitas vezes, res-
ponde a perguntas que não mais se fazem e não tem tempo, nem currículo, para dedicar-se
as questões que afligem o cidadão. Ainda hoje persiste uma ótica de preparação de líderes e
pastores que rouba do crente comum sua herança de sacerdote. Ainda hoje temos uma ótica
de preparação de recursos humanos para nossas instituições eclesiásticas: obreiros que ocu-
pem os quadros vacantes.
A que conclusão se chega com tudo isto? Parece-me que fica claro, no mínimo, que não es-
tamos conduzindo a conversa no sentido de se investir em professores, material instrucio-
nal, tecnologia educacional etc., que, por sinal, em muitos casos, anda séculos atrasada em
relação ao padrão das escolas seculares. Nossa ênfase é de que há uma etapa anterior a ser
tratada. Antes de se pensar no método de ensino, h6 que se responder adequadamente a
questões simples e reveladoras como as que se seguem:
As respostas a essas questões, e outras do mesmo calibre, revelarão, certamente, o que cha-
mamos de identidade da igreja. É o mesmo tipo de pergunta que se faz uma pessoa durante
toda a sua vida. Seu equilíbrio e saúde dependem das respostas que puder dar a elas. Veja,
por exemplo, um adolescente típico. Por que toda aquela crise? Certamente, entre outras
coisas, porque não pode responder com clareza a essas questões. O que ele era já não serve
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mais, e o que vai ser, ainda não se manifestou integralmente. Ele vive uma típica crise de
identidade. Fenômeno semelhante pode ser observado entre os desmemoriados ou aturdi-
dos; entre pessoas ou grupos que passam por profundas mudanças na sua forma de se com-
preender.
"COMUNIDADE ALTERNATIVA"
De uma forma geral, poderíamos dizer que a igreja é uma comunidade alternativa, porque
se apresenta (ou deveria se apresentar) ao mundo como a prova de que o projeto de Deus
para suas criaturas e viável quando essas criaturas aceitam seu perdão e senhorio.
Trata-se de uma proposta que, por ser baseada em uma nova humanidade (Rm 5:12-21;
1Pe.2:9,10; 1Co. 15:22e48 e 2Pe 1:4), visível nas pessoas pelo fruto do Espírito, que é uni-
versal; por viver a vida de discípulos, no Espírito (Gal. 5:16-25), por viver a comunhão e
unidade da fé (Ef. 4:1-6), por trazer cura substancial para o homem (Jo. 10:10 Is. 53:) e por
encamar em sua vida os valores do Reino, que se manifestam num sentido alternativo para
a vida - em suas relações familiares, sociais, econômicas, com a natureza, com o belo, com
o moral, com o passado, presente e futuro, e conosco mesmo (auto estima, perdão); e por
viver uma nova esperança (Rm 8:19-23), apresenta-se ao mundo como sobrenatural e capaz
de oferecer muito do que não se encontrou no modelo secular.
Jesus estava preocupado com o "marketing" da igreja – "para que o mundo creia". Entendia
que a primeira coisa que o descrente deveria ver, para crer na sobrenaturalidade daquela so-
ciedade era a sua marca registrada: o amor e a unidade.
A ressurreição de Jesus em corpo anuncia que a natureza será redimida (Rm. 8:19-22).
CONCLUSÃO
Como seria o ensino de sua igreja se ela fosse como se descreveu anteriormente? Como en-
sinar sua igreja a ser assim com a metodologia atualmente adotada? Por onde começar a
mudança?
Ai estão algumas questões difíceis de responder. Mas se o irmão é capaz de perceber que
existe um padrão de identidade para a igreja na vida e no ministério de seu Senhor, e tam-
bém percebe que sua igreja não corresponde a esse padrão, acredite que já caminhou bas-
tante.
Existe uma grande diferença entre aquilo que uma igreja é e aquilo que seus dirigentes pen-
sam que ela é: isso se dá porque, muitas vezes, desenvolvemos uma especial habilidade de
ver o que queremos e de não ver o que não queremos.
Assim, em muitos casos, o pastor não esta satisfeito com os efeitos do ensino em sua igreja,
porque não tem uma imagem correta dela, e não vê, assim, que o ensino nela praticado aca-
ba por reproduzir a real identidade daquela igreja. Ou seja: inconscientemente, formam-se
pessoas para ajustarem-se a instituição. Funciona muito parecido com o que se diz da edu-
cação das crianças: ela será muito mais parecida com o que somos do que com o que lhe
queremos ensinar. E se houver conflito entre os dois, ela ficará no primeiro.
Por isto tudo, recomendamos que se comece por uma auto-análise sincera e honesta. O con-
fronto de minha vida com o modelo de Cristo pode trazer mudanças. E essas mudanças aca-
bam por atingir minha igreja. O modelo de ensino virá a seu tempo.