Porto Alegre
2016
ENTRE A REVOLUÇÃO E A CONTRARREVOLUÇÃO: O DUPLO
CARÁTER DO LIBERALISMO
1. INTRODUÇÃO
2.
O liberalismo surge como uma filosofia política que produz uma análise crítica da
sociedade de Antigo Regime, aristocrática e absolutista. É nesse ambiente de privação de
liberdades que ele se tornou um movimento subversivo que rejeita as autoridades e
condena as instituições de sua época. No centro de suas ideias, está uma filosofia social
individualista que demonstra forte ceticismo ao Estado, ao poder e aos grupos
organizados; em resumo, à coletividade em geral, pois ela vê neles uma potencial ameaça
sufocadora do indivíduo e de seus direitos. Nesse sentido, o liberalismo formou um
poderoso movimento de contestação e luta em favor da expansão de liberdades políticas
e sociais no século XVIII e XIX.
Por conseguinte, o liberalismo oferecia um programa baseado em valores e ideias
que buscavam solucionar a questão política, " entendida essencialmente como o problema
das relações entre o indivíduo e o Estado." (). A solução da questão política perpassava
pelo embate direto com as estruturas de poder do Antigo Regime, notadamente o
absolutismo monárquico, o alto clero e os privilégios da classe aristocrática. Se
levantando contra essas estruturas de poder, o liberalismo "inspira então as revoluções,
levanta barricadas, enquanto milhares de homens se deixam matar pela ideia liberal";
demonstrando assim que o liberalismo era um movimento de cunho revolucionário. Isso
fica ainda mais evidenciado quando destacamos o seu aspecto internacionalista, herdado
do cosmopolitismo do iluminismo, mas que, ao contrário desse, saí do ambiente restritivo
dos salões e das altas classes, alcançando as camadas populares de diferentes países. Desta
forma, mesmo não existindo a criação de grupos supranacionais como as Internacionais
de trabalhadores fundadas pelos socialistas, esse internacionalismo permite a exportação
de ideias e a unificação da luta revolucionária na Europa se não em termos de organização
central, ela as unifica em termos simbólicos pelo compartilhamento de ideias e pela
solidariedade entre os movimentos. Deste modo, quando analisamos as ideias e ações do
liberalismo somos apresentados a um movimento com um caráter claramente
revolucionário. Entretanto, até que ponto vão as reivindicações do liberalismo? Quais são
os limites da filosofia política do liberalismo?
O liberalismo representava uma força subversiva dentro do quadro do Antigo
Regime, que conseguiu inspirar o levante das massas em rebelião contra a ordem
estabelecida, porém, passado o levante, o liberalismo revelava um outro aspecto de suas
ideias. De crítico das instituições, ele se tornava seu defensor, de propagador da
sublevação, ele se tornava conservador. O que levava o liberalismo a apresentar esse
duplo caráter aparentemente contraditório? Como já dito anteriormente, o liberalismo
mostrava uma forte preocupação com o poder sufocador das intuições e dos grupos contra
o indivíduo e entre esses grupos se incluíam as próprias camadas populares. Por isso a
proposta de revolução dos liberais era limitada, pois apesar de defenderem o fim do
absolutismo, não desejavam que a revolução criasse em seu lugar aquilo que eles
consideravam uma ditadura da maioria. O indivíduo que os liberais procuravam proteger
era um indivíduo particular, o burguês, o liberalismo era afinal um pensamento nascido
dentro da classe burguesa e respondia também aos seus interesses, os quais não eram
sempre os mesmos das camadas populares. Sendo assim, se por um lado o liberalismo
conseguia despertar a população para a revolta, ele temia perder o controle sobre o
processo revolucionário. Afinal, a população podia ser atraída pelos slogans e pela
propaganda liberal, mas, diante da edificação de uma nova sociedade, ela possuía seus
próprios interesses. Enquanto os liberais, contrários ao absolutismo, aceitavam a
monarquia constitucional, o povo pedia a república; enquanto os liberais defendiam o
voto, mas censitário, o povo pedia pelo sufrágio universal masculino. Isto posto, enquanto
o liberalismo enfrentava o Antigo Regime e as forças da contrarrevolução, o seu caráter
revolucionário se destacava, mas alcançado seus objetivos, findado o absolutismo e criada
as instituições liberais, ele se tornava conservador, ele desconfiava e mesmo temia que o
clamor popular levasse a revolução longe demais e, portanto, se recusava a avançar mais
nas mudanças. É por essa rejeição ao Antigo Regime e ao aumento do impulso
revolucionário das massas que ele advogava por um "justo meio" entre a velha e a nova
ordem. Justo meio era justamente o apelido da Monarquia de Julho que prometia evitar o
conservadorismo de Carlos X e o radicalismo da esquerda.
Buscando superar esses limites impostos pela ideia liberal, a ideia democrática
surgia entre as camadas populares para responder suas exigências. Ela não negava as
conquistas do liberalismo, pelo contrário, ela as reafirmava, mas buscava lhe dar maiores
amplitudes. Ela louvava o direito ao voto, mas não aceitava a restrição provocada pelo
censo. Não há democracia sem sufrágio universal é o lema dos democratas. Essas
exigências eram condenadas pelo centro pensante das ideias liberais formadas por
membros das classes altas, que viam os direitos políticos ligados a posse de propriedade.
Podemos perceber isso nessa citação de Benjamin Constant, um dos mais proeminentes
liberais de seu tempo:
"I do not wish to wrong the working class. It is no less patriotic than
other classes. It is often ready for the most heroic sacrifices, and its
devotion is all the more admirable in that it is neither rewarded
financially nor with honor. As I see it, however, the patriotism which
gives one the courage to die for one’s country is one thing, while that
which makes one capable of understanding one’s interests is another.
Therefore a condition beyond having been born in the country and the
prescribed age is required, namely the leisure needed for developing an
informed outlook and soundness of judgment. Only property secures
this leisure. Only property can render men capable of exercising
political rights. Only owners can be citizens." (166)
4. Considerações finais