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EDUCAÇÃO FÍSICA E CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO: UMA


PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA E SEMIÓTICA

Article  in  Revista da Educação Física/UEM · May 2008


DOI: 10.4025/reveducfisv18n2p207-217

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1 author:

Mauro Betti
São Paulo State University
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EDUCAÇÃO FÍSICA E CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO: UMA


PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA E SEMIÓTICA

PHYSICAL EDUCATION AND BODY MOVIMENT CULTURE: A SEMIOTICAL AND


PHENOMENOLOGICAL PERSPECTIVE

Mauro Betti∗

RESUMO
Este ensaio teórico considera a hipótese de que a Semiótica de C. S. Peirce pode apontar os limites da abordagem
culturalista da Educação Física e indicar uma agenda de desafios que deverão ser enfrentados pela Teoria (Pedagógica) da
Educação Física. Para tal, após apontar contribuições e limites da fenomenologia de M. Merleau-Ponty, explicita alguns
fundamentos conceituais da Semiótica peirceana (signo, semiose e experiência) e conclui sugerindo uma perspectiva
fenomenológico-semiótica para a Educação Física, que, ao considerar alunos e professores como produtores de signos e
relações interpretantes, apresente alternativas aos impasses da “resposta culturalista”.
Palavras-chave: Educação Física. Fenomenologia. Semiótica.

INTRODUÇÃO social; a consideração da subjetividade; a tarefa de


mediação simbólica da Educação Física; e o
A concepção de “cultura” emergiu, nos anos 80 sentido/significado do mover-se. Alerta, todavia, o
e 90 do século passado, como uma adequada autor, para a armadilha que o uso do conceito de
resposta para os impasses teóricos e a “crise de “cultura” pode esconder à Educação Física: se o
identidade” da Educação Física à época. “Cultura estudo da “cultura” não for aprofundado, poderá
corporal”, “cultura de movimento”, “cultura corporal “engessar” a própria Educação Física.
de movimento” – seja qual fosse o rótulo, tais Assim, após considerar algumas contribuições e
entendimentos consolidaram a ruptura entre natureza limites da fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty
e cultura, oriunda das Ciências Humanas (e em parte (1908-1961) para a elucidação do tema,
da Filosofia), no interior da Educação Física. trabalharemos com a hipótese de que a Semiótica de
Daolio (2004) demonstrou resumidamente Charles S. Peirce (1839-1914), que possui também
como o ser humano foi concebido como um “ser uma base fenomenológica, pode apontar os limites
cultural” em vários autores (BRACHT, 1999; da “resposta culturalista”, e indicar uma agenda de
KUNZ, 1991; BETTI, 1994), nos quais o conceito desafios que deverão ser enfrentados pela Teoria
de “cultura” aparece de modos diversos, embora (Pedagógica) da Educação Física.
com denominadores comuns, tais como: a
importância da dimensão simbólica no
comportamento humano; o fato de a Educação A RESPOSTA CULTURALISTA
Física contemplar, ao mesmo tempo, um sabe-fazer e
um saber sobre esse fazer; a necessidade de Betti (1996) diagnosticou a existência, no
equilíbrio entre a identidade pessoal e a identidade campo de Educação Física, de uma “matriz


Professor Adjunto do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista –
campus de Bauru.

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científica” e de uma “matriz pedagógica”. conhecimento e intervenção profissional-


Bracht (1999) realizou significativo avanço para pedagógica que expressa projetos social e
a compreensão das relações entre essa duas historicamente condicionados, os quais, por sua
concepções, ao perceber a Educação Física vez, levam à construção dos objetos da pesquisa
como campo acadêmico responsável pela científica, ao passo que esta se exercita e
teorização da prática pedagógica que se propõe a transforma constantemente no seio da
tematizar manifestações da cultura corporal de comunidade acadêmica. Para o autor, na
movimento. O objeto da Educação Física seria, qualidade de prática pedagógica, o projeto da
então, o saber específico de que trata essa Educação Física é a apropriação crítica da
prática, qual seja, a cultura corporal de cultura corporal de movimento.
movimento, perspectiva na qual “o movimentar-
se é entendido como forma de comunicação com Limites da resposta culturalista
o mundo que é constituinte e construtora de A “resposta culturalista” supõe resolvida a
cultura, mas também possibilitada por ela”; é ambigüidade inerente à Educação Física como
linguagem específica, “mas que, enquanto área profissional-pedagógica: sua especificidade
cultura, habita o mundo do simbólico” repousa no corpo/motricidade (linguagem
(BRACHT, 1999, p. 45). “corporal”), mas os conhecimentos científicos e
Betti (1994, p. 42), ao considerar os filosóficos só podem ser expressos
objetivos pedagógicos da Educação Física em simbolicamente pela língua ou pela linguagem
uma perspectiva semiótica, alerta que a matemática. Daí o dilema da abordagem
Educação Física não deve transformar-se em um culturalista: quer valorizar o discurso científico
discurso sobre a cultura corporal de movimento, e filosófico com a cultura corporal de
“mas numa ação pedagógica com ela [...] sempre movimento, mas corre o risco de perder a
impregnada da corporeidade do sentir e do especificidade da Educação Física (sua
relacionar-se; a dimensão cognitiva (crítica) [...] dimensão profissional-pedagógica), ao se tornar
far-se-á sempre sobre este substrato corporal, um discurso sobre a cultura corporal de
mas só é possível através da linguagem”. Isso movimento - algo que a Sociologia ou a
caracteriza um saber orgânico “que não pode Psicologia, por exemplo, também podem fazer.
ser alcançado pelo puro pensamento [...] não é Betti (1994) já havia apontado como, para a
um saber que se esgota num discurso sobre o Educação Física, a relação entre a teoria e a
corpo/movimento”. Então, o papel da Educação prática é um problema no qual fica sempre
Física, para o autor, seria auxiliar na mediação implícita uma questão semiótica. Para o autor, o
simbólica desse saber orgânico para a recurso à lingüística estruturalista de F.
consciência do sujeito que se movimento, por Saussure, ao eleger a língua como sistema de
intermédio da língua e outros signos não- signos ideal, acaba impondo maior
verbais, levando-o à autonomia no usufruto da distanciamento entre a teoria e a prática, já que a
cultura corporal de movimento. primeira só pode exprimir-se pela língua, ao
Bracht (1999), ao abordar a mesma questão, passo que a “prática” da Educação Física é
esclarece que, quando a teoria crítica da “corporal”, portanto “as teorias da Educação
Educação Física propõe a cultura corporal de Física estariam condenadas a falar sobre o
movimento como objeto, para além de um “fazer corpo e o movimento, sem jamais atingi-los”
corporal” está implicado um saber sobre o (BETTI, 1994, p. 28).
movimentar-se humano que deve ser transmitido Mesmo que se concorde com a resposta
ao aluno, e logo surge o ‘pré-conceito’ que está culturalista, resta ainda perguntar de onde vem o
propondo transformar a Educação Física num novo. Por que a cultura se transforma? Por que
discurso sobre o movimento, retirando este do ela é dinâmica? Seria suficiente responder que
centro da ação pedagógica daquela. todos os seres humanos são agentes de cultura,
Ao revisar e refletir sobre essas diversas porque se “enredam” diferentemente na “teia de
considerações à luz da filosofia da ciência, Betti significados” da cultura, portanto
(2005a) concluiu que a Educação Física não é “ressignificam” a cultura, conforme a
uma disciplina científica, mas sim, uma área de interpretação recorrente na Educação Física?

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Aptidão fisica relacionada à saúde de adolescentes oriundos de diferentes níveis econômicos 209

Ora, quando se fala em “ressignificação”, está se a cultura fosse o fundamento, o ponto de


pressuposta uma “significação” inicial... De partida. Ora, é verdade que tal concepção
onde ela vem? E novas significações, seriam permite algum avanço, na medida em que a
possíveis? Como elas se produzem? cultura não é mais vista como “produto”, mas
O apelo à Semiótica torna-se inevitável, e “processo”; contudo, a cultura passa a ser vista
Daolio (2002) atribui à concepção simbólica de como “causa” das manifestações corporais; nada
cultura presente na antropologia de Clifford existiria senão sob o jugo da cultura, a qual se
Geertz uma suposta e decisiva influência da explicaria a si própria. Uma perspectiva
Semiótica de C. S. Peirce. Em outro texto, o fenomenológica da cultura simultaneamente
mesmo autor (DAOLIO, 2001, p. 30) afirma que delineará alguns avanços e limites nesse
tal “visão semiótica” de cultura, entendida como entendimento.
“conjunto de padrões de significados”,
permitiria “considerar todos os homens como Avanços e limites na perspectiva fenomenológica
agentes de cultura” e “ampliar o conceito de A fenomenologia tributária de E. Husserl
cultura para um processo simbólico (1859-1938), e em especial a de M. Merleau-
absolutamente dinâmico”. Não obstante, na obra Ponty, permitem novos olhares sobre essas
de C. Geertz mais citada na Educação Física, “A questões. Sabe-se como Husserl, ao criticar o
interpretação das culturas” (GEERTZ, 1989), fato de que as ciências não sabem de que são
não encontramos referências explícitas à ciências (DARTIGUES, 2003), propôs o retorno
semiótica peirciana. “às coisas mesmas ou próprias”. Nessa direção,
Tal limitação fica evidente ao examinarmos após apontar que as diferentes teorias científicas
a “concepção simbólica de cultura” que (inclusive as provenientes das ciências
Thompson (1995, p. 176) apreende em C. humanas/sociais) transformaram a Educação
Geertz: “padrão de significados incorporados Física em objeto fragmentado de análise, Betti
nas formas simbólicas, que inclui ações, (2005b, p. 2) clama pelo retorno à “Educação
manifestações verbais e objetos significativos de Física viva”, à sua “experiência primordial”, que
vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos está “onde quer que crianças, jovens, adultos,
comunicam-se entre si e partilham suas alunos, professores, atletas, técnicos, clientes ou
experiências, concepções e crenças”. profissionais - não importa os rótulos -
A suposta perspectiva semiótica em Geertz exercitem suas motricidades, relacionem-se e
está restrita à categoria dos “símbolos” - ao comuniquem-se com o meio e com as pessoas,
passo que a semiótica peirciana fundamenta-se ensinem e aprendam algo”.
em uma extensa e minuciosa tipificação de Betti et al. (2007), a partir de Merleau-Ponty
signos e relações interpretantes, sendo o símbolo (1999), explicitaram algumas implicações da
apenas uma delas - e refere-se exatamente a fenomenologia para a Educação Física (e,
signos que se “cristalizaram”, mesmo que acrescentamos, para algumas das questões aqui
temporariamente, como cultura, por isso são em pauta), dentre elas:
padrões de significados que permitem a - O resultado da análise fenomenológica do
comunicação (com-partilhamento) entre os seres corpo próprio aponta para sua ambigüidade
humanos. Mas cabe indagar, então: onde constitutiva, porque se o corpo não é um
estariam os signos que não se “incorporaram” objeto, também “a consciência que tenho dele
como formas simbólicas? De onde vêm as não é um pensamento”, portanto “sua unidade
significações que se incorporam nas formas é sempre implícita e confusa”; está “enraizado
simbólicas? Há então um processo anterior de na natureza no próprio momento em que se
produção de significações? transforma pela cultura” (MERLEAU-
Pouco claras ficam também, na resposta PONTY, 1999, p. 269).
culturalista, as relações entre - Toda expressão humana – inclusive a fala - é
“corpo/motricidade” e “cultura”; faz-se um gestual, e o gesto, ao produzir sua própria
“corte” ou uma “ampliação” em direção à significação, é também capaz de investir-se de
cultura, como se, agora, esta última é que um sentido figurado e significar fora de nós,
pudesse “explicar” o corpo/motricidade, como no plano da intersubjetividade; por isso a fala

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é um gesto especial, porque permite retomar, - Não se pode falar sobre o movimento próprio
de modo econômico, significações por meio do próprio movimento, mas apenas
disponíveis; é a única operação expressiva por meio da linguagem das ciências ou da
capaz de sedimentar-se e de constituir um filosofia, o que será sempre uma expressão
saber intersubjetivo (cultura). segunda, uma representação intelectual,
- Há distinção entre gesto movimentado e o necessária, embora, para que se estabeleçam
gesto movimentante; como este último existe significações culturais sobre o movimento
primeiramente “para nós mesmos assim como (quer dizer, para constituir um saber
para outrem”, em geral nos recordamos intersubjetivo), as quais, por sua vez, também
facilmente dos jogos da nossa infância e contribuem para constituir e renovar a
adolescência, porque nos recordamos “de seu “cultura corporal de movimento”.
aspecto precioso [...] como uma paisagem Também na esteira da fenomenologia
desconhecida, quando as estávamos merleau-pontyana e de outros autores que nela
adquirindo e quando elas ainda exerciam a se fundamentaram, Kunz (1991, 2001) critica a
função primordial da expressão” visão que concebe o movimento humano apenas
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 521). como fenômeno físico, que pode ser
- Há um caráter ambíguo na aprendizagem dos reconhecido e esclarecido de forma simples e
gestos esportivos, pois se estamos condenados objetiva, independentemente do próprio ser
a ser inéditos no plano da percepção, o humano que o realiza. Em contraposição,
mesmo se dá, necessariamente, no plano da considera que nenhum movimento pode ser
cultura, no qual podemos nos repetir (o “gesto estudado isoladamente dos objetos ou do ser que
movimentado”). Para quem aprende pela se movimenta, em determinada situação e sob
primeira vez uma modalidade esportiva, os determinadas condições. O movimento, assim
gestos que realiza são inéditos, mas não o são entendido é então uma “ação em que o sujeito,
para a cultura esportiva. pelo seu se-movimentar, introduz-se no Mundo
- Depois, os gestos adquirem “criam seu de forma dinâmica e através desta ação percebe
próprio objeto, e, a partir do momento em que e realiza os sentidos/significados em e para o
são suficientemente conscientes de si o seu meio” (TREBELS, 1983 apud KUNZ, 1991,
bastante, encerram-se deliberadamente no p. 163). De acordo com Tamboer (1985 apud
mundo cultural” (MERLEAU-PONTY, 1999, KUNZ, 2001), o movimento humano implica
p. 523); quer dizer, arremessar a bola na cesta sempre uma “compreensão-de-mundo-pela-
torna-se um esporte: “um sistema de gestos ação”, nosso mundo é sempre um mundo vivido,
técnicos que podem ser transmitidos como e o movimento é sempre uma conduta para algo,
‘verdade’ (cultura), e adquirem, então, um e passa a ser visto como um diálogo entre
certo distanciamento da sua origem; Homem e Mundo. Como em Merleau-Ponty, os
sujeitos do movimento e o mundo dos
- O dilema “sobre” versus “com” a cultura
movimentos se envolvem de tal forma que o
corporal de movimento não pode ser resolvido
mundo e os objetos se tornam um “para algo”,
pela via fenomenológica, pois se trata de uma ou seja, “para a realização de algo” (correr,
ambigüidade inerente à Educação Física como nadar, jogar etc.).
disciplina escolar, mas que pode ser mais bem Todavia, não é pacífico o entendimento de
compreendida pela diferenciação entre que o método fenomenológico possa ser
significação existencial (que se refere aos transportado da Filosofia para a pesquisa
vividos intuitivos, pré-reflexivos, nos quais, o empírica, de modo a levar em conta as "coisas
sentido equivale à existência) e significação mesmas", dando destaque às experiências
conceitual (que agrega outros sentidos, na vividas pelos sujeitos, as suas vivências, que
medida em que é um saber intersubjetivo), lhes são significativas. De qualquer modo, a
pois é a esta última que se refere a abordagem fundamentação fenomenológica finda por
culturalista da Educação Física, quando indicar a necessidade de investigar tais
pretende a “apropriação crítica da cultura vivências, em termos de descrições. O risco que
corporal de movimento” (BETTI, 2005a). se corre é interpretar a descrição das vivências

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como categoria psicológica, exatamente o à sua dimensão lingüística (a língua portuguesa


oposto do que Husserl buscou, pois a falada e escrita, por exemplo), mas é entendida
consciência não é um “lugar” ou “receptáculo” como capacidade de produzir
no indivíduo, já que é sempre consciência “de”, informação/conhecimento, e como não há
portanto trata-se de um movimento de produção de informação/conhecimento a não ser
exteriorização, de transcendência. A consciência por intermédio de signos, pode-se compreender
está “fora” e não “dentro”, as vivências se dão a linguagem como a capacidade de produzir
no “campo” – quer dizer, campo fenomenológico signos de qualquer tipo, tais como sonoros,
(DARTIGUES, 2003). visuais, táteis etc. Assim sendo, a linguagem não
Por outro lado, como “tudo é vivência”, é um produto acabado, mas um permanente
oculta-se a dimensão axiológica que processo de produções sígnicas. A adjetivação
inexoravelmente se apresenta nos fenômenos “humana” para a linguagem é aqui necessária
educacionais. Educar exige tomar partido, eleger porque, para Peirce, a capacidade de produzir
um projeto, o que faz surgir as possibilidades de signos não é exclusiva dos humanos, mas de
escolha – os valores (ABBAGNANO, 2000). todo cosmos; abole-se, portanto, o
Como, então, manter as bases antropocentrismo e a ruptura entre natureza e
fenomenológicas (no plano ontológico) e ao cultura.Trata-se agora do Homem do Mundo, e
mesmo tempo avançar para o plano não do Homem no ou diante do Mundo.
epistemológico, da produção do conhecimento e Signo é qualquer coisa - um sentimento,
da propositividade que possam orientar as uma emoção, uma sensação sonora, táctil, um
tarefas pedagógicas da Educação Física? É aí gesto, um traço, uma palavra, um ritmo... - que
que a perspectiva semiótica que privilegia a represente outra coisa, para alguém, sob certos
Teoria Geral dos Signos ou Lógica Geral dos aspectos e de alguma maneira (PEIRCE, 1990).
Signos, de Charles S. Peirce, oferece um Então, na medida em que o conceito de signo é
caminho promissor. estendido pela semiótica peirceana para
Como encaminhamento preliminar, vamos qualquer fenômeno dotado de
dizer que o se-movimentar (KUNZ, 1991, 2001) sentido/significação, e, ao entender o processo
é sempre uma resposta do sujeito ou uma de produção de signos (linguagem) como a raiz
pergunta ao mundo (às coisas e às pessoas), é da produção do conhecimento, a semiótica de
nesse intervalo que se localiza a produção de
Peirce permitiria "ler"/interpretar os signos
signos – a linguagem.
envolvidos na Educação Física – tanto os
“corporais”, como os “verbais”, sem
A SEMIÓTICA PEIRCEANA hierarquizações.
Faz-se necessário distinguir, junto com
A semiótica pode ser genericamente Gomes-da-Silva, Sant’Agostino e Betti (2005),
definida como “ciência que tem por objeto de “linguagem” de “código”, pois todo código é
investigação todas as linguagens possíveis, ou uma linguagem, mas nem toda linguagem é um
seja, que tem por objetivo o exame dos modos código. Se a linguagem é processo, o código é
de constituição de todo e qualquer fenômeno produto. Ocorre que, para garantir a
como fenômeno de produção de significado e eficácia/economia da troca de informações entre
sentido” (SANTAELLA, 1983, p. 15). Para emissores e receptores, certas relações entre os
Pignatari (1979), é particularmente a semiótica signos e seus significados, antes em aberto, são
peirciana que possibilita estabelecer ligações convencionadas, “congeladas” em um dado
entre códigos diferentes, entre linguagens âmbito sociocultural, sob a forma de um código
diversas; permite ainda “ler” o mundo não- institucionalizado. Ao pressupor e almejar uma
verbal (um quadro, uma dança, um filme) e intenção comunicativa, o código limita as
ensina a “ler” o mundo verbal em ligação com o possibilidades de escolha entre múltiplas
mundo não-verbal. alternativas interpretativas. A função do código
Como já apontaram Gomes-da-Silva, é estabelecer relações distintivas entre os signos
Sant’Agostino e Betti (2005), para a semiótica válidos e não válidos, bem como as regras de
peirceana, a Linguagem humana não se restringe combinação entre eles, o que torna possível a

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previsibilidade da ação/comportamento: o Também o conceito de experiência é


emissor comunica uma informação “controlada” fundamental no pensamento de Peirce, que
ao receptor, visando prever a reação deste. A assim a entende: “o inteiro resultado cognitivo
seleção das múltiplas alternativas possíveis do viver...” (PEIRCE, 1978 apud IBRI, 1992, p.
passa, assim, a ser controlada pelo código. 4). Para a semiótica peirceana (e aqui aparece
Por exemplo, indicam Gomes-da-Silva, com clareza sua base fenomenológica) há três
Sant’Agostino e Betti (2005): o código da modos de ser ou categorias da experiência,
ginástica artística convenciona quais são os presentes em todo fenômeno, os quais Ibri
signos válidos no seu âmbito (no caso, (1992) resume como se segue:
gestos/movimentos corporais), e as regras de - Primeiridade: implica as noções de
combinação entre eles. Quando um ginasta cria possibilidade, qualidade de sentimento,
um exercício novo, este somente será válido se diversidade, acaso; corresponde às
atender aos critérios do código já experiências instantâneas, incondicionais,
institucionalizado. originais e espontâneas das qualidades do
A linguagem, então, envolve processos e mundo, tal como elas aparecem, sem qualquer
produtos. É essa condição da linguagem que nos sentido de começo, fim ou continuação; um
capacita produzir informações/conhecimentos, "tipo de consciência que não envolve
retomar experiências vividas em novas qualquer análise, comparação [...] nem
significações, perceber e atualizar novas consiste [...] de qualquer ato pelo qual uma
possibilidades de ser e fazer. extensão de consciência é distinguida de outra
Assim, entender o fenômeno do e que tem sua própria qualidade positiva"
corpo/motricidade, e da Educação Física como (PEIRCE, 1978 apud IBRI, 1992, p. 10-11).
Guarda relação com a experiência estética;
fato cultural, supõe apoio nos estudos dos
por exemplo, aquele breve instante (cuja
signos. Supõe a necessidade de enfrentar os
quantificação não importa) em que nos
processos de mediação como indispensáveis à
admiramos/envolvemos na beleza de um
produção do conhecimento. Supõe, como afirma
gesto ginástico ou uma jogada “genial”
Ferrara (2002, p. 11), uma epistemologia que se (porque imprevista) no futebol, seja porque os
ocupe mais dos signos e da sua dinâmica do que presenciamos, ou deles somos os autores, pela
dos códigos da nossa cultura; que saia das sua pura qualidade, antes que se manifeste
sombras do sujeito para enfrentar a qualquer relação com outra coisa (emoções,
complexidade do objeto, o que “especularmente comparações causa-efeito etc.)
remete ao conhecimento do mundo, dos outros
- Secundidade: implica as noções de existência,
homens e do próprio sujeito que, sem
resistência, conflito, choque e reação entre eu
subjetivismo, reconhece-se na complexidade do e não-eu, de aqui-agora; é uma experiência
próprio conhecimento que produz” (FERRARA, direta, não mediatizada; envolve uma
2002, p. 8). consciência bilateral, imediata, de dualidade
Desse modo, a semiótica pode permitir a bruta entre duas coisas; surge a idéia de
passagem dos processos representativos do outro, de alteridade; com ela “aparece a idéia
âmbito do fenomenológico para uma esfera de negação, pois as coisas não são o que
propriamente interpretativa, como entende queremos que sejam, nem são estatuídas por
Ferrara (2004) - ou seja, a passagem da nossas concepções” (IBRI, 1992 p. 7). Guarda
descrição à interpretação. Acreditamos assim relação com a experiência ética; é bem
que a semiótica não é uma matriz de apreensão e evidente, por exemplo, nos esportes coletivos,
explicação do fenômeno – o corpo/motricidade -, nos quais se joga contra e com o outro
mas sim, a lógica que nos permite perceber suas (adversário).
mais diversas manifestações, inclusive as - Terceiridade: implica as noções de
culturais, já que a “Educação Física”, na generalização, hábito, lei; é a experiência
condição de área profissional-pedagógica, ao cognitiva que possibilita a generalização, por
propor a realização de projetos valorativos, só meio da abstração; permite a previsibilidade
pode existir como ente cultural. dos fatos; é o mesmo que mediação, e “a

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experiência de mediar entre duas coisas (semioses) pode se dar hibridamente, quer dizer,
traduz-se numa experiência de síntese, numa associando/encadeando signos de diversos tipos.
consciência sintetizadora” (IBRI, 1992, p. Um signo inicial, que pode ser um sentimento,
13). Guarda relação com a experiência lógica: um som, uma imagem, uma palavra etc., permite
os códigos culturais, as teorizações sobre os ao sujeitos, a partir de seus repertórios
jogos, esportes, exercício físico etc. construírem inúmeras relações interpretantes,
geradoras de um novo signo, traduzido, por
Essas três categorias se sobrepõem e
exemplo, em um gesto. Por repertório entende-
imbricam num processo mútuo e ininterrupto no
se toda experiência/memória informacional de
fluxo da experiência.
um indivíduo, desde sua concepção (DNA) até a
Já a mediação é conceituada por Peirce
vida atual.
(1990, p. 61) como representação, não
entendida esta como reprodução fiel ou Implicações para a Educação Física
imitação, mas como “estar em lugar de, isto é,
estar numa tal relação com um outro que, para Parece a Gomes-da-Silva, Sant’Agostino e
certos propósitos, é considerado por alguma Betti (2005) que os estudos na Educação Física
mente como se fosse o outro”. Nesse sentido, efetuados na abordagem “culturalista” se têm
qualquer coisa pode vir a ser um signo, desde debruçado sobre os códigos (o esporte, a dança,
que se estabeleça a relação entre três elementos: as lutas etc.), quer dizer, signos que foram
o Representante (um sentimento, uma sensação, institucionalizados, e às vezes se tornaram
certo som, certo gesto, etc.), o Objeto (aquilo hegemônicos no âmbito da cultura (caso do
que o signo re-presenta) e o Interpretante (a esporte). Para aqueles autores, a perspectiva
relação de “equivalência” criada entre os dois semiótica poderia levar a outras questões: Como
elementos anteriores por uma mente surgem signos novos? - Como se dá o processo
interpretadora). É importante esclarecer que o de institucionalização de signos/criação dos
interpretante não se refere a uma pessoa ou ser códigos? Por que, por exemplo, alguns signos se
(que seria o intérprete), mas ao tornaram / tornam hegemônicos e outros
signo/pensamento interpretante. “desapareceram” / ”desaparecem”?
O estabelecimento dessa relação de A hipótese que Gomes-da-Silva,
representação entre o signo e seu objeto, por Sant’Agostino e Betti (2005) consideram é a de
intermédio do interpretante caracteriza a que qualquer gesto é um “quase-signo”, quer
semiose, o processo de produção do “signo” dizer, possui potencial para ser signo, para um
propriamente dito. dado indivíduo, para um dado grupo social ou
Ou seja, a categoria da relação interpretante para uma dada cultura; e como a relação
possibilita a mediação entre o real e a interpretante não esgota todos os aspectos do
consciência, pois a representação “é o processo objeto, temos que Peirce identificou mais de 80
cognoscente pelo qual o sujeito possui e produz tipos de signos (SANTAELLA, 1995), e,
signos, sua única possibilidade de mediação com obviamente, nem todos estão necessariamente
a realidade, a única maneira que possui de vinculados aos códigos envolvidos em jogos,
conhecer os fatos concretos, a realidade material danças, esportes ou ginásticas específicos.
e de conviver com ela” (FERRARA, 1981, p. Apenas a título de ilustração: o qualissigno
57). (quali, de “qualidade”) é o signo típico da
Para Peirce, a produção do conhecimento é primeiridade, o sinsigno (sin, de “singular”) da
sempre uma produção de signos – o pensamento secundidade, e o legsigno ( leg, de “lei”) da
é signo - e o significado de um signo é sempre terceiridade.
um outro signo, pois o interpretante, ele mesmo, Já Betti (1994, p. 33) havia estabelecido
é um novo signo, de tal forma que o fluxo de relações iniciais entre a semiótica peirceana e o
pensamento dá-se em um fluxo incessante de ensino da Educação Física, sugerindo a
signos, já que a mente humana trabalha com necessidade de investigar os signos presentes no
associações ininterruptas, ad infinitum. ensino desta disciplina que possibilitam ao
Como lembram Gomes-da-Silva, professor ensinar algo ao aluno
Sant’Agostino e Betti (2005), o fluxo de signos “independentemente de qualquer teorização ou

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formulação científica que anteceda seus mas sim, uma ação pedagógica com ela, nos
procedimentos”. Neste caso, certas palavras que termos da semiótica peirceana: tal proposição
o professor dirige aos alunos consistiriam signos implica que o alvo da prática pedagógica na
abertos ou quase-signos: Educação Física não deve limitar-se a alcançar e
estagnar-se na terceiridade (generalização,
[...] palavras como “explosão”, norma, lei), mas constituir-se em um permanente
“suavidade” podem exercer uma função trânsito entre a primeiridade (potencialidade,
sígnica no processo ensino e qualidade, sentimento), a secundidade
aprendizagem, auxiliar mais ao aluno
(dualidade, eventos singulares, únicos) e a
que está aprendendo do que todas as
leis determinada pela aprendizagem
terceiridade (abstração, conceito, lei).
motora. Veja-se, por exemplo, a Em palavras mais simples: jogar basquete,
sugestão de Hinks (1977): “Faça suas assistir basquete na TV, falar ou escrever sobre
pernas falarem”. (BETTI, 1994, p. 34). ele, constituem uma só experiência no fluxo e
hibridação de signos. Ou seja, nós, como
Betti (1994, p. 34) encontra respaldo, nessa educadores, deveríamos atentar para a
sugestão, no conceito de signo de Peirce, para integridade da experiência. Daí o equívoco na
quem o signo evoca apenas parte do objeto real, separação das “dimensões do conteúdo”
“e portanto o sujeito pode evocar outros (conceitual, procedimental e atitudinal), não
sentidos, referidos às suas experiências de vida, para “efeito didático”, de entendimento, como
imaginação etc.”. muitas vezes se justifica, mas para planejar,
Então, o foco da dinâmica de ensino e desenvolver e avaliar separadamente
aprendizagem na Educação Física deverá dirigir- fatos/conceitos, procedimentos e
se,para os sujeitos-que-se-movimentam (o aluno atitudes/valores.
na escola, o cliente na Academia, o atleta no O processo contínuo de associações sígnicas
Clube...), e valorizá-los como produtores de (semioses), que constitui o trânsito entre as três
significações e conhecimentos. categorias da experiência, não se exaure quando
Ao estender o conceito de signo para o se-movimentar do sujeito alcança as formas
qualquer fenômeno dotado de institucionais/codificadas do basquete, ou
sentido/significação, por entender o processo de quando elabora ou lhe são transmitidas
produção de signos (linguagem) como a raiz da conceituações/teorizações. Por isso, como
produção do conhecimento, a semiótica de apontam Gomes-da-Silva, Sant’Agostino e Betti
Peirce qualifica-se como instrumento (2005), sempre poderá surgir um modo singular
privilegiado para "ler"/interpretar signos imprevisto de executar, por exemplo, um
inusitados, novos e imprevistos, além dos já arremesso no basquetebol, em decorrência de
institucionalizados e/ou codificados na novas associações, o que, no limite, pode levar à
Educação Física. Ora, se tudo é signo, abole-se a transformação do próprio código.
hierarquia entre “verbal” e “não-verbal”, Então, parece-nos que a “apropriação
“intelectual” e “corporal”, o que se reveste de crítica” da cultura corporal de movimento, a que
evidente importância para a Educação Física. É se refere Betti (2005a), ou o “saber sobre” a que
de Pignatari (1979, p. 12) a afirmação de que a se refere Bracht (1999), é a terceiridade
semiótica de Peirce “acaba de uma vez por todas (generalidade, hábito, lei), que, todavia, na
com a idéia de que as coisas só adquirem Educação Física não pode ser ponto de partida
significado quando traduzidas sob a forma de ou fim em si mesma, mas ponto de chegada, já
palavras.” Isto porque o processo de semiose e que, como experiência cognitiva, relaciona-se à
hibridação entre linguagens (que aprendizagem e à conduta futura, conforme Ibri
associa/encadeia signos de diversos tipos) (1992, p. 9): aprendizagem” é “processo de
produz conhecimento. aquisição de conceitos e de modificação de
Gomes-da-Silva, Sant’Agostino e Betti condutas”.
(2005) traduzem a conclusão de Betti (1994), de O ponto de partida da Educação Física é a
que a Educação Física não deve tornar-se um secundidade (singularidade, choque, ação e
discurso sobre a cultura corporal de movimento, reação). Há uma supervalorização das

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terceiridades na Educação Física “culturalista”, CONCLUSÕES: DESAFIOS PARA A


quando ela é o reino da secundidade. Do ponto EDUCAÇÃO FÍSICA
de vista pedagógico, a terceiridade não faz
sentido sem a secundidade, e esta sem a A semiótica de Charles S. Peirce permite
primeiridade. Relembramos: experiência é melhor perceber a dificuldade da antropologia
resultado de todo viver. A Educação Física professada na Educação Física em enfrentar a
crítica, quando se refere ao “saber-sobre”, questão da inovação na cultura corporal de
debruça-se sobre a terceiridade, sobre os códigos movimento, ao limitar-se aos signos simbólicos
e símbolos culturais, sobre o verbal, o (típicos da terceiridade), ignorando os ícones e
conceitual, a abstração, muitas vezes índices, bem como as demais tríades sígnicas
interceptando a possibilidade de os sujeitos propostas por aquele autor, que permitiriam
estabelecerem novas relações interpretativas. Ao compreender com maior profundidade a
contrário, entendemos que o professor deve ser dinamicidade da produção e fixação dos
um intermediário, um interlocutor que alimenta símbolos no âmbito cultural.
a semiose. De um ponto de vista mais amplo, podemos
Em uma perspectiva semiótica, o “aluno” é dizer que a semiótica peirceana e a
visto como produtor de signos, e ao “professor” fenomenologia de Merleau-Ponty indicam à
cabe, por um lado, apresentar inicialmente Educação Física a importância de considerar o
“quase-signos” (possibilidades), e, de outro, que está aquém e além da cultura; acresce-se
auxiliar na articulação da trama das relações ainda a ambigüidade apontada pela
fenomenologia merleau-pontyana, que situa a
interpretantes estabelecidas pelos alunos,
condição humana em um lugar indecidível entre
sugerindo-lhes, conforme o efeito que se busca
a natureza e a cultura.
(estético, ético ou lógico), interpretantes que
Contudo, M. Merleau-Ponty e C. S. Peirce
possam ser incorporadas ao fluxo de signos. Por
nos apontam, antes que soluções, uma agenda de
exemplo, conforme a natureza e propósitos dos
desafios a serem enfrentados pela Educação
signos envolvidos, o professor apresentar/sugerir Física.
remas (signos gratificantes, evocam qualidades O primeiro e mais geral desses desafios é
de sentimento diante do admirável), dicentes considerar o se-movimentar como gestos
(signos ético-práticos, direcionam a conduta) ou expressivos, ou seja, como signos, o que nos
argumentos (signos de natureza crítico- leva privilegiadamente ao tema da linguagem e
pragmaticista, têm o propósito de produzir expressão, e só depois ao da cultura. Em outros
autocontrole deliberado sobre hábitos e crenças). termos: se inevitavelmente somos seres
Para maiores detalhes sobre a tipologia dos culturais, é preciso, todavia, dar um passo
signos em Peirce, sugere-se consulta à Santaella aquém da cultura, e depois a ela retornar para
(1995). melhor compreender seu dinamismo.
Com isso, o “aluno” (o “cliente”, o Como já dissemos, em uma perspectiva
“atleta”...) volta à cena como protagonista, fenomenológico-semiótica professor e alunos
depois de longa fase em que o “professor” foi são considerados em suas relações
visto como o centro do processo educacional. comunicativas; mas a comunicação não pode ser
Porém, é preciso evitar passar de uma concebida como um processo transparente, de
perspectiva “professorcêntrica” (GOMES- pleno entendimento dos interlocutores, e sim,
DA-SILVA, 2007), por assim dizer, para como incompletude de sentidos, pois é a falta de
outra, agora “alunocêntrica”, com o que se pleno entendimento do outro que me abre um
correria o risco de uma nova “vazio”, que preencho com signos, prosseguindo
“psicologização”. A saída é apontada por no processo de comunicação; caso contrário, o
Gomes-da-Silva (2007): a Educação Física fluxo da comunicação se interrompe
deve ser considerada como um processo de (MERLEAU-PONTY, 2002). A alteridade
relações comunicativas entre os alunos e constitui-se, então, em questão crucial para a
destes com o professor, pois todos são ação educativa.
produtores e intérpretes de signos no fluxo Destarte, a Educação Física não mais pode
das semioses. ser concebida como intervenção, palavra que

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denota intenção autoritária, mas inter-locução Educação Física avançar. Consideremos a


(diálogo), inter-pretação (o que está “entre”). É máxima do pragmaticismo peirceano: os efeitos
nesses termos que teríamos que repensar uma práticos que possamos pensar como produzidos
teoria (pedagógica) da Educação Física de modo pelo objeto da nossa concepção são a concepção
não restrito à escola, pois em todos os contextos total de tal objeto (PEIRCE, 1974). Se esta está
do se-movimentar há produção de signos e de correta, então temos que admitir que a
relações interpretantes. Na Educação Física abordagem culturalista, em comparação com
escolar apresenta-se de modo mais específico a suas potencialidades, produziu ainda poucos
questão do repertório dos alunos, pois é tarefa efeitos práticos além da incorporação de
da escola ampliá-lo, para estender aos alunos as conteúdos teóricos às aulas de Educação Física
possibilidades de estabelecer relações na escola, cujos muros, aliás, resiste a transpor.
interpretantes. É preciso ampliá-la.
Por fim, entendemos que apenas a
semiótica, de base fenomenológica, permitirá à

PHYSICAL EDUCATION AND BODY MOVIMENT CULTURE: A SEMIOTICAL AND PHENOMENOLOGICAL


PERSPECTIVE

ABSTRACT
This theoretical essay supports the hypothesis that the Semiotics of C. S. Peirce might indicate the limits of Physical
Education culturalist approach, and point challenges that may be met by Physical Education Theory (Pedagogic). Aiming this
purpose, after showing contributions and limits of M. Merleau-Ponty phenomenology, the present essay evinces some
peirceana semiotics conceptual basis (sign, semiosis and experience), and concludes suggesting a phenomenological-
semiotics perspective to the Physical Education which, through considering students and teachers as signs and interpreting
relations producers, may present alternatives to the “culturalist answer”.
Key words: Physical Education. Phenomenology. Semiotics.

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Agradecimentos
Agradeço aos professores doutores Pierre Normando Gomes da Silva e Lúcia Helena Ferraz
Sant´Agostino, que me propiciaram o debate que fez surgir algumas das idéias aqui propostas.

Endereço para correspondência: Mauro Betti. Unesp, Departamento de Educação Física. Av. Eng. Luiz E. C. Coube, 14-01,
Vargem Limpa, CEP 17017-336, Bauru-SP, Brasil. E-mail: mbetti@fc.unesp.br

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