Terceira Civilização - Edição 423 - 01/11/2003 - pág.
5 - Diálogo Sobre Religião Humanística
Terceira Civilização - Diálogo Sobre Religião Humanística
O coração do rei-leão: o rugido destemido
de mestre e discípulo
Esta é a continuação da oitava parte da série "Diálogo
sobre a religião humanística" publicada na revista de
estudo mensal da Soka Gakkai, Daibyakurengue,
edição de agosto de 2002. Neste diálogo, o presidente
da Soka Gakkai Internacional, Daisaku Ikeda, o
coordenador e o vice-coordenador do Departamento
de Estudo de Budismo da Soka Gakkai, Katsuji Saito e
Masaaki Morinaka, enfocam vários fatos da história do
budismo e da vida de Nitiren Daishonin de forma
abrangente e profunda. Com certeza, este artigo
contribuirá para facilitar a compreensão dos
ensinamentos budistas e da filosofia humanística que
cada vez mais atrai a atenção das pessoas do mundo
inteiro.
Katsuji Saito: As autoridades seculares
também adotaram medidas brutais e
impiedosas contra Daishonin. A Pres. Ikeda: Esse é o ponto-chave. É claro
perseguição dirigida a ele foi perpetrada
pelas autoridades estatais. Mesmo para a
época feudal, essas ações violavam
completamente os procedimentos legais
aceitos e as formas corretas de governo.
Presidente da SGI, Daisaku Ikeda: Gostaria
de analisar isso detalhadamente em uma
outra ocasião. Por ora, gostaria de dizer
que quando Daishonin fala sobre pessoas
que "distorciam levianamente as
importantes funções do governo" (Gosho
Zenshu, pág. 355) e "violavam os códigos
de lei" (Ibidem, pág. 355), está condenando
as ações do governo contra ele como uma
transgressão arbitrária das leis imperiais.
Por mais que as autoridades tentassem se
justificar, suas ações foram injustas e
irracionais.
Saito: Mas isso não as preocupava nem um
pouco, pois acreditavam que tudo ficaria
bem e sempre sairiam impunes enquanto
estivessem no poder. Essa era a atitude
dessas pessoas. O futuro não as
preocupava.
Masaaki Morinaka: Governar dessa
maneira, sem considerar o futuro, não
passa de um jogo bárbaro em que as
peças são pessoas; não se pode chamar
isso de governo. Isso cria um ambiente
propício para que as pessoas formem
alianças para proteger seus próprios
interesses e se promoverem.
que, na época de Daishonin, tanto as
autoridades governamentais como os
clérigos traiçoeiros agiam ignorando a
verdade e a justiça. A política e a religião
deveriam estar sustentadas por uma
elevada espiritualidade. Contudo, os
líderes políticos ou religiosos que
perseguem uma pessoa justa
compartilham uma mesma incredulidade
em relação à verdade e à justiça.
Saito: Nikken seria um exemplo. Se
acreditasse o mínimo na eficácia da Lei e
que ela abrange as três existências do
passado, presente e futuro, ele certamente
não perseguiria os filhos do Buda. Isso
deixa absolutamente claro que ele está
usando o budismo para conseguir seus
próprios interesses.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 1.
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A devoção de Gandhi à não-violência Saito: Se a humanidade se esquece de

e à verdade buscar a verdade eterna, nosso planeta
acabará governado pela avareza e pelo
Pres. Ikeda: Retornando ao trecho de "Carta
ódio. E isso nos colocará no caminho direto
de Sado", que citamos há pouco, não foi
da guerra e aniquilação.
por arrogância que Daishonin lançou-se à
luta com "o coração de um rei-leão", mas
Pres. Ikeda: Justamente por isso é tão
sim porque estava "profundamente
importante realizar o Kossen-rufu, que
comprometido com o ensino correto" (cf.
poderíamos denominar de desafio para
The Writings of Nichiren Daishonin [WND],
concretizar um verdadeiro renascimento
pág. 302).
espiritual. Com esse propósito, Nitiren
Daishonin revelou e propagou o
Esse é um ponto importante. Quando
Nam-myoho-rengue-kyo. Ele ensina que
estamos comprometidos de verdade com
se o Nam-myoho-rengue-kyo se propagar
o ensino correto acima de qualquer outra
durante os mais de dez mil anos dos
coisa, livramo-nos do egoísmo que nos faz
Últimos Dias da Lei, ou por toda a
poupar a vida e do medo da morte.
eternidade, isso "obstruirá o caminho que
Conseqüentemente, adquirimos a força
conduz ao inferno de incessante
necessária para enfrentar quaisquer
sofrimento." (cf. WND, pág. 736.)1
desafios sem medo.

Quando falamos da verdade eterna, não

No início dessa carta, Daishonin menciona
nos referimos a algo que existe em algum
as parábolas do menino das Montanhas
lugar tranqüilamente, mas sim que se
Nevadas e do asceta Aspiração à Lei. Em
encontra em uma batalha contínua e
cada uma delas, o protagonista oferece
rigorosa.
sua vida em benefício dos ensinamentos
budistas.
Daishonin ensina que, do ponto de vista da
Lei, a ilusão e a iluminação são unas.2
"Profundamente comprometido com o
Como já mencionei, quando nos
ensino correto" significa fé, ou seja, manter
empenhamos em romper e vencer nossa
uma atitude séria e sincera de conduzir
própria ilusão ou escuridão fundamental, o
uma vida melhor, respeitando e
poder de nossa natureza iluminada brilha
defendendo a Lei.
ainda mais. Por acreditarmos em nossa
própria natureza de Buda, somos capazes
Uma pessoa que possui a atitude séria e
de travar essa luta interior. Além disso,
sincera de buscar a verdade é humilde,
mediante nossos contínuos esforços de
cheia de benevolência e consideração
nos manter nesse caminho de desafios,
pelas demais. Percebo que essa é uma
nossa natureza iluminada se manifesta
característica comum a muitos dos
como a capacidade e o poder de criar
pensadores e líderes mais proeminentes
valor. A Lei Mística encontra-se somente
do mundo com quem tive o prazer de
nessa luta incessante.
reunir-me para dialogar.

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 2.

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Saito: Sabe-se que o movimento de
não-violência de Mahatma Gandhi
baseava-se no princípio de satyagraha,
que significa literalmente "sustentar a
verdade".
Morinaka: Satya significa "a forma como as
coisas devem ser". Em outras palavras,
indica a verdade. Graha quer dizer
"sustentar-se firmemente em algo".
Pres. Ikeda: Gandhi dizia que a
não-violência e a verdade são como os
dois lados da moeda. Ele ensinou que a
não-violência é o meio, e a verdade, o fim.
Certamente, o grande líder indiano
discernia que a força ou o poder, enquanto
tiver como base a violência e o ódio, é um
"poder animalesco". E ele sabia
perfeitamente que sucumbir a esse
impulso primitivo de empregar a violência
contra esse tipo de poder não levaria a
uma solução fundamental. Em vez disso,
exortava às pessoas armarem-se com o
sublime "poder do amor e da verdade".
Naturalmente, havia pessoas que
criticavam e zombavam de seu modo de
pensar dizendo que não era realista.
Porém, se há algo que podemos dizer com
certeza é que Gandhi seguiu em frente e
colocou suas idéias em prática. Este é um
fato histórico inquestionável. E quando
chegar a época em que o poder do espírito
for louvado pelo mundo inteiro, os atos de
Gandhi brilharão eternamente com
esplendor imortal.
Gandhi clamava a seus discípulos: "Devem
enfrentar o mundo inteiro, mesmo que
estejam completamente sozinhos. Devem
fitar o mundo inteiro nos olhos, mesmo
que o mundo inteiro os fite com olhos
vermelhos."3 Essas palavras têm muito a
ver com a disposição de "levantar-se só"
ensinada no budismo.
Saito: No budismo, encontramos o
exemplo do Bodhisattva Jamais Desprezar.
O Sutra de Lótus descreve o drama de sua
luta para propagar o ensino do Buda,
armado com a verdade suprema de que
todos os seres humanos são budas e com
a força do amor pela humanidade, que
demonstrou manifestando o máximo
respeito e devoção a todas as pessoas. O
Bodhisattva Jamais Desprezar é retratado
como uma pessoa de conduta altruísta e
comprometida, que se levanta sozinho e
corajosamente.
"Com o único e sincero desejo de ver
o Buda"
Pres. Ikeda: Há um dito que afirma: "Um
exército de cem ovelhas liderado por um
leão derrotará um exército de mil leões
conduzido por uma ovelha." Napoleão
gostava muito desse aforismo. Tudo
depende de "um único leão" possuidor de
grande força mental e espiritual.
Quando falamos de "busca da verdade",
não se trata de teoria abstrata. A devoção
altruísta, o espírito de "não poupar a
própria vida", é o caminho para se atingir o
estado de Buda. Somente quando não
poupamos nossa vida podemos perceber
a verdade eterna. E, do modo contrário,
somente quando percebemos a verdade
eterna podemos praticar os ensinamentos
do budismo com o espírito de não poupar
nossa vida.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 3.
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Em "Carta a Guijo-bo", Daishonin indica que
não poupar a própria vida é o caminho
para revelar o estado de Buda.
Morinaka: A passagem em questão diz:
"O trecho em verso [do capítulo "Revelação
da Vida Eterna do Buda" do Sutra de Lótus]
afirma: '... Quando ver o Buda é seu único e
sincero desejo, não hesitando mesmo que
isso custe a própria vida.' Com base nesse
trecho, revelei o estado de Buda em minha
própria vida. A razão é que essa passagem
do sutra me permitiu incorporar os Três
Grandes Ensinos Fundamentais, ou a
realidade dos três mil mundos num único
momento da vida, que se encontra no
capítulo 'Revelação da Vida Eterna do
Buda'. Porém, mantenha isso em segredo,
mantenha isso em segredo...
"Eu, Nitiren, digo que 'único' se refere a
myo ou 'místico', 'sincero' significa ho ou
lei; 'desejo' alude a ren ou lótus; 'ver' é gue
ou flor, e 'Buda', a kyo ou sutra. Ao
propagarem esses cinco caracteres [de
Myoho-rengue-kyo] os praticantes não
devem 'hesitar mesmo que isso custe a
própria vida'.
"'Quando ver o Buda é seu único e sincero
desejo' poderia ser lido como 'observar o
Buda com uma atitude sincera, concentrar
o pensamento em ver o Buda e, ao
examinar a própria mente, perceber que é
o Buda. Tendo obtido o fruto do estado de
Buda, os três corpos eternamente
inerentes,4 posso superar Tient'ai e
Dengyo, e até mesmo Nagarjuna e
Mahakashyapa. O Buda escreveu que uma
pessoa deve tornar-se mestra de sua
própria mente em vez de permitir que ela a
domine.5 A isso me referia quando o
exortei enfaticamente a oferecer até
mesmo o corpo, e que jamais poupasse
sua vida em benefício do Sutra de Lótus."
(WND, págs. 389-390.)
Pres. Ikeda: A mente humana é sutil. Muda
de acordo com o momento e em resposta
a várias circunstâncias. Se fizermos de
nossa mente, que está sempre mudando,
nossa mestra, será difícil seguir um
caminho de avanço seguro e contínuo. Em
vez disso, deveríamos nos basear na Lei.
Precisamos fazer da Lei nossa mestra e
tomar como parâmetro e exemplo um
praticante correto da Lei. Da perspectiva
das pessoas comuns, o caminho para
atingir o estado de Buda não existe em
outra atitude senão em buscar a Lei com o
único e sincero desejo, e em "desejar ver o
Buda" com a essa mesma pureza e
seriedade.
Em "Carta a Guijo-bo", Daishonin diz que,
com base no trecho do sutra que diz: "...
quando ver o Buda é seu único e sincero
desejo, não hesitando mesmo que isso
custe a própria vida", ele revelou o estado
de Buda em sua própria vida e incorporou
os Três Grandes Ensinos Fundamentais.
Ele então interpreta que "único e sincero
desejo" significa: 1- Observar o Buda com
atitude pura e sincera; 2- concentrar o
pensamento em ver o Buda; e 3- ao
examinar a própria mente, perceber que é
o Buda.
Saito: A passagem "... quando ver o Buda é
seu único e sincero desejo" é comumente
interpretada como o ardente espírito de
procura ao Buda. Em outras palavras, é a fé
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 4.
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do ponto de vista dos que buscam o
ensino do Buda. Nitiren Daishonin, com
especial ênfase nesse espírito de procura
ao estado de Buda que deve predominar
na fé, interpreta a frase de modo
concludente como "examinar a própria
mente e perceber que é o Buda".
Pres. Ikeda: Correto. Indica que "a mente de
uma pessoa comum que busca o Buda [o
estado de Buda] manifesta-se diretamente
como "a mente do Buda". E diz que atingir
essa iluminação é "obter o fruto do estado
de Buda, os três corpos eternamente
inerentes".
Daishonin manifestou "a mente do Buda" e
"o fruto do estado de Buda, os três corpos
eternamente inerentes" em sua vida por
meio de seus esforços altruístas visando
ao Kossen-rufu. E os revelou na forma
física do Gohonzon, em benefício de todas
as pessoas dos Últimos Dias da Lei. Pelo
fato de ele ter estabelecido o meio
fundamental para que toda a humanidade
atingisse a verdadeira paz e felicidade, seu
feito supera de longe o de Tient'ai e
Dengyo, o de Nagarjuna e cautela é o domínio da imortalidade; a
Mahakashyapa.Nós também podemos
atingir "a mente do Buda" e "o fruto do
estado de Buda, os três corpos
eternamente inerentes", quando
sustentamos a fé no Gohonzon e nos
dedicamos ao Kossen-rufu com o "o único
e sincero desejo [de ver o Buda], não
hesitando mesmo que isso custe a própria
vida". Essa é a única maneira de atingir o
estado de Buda nesta era maligna,
contaminada pelas cinco impurezas.
O "domínio da imortalidade" do Buda
Morinaka: A condição de vida iluminada do
Buda e a luta destemida para proteger a
Lei estão intimamente relacionadas.
Pres. Ikeda: Sakyamuni diz que ele
despertou para a verdade da Lei budista e
que atingiu o estado de imortalidade ou
ausência de morte. Isso não significava que
ele jamais morreria, mas que se libertou do
sofrimento da morte e do medo de
enfrentá-la. O medo da morte é a origem
de todos os temores do homem. Como
Sakyamuni superou esse medo primordial,
nada podia causar-lhe temor. Essa é a
percepção do Buda.
Sakyamuni expõe: "É preferível viver um
dia experimentando a ausência da morte
do que viver cem anos sem conhecer esse
estado."6 Ele também diz: "É melhor viver
um dia vendo a verdade última do que
viver cem anos sem conhecê-la."7
Saito: A "ausência de morte" e a "verdade
última" são a mesma coisa.
Pres. Ikeda: Sakyamuni declara ainda: "A
negligência é o domínio da morte. As
pessoas alertas não morrem; as pessoas
negligentes vivem como se estivessem
mortas."8 Isto porque a iluminação do
Buda é simplesmente uma luta implacável
contra as funções malignas.
Quando Sakyamuni atingiu a iluminação,
pronunciou três versos: um, na hora do
crepúsculo; outro, no meio da noite; e o
último, ao amanhecer. Isso demonstra que
a prática séria e sincera de Sakyamuni é
inseparável de sua iluminação, ou seja, são
umas.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 5.
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Saito: Dos três, o verso que pronunciou ao
amanhecer diz: "Quando o Darma
realmente se manifesta em um praticante
que continua meditando séria e SGI, estamos percorrendo esse mesmo
sinceramente, nesse momento ele vence
as forças do mal e atinge a paz.
É como o Sol que brilha no céu."9 Darma
significa Lei.
Pres. Ikeda: O vasto estado de vida de
quem atingiu a iluminação é como o Sol,
cuja luz chega até os rincões mais remotos
do céu. A luta para atingir um estado como
este é inseparável da luta contra as
funções malévolas.
Um sábio que venceu as forças do mal e
que atingiu o estado de ausência de morte,
uma condição de vida radiante como o Sol,
não tem medo de nada. Pois essa condição
de vida e a Lei eterna são unas.
Sakyamuni declarou: "Abri o portal da
imortalidade! Atingi a imortalidade!", e
empreendeu uma jornada solene para
conduzir todas as pessoas à felicidade. Ele
não fez isso em benefício próprio, mas
iniciou uma luta contra as forças malévolas
que permeiam o Universo com a finalidade
de possibilitar a todas as pessoas
tornarem-se felizes. Quando retornamos a
esse ponto de partida, tornamo-nos
imunes ao desânimo e à hesitação.
Saito: Nitiren Daishonin revelou o estado
de Buda em sua própria vida colocando
em prática o trecho "quando ver o Buda é
seu único e sincero desejo, não hesitando
mesmo que isso custe a própria vida" e,
dessa maneira abriu o caminho para todas
as pessoas atingirem esse "estado de
imortalidade".
Pres. Ikeda: Correto. E nós, membros da
caminho aberto por Daishonin, que nos
permite revelar nosso estado de Buda
inerente - o caminho que, na linguagem de
Sakyamuni, permite-nos manifestar o
Darma.
Quando nos levantamos com o coração de
um rei-leão, a Lei Mística preenche todo o
nosso ser, e surge em nós a força vital do
estado de Buda necessária para lutar
contra todos os obstáculos e funções
malévolas. Em outras palavras, o caminho
para o estado de Buda existe nos esforços
diligentes, assim como o Sol que ilumina a
vida das pessoas e como um rei-leão que
vence os obstáculos e "todos os demais
animais". Por isso, Daishonin exorta seus
discípulos a praticarem tal como ele.
Somente nos dedicando sincera e
diligentemente pela felicidade das
pessoas, assim como fez Nitiren Daishonin,
é que podemos atingir o estado de Buda.
Morinaka: A luta pelo Kossen-rufu
encontra-se nesse caminho de unicidade
de mestre e discípulo.
Pres. Ikeda: Está correto. Quando falamos
em não poupar a própria vida, isso não
significa que devemos oferecer nosso
corpo em sacrifício como no caso do
menino das Montanhas Nevadas. Sobre
essa questão Daishonin diz claramente:
"Por que as pessoas deveriam sacrificar a
própria vida numa época em que isso não
é necessário? Numa época em que não há
papel, devem usar a própria pele e quando
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 6.
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não há pincéis, devem usar seus ossos."
(WND, pág. 302.) O budismo enfatiza que a
prática deve estar de acordo com o tempo.
Com base nessa premissa, quando chega
o momento de nos levantar, temos de
fazer exatamente isso. Essas eram as
circunstâncias no Japão antes e durante a
Segunda Guerra Mundial. Líderes tolos
haviam surgido no país e o povo estava
sofrendo profundamente. Nesse momento,
Tsunessaburo Makiguti, o primeiro
presidente da Soka Gakkai, levantou-se
resolutamente por um claro propósito.
Um ano antes de ser preso, o Sr. Makiguti
criticou duramente um discurso do
primeiro-ministro do Japão, Hideki Tojo,
sobre a "cooperação unânime" aos
esforços bélicos,10 e declarou que a
principal causa da situação conturbada da
sociedade estava nos crimes de uma
classe governante ignorante em matéria
de religião.
Naturalmente, as condições sociais eram
muito diferentes das que imperam hoje em
dia. Por essa razão, o budismo ensina a
importância de praticar de acordo com a
época.
Morinaka: Sem esta perspectiva, o
budismo poderia converter-se em uma
religião que glorifica a morte.
Pres. Ikeda: Em "O presente de arroz",
Daishonin declara que, em contraste com
o exemplo do menino das Montanhas
Nevadas, as pessoas comuns atingem o
estado de Buda não por meio do
auto-sacrifício mas da "determinação séria
e sincera".
Saito: Ele afirma: "Com relação à questão
de tornar-se um buda, as pessoas comuns
têm em mente as palavras 'determinação
séria e sincera' e assim conseguem ser
budas." (WND, pág. 1125.)
Pres. Ikeda: "Determinação séria e sincera"
poderia ser substituída pelas palavras "fé,
espírito de procura", "juramento" ou
"coração de um rei-leão".
Para nós, o significado da frase "quando
ver o Buda é seu único e sincero desejo,
não hesitando mesmo que isso custe a
própria vida" corresponde a nos consagrar
ao Kossen-rufu com o coração de um
rei-leão, em dedicar toda nossa vida para
propagar a Lei Mística.
Manter uma fé firme nesta época corrupta
chamada Últimos Dias da Lei é um feito
extremamente difícil. No entanto, estamos
transmitindo amplamente os ensinamentos
budistas neste mundo saha cheio de
conflitos, neste mundo em que precisamos
da capacidade de suportar. Em vez de
almejar praticar em circunstâncias
tranqüilas e seguras, nós, membros da SGI,
lançamo-nos no meio da sociedade
tumultuada em defesa das pessoas e para
conduzi-las à felicidade.
Saito: Estendendo essa metáfora,
normalmente não seria uma boa idéia sair
em um dia de tempestade; seria mais
racional ficar em casa. Porém, um líder da
Lei Mística que ora pela sua própria
felicidade e a dos outros é o primeiro a sair
e a dirigir-se para os lugares em que as
barragens cederam ou ocorreram
inundações.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 7.
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Pres. Ikeda: Buda é a pessoa que se põe na
vanguarda e avança em meio à
tempestade. E seus discípulos o seguem
logo atrás. O mestre pode virar-se e
dizer-lhes: "Nunca sejam vencidos por uma
tempestade!" O mestre anseia por ajudar
aqueles que se dedicam ao seu lado com
um estado de suprema felicidade. Acredito
que Daishonin expressa esse sentimento
na passagem sobre o rei-leão que consta
em "Sobre as perseguições que recaem ao
sábio".
Em última análise, fé significa
coragem
Morinaka: O trecho em questão diz: "Cada
um dos senhores deve reunir a coragem
de um rei-leão e jamais sucumbir às
ameaças de ninguém. O rei-leão não teme
nenhum outro animal e da mesma forma
agem seus filhotes. Caluniadores são
como chacais uivantes, mas os discípulos
de Nitiren são como leões urrantes." (WND,
pág. 997.)
Pres. Ikeda: Como mencionamos
anteriormente, "Sobre as perseguições que
recaem ao sábio" é um escrito que
Daishonin dirigiu a todos os seus
seguidores em meio à Perseguição de
Atsuhara, a maior perseguição que os
discípulos haviam enfrentado até então.
Os seguidores de Atsuhara não eram
nobres, samurais ou sacerdotes. Eram
camponeses que ocupavam a classe mais
baixa da sociedade. Porém, esses
praticantes anônimos da Lei Mística não
recuaram um único passo diante da
perseguição dos clérigos corruptos e dos
oficiais samurais que, com arrogância,
abusavam de sua autoridade. Nenhum
deles, por mais poderosos que fossem,
conseguiu fazê-los abandonar a fé. Foi
uma luta pelos direitos humanos que
resplandece como um brilhante na história
das pessoas comuns do Japão.
Vendo a coragem inabalável de seus
seguidores face a essas imensas
dificuldades, Daishonin percebeu que
havia chegado o momento de inscrever o
Dai-Gohonzon. Esta é uma questão de
profundo significado.
E foi com essas palavras que acabamos de
citar que Daishonin fez seu apelo a seus
seguidores. Nessa carta a coragem ou o
coração de um rei-leão é uma outra forma
de chamar a valentia de lutar
resolutamente contra qualquer tipo de
opressão. Fé significa coragem.
Mesmo que sejamos submetidos à
perseguição, mesmo que não desfrutemos
a proteção das funções budistas, devemos
sempre ter a coragem de perseverar na fé,
sejam quais fores as dificuldades que
cruzem o nosso caminho. Essa coragem é
o caminho direto para a felicidade.
Conforme a passagem de "Carta de Sado"
que lemos anteriormente, Daishonin não
só ofereceu um exemplo de valentia com
sua própria conduta, como também
ensinou a seus discípulos que se eles se
levantassem com a mesma coragem,
poderiam atingir o estado de Buda. Agir e
exortar outros a entrar em ação - eis o
espírito de um líder budista. Em contraste,
aqueles que obrigam os outros a fazerem
o que eles próprios são incapazes de fazer,
não passam de tiranos.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 8.
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Daishonin instrui também seus seguidores
a lutarem ao seu lado. Ele age dessa forma
com o desejo de que, não somente ele,
mas o maior número de pessoas atinjam o
mesmo estado de vida elevado que ele
desfruta. Um líder budista é também um
notável educador humanista.
O Budismo Nitiren oferece um modelo de
verdadeira educação humanística e ainda
um modelo de liderança social realmente
comprometido em defender o povo. O
Budismo Nitiren valoriza e preza cada
pessoa com o mesmo amor e a mesma
benevolência que os pais dedicam a seus
filhos.
Morinaka: Esses aspectos que o senhor
mencionou correspondem às três virtudes
de soberano, mestre e pais, não é
verdade? Pres. Ikeda: Sim. O ato de
proteger e apoiar todos os seres vivos
corresponde à virtude de soberano.
Conduzir todos os seres vivos é a virtude
de mestre. E, por fim, considerar todos os
seres com benevolência é a virtude de
pais.
Saito: Para alguns, a palavra "mestre" é de
difícil compreensão. Porém, quando se
explica que os atributos de um mestre
correpondem aos de um "líder", um
"educador" e um "tutor", torna-se mais fácil
de entender.
Pres. Ikeda: Buda é aquele que possui
estas três virtudes. Nos Últimos Dias da
Lei, Nitiren Daishonin é aquele que possui
as três virtudes de soberano, mestre e pais.
Portanto, nós o consideramos
respeitosamente como o Buda dos
Últimos Dias da Lei. Subjacente a essas
virtudes está um imenso amor
benevolente por todas as pessoas e seu
desejo ardente de conduzi-las ao estado
de Buda.
Morinaka: É disso que mais carecem os
líderes da sociedade contemporânea.
Porém, muitos pensadores em diversos
campos de empreendimento, incluindo a
educação, começam a reconhecer que um
verdadeiro líder é aquele que serve ao
povo.
Pres. Ikeda: Voltamos à passagem da carta
"Sobre as perseguições que recaem ao
sábio" e à declaração: "Cada um dos
senhores deve reunir a coragem de um
rei-leão". Nesta frase, a palavra-chave é
"reunir". Cada um de nós possui
inerentemente "o coração de um rei-leão".
O caminho direto para a felicidade está em
reunir esse potencial que já possuímos e
fazê-lo manifestar-se. Conforme as
palavras de Daishonin "os seguidores de
Nitiren são como leões urrantes" (WND,
pág. 997), o que nos permite manifestar o
"coração de um rei-leão" em nossa vida é
esse "rugido do rei-leão".
Os senhores devem fazer com que o
rugido do leão seja ouvido em defesa da
justiça, da mesma forma que o mestre faz.
Este é o caminho pelo qual os discípulos
tornam-se inseparáveis de seu mestre, e
pelo qual os filhotes do leão tornam-se um
rei-leão. Este princípio é descrito no Ongui
Kuden (Registro dos Ensinos Orais).
O rugido do leão e a unicidade de
mestre e discípulo
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 9.
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Morinaka: O trecho em questão é o
seguinte: "A respeito da frase 'Fazer com
que o rugido do leão seja ouvido' (The
Lotus Sutra [LS], cap. 13, pág. 193), consta
no 'Registro dos Ensinos Orais' que o
rugido do leão indica a pregação do Buda.
A pregação da Lei refere-se ao Sutra de
Lótus, e especificamente ao
Nam-myoho-rengue-kyo. O primeiro
ideograma chinês [da palavra 'leão'], que
significa 'mestre', representa a Lei Mística
tal como é transmitida pelo mestre. O
segundo ideograma chinês [da palavra
'leão'], que significa 'filho', indica a Lei
Mística tal como é recebida pelos
discípulos. 'Rugido', por sua vez, refere-se
ao som das vozes do mestre e do discípulo
recitando [Daimoku] juntos e em uníssono.
'Fazer ouvir' [o rugido do leão] refere-se a
iniciar o Nam-myoho-rengue-kyo nos
Últimos Dias da Lei." (Gosho Zenshu, pág.
748.)
Pres. Ikeda: Essa frase expressa o princípio
da inseparabilidade ou unicidade de
mestre e discípulo. O importante é a ação
de "iniciar". "Iniciar" implica em não ser
passivo, em levantar-se e agir. Em última
análise, tudo depende da consciência e da
determinação do discípulo.
De fato, no 13º capítulo do Sutra de Lótus,
"Devoção Encorajadora", Sakyamuni clama
aos bodhisattvas a bradarem seu
juramento como o rugido do rei-leão de
seu mestre.
No Budismo Nitiren, embora falemos de
discípulo, não há nenhum processo de
iniciação formal pelo qual uma pessoa
torna-se um discípulo oficialmente
ordenado. Discípulos são aqueles que dão
voz ao rugido do leão e que lutam pelo
Kossen-rufu neste exato momento. Em
contraste, uma pessoa que aparenta ser
um discípulo e que não ruge com o clamor
de um leão não é um verdadeiro sucessor.
O mais importante é a ação.
Saito: O rugido do leão não é algo especial
como palestrar em um simpósio
internacional, por exemplo, mas
simplesmente empreender um diálogo
sincero que atinja diretamente a vida da
pessoa com a qual estamos falando.
Pres. Ikeda: Para despertar em nossa vida o
"coração de um rei-leão" e manifestá-lo
externamente, temos de bradar como o
rugido do leão.
Quando o mestre brada com esse rugido
de leão, os discípulos fazem o mesmo. E
um a um, começam a surgir indivíduos
iluminados que fazem sua vozes possantes
serem ouvidas. O clamor desses leões
derrotará a natureza malévola de todos os
"chacais" conspiradores.
O segundo presidente da Soka Gakkai,
Jossei Toda, disse: "[O juramento de
Daishonin em 'Abertura dos Olhos'
representa] sua determinação como Buda
dotado das três virtudes [de soberano,
mestre e pais] de libertar o povo do Japão
das profundezas do sofrimento. Como
discípulos notáveis de Daishonin,
portadores de seu legado e de seu forte
rugido de leão, e como verdadeiros
patriotas, devemos lutar para salvar
aqueles que se encontram imersos no
grande sofrimento na época atual."11
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 10.
 Terceira Civilização - Edição 423 - 01/11/2003 - pág. 5 - Diálogo Sobre Religião Humanística

Kodansha, 1982, pág. 15. O verso recitado por Sakyamuni na hora do crepúsculo diz:
Em resposta ao rugido de leão do
"Quando o Darma realmente se manifesta em um praticante que continua meditando
presidente Toda, eu me levantei e assim séria e sinceramente, nesse momento todas as suas dúvidas e ilusões desaparecem, pois

fizeram sucessivamente os membros da ele compreende a Lei da origem dependente." (ibidem.) E o verso que recitou no meio da

Divisão Masculina de Jovens. Como noite diz: "Quando o Darma realmente se manifesta em um praticante que continua

meditando séria e sinceramente, nesse momento todas as dúvidas e ilusões

resultado, edificamos a Soka Gakkai na
desaparecem, pois ele obtém a erradicação de todos os tipos de relação cármica."
organização que ela é hoje. (ibidem.) 10. Em um discurso proferido no Centro de Orientação Vocacional Oriental, do

Ministério da Saúde, em 11 de julho de 1942, o primeiro-ministro Tojo disse: "Gostaria de

Agora chegou o momento de os jovens do salientar, em especial, o espírito da cooperação unânime. No exército, nas fábricas e em

século XXI fazerem com que seu rugido de qualquer outro lugar, se cada pessoa avança em uma direção arbitrária, não poderá

manifestar uma grande força. Quando todas as pessoas canalizam suas energias em
leão seja ouvido. Se os jovens do mundo uma direção estabelecida, poderão realizar um empreendimento notável com mais

inteiro se levantarem e formarem uma facilidade. Espero que se lembrem sempre disso." Em resposta, em um artigo intitulado

aliança inspiradora de leões urrantes, a SGI "Orientação essencial sobre o oferecimento de provas experimentais da validez de uma

do século XXI estará segura. E o vida dedicada ao grande bem", o Sr. Makiguti disse, comentando a frase 'uma direção

estabelecida': "Se não estabelecermos firmemente o propósito fundamental, as pessoas

surgimento desses jovens será uma não poderão dar sequer o primeiro passo com convicção". "Se as pessoas são levadas a

grande esperança para o mundo deste atuar sem estabelecerem um objetivo supremo, cairão em angústia, como se tivessem

século. Legendas Gandhi com suas netas tateando no escuro". Tsunessaburo Makiguti, Makiguchi Tsunesaburo Zenshu (Coletânea

Ava e Manu, em Délhi, Índia. O presidente de obras de Tsunessaburo Makiguti). Tóquio, Daisan Bummeisha, 1987, vol. 10, pág. 131.

11. Jossei Toda, Toda Josei Zenshu (Coletânea de Obras de Jossei Toda). Tóquio, Seikyo
Ikeda dialogou com o vice-presidente da Shimbunsha, 1981, vol. 1, pág. 128.

Associação para Propagação dos Ideais e

em Memória de Gandhi, B.N. Pande, em
sua visita à Índia em fevereiro de 1992.
"Nós, membros da SGI, estamos
percorrendo esse mesmo caminho aberto
por Daishonin, que nos permite revelar
nosso estado de Buda inerente." "Se os
jovens do mundo inteiro se levantarem e
formarem uma aliança inspiradora de leões
urrantes, a SGI do século XXI estará
segura."

NOTAS 1. Em "Retribuição pelos débitos de gratidão" Daishonin diz: "Se a benevolência de

Nitiren for realmente grande e abrangente, o Nam-myoho-rengue-kyo se propagará por

mais de dez mil anos, por toda a eternidade, pois tem o poder benéfico de abrir os olhos

cegos de todas as pessoas do Japão e bloquear o caminho que conduz ao inferno de

incessante sofrimento." (WND, pág. 736.) 2. No Ongui Kuden (Registro dos Ensinos Orais)

Daishonin diz a respeito da palavra myoho (Lei Mística): "Myo representa a iluminação,

enquanto ho indica a ilusão. A inseparabilidade de ilusão e iluminação chama-se myoho,

Lei Mística." (Gosho Zenshu, pág. 708.) 3. Mahatma Gandhi, All Men Are Brothers (Todos

os Homens são Irmãos), Krishna Kripalani, ed. Nova York, Continuum, 1990, pág. 49. 4.

Três corpos eternamente inerentes: As três propriedades virtuosas da Lei, da sabedoria e

da ação, que o Buda possui. Inerente significa que existe na forma original e não-criada.

5. Essa declaração é encontrada nos sutras do Nirvana e dos Seis Paramitas. 6. The

Dhammapada: Sayings of the Buddha (Dhammapada: Ditos do Buda), Thomas Cleary,

trad. Nova York, Bantam Books, 1994, pág. 41. 7. Ibidem. 8. Ibidem, pág. 13. 9. Koshiro

Tamaki, Bukkyo no Kontei ni Aru Mono (O que está na base do budismo). Tóquio,

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 11.